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1Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

2 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

3Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

Coleção Cadernos Temáticos

Educação do Campo:Semiárido, Agroecologia, Trabalho e Projeto Político Pedagógico

Santa Maria da Boa Vista/PE

Setembro, 2010

4 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

PREFEITURA MUNICIPALDE SANTA MARIA DA BOA VISTA - PE

PREFEITOLeandro Rodrigues Duarte

SECRETÁRIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃONeuma Maria de Vasconcelos Freitas

SECRETÁRIA ADJUNTA DE EDUCAÇÃOVera Lúcia

DIRETORA PEDAGÓGICAIara Reis

COORDENADOR MUNICIPAL DA EDUCAÇÃO DO CAMPORivanildo Adones dos Santos

EXPEDIENTE

PRODUÇÃOPrefeitura Municipal de Santa Maria da Boa Vista - PE

Secretaria Municipal de EducaçãoCoordenação da Educação do Campo

ORGANIZAÇÃOErivan Hilário

COLABORAÇÃOMaria Neuma de Vasconcelos Freitas

Rivanildo Adones dos Santos

DIAGRAMAÇÃOFábio Carvalho

IMPRESSÃOGráfica Progresso

TIRAGEM1.000 exemplares

FOTOSGilmar Araújo

Arquivo Coord. Educação do CampoWllyssys Wolfgang

5Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

PREFÁCIOClarice Aparecida dos Santos

APRESENTAÇÃO

Educação do Campo: notas para análise de percursoRoseli Salete Caldart

O Semiárido BrasileiroSilvana Lucia da Silva Lima

O Trabalho como processo educativo/formativoErivan Hilário

Agroecologia e Educação do CampoAloisio Souza da Silva e Leandro Feijó Fagundes

Projeto Político Pedagógico: concepção e elementos para construçãoJoelma de Oliveira Albuquerque e Nair Casagrande

POEMAS PARA CAMINHADA

ANEXOS(documentos sobre Educação do Campo)

Resolução do CNE/CB1, de 3 de Abril de 2002

Declaração final da II Conferencia Nacional de Educação do Campo 2004

Carta do II Seminário Nacional de Educação do Campo

Resolução CNE, CEB nº 02, de 28 de Abril de 2008

Resolução CEE/PE n° 02, de 31 de Março de 2009

Documento final do I Seminário Munucipal de Educação do Campo

SUMÁRIO

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7Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

PREFÁCIO

Nunca diga, nordestino,Que Deus lhe deu um destino...

Patativa do Assaré

Os educadores de Santa Maria da Boa Vista e da Região temem mãos um livro importante. Trata-se do Caderno Temático sobreEducação do Campo: Semiárido, Agroecologia, Trabalho e Projeto Político-Pedagógico, de iniciativa da Prefeitura Municipal de Santa Maria daBoa Vista - PE.

A publicação de um subsídio teórico-pedagógico acerca detemas tão caros para a educação, e especialmente para a educação naregião do semiárido nordestino, é, por si só, um feito louvável. Nummundo que tem dizimado as regionalidades e suas humanidades,eliminando-as, a serviço do desenvolvimento e da expansão do modelovigente, utilizando-se de projetos educacionais, uma iniciativa comoesta é como uma flor de mandacaru no meio da caatinga. Bela,exuberante e mostra da esperança de que a vida pode sempre florescer,mesmo na adversidade.

Temos vivido tempos difíceis e ao mesmo tempo tempos demuita produção, neste campo da Educação do Campo, o que indicavivermos um período de contradições, e esta é a riqueza destes tempos.

Quando penso num Caderno que tem a pretensão de servircomo subsídio teórico aos educadores que trabalham nas escolas dascomunidades rurais, assentamentos, quilombos, devo necessariamentepensar quem são.

São os educadores que trabalham e dedicam seu tempo àeducação das crianças e adolescentes, filhos e filhas de camponesesque, pelo fato de terem nascido no campo, foram condenados, pelahistória e pelos homens que a fazem, a viver nas condições mais adversasque qualquer população poderia viver. Poderiam ter-se rendido a estasituação que muitos (desavisada ou preconceituosamente) denominamnordestinados. Mas estes camponeses que aqui vivem não se renderamao destino para o qual se encaminhavam. E ao fazerem, mudaram asua própria história e a do seu município, da sua região. E ao fazê-lo,estão a provar que tudo na vida e no mundo pode ser mudado pelaforça coletiva da solidariedade e da organização social.

Importante para nós, que nos denominamos educadores, éque compreendamos esta primeira lição fundamental que a história

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deve ser a base sobre a qual pensamos o nosso Projeto PolíticoPedagógico, bem tratado num capítulo deste livro, como o eixoorganizador da escola, como o articulador dos processos educativos queali irão se desenvolver e sem o qual a escola e nós, educadores, nostornamos reféns das receitas fáceis vendidas a peso de ouro aosadministradores públicos, como a redenção das mazelas sociais. Sãoaqueles projetos de empresas privadas, de organizações nãogovernamentais que, aparentemente cheias de boas intenções, não fazemmais do que pensar o Brasil e suas necessidades a partir do eixo Brasília-Rio-São Paulo, do “centro” para a “periferia” do Brasil.

Sendo assim, queremos um Projeto Político Pedagógico quetenha como horizonte uma escola capaz de projetar-se como uma novapossibilidade de sociabilidade humana, como nova possibilidade paraas crianças e para a juventude. Uma escola alternativa a esta queconhecemos e que está a nos destruir. E está a nos destruir precisamenteporque o modelo de convivência social que a escola tradicional elaboroue implementou está falido. Os fatos confirmam esta falência. Está falidoo modelo educacional e está falido o modelo social. E está falido o modeloeducacional porque está falido o modelo social que o moldou.

Não fosse isso, não teríamos tantos problemas em manter osadolescentes e jovens na escola, prazerosamente. Vão por obrigação, porpressão da família e da sociedade. Vão para uma escola pensada damesma forma, para todos, independente do lugar onde vivam, da suahistória, da história social onde está inserida. Uma escola-padrão paratodos, mas que no seu interior se incumbe de selecionar aqueles queterão um ou outro destino.

Vejam bem, isso não é feito intencionalmente peloseducadores. Mas os educadores, ao não perceberem este processo, sãoutilizados pelo sistema educacional para reproduzi-lo. E, mesmomovidos pelas melhores intenções, perversamente, o modelo os tornainocentes úteis.

Nesta perspectiva, as melhores escolas (tradicionais) não têmfeito mais do que reproduzir uma educação necessária às novasnecessidades do capital, em cada região do país, inclusive no semiárido.Um exemplo disso, é que nas escolas técnicas, no caso do semiárido, asmelhores intenções no campo da formação profissional não têm feitomais que reproduzir a formação de um técnico funcional à expansão econsolidação da fruticultura de exportação, baseada num modelo deprodução agressivo ao solo e à água da região, comprometendo adisponibilidade destes recursos para as gerações futuras e reproduzindoum padrão de exploração do trabalho com um grau de alienação tão

9Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

perverso quanto ao não ter trabalho, pois não permite aos trabalhadorespensarem a possibilidade de fazerem de forma diferente. Fazer de formadiferente significaria organizarem-se para produzir de acordo com asnecessidades alimentares do povo, pelo seu trabalho, cujo resultadofosse distribuído para si mesmos, de forma organizada, e com recursospúblicos para seu financiamento. Assim como há financiamento, a rodo,para as grandes empresas.

Como pensar, então, um projeto pedagógico e uma escolanoutra perspectiva, qual seja a da emancipação humana pelaemancipação do trabalho? Qual educação e qual processo educativoescolar oferecerão as necessárias condições às crianças e à juventude dosemiárido nordestino, para que estas possam projetar o seu destino emvez de render-se às velhas e novas armadilhas armadas pelo modelovigente, como se destino fosse? Nosso amor e nossa dedicação às crianças,adolescentes e jovens de nossas comunidades nordestinas nos exigemque reflitamos sobre isso e passemos à ação.

Os trabalhadores rurais desta região já comprovaram serpossível reorganizar seus destinos, na luta pela Reforma Agrária, naluta por reconhecimento dos territórios quilombolas, na luta peloreassentamento das famílias atingidas pelas grandes hidrelétricas daregião. E se colocaram noutro padrão de exigência em relação àsautoridades públicas municipais, estaduais e nacionais. Agora, queremtambém estabelecer outro padrão educacional para seus filhos e filhas.Para isso, querem contar com a nossa participação, como educadoresda escola.

Aproveitemos este espaço importante que conquistamos nopoder público municipal em Santa Maria da Boa Vista, o reconhecimentopúblico das lutas dos trabalhadores rurais junto com educadores dascomunidades rurais, para nos colocarmos junto com estes na construçãode outro padrão educacional, comprometido com as causas de nossopovo da região.

Clarice Aparecida dos SantosMestre em Educação do Campo pela UnB e

Coordenadora Nacional do Programa Nacionalde Educação na Reforma Agrária.

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11Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

APRESENTAÇÃO

Madrugada camponesa,faz escuro ainda no chão,

mas é preciso plantar.A noite já foi mais noite

a manhã já vai chegar.Thiago de Mello

É com muita alegria e, principalmente, compromisso comuma Educação de qualidade, que nós da Prefeitura Municipalde Santa Maria da Boa Vista-PE, por meio da Secretaria deEducação e da Coordenação de Educação do Campo,apresentamos a “Coleção Cadernos Temáticos". Esta Coleçãoque aqui inauguramos tem por objetivo contribuir na formaçãodos educadores e educadoras com temáticas importantes quepermitem diálogos pedagógicos na perspectiva de socializar erefletir sobre as práticas educativas nas escolas da rede municipalde ensino.

Esse primeiro número intitulado de “Educação doCampo: Semiárido, Agroecologia, Trabalho e Projeto PolíticoPedagógico” reúne uma coletânea de textos e artigos sobretemáticas que são relevantes para o aprofundamento e debatepor parte dos educadores, gestores que atuam na Educação doCampo nas diversas comunidades de Santa Maria da Boa Vista.

O presente caderno nasce fruto de um trabalho que estamosdesenvolvendo em nosso município em torno da Educação doCampo e tem por objetivos: a) subsidiar os debates sobreEducação do campo nas escolas públicas vinculadas ao sistemamunicipal de ensino; b) contribuir com o processo permanentede formação dos educadores/as do campo e c) oportunizarmomentos de reflexão e compreensão do significado da escolano campo, bem como das relações econômicas, sociais e políticasque se desenvolvem neste território.

O primeiro texto, Educação do Campo: notas para uma análisede percurso, da Profa. Dra. Roseli Carldart, traz presente umbalanço político pedagógico da Educação do Campo, debate quejá passa de uma década. A mesma situa para o leitor como sedeu a constituição originária da Educação do Campo, aprofunda

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a concepção e aponta desafios.

O segundo, O Semiárido brasileiro, da Profa. Dra. Silvana Lima,aborda a questão do semiárido sobre a perspectiva de entender oconteúdo da questão regional hoje e a formação sócio-econômica dosemiárido nordestino. Para isso, contextualiza esse debate na históriae no modelo de desenvolvimento excludente que foi implantado naregião Nordeste.

O terceiro, O Trabalho como processo educativo/formativo, do Prof.Erivan Hilário, nos dá uma visão geral da concepção de trabalhoenquanto dimensão que possibilita processos de aprendizadosfundamentais para a formação do ser humano. Para isso, situahistoricamente o trabalho e traz presente de maneira breve aproblemática em torno do trabalho infantil.

O quarto, Agroecologia e Educação do Campo, dos ProfessoresAloísio Souza da Silva e Leandro Feijó Fagundes, traz presente asprincipais transformações ocorridas na agricultura, destacando osprocessos de industrialização, bem como desenvolvendo reflexão emtorno da concepção da Agroecologia a partir de um debate teórico-prático. Por fim, fazem um análise sobre Educação do Campo,Agroecologia e território camponês.

O quinto, Projeto Político Pedagógico: possibilidades das escolas do/no campo, da Doutoranda Joelma de Oliveira Albuquerque e da Profa.Dra. Nair Casagrade aborda o PPP como Plano de Vida, como umaconstrução coletiva que deve necessariamente ter a participação detodos e todas que estão envolvidos no processo político pedagógicodas Escolas do Campo.

Poemas para caminhada é uma parte deste Caderno que criamospara oportunizar o acesso a poemas, poetas e poetizas que eternizaramsuas obras ao longo da nossa história. Vai desde poetas nordestinos,como o camponês Patativa do Assaré, a nomes como o de CoraCoralina e do Dramaturgo Alemão Bertold Brecht.

Por fim, disponibilizamos documentos e resoluções sobre aEducação do Campo, desde as Diretrizes para Educação Básicas nasEscolas do Campo ao documento final do nosso I Seminário Municipalde Educação do Campo.

Esperamos, assim, que este caderno possa contribuir naformação de todos e todas. Ele não é um material para estudo

13Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

individual e, sim, para que nossas Escolas, ao reunir os seus Coletivos deEducadores e Educadoras, possam planejar com carinho o Estudo e debatede cada texto que aí está. Que possamos seguir avançando na construçãocotidiana de uma Educação de qualidade para toda população do nossomunicípio.

Um bom estudo, debate e reflexão.

Abraços fraternos,

Leandro Rodrigues DuartePrefeito

Neuma Maria de Vasconcelos FreitasSecretaria Municipal de Educação

Santa Maria da Boa Vista - PESetembro de 2010

14 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

15Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

Educação do Campo:notas para uma análise de percurso*

Roseli Salete Caldart

Coordenadora da Unidade de Educação Superior do InstitutoTécnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (Iterra) e

integrante da equipe de coordenação pedagógica do curso deLicenciatura em Educação do Campo, parceria entre Iterra e

Universidade de Brasília. Doutora em Educação pelaUniversidade Federal do Rio Grande do Sul.

16 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

Discutir sobre a Educação do Campohoje, e buscando ser fiel aos seus objetivosde origem, nos exige um olhar detotalidade, em perspectiva, com umapreocupação metodológica sobre comointerpretá-la, combinada a umapreocupação política, de balanço dopercurso e de compreensão das tendênciasde futuro para poder atuar sobre elas.

É momento de perguntar, passados10 anos deste “batismo”: que objeto deestudo, de práticas, de política é este queatende pelo nome de “Educação doCampo”? Tratamos de qual realidade e emqual contexto ou sobre “que movimento eem que quadro”? Por que a Educação doCampo já se configura como um fenômenoda realidade brasileira que exige tomadade posição, prática e teórica? Por que temcausado desconforto em segmentos

politicamente diferentes ou mesmocontrapostos? Qual o movimento do realprovocado ou expresso pela Educação doCampo que incomoda e já instiga debatessobre sua significação: que tipo depráticas e de políticas podem mesmo serdesignadas como tal? Por que Educaçãodo Campo e não Educação Rural? E, afinal,qual o balanço deste movimento darealidade? E qual o significado históricoque já é possível apreender da emergênciada Educação do Campo no contexto daeducação brasileira contemporânea e daslutas dos trabalhadores, do campo e dacidade, por uma educação emancipatóriae, mais amplamente, pela superação dasrelações sociais capitalistas?

Sem dúvida nossa retrovisãohistórica é ainda muito pequena para darconta de uma análise mais profunda do

O sentido do nosso movimento não é anterior à nossa intervenção:é instaurado por nós, dentro dos limites que nos são impostospelo quadro em que nos inserimos.Leandro Konder, 2003

* Notas iniciadas a propósito do II Encontro Nacional de Pesquisa sobre Educação do Campo, Brasília/DF, 6 a 8 de agosto 2008 econcluídas a partir da exposição feita no minicurso sobre Educação do Campo na 31ª Reunião Anual da ANPED, programação doGrupo de Trabalho Movimentos Sociais e Educação, Caxambu 20 e 21 de outubro de 2008 e para debate no Coletivo Nacional deEducação do MST em reunião realizada de 11 a 14 de novembro 2008, Guararema, SP. Elaboração concluída em novembro 2008.

17Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

processo de construção prático-teórica daEducação do Campo. Mas a necessidadede tomada de posição imediata e de umpensamento que ajude a orientar umaintervenção política na realidade de quetrata nos exige pelo menos umaaproximação analítica nesta perspectiva.Vivemos em um tempo de urgências:densas e radicais como são as questões davida concreta, de pessoas concretas,especialmente as questões de “vida por umfio”, nos seus vários sentidos. E nãoestamos fazendo esta discussão sobre opercurso da Educação do Campo em ummomento qualquer, mas exatamente nomomento onde estas urgências eclodemem um cenário de crise estrutural dasociedade capitalista, o que se de um ladodificulta ainda mais uma análise objetiva,de outro nos instiga a balanços projetivosque possam ajudar a reorganizar nossaatuação política diante de velhos e novoscenários1.

Podemos dizer sobre a Educação doCampo, parafraseando Emir Sader(prefácio a Mészáros, 2005, pág. 15) quesua natureza e seu destino estãoprofundamente ligados ao destino dotrabalho no campo e, conseqüentemente,ao destino das lutas sociais dostrabalhadores e da solução dos embates deprojetos que constituem a dinâmica atualdo campo brasileiro, da sociedadebrasileira, do mundo sob a égide docapitalismo em que vivemos. E ainda que“muitos não queiram”, esta realidadeexige posição (teórica sim, mas sobretudoprática, política) de todos os que hojeafirmam trabalhar em nome da Educaçãodo Campo.

Busco desenvolver este texto naperspectiva de construção de uma chavemetodológica para interpretação dopercurso e da situação atual da Educaçãodo Campo, orientando-me por doispressupostos teóricos bem antigos, donosso velho camarada Marx: o primeiro éo de buscar compreender o “movimento”e os “aspectos contraditórios” do real,muito mais do que afirmar e repetirobstinadamente princípios abstratos(Lefebvre,1981), o que me parece aindamais importante se o que pretendemos éjustamente tomar posição diante dequestões relacionadas à transformação darealidade. E o segundo é o da crítica comoperspectiva metodológica ou como guiada interpretação teórica. Crítica aqui nãono sentido simplificado de denúncia deuma determinada situação, mas sim deleitura rigorosa do atual estado de coisas, oudo movimento real de sua transformação 2.

O momento me parece propíciopara retomada destes pressupostos, tantopelo embate geral de idéias ou dereferenciais de interpretação da realidadeque tende a ficar mais forte neste períodode crise, como pela particularidade dasituação atual da Educação do Campo. Háhoje uma diversidade de sujeitos sociaisque se colocam como protagonistas daEducação do Campo, nem sempreorientados pelos mesmos objetivos e porconcepções consonantes de educação e decampo, o que exige uma análise maisrigorosa dos rumos que estas açõessinalizam.

De outro lado, começam a surgir,especialmente no mundo acadêmico,

1Este texto está sendo finalizado no momento em que a Via Campesina, movimento mundial de organizações camponesas, aodivulgar os documentos finais de sua V Conferência Internacional, realizada em Maputo, Moçambique, de 19 a 22 de outubro de2008, reafirma diante da crise global do sistema capitalista seu compromisso de resistência e de luta pela vida e pela agriculturacamponesa, definindo a soberania alimentar e a Reforma Agrária genuína e integral como bandeiras de luta fundamentais para oenfrentamento da crise desde a perspectiva da classe trabalhadora. “Aqui estamos nós, camponeses e camponesas do mundo, e nosnegamos a desaparecer“. Soberania Alimentar já! Com a luta e a unidade dos povos! (Carta de Maputo, outubro 2008). Como a Educaçãodo Campo se moverá em relação a esta agenda política?2 Sobre a crítica como princípio metodológico em Marx, tomo por base especialmente a interpretação de Enguita, 1993.

18 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

algumas interpretações sobre o fenômenoda Educação do Campo, que têm ficadoexcessivamente centradas nos discursos dedeterminados sujeitos, priorizando adiscussão lógica do uso ou da ausência deconceitos ou de categorias teóricas,buscando identificar as contradições noplano das idéias ou, ainda maisrestritamente, no plano dos textosproduzidos com esta identificação deEducação do Campo. Estes exercíciosanalíticos são importantes, desde que nãose descolem da materialidade objetiva dossujeitos, humanos e coletivos, queconstituíram e fazem no dia a dia a lutapela educação da classe trabalhadora docampo. Existem sim tensões de concepçõesteóricas entre os sujeitos hoje envolvidoscom a Educação do Campo e é importanteapreendê-las, discuti-las, mas não podemosperder de vista que os parâmetros dodebate das idéias devem ser dados pelaanálise do movimento da realidadeconcreta, sob pena de não participarem deleou, pior, ajudarem a fortalecer posiçõespolíticas conservadoras, sobre o campo esobre a educação dos trabalhadores.

Em síntese o que gostaria dedefender/reafirmar é a necessidade e aimportância, política, teórica, decompreender este fenômeno chamado deEducação do Campo em sua historicidade,o que implica em buscar apreender ascontradições e tensões que estão narealidade que a produziu e que a move, eque ela ajuda a produzir e mover; queestão no “estado da coisa”, afinal, e nãoapenas nas idéias ou entre idéias sobre oque dela se diz.

Entendo que uma das característicasconstitutivas da Educação do Campo é ade se mover desde o início sobre um “fiode navalha”, que somente se conseguecompreender pela análise das contradiçõesreais em que está envolvida e que, nuncaé demais repetir, não são as contradiçõesdo território estrito da pedagogia, mas daluta de classes, particularmente de como

se desenvolve hoje no campo brasileiro,em todas as dimensões de sua realidade.

Este “fio de navalha” precisa seranalisado, pois, no terreno das tensões econtradições e não das antinomias, estasúltimas muito mais próprias ao mundodas idéias do que ao plano da realidadeconcreta, das lutas pela vida real em umasociedade como a nossa: sim! a Educaçãodo Campo toma posição, age, desde umaparticularidade e não abandona aperspectiva da universalidade, masdisputa sua inclusão nela (seja nadiscussão da educação ou de projeto desociedade). Sim! ela nasce da “experiênciade classe” de camponeses organizados emMovimentos Sociais e envolve diferentessujeitos, às vezes com diferentes posiçõesde classe. Sim! a Educação do Campoinicia sua atuação desde a radicalidadepedagógica destes Movimentos Sociais eentra no terreno movediço das políticaspúblicas, da relação com um Estadocomprometido com um projeto desociedade que ela combate, se coerente forcom sua materialidade e vínculo de classede origem. Sim! a Educação do Campo temse centrado na escola e luta para que aconcepção de educação que oriente suaspráticas se descentre da escola, não fiquerefém de sua lógica constitutiva,exatamente para poder ir bem além delaenquanto projeto educativo. E uma vezmais, sim! a Educação do Campo se colocaem luta pelo acesso dos trabalhadores aoconhecimento produzido na sociedade eao mesmo tempo problematiza, faz acrítica ao modo de conhecimentodominante e à hierarquizaçãoepistemológica própria desta sociedadeque deslegitima os protagonistasoriginários da Educação do Campo comoprodutores de conhecimento e que resistea construir referências próprias para asolução de problemas de uma outra lógicade produção e de trabalho que não seja ado trabalho produtivo para o capital.

19Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

Neste texto busco exercitar essaperspectiva metodológica de compreen-der o movimento real da Educação doCampo, discutindo-o através de trêsquestões que me parecem importantes naconstituição dessa análise, ainda que aquias aborde sem a pretensão de esgotá-lasnem de já estar dando-lhes o tratamentoteórico necessário. A primeira questão dizrespeito à constituição originária, material,prática da Educação do Campo. Asegunda trata de apreender algumastensões e contradições principais do seupercurso e a terceira, pensando que épreciso incidir nos rumos da ação políticacom a urgência que nosso tempo noscoloca, se relaciona ao esforço deidentificar alguns impasses e desafios domomento atual da Educação do Campo.

Na seqüência algumas notas sobrecada uma das três questões, no intuitoprincipal de provocar um debate que nosdê indicações para uma construção maiscoletiva desta chave de leitura.

Sobre a constituição originária daEducação do Campo

Ainda não fizemos uma narrativaescrita e refletida dessa história com maisrigor de detalhes (desafio de pesquisa). Háregistros esparsos, fragmentados. E já háversões que alteram seus sujeitosprincipais, deslocando o protagonismodos Movimentos Sociais, dos camponeses,colocando a Educação do Campo como umcontinuum do que na história da educaçãobrasileira se entende por educação ruralou para o meio rural. Nestas notas destacoalgumas idéias-força para nosso debate de

interpretação da constituição de origem daEducação do Campo3:

A Educação do Campo comoCrítica

A Educação do Campo nasceucomo crítica à realidade da educaçãobrasileira, particularmente à situaçãoeducacional do povo brasileiro quetrabalha e vive no/do campo.

Esta crítica nunca foi à educação emsi mesma porque seu objeto é a realidadedos trabalhadores do campo, o quenecessariamente a remete ao trabalho e aoembate entre projetos de campo que têmconseqüências sobre a realidadeeducacional e o projeto de país. Ou seja,precisamos considerar na análise que háuma perspectiva de totalidade naconstituição originária da Educação doCampo.

E tratou-se primeiro de uma críticaprática: lutas sociais pelo direito àeducação, configuradas desde a realidadeda luta pela terra, pelo trabalho, pelaigualdade social, por condições de umavida digna de seres humanos no lugar emque ela aconteça. É fundamentalconsiderar para compreensão daconstituição histórica da Educação doCampo o seu vínculo de origem com aslutas por educação nas áreas de ReformaAgrária4 e como, especialmente nestevínculo, a Educação do Campo não nasceucomo uma crítica apenas de denúncia: jásurgiu como contraponto de práticas,construção de alternativas, de políticas, ouseja, como crítica projetiva detransformações.

3 No texto “Sobre Educação do Campo” de outubro de 2007 desenvolvo um pouco mais o que chamo de “materialidade deorigem” da Educação do Campo.4 Precisamos ter presente que a educação na Reforma Agrária, especialmente nas práticas e reflexões do Movimento dos TrabalhadoresRurais Sem Terra (MST), não pode ser vista hoje como outra coisa, mas é sim uma particularidade dentro do próprio movimentoda Educação do Campo; só que não é qualquer particularidade porque é justamente a sua materialidade de origem e hoje o querepresenta a explicitação mais forte da perspectiva de luta e de identidade de classe para a Educação do Campo.

20 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

Uma crítica prática que se fez teóricaou se constituiu também como confrontode idéias, de concepções, quando pelo“batismo” (nome) assumiu o contraponto:Educação do Campo não é EducaçãoRural, com todas as implicações edesdobramentos disso em relação aparadigmas que não dizem respeito e nemse definem somente no âmbito daeducação5.

A Educação do Campo surgiu emum determinado momento e contextohistórico e não pode ser compreendida emsi mesma, ou apenas desde o mundo daeducação ou desde os parâmetros teóricosda pedagogia. Ela é um movimento realde combate ao atual estado de coisas:movimento prático, de objetivos ou finspráticos, de ferramentas práticas, queexpressa e produz concepções teóricas,críticas a determinadas visões de educação,de política de educação, de projetos decampo e de país, mas que sãointerpretações da realidade construídasem vista de orientar ações/lutas concretas.

É então desde esse parâmetro que aEducação do Campo deve ser analisada enão como se fosse um ideal ou um ideáriopolítico-pedagógico a ser implantado ou aoqual a realidade da educação deve sesujeitar. Talvez isso incomode a alguns: aEducação do Campo não é uma propostade educação. Mas enquanto crítica daeducação em uma realidade historicamentedeterminada ela afirma e luta por umaconcepção de educação (e de campo).

Para analisar um fenômeno que seconstitui como uma crítica material a umdeterminado estado de coisas, nada maispróprio, pois, do que buscarmos construir

uma crítica de perspectiva materialista6, oque inclui uma exigência de análiseobjetiva: qual o balanço crítico quefazemos da realidade educacional dasfamílias trabalhadoras do campo,passados dez anos deste movimento delutas e de práticas de Educação doCampo? Esta análise pode também serdesdobrada nas questões específicas sobreas quais a crítica da Educação do Campotem se voltado: que crítica tem sidoafirmada no debate da Educação do Camposobre a formação de educadores, sobre aeducação profissional, sobre o desenhopedagógico das escolas do campo, sobreos objetivos e conteúdos da educação doscamponeses,...? Até que ponto as questõesda realidade da educação dos camponeses,dos trabalhadores do campo, têmefetivamente pautado o debate daEducação do Campo entre seus principaissujeitos: Movimentos Sociais, Governos eInstituições Educacionais (especialmenteas Universidades)?

Os Movimentos Sociais comoprotagonistas da Educação do Campo

Os protagonistas do processo decriação da Educação do Campo são osmovimentos sociais camponeses em“estado de luta”, com destaque aosmovimentos sociais de luta pela ReformaAgrária e particularmente ao MST.

O vínculo de origem da Educaçãodo Campo é com os trabalhadores “pobresdo campo”, trabalhadores sem-terra, semtrabalho, mas primeiro com aqueles jádispostos a reagir, a lutar, a se organizarcontra “o estado da coisa”, para aos poucosbuscar ampliar o olhar para o conjunto dostrabalhadores do campo.

5 Para uma análise histórica da educação rural e o que representa é importante uma retomada dos documentos principais daarticulação nacional por uma Educação do Campo e suas referências bibliográficas principais, a começar pelo texto de Calazans,Maria Julieta Costa. Para compreender a educação do Estado no meio rural – traços de uma trajetória, (Therrien e Damasceno, 1993).6 “... a crítica há de se construir sobre a base de que não existem nem o homem abstrato, nem o homem em geral, mas o homem quevive dentro de uma dada sociedade e num dado momento histórico, que está determinado pela configuração social e pelodesenvolvimento histórico concretos, independentemente de que, por sua vez, possa e deva atuar sobre eles” (Enguita, 1993, p. 79).

21Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

Talvez esta seja a marca maisincômoda da Educação do Campo(inclusive para certas ortodoxias deesquerda) e sua grande novidade histórica:os sujeitos que põe em cena comoconstrutores de uma política de educaçãoe de uma reflexão pedagógica. É como seouvíssemos de diferentes lugares políticosinterpelações como as seguintes (ainda quenem sempre ditas nestes termos):

“Como assim desgarrados da terra”,“como assim levantados do chão”7 exigindodireitos, cobrando políticas específicas, discutindoeducação, produzindo conhecimento? Puxandoa frente das lutas, buscando transformaçãosocial? Então os camponeses também queremestudar? E pretendem conceber sua escola, seuscursos? Discutir com professores deUniversidade?

“Só podem ser baderneiros, bandidos,terroristas...”

“Mas alguém já não disse que camponesessão sempre reacionários e não são capazes de seorganizar e agir como classe?”

E o proletariado, a classe operária, ospartidos políticos que deveriam lhes dar direção?Como ousam agir politicamente em nome daclasse trabalhadora?”

Talvez seja este protagonismo queo percurso da Educação do Campo, feitodesde as condições objetivas dodesenvolvimento histórico concreto,questiona/tensiona e que tantos buscamdeslocar, ainda que com objetivos em tesepoliticamente contrários: deslocar dosmovimentos sociais, dos trabalhadores, doscamponeses, dos oprimidos...

Na sua origem, o “do” da Educaçãodo Campo tem a ver com esseprotagonismo: não é “para” e nem mesmo“com”: é dos trabalhadores, educação do

campo, dos camponeses, pedagogia dooprimido... Um do que não é dado, mas queprecisa ser construído pelo processo deformação dos sujeitos coletivos, sujeitosque lutam para tomar parte da dinâmicasocial, para se constituir como sujeitospolíticos, capazes de influir na agendapolítica da sociedade. Mas que representa,nos limites “impostos pelo quadro em quese insere”, a emergência efetiva de novoseducadores, interrogadores da educação,da sociedade, construtores (pela luta/pressão) de políticas, pensadores dapedagogia, sujeitos de práticas.

Do ponto de vista metodológico ede balanço político é importante nãoperder a questão que nos pode ajudarnuma análise em perspectiva: o que jáhouve de semelhante na história daeducação brasileira e o que isso projeta emrelação às tendências da educação dofuturo? E para a análise do momento atualé preciso perguntar sobre as tendências deavanço ou de recuo do protagonismo dosMovimentos Sociais no mover-se daEducação do Campo hoje.

A Educação do Campo continuauma tradição pedagógica emancipatória

A Educação do Campo,fundamentalmente pela práxis pedagógicados Movimentos Sociais, continua e podeajudar a revigorar a tradição de umaeducação emancipatória, retomandoquestões antigas e formulando novasinterrogações à política educacional e àteoria pedagógica. E faz isso, diga-senovamente, menos pelos ideaispedagógicos difundidos pelos seusdiferentes sujeitos e mais pelas tensões/contradições que explicita/enfrenta no seumovimento de crítica material ao atualestado de coisas.

7 As expressões “como assim”, “desgarrados da terra” e “levantados do chão” se referem à indagação irônica da poesia militantede Chico Buarque de Holanda na canção “Levantados do Chão” feita para o MST, também homenageando a obra de JoséSaramago e a exposição “Terra” do fotógrafo Sebastião Salgado.

22 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

A Educação do Campo retoma adiscussão e a prática de dimensões oumatrizes de formação humana quehistoricamente constituíram as bases, ospilares da pedagogia moderna maisradicalmente emancipatória, de basesocialista e popular e de referencialteórico marxista, trazendo de volta osentido de uma “modernidade dalibertação” (Wallerstein, 2002, pág. 133-50). Refiro-me como pilares ao vínculoentre educação e trabalho, (não como“preparação para” da pedagogia liberal,mas como “formação desde” da pedagogiasocialista), à centralidade dada à relaçãoentre educação e produção (“nos mesmosprocessos que produzimos nosproduzimos como ser humano”), aovínculo entre educação e cultura, educaçãoe valores éticos; entre conhecimento eemancipação intelectual, social, política(conscientização). Trata-se, afinal, derecolocar para discussão da pedagogia aconcepção da práxis como princípioeducativo, no sentido de constituidorafundamental do ser humano (Marx).

E esta retomada vem exatamente daexigência do pensar a especificidade:considerar a realidade do campo naconstrução de políticas públicas e depedagogia significa considerar os sujeitosda educação e considerar a prática socialque forma estes sujeitos como sereshumanos e como sujeitos coletivos. E nãopretender que a educação/a pedagogiavalha e se explique por e em si mesma.

Uma retomada que é também arecuperação de uma visão mais alargadade educação, algo que já aparece comotendência de muitas práticas e reflexõesneste novo século: não confundireducação com escola nem absolutizar aeducação escolar, como fez no discurso a

pedagogia moderna liberal, para que ocapital pudesse “educar” mais livrementeas pessoas em outras esferas (umaarmadilha em que muitos pedagogos deesquerda também caíram). É precisopensar a escola sim, e com prioridade, massempre em perspectiva, para que se possatransformá-la profundamente, na direçãode um projeto educativo vinculado apráticas sociais emancipatórias maisradicais8.

Parece, aliás, que essa relação daEducação do Campo com a escolaincomoda a alguns: nasceu lutando porescolas e escolas públicas (através do MSTfazendo a luta por escolas nosacampamentos e assentamentos), continuacentrada nisso, e ao mesmo tempo nasceu,desde a radicalidade da Pedagogia dosMovimentos Sociais, afirmando queeducação é mais do que escola...,vinculando-se a lutas sociais por umahumanização mais plena: luta pela terra,pelo trabalho, pela desalienação dotrabalho, a favor da democratização doacesso à cultura e a sua produção, pelaparticipação política, pela defesa do meioambiente...

Desde os Movimentos Sociais aEducação do Campo nasceu trazendonovas (e velhas) interrogações à políticaeducacional e à teoria pedagógica própriasdos tempos “modernos” (isso tambémincomoda a uns quantos).

Do ponto de vista da política deacesso à educação talvez o que maisincomode é a idéia do direito coletivoversus a idéia liberal do direito individual.É só pensar na reação que hoje se manifestaem relação às turmas do PRONERA9 em

8 Aqueles que defendem a educação na perspectiva da classe trabalhadora, mas que sem vacilação acreditam ainda hoje que dizereducação é igual a dizer escola (ou que a escola é a referência necessária para pensar qualquer processo educativo mais avançado)sentem-se desconfortáveis em relação à Educação do Campo. E que bom que seja assim. Porque se o do campo for entendido comoum tipo específico de escola poderá justificar estragos consideráveis na educação dos trabalhadores (sentido que certamente nãocorresponde à visão dos próprios trabalhadores em questão).9 Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, criado em 1998, no mesmo contexto de luta dos Movimentos Sociais queconstituíram a Educação do Campo.

23Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

diversos setores da sociedade. O coletivopressiona mais o sistema e sendo estecoletivo originário dos pobres do campovolta a reação: “como assim?” E o direitocoletivo interroga com mais força oconteúdo das políticas e da própriaeducação. Não é qualquer acesso. Não équalquer formação. Ou seja, a Educação doCampo ao tratar de uma especificidade, epelo jeito de fazê-lo, configura-se comouma crítica à forma e ao conteúdo do quese entende ser uma política pública e aomodo de construí-la em uma sociedadecindida socialmente como a nossa.

Do ponto de vista da teoriapedagógica há interrogações importantesque merecem ser aqui ao menosbrevemente indicadas:

1ª) Os Movimentos Sociaistrouxeram a discussão sobre a suadimensão educativa. Os MovimentosSociais Camponeses vêm formulando areflexão sobre uma “Pedagogia doMovimento”10, afirmando a luta social e aorganização coletiva (constituidoras doMovimento Social) como matrizesformadoras. Essa formulação em boamedida já está em Marx na sua concepçãode práxis ao mesmo tempo como produçãoe transformação do mundo (que tem notrabalho sua centralidade, mas que vaialém dele), porém não tinha sidodesdobrada/elaborada pela área dapedagogia (que se centrou mais na reflexãosobre o trabalho e a cultura), a não serindiretamente, com outra nuance, em

Paulo Freire, na sua Pedagogia doOprimido11.

Que implicações esta experiênciaformativa de quem participa deMovimentos Sociais traz no pensar umapedagogia emancipatória e com objetivosde formar os sujeitos da transformaçãosocial? Que lições de pedagogia é possívelapreender da vivência em processos deluta social e organização coletiva paradiferentes práticas pedagógicas, inclusiveaquelas desenvolvidas na escola?

2ª) O vínculo entre educação etrabalho, central na concepção de umaeducação emancipatória, e na própriaconcepção da práxis como princípioeducativo, quando se desdobrou nareflexão específica sobre uma pedagogiado trabalho, teve como objeto central dereflexão teórica o trabalho na sua formaurbano-industrial (Gramsci, Makarenko,Pistrak,...). Da mesma forma hoje, quandose reflete sobre integração entre educaçãobásica e formação específica para otrabalho, o olhar se coloca para a lógicado trabalho que predomina nas cidades.

A Educação do Campo ao retomaresta reflexão sobre a relação entreeducação e trabalho se pergunta einterroga a teoria pedagógica: o quesignifica pensar a relação educação etrabalho, e fundamentalmente osprocessos de formação humana ou deprodução do ser humano, tendo por baseos processos produtivos e as formas de

10 Considerar que a Pedagogia do Movimento foi na origem da Educação do Campo sua mediação fundamental, enquantoconcepção pedagógica, de educação.11 Desenvolvo uma reflexão sobre a Pedagogia do Movimento e sua relação com a concepção de práxis como princípio educativono texto “Teses sobre a Pedagogia do Movimento” (2005): na concepção da “práxis como princípio educativo” em Marx cabemdiferentes matrizes pedagógicas: o trabalho, a cultura, a luta social, a organização coletiva. E seu raciocínio nos ajuda a compreenderque nenhuma matriz pedagógica deve ser vista isoladamente ou deve ser absolutizada como matriz central ou única (de uma vezpara sempre, a qualquer tempo e lugar); nenhuma das matrizes tem força material suficiente para dar conta sozinha da complexidade(que se revela cada vez maior) da formação humana. O ser humano se forma pela ação combinada, que às vezes é tambémcontraditória, de diferentes matrizes pedagógicas; dependendo das circunstâncias a influência principal pode vir de uma ou deoutra matriz, mas nunca a educação de uma pessoa, ou de um coletivo, será obra de um único sujeito pedagógico. É verdade queexistem diferenças de natureza entre as matrizes formadoras. O trabalho é a prática social básica de constituição do ser humano(embora não a esgote) e para Marx tem centralidade na própria conformação da práxis.

24 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

trabalho próprias do campo? Qual apotencialidade formadora e deformadoradas diferentes formas de trabalhodesenvolvidas atualmente pelostrabalhadores do campo? E queconhecimentos são produzidos por estestrabalhadores (e são deles exigidos notrabalho) que se subordinam à lógica daagricultura industrial e de negócio e, nocontraponto, por aqueles que hojeassumem o desafio de reconstruçãoprática de uma outra lógica de agricultura,a agricultura camponesa do século XXI,que tenha como princípios organizadoresa soberania alimentar, o direito dos povosàs sementes e à água, a agroecologia, acooperação agrícola? No âmbito específicoda discussão sobre formação profissional,por exemplo, pensar na lógica daagricultura camponesa não é pensar emum trabalho assalariado, que é a formadesde a qual se pensa hoje, inclusive doponto de vista crítico, (nos debates domédio integrado desde a concepção dapolitecnia), a questão da formação dostrabalhadores para sua inserção nosprocessos produtivos.

3ª) Na reafirmação da importância dademocratização do conhecimento, do acessoda classe trabalhadora ao conhecimento“historicamente acumulado”, ou produzidona luta de classes, a Educação do Campotraz junto uma problematização mais radicalsobre o próprio modo de produção doconhecimento, como crítica ao mito daciência moderna, ao cognitivismo, àracionalidade burguesa insensata; comoexigência de um vínculo mais orgânico entreconhecimento e valores, conhecimento etotalidade do processo formativo.

A democratização exigida, pois, nãoé somente do acesso, mas também da

produção do conhecimento, implicando emoutras lógicas de produção e superando avisão hierarquizada do conhecimentoprópria da modernidade capitalista. Asquestões hoje da construção de um novoprojeto/modelo de agricultura, porexemplo, não implicam somente no acessodos trabalhadores do campo a uma ciênciae a tecnologias já existentes. Exatamenteporque elas não são neutras. Foramproduzidas desde uma determinada lógica,que é a da reprodução do capital e não a dotrabalho. Esta ciência e estas tecnologias nãodevem ser ignoradas, mas precisam sersuperadas, o que requer uma outra lógicade pensamento, de produção doconhecimento. No caso do desafio atual emrelação à agricultura camponesa,efetivamente não se trata de “extensão”, masde “comunicação” (Freire, 2001) com e entreos camponeses para produzir oconhecimento necessário.

Esta compreensão sobre anecessidade de um “diálogo de saberes”está em um plano bem mais complexo doque afirmar a valorização do saberpopular, pelo menos na discussãosimplificada que predomina em meioseducacionais e que na escola se reduz porvezes a um artifício didático vazio. O queprecisa ser aprofundado é a compreensãoda teia de tensões envolvida na produçãode diferentes saberes, nos paradigmas deprodução do conhecimento. E do pontode vista metodológico isso tem a ver comuma reflexão necessária sobre o trabalhopedagógico que valorize a experiência dossujeitos (Thompson)12 e que ajude nareapropriação (teórica) do conhecimento(coletivo) que produzem através dela,colocando-se na perspectiva desuperação da contradição entre trabalho

12 Experiência aqui utilizada no sentido trabalhado por Thompson em suas obras, e particularmente no texto “Educação eexperiência” (2002).

25Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

manual e trabalho intelectual, que éprópria do modo de organização daprodução capitalista.

Alguns intelectuais têm alertadopara o risco desta reflexão cair em umaespécie de relativização do conhecimentoou da luta histórica da classe trabalhadorapelo acesso à ciência, ao conhecimento queajuda a produzir pelo seu trabalho, masdo qual é alienado. Há sim este risco de secair numa postura relativista, embora hojebem mais presente em determinadosposicionamentos intelectuais do que naspráticas e lutas concretas dostrabalhadores. Porém é preciso perguntarse negar a contradição produzida pelocapitalismo no modo de produção doconhecimento, que absolutizou a ciênciaou a racionalidade científica, ou uma formadela, ao mesmo tempo em que a fez refémde uma lógica instrumental a serviço dareprodução do capital e definiumecanismos de alienação do trabalhadorem relação ao próprio conhecimento queproduz pelo seu trabalho, não é um riscoainda maior para nossos objetivos desuperação do capitalismo.

Do ponto de vista de um balançoprojetivo da Educação do Campo nestaquestão específica da tradição pedagógicaque assumiu continuar, é precisoperguntar até que ponto esta mensagemestá chegando aos educadores e àseducadoras do campo e se estas novasinterrogações estão entrando em algumamedida na agenda da elaboração teórica edo debate pedagógico da educação dostrabalhadores de nosso tempo.

Afirmação das Escolas do Campo

Uma questão específica colocadapela Educação do Campo tanto à políticaeducacional como à teoria pedagógica diz

respeito à concepção de escola e àdiscussão sobre uma “escola do campo”.

Novamente escutemos umainterpelação freqüente: como assim uma“escola do campo”? Então a escola não éescola em qualquer lugar, em qualquertempo, seja para quem for? E por que nuncase fala de uma “escola da cidade”? Poracaso a Educação do Campo defende umtipo de escola diferente para as famíliasdos trabalhadores do campo? E nossodebate histórico sobre a escola unitáriaonde fica?

Não. A crítica originária daEducação do Campo à escola (ou àausência dela) nunca defendeu um tipoespecífico de escola para os trabalhadoresdo campo. Sua crítica veio em doissentidos: - sim, a escola deve estar em todosos lugares, em todos os tempos da vida,para todas as pessoas. O campo é um lugar,seus trabalhadores também têm direito deter a escola em seu próprio lugar e a serrespeitados quando nela entram e nãoexpulsos dela pelo que são... Como lugarde educação a escola não pode trabalhar“em tese”: como instituição cuja forma econteúdo valem em si mesmos, emqualquer tempo e lugar, com qualquerpessoa, desenvolvendo uma “educação” a-histórica, despolitizada (ou falsamentedespolitizada), asséptica...

O “do campo”, neste caso, retoma avelha discussão sobre como fazer umaescola vinculada à “vida real”, não nosentido de apenas colada a necessidades einteresses de um cotidiano linear e desuperfície, mas como síntese de múltiplasrelações, determinações, como questões darealidade concreta. Retoma a interrogaçãosobre a necessidade/possibilidade devínculo da escola, de seu projetopedagógico, com sujeitos concretos nadiversidade de questões que a “vida real”lhes impõe. Uma escola cujos profissionais

26 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

sejam capazes de coordenar a construçãode um currículo que contemple diferentesdimensões formativas e que articule otrabalho pedagógico na dimensão doconhecimento com práticas de trabalho,cultura, luta social. 13

Trata-se de uma reflexão que podenos ajudar a relembrar que continuamos simdefendendo e lutando pela escola unitária,mas que o unitário não pode ser um falsouniversalismo (porque abstrato ou porquede alguma forma “imperial”, ou seja, tratarde uma particularidade como se ela fosseuniversal). O unitário é a “síntese dodiverso” e o campo historicamente não temsido considerado nessa diversidade. Porisso já há quem afirme que hoje no Brasil aconstrução da escola unitária passa pelaEducação do Campo.

Como afirmou Walter Benjamin, epenso que vale para toda esta primeiraquestão de compreensão da constituiçãooriginária da Educação do Campo, averdade está na tensão entre o particulare o universal. Vale então frisar/reafirmar:a Educação do Campo não nasceu comodefesa a algum tipo de particularismo,mas como provocação/afirmação destatensão entre o particular e o universal: nopensar a transformação da sociedade, oprojeto de país, a educação, a escola... 14

No mesmo raciocínio talvez sejaimportante reafirmar também que as lutase as práticas originárias da Educação doCampo nunca defenderam ou secolocaram na perspectiva de fortalecer acontradição inventada pelo capitalismoentre campo e cidade. A questão é dereconhecer a especificidade dos processosprodutivos e formadores do ser humano

que acontecem no campo, compreendercomo historicamente essa relação foiformatada como sendo de oposição,exatamente para que se explicitem ostermos sociais necessários à superaçãodesta contradição.

Sobre as tensões/contradições dopercurso da Educação do Campo

É preciso considerar, como afirmeino início destas notas, que o percurso écurto e nossa capacidade de retrovisãohistórica por isso é ainda pequena. Mastalvez já seja possível identificar algumasexpressões importantes do movimento darealidade, particularmente nestes 10 anosdo “batismo”, ou seja, identificar asprincipais tensões e contradiçõesconstituidoras deste percurso, para tentarperceber os principais desafios domomento atual.

Destaco dois grandes focos detensões ou de concentração dascontradições: o primeiro e principal estána própria dinâmica do campo dentro dadinâmica do capitalismo e do acirramentodas contradições sociais que vem domovimento de expansão do capital,brutalmente acelerado no campo nestesúltimos anos. O segundo diz respeito àrelação tensa (que na sociedade capitalistanão tem como não ser contraditória) entrePedagogia do Movimento e políticaspúblicas, relação entre Movimentos Sociaiscom projeto de transformação da sociedadee Estado.

Note-se que não se trata decontradições da Educação do Campo emsi mesma, ou criadas pelo seu movimento

13 Do ponto de vista do nosso balanço projetivo da Educação do Campo cabe perguntar se é essa a reflexão predominante hoje nasassim chamadas “escolas do campo” ou como se move o debate pedagógico feito em torno delas, pelos seus diferentes sujeitos.14 Não se confunda esta posição com a visão de um pós-modernismo que defende a eliminação do universal em favor doparticular, o que é a própria expressão da armadilha ideológica do neoliberalismo: cultuo o particular matando-o como possibilidadede ser incluído no universal, já que supostamente a universalidade não mais importa...

27Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

específico, mas sim as contradições queestando presentes no contexto de suaorigem foram delineando seu percurso, aomesmo tempo que tem sido explicitadas emexidas por ele. Por isso não podemdeixar de ser consideradas na interpretaçãoe no debate de balanço e projeção daEducação do Campo.

Educação do Campo e luta declasses

O desenvolvimento da Educação doCampo acontece em um momento depotencial acirramento da luta de classes nocampo, motivado por uma ofensivagigantesca do capital internacional sobrea agricultura, marcada especialmente pelocontrole das empresas transnacionais sobrea produção agrícola, que exacerba aviolência do capital e de sua lógica deexpansão sobre os trabalhadores, enotadamente sobre os camponeses15. Nocaso brasileiro, podemos observar comoesta lógica se realiza através de diferentese combinados movimentos, apenasaparentemente contraditórios entre si,porque integram uma mesma lógica:expulsa trabalhadores do campo aomesmo tempo em que promete incluí-losna modernidade tecnológica doagronegócio; subordina a todos, dealguma forma, ao modelo tecnológico quevem sendo chamado de “agriculturaindustrial” e mantém seus territórios detrabalho escravo.

A ofensiva do capital no campo(talvez mais violenta na proporção daprópria crise estrutural do capital) estátornando mais explícitas as contradições dosistema capitalista, contradições que são

sociais, mas também ambientais erelacionadas ao futuro do planeta, dahumanidade. O debate mundial que estásendo feito hoje sobre a crise alimentar éemblemático, inclusive para mostrar arelação campo e cidade. 16

O agronegócio, representaçãoeconômica e política do capital no campo,tem feito também uma ofensiva de disputaideológica na sociedade: “sim, dizem os‘empresários’ do campo, é preciso acabar como latifúndio improdutivo, mas através doagronegócio, da modernização da agricultura,do campo e não da Reforma Agrária e dosMovimentos Sociais atrasados que ainda lutampor ela: é o agronegócio que vai resolver osproblemas da produção de alimentos, de trazermais divisas ao país...” Mas por via dasdúvidas, os grandes proprietários não têmficado somente neste plano de luta:alegando que precisam de mais“tranqüilidade para trabalhar” (explorar otrabalho), têm promovido cada vez maisinvestidas de criminalização dosMovimentos Sociais, ainda que nessecontexto de enfraquecimento do pólo dotrabalho, dos trabalhadores, suas lutassejam hoje muito mais de resistência doque de enfrentamento direto ao capital.Perigoso será se alguns setores dasociedade passarem a escutar osMovimentos Sociais dando-se conta que adefesa do meio ambiente, por exemplo,exige o combate à lógica de produção dealimentos própria do agronegócio. Maiorperigo ainda se as organizações ou osMovimentos Sociais aprofundarem suaatuação sobre as contradições do modeloatual, agora mais visíveis pela crisemundial do capitalismo.

A lógica de expansão do capitalismono campo, ou a lógica de pensar o campo

15 Uma análise da ofensiva das empresas transnacionais sobre a agricultura, já dentro dos marcos da crise recente do capitalfinanceiro pode ser encontrada no texto produzido por João Pedro Stedile, do MST, para a V Conferência Internacional da ViaCampesina, outubro 2008.16 Algumas referências para este debate específico: Stedile, maio 2008, Carvalho, julho 2007 e Christoffoli, 2008.

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como lugar de negócio, não inclui, nãoprecisa das “escolas do campo”, masparece já estar exigindo que a questão daeducação, e particularmente da educaçãoescolar dos trabalhadores do campo entre(ou volte) à agenda política do país:primeiro porque a chamada“reestruturação produtiva” chegandoagora ao campo requer uma mão-de-obramais qualificada, pequena é verdade (enão estritamente formada para o trabalhoagrícola em si), mas numa demanda quejá justifica o interesse dos “empresáriosrurais” em discutir formação ou educaçãoprofissional, reajustes na “vocação” dasescolas agrotécnicas, novos currículospara os cursos de agronomia, cursossuperiores voltados diretamente à gestãodo agronegócio.

Segundo, porque nesse contexto de“modernização da agricultura”, onde achamada “agricultura familiar” deve seinserir para sobreviver (“sobreviverão osmelhores, os mais modernos”, é aafirmação) já não parece tão ruim que estesagricultores tenham acesso à escolarizaçãobásica: espécie de “exército de reserva”para as demandas das empresas quecomandam os negócios agrícolas: mas issosem excessos, é claro, porque afinal ésempre bom poder contar com aalternativa do trabalho escravo em algunslugares (!) e o Estado precisa darprioridade às demandas específicas docapital e não gastar recursos na construçãode um sistema público de educação nopróprio campo, que necessariamenteatenderia as demandas do pólo dotrabalho.

Terceiro, onde afinal existiremescolas para as famílias trabalhadoras docampo seja pela pressão dos MovimentosSociais ou por concessão de empresas“humanitárias”, elas podem ser (já foramem outros tempos) um bom veículo dedifusão da ideologia do agronegócio:

através da nova geração “modernizar” asmentes para a nova “revolução verde”, ados transgênicos, da tecnologia“terminator”, da monocultura paranegócio, dos insumos químicosindustriais, da maquinaria agrícolapesada, completamente submetida à lógicada reprodução do capital. Em muitosestados este tipo de investida já tem sematerializado em materiais didáticos oupara-didáticos produzidos pelas própriasempresas, muitas vezes com recursospúblicos.

E se tudo isso puder acontecer commais facilidade e agilidade porque hojeexiste nos governos a “pasta” da Educaçãodo Campo, “viva a Educação do Campo”!Apenas é preciso tratar de afastá-la dessesagitadores pré-modernos, ou de MovimentosSociais como o MST, que ainda continuamempunhando a bandeira da ReformaAgrária, da soberania alimentar eenergética, da biodiversidade, do respeitoao meio ambiente...

Nesse mesmo movimento darealidade há pelo menos outros doiselementos importantes: aumentou apressão dos Movimentos Sociais sobre osetor público, cobrando especialmente odireito de acesso à escolarização pública,básica e superior. Aumentou porque foramentrando novos movimentos ou gruposnessa pressão: outras organizações da ViaCampesina Brasil (o Movimento dosAtingidos por Barragens – MAB, oMovimento das Mulheres Camponesas –MMC, O Movimento dos PequenosAgricultores – MPA, a Pastoral daJuventude Rural – PJR, A ComissãoPastoral da Terra – CPT e a Federação dosEstudantes de Agronomia – FEAB), omovimento sindical do campo(especialmente o vinculado àConfederação Nacional dos Trabalhadoresda Agricultura – CONTAG e à Federaçãodos Trabalhadores da Agricultura Familiar

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– FETRAF). E aumentou porque o trabalhodos Movimentos Sociais e as suasconquistas destes anos, ainda que apenasde políticas focais, como o PRONERA, porexemplo, ajudaram a ampliar a consciênciado direito, mexer com o imaginário doscamponeses: “pensando bem, não é verdadeque nós camponeses não precisamos de estudo eque não podemos continuar estudando...” Alémdisso, há todo um trabalho específico coma militância, feito por alguns MovimentosSociais, sobre o dever de estudar parapoder compreender melhor acomplexidade do momento atual da lutade classes. Por isso aumenta o número decursos de formação, em que pese o refluxoorganizativo e das lutas sociais de massa.

O outro elemento diz respeito auma característica da sociedade brasileiraque prima por discursos e documentosavançados, no plano de um ideáriorepublicano e de uma democracia liberal,ainda que na prática os desminta a todomomento: é assim que temos, por exemplo,o ECA (Estatuto da Criança e Adolescente)há 18 anos, elogiado no mundo inteiro, edescumprido desavergonhadamente emcada esquina. É nesta mesma lógica quefica difícil afirmar publicamente quedeterminada parcela da população temmenos direito à educação pública do queoutros. Direito universal, individual(virtual, é claro). E no caso da crítica de queveio tratando a Educação do Campo nestesdez anos, há um ingrediente a mais: afinalnão fica bem para um país “emergente”como o Brasil ter índices de analfabetismoe de acesso à educação básica que são“puxados para baixo” por “culpa” dapopulação rural e, ainda pior, o governofederal nem dispor de dados estatísticos

específicos desta situação e que permitampelo menos anunciar sua disposição de teralgumas políticas nessa área17.

Este processo, nesses e noutrosaspectos que precisam ser complementa-dos em um esforço de análise maiscompleta e rigorosa, talvez expliqueporque afinal a Educação do Campo“vingou”, existe, entrou na agenda deGovernos, Universidades, MovimentosSociais; virou questão, embora não tenhase tornado política pública, e menos aindapolítica de Estado. Na prática, os governostêm combinado políticas focais(importantes) de ampliação do acesso àeducação básica e de formação deeducadores do campo com a manutençãode políticas de fechamento de escolas oua retomada de programas alienígenascomo o da Escola Ativa, por exemplo.

Algo que precisamos aprofundarem nosso debate é que a tendência defuturo, considerada a correlação de forçaspolíticas do movimento atual, parece sera de retrocesso ao outro pólo dacontradição, pelo menos do ponto de vistada política de governos: um retorno àeducação rural, ou seja, de uma políticasim para a educação dos trabalhadores docampo, frise-se, para eles, a serviço da novafase do capitalismo no campo, o quesignifica dizer, voltada para os interessesdo “avanço do capitalismo financeiro e dasempresas transnacionais sobre todos osaspectos da agricultura e do sistemaalimentar dos países e do mundo” (ViaCampesina, 2008, pág. 1).

Será este então o principal balançodos dez anos de Educação do Campo: oque afinal conseguimos foi trazer de volta

17 Especialmente a partir de 2003 começaram iniciativas do governo federal para garantir levantamento de dados específicos sobrea situação educacional da população do campo. A partir de 2005 as pesquisas do INEP (Instituto Nacional de Estudos ePesquisas Educacionais Anísio Teixeira), vinculado ao Ministério da Educação, incluem também o recorte de dados sobre escolasde assentamentos de Reforma Agrária.

30 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

à agenda da política educacional do paísa educação rural, que na época da primeiraConferência Nacional de Educação doCampo em 1998, já tinha sido descartadacomo “residual”, atrasada, pelos governosneoliberais mais autênticos?

O que naquele período não erapossível enxergar como hoje, é que o quadroem que o debate da Educação do Campoestava se inserindo era o de transição demodelos econômicos, que implicaria em umrearranjo do papel da agricultura naeconomia brasileira (capitalista), passandoa ter um lugar de maior destaque, só quepelo pólo do agronegócio e projetando umamarginalização ainda maior da agriculturacamponesa, da Reforma Agrária, ou seja, dasquestões e dos respectivos sujeitosoriginários deste movimento18. Por issoalguns aliados que conseguimos em 1998para recolocar o rural na agenda do país nãosão necessariamente aliados hoje na tomadade posição sobre que rural deve estar naagenda, inclusive da educação, entre oprojeto do agronegócio e o projeto daagricultura camponesa, de convivência cadavez menos possível no cenário dereprodução (desenfreada ou desesperada?)do capital.

Menos ainda podíamos sabernaquele momento que dez anos depois estaprópria hegemonia estaria em crise e quesua primeira expressão mais explosivadiria respeito à questão dos alimentos,explicitando que a ofensiva do capital sobrea agricultura está pondo em risco apossibilidade de alimentar o grandecontingente de pessoas do nosso planeta.

Pedagogia do Movimento ePolítica Pública

O segundo grande foco de tensõese contradições no percurso da Educação

do Campo diz respeito à relação entrePedagogia do Movimento e políticapública ou na relação entre MovimentosSociais e Estado. Não é outro foco nosentido que aconteça separado doprimeiro, bem ao contrário. A distinçãoaqui é para olhar o mesmo movimento darealidade desde um outro ângulo,relacionado aos sujeitos originários daEducação do Campo.

A Educação do Campo se construiupela passagem da política produzida nosMovimentos Sociais para o pensar/pressionar pelo direito do conjunto doscamponeses ou dos trabalhadores docampo. Isso implicou em um envolvimentomais direto com o Estado na disputa pelaformulação de políticas públicasespecíficas para o campo, necessárias paracompensar a histórica discriminação eexclusão desta população do acesso apolíticas de educação, como a tantasoutras. No tipo de sociedade em quevivemos bem se sabe em que jogo políticoisso se insere, ou seja, em que correlaçãode forças e opção de classe se move esteEstado.

A dimensão da política pública estána própria constituição originária daEducação do Campo, mas suaconfiguração e mesmo sua centralidadefoi definida no processo, com a ampliaçãodos sujeitos envolvidos e das articulaçõespolíticas, e pelas novas possibilidadesabertas por um governo federal como ode Lula da Silva. Não por acaso é a IIConferência Nacional de Educação doCampo de 2004 que confirma a forçaassumida pela luta por uma políticapública de Educação do Campo, atravésdo lema aprovado pelos seusparticipantes: “Educação do Campo:direito nosso, dever do Estado”.

18 É importante ter presente que a Educação do Campo se desenvolve exatamente no período do capitalismo em que se consolidao predomínio do capital monetário (ou “financeiro”) que, como nos ajuda a analisar Virgínia Fontes (2008), é uma forma bastantepeculiar de fusão dos diferentes tipos de capital (industrial, comercial, bancário) que traz implicações fundamentais sobre aforma das relações sociais necessárias para a reprodução do capital e que atingem, particularmente hoje, a agricultura.

31Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

É importante ter presente umasutileza que marca a Educação do Campo:o MST desde o seu início lutou por escolaspúblicas, mas até o momento de entradana Educação do Campo não tinha colocadoem sua agenda de debates e de lutas aquestão da política pública, de pensar aeducação para além de si mesmo, ou paraalém da esfera dos Movimentos Sociais, depressionar o Estado a garantir direitos parao conjunto da população do campo, debuscar interferir, afinal, no desenho dapolítica educacional brasileira.

O percurso da Educação do Campofoi desenhando a dimensão da políticapública como um dos seus pilaresprincipais, na tensão permanente de queesta dimensão não “engolisse” a memóriae a identidade dos seus sujeitos originários,tensão tanto mais acirrada pela lógica da“política pequena” que domina o“gerenciamento” do Estado brasileiro, algonão de todo compreendido pelosMovimentos Sociais (agora talvez umpouco mais do que antes...).

Esta focalização de lutas, dearticulações, de práticas, em torno dapolítica pública vem representando aomesmo tempo um avanço e um recuo, umalargamento e um estreitamento,radicalização e perda de radicalidade napolítica dos Movimentos Sociais do Campoem relação à educação. É um “salto dequalidade” no sentido de superaçãodialética do momento anterior, sobre o quede fato ainda não se tem condiçõesobjetivas (tempo histórico) de analisar commais profundidade, mas em torno dasquais já é possível arriscar algumaspercepções.

Em termos ainda elementares deanálise, podemos afirmar que o avanço, ouo salto de qualidade, tem a ver com anecessária articulação entre os própriosMovimentos Sociais, dos MovimentosSociais com outras forças, outros sujeitos,materializando uma perspectiva muitasvezes defendida no ideário de cada

Movimento, mas difícil de concretizar, queé a de romper com corporativismos,particularismos, interesses imediatos. Issoimplica em outro avanço, que é o depensar o público recuperando o seusentido originário de um espaço próprioaos interesses do povo, da maioria dapopulação (e não como um lugar ou umapolítica subordinada a um Estado declasse); espaço, nesse sentido, dedemocratização da participação política(governo do povo). Para os MovimentosSociais, lutar pela Educação do Campo épassar a pensar na educação do conjuntoda classe trabalhadora e é buscar pautardessa forma, em uma perspectiva declasse, a questão da política educacional.E no específico de organizações como oMST, significa passar a compreender quea ocupação da escola pelo Movimentoprecisa ser feita/pensada comoapropriação da escola pelos trabalhadores,pelo seu projeto histórico e não apenaspelos interesses imediatos da organização,por mais justos, politizados e amplos queeles possam ser.

Entrar na disputa de forma econteúdo de políticas públicas, comobuscam fazer os sujeitos da Educação doCampo, é de fato entrar em uma disputadireta e concreta dos interesses de umaclasse social no espaço dominado pelaoutra classe, com todos os riscos (inclusivede cooptação) que isso implica, mastambém com essas possibilidades dealargamento de compreensão da luta declasses e do que ela exige de quemcontinua acreditando na transformaçãomais radical da sociedade, na superaçãodo capitalismo.

Esta é a radicalização, e nestaradicalização talvez a grande novidadehistórica da Educação do Campo, mas quepode implicar, já tem implicado nestepercurso tão breve, em perda deradicalidade. A radicalização tem a ver,pois, com o alargamento de perspectiva:não há como construir um projetoalternativo de campo em nosso país semampliar as lutas, sem ampliar o leque de

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alianças, inclusive para além do campo; enão tem como avançar em transformaçõesimportantes sem incluir na agenda de lutasa questão da democratização do Estado,com todas ou por todas as contradições queisso encerra. E para cada Movimento Socialem particular, não há justificativa paraocupar-se da educação, e da educação doconjunto dos trabalhadores, se não for porobjetivos relacionados a lutas mais amplas.

A perda de radicalidade, por sua vez,tem a ver com concessões e estreitamentos,que também podem ser entendidos comorecuos, retrocessos. Na sociedade em queestamos e numa correlação de forças tãodesfavorável aos trabalhadores e à própriaidéia de transformações sociais maisradicais, não se espere que o Estadobrasileiro, e nem mesmo que os “governosde plantão”, aceitem (1º) uma política deeducação que tome posição (prática) por umprojeto popular de agricultura, dedesenvolvimento do campo, do país, queajude a formar os trabalhadores para lutarcontra o capital e para construir outro sistemade produção, outra lógica de organizaçãoda vida social (que é exatamente o objetivooriginário da Educação do Campo). E (2º)que aceitem os Movimentos Sociais comoprotagonistas da Educação do Campo, queaceitem os trabalhadores pobres do campocomo sujeitos da construção (forma econteúdo) de políticas públicas, ainda queespecíficas para sua própria educação. Sefosse assim, a hegemonia do Estado jáseria outra.

O estreitamento que vem sendopercebido no percurso da Educação doCampo é, pois, de tentativa, especialmentedos governos, de fazer uma “assepsia”política, especialmente pelo deslocamento

dos seus protagonistas originários: afinal,parecem pensar muitos gestores públicos,para que continuar ouvindo osMovimentos Sociais se sua bandeira já estáincorporada nos discursos e documentosdos governos? É melhor que o “sistema”cuide da Educação do Campo porque jásabe como fazer isso. Ademais, osMovimentos tem o “mau costume” depolitizar a educação e isso não é bom parao “sistema”! E deslocar a centralidade dosMovimentos Sociais no debate daEducação do Campo acaba sendo tambémuma forma de alterar seu conteúdopolítico-pedagógico de origem, buscandoenfraquecer ou relativizar ao máximo umapossível influência de concepções deeducação sobre outros sujeitos,notadamente sobre os educadores dasescolas do campo19.

Há um outro detalhe significativoneste estreitamento: na lógica dominantede formulação de políticas públicas emesmo do sistema educacional, política deeducação só pode ser política de educaçãoescolar. Daí a tensão permanente: para osistema Educação do Campo trata deescolas, o que representa um recuo radicalna concepção alargada de educaçãodefendida pelos Movimentos Sociais, pelaPedagogia do Movimento. No âmbito daspolíticas isso se tenta resolver lutando pordiferentes políticas, relacionadas àprodução, à cultura, à saúde. Precisa teruma “pasta” de Educação do Campo quaseem cada ministério (ou secretaria deestado) para garantir fragmentos querelembrem a visão de totalidade origináriana esfera dos direitos.

Além disso, estreita-se pelo“enquadramento”: a pressão social trouxe

19 É preciso levar em conta que a tradição pedagógica vinculada a processos sociais emancipatórios historicamente teve poucainfluência sobre os educadores brasileiros, especialmente sobre os professores de escola e sobre as instituições responsáveis pelasua formação inicial. Neste sentido, não é algo pouco importante que através da Educação do Campo certas reflexões e certostextos da tradição pedagógica socialista e popular sejam não apenas retomados, mas passem a ser conhecidos por educadoresque de outra forma não teriam acesso a eles.

33Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

ao debate a idéia da especificidade, masno momento da formulação de umapolítica a tendência nunca é o específico(pela novidade do conteúdo) alterar aforma, mas sim o específico ter que seenquadrar na forma já instituída, ainda queseja a forma que contribuiu para a exclusãoe a discriminação que justificaram adiscussão da especificidade (!). Algo umpouco diferente se admite hoje em algumaspolíticas focais, recortadas no tempo, noespaço, nos sujeitos, mas que então não seconfiguram como políticas efetivamentepúblicas, de perspectiva universalizante.

Diga-se de passagem, estas políticasfocais20 têm sido marca do governo atual,notadamente o federal e é preciso dizer quesão importantes no jogo político, porquefazem emergir as contradições estruturais,e por isso mesmo são tão, e cada vez mais,combatidas pelas forças políticasdominantes.

Nos Movimentos Sociais do Campo,ou pelo menos em alguns deles, estaquestão das políticas públicas, ou de darprioridade à luta pela democratização doEstado a favor dos interesses sociais dostrabalhadores tem sido foco de tensões emotivado debates intensos. Às vezes chegaa parecer para alguns que se trata de umaescolha: ou ficamos com a Educação doCampo (entendida então como políticapública) ou com a Pedagogia doMovimento como se as contradiçõespudessem se resolver no plano do ideárioe não da realidade; como se não houvessecircunstâncias objetivas condicionando ocaminho seguido até aqui.

Nesta mesma perspectiva, já integrao percurso da Educação do Campo ummovimento de crítica teórica vindo de

setores de esquerda, notadamenteacadêmicos. Algo que precisa ser analisadocom mais rigor, mas que me atrevo a dizerque em alguns casos acaba se somando àsforças que buscam reviver a lógica perversada educação rural, sem precisar brigar poresse nome (como ainda fazem algunsgovernos mais retrógrados como o do RioGrande do Sul, por exemplo). Estou mereferindo a dois tipos de críticas que têmaparecido em alguns textos ou exposiçõesmais recentes, pontuais: uma a de que aEducação do Campo seria politicamenteconservadora por se ‘misturar’ com oEstado (burguês) e então não ter comoportar objetivos de transformação social. Ea outra de que a especificidade a condena aser divisionista da classe trabalhadora e,pior, trabalhando com a parcela doscamponeses, só pode ser reacionária.

Estas posições, além de fortementeidealistas parecem retomar, sem explicitar,aquela visão de “como assim, camponeses”?Porque talvez isso de fato estranhe amuitos: como entender que umMovimento Social, como o MST, de basesocial camponesa, radicalize as lutas deenfrentamento direto ao capital e ao mesmotempo aceite participar de debates deformulação de políticas de governo, aindaque depois não seja considerado nelas?Uma análise mais histórica das própriastransformações na luta pela ReformaAgrária, provocadas pela própriadinâmica contraditória do capitalismo,certamente colocaria a questão muito maisno plano dos impasses do que no da“estranheza” ou mesmo da incoerência.

É fundamental não perdermos natrajetória da Educação do Campo acentralidade da dimensão da crítica práticaque somente é assegurada pelos seussujeitos mais diretos: os trabalhadores do

20 Políticas focais no sentido de programas específicos que se colocam na perspectiva de políticas, a exemplo hoje do PROCAMPO(cuja ação principal é a Licenciatura em Educação do Campo) e do Programa Saberes da Terra.

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campo, no movimento real (contraditório)de formação de sua consciência, deconstrução de seu projeto, inclusiveeducativo. Se deslocarmos estacentralidade em nome da “afirmaçãoobstinada de princípios abstratos”,poderemos, sem querer, estar ajudando aeliminar as contradições no plano dasidéias, o que na prática significa hoje,repetindo e não repetindo a história,reforçar politicamente o pólo da“educação rural”.

Sobre impasses e desafios do mo-mento atual

Nestas notas penso, sobretudo, nosimpasses relacionados à atuação dosMovimentos Sociais em relação à Educaçãodo Campo, pela importância atual daretomada deste protagonismo e,especialmente na relação com o Estado, dodesafio de manter vivo o contraponto daPedagogia do Movimento. Desafio quenão é apenas dos próprios MovimentosSociais, mas de todos os sujeitoscomprometidos com o projeto político-pedagógico originário da Educação doCampo, através de uma ação políticaarticulada e não por fragmentos, como seestá tendendo a fazer hoje.

Uma questão que me parece crucialpara o debate dos impasses do momentoatual é que estamos diante de um riscoefetivo de recuo da pressão dosMovimentos Sociais por políticas públicasde Educação do Campo seja pelo refluxogeral das lutas de massas, econseqüentemente o enfraquecimento dosMovimentos Sociais, acuados pelanecessidade de garantir sua sobrevivênciabásica, seja pelo receio de “contaminaçãoideológica” ou de cooptação pelo Estado,ou até pela falta de consenso sobre o papelda educação na luta de classes e nestemomento histórico em particular. Entendo

que este recuo seria um retrocesso históricopara a classe trabalhadora e para a históriada educação brasileira.

Um recuo quantitativo e qualitativo.No meio de todas as contradiçõesmencionadas e dos limites práticos que acorrelação de forças impõe ao projeto dostrabalhadores, talvez se possa afirmar quenunca estivemos no país numa situaçãocomo a atual em relação à ampliação danoção/consciência do direito à educaçãoentre os camponeses (pelo menos entreaqueles com alguma aproximação aorganizações coletivas) e aoreconhecimento deste direito pelasociedade.

Nesse sentido o desafio para osMovimentos Sociais é aumentar a pressãopela massificação das lutas para além dostrabalhadores que os integram, mostrandona prática a falácia do discurso liberal dauniversalização do acesso à educação. Evincular esta luta a outras lutas sociais queassumem o caráter de luta de classes,mantendo a contradição instalada.

É importante ter presente que orecuo dos Movimentos Sociais na luta pelaeducação significa uma diminuiçãodrástica da pressão pela conquista dedireitos já reconhecidos pela sociedade,pelo retorno à dimensão do direitoindividual, abstratamente universal,diminuindo a tensão entre o particular e ouniversal, entre direitos individuais esujeitos coletivos de direitos.

O impasse tem a ver com atendência crescente (e compreensível pelalógica da sociedade em que aindavivemos) de fortalecer na discussão eimplementação (precária) da políticapública de Educação do Campo a lógicado sistema em geral, pressionando peloesvaziamento do seu conteúdoemancipatório originário e pela ampliaçãoda dimensão regulatória, buscando detodo modo enquadrar na ordem dadademandas que são da “contra-ordem”.

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Esse impasse está nos MovimentosSociais e no governo atual, especialmenteo federal, ainda que por motivosdiferentes e com um conteúdo diferente.Se a pressão dos Movimentos Sociaisdiminuir o governo não conseguiráavançar sequer nas políticas focais earranhar políticas públicas que lhepermitam alterar estatísticas, ‘ficar bem nafoto’ da universalização dos direitosliberais. Porque o agronegócio podeatender suas demandas de outra forma, oque historicamente também tem incluídoo uso do sistema público para formaçãode seus quadros (através das escolastécnicas e agrotécnicas federais, porexemplo). Tenta usar a Educação doCampo a seu favor, mas não precisa de umsistema público de educação no campopara isso (até porque ele pode ser perigosoaos seus interesses, em médio prazo). Poroutro lado se os governos não tiram dofoco da Educação do Campo osMovimentos Sociais, seu protagonismo, háuma traição à lógica estrutural da políticainstituída e ao projeto de classe do Estadoque representam. Algo que não ousam (ounem pensam) fazer em outras áreas,tampouco ousariam nessa.

Para os Movimentos Sociais deprojeto político mais radical o impasseparece estar no seguinte: seu potencial deavanço “corporativo” está em vias deesgotamento, nessa área da políticaeducacional como em outras. E enquantonão se vislumbram mudanças maisestruturais na sociedade, seu avanço (ousobrevivência) não pode prescindir daslutas (que podem ser mais ou menosradicais) pela democratização do Estadoem favor dos trabalhadores. Não há comomassificar o acesso da base social dosMovimentos, e muito menos do conjuntodos camponeses, à educação básica sem amediação hoje da Educação do Campo(com este nome ou outro), na suadimensão de política pública (plena ou

parcial). E parece cada vez mais difícilavançar na formação política dostrabalhadores para compreender arealidade do capitalismo brasileiro semuma base geral de educação anteriorfornecida pela educação escolar, ainda quede conteúdo pouco emancipatório.

Por outro lado, conformar-se com aregulação do Estado parece incoerentecom os objetivos políticos dessesMovimentos e mais, pode ter mesmo umefeito despolitizador de sua base ou de suamilitância se não houver um trabalhopedagógico adequado, uma política deformação que permita entender o quemesmo está em questão quando se faz estarelação com o Estado. E na prática, já sedisse antes, não é tão simples manter-sefiel à Pedagogia do Movimento quando setenta ser sujeito de políticas públicas numasociedade como a nossa, ainda que se saibaque é exatamente o conteúdo da primeiraque pode pressionar pela alteração daforma da segunda.

Um grande desafio para osMovimentos Sociais na superação dessesimpasses é não confundir a Educação doCampo com a Pedagogia do Movimento eao mesmo tempo não trabalhá-las em umavisão antinômica, como coisas separadas.Se os Movimentos Sociais entenderem aEducação do Campo somente na suadimensão de política pública e deeducação escolar e continuarem a pressão,mas apenas pelo direito, recuando nadisputa pelo conteúdo da política e pelaconcepção de campo e de educação,estarão abrindo mão da identidade queajudaram a construir e estarão eliminandoa contradição pelo pólo da educação ruralmodernizada.

Por outro lado, é preciso entenderque a luta pela Educação do Campo nãosubstitui a construção histórica daPedagogia do Movimento, e da construçãodo projeto de educação de cada Movimento

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Social, naquele sentido alargado de umaeducação vinculada a processos de lutasocial organizada, capaz de mexer naestrutura de valores, na visão de mundodos camponeses, de modo que assumam aperspectiva de construção de um projetode campo que se situe “para além docapital” (Mészáros, 2005), e que essaeducação deve ser feita de forma menostutelada e escolarizada e desde asdemandas próprias da formação dosmilitantes da organização, mas nanecessária perspectiva de classetrabalhadora unificada na luta contra ocapitalismo. Se não for assim faltará oacúmulo de radicalidade para a própriadisputa do conteúdo e do destino históricoda Educação do Campo.

Juntando os dois movimentos, o quese busca afinal é uma ampliação deperspectiva, necessária para alimentarlutas sociais conseqüentes pelatransformação das condições de vida dostrabalhadores e pela projeção de relaçõessociais menos degradantes do ser humano.

A retomada do protagonismo dosMovimentos Sociais na Educação doCampo é hoje um grande desafio e quepassa por uma interpretação mais rigorosae pela difusão ampliada da compreensãodesse momento da luta de classes, queinclui o debate das contradições da faseatual do capitalismo e as conseqüênciasque traz para a agricultura e para a vida(ou morte) dos camponeses, bem comopara o conjunto da sociedade. Estamosentrando em um período muito propíciopara esse debate, e a questão da produçãode alimentos pode ser uma boa porta de

entrada à discussão da realidade ou do“quadro” em que nossas ações educativasse inserem. Este debate precisa ser feitocom os diferentes sujeitos da Educação doCampo, mas especialmente com ospróprios trabalhadores e suas famílias, ecom os educadores das escolas do campo.

O mesmo desafio passa pelaretomada ou pelo fortalecimento dovínculo orgânico da Educação do Campo(enquanto crítica, enquanto práticas eenquanto disputa política) com as lutas deresistência dos trabalhadores do campo ea construção de um projeto de agriculturaque tenha outra lógica que não esta quepassou a dominar o mundo, que é a daagricultura com o objetivo do negócio,fazendo dos alimentos e da terra umobjeto a mais da especulação do capitalfinanceiro, em detrimento das pessoas(Via Campesina, 2008). Esta outra lógicaé hoje identificada pelo contraponto daagricultura camponesa21, comprometidacom uma forma de produção que garantaa alimentação dos povos do mundo, decada povo, de todas as pessoas,desafiando-se também a repensar aconcepção tradicional de agricultura dospróprios camponeses, agricultoresfamiliares, trabalhadores rurais.

O vínculo da Educação do Campocom o projeto da agricultura camponesaé seu “destino de origem”, mas não estádado e ao contrário, somente seráconstruído no enfrentamento concreto dastendências projetadas pelas contradiçõesem que seu percurso foi constituído,potencializando as contradições da

21 É preciso ter presente nesta discussão um aspecto que não será aprofundado neste texto, mas que integra a agenda de estudose debates da Educação do Campo: a identificação “camponesa” indica aqui um contraponto político e econômico de lógicas deprodução e de inserção social, que não se compreende sem a ressignificação ou mesmo a rediscussão do conceito de camponês queintegra o debate atual sobre projetos de campo. Ou seja, a agricultura camponesa entendida como uma categoria teórica e políticano contexto do confronto de projetos (agronegócio X agricultura camponesa) e não em si mesma.

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realidade social mais ampla explicitadaspelo momento de crise estrutural docapitalismo, um enfrentamento quedificilmente será protagonizado por outrossujeitos que não os Movimentos Sociaisque hoje assumem o embate de projetoscomo sua ação política principal.

A inserção neste embate implica emcolocar na agenda política e pedagógicadas lutas e das práticas de Educação doCampo questões como crise alimentar,crise energética e crise financeira, soberaniaalimentar, reforma agrária (incluindo nelao debate da propriedade social),agroecologia de perspectiva popular,biodiversidade, direito às sementes e àágua como patrimônio dos povos,cooperação agrícola, descriminalização dosMovimentos Sociais, direitos sociais doscamponeses e das camponesas, crianças,jovens, adultos, idosos. Trata-se de umaagenda e uma disputa que vão muito alémdo campo das políticas públicas, mas quenão o exclui, significando nele pressão deconteúdo, concepção, especialmente noque se refere ao direito à educação, mastambém de tomar parte na definição sobreque educação, destacando-se a disputa/nova elaboração sobre que formação parao trabalho no campo.

Finalizando sem concluir

Este é um debate que está em curso,buscando acompanhar o movimento dareali- dade que expressa. Finalizo estasnotas cha- mando nossa atenção para odesafio político, ao mesmo tempo práticoe teórico, que temos hoje em relação àEducação do Campo.

Do ponto de vista da construção deuma chave metodológica de interpretação,que foi o objetivo primeiro da produçãodeste texto, insisto na importância deapreendermos o movimento real da críticada educação em que se constituiu aEducação do Campo, e com o cuidado denão eliminar o movimento dialéticonecessário: somente chegamos à realidadeatravés de categorias, mas essas precisamser capazes de explicá-la em suacomplexidade, o que exige muitas vezescriar novas categorias. Não podemos fazerum movimento de “encaixe” da realidadeàs categorias ou às teorias a qualquer custo,porque isso falseia a realidade e empobrecea teoria.

Talvez não seja pouco buscarapreender a “novidade” (nos dias de hoje)de uma práxis que tenta negar asantinomias e constituir a radicalidade (deatuação política e pedagógica) entrando najaula do tigre para apanhar suas crias (comocostuma nos dizer Gaudêncio Frigotto,referindo-se a uma metáfora de Mao Tse-Tung), correndo sim o risco, e grande, deser “comido” pelo “tigre”, mas pelo menosnão deixando de enfrentar o risco de fazera história...

Do ponto de vista de projetar aatuação neste movimento da realidade,destaco os dois grandes desafios postospara os diferentes sujeitos que seidentificam com a constituição origináriada Educação do Campo. O primeiro é o deintensificar a pressão por políticas públicasque garantam o acesso cada vez maisampliado dos camponeses, do conjuntodos trabalhadores do campo, à educação22.É preciso disputar a agenda do Estado, épreciso “sobrecarregar o sistema”(Wallerstein, 2002, pág. 220) com as

22 Acesso ampliado no duplo sentido: de massificação, ampliação quantitativa e de dimensões da educação: escolarização, mastambém acesso às produções culturais e a atividades diversas de formação ao longo da vida e relacionadas às diferentes matrizesde educação do ser humano.

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demandas do pólo do trabalho (demandasde acesso que são de forma e conteúdo)para que, no mínimo, as contradiçõesapareçam com mais força.

O segundo desafio é o de radicalizara Pedagogia do Movimento, entendendo-afundamentalmente como um processoformativo de base dos trabalhadores querecupere sua “humanidade roubada”(Paulo Freire) e seja capaz de romper coma estrutura de valores, com a visão demundo, que os faz reféns da lógica docapital, politizando assim a própria lutapelo direito às formas de educaçãoconsagradas pela sociedade atual efortalecendo seu engajamento massivo naslutas pela superação do capitalismo. Issoinclui uma dimensão grandiosa, que é a deperceber-se como sujeito da história, que étambém ser sujeito de seu próprio processode formação para se construir como tal.Nessa perspectiva, a Pedagogia doMovimento assume também umaintencionalidade educativa na direção depreparar os trabalhadores para a construçãoprática deste novo modelo de produção, detecnologia, e para as novas relações sociaisque poderão começar a ser produzidasnesse movimento, o que implica nareapropriação crítica de iniciativas jáexistentes e bem antigas, especialmente noâmbito de uma produção diversificada ecomprometida com o equilíbrio ambientale humano.

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40 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

41Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

O Semiárido Brasileiro

Silvana Lucia da Silva Lima

Dra. em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe e Professora de Ensinode Geografia e Educação do Campo do Centro de Formação de Professores

da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB

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Falar do Semiárido brasileiro exige,necessáriamente, falar do Nordeste, de suaformação territorial e de como em suashistórias o modelo econômico capitalista,que é seletivo e excludente, foi sendoimplantado.

Nesta perspectiva, este texto trazduas reflexões: 1. O conteúdo regional hojee, 2. A formação socioeconômica do sertãonordestino.

O Conteúdo regional hoje

Segundo Tânia Bacelar (2008),compreender o Nordeste hoje nos remeteconsiderar quatro heranças: a) Ocupaçãodo território brasileiro a partir do litoral;b) A diversidade regional brasileira; c) Aexcessiva concentração econômica noSudeste; e d) A concentração geográficainterna.

A ocupação do território brasileiroiniciada pelo litoral impôs a este espaço,especialmente às cidades que se tornaramcapitais, uma execissiva concentraçãoeconômica, política e demográfica,definindo os demais espaços como nãodotados de equipamentos urbanos deserviços, ou seja, espaços que de forma

geral não foram selecionados para osinvestimentos do grande capital, e que, porisso, permanecem excluídos, total ouparcialmente, da lógica de produçãocapitalista.

Todavia, o Brasil foi sendomodelado e remodelado pelos ditames docapital (investimentos econômico),mediados pelo poder público que viu nadiversidade dos biomas (Mata Atlântica,Caatinga, Cerrado, Amazônia, Pantanal ePampa) um patrimônio natural exploradoou a se explorar.

Tal diversidade, ao longo dahistória, passou a orientar a mobilidadedo capital e da força de trabalhoestabelecendo: a concentração dos negrosno litoral (força de trabalho no cultivo dacana-de-açúcar); do índio-vaqueiro nosertão (expansão da pecuária extensiva); aocupação recente dos produtores de sojano oeste e de migrantes regionais naAmazônia (seringueiros, garimpeiros ecarvoeiros); e uma área social eambientalmente degradada pelaconcentração de terras (que continuaimplantando a pecuária ultra-extensivamediante o desmatamento e a instação decarvoarias, ambas sustentadas pelaexploração do trabalhador em condições

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análogas ao trabalho escravo, geralmenteoriundo do semi-árido nordestino).

Ao mesmo tempo, a excessivaconcentração econômica no Sudeste deindústrias, infra-estrutura econômica,universidades, institutos de pesquisa e docomando político nos permite constatar,ainda segundo Bacelar (2008), que tudo queé média no Brasil é falso, porque éinfluenciado pelo Sudeste, em especial,porque São Paulo alimenta umaconcentração econômica injusta por detero comando das definições das políticaspúblicas e pelo fato de São Paulo nãopensar o Brasil mas, de se pensar como oBrasil1.

Ao debater a questão, Silva (1999)adverte que o Nordeste mudou, semodernizou, se urbanizou, maspermanecem as concentrações. Este autordestaca que para entendê-las é precisoinvestigar a natureza dos investimentos edas regionalizações propostas e efetivadas,compreendendo a regionalização como ummecanismo do poder público que permitea constituição de uma unidade regionalainda pautada nas diferenças em relaçãoao resto do país.

No Nordeste, a pobreza foi durantemuito tempo o elemento que garantiu asua unidade regional, que possibilitoucompreender esta parte do Brasil comoregião, uma região problema. Ao mesmotempo, foi se construindo sob a égide doprogresso técnico (modernizaçãoprodutiva) reproduzindo múltiplasrelações, ora no formato tradicional comintensa exploração da mão-de-obraassalariada e não-assalariada, ora criandoas condições que exigiram o surgimentodos movimentos socias de resistência,tais

como Canudos, Ligas camponesas e MST,os quais o Estado sempre tentou neutralizar.

Os movimentos sociais resistiram ese reafirmaram sem ainda alterar ahegemonia do modelo econômicocapitalista, dado a dinâmica damobilidade do capital que tem impactosdistintos sob a sociedade. Mas, já temconseguido alterar a dinâmica social eeconômica no sertão nordestino, a exemplodo sertão de Sergipe.

Assim, a dinâmica aparentementecontraditória do capital ora exige odesenvolvimento de forças produtivas,cobrando tanto uma agropecuáriacapitalista e moderna, quanto ainteriorização das indústrias e dos serviços(o que provoca a flexibilidade na produ-ção, na localização das empresas e dostrabalhadores, estabelecendo novas relaçõesde produção), ora faz com que, numa reaçãopolítica em defesa da própria existência, ostrabalhadores rurais pobres fortaleçam suasorganizações e ampliem o processo deterritorialização dos movimentos sociais docampo, mobilizando trabalhadores ruraisna luta por terra, por crédito, educação esaúde, por reforma agrária, enfim, por vidadigna no campo.

Neste contexto, a mobilidade docapital e a territorialização dosmovimentos sociais no campo sãoprocessos definidores na transformação darealidade regional atual e, portanto,fundamentais para se compreender acondução do debate acerca daconfiguraação territorial no Semiáridonordestino.

Neste processo histórico deconsolidação do modelo de exploração

1Fala de Chico de Oliveira citada por Barcelar.

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capitalista não podemos esquecer a açãodo Estado que, historicamente, teve umpapel fundamental no surgimento e nacondução dos processos anteriormentecitados, mediando relações entre as classessociais, ou seja, entre dominantes edominados.

Na mediação entre classes sociaisoponentes, o Estado entreviu sancionandorelações de forças. Neste aspecto, asleituras apontam para um Estadoarticulado com os grupos hegemônicos esubordinado aos ditames dos donos docapital internacional, onde, ao longo dahistória, a classe hegemônica e o Estado têmcriado estratégias para que a sociedade,cada vez mais, adapte-se às novasexigências, obrigações e estratégiasimpostas pelas multinacionais, pelastransnacionais e pelo mercado financeiro.

Todavia, todo este movimento quereestruturou a economia foi realizado numâmbito de intenso processo de exploraçãoe segregação social que apenas alimentouas disparidades socioeconômicashistoriacamente construidas.

A formação socioeconômica dosertão nordestino

Em seu texto A assim chamadaacumulação primitiva do capital, karl Marxexplica como os primórdios daacumulação é sempre conduzido por um“processo histórico de separação entreprodutor e o meio de produção”, como usode métodos não idílicos (MARX, p. 261-26).

No mesmo texto, Marx esclareceainda que, no processo de formação daclasse capitalista, as formas materiais deprodução da existência são transformadasmediante a conquista do campo para aagricultura capitalista, implicando naincorporação da base fundiária ao capital

e na criação de uma massa detrabalhadores aptos a vender sua força detrabalho, introduzindo uma produçãomercantil.

Assim, na gênese histórica do modocapitalista de produção foram construídasas condições econômicas fundamentaispara selar o domínio do capital sob otrabalho, da classe dominante sobre aclasse dominada, dos donos do meios deprodução sobre os donos da força detrabalho.

No Semiárido brasileiro, a formaçãoda sua estrutura socioeconômica (os meiosde produção) e da base fundiária (grande epequena propriedade/latifúndio eminifúndio) esteve associada à doação desesmarias, associadas à abertura defazendas de criação. Esta atividadeagropecuária subjugada à sociedadeescravocrata teve, inicialmente, um papeldeterminante na organização social eespacial, mais do que o sistema deapropriação de terras.

Foram as relações sociais deprodução (escravidão, arrendamentos) opilar da sociedade colonial e não apropriedade fundiária. São as relações deprodução estabelecidas pelas atividadeseconômicas e de subsistência, mais que aapropriação legal da terra, que garantirama ocupação e povoamento do sertão.

No interior do Nordeste, aexpansão da pecuária fez parte de umprojeto político de longo prazo paracontrolar o território. Com isso,estabeleceu, em relação ao litoralaçucareiro, um tipo diferenciado deimóvel fundiário (a fazenda e as pequenasposses) e de relação social de produção.

A força de trabalho nesta economiaextensiva passou a ser constituída dehomens pobres, brancos, índios, mestiços

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e alguns escravos que produziam paraprópria subsistência, usando a força detrabalho familiar. Ao possibilitar a criaçãoda figura do vaqueiro, do arrendatário edos posseiros, instalou-se um novo regimede trabalho no Brasil, diferente daescravidão, pautado na “inserção dehomens livres na ordem escravocrata e aconstituição de uma economia semi-camponesa” (OLIVEIRA, 1993, p.46).

Os vaqueiros, homens livres naordem escravocrata, tiveram um papelimportante na formação da estruturafundiária, econômica e social regional. Isspoporque, na medida em que iam adquirindoo seu próprio gado, frutos do sistema dequarta, abriam novos currais, assimchamados, dando origem a sítios e fazendas.Estes se tornaram os locais privilegiados dacriação do gado e do cultivo de subsistênciapara o vaqueiro e sua família.

A fazenda era, na perspectiva deMartins (1981, p. 23), “o conjunto dos bens,a riqueza acumulada; significava,sobretudo, os bens produzidos pelotrabalho (e, dentro de sua análise), otrabalho personificado do escravo”.Diferente do sentido que tem hoje, “estavamuito próxima da noção de capital (relaçãosocial de produção) e muito longe da noçãode propriedade fundiária”.

Os trabalhadores que seaglomeravam nas fazendas para participardo processo produtivo construíram suasresidências em aglomerações que deramorigem às primeiras povoações.

Em todo o interior nordestino elaseram rarefeitas e dispersas. E só vieram aser concentradas espacialmente no séculoXVIII. A distância entre os centrosconsumidores e de decisão, asdescontinuidades entre as fazendas e asprecárias condições de vida, incentivaram

a ausência dos proprietários na região,ficando as fazendas e os currais entreguesa vaqueiros que, mediante o sistema daquarta, contribuiu para a abertura de novasfazendas fora do controle da Lei deSesmarias pela Coroa portuguesa.

Esse processo acentuou a associaçãoentre o latifúndio-pecuária e a força detrabalho do vaqueiro, tendo ambos umpapel central no processo de ocupação econfiguração socioterritorial do sertãonordestino onde, segundo Andrade (1986,p. 148), foram construidos os maioreslatifúndios do Brasil.

A vasta literatura confirma apresença relativamente expressiva deposseiros e de rendeiros no sertãonordestino. Nessas terras elesdesenvolvem atividades agropecuárias,dedicando-se a criação de pequenosanimais (caprinos, ovinos e suínos).

Mas, foi o cultivo de mandioca, fava,feijão, milho, nas áreas secas e, do arroz,abóbora e banana, nas terras úmidas, oumelhor, nas várzeas dos rios, o quepossibilitou a permanência do homem nosertão, especialmente no semiárido, porgarantir sua alimentação e sua reproduçãoenquanto ser social.

Conforme Lima (2007), um olharatento para história revela que só aospoucos a região Nordeste foi aprofundandoa diversificação na produção e conhecendoa separação entre área de produção(fazenda) e a área de consumo (o povoadoe/ou a cidade), possibilitando ummovimento populacional de pequenoscomerciantes. A exemplo temos os pontosde troca que se tornaram, com o passar dotempo, as sedes distritais como em NossaSenhora da Glória e de Monte Alegre deSergipe, Icó no Ceará, Feira de Santana naBahia e Arapiraca em Alagoas.

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Todos os estados do semiáridonordestino possuem municípios cujosprocessos de formação socioespacial foramengendrados a partir da segunda décadado século XVII, quanto os viajantes criaramos primeiros ranchos que ao logo do tempoforam transformados em povoações. Estasorganizaram os seus pontos de trocas demercadorias, passando a ter nos séculosposteriores feiras que se tornaramimportantes centros comerciais.

Outras cidades tiveram seusurgimento ligado ao desenvolvimento dasatividades de subsistência, como a criaçãode gado e roçado. Muitos núcleoshumanos que viviam nos currais e seuentorno, além dos roçados destinados aalimentação familiar, cultivavam o algodãomocó (arbóreo), cuja finalidade era garantira produção de tecidos grosseiros paraalimentar um pequeno comércio local.

No século XVIII, frente às mudançasconjunturais internacionais, a região foitransformada numa importante zonaprodutora de algodão com ampla aceitaçãono mercado internacional, particularmentena Inglaterra.

Esta mesma conjuntura impôs novosmovimentos ao capital a partir dos efeitosdo progresso técnico produzido pelaRevolução Industrial inglesa. Nestecontexto, a elite brasileira em formação foicriando as condições para o fim do sistemacolonial-escravista e abrindo espaço parao desenvolvimento do modo capitalista deprodução em bases assalariadas e nãoassalariadas.

E, assim, como em todo o Nordestedo Brasil, a expansão do algodão comocultura comercial provocou mudançassubstanciais: na economia (ampliando onúmero de unidades produtivas efomentando um mercado regional); na

sociedade (separação entre mercadores eagricultores); e no espaço (desmatamentoe surgimento de novas povoações). Issosem alterar a estrutura fundiária, muitoembora tenham surgido maisarrendamentos e posses, fortalecendo opoder local – os coronéis (LIMA, 2007).

O capital não entrou na esfera daprodução abrindo grandes campos decultivo, mas permitiu que o cultivo doalgodão continuasse a ser realizado porpequenos produtores proprietários de terra,posseiros e/ou arrendatários,desenvolvendo relações sociais deprodução não-capitalistas. Já a suaindustrialização, que se achava sob controlede empresas estrangeiras, localizadasprincipalmente no litoral, proporcionouaumento do trabalho assalariado, ourelações sociais de produção capitalistas,com salários que variavam de acordo coma dinâmica da economia mundial(ANDRADE, 1986, p. 85 e 158).

No âmbito interno, as economiaslocais passaram a ter momentos de crise ecrescimento. Sendo a maior região brasileiraprodutora de algodão, o sertão nordestinoenfrentava os efeitos negativos das secasperiódicas com a redução nos níveis deprodução agrícola e o crescimento da áreaplantada e da produção.

Para responder às demandasinternacinais, na segunda metade doséculo XIX, muitas fábricasdescaroçadeiras de algodão já tinhamsido instaladas no Nordeste – Icó/CE,Souza/PB.

Em toda região Nordeste, ocontrole do processo de produção doalgodão no interior da unidade produtivaera feito pela família. Mas, a circulação eracontrolada por fazendeiros articulados aos

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grupos hegemônicos da economiamundial. Os primeiros compravam amatéria-bruta dos pequenos produtores,levava-as para as descaroçadeiras que,após transformá-las em matéria-prima,eram comercializados junto as fábricas deprodução de linha e tecidos.

A análise da cadeia produtiva doalgodão até meados do século XX noNordeste brasileiro evidencia três questõesque são fundamentais para compreendero processo de estruturação produtiva doespaço regional sertanejo:

1. A distinção entre os espaços daprodução agrícola (Agreste e Sertão) e dobeneficiamento do algodão (Litoral)produziu uma nítida divisão social eterritorial do trabalho, favorável ao litoral;

2. A maior parcela dos lucrosobtidos com o beneficiamento do algodãoficou com os manufatureiros do litoral eos comerciantes locais e regionais(fazendeiros intermediários);

3. A renda adquirida pelosagricultores pouco garantia suasubsistência e de sua família.

Recorremos a Oliveira (1993) paraentender como o fazendeiro participavadiretamente do processo de acumulaçãoprimitiva. Além de acumular riquezas como comércio, o beneficiador do algodão eratambém proprietário das terrasarrendadas, se apropriando de parte daprodução realizada pelo meeiro, mediantepartilha, garantindo o sobre-produto.Quando os moradores da fazendapagavam o cambão, o proprietário seapropriava do sobre-trabalho e aindaextraia a renda pelo usa da terra. Era umaforma de apropriação de parte do valorproduzido, construindo um círculoinfernal de submissão.

Como foi possível verificar, nos trêsprimeiros séculos de ocupação doNordeste foram estabelecidas as condiçõesmateriais objetivas para os processosexpropriatórios mediante a:

- Expropriação das terras indígenas,ignorando sua existência, para atender aoprojeto colonizador;

- Inserção de atividades mercantissem a extinção das atividades desubsistência;

- Separação entre os donos da forçade trabalho e os donos dos meios deprodução;

- Compartimentação da terra e acriação das bases da propriedade privadaatual.

Tais processos estruturaram novasrelações de poder. Estruturaram umasociedade com características políticas eculturais específicas, mas orientadas pelamercantilização das atividades produtivas,configurando a atual base territorialestudada.

É neste contexto, que sob a égide deum Estado capturado pelas velhasoligarquias rurais e as novas oligarquiasurbanas com vínculos ruraisextremamente fortes, que o BNB e aSUDENE estabeleceram, a partir dos anosde 1950, políticas de desenvolvimentoeconômico pautados na modernização daagricultura nos vales úmidos (criação deperímetros irrigados) e uma política deindustrialização priorizando as zonas demaior crescimento, as maiores capitais.

O projeto da Sudene enfrentousérias dificuldades com o particularismoe o localismo criado por e a partir doscoronéis. No âmbito das relações

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interestaduais e intermunicipais, gerouníveis diferenciados de desenvolvimentoe despertou uma guerra fiscal prejudicialao desenvolvimento local. Aqui é fácilperceber como um projeto dedesenvolvimento pautado na competiçãoeconômica, e não nas necessidades sociaisbásicas, jamais iria possibilitar a superaçãodas contradições socioeconômicasregionais.

Nos anos de 1990, o Projeto Áridas2

surgiu como uma alternativa ao GTDN3

recuperando o quadro geral do polígonodas secas, incorporando uma análiseorientada pela lógica do desenvolvimentosustentável capitalista. Este projeto dedesenvolvimento econômico permitiuenfrentar o esvaziamento do regionalismoe do nacionalismo, enquanto estratégiacanalizadora de recursos e projetos,perante os imperativos do neoliberalismo.

Enquanto manifestação maiscontudente da política neoliberal, o Áridascoadunou o moderno e o atrasado, fomen-tando um modelo de desenvolvimento dasrelações socias de produção sustentadas narelação elite-Estado mantendo aconcentração da terra, fortalecendo asmonoculturas agroexportadoras, amodernização e a industrialização.

O fato é que a globalizaçãoprovocou transformações substânciais noconteúdo regional, mudando as forma deproduzir e consumir o espaço, bem comoas condições de subsistência de suapopulação. Isso alimentou reestruturaçõesprodutivas que se sustentam também nafragmentação, ou seja, no enfraquecimentodos vínculos culturais, políticos,econômicos, que mantinham a formação

sócio-espacial e as inter-ralações.

Foi dentro desta racionalidadetécnica que foram implantadas novaszonas de produção irrigada (Vale doJaguarice/CE, do Açú/RN, do rioParnaíba/PI) e de distribuição deenergia/CHESF (UHE Xingó), a zona dasoja no oeste baiano, o projeto da ferroviatransnordestina (ligando zona da soja aosportos), a ampliação de portos eaeroportos e, a transposição do SãoFrancisco.

O semiárido brasileiro hoje ocupaaproximadamente 18% do territórionacional (1,5 milhões de km2) e concentracerca de 30% da população total do país.

A região Nordeste vivencia osresultados do modelo de exploraçãoeconômica aqui implantado, nospermitindo identificar as seguintesconcentrações sócio-espaciais apontadasanteriormente: possui 28% da populaçãobrasileira; 20 milhões de pessoas vivendoem Recife, Salvador e Fortaleza, asmaiores capitais; 50% dos pobres doBrasil e 51% dos inclusos no programaBolsa-família; 13% do PIB nacional, onde90% deste sai de Recife, Salvador eFortaleza; 5% das indústrias brasileiras,ao mesmo tempo em que possui umapopulação com média de escolaridade deseis anos.

O Semiárido vivencia os reflexos damodernização produtiva ao acompanharo crescimento de várias sedes municipais,onde a dinâmica é resultado dassucessivas modernizações produtivas,tais como Petrolina/PE, Juazeiro/BA,Sobral e Limoeiro do /CE. Todavia, o

2O Projeto Áridas – Nordeste: uma estratégia de geração de emprego e renda, 1985.3Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste, pedra fundamental para a criação da Sudene – Superintendência doDesenvolviemnto do Nordeste.

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consequente sugirmento das zonasperiféricas nestas cidades, da violênciaurbana, dos problemas ligados à saúdepública etc, apenas evidencia a principalcaracterística deste modelo econômico: aoselecionar os espaços e grupos sociais aserem beneficiados com os investimentoscapitalistas, exclui a maior parcela dasociedade – um modelo concentrador eexcludente por excelência.

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50 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

51Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

O trabalho como processoeducativo/formativo

Erivan Hilário

Licenciado em Pedagogia pela Universidade Federal doRio Grande do Norte e pós-graduando (lato-sensu) em Ensino

de Ciências Humanas e Sociais pela UFSC. Membro do Setor deEducação do MST e da Escola Nacional Florestan Fernandes.

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Trabalho e educação

Tomando como base a referidaepígrafe, fica nítida a relação intrínsecaentre trabalho e educação. Em se tratandode ambos, enquanto existirem sereshumanos, haverá trabalho, educação,haverá história, pois estar vivo é opressuposto básico que permite aexistência humana. Portanto, buscamosrefletir sobre alguns aspectos relevantesque vão configurando o trabalho enquantodimensão que possibilita processos deaprendizados fundamentais para aformação do ser humano.

O trabalho se constitui como fatordeterminante para a existência humana.Isso não deixa dúvidas, pois se trata deconceber que o trabalho é uma “atividadeque exige do gênero humano o usoconstante das capacidades mentais e físicasna construção dos meios que possibilitema sobrevivência” (MEKSENAS, 2005 p. 17).Portanto, não cabe reduzir o trabalho aalgumas atividades que ao longo dahistória o mesmo foi assumindo, embora

não dê para falar de trabalho sem tê-laspresentes. Para FRIGOTTO (2007):

Não se pode, então, confundir otrabalho na sua essência e generalidadeontocriativa (Lukács, 1978) com certasformas históricas que o trabalho vaiassumir - entre elas a servil, a escrava e aassalariada, sendo que nesta última écomum confundir trabalho com empregoou se pagar as questões inerentes à vendada força de trabalho pelo trabalhador.

O trabalho promove todo oprocesso de evolução da espécie humana.Tal pressuposto delimita umacompreensão em torno de sua existência,antes da constituição da sociedade,conforme a conhecemos hoje. Podemosconsiderar que o primeiro ato histórico doser humano foi a produção dos meiosnecessários para satisfazer suasnecessidades humanas. Então, aqui otrabalho se apresenta como uma relaçãopermanente entre ser humano e natureza,pois ao realizar determinadas ações que

Toda sociedade vive porque consome; e para consumir depende da produção.Isto é, do trabalho. Toda a sociedade só vive porque cada geração nela cuidada formação da geração seguinte e lhe transmite algo da sua experiência,educa-a. Não há sociedade sem trabalho e sem educaçãoLeandro Konder

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lhe permitem a construção de certosinstrumentos, o homem vai transformandoa natureza externa, deixando suas marcase concomitantemente vai tambémmodificando a sua própria natureza. É oque afirma Marx (1988, p.142):

Antes, o trabalho é um processoentre o homem e a natureza, um processoem que o homem, por sua própria ação,medeia, regula e controla seu metabolismocom a Natureza. Ele mesmo se defronta coma matéria natural como uma força natural.Ele põe em movimento as forças naturaispertencentes à sua corporeidade, braços,pernas, cabeça e mãos, a fim de se apropriarda matéria natural numa forma útil àprópria vida. Ao atuar, por meio dessemovimento, sobre a natureza externa a elee ao modificá-la, ele modifica, ao mesmotempo, sua própria natureza.

Embora esse processo ainda ocorrernos dias de hoje, na medida em que ogênero humano evolui realizando oprocesso de transformação da natureza pormeio do trabalho, ele cria outrasnecessidades humanas, novos valores,idéias, crenças que dependem do modo deser no mundo. Com isso, passa a existir apreocupação de poder assegurar para asgerações futuras certos aprendizados quegarantam a sua sobrevivência. ParaMEKSENAS (2005), esse fato faz com queo ser humano se preocupe em transmitirsuas experiências cotidianas a seussemelhantes. Aquilo que se aprende naprática é veiculado para outras pessoas oque possibilita que o conhecimentohumano sobre a natureza não se perca, masse acumule de geração em geração. Nasce,assim, a educação: maneiras de transmitire assegurar a outras pessoas oconhecimento de crenças, técnicas e hábitosque um grupo social já desenvolveu apartir de suas experiências desobrevivência (MEKSENAS, 2005).

Portanto, a educação em seu sentidogeral refere-se a um amplo processo de

formação oriunda da maneira de comoproduzimos a nossa existência. Nestesentido, DALMAGRO (2007, p.7) ressalvaque “as formas e os objetivos educacionaisde qualquer sociedade se encontramsempre em relação íntima com o modo devida forma social e, portanto, com suasrelações de produção e de trabalho. Oprocesso educativo consiste de modo geralem ensinar os “indivíduos” a conviver emuma determinada sociedade, isto é,comungando o modo de vida, os valores eas relações socialmente aceitas. As formasde educação predominantes nas diferentesépocas efetivam-se como necessidade decada período histórico, significando que aeducação não é determinante dassociedades, mas fruto do que e como oshomens produzem sua existência.

Diante do exposto, percebe-se, então,que é por meio da educação que os grupossociais tentam tornar comum algunsvalores, práticas, idéias, posturas. Assim,nesse movimento da vida vai ocorrendo oprocesso de socialização como sendo acapacidade que os indivíduos têm deinfluir no comportamento do outro,aprendendo e ensinando, conhecendo e sefazendo conhecer nas ações que emergemdo desejo permanente de, nas práticascotidianas, afirmar a existência humana.Portanto, educar é preparar novos sujeitossociais capazes de realizar a reprodução ea transformação na nossa existência social.

Para muitos, a Educação é algoexclusivo da instituição Escola. Visão estaamplamente difundida pela classehegemônica quando lhe interessa,chegando a ignorar a existência de outrostempos e espaços que são por excelênciaexperiências sociais motoras deaprendizagens. É preciso romper com taisparadigmas e perceber que a formação dossujeitos acontece em outros tempos eespaços, não sendo privilégio somente daescola. As pessoas aprendem na sua práticacotidiana e na sua experiência humana, poisestas práticas estão carregadas designificados, o que garante processos de

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aprendizados que possibilitam projetaraquilo que necessitam para viver melhor.Sendo assim, nos educamos no trabalho,na família, na comunidade, nosmovimentos sociais, na escola,aprendemos e ensinamos em coletivos,pois viver em coletivo é o que possibilitaa existência humana.

É importante ressaltar que taisafirmações não ocultam o papel da escolana sociedade. Ao contrário, reafirmam-nacomo um dos múltiplos espaços em que aformação humana acontece. A escolareflete as práticas sociais, o processoseducativo que acontece fora dela tais comoo mundo da produção, da luta social, dacultura, construindo assim o que deve e oque pode ensinar, pressuposto de seutrabalho pedagógico, intimamente ligadoàs questões mais amplas da formaçãohumana.

A educação apontará para uma novasociedade, formará novos sujeitos, quandoarticulada com a luta para que o trabalhoseja pautado por relações superiores àsrelações capitalistas. Por isso, faz-senecessário a busca constante para construirnovas bases produtivas que democratizema terra, eliminem a propriedade privadados meios de produção, que garantam asoberania alimentar e preservem abiodiversidade, e que possibilite a geraçãode renda. A luta por novas basesprodutivas implica necessariamente emnovas relações educativas. Ambas aspráticas tratam de processos educativos/formativos que devem apontar para aformação de novos sujeitos sociais e paraa construção de uma sociedade solidária,livre, plena e, socialmente justa. Portanto,são as contradições geradas pelo própriosistema capitalista que provocam umprocesso de desigualdade social eeconômica fundado em uma divisão declasses que reduzem possibilidades do

desenvolvimento humano. Para manteresse sistema e continuar com a reproduçãocapitalista faz-se necessário a perpetuaçãoda exploração da força de trabalho.

Entretanto, o trabalho tem apotencialidade de ser um ato criador deriquezas a serviço da humanidade.Todavia, a lógica de organização da vidaao longo da história, possibilitoumudanças tais que os seres humanos, emsua maioria, foram compelidos àconstrução da subordinação do trabalho aocapital, condição central que sustenta aexistência do sistema capitalista. Nessarelação de subordinação do trabalho aocapital o que ocorre é um processo deexpropriação dos trabalhadores dos meiosde produção e dos produtos por elecriados, restando-lhes apenas a sua forçade trabalho como mercadoria, pois comoos trabalhadores não possuem os meios deprodução social, eles são obrigados avender a única coisa que tem, ou seja, a suacapacidade de trabalhar.

As transformações ocorridas nomodo de produção nas últimas décadas têmaprofundado formas intensivas deexploração da força de trabalho,semelhantes as que foram predominantesnos primórdios da sociedade capitalista1 e,dentre elas, o trabalho de crianças eadolescentes. Nesse processo deincorporação das crianças podemosperceber o caráter de exploração dotrabalho, sobretudo quando envolveprincipalmente atividades de períodointegral, com longas jornadas, em atividadesque deixam as crianças deveras estressadase incompatíveis com a idade, o que asimpedem do acesso à escola,comprometendo a sua dignidade eautoestima. Um exemplo é o caso decrianças que sofrem abuso e exploraçãosexual, dentre outros aspectos.

1 Para ampliar essa informação conferir, entre outros, ENGELS, FRIEDRICH. A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra.São Paulo: Editora Boitempo, 2008.

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Portanto, a utilização do trabalhoinfanto-juvenil no processo produtivo tema sua razão de ser nas relações sociaiscapitalistas e na relação que se estabelececom o novo modo de produzir. Ela não éresultado da vontade das famílias dostrabalhadores, muito menos, dedeterminada tradição cultural, como osideólogos do sistema capitalista costumamafirmar (SILVA, 2003, p.3)2.

Quando, como em muitos casos, acriança trabalha no campo, ela naverdade atende a uma necessidadeobjetiva, porque é a própria sociedadeque a empurra para isso. Portanto, seriacômodo atribuir total responsabilidadepara as famílias. São as condiçõeseconômicas, sociais e culturais que sãogeradas pelo sistema capitalista queobrigam as famílias a exigirem o trabalhoinfantil. No entanto, não podemosconsiderar toda atividade infantil comotrabalho explorado. Entendemos que éimportante a introdução das crianças notrabalho, desde que considerado comomedida de socialização, de aquisição deresponsabi- bilidades, de noção deprodução da existência, de acordo comas possibilidades da criança. ParaSOUZA (2004)3:

No caso dos camponeses, o trabalhoinfantil precisa ser compreendido a partirdas condições sociais de sua reprodução enão de determinações capitalistas (Menezes,2000:03), pois, nessas unidades, o trabalhoemerge como valor central na socializaçãodas crianças até chegado o momento defreqüentarem a escola, geralmente a partirdos sete anos de idade, quando passam avivenciar uma nova forma de socializaçãoque não substitui o trabalho, mas que seune a ele.

Ainda em SOUZA (2004), sem negara função prática do trabalho, ressaltamosque ele deve ser visto também comodispositivo de socialização das crianças docampo. O trabalho lhes dignifica, garante-lhes a honra e o respeito que lhes sãodevidos, adquirindo um carátersocializador. Para alguns, essa experiênciada infância no campo retira e ignora adimensão lúdica, o que em parte podemosconsiderar uma verdade (quando se tratade um trabalho que submete a criança a umadisciplina rígida e carga horária intensiva).Por outro lado, precisamos considerar osmomentos que foram e que são lúdicos: otransformar a espiga de milho em umaboneca e passar horas e horas brincando, ouentão, brincar de esconde-esconde naplantação, criar histórias em baixo dasárvores ou nos ranchos. Obviamente queaqui não dá para olhar somente para oaspecto da cultura, da socialização. Masexiste forte determinação nas necessidadeseconômica das famílias que acabam desdecedo introduzindo a criança no mundo dotrabalho com a preocupação de garantir atransmissão de saberes acumulados a suageração seguinte, aos filhos, netos etc.

Então, por que o trabalho educa?4

O trabalho educa porque atingevárias dimensões da formação humana:

- O trabalho educa formando consciência.

Compreendemos aqui consciênciacomo a visão de mundo das pessoas e seujeito de se posicionar diante da realidade.Seu modo de pensar, suas crenças, seusgostos, seus valores éticos e culturais.Sabemos que é a existência social queforma a consciência social de cada um denós. Ou seja, nossa visão de mundo

2 SILVA, Francisco Carlos Lopes da. O trabalho infanto-juvenil na sociedade capitalista. (artigo disponível no site: http://www.educaremrevista.ufpr.br/arquivos_15/lopes_da_silva.pdf - acessado no dia 10 de janeiro de 2008.3 SOUZA, Emiliene Leite de. Um outro olhar sobre o trabalho infantil: o caso das crianças de Capuxu. UFPB, 2004.4 Os elementos que se seguem nos três tópicos estão presentes no Boletim de Educação do MST de nº. 04, 1994.

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depende das condições objetivas em quevivemos. E entre estas condições objetivas,a forma como garantimos a nossasobrevivência material é a maisdeterminante. É muito diferente o nível deconsciência de quem está dentro de umprocesso produtivo e de quem não está. Otrabalho é uma dimensão tão forte para avida das pessoas que molda a suapersonalidade, o seu jeito de ser.

- O trabalho educa produzindo conheci-mentos e criando habilidades.

Grande parte do conhecimentocientífico produzido pela humanidadenasceu a partir do trabalho e dasnecessidades de tornar a relação com anatureza mais facilitada e enriquecedorapara o ser humano. Através do trabalho,as pessoas incorporam pelas ações ecomportamentos o acúmulo dosconhecimentos produzidos, e produzemnovos, à medida que passam a dominar atécnica do que fazem.

- O trabalho educa provocando neces-sidades humanas superiores.

As pessoas, para atenderem as suasnecessidades básicas ou naturais, comem,vestem-se, moram, reproduzem-se. Ámedida que trabalham, passam a aumentaro círculo de objetos e de pessoas com asquais se relacionam. E quanto maisaumenta este círculo, mais aumentam asnecessidades. Em vez da simplesnecessidade de comer, por exemplo,aparece a necessidade de comer alimentoscozidos, com talheres, etc. Assim comoaparecem as necessidades de caráter maiscultural: ler, conhecer lugares, freqüentarfestas, aprender cada vez mais sobre o quenos cerca, sobre o mundo em geral. Quantomaior o número e mais complexas asnecessidades, maiores são os motivos paraprosseguir e se qualificar no trabalho. Eeste parece ser o ciclo fundamental para o

ser humano tornar-se cada vez maishumano, cada vez mais pleno.

Na concepção do trabalho, tendocomo base da formação e educaçãohumana mexer com todas as dimensões,podemos dizer que o consideramos maisplenamente educativo quando ele for umaatividade humana ampla, livre demediação com a natureza e com outrosseres humanos, muito além da exploraçãodo capital. Dentre as dimensõesdestacamos algumas:

- a formação organizativa;- a formação técnico-profissional;- a formação do caráter ou moral

(valores, comportamento com as outraspessoas);

- a formação cultural e estética;- a formação afetiva.

Considerações finais

Diante do exposto, podemosconcluir que o trabalho é ao mesmo tempoeducativo e deseducativo, pois ao mesmotempo em que ele está pautado por umprocesso de exploração, onde ostrabalhadores só obedecem sem discutirsobre o processo produtivo, ele permite aprodução da existência humana,produzindo o próprio ser humano. Aspessoas se educam quando experimentamo trabalho socialmente dividido, o que levaa uma ação concreta de cooperação. Ao terque executar algumas tarefas comeficiência, as pessoas se apropriam dehabilidades técnicas. Mas o fundamental,e assim será educativo, quando aapropriação da riqueza produzida forsocialmente dividida.

Ainda, fundamentalmente, quandohá o trabalho coletivo, percebe-se que ascircunstâncias vão possibilitando estestrabalhadores e trabalhadoras a seperceberem enquanto classe que éexplorada. É importante lembrar que nãoé o tipo de trabalho que torna mais

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educativo ou deseducativo, mas “são asrelações que as pessoas conseguemestabelecer com o trabalho e entre si, pararealizá-lo, os elementos determinantes doseu caráter mais educativo ou maisdeseducativo” (MST, 1994).

Considerando as reflexões até aquiapresentadas, reafirmamos a idéia de queo trabalho tem um potencial pedagógico.Para FRIGOTTO (2007 p.3) “nestaconcepção de trabalho o mesmo seconstitui em direito e dever e engendra umprincípio formativo ou educativo. Otrabalho como principio educativo derivado fato de que todos os seres humanos sãoseres da natureza e, portanto, têm anecessidade de alimentar-se, proteger-sedas intempéries e criar seus meios de vida.É fundamental socializar, desde a infância,o princípio de que a tarefa de prover asubsistência e outras esferas da vida pelotrabalho, é comum a todos os sereshumanos, evitando-se, desta forma, criarindivíduos ou grupos que exploram evivem do trabalho de outros”.

Compreender o trabalho comoprocesso educativo é afirmá-lo comoexperiência humana que se enraíza nosentido da luta constante dos sereshumanos em produzir a sua própriaexistência, rompendo com qualquer formade discriminação, marginalização,exploração. E por fim, parafraseandoPaulo Freire, ninguém trabalha sozinho aspessoas trabalham e se educam entre si,descobrindo assim novos caminhos.

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58 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

59Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

Agroecologiae Educação do Campo

Aloisio Souza da Silva

Integrante da Via campesina, educador nos Centros de Formaçãopor Alternância do Espírito Santo e educando do Curso Especial

de Geografia-CEGeo- Licenciatura e bacharel (parceria UNESP-Presidente Prudente/INCRA-PRONERA/ ENFF).

Leandro Feijó Fagundes

Integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terrae educando do Curso Especial de Geografia – CEGeo - Licenciatura

e bacharel (parceria UNESP- Presidente Prudente/INCRA-PRONERA/ ENFF).

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O presente texto tem comofinalidade contribuir com o processo dereflexão em torno da Agroecologia e daEducação do campo. Neste sentido, serãoabordados elementos que nos remetem a(re)dimensionar o tema proposto, talvezum tanto diferente como a maioria dosautores tenham o tratado. Isso porqueentendemos que o tema merece serrefletido a partir de sua complexidadehistórico-geográfica, como um desafiocolocado no processo de pensar e agirsobre a realidade em diferentes escalas,numa perspectiva territorial camponesa.

O texto esta estruturado em trêsmomentos: o primeiro, tratamos dasprincipais transformações ocorridas naagricultura, com destaque aos processosde industrialização, bem como osmovimentos de resistência a esta lógicaeconômica; segundo, desenvolvemosreflexões a partir do debate teórico-prático da Agroecologia, destacando osautores e suas principais contribuiçõespara construção enquanto ciência; por fim,o tema da Educação, Agroecologia eTerritório Camponês, como elementos

intrínsecos a um mesmo processo desuperação do avanço do capitalismo sobreo Campesinato.

As transformações na agricultura

A agricultura originou se há cerca de10.000 anos, passando por processos lentosde forma evolucionária e, não,revolucionária. Muitos autores, ao exporeste assunto, colocam que a revoluçãoverde foi um salto em termos de tecnologiae produtividade, mas isso não é verdade.O que temos que ter bem claro é quesistemas agrícolas complexos evoluíram emdiferentes partes do mundo, com altaprodutividade, a exemplo de Chinampas-México, usando tecnologia, que contrastamcom as teorias de invenção da agriculturamoderna.

Neste sentido, a origem daagricultura é a mesma do Campesinato, oqual se coloca como uma classe socialhistoricamente definida, que se fez e serefez no trabalho familiar e comunitário ena relação direta com os elementos da

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natureza, desenvolvendo tecnologiaspróprias de cada tempo e lugar, e umacultura complexa que se baseia emconhecimentos empíricos e cosmológicosda realidade.

Essa agricultura, dita atrasada pormuitos, tem como principal característica eprincípio o respeito aos ecossistemas deorigem. Os Camponeses domesticaram osolo, a água, as plantas, os animais etc,desenvolvendo técnicas e instrumentoscada vez mais eficientes e adequados,capazes de prover a vida das comunidades.Ao lidar com os fenômenos da natureza, oscamponeses produziram conhecimentoselementares que, posteriormente, alguns,foram sistematizados e até patenteadospela ciência moderna, contrariando porcompleto a perspectiva solidária ecomunitária dos camponeses.

Sem dúvida, as insistências,sobretudo teóricas, da ausência doCampesinato na sociedade contemporâneaem função de sua integração direta ouindireta com o mercado capitalista, faz partede um projeto social dominante que temcomo perspectiva a inserção e a integraçãosistemática de tudo e de todos à lógica docapital. Pelo contrário, entendemos que estasrelações são parte de uma estratégia, que oscamponeses adotaram de formainvoluntária, de sobrevivência às“intempéries” da história para garantir suareprodução social, não perdendo suaoriginalidade essencial que é a capacidadede trabalhar e viver com e na terra.

O Campesinato possui umaorganização da produção baseada notrabalho familiar e no “uso” como valor. Oreconhecimento de sua especificidade nãoimplica a negação da diversidade de formasde subordinação, as quais podem se

apresentar na multiplicidade de estratégiasdentro do Campesinato adotadas, diantede diferentes situações, que podemconduzir ora ao “descampesinamento”, oraa sua reprodução enquanto modo de vidae trabalho camponês. (MARQUES, 2008)

Essa agricultura “esquecida”precisa ser reafirmada como um modo devida que estabelece relações de produçãoe de reprodução sócio econômica quedetêm em sua gênese princípios nãocapitalistas. Isso, a fim de construirsoluções concretas que incorporem todasas dimensões complexas da vida humana,para que seja modificado radicalmente oquadro atual. Quadro que congrega umconjunto de crises que se manifestam naconcentração fundiária e demográfica,degradação ambiental, erosão cultural egenética, dentre outros aspectos.

A busca por alternativas ao modelocapitalista deve passar, principalmente,pela mudança de concepção deagricultura e de campo, ou seja, pelamaneira de planejar o “desenvolvimentoterritorial”, não mais vinculada única eexclusivamente aos interesses da indústriacapitalista (como propunha a lógicadesenvolvi- mentista dos Estadosnacionais da América Latina, baseados naorientação da CEPAL - ComissãoEconômica para a América Latina e Caribe,sobretudo a partir da década de 1950, dataque integra a produção agropecuária àprodução industrial em duplo sentido, apartir da utilização de máquinas, insumosindustriais, fertilizantes, agrotóxicos eoutras tecnologias de produção, e partirda destinação direta dos produtos àindústria, através da integração e daespecialização, priorizando o comércioexterior).

62 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

Sólo através de un cambio en las pautasdel desarrollo, abandonando un modelo deagricultura industrial destinada a laexportación, basada en un sistema de librecomercio, de grandes explotaciones,concentración de las propiedades ydesplazamiento de las personas, poderemos frenarla espiral creciente de pobreza, bajos salarios,migración del campo a La ciudad, y degradaciónambiental. (ROSSET, 2007)

Quando ocorreu a grande crise docapitalismo nos anos de 1870 a 1896, aagricultura passou a ser subordinada aindústria. Ocasionada pelo avanço daindústria química e mecânica do século XX,a nova visão de agricultura, submetidapelos grandes grupos capitalistas, eraproduzir somente para o mercado.

Esta visão reducionista de lidar comos recursos naturais foi chamada na épocade “revolução verde”. Este período foimarcado pela geração de conhecimentostecnológicos destinados a agropecuária nomundo inteiro e sistematizados em pacotestecnológicos abrangendo a área da química,da mecânica e da biologia. (BELATOS apudZAMBERLAM & FRONCHETI, 2001)

No início da década de 1950, estaconcepção de agricultura química foiintroduzida no Brasil com o objetivo deaumento de produção. Em pouco tempo, oespaço agrário brasileiro foi modificado,abandonando as formas artesanais deprodução em favor das tecnologiasindustriais. Desta maneira, agravou-se asdesigualdades sociais, visto que priorizou-se o latifúndio em detrimento dominifúndio, que era tido como inviável eincapaz de produzir alimentossatisfatoriamente, ainda mais para atenderao mercado externo.

A implantação deste modelo deagricultura fez parte dos projetosdesenvolvimentistas, com efetivaparticipação do Estado aliado ao capitalinternacional, gerando uma economiadesigual e combinada entre centro eperiferia.

A economia periférica éespecializada e heterogênea. Especializadaporque a maior parte dos recursosprodutivos é destinada à ampliação dosetor exportador. As novas tecnologias sãoincorporadas apenas nos setoresexportadores primários e atividadesdiretamente relacionadas, que coexistemcom setores atrasados dentro do mesmopaís. Por isso, a periferia é heterogênea,pois nela coexistem setores atrasados comsetores de elevada produtividade (setoresexportadores). Já a economia dos centros édiversificada e homogênea. No sistemaeconômico mundial, cabe a periferiaproduzir e exportar matérias primas ealimentos, devendo os centros produzireme exportarem bens industriais. O conceitode centro-periferia demonstra a desigual-dade inerente ao sistema econômicomundial, com a distância entre centro eperiferia tendendo sempre a aumentar.(PREBISH apud BERCOVICI, 2003)

Este modelo de agriculturaproduziu, se não a maior, a maisimportante contradição da sociedadebrasileira que é a concentração da terraversus a concentração demográfica, commaior acentuação a partir dos anos 60, comfortes migrações para a região sudeste doBrasil. Não obstante, isso provocouproblemas de várias ordens, sobretudo noque diz respeito às condições de vida dapopulação e uso e conservação dosrecursos naturais. Dentre estes, destacamoso uso exagerado de agrotóxicos,

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ocasionando envenenamento dosagricultores, dos alimentos, do solo e daágua, pelo uso crescente dos agrotóxicos,colocando o Brasil entre os seis maioresimportadores entre os anos de 2000 e 2007,participando com 4% do total dasimportações mundiais (ANVISA,2010).

Várias teorias e estudos apontamque a humanidade nunca viveu, em suafase de civilização, momentos que secomparam ao atual, principalmente emrelação ao meio ambiente, que pelo usosem limites impostos pelo Capital, vemnas ultimas décadas comprometendo acapacidade de reprodução da biosfera,gerando um déficit ambiental para asfuturas gerações. A todo o momento épropagandeado pela mídia a derrubadade florestas tropicais, como é o caso daAmazônia, um dos maiores depositáriosde biodivercidade.

Embora muitos apontem que estaproblemática é característica dos paísesconsiderados subdesenvolvidos, nosentido de culpá-los por isso, entendemoso contrário, pois o subdesenvolvimentofaz parte de uma lógica da divisãointernacional do trabalho e dageoeconomia mundial. É uma facenecessária aos países desenvolvidos e nãouma fase ou estágio do desenvolvimentoeconômico. Em outras palavras, “osubdesenvolvimento é, portanto, umprocesso histórico autônomo e, não, umaetapa pela qual tenham, necessariamente,passado as economias que já alcançaramgrau superior de desenvolvimento”(FURTADO, 1989).

Embora seja comum associarmoscrescimento econômico a desenvolvi-mento, aqui faremos uma distinção,

concordando com Bercovici, que afirmaque quando não ocorre nenhumatransformação, seja social, seja no sistemaprodutivo, não se está diante de umprocesso de desenvolviment- to, mas dasimples modernização. Com amodernização, mantém se o subdesenvol-vimento, agravando a concentração derenda (BERCOVICI, 2003).

Mais recentemente, este modeloeconômico agroexportador ganha outranomenclatura, conhecida comoAGRONEGÓCIO, marcada por uma novageração tecnológica de modernização docampo, que se articula e se efetiva pormeio de várias frentes articuladas esimultâneas, dentre elas a educaçãoescolar, através dos cursos de capacitaçãoque especializam a mão de obra epropagam a ideologia doempreendedorismo rural no imagináriopopular camponês.

Agronegócio é uma palavra nova,da década de 1990, e é também umaconstrução ideológica para tentar mudara imagem latifundista da agriculturacapitalista [...] É uma tentativa de ocultaro caráter concentrador, predador,expropriatório e excludente para darrelevância somente ao caráter produtivista,destacando o aumento da produção, dariqueza e das novas tecnologias[...](FERNANDES, 2004).

Podemos então, afirmar que oagronegócio é um processo de moderni-zação das atividades agropecuárias, e nãoum desenvolvimento econômico comoconsta nos discursos e planejamentosterritoriais, articulados pelo Estado a partirdos interesses do Capital.

64 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

As correntes citadas anteriormentesão as primeiras a contestar o modeloimposto pela lógica da economiaindustrial para a agricultura. Na busca dealternativas, na perspectiva de um modelorural sustentável, surgem os movimentosambientalistas da década de 80, que secoloram radicalmente contra o modeloprodutivo, calcado na revolução verde.Esses movimentos visavam, sobretudo,gerar um debate a respeito dasconsequências do modelo agroindustrialpara a população e para o meio ambiente,

cuja preocupação geral estava nopropósito de valorizar os aspectos sócioculturais da produção agrícola.

Neste sentido, todas as iniciativassócio-politico-econômicas de contraposi-ção ao capital precisam se colocar nadimensão territorial, ou melhor, naperspectiva de organização do territóriosob outra concepção de campo e dedesenvolvimento, que vai para além docrescimento econômico, mas queconsidera as múltiplas dimensões do

No início do século XX, maisespecificamente na década de 1920surgiram as primeiras correntesalternativas ao modelo industrial ouconvencional de agricultura. Estas, por suavez, preconizavam o uso de práticas de

cultivo que favoreciam os processosbiológicos dos ecossistemas locais.Podemos considerar quatro grandesvertentes: agricultura biodinâmica,biológica, orgânica e natural, comoveremos no quadro a seguir:

BIODINÂMICA Alemanha1924

Rodolf Steiner

Esse método preconizava a moderna abordagem sistêmica,entendendo a propriedade como um organismo sadio, onde solo,planta, animais e o homem convivem em harmonia e a fertilidadeé a base de sua auto-suficiência. Steiner ressaltou a importânciadas relações entre o solo e as forças de origem cósmica da natureza,recomendou o uso de preparado biodinâmico elaborado por ele.Este método foi difundido pelos praticantes da antroposofia.

ORGÂNICAInglaterra

1925 a 1930

AlbertHoward

&Jerome Irving

Rodele

Fundamenta-se no uso de composto orgânico, aproveitando osresíduos internos do local. Howard inventou o processo “indore”de compostagem, que aprendeu com agricultores indianos.

NATURALJapão

1930 a 1940Mokiti Okada

Preconiza a menor alteração possível no funcionamento naturaldos ecossistemas. Não usa aração, rotação de culturas, nem o uso decompostos oriundos de estercos animal. Mais recentemente, aagricultura natural tem se concentrado no uso de um preparadobiológico, EM (Micro organismos Eficazes). Essa corrente é ligada edifundida pela igreja Missiânica e pelo mestre Masanobu Fukuoka.

BIOLÓGICASuíça1930

Hans PeterMuller

Os aspectos econômicos e sócio políticos eram a base da proposta, sepreocupando com a autonomia dos produtores com a comercializaçãodireta aos consumidores. Foi na frança, em 1960, que a agriculturabiológica mais se difundiu, tendo como difusor Claude Albert, quepropunha a saúde das plantas, consequentemente dos alimentos,dando se por meio da manutenção da “saúde” dos solos. Este principioapóia-se em um tripé, cujas bases de igual importância são: o manejodos solos, a fertilização com fosfatos naturais, basalto e rochascalcárias, e a rotação de culturas.

CaracterísticasPaís

PeríodoPensador/esVertente

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território camponês. Talvez, essa questãoseja relativamente nova na discussão emtorno da agroecologia e da educação docampo. Porém, não porque as elaboraçõesdesconsideraram as questões colocadas,mas, sim, porque colocamos a agroecologiano plano da dimensão do planejamentoterritorial, e a educação como principalmeio de efetivação desta perspectiva.

Isso significa que precisamosdesvincular as pesquisas e práticas dessesinteresses, e proporcionar uma produçãode técnicas e equipamentos menos nocivosao ambiente, com base ecológica e quepossam estar à disposição de todos,redirecionando a produção para além dosinteresses econômicos do grande capital,colocando-os no plano da sociedade.

Em vista deste quadro, surge umanova perspectiva de discussões quedefendem a Agroecologia e a Educação doCampo como uma possível superação aomodelo atual de ordenamento eorganização territorial do Campo. Mas,apesar de todo este empenho, encontramosdificuldades de entender e “operacionali-zar” estes conceitos, haja visto que muitostratam, no caso da Agroecologia, comouma substituição de pacotes, do químicopara o orgânico, tendo somente um carátereconômico, e, no caso da Educação doCampo, uma simples substituição daescola da cidade por uma escola do campo.

Então, será que ambas asperspectivas, embora relevantes, nãoapresentam limitações, por reduzir aagricultura e a vida no campo à dimensãoeconômica, e reduzir a educação à escola?Talvez esta questão seja um tantoimpactante e provoque inquietações, poisde maneira geral há um entendimento queavançamos mais na concepção da

educação do que na de escola especifica-mente. Porém, contraditoriamente, osapontamentos de outra lógica educativatêm se resumidos às ações da escola.

Esta, por sua vez, também possuisuas limitações históricas, por cumprir umpapel especifico no processo educativo.Em algumas situações, não temosconseguido traduzir para nosso cotidiano,todas as análises teóricos conceituais daEducação do Campo, embora hajaexperiências diversas e ricas, de granderelevância.

Portanto, não se trata aqui dediminuir ou mesmo subjulgar suacapacidade e função sócio histórica. Muitopelo contrário. Entendemos que a escolatem muitas contribuições a oferecer numaperspectiva agroecológica, por ser umespaço privilegiado de reflexão e análiseda realidade concreta, de produzirestímulos que contribuam com a formaçãode personalidades, de leituras e atitudesdiante do mundo. É dotada de conheci-mento sistematizado e composta porinstrumentais pedagógicos.

A questão colocada é em relação aodesafio de construir, na concretude dasrelações sociais,outra perspectiva deorganização da economia e da sociedade,onde a complexidade da educação se efetivena perspectiva agroecológica, em váriasdimensões da vida camponesa, tendo aescola tarefa fundamental neste processo, ade servir de “coração para pulsar” avitalidade da possibilidade de romper coma lógica da economia industrial.

A agroecologia, neste sentido, passaa ser tratada aqui como a organização doterritório camponês, e a escola comoprincipal mecanismo de construção desta

66 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

possibilidade, de contribuir concretamentecom a “re-educação” das relações que seefetivam na vida cotidiana.

O debate da Agroecologia

A partir destes movimentos, surgea agroecologia, que passou a se firmar comodisciplina científica, principalmente apartir dos pesquisadores Altieri eGliessman. Estes autores definem aagroecologia como uma das formas dedesenvolvimento capaz de criar um novoconceito de agricultura sustentável, já queos estudos agroecológicos davam conta dealgo que a agronomia convencional nãovalorizava: a integração dos diferentescampos do conhecimento agronômico,ecológico e sócio econômico. Nestemomento, ocorre uma compreensão eavaliação do efeito das tecnologias sobreos sistemas agrícolas e a sociedade comoum todo. (ALTIERE, 2000)

Nesse sentido, a agroecologia carre-ga em seu interior, além da preocupaçãocom o equilíbrio de agroecossistemas, aresponsabilidade de tentar servir dealternativa para a busca de um novocaminho de desenvolvimento sócioeconômico, principalmente para os paísesem ‘desenvolvimento’. Diferente daagricultura orgânica, biológica, natural ouda biodinâmica, que visam basicamenteproduzir alimentos mais saldáveis a custosmenores, a agroecologia tem consigo umapreocupação maior e bem centrada nasquestões sociais.

Segundo Eduardo Sevilla Guzmán(Universidade de Córdoba - Espanha), aagroecologia constitui o campo dosconhecimentos que promovem “manejoecológico dos recursos naturais, através de

formas de ação social coletiva queapresentam alternativas à atual crise demodernidade, mediante propostas dedesenvolvimento participativo, desde osâmbitos da produção e da circulaçãoalternativa de seus produtos, pretendendoestabelecer formas de produção e deconsumo que contribuam para encarar acrise ecológica e social, e deste modo,restaurar o curso alterado da co-evoluçãosocial ecológica. Sua estratégia tem umanatureza sistêmica ao considerar apropriedade, a organização comunitária eo restante dos marcos de relações dassociedades rurais, articulados em torno dadimensão local, onde encontram os sistemasde conhecimento portadores do potencialendógeno e sócio-cultural. Tal diversidadeé o ponto de partida de suas agriculturasalternativas, a partir das quais se pretendeo desenho participativo de métodos dedesenvolvimentos endógeno, paraestabelecer dinâmicas de transformação emdireção as sociedades sustentáveis”.

Não podemos confundir aagroecologia com um modelo deagricultura que adota determinadaspráticas ou tecnologias agrícolas, e, muitomenos, como oferta de produtos “limpos”ou ecológicos, em oposição aquelescaracterísticos dos pacotes tecnológicos darevolução verde. (CAPORAL eCOSTABEBER, 2000)

Segundo alguns autores, a ideia detransição na agroecologia é entendidacomo um processo gradual e multilinearde mudanças, que ocorrem através dotempo, nas formas de manejo dosagroecossistemas. Mas sempre tratando-sede um processo social, pois dependesempre da intervenção humana.

67Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

A agroecologia é o estudo holísticodos agroecossistemas, abrangendo todos oselementos humanos e ambientais. Enfocaa forma, a dinâmica e as funções dosconjuntos das inter-relações e de processosnos quais estes elementos estão envolvidos,constituindo, assim, uma grande teia.

A agricultura sustentável, sob oponto de vista agroecológico, é aquela queé capaz de atender, de maneira integrada,aos seguintes critérios: baixa dependênciade inputs comerciais; uso de recursosrenováveis localmente acessíveis;utilização dos impactos benéficos oubenignos do meio ambiente local; aceitaçãoe/ou tolerância das condições locais, antesda dependência da intensa alteração outentativa de controle sobre o meioambiente; manutenção a longo prazo dacapacidade produtiva; preservação dadiversidade biológica e cultural; utilizaçãodo conhecimento e da cultura dapopulação local; e produção demercadorias para o consumo interno e paraa exportação (GLIESSMAN, 1990);

Entretanto, ao refletirmos sobre apráxis da agroecologia, não única e exclu-vamente voltada para as ações sócio-econômicas, mas, sim, para trazerelementos da lógica de funcionamento doCampesinato, percebe-se que esteselementos, por sua vez, trazem princípiosagroecológicos.

Ao analisarmos o conceito propostopor GUZMÁN, verifica-se que o ponto departida é a relação homem-natureza, ondeo homem sempre procurou de certa formadominar a natureza. E a base para umprocesso agroecológico sem dúvida é aruptura desta lógica, perpassando por umaação social coletiva, a fim de protagonizarum desenvolvimento participativo, que

tenha como ponto de partida a dimensãolocal, pois os sistemas de conhecimentoendógenos são portadores, na sua essênciada co-evolução social ecológica e cultural.

A agroecologia é essencialmentecamponesa. A história humana tem suasraízes no Campesinato. Por isso, podemosdizer que a agroecologia é o meio pelo qualabrangeremos todos os elementoshumanos e ambientais. Neste sentido, avisão da agroecologia precisa de umadimensão que vá para além da agriculturasustentável, consolidando uma ação socialpermanente, incorporando a multidimen-cionalidade camponesa.

Todavia, em uma sociedadecapitalista, tanto a agricultura como outrasdimensões da vida são levadas a imageme semelhança da forma capitalista de sepensar o mundo. Segundo FERNANDES“...as relações sociais capitalistasproduzem relações sociais nãocapitalistas”. Assim, em sua concepção, éo mesmo dizer que os territórioscapitalistas produzem territórios nãocapitalistas. Esta é a oportunidade históricaque tem o camponês e a educação docampo conceber a agroecologia como umatotalidade multidimensional, saindo dadimensão econômica. FERNANDES,quando trata da dimensão do território,traz este como “totalidade emultidimensionalidade”, onde “asdisputas territoriais se desdobram emtodas as dimensões, portanto, as disputasocorrem também no âmbito político,teórico e ideológico, o que nos possibilitacompreender os territórios materiais eimateriais”. (FERNANDES,2009)

Nesta perspectiva, coloca-se em jogodois projetos de desenvolvimento, umpautado na agricultura familiar integrada

68 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

ao capital, que tem como característica nodiscurso governamental a nãoconflitualidade existente no campobrasileiro, onde todos podem entrar nalógica de exploração capitalista, e umoutro, pautado pelo modo de vidacamponês, que coloca a agroecologia nadimensão da conflitualidade“Campesinato X Agronegócio”. Esteúltimo tem em sua lógica a exploração dosrecursos naturais de forma predatória emnome do lucro.

Portanto, a agroecologia estáintrinsecamente ligada a concepçãocamponesa, tornando-se um elementofundamental para uma nova organizaçãoterritorial. No sentido de que o camponêsé agroecológico e a agroecologia écamponesa, a constituição e a organizaçãodas multidimencionalidades do territóriocamponês, passa necessariamente pelaagroecologia.

A educação, a agroecologia e oterritório camponês

O campo pensado como umterritório compreende outras dimensõespara além da econômica, superando asperspectivas capitalistas de organização daprodução agropecuária.

O campo pode ser pensado comoterritório ou como setor da economia. Osignificado territorial é mais amplo que osignificado setorial que entende o camposimplesmente como espaço de produção demercadorias. Pensar o campo comoterritório significa compreendê-lo comoespaço de vida, ou como um tipo de espaçogeográfico onde se realizam todas asdimensões da existência humana. O conceitode campo como espaço de vida émultidimensional e nos possibilita leituras

e políticas mais amplas do que o conceitode campo ou de rural somente como espaçode produção de mercadorias. (FERNADES,2006)

Neste sentido, a educaçãoentendida como os processos complexosda formação humana transcende asparedes da instituição escola, pois se fazhistoricamente por meio do conjunto dasrelações sociais que compõem as amplasinter relações da sociedade e natureza.

Porém, com o processo histórico deorganização da economia baseada naindústria, como nos referimosanteriormente, os territórios camponesesforam, de certa forma, contaminados comesta lógica, configurando um quadroatual, também complexo, que exige umasuperação cada vez mais imediata, dadoo conjunto de problemas de ordem sociale ambiental vivenciados pela sociedadecontemporânea.

Neste sentido, a agroecologia secoloca sobretudo em uma perspectiva realconcreta de reorganização do territóriobaseado em valores camponeses, que semanifestam na cultura, na política, naeconomia, e em outras dimensões da vida.A educação é o meio pelo qual a políticaeconômica se efetiva na sociedade, sendoassim um projeto político econômico deorganização do território camponês, exigeuma educação camponesa que vá paraalém da instituição escola, ou seja, váriosespaços e momentos de uma determinadacomunidade camponesa se transformamem educativos, como por exemplo, omutirão, a igreja, a festa... e a própriaescola.

Isto não significa que estamosdescartando esta instituição social, muitopelo contrário, estamos redimensionando

69Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

sua função sócio histórica. É a escola oorganismo social responsável pelaelaboração do conhecimento sistematizadode uma dada realidade concreta. Asteorias político-pedagógicas precisam seefetivar na prática cotidiana do ambienteescolar. Então, se a perspectiva quecolocamos ao território camponês é aagroecologia, como transformarmos aescola em uma escola agroecológica?

Num primeiro momento, afirmamosque a principal característica desta escola éser uma escola “sem paredes”. Isto significaque a escola não deve ser isolada darealidade social a qual ela esta inserida.Entendendo-a como um espaçoprivilegiado de uma reflexão sistemática,a realidade concreta deve ser objetopermanente de investigação por meio deinstrumentos pedagógicos apropriados acada ciclo da formação humana.

A investigação, que num primeiromomento parte do concreto, deve sedistribuir, num segundo momento, noconjunto das disciplinas escolares paraque estas tenham condições pedagógicasde dialogar entre si e com elementos darealidade, por meio de uma linguagemprópria de cada momento escolar,garantindo assim o processo deaprofundamento científico, afim deprojetar uma realidade possível com otecido social que a compõe. Neste casoespecifico, os educandos e sua respectivacomunidade, ou seja, seu território.

Como afirmamos anteriormente queo Campesinato produz relações sócio-econômicas não capitalistas. A superaçãodo modelo de agricultura que contaminouo território camponês, só pode serefetivada pela própria lógica camponesa,ou seja, pela agroecologia. Porém,

entendemos que escola é espaço e aomesmo tempo objeto de disputa deperspectivas territoriais antagônicas, quese manifestam na própria estruturapedagógica como também nos currículose conteúdos escolares. Isto significa quenão somente a postura política doeducador é suficiente para romper porcompleto com este conflito. Mas valeressaltar que sem ela, de maneira ética ecoerente, esta vitória é completamenteimpossível.

O mesmo acontece com aagroecologia tanto como conceito, comoprática. A disputa se dá principalmente nalógica, na finalidade e na forma deapropriação dos produtos resultantes dotrabalho agroecológico. Para o capital, o valorde troca sobrepõe o valor de uso, ou seja, oque importa é o valor equivalente desteproduto a outras mercadorias, visandosempre a acumulação privada do capitalatravés do aumento das taxas de lucro, istose dá através da integração dos produtoresagroecológicos (comumente reconhecidospelas certificadoras) ao mercado capitalistade alimentos. O campo, nesta lógica é umsimples local de produção de mercadorias,logo é compreendido unilateralmente peladimensão econômica

Para o Campesinato, ao contrario, ovalor de uso sobrepõe o valor de troca, ouseja, a apropriação do produto resultantedo trabalho agroecológico prima pela suaqualidade material no processo deapropriação sócio-coletiva de alimentos, ecultural, pois nas relações sociais detrabalho produz-se cultura, sentimento,afeto e apego, tanto aos produtos, bemcomo ao lugar de produção, neste sentidoo território camponês transcende a lógicaeconômica e se transforma em um espaçode viver, morar, trabalhar, estudar, etc.

70 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

Outro elemento de disputa é aquestão da tecnologia, que tanto se fazpresente na escola, como na agroecologia.Na ótica do capital, a agroecologiacompreende um pacote tecnológico,inclusive com um conjunto de receituáriosagronômicos que podem ser aplicados emrealidades distintas sobre a mesma fórmulae que pode ser difundido através dosórgãos de assistência e escolas técnicas. Aescola neste contexto se coloca como umespaço de reprodução de um padrãotecnológico previamente estabelecido ondea pesquisa e a experimentação nãosignificam a produção do conhecimento apartir de realidades específicas e, sim,padrões homogêneos.

Do ponto de vista do Campesinato, atecnologia é um conjunto de práticas e derelações entre a sociedade e a natureza, quese dão de maneira dialética, onde ao mesmotempo em que o camponês é produtor doespaço é, também, produto socialhistoricamente definido. Sendo assim, atecnologia é um patrimônio social coletivo.

Neste contexto, a escola se coloca comoum espaço pedagógico-dialético de produçãode conhecimento a partir da realidadecontraditória, que se efetiva através dodialogo, elemento chave da iniciação e daprodução cientifica. Produzir umconhecimento agroecológico na sociedadecontemporânea exige de nós a superação dadicotomia entre a ciência moderna e asabedoria tradicional, onde nem uma nemoutra se coloca num plano de maior ou menorimportância, mas se complementam por umanecessidade histórica.

A prática e a teoria não se separam,embora tenham características que sedistinguem do ponto de vista analítico daepistemologia. A práxis dos/as

educadores/as é elemento central nestecontexto, pois exige: lucidez cientifica emsua área de atuação específica, com domíniode mecanismos e instrumentos quepotencializem o processo de ensinoaprendizagem; consciência metodológica eprocedimental. Estes elementos são centraispara um processo de transformação dasociedade, contrapondo a lógica do capital.Portanto o educador traz consigo a condiçãohistórica de promover, dentro de seucontexto social, mudanças gradativas esignificativas para a classe trabalhadora,mas para isto sua postura ética, no caso doeducador do campo, tem que convergir coma lógica camponesa, que tem na sua raiz aagroecologia.

Neste sentido reafirmamos quemuita coisa está sendo feita, masprecisamos refletir constantemente sobrenossas ações, afim de colocar a escola numcontexto que proporcione uma educaçãode caráter libertador emancipatório, ouseja, uma escola sem paredes, quedialogue com a realidade, proporcionandoelementos de reflexão para os movimentossociais. Não queremos aqui transferir todaa responsabilidade para a escola, masidentificar o papel que esta pode cumprirna elaboração de propostas quecontrapõem a ideologia capitalista.

De maneira geral, entendemos queo instrumento político real da classe socialcamponesa, que tratamos hoje comoMovimento Social Camponês, precisa secolocar primordialmente como um enteplanejador de seu território, caso contrário,ficará sempre a margem da lógica doplanejamento do Estado, que, pelaexperiência, entendemos que é a lógica docapital. Ou superamos este desafiohistórico ou estamos fadados a derrota e amanutenção do estatus quo.

71Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

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73Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

O Projeto Político Pedagógico:possibilidades das escolas do/no campo

Joelma de Oliveira Albuquerque

Profa. Ms. da Universidade Federal de Alagoas (Campus Arapiraca)e Doutoranda em Educação da UNICAMP.

Nair Casagrande

Profa. Dra. da Faculdade de Educaçãoda Universidade Federal da Bahia.

74 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

Ao discutir o projeto políticopedagógico (PPP), entendemos que, porcoerência, deveríamos iniciar estaproposição apresentando explicaçõesacerca da nossa sociedade. Isso porque aescola não está livre do que ocorre nasociedade, nem está à margem dela. Aescola é uma instituição que expressa, nassuas mais diversas instâncias, as basessobre as quais ela está construída. Aorganização social é essa base. Portanto,devemos iniciar entendendo quais sãoessas bases da nossa sociedade, queasseguram um determinado projeto deescolarização.

A sociedade em que vivemos temcomo características fundamentais a possepor uma minoria (a classe burguesa) dosmeios materiais e dos instrumentos detrabalho, das matérias-primas quegarantem a produção de todas as coisasnecessárias para vivermos e a exploraçãodo trabalho pelos patrões (que tambémconstituem a classe burguesa). Estaformulação define as bases do que édenominada de Sociedade Capitalista. Nestasociedade os camponeses, ostrabalhadores do campo, vão sendoexpropriados de tudo: da terra, da saúde,da educação, das artes, enfim, ficamprivados de viver dignamente.

Diante disso, que posição deve seassumir enquanto educadores eeducadoras do campo e da cidade? Seremosindiferentes à exploração dostrabalhadores? Devemos achar normal quea educação oferecida aos que são osverdadeiros produtores das riquezashumanas seja fraca, frágil,descompromissada politicamente? Estáclaro que não.

O modelo produtivo no campo queestá atrelado aos interesses doCapitalismo é o do agronegócio. Este écaracterizado pela grande concentraçãodas forças produtivas, isto é, os meios deprodução (terra, ferramentas, maquinário,etc.) e a força de trabalho (capacidadeshumanas usadas no trabalho, como ashabilidades e conhecimentos dostrabalhadores que vendem a sua força detrabalho) nas mãos de poucos, ou seja, doslatifundiários.

A proposta de desenvolvimento docampo que se contrapõe ao agronegócioé a agricultura camponesa. Ostrabalhadores do campo reivindicam essemodelo de produção, porque pressupõeum grande número de pessoasenvolvidas na produção, um campo com

75Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

estrutura para que todos vivamdignamente (saúde, educação, saneamento,cultura) e, também, em que sejampreservadas suas características no que dizrespeito à biodiversidade. Mas a condiçãofundamental para que essa mudança ocorraé a alteração radical das relações deprodução capitalistas. É a instauração dotrabalho livre e associado.

Isso significa que a educação é umdos pontos fundamentais desse processode transição de uma organização à outra.Isso porque os trabalhadores precisam teros conhecimentos profundo acerca dasciências que lhes permitam produzir osmeios de sua existência.

A agricultura camponesa admiteque novos conhecimentos podem e devemser incorporados pelos trabalhadores, paraque possam produzir cada vez mais commenos esforço e sem destruir a natureza.Isso vale para ressaltar que é falsa a idéiaque os camponeses defendem umaagricultura atrasada. Não se trata disso. Oscamponeses defendem a socialização dosmeios de produção e o fim da exploraçãodo trabalho.

Por isso, quando falamos deeducação, temos que falar da sociedade emque esta educação está inserida. Nãopodemos entender que podemos modificara educação somente, e esquecermos de queela tem bases firmadas na sociedade emque vivemos. Por isso é necessário que aeducação seja um ponto de apoio para aorganização de novas possibilidades deorganização social., que esteja numperspectiva de emancipação humana.

Na seqüência de nossas reflexões,apresentaremos a discussão acerca daorganização da educação vinculada a umprojeto de sociedade. A partir daí,apresentamos o debate sobre o projetopolítico pedagógico enquanto o orientadordos compromissos coletivos da escola docampo. Finalmente, discutimos os aspectosreferentes à como organizar um PPP/

programa de vida escolar que expresse asnecessidades dos trabalhadores.

1. Organização da educação

Estamos falando de educação e,portanto, em primeiro lugar, precisamossaber o que ela significa para nós. Ohomem, para produzir os bens necessáriosa sua existência, precisa transformar anatureza e a si próprio. Ao mesmo tempoem que desenvolve sua atividadeprincipal, o trabalho, ele também setransforma. Mas como acontece essatransformação?

Quando necessitamos produziralguma coisa, precisamos conhecer essacoisa. Não podemos produzir aquilo cujascaracterísticas desconhecemos. E foi assimem toda a história humana. Quandoprecisamos construir, verificamos osmelhores materiais, a melhor técnica, osmelhores instrumentos. No entanto,somente podemos fazer isso seconhecermos o maior número de materiais,de técnicas, de instrumentos possíveis,para que possamos, diante de umanecessidade, optar por aquilo que atendamelhor as nossas necessidades.

É neste ponto que reside osignificado da educação na históriahumana. Trata-se de um processo detransmissão, das velhas às novas gerações,de todo o saber socialmente construído ehistoricamente acumulado; da transmissãoàs novas gerações de tudo aquilo demelhor que a humanidade produziu emtermos de conhecimento. Neste sentido,significa transmitir às novas gerações umadas condições da continuidade daprodução e reprodução da vida no seusentido amplo, social.

Assim, o acesso ao conhecimentoenquanto um bem socialmentedesenvolvido e historicamente acumuladoé uma condição para que os trabalhadores

76 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

alterem as relações de produção. Nãobasta que eles tenham ferramentas,matérias-primas, tempo e espaçodisponíveis para a produção, se nãodominam os conhecimentos de comoorganizar isso tudo de forma a produzirabundantemente e sem exploração dotrabalho dos outros; se não compreendemas conseqüências históricas daorganização da produção no marco docapitalismo; se não projetaremcoletivamente, a cada dia, a construção deum futuro cada vez mais digno para ahumanidade; se não souberem como seauto-organizar para que todos tenhamliberdade na realização desta ou daquelaatividade.

Dentro dessa compreensão, ostrabalhadores vêm reivindicando umaeducação de qualidade, consistente,ampla, e não a educação que nos éoferecida pelo Estado – esvaziada deconteúdos científicos, despolitizada. NoBrasil, em especial, no atual contextohistórico, os trabalhadores do campo estãose auto-organizando para garantir essatransmissão do conhecimento socialmenteproduzido e historicamente acumulado àsnovas gerações. A escola é a principalinstituição responsável pela transmissãoàs novas gerações dos conhecimentosacumulados historicamente. Por isso ostrabalhadores reivindicam escola paratodos e educação de qualidade,socialmente referenciada, gratuita e laica.

Assim, esse movimento políticoamplo pela emancipação social, no qualse situa a educação do campo, deveenglobar a educação como um direitoinalienável de todo ser humano, o quenunca se deu de graça, mas, sim, commuita luta por essa e outras reivindicaçõesda classe trabalhadora.

Nesse sentido, é de fundamentalimportância que a escola cumpra suaresponsabilidade de transmissão doconhecimento historicamente acumuladoàs novas gerações. Em especial, que

garanta o acesso do conhecimentosocialmente útil à classe trabalhadora deforma a garantir sua instrumentalizaçãofrente ao fato de que não é possível realizaruma transformação social, ou alcançar opoder popular sem educação que possagarantir um processo de construção daconsciência de classe. Este processopermite que o sujeito se torne sujeito ativonum processo que lhe permita seinstrumentalizar para compreender e agirsobre sua realidade numa perspectivatransformadora.

Assim, o acesso ao conhecimentoescolar, de forma crítica e transformadora,é fundamental para a garantia de umaformação consistente para os trabalhadores.

Quando expusemos anteriormenteas características do modo capitalista deorganizar a produção da vida, nossaintenção foi mostrar que temos uma tarefade muita responsabilidade na história dahumanidade: opormos-nos à aceitaçãopassiva da realidade, integrando-nos à lutae ao trabalho, para transformar o mundode acordo com as necessidades easpirações cada vez maiores dostrabalhadores e trabalhadoras do campo eda cidade.

Podemos perceber que na amplamaioria das escolas públicas (onde estudamos filhos dos trabalhadores) existem sériosproblemas estruturais: desde a infra-estrutura das escolas, que é precária e nãopermite uma organização do trabalhopedagógico de forma a garantir umaeducação digna, até a negação de conteúdosimportantes referentes às ciências, às artes,às atividades da cultura corporal. Emcontrapartida, os filhos da burguesia (classedominante) estão nas melhores escolas, comas melhores estruturas e usufruem os maisavançados conhecimentos.

Isso não acontece por acaso. Aeducação internaliza valores em cada umdesses sujeitos, para garantir que o seupapel na estrutura social seja mantido.

77Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

Significa que existe uma educação, que édada à ampla maioria das pessoas (aclasse trabalhadora), que faz com que elase mantenha onde está e, como se isso nãobastasse, que essas pessoas se convençamde que o mundo é assim e não temosalternativas.

Portanto, o conhecimento escolarnão pode ser um para alguns, outro paraos demais. Não devemos cair no discursode que os conhecimentos devem ser eleitosa partir da realidade de cada um. Issoporque, se for assim, aos que moram nasperiferias, o que iremos ensinar? Formasde “conviver” com a miséria? Devemosensinar somente aquilo que diz respeito àmiséria imediata das pessoas, mantendo-as na ignorância? Esse é um discursofalacioso que devemos combater, que é odiscurso da classe dominante, do projetoeducacional imposto pela burguesia paraa classe trabalhadora.

Esse discurso de “conviver”transforma as desigualdades em merasdiferenças, e assim a educação da classetrabalhadora fica esvaziada dos conteúdosclássicos, dos conteúdos que foramdesenvolvidos durante a história dahumanidade, e, portanto, são o patrimôniosocial e cultural de todos os seres humanos.Teríamos milhões de “Daiane dos Santos”,se todos os jovens tivessem acesso aoconhecimento da Ginástica. Porém estudoscomprovam que o conhecimento daginástica está desaparecendo das escolas.

Ainda nos convencem que, se“quisermos”, com nosso “esforço”,podemos chegar lá. Mais uma vez estãonos convencendo de que cada um,individualmente, é que deve buscar oconhecimento. E sabemos que a educaçãode qualidade é um DIREITO DE TODOSE DEVER DO ESTADO!

Assim, temos que garantir que oconhecimento esteja na escola. Mas, nãoqualquer conhecimento, como vimos, nãoo conhecimento “mínimo”, não oconhecimento que é baseado na nossarealidade imediata. O conhecimento escolardeve ser o mesmo para todos. Deve haveruma base consistente e comum para todos.

2. O PPP: orientador dos compro-missos coletivos da escola

A escola, como uma das principaisinstituições responsáveis pela formaçãodas gerações, deve ser compreendida comoaquela que vai proporcionar às crianças,jovens e adultos a apropriação das formascomo o homem, ao longo da história dahumanidade, construiu e sistematizou oconhecimento, como esse conhecimento seexpressa na realidade e como o homempensa sobre ele.

Para articularmos uma proposta deProjeto1 Político Pedagógico, temos queter clara a proposição de educação, a teoriapedagógica e de sociedade quedefendemos e queremos construir. Nestesentido, pensar o trabalho pedagógico daescola, o Projeto Político Pedagógico,significa pensar a pedagogia do trabalho,tendo como referência inicial, ponto departida, o trabalho do campo. Significapensar, especialmente para a Educação doCampo, o caráter pedagógico dosprocessos de mudança na base técnica daprodução no campo.

a) A escola é um dos objetos centraisda Educação do Campo

A escola necessita compreenderqual o ser humano que deseja formar ecomo contribuir para formar novos sujeitos

1 Curiosidade: sentido etimológico (origem da palavra): “o termo projeto vem do latim projectu, particípio passado do verboprojicere, que significa lançar para diante”.

78 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

sociais. Deve estar atenta àsparticularidades dos processos sociais dotempo histórico em que se insere,ajudando a formar as novas gerações detrabalhadores e militantes sociais.

Para tanto, Caldart (2004) destacaaspectos importantes da organização dotrabalho pedagógico na escola, quecompõem o PPP e que devem seracompanhados permanentemente, comoum desafio que nos faça avançar naconstrução da Educação do Campo. Sãoestes:

- Socialização ou vivência derelações sociais, isto é, viver, na prática dodia-a-dia da escola, a socialização que nãobusque adaptar as pessoas ao formato dasociedade atual, com predominância doindividualismo, da sobrepujança, masaprofundar as relações sociais quepermitam formar sujeitos conscientes detransformações, inclusive da sociedade, asrelações de cooperação, da preocupaçãocom o bem-estar coletivo, dos valores dajustiça e da igualdade entre as infinitasindividualidades, as relações desolidariedade, de respeito e outras.

- Construção de uma visão demundo. Neste caso, compreendemos queé tarefa específica da escola contribuir naconstrução de um ideário que oriente avida das pessoas, o que inclui ferramentasculturais para uma leitura precisa darealidade em que vivem os sujeitos queconstituem a comunidade escolar.

- Cultivo das identidades e,acrescentaríamos, o cultivo da consciênciade classe2, em que se trabalhe, buscandoajudar a construir a visão de si mesmo,atrelada aos vínculos coletivos, sociais,

como o de ser camponês, de sertrabalhador, de ser membro de umacomunidade, de participar das lutassociais, de cultura, de nação. Essaintencionalidade, segundo Caldart, deveestar atrelada a três aspectos, no mínimo:à auto-estima, à memória e resistênciacultural e à militância social.

- Socialização e produção dediferentes conhecimentos. A escola tem aresponsabilidade de, na realização de seutrabalho pedagógico, ligado aoselementos anteriores, pôr em movimento,socializar e produzir diferentes tipos deconhecimentos, fornecendo, assim, asferramentas culturais necessárias para aformação humana nas várias dimensõesque exige a educação do campo.

b) O PPP deve ser parte de umplano para a vida

Significa que a alteração daorganização da educação escolar faz parteda construção de condições, no presente,do futuro em que serão combatidaspermanentemente as característicasdestrutivas da forma como a sociedadeatual (capitalista) se organiza.

Foi diante deste desafio queeducadores e educadoras russos, ainda noinício dos anos de 1900, propuseram aelaboração de “planos de vida escolar”, queé mais conhecido como Projeto PolíticoPedagógico (PPP), e que estamos propondo,neste caderno, chamá-lo de “Programa deVida”. Essa é a forma que temos para nosreferir à educação de que estamos falandoaqui. Faz com que tenhamos semprepresente o quanto é importante o nossotrabalho como educadores e educadoras do

2 A consciência de classe é entendida enquanto formação de uma consciência da situação de classe na história, a partir de umprocesso dialético no qual o movimento da história é tornado consciente pelo conhecimento de sua situação de classe. A consciênciade classe aparece enquanto uma possibilidade objetiva, ou seja, a expressão racional dos interesses históricos do proletariado.

79Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

campo, pois somos sujeitos dessa educaçãopara o futuro.

Com a elaboração da ConstituiçãoBrasileira no ano de 1988, tivemos ainstitucionalização do projeto pedagógico,no qual a realidade local passou a ser abase para a abordagem de temas econteúdos propostos nos currículosescolares.

Outro momento históricoimportante foi a promulgação da Lei deDiretrizes e Bases da Educação Nacional(LDB), em 1996, que instituiu que todaescola precisa ter um projeto políticopedagógico (PPP). Este surge como sendoum resultado das lutas dos trabalhadoresda educação pelo direito de participaçãonas decisões que dizem respeito àinstituição escolar, as quais passam desdea participação nas definições dos conteúdosa serem trabalhados, até mesmo na formada organização da dinâmica escolar.

Assim, esse processo histórico deluta expressa também a compreensão deque a forma de organização do modo devida do campo deve orientar a construçãodo PPP ou do Programa de Vida. Oprograma de vida deve expressar ocompromisso coletivo da escola com a lutapela compreensão e apreensão dosprocessos sociais, culturais, políticos eeconômicos, que delimitam/influenciam aformação do ser humano, capaz deinterferir nos rumos da vida individual ecoletiva.

O PPP/Programa de Vida deve serexpressão da articulação entre teoriaeducacional, teoria pedagógica e projetohistórico, com as condições concretas daescola e do coletivo escolar. Deve ser umasíntese em movimento da organização dotrabalho da escola como um todo orgânico,em busca dos objetivos sociais maisamplos da classe trabalhadora.

O processo da construção do ProjetoPolítico Pedagógico/Programa de vida para

todas as escolas, sejam elas do campo ouda cidade, deverá estar acompanhado deoutros elementos fundamentais. ParaCaldart (2004), esse processo, a partir daEducação do Campo, deve articular:

1. Formação humana vinculada auma concepção de campo.

2. Luta por políticas públicas quegarantam o acesso universal à educação.

3. Projeto de educação dos e nãopara os camponeses.

4. Movimentos Sociais comosujeitos da Educação do Campo.

5. Vínculo com a matriz pedagógicado trabalho e da cultura do campo.

6. Valorização e formação doseducadores.

7. Escola como um dos objetosprincipais da Educação do Campo.

Vale ressaltar que esses elementosque constituem a proposição da Educaçãodo Campo têm seu início na luta doscamponeses, o que não significa que nãopossam ser princípios universais parauma educação consistente para a classetrabalhadora como um todo. Quando sefala em Formação humana vinculada a umaconcepção de campo, significa umaconcepção que se contrapõe à concepçãocapitalista, que opõe campo e cidade, quenega condições de vida a todos ostrabalhadores.

Dessa forma, podemos visualizar oquanto é importante compreendermos osentido político da Educação do Campo:a luta pela autodeterminação e auto-organização dos produtores livrementeassociados, em que os trabalhadorespossam decidir a melhor maneira deorganizar a produção dos bens necessáriosà vida. É a partir dessas necessidades,

80 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

conforme aponta Mészáros (2005), quedevem ser estabelecidos os objetivospolítico-pedagógicos, a organização dotrabalho pedagógico da escola e doprofessor.

3. Como organizar um PPP/Programa de vida que expresse asnecessidades dos trabalhadores?

É tarefa fundamental noreconhecimento do PPP/Programa deVida, o planejamento de ações concretas, cujaintencionalidade tenha referência no processode uma transformação social radical. Oseducandos e educadores, e a comunidadeescolar, podem e devem criar e recriar seusprojetos, não de qualquer maneira, mascom um objetivo claro e definido,originado nas lutas dos trabalhadores docampo e da cidade, neste caso, a luta pelaapropriação do saber historicamentedesenvolvido e acumulado pelahumanidade.

Caldart (2005) nos ajuda a avançarna compreensão do que significa projetar,planejar. Para tanto, cabe a nósassumirmos, enquanto educadoras eeducadores, o desafio de “pensar” e, maisainda, “fazer” a escola que queremos, combase na necessidade vital dostrabalhadores, de acessar a riquezaimaterial produzida e sistematizada pelahumanidade, sob a forma dosconhecimentos científicos, técnicos,artísticos, da cultura corporal e outros.

Pensando no PPP/Programa deVida, podemos entender que é exatamentepara isso que projetamos, que planejamos.“Planejar é pensar antes de fazer”(CALDART, 2005, p.106). Mas para“pensar” antes de “fazer”, precisamos terconhecimentos sobre as coisas, sobre omundo, a sociedade, conhecimentos quenos permitam pensar algo rigorosamenteelaborado, necessário e socialmente útil.

Por isso a importância de uma educaçãoconsistente, rica em conhecimentoselaborados.

Para compreender o que é planejar,importa muito recuperar o significado doplanejamento para a vida humana, parasermos o que somos hoje: mulheres ehomens trabalhadores e trabalhadoras,educadoras e educadores do campo e dacidade. Fazemos parte do grupo depessoas que desenvolvem a capacidade deprojetar, de antever as ações na cabeçaantes de colocá-las em prática,transformando aquilo que tínhamospensado, projetado, planejado, através deatividades concretas, em novaspossibilidades para nossas vidas.

Assim, a concepção de ser humanonesse processo é a de um sujeito ativo emsua relação transformadora com a naturezae a sociedade, através de seu trabalho, emque o sujeito também se transforma. Então,constatamos que há um grande desafio:entendermos que o PPP poderá serinstrumento teórico-metodológico deintervenção e mudança na realidade. Esteplano deve orientar as ações, a organizaçãodo trabalho pedagógico da escola e doprofessor. É um compromisso coletivo,que fica sistematizado, e deve ser a baseda avaliação das ações da escola.

O PPP deve ser estruturado a partirda organização de estudantes, professorese da comunidade onde a escola estálocalizada, que juntos devem traçardiretrizes que colaborem para a definiçãoe consolidação de planos de vida dascrianças, jovens e adultos que freqüentama escola. A seguir apresentamos algumasindicações sobre como podemos procederpara a elaboração do PPP/Programa deVida. Cabe assinalar que não é uma regraa ser seguida a risca, mas são orientaçõesque poderão dirigir as ações para que seconstrua e se consolide um PPP.

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a) O desafio de planejar coleti-vamente

Para a elaboração do PPP/Programa de vida, é necessário que todosna escola estejam envolvidos. Trabalharcoletivamente não é fácil. Exige umesforço de todos, para que os objetivoscoletivos prevaleçam sobre os objetivosindividuais. Vale destacar que, em nossasociedade, somos ensinados a competir otempo todo e não a colaborar; somosincentivados ao individualismo nas suasformas mais extremas. Portanto, o quedeve nos mover para buscar a organizaçãodo coletivo escolar é uma convicçãopolítica baseada nos objetivos coletivos,a todos e para todos.

Um conceito importante deapresentarmos aqui é o da auto-organização. Mas o que significapensarmos na auto-organização?Enquanto educadores, devemos, por meiodo trabalho pedagógico, negar aexploração do homem pelo homem.

Isso significa criar coletivosescolares nos quais os estudantes atuem.Significa fazer da escola um tempo de vidae não uma preparação para a vida.Significa permitir que os estudantesconstruam a vida escolar (FREITAS, p. 60).Mas como, por qual caminho construir essacondição? Isso exige o desenvolvimentode três questões básicas: 1) habilidade detrabalhar coletivamente, de encontrar seulugar no trabalho coletivo; 2) habilidadede abraçar organizadamente cada tarefa;3) capacidade para a criatividadeorganizativa. A habilidade de trabalharcoletivamente cria-se apenas no processode trabalho coletivo, mas tambémsignifica a habilidade de, quandonecessário, dirigir e, quando necessário,de ser dirigido por seus colegas(PISTRAK, p.15).

Para planejar coletivamentesignifica que temos que nos reunir. Paratanto é necessário mobilizar a comunidadeescolar e do entorno da escola. Isso podeser feito através de divulgação comcartazes, convites, palestras, campanhascom os estudantes, que levem acomunidade a entender que a elaboraçãodo PPP poderá expressar com quaisobjetivos a escola deve formar suascrianças e adolescentes e como acomunidade pode participar dessaformação.

b) É fundamental que a maioria dacomunidade seja mobilizada

Quando julgarmos que acomunidade está mobilizada e pronta paraparticipar, devemos marcar a reunião. Eladeve ocorrer de preferência em momentosque garantam a participação de um maiornúmero de pessoas possível, num espaçoque acomode bem a todos.

Nessa reunião todos os envolvidosprofissionalmente no dia-a-dia escolar jádevem ter se organizado anteriormente epreparado apresentações sobre como estáa escola e como entendem que ela poderiaser. Aos professores, diretores ecoordenadores caberá a tarefa de fazer aospresentes na reunião uma breve exposiçãoda história da educação escolar no mundoe no Brasil e das leis e diretrizes daeducação brasileira, de forma acessível eenriquecedora. Os profissionais daeducação têm a obrigação de trazer asinformações que os interessados empensar a escola, que não são profissionaisda educação, não têm. A comunidade,para poder discutir, precisa deinformações, e isso os profissionais daescola devem garantir. Essas informaçõesdevem ser trabalhadas para assegurar aparticipação de todos na discussão.

As escolas podem recorrer a outrosprofissionais que vão até a comunidadefalar sobre pontos que se julguem

82 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

necessários a um aprofundamento maior.É importante lembrar que a elaboração deum PPP/Programa de Vida pode durar atéum (1) ano ou mais, se esse tempo fornecessário para garantir o envolvimentoconsciente da comunidade interessada.

Entendemos que a construção doPPP/Programa de Vida começa desde asprimeiras reuniões da equipe escolar paraorganizar sua elaboração, sendo necessáriauma ata de todas as reuniões, dentro ou forada escola. Essas atas vão contar a históriada construção do PPP. Alguns pontosfundamentais a serem esclarecidos eencaminhados nas primeiras reuniões são:

1) O que vem a ser e para que serveum Projeto Político Pedagógico (PPP)/Programa de Vida de uma escola?

2) Quem deve e quem podeparticipar de sua elaboração?

3) Quanto tempo pode durar aconstrução de um PPP?

4) Definição da periodicidade dasreuniões.

5) Eleição da coordenação colegiadacom representantes da escola e dacomunidade.

6) Eleição do grupo que fará asistematização da construção do PPP.

7) Elaboração de um planejamentodo processo a ser desenvolvido.

Para colocar propriamente emprática esse processo de sistematização, deelaboração do PPP, é necessário:

a) Realização de diagnóstico daescola, com estudo da realidade docontexto. (Destacando-se que isso deve serfeito pelo coletivo organizado no itemanterior; bem como a sistematização/elaboração escrita).

b) Estudo do PPP atual, ou, nainexistência deste, dos elementos queregem a vida escolar atualmente.(Destacando-se a sistematização/elaboração escrita).

c) Estudos de aprofundamentoteórico (Indicando este caderno comoponto de partida para o estudo; indicandoreferências básicas de aprofundamento;destacando a sistematização/elaboraçãoescrita).

d) Elaboração de síntese do debatee dos estudos realizados, e construção daproposta de PPP da escola.

e) Debate final com sistematizaçãoda experiência e com fechamento do PPP.

f) Organização do coletivo escolarpara a implementação do novo PPP.

g) A implementação do PPP/exigirá atenção, o acompanhamentoconstante dos elementos que o constituem,que concretizam o mesmo na prática dodia-a-dia da escola, isto é, a própriaorganização do trabalho pedagógico daescola. São estes: fins, objetivos da escola e adinâmica da avaliação; a estruturaorganizacional, o currículo, o tempo escolar e otempo comunidade, o processo de decisão, asrelações de trabalho.

Todo esse processo prático, essedesafio da construção do Projeto Políticoe Pedagógico/Programa de Vida para aEducação do Campo, sempre estarápermeado pela construção de um projetode educação dos trabalhadores do campo,com base em suas necessidades eacúmulos de lutas desenvolvidas poresses sujeitos.

Trata-se de fazê-lo com a clareza deque estamos construindo uma educaçãoque é política e pedagógica, tendo comoreferência os interesses sociais, políticos,

83Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

culturais da classe trabalhadora do campoe da cidade. Este movimento que serealizará na construção, sistematização eimplementação do PPP é resultado e dácontinuidade à necessária luta pelaEducação do Campo, permeada de lutaspor políticas públicas voltadas para asnecessidades e particularidades do campoe pela mobilização dos trabalhadores dacidade em torno da construção de umprojeto histórico superador docapitalismo.

Elaborar um programa de vida paraa escola significa que teremos que realizarações concretas, atividades que colocarãona prática nossas intenções. Essas açõesdevem estar integradas à vida e ao trabalhodo campo, para que possamos constatar,compreender, explicar e superar asproblemáticas da sociedade, que seexpressam na vida do campo. Assimpodemos pensar além dos PPP ouProgramas de Vida em si mesmos, alémdos limites de uma educação restrita à meratransmissão desarticulada de conteúdossem sentido e significado para os objetivosde transformação da vida social.

Pensar um programa de vida paraalém de um programa somente de ensinorestrito à sala de aula significa pensarmosem planos de vida para as crianças, jovense adultos do campo brasileiro. Destaquestão surgem outras: como passar doensino para a educação integral quecontemple os diversos aspectos do serhumano; das velhas grades curricularesaos planos de vida? E este plano de vida éa articulação entre o PPP (programa devida escolar) e o currículo escolar(programa escolar), quer dizer, é um planode vida e de ação para a escola como umtodo, inclusive a comunidade em que elaestá inserida.

Assim, é fundamental vincular avida escolar a um processo detransformação social, fazendo dela umlugar de educação do povo, para que seassuma como sujeito da construção deuma nova sociedade.

Referências Bibliográficas

COLETIVO DE AUTORES. Metodologiado Ensino da Educação Física. São Paulo:Cortez, 1992.

FREITAS, Luiz Carlos de. Crítica daOrganização do Trabalho Pedagógico e daDidática. Campinas: Papirus, 1995.

______. Ciclos, seriação e avaliação.Editora Moderna.

______. Projeto histórico, ciênciapedagógica e Didática. Educação eSociedade. Nº 27. 1987:122-140

LIBÂNEO, J. C. Pedagogia e pedagogospara quê? São Paulo, Cortez, 2002.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Aideologia alemã: crítica da mais recentefilosofia alemã em seus representantesFeuerbach, B. Bauer e Stiner, e do socialismoalemão em seus diferentes profetas (1845-1846). São Paulo: Boitempo, 2007.

PISTRAK, M. M. Fundamentos da escola dotrabalho. São Paulo-SP: Expressão Popular,2004. 3.ed. 224pp.

84 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

85Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

POEMAS para a CAMINHADA

86 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

87Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

NORDESTINO SIM,NORDESTINADO NÃOPatativa do Assaré

Nunca diga nordestinoQue Deus lhe deu um destinoCausador do padecerNunca diga que é o pecadoQue lhe deixa fracassadoSem condições de viver

Não guarde no pensamentoQue estamos no sofrimentoÉ pagando o que devemosA Providência DivinaNão nos deu a triste sinaDe sofrer o que sofremos

Deus o autor da criaçãoNos dotou com a razãoBem livres de preconceitosMas os ingratos da terraCom opressão e com guerraNegam os nossos direitos

Não é Deus quem nos castigaNem é a seca que obrigaSofrermos dura sentençaNão somos nordestinadosNós somos injustiçadosTratados com indiferença

Sofremos em nossa vidaUma batalha renhidaDo irmão contra o irmãoNós somos injustiçadosNordestinos exploradosMas nordestinados não

Há muita gente que choraVagando de estrada aforaSem terra, sem lar, sem pãoCrianças esfarrapadasFamintas, escaveiradasMorrendo de inanição

Sofre o neto, o filho e o paiPara onde o pobre vaiSempre encontra o mesmo malEsta miséria campeiaDesde a cidade à aldeiaDo Sertão à capital

Aqueles pobres mendigosVão à procura de abrigosCheios de necessidadeNesta miséria tamanhaSe acabam na terra estranhaSofrendo fome e saudade

Mas não é o Pai CelesteQue faz sair do NordesteLegiões de retirantesOs grandes martírios seusNão é permissão de DeusÉ culpa dos governantes

Já sabemos muito bemDe onde nasce e de onde vemA raiz do grande malVem da situação críticaDesigualdade políticaEconômica e social

Somente a fraternidadeNos traz a felicidadePrecisamos dar as mãosPara que vaidade e orgulhoGuerra, questão e barulhoDos irmãos contra os irmãos

Jesus Cristo, o SalvadorPregou a paz e o amorNa santa doutrina suaO direito do bangueiroÉ o direito do trapeiroQue apanha os trapos na rua

Uma vez que o conformismoFaz crescer o egoísmoE a injustiça aumentarEm favor do bem comumÉ dever de cada umPelos direitos lutar

Por isso vamos lutarNós vamos reivindicarO direito e a liberdadeProcurando em cada irmãoJustiça, paz e uniãoAmor e fraternidade

Somente o amor é capazE dentro de um país fazUm só povo bem unidoUm povo que gozaráPorque assim já não háOpressor nem oprimido

88 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

MADRUGADA CAMPONESAThiago de Mello

Madrugada camponesa,faz escuro ainda no chão,

mas é preciso plantar.A noite já foi mais noitea manhã já vai chegar.

Não vale mais a cançãofeita de medo e arremedo

para enganar solidãoAgora vale a verdade

cantada simples e sempreagora vale a alegria

que se constrói dia a diafeita de canto e de pão.

Breve há de sersinto no ar

tempo de trigo madurovai ser tempo de ceifar

Já se levantam prodígioschuva azul no milharal,estala em flor o feijão

um leite novo minandono meu longe seringal.

Madrugada da esperançajá é quase tempo de amor

colho um sol que arde no chão,lavro a luz dentro da cana

minha alma no seu pendão.

Madrugada Camponesafaz escuro (já nem tanto)

vale a pena trabalharfaz escuro, mas eu canto

porque a manhã vai chegar.

89Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

JOÃO BOA MORTECABRA MARCADO PARA MORRERFerreira Gullar

Essa guerra do Nordestenão mata quem é doutor.Não mata dono de engenho,só mata cabra da peste,só mata o trabalhador.O dono de engenho engorda,vira logo senador.

Não faz um ano que os homensque trabalham na fazendado Coronel Beneditotiveram com ele atritodevido ao preço da venda.O preço do ano passadojá era baixo e no entantoo coronel não quis daro novo preço ajustado.

João e seus companheirosnão gostaram da proeza:se o novo preço não davapara garantir a mesa,aceitar preço mais baixojá era muita fraqueza.“Não vamos voltar atrás.Precisamos de dinheiro.Se o coronel não quer dar mais,vendemos nosso produtopara outro fazendeiro.”

Com o coronel foram ter.Mas quando comunicaramque a outro iam vendero cereal que plantaram,o coronel respondeu:“Ainda está pra nascerum cabra pra fazer isso.Aquele que se atreverpode rezar, vai morrer,vai tomar chá de sumiço”.

CANÇÃO DE OUTONOCecília Meireles

Perdoa-me, folha seca,não posso cuidar de ti.Vim para amar neste mundo,e até do amor me perdi.

De que serviu tecer florespelas areias do chão,se havia gente dormindosobre o própro coração?

E não pude levantá-la!Choro pelo que não fiz.E pela minha fraquezaé que sou triste e infeliz.Perdoa-me, folha seca!Meus olhos sem força estãovelando e rogando áquelesque não se levantarão...

Tu és a folha de outonovoante pelo jardim.Deixo-te a minha saudade- a melhor parte de mim.Certa de que tudo é vão.Que tudo é menos que o vento,menos que as folhas do chão...

90 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

SOU NEGROSolano Trindade

Sou negromeus avós foram queimadospelo sol da Áfricaminh‘alma recebeu o batismo dostamboresatabaques, gongôs e agogôsContaram-me que meus avósvieram de Loandacomo mercadoria de baixo preçoplantaram cana pro senhor de engenhonovoe fundaram o primeiro Maracatu

Depois meu avô brigou como um danadonas terras de ZumbiEra valente como quêNa capoeira ou na facaescreveu não leuo pau comeuNão foi um pai Joãohumilde e mansoMesmo vovónão foi de brincadeiraNa guerra dos Malêsela se destacou

Na minh‘alma ficouo sambao batuqueo bamboleioe o desejo de libertação

APRENDIZADOFerreira Gullar

Do mesmo modo que te abriste à alegria abre-te agora ao sofrimento que é fruto dela e seu avesso ardente.

Do mesmo modo que da alegria foste ao fundo e te perdeste nela e te achaste nessa perdadeixa que a dor se exerça agorasem mentirasnem desculpas e em tua carne vaporize toda ilusãoque a vida só consomeo que a alimenta.

91Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

ESCOLA É

... o lugar que se faz amigos.

Não se trata só de prédios, salas, quadros,Programas, horários, conceitos...Escola é sobretudo, genteGente que trabalha, que estudaQue alegra, se conhece, se estima.O Diretor é gente,O coordenador é gente,O professor é gente,O aluno é gente,Cada funcionário é gente.E a escola será cada vez melhorNa medida em que cada um se comporteComo colega, amigo, irmão.Nada de “ilha cercada de gentePor todos os lados”Nada de conviver com as pessoas e depois,Descobrir que não tem amizade a ninguém.

Nada de ser como tijoloque forma a parede,Indiferente, frio, só.Importante na escola não é só estudar,Não é só trabalhar,É também criar laços de amizade,É criar ambiente de camaradagem,É conviver, é se “amarrar nela”!Ora é lógico...

Numa escola assim vai ser fácil!Estudar, trabalhar, crescer,Fazer amigos, educar-se, ser feliz.

É por aqui que podemosComeçar a melhorar o mundo.

(Paulo Freire)

SABER VIVERCora Coralina

Não sei... Se a vida é curtaOu longa demais pra nós,Mas sei que nada do que vivemosTem sentido, se não tocamos o coraçãodas pessoas.

Muitas vezes basta ser:Colo que acolhe,Braço que envolve,Palavra que conforta,Silêncio que respeita,Alegria que contagia,Lágrima que corre,Olhar que acaricia,Desejo que sacia,Amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo,É o que dá sentido à vida.É o que faz com que elaNão seja nem curta,Nem longa demais,Mas que seja intensa,Verdadeira, pura... Enquanto durar

92 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

CANÇÃO DO REMENDO E DO CASACOBertolt Brecht

Sempre que o nosso casaco se rasgavocês vêm correndo dizer: assim não pode ser;

isso vai acabar, custe o que custar!Cheios de fé vão aos senhores

enquanto nós, cheios de frio, aguardamos.E ao voltar, sempre triunfantes,

nos mostram o que por nós conquistam:Um pequeno remendo.Ótimo, eis o remendo.

Mas onde estáo nosso casaco?

Sempre que nós gritamos de fomevocês vêm correndo dizer: Isso não vai continuar,

é preciso ajudá-los, custe o que custar!E cheios de ardor vão aos senhores

enquanto nós, com ardor no estômago, esperamos.E ao voltar, sempre triunfantes,

exibem a grande conquista:um pedacinho de pão.

Que bom, este é o pedaço de pão,mas onde está

o pão?Não precisamos só do remendo,

precisamos o casaco inteiro.Não precisamos de pedaços de pão,

precisamos de pão verdadeiro.Não precisamos só do emprego,

toda a fábrica precisamos.E mais o carvão.E mais as minas.

O povo no poder.É disso que precisamos.

Que tem vocêsa nos dar?

93Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

ELOGIO DO APRENDIZADOBertolt Brecht

Aprenda o mais simples!Para aqueles cuja hora chegou

Nunca é tarde demais!Aprenda o ABC; não basta, mas

Aprenda! Não desanime!Comece! É preciso saber tudo!

Você tem que assumir o comando!Aprenda, homem no asilo!

Aprenda, homem na prisão!Arenda, mulher na cozinha!

Aprenda, ancião!Você tem que assumir o comando!

Frequente a escola, você que não tem casa!Adquira conhecimento, você que sente frio!

Você que tem fome, agarre o livro: é uma arma.Você tem que assumir o comando.

Não se envergonhe de perguntar, camarada!Não se deixei convencer

Veja com seus olhos!O que não sabe por conta própria

Não sabe.Verifique a conta

É você que vai pagar.Ponha o dedo sobre cada item

Pergunte: O que é isso?Você tem que assumir o comando.

94 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

MORTE DE NANÃPatativa do Assaré

Eu vou contá uma historaQue eu não sei como comece,Pruquê meu coração chora,A dô no meu peito cresce,Omenta o meu sofrimentoE fico uvindo o lamentoDe minha arma dilurida,Pois é bem triste a sentençaDe quem perdeu na isistençaO que mais amou na vida.

Já tou velho, acabrunhado,Mas inriba dêste chão,Fui o mais afortunadoDe todos fios de Adão.Dentro da minha pobreza,Eu tinha grande riqueza:Era uma querida fia,Porém morreu muito nova.Foi sacudida na covaCom seis ano e doze dia.

Morreu na sua inocençaAquêle anjo incantadô,Que foi na sua isistença,A cura da minha dôE a vida do meu vivê.Eu bejava, com prazê,Todo dia, demenhã,Sua face pura e bela.Era Ana o nome dela,Mas, eu chamava Nanã.

Nanã tinha mais primôDe que as mais bonita jóia,Mais linda do que as fulôDe un tá de Jardim de TróiaQue fala o dotô Conrado.Seu cabelo cachiado,Prêto da cô de viludo.Nanã era meu tesôro,Meu diamante, meu ôro,Meu anjo, meu céu, meu tudo,

Pelo terrêro corria,Sempre sirrindo e cantando,Era lutrida e sadia,Pois, mesmo se alimentandoCom feijão, mio e farinha,Era gorda, bem gordinhaMinha querida Nanã,Tão gorda que reluzia.O seu corpo pareciaUma banana-maçã.

Todo dia, todo dia,Quando eu vortava da roça,Na mais compreta alegria,Dento da minha paioçaMinha Nanã eu achava.Por isso, eu não invejavaRiqueza nem posiçãoDos grandes dêste país,Pois eu era o mais felizDe todos fio de Adão.

Mas, neste mundo de Cristo,Pobre não pode gozá.Eu, quando me lembro disto,Dá vontade de chorá.Quando há sêca no sertão,Ao pobre farta feijão,Farinha, mio e arrôis.Foi isso que aconteceu:A minha fia morreu,Na sêca de trinta e dois.

Vendo que não tinha inverno,O meu patrão, um tirano,Sem temê Deus nem o inferno,Me deixou no desengano,Sem nada mais me arranjá.Teve que se alimentáMinha querida Nanã,No mais penoso matrato,Comendo caça do matoE goma de mucunã.

E com as braba comida,Aquela pobre inocenteFoi mudando a sua vida,Foi ficando deferente.Não sirria nem brincava,Bem pôco se alimentavaE inquanto a sua gorduraNo corpo diminuía,No meu coração cresciaA minha grande tortura.Quando ela via o angu,Todo dia demenhã,Ou mesmo o rôxo bejuDe goma de mucanã,Sem a comida querê,Oiava pro dicumê,Depois oiava pra mimE o meu coração doía,Quando Nanã me dizia:Papai, ô comida ruim!

Se passava o dia intêroE a coitada não comia,Não brincava no terrêroNem cantava de alegria,

95Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

Pois a farta de alimentoAcaba o contentamento,Tudo destrói e consome.Não saía da tipóiaA minha adorada jóia,Infraquecida de fome.

Daqueles óio tão lindoEu via a luz se apagandoE tudo diminuindo.Quando eu tava reparandoOs oínho da criança,Vinha na minha lembrançaUm candiêro vazioCom uma tochinha acesaRepresentando a tristezaBem na ponta do pavio.

E, numa noite de agosto,Noite escura e sem luá,Eu vi crescê meu desgôsto,Eu vi crescê meu pená.Naquela noite, a criançaSe achava sem esperançaE quando vêi o rompêDa linha e risonha orora,Fartava bem pôcas horaPra minha Nanã morrê.

Por ali ninguém chegou,Ninguém reparou nem viuAquela cena de horrôQue o rico nunca assistiu,Só eu a minha muié,Que ainda cheia de féRezava pro Pai Eterno,Dando suspiro maguadoCom o rosto seu moiadoDas água do amó materno.

E, enquanto nós assistiaA morte da pequenina,Na menhã daquele dia,Veio um bando de campina,De canaro e sabiáE começaro a cantáUm hino santificado,Na copa de um cajuêroQue havia bem no terrêroDo meu rancho esburacado.

Aqueles passo cantava,Em lovô da despedida,Vendo que Nanã dexavaAs misera desta vida.Pois não havia ricurso,Já tava fugindo os purso.Naquele estado misquinho,

Ia apressando o cansaço,Seguido pelo compassoDa musga dos passarinho.

Na sua pequena bôcaEu via os laibo tremendoE, naquela afrição lôca,Ela também conhecendoQue a vida tava no fim,Foi regalando pra mimOs tristes oínho seu,Fêz um esfôrço ai, ai, ai,E disse: “Abença, papai!”Fechó os óio e morreu.

Enquanto finalizavaSeu momento derradêro,Lá fora os passo cantava,Na copa do cajuêro.Em vez de gemido e choro,As ave cantava em coro.Era o bendito prefeitoDa morte do meu anjinho.Nunca mais os passarinhoCantaro daquele jeito.

Nanã foi, naquele dia,A Jesus mostrá seu risoE omentá mais a quantiaDos anjo do Paraíso.Na minha maginação,Caço e não acho expressãoPra dizê como é que fico.Pensando naquele adeusE a curpa não é de Deus,A curpa é dos home rico.

Morreu no maió matratoMeu amô lindo e mimoso.Meu patrão, aquele ingrato,Foi o maior criminosoFoi o maió assassino.O meu anjo pequeninoFoi sacudido no fundoDo mais pobre cimiteroE eu hoje me consideroO mais pobre dêste mundo.

Soluçando, pensativo,Sem consôlo e sem assunto,Eu sinto que inda tou vivo,Mas meu jeito é de defunto.Invorvido na tristeza,No meu rancho de pobreza,Tôda vez que eu vou rezá,Com meus juêio no chão,Peço em minhas oração:Nanã, venha me buscá.

96 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

PARA OS QUE VIRÃOThiago de Mello

Como sei pouco, e sou pouco,faço o pouco que me cabeme dando inteiro.Sabendo que não vou vero homem que quero ser.

Já sofri o suficientepara não enganar a ninguém:principalmente aos que sofremna própria vida, a garrada opressão, e nem sabem.

Não tenho o sol escondidono meu bolso de palavras.Sou simplesmente um homempara quem já a primeirae desolada pessoado singular - foi deixando,devagar, sofridamentede ser, para transformar-se- muito mais sofridamente -na primeira e profunda pessoado plural.

Não importa que doa: é tempode avançar de mão dadacom quem vai no mesmo rumo,mesmo que longe ainda estejade aprender a conjugaro verbo amar.

É tempo sobretudode deixar de ser apenasa solitária vanguardade nós mesmos.Se trata de ir ao encontro.(Dura no peito, arde a límpidaverdade dos nossos erros.)Se trata de abrir o rumo.

Os que virão, serão povo,e saber serão, lutando.

DESILUSÃOPatativa do Assaré

Como a folha no vento pelo espaçoEu sinto o coração aqui no peito,De ilusão e de sonho já desfeito,A bater e a pulsar com embaraço.

Se é de dia, vou indo passo a passoSe é de noite, me estendo sobre o leito,Para o mal incurável não há jeito,É sem cura que eu vejo o meu fracasso.

Do parnaso não vejo o belo monte,Minha estrela brilhante no horizonteMe negou o seu raio de esperança,

Tudo triste em meu ser se manifesta,Nesta vida cansada só me restaAs saudades do tempo de criança.

97Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

QUERO SER TAMBORJosé Craverinha – Mozambique

Tambor está velho de gritarOh velho Deus dos homens

deixa-me ser tamborcorpo e alma só tambor

só tambor gritando na noite quente dos trópicos.Nem flor nascida no mato do desespero

Nem rio correndo para o mar do desesperoNem zagaia temperada no lume vivo do desespero

Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.Nem nada!

Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terraSó tambor de pele curtida ao sol da minha terra

Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra.Eu

Só tambor rebentando o silêncio amargo da MafalalaSó tambor velho de sentar no batuque da minha terra

Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.Oh velho Deus dos homens

eu quero ser tambore nem rioe nem flor

e nem zagaia por enquantoe nem mesmo poesia.

Só tambor ecoando como a canção da força e da vidaSó tambor noite e diadia e noite só tambor

até à consumação da grande festa do batuque!Oh velho Deus dos homens

deixa-me ser tamborsó tambor!

98 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

99Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

ANEXOSDocumentos sobre Educação do Campo

100 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

Conselho Nacional de EducaçãoCâmara de Educação Básica

RESOLUÇÃO CNE/CEB 01 - 3 DE ABRIL DE 2002(*)

O Presidente da Câmara da Educação Básica, reconhecido o modopróprio de vida social e o de utilização do espaço do campo comofundamentais, em sua diversidade, para a constituição da identidade dapopulação rural e de sua inserção cidadã na definição dos rumos dasociedade brasileira, e tendo em vista o disposto na Lei nº 9.394, de 20 dedezembro de 1996 -LDB, na Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996, e naLei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001, que aprova o Plano Nacional deEducação, e no Parecer CNE/CEB 36/2001, homologado pelo SenhorMinistro de Estado da Educação em 12 de março de 2002, resolve:

Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Operacionais paraa Educação Básica nas escolas do campo a serem observadas nos projetosdas instituições que integram os diversos sistemas de ensino.

Art. 2º Estas Diretrizes, com base na legislação educacional,constituem um conjunto de princípios e de procedimentos que visamadequar o projeto institucional das escolas do campo às DiretrizesCurriculares Nacionais para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental eMédio, a Educação de Jovens e Adultos, a Educação Especial, a EducaçãoIndígena, a Educação Profissional de Nível Técnico e a Formação deProfessores em Nível Médio na modalidade Normal.

Parágrafo único. A identidade da escola do campo é definida pelasua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se natemporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletivaque sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível nasociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associemas soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletivano país.

Art. 3º O Poder Público, considerando a magnitude da importânciada educação escolar para o exercício da cidadania plena e para o

(*)CNE. Resolução CNE/CEB 1/2002. Diário Oficial da União, Brasília, 9 de abril de 2002. Seção 1, p.

32.Acesso a este documento no link: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB012002.pdf

Institui Diretrizes Operacionaispara a Educação Básica nas Escolasdo Campo.

101Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

desenvolvimento de um país cujo paradigma tenha como referências ajustiça social, a solidariedade e o diálogo entre todos, independente desua inserção em áreas urbanas ou rurais, deverá garantir a universalizaçãodo acesso da população do campo à Educação Básica e à EducaçãoProfissional de Nível Técnico.

Art. 4° O projeto institucional das escolas do campo, expressão dotrabalho compartilhado de todos os setores comprometidos com auniversalização da educação escolar com qualidade social, constituir-se-ánum espaço público de investigação e articulação de experiências e estudosdirecionados para o mundo do trabalho, bem como para odesenvolvimento social, economicamente justo e ecologicamentesustentável.

Art. 5º As propostas pedagógicas das escolas do campo, respeitadasas diferenças e o direito à igualdade e cumprindo imediata e plenamenteo estabelecido nos artigos 23, 26 e 28 da Lei 9.394, de 1996, contemplarão adiversidade do campo em todos os seus aspectos: sociais, culturais,políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia.

Parágrafo único. Para observância do estabelecido neste artigo, aspropostas pedagógicas das escolas do campo, elaboradas no âmbito daautonomia dessas instituições, serão desenvolvidas e avaliadas sob aorientação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Ed ucação Básicae a Educação Profissional de Nível Técnico.

Art. 6º O Poder Público, no cumprimento das suasresponsabilidades com o atendimento escolar e à luz da diretriz legal doregime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e osMunicípios, proporcionará Educação Infantil e Ensino Fundamental nascomunidades (*) CNE. Resolução CNE/CEB 1/2002. Diário Oficial daUnião, Brasília, 9 de abril de 2002. Seção 1, p. 32.

rurais, inclusive para aqueles que não o concluíram na idadeprevista, cabendo em especial aos Estados garantir as condições necessáriaspara o acesso ao Ensino Médio e à Educação Profissional de Nível Técnico.

Art. 7º É de responsabilidade dos respectivos sistemas de ensino,através de seus órgãos normativos, regulamentar as estratégias específicasde atendimento escolar do campo e a flexibilização da organização docalendário escolar, salvaguardando, nos diversos espaços pedagógicos etempos de aprendizagem, os princípios da política de igualdade.

§ 1° O ano letivo, observado o disposto nos artigos 23, 24 e 28 daLDB, poderá ser estruturado independente do ano civil.

§ 2° As atividades constantes das propostas pedagógicas das escolas,preservadas as finalidades de cada etapa da educação básica e damodalidade de ensino prevista, poderão ser organizadas e desenvolvidasem diferentes espaços pedagógicos, sempre que o exercício do direito àeducação escolar e o desenvolvimento da capacidade dos alunos deaprender e de continuar aprendendo assim o exigirem.

102 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

Art. 8° As parcerias estabelecidas visando ao desenvolvimentode experiências de escolarização básica e de educação profissiona l,sem prejuízo de outras exigências que poderão ser acrescidas pelosrespectivos sistemas de ensino, observarão:

I - articulação entre a proposta pedagógica da instituição e asDiretrizes Curriculares Nacionais para a respectiva etapa da EducaçãoBásica ou Profissional;

II - direcionamento das atividades curriculares e pedagógicaspara um projeto de desenvolvimento sustentável;

III - avaliação institucional da proposta e de seus impactos sobrea qualidade da vida individual e coletiva;

IV - controle social da qualidade da educação escolar, mediantea efetiva participação da comunidade do campo.

Art. 9º As demandas provenientes dos movimentos sociaispoderão subsidiar os componentes estruturantes das políticaseducacionais, respeitado o direito à educação escolar, nos termos dalegislação vigente.

Art. 10. O projeto institucional das escolas do campo, consideradoo estabelecido no artigo 14 da LDB, garantirá a gestão democrática,constituindo mecanismos que possibilitem estabelecer relações entre aescola, a comunidade local, os movimentos sociais, os órgãosnormativos do sistema de ensino e os demais setores da sociedade.

Art. 11. Os mecanismos de gestão democrática, tendo comoperspectiva o exercício do poder nos termos do disposto no parágrafo1º do artigo 1º da Carta Magna, contribuirão diretamente:

I - para a consolidação da autonomia das escolas e o fortalecimentodos conselhos que propugnam por um projeto de desenvolvimento quetorne possível à população do campo viver com dignidade;

II - para a abordagem solidária e coletiva dos problemas docampo, estimulando a autogestão no processo de elaboração,desenvolvimento e avaliação das propostas pedagógicas dasinstituições de ensino.

Art. 12. O exercício da docência na Educação Básica, cumprindoo estabelecido nos artigos 12, 13, 61 e 62 da LDB e nas Resoluções 3/1997 e 2/1999, da Câmara da Educação Básica, assim como os Pareceres9/2002, 27/2002 e 28/2002 e as Resoluções 1/2002 e 2/2002 do Plenodo Conselho Nacional de Educação, a respeito da formação deprofessores em nível superior para a Educação Básica, prevê a formaçãoinicial em curso de licenciatura, estabelecendo como qualificaçãomínima, para a docência na Educação Infantil e nos anos iniciais doEnsino Fundamental, o curso de formação de professores em NívelMédio, na modalidade Normal.

Parágrafo único. Os sistemas de ensino, de acordo com o artigo67 da LDB desenvolverão políticas de formação inicial e continuada,habilitando todos os professores leigos e promovendo oaperfeiçoamento permane nte dos docentes.

103Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

Art. 13. Os sistemas de ensino, além dos princípios e diretrizes queorientam a Educação Básica no país, observarão, no processo denormatização complementar da formação de professores para o exercícioda docência nas escolas do campo, os seguintes componentes:

I - estudos a respeito da diversidade e o efetivo protagonismo dascrianças, dos jovens e dos adultos do campo na construção da qualidadesocial da vida individual e coletiva, da região, do país e do mundo;

II - propostas pedagógicas que valorizem, na organização do ensino,a diversidade cultural e os processos de interação e transformação docampo, a gestão democrática, o acesso ao avanço científico e tecnológico erespectivas contribuições para a melhoria das condições de vida e afidelidade aos princípios éticos que norteiam a convivência solidária ecolaborativa nas sociedades democráticas.

Art. 14. O financiamento da educação nas escolas do campo, tendoem vista o que determina a Constituição Federal, no artigo 212 e no artigo60 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, a LDB, nosartigos 68, 69, 70 e 71, e a regulamentação do Fundo de Manutenção eDesenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério- Lei 9.424, de 1996, será assegurado mediante cumprimento da legislaçãoa respeito do financiamento da educação escolar no Brasil.

Art. 15. No cumprimento do disposto no § 2º, do art. 2º, da Lei 9.424,de 1996, que determina a diferenciação do custo-aluno com vistas aofinanciamento da educação escolar nas escolas do campo, o Poder Públicolevará em consideração:

I - as responsabilidades próprias da União, dos Estados, do DistritoFederal e dos Municípios com o atendimento escolar em todas as etapas emodalidades da Educação Básica, contemplada a variação na densidadedemográfica e na relação professor/aluno; II - as especificidades do campo,observadas no atendimento das exigências de materiais didáticos,equipamentos, laboratórios e condições de deslocamento dos alunos eprofessores apenas quando o atend imento escolar não puder serassegurado diretamente nas comunidades rurais;

III - remuneração digna, inclusão nos planos de carreira einstitucionalização de programas de formação continuada para osprofissionais da educação que propiciem, no mínimo, o disposto nosartigos 13, 61, 62 e 67 da LDB.

Art. 16. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação,ficando revogadas as disposições em contrário.

FRANCISCO APARECIDO CORDÃOPresidente da Câmara de Educação Básica

104 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

Declaração final da II ConferênciaNacional por uma Educação do Campo

Luziânia/GO - 2 a 6 de agosto de 2004

POR UMA POLÍTICA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO DO CAMPO

QUEM SOMOS

Somos 1.100 participantes desta II Conferência Nacional Por UmaEducação do Campo (II CNEC); somos representantes de MovimentosSociais, Movimento Sindical e Organizações Sociais de Trabalhadores eTrabalhadoras do Campo e da Educação; das Universidades, ONG´s e deCentros Familiares de Formação por Alternância; de secretarias estaduaise municipais de educação e de outros órgãos de gestão pública com atuaçãovinculada à educação e ao campo; somos trabalhadores/trabalhadoras docampo, educadoras/educadores e educandas/educandos: de comunidadescamponesas, ribeirinhas, pesqueiras e extrativistas, de assalariados,quilombolas, povos indígenas...

A nossa caminhada se enraíza nos anos 60, quando movimentossociais, sindicais e algumas pastorais passaram a desempenhar papeldeterminante na formação política de lideranças do campo e na luta pelareivindicação de direitos no acesso a terra, crédito diferenciado, saúde,educação, moradia, entre outras. Fomos então, construindo novas práticaspedagógicas através da educação popular que motivou o surgimento dediferentes movimentos de educação no e do campo, nos diversos estadosdo país. Mas foi na década de 80 / 90 que estes movimentos ganharammais força e visibilidade.

Temos denunciado a grave situação vivida pelo povo brasileiro que viveno e do campo, e as conseqüências sociais e humanas de um modelo dedesenvolvimento baseado na exclusão e na miséria da maioria. Temosdenunciado os graves problemas da educação no campo e que continuam hoje:

· faltam escolas para atender a todas as crianças e jovens;· ainda há muitos adolescentes e jovens fora da escola;· falta infra-estrutura nas escolas e ainda há muitos docentes sem a

formação necessária;· falta uma política de valorização do magistério;· falta apoio às iniciativas de renovação pedagógica;· falta financiamento diferenciado para dar conta de tantas faltas;· os mais altos índices de analfabetismo estão no campo;· os currículos são deslocados das necessidades e das questões do campo

e dos interesses dos seus sujeitos.

105Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

Reafirmamos a luta social por um campo visto como espaço devida e por políticas públicas específicas para sua população.

Em julho de 1998, neste mesmo lugar, foi realizada a I ConferênciaNacional Por Uma Educação Básica do Campo, promovida pelo MST,UNICEF, pela UNESCO, CNBB e UnB. Foi uma ação que teve papelsignificativo no processo de rearticulação da questão da educação dapopulação do campo para a agenda da sociedade e dos governos, einaugurou uma nova referência para o debate e a mobilização popular: aEducação do Campo que é contraponto tanto ao silêncio do Estado comotambém às propostas da chamada educação rural ou educação para o meiorural no Brasil. Um projeto que se enraíza na trajetória da Educação Popular(Paulo Freire) e nas lutas sociais da classe trabalhadora do campo.

O processo da I Conferência Nacional mostrou a necessidade e apossibilidade de continuar a mobilização iniciada. De lá para cá o trabalhoprosseguiu através das ações das diferentes organizações e através deencontros, de programas de formação de educadores e educadoras ecriação de fóruns estaduais.

Uma conquista recente do conjunto das organizações detrabalhadores e trabalhadoras do campo, no âmbito das políticas públicas,foi a aprovação das “Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nasEscolas do Campo” (Parecer no 36/2001 e Resolução 1/2002 do ConselhoNacional de Educação). Outra conquista política importante está sendoa entrada da questão da Educação do Campo na agenda de lutas e detrabalho de um número cada vez maior de movimentos sociais e sindicaisde trabalhadores e trabalhadoras do campo e o envolvimento dediferentes entidades e órgãos públicos na mobilização e no debate daEducação do Campo, como pode-se observar pelo próprio conjunto depromotores e apoiadores desta II Conferência.

O QUE DEFENDEMOS

Lutamos por um projeto de sociedade que seja justo, democráticoe igualitário; que contemple um projeto de desenvolvimento sustentáveldo campo, que se contraponha ao latifúndio e ao agronegócio e quegaranta:

· a realização de uma ampla e massiva reforma agrária;· demarcação das terras indígenas;· o fortalecimento e expansão da agricultura familiar/

camponesa;· as relações/condições de trabalho, que respeitem os direitos

trabalhistas e previdenciáriosx dos trabalhadoras e trabalhadores rurais;· a erradicação do trabalho escravo e da exploração do trabalho

infantil;· o estímulo à construção de novas relações sociais e humanas,

e combata todas as formas de discriminação e desigualdade fundadas

106 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

no gênero, geração, raça e etnia;· a articulação campo – cidade, o local - global.

Lutamos por um projeto de desenvolvimento do campo onde aeducação desempenhe um papel estratégico no processo de suaconstrução e implementação.

O momento atual do país nos pareceu propício para realização deum novo encontro nacional que fosse bem mais do que um evento; quepudesse reunir e fazer a síntese da trajetória dos diferentes sujeitos queatuam com a Educação do Campo. E assim fizemos. Nestes cinco dias daII CNEC estivemos debatendo sobre campo e sobre educação eespecialmente nos debruçamos sobre como efetivar no Brasil umtratamento público específico para a Educação do Campo.

Nossas proposições estão voltadas para as crianças, osadolescentes, os jovens, os adultos e os idosos que vivem e atuam nadiversidade de formas de produção e de vida no e do campo. Estamosespecialmente preocupados com os milhões de adolescentes e jovensque estão fora da escola e de outros processos educativos formais ouque estão em escolas inadequadas ou precisam ir à cidade paraestudar e que a cada dia se descobrem sem alternativas sociais dignasde trabalho e de permanência no campo.

Respeitando a diversidade dos sujeitos que aqui representamos eao mesmo tempo construindo a unidade necessária para a tarefa que noscolocamos, queremos aqui reafirmar o nosso compromisso coletivo comuma visão de campo, de educação e de política pública:

- Defendemos uma educação que ajude a fortalecer um projetopopular de agricultura que valorize e transforme a agricultura familiar/camponesa e que se integre na construção social de um outro projeto dedesenvolvimento sustentável de campo e de país como acima nosreferimos.

- Defendemos uma educação para superar a oposição entrecampo e cidade e a visão predominante de que o moderno e maisavançado é sempre o urbano, e que o progresso de um país se mede peladiminuição da sua população rural.

- Defendemos a mudança da forma arbitrária atual declassificação da população e dos municípios como urbanos ou rurais;ela dá uma falsa visão do significado da população do campo em nossopaís, e tem servido como justificativa para a ausência de políticas públicasdestinadas a ela.

- Defendemos o campo como um lugar de vida, cultura,produção, moradia, educação, lazer, cuidado com o conjunto da natureza,e novas relações solidárias que respeitem a especificidade social, culturale ambiental dos seus sujeitos. Dessa dinâmica social e cultural se alimentaa educação do campo que estamos construindo.

107Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

- Defendemos políticas públicas de educação articuladas aoconjunto de políticas que visem a garantia do conjunto dos direitos sociaise humanos do povo brasileiro que vive no e do campo. O direito àeducação somente será garantido se articulado ao direito à terra, àpermanência no campo, ao trabalho, às diferentes formas de produção ereprodução social da vida, à cultura, aos valores, às identidades e àsdiversidades. Defendemos que este direito seja assumido como dever doEstado.

- Defendemos um tratamento específico da Educação do Campocom dois argumentos básicos: - a importância da inclusão da populaçãodo campo na política educacional brasileira, que é condição de construçãode um projeto de educação nacional, vinculado a um projeto dedesenvolvimento nacional, soberano e justo. Na situação atual estainclusão somente poderá ser garantida através de uma política públicaespecífica: de acesso e permanência e de projeto pedagógico; - adiversidade dos processos produtivos e culturais que são formadoresdos sujeitos humanos e sociais do campo e que precisam sercompreendidos e levados em conta na construção do projeto pedagógicoda educação do campo.

- Lutamos por direitos sociais, humanos, conseqüentementeuniversais, garantidos com políticas universais. Políticas que garantam auniversalização do direito à educação.

O QUE QUEREMOS

1. Universalização do acesso da população brasileira que trabalhae vive no e do campo à Educação Básica de qualidade social por meio deuma política pública permanente que inclua como ações básicas:

- fim do fechamento arbitrário de escolas no campo;- construção de escolas no e do campo;- acesso imediato à educação básica;- construção de alternativas pedagógicas que viabilizem com

qualidade a existência de escolas de educação fundamental e de ensinomédio no próprio campo;

- educação de jovens e adultos (EJA) adequada à realidade docampo;

- políticas curriculares e de escolha e distribuição do materialdidático-pedagógico que levem em conta a identidade cultural dos povosdo campo;

- acesso às atividades de esporte, arte e lazer;- condição de acesso às pessoas com necessidades especiais.

2. Ampliação do acesso e garantia de permanência da populaçãodo campo à Educação Superior por meio de uma política públicapermanente que inclua como ações básicas:

108 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

- Interiorização das Instituições de Ensino Superior, públicas,gratuitas e de qualidade;

- formas de acesso não excludentes ao ensino superior nasuniversidades públicas;

- cursos e turmas específicas para atendimento das demandasde profissionais do campo;

- concessão de bolsas de estudo em cursos superiores que sejamadequados a um projeto de desenvolvimento do campo;

- inclusão do campo na agenda de pesquisa e de extensão dasuniversidades públicas;

- financiamento pelo CNPq para pesquisas na agriculturafamiliar/camponesa e outras formas de organização e produção daspopulações do campo;

3. Valorização e formação específica de educadoras e educadoresdo campo por meio de uma política pública permanente que priorize:

- a formação profissional e política de educadores e educadorasdo próprio campo, gratuitamente;

- formação no trabalho que tenha por base a realidade do campoe o projeto político e pedagógico da Educação do Campo;

- incentivos profissionais e concurso diferenciado paraeducadores que trabalham nas escolas do campo;

- Definição do perfil profissional do educador do campo;- Garantia do piso salarial profissional nacional e de plano de

carreira;- Formas de organização do trabalho que qualifiquem a atuação

dos profissionais da educação do campo;- Garantia da constituição de redes coletivas: de escolas,

educadores e de organizações sociais de trabalhadoras e trabalhadoresdo campo, para construção – reconstrução permanente do projetopolítico-pedagógico das escolas do campo, vinculando essas redes apolíticas de formação profissional de educadores e educadoras.

4. Formação de profissionais para o trabalho no campo por meiode uma política pública específica e permanente de:

- cursos de nível médio e superior que inclua os jovens e adultostrabalhadores do campo e que priorizem a formação apropriada para osdiferentes sujeitos do campo;

- uso social apropriado das escolas agrotécnicas e técnicasatendendo as necessidades dos trabalhadores e trabalhadoras do campo;

- fortalecimento das equipes técnicas;- implementação de novos formatos de cursos integrados de

ensino médio e técnico tomando como referência a sociobiodiversidade;- formação e qualificação vinculadas a educação do campo, junto

às universidades construídas coletivamente com os sujeitos do campo,às equipes técnicas contratadas e aos órgãos públicos responsáveis pelaassistência técnica.

109Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

- criação de uma sugestão de agenda específica para os institutosde pesquisa sobre agricultura familiar/camponesa e outras formas deorganização e produção das populações do campo.

5. Respeito à especificidade da Educação do Campo e àdiversidade de seus sujeitos.

O campo tem sua especificidade. Não somente pela históricaprecarização das escolas rurais, mas pelas especificidades de umarealidade social, política, econômica, cultural e organizativa, complexaque incorpora diferentes espaços, formas e sujeitos. Além disso, ospovos do campo também são diversos nos pertencimentos étnicos,raciais: povos indígenas, quilombolas...;

Toda essa diversidade de coletivos humanos apresenta formasespecíficas de produção de saberes, conhecimentos, ciência, tecnologias,valores, culturas... A educação desses diferentes grupos temespecificidades que devem ser respeitadas e incorporadas nas políticaspúblicas e no projeto político e pedagógico da Educação do Campo, comopor exemplo, a pedagogia da alternância.

O QUE VAMOS FAZER

As organizações que assinam este documento assumem ocompromisso com as seguintes ações prioritárias:

1. Articular e coordenar a construção de uma Política Nacional deEducação do Campo, em parceria governo federal e movimentos sociais,levando em conta as Diretrizes Operacionais, experiências já existentes ea plataforma aqui indicada.

2. Criar uma Política de Financiamento diferenciado para aEducação do Campo, com definição de custo-aluno que leve em conta osrecursos e serviços que garantam a qualidade social da educação, asespecificidades do campo e de seus sujeitos.

3. Cumprir a Constituição Federal que determina a aplicação dosrecursos vinculados, de no mínimo 18% da União e 25% dos Estados eMunicípios para a manutenção e desenvolvimento do ensino público,desvinculando da dívida pública (externa e interna), estes recursos.

4. Eliminar a desvinculação dos Recursos da União (DRU), quedesviam 20% dos mesmos, e voltar a garanti-los para a Educação.

5. Garantir a participação de representantes dos movimentossociais do campo na Comissão de discussão do Fundeb e noacompanhamento da sua aplicação.

110 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

6. Regulamentar o regime de colaboração e cooperação entre astrês esferas do Poder Público quanto à sua responsabilidade naimplementação das políticas de Educação.

7. Articular uma política de Educação do Campo com asdiferentes políticas públicas, para a promoção do desenvolvimentosustentável do campo, priorizando os seus sujeitos.

8. Incentivar e apoiar a elaboração e a distribuição de materiaisdidáticos específicos dos sujeitos do campo.

9. Mobilizar iniciativas para a derrubada dos vetos do PlanoNacional de Educação (PNE).

10. Participar da Avaliação do Plano Nacional de Educação (PNE)e reformulá-lo para nele incluir a Educação do Campo.

11. Regulamentar, com urgência, a Resolução 03/99,especialmente, no que se refere à criação e à regulamentação tanto deescolas indígenas como da formação de professores específicos para elas.

12. Incorporar a Educação do Campo nos Planos Estaduais eMunicipais de Educação assegurando a participação dos movimentossociais no acompanhamento da sua execução.

13. Garantir a participação dos Movimentos Sociais nos Conselhosde Educação, Nacional, Estaduais e Municipais, e em outros espaçosinstitucionais.

14. Garantir a construção coletiva do projeto político-pedagógicoda Educação do Campo com a participação da diversidade dos sujeitos,tendo sempre como referência os direitos dos educandos.

15. Reconhecer as escolas dos acampamentos (escolas itinerantes),bem como a escolarização desenvolvida na Educação de Jovens e Adultos(EJA), nas diferentes experiências educativas do campo.

16. Promover todos os meios necessários para acelerar aimplementação das Diretrizes Operacionais para Educação Básica dasEscolas do Campo (DOEBEC).

17. Garantir a formação específica de educadoras e educadoresdo campo, pelas universidades públicas, pelo poder público em parceriacom os movimentos sociais.

18. Participar da Reforma Universitária para nela garantir aincorporação da Educação do Campo.

111Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

19. Investir na formação e na profissionalização dos educadores/daseducadoras e outros profissionais que atuam no campo, priorizando os quenele vivem e trabalham.

20. Criar, para os educadores e educadoras do Campo, CentrosRegionais de Formação devidamente equipados.

21. Potencializar a Coordenadoria de Educação do Campo e o GrupoPermanente de Trabalho (GPT) de Educação do Campo do MEC, comparticipação dos Movimentos Sociais, para viabilizar a implementação daspropostas de Educação do Campo em todos os níveis, levando em conta aplataforma aqui indicada.

EDUCAÇÃO DO CAMPO: DIREITO NOSSO, DEVER DO ESTADO

Assinam esta Declaração:

CNBB - MST - UNICEF - UNESCO - UnB - CONTAG - UNEFAB -UNDIME – MPA - MAB – MMC – MDA/INCRA/PRONERA – MEC –

FEAB – CNTE – SINASEFE – ANDES – Comissão de Educação e Culturada Câmara dos Deputados – Frente Parlamentar das CEFFA´S – SEAP/PR

– MTE – MMA – MinC – AGB – CONSED – FETRAF – CPT – CIMI –MEB – PJR – Cáritas - CERIS - MOC – RESAB – SERTA – IRPAA –

Caatinga – ARCAFAR SUL/NORTE

112 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

Por ocasião da II Reunião Ordinária do CONSED/2006, realizadana cidade de Cuiabá/MT, nos dias 08 e 09 de junho do corrente ano, oMEC, o CONSED e a UNDIME, com a participação de organizações dasociedade civil organizada, promoveram o SeminárioNacional deEducação do Campo, com os objetivos de cumprir a agenda proposta nareunião em Gramado/RS, em 23 de novembro de 2005 , aprofundar odebate e contribuir de forma sistêmica para a definição e implantação deuma política que promova a Educação do e no Campo como direito àuma educação de qualidade.

As proposições aqui apresentadas estão voltadas para as crianças,os adolescentes, os jovens e os adultos que vivem no campo, respeitandoa diversidade desses sujeitos, e ao mesmo tempo, construindo a unidadenecessária para a tarefa que se coloca, de reafirmar o compromisso coletivocom uma visão de campo, de educação pública e de política pública.

Toda essa diversidade de coletivos humanos apresenta formasespecíficas de produção de saberes, conhecimentos, ciência, tecnologias,valores e culturas. A educação desses diferentes grupos temespecificidades que devem ser respeitadas e incorporadas nas políticaspúblicas e no projeto político e pedagógico da Educação do Campo.Destaca-se ainda que o rural e o urbano são apreendidos como dois pólosde um continuum, com especificidades, que não se anulam nem se isolam,mas, antes de tudo, articulam-se e ganham significado em função de umprojeto nacional orientado para a qualidade de vida de todos.

Nessa perspectiva, o Seminário Nacional sobre Educação doCampo propõe a seguinte agenda prioritária de compromissos para odesenvolvimento das políticas públicas de Educação do Campo:

a) estabelecer sistemática de financiamento permanente paraEducação do Campo sob a responsabilidade dos entes federados;

b) estruturar programas de apoio financeiro e expansão e melhoriada estrutura física e dos equipamentos;

c) consolidar, socializar e validar, entre os entes federados,universidades, movimentos sociais e sindicais, proposta de PolíticaNacional de Formação dos Profissionais do Campo;

d) definir política de formação inicial e continuada para osprofissionais da Educação do Campo, com base em novo desenho e em

Carta do II Seminário Nacionalde Educação do CampoCuiabá, MT - 08 e 09 de Junho de 2006

113Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

novas propostas pedagógicas;

e) apoiar programas de incentivo a pesquisas para orientar oredesenho de propostas curriculares, a produção de materiais pedagógicose livros didáticos apropriados à Educação do Campo;

f) estabelecer nova organização escolar que vise à superação dosparadigmas da seriação, transporte escolar, nucleação e da homogeneização;

g) apoiar programas específicos de formação integrada (escolarizaçãotécnicoprofissional) para os povos do campo;

h) institucionalizar e fortalecer mecanismos deliberativos, deassessoramento e de consulta, nos âmbitos federal, estadual e municipal,com representação dos governos e da sociedade civil organizada (GrupoPermanente de Trabalho e Comitês/Fóruns Estaduais e Municipais);

i) fortalecer o regime de colaboração entre União, Estados eMunicípios na definição,

implementação e avaliação das políticas de desenvolvimento daEducação do Campo;

j) garantir a inclusão de capítulo específico sobre a Educação doCampo nos Planos Nacional, Estaduais e Municipais de Educação e garantir,nos Planos Plurianuais de Ação, de recursos necessários à implementaçãodas políticas prioritárias.

k) institucionalizar Política de Valorização dos Profissionais daEducação do Campo, na perspectiva da melhoria da qualidade das condiçõesde trabalho e de vida, em razão do exercício da atividade na escola docampo;

l) realizar, anualmente, Seminário Nacional sobre Educação doCampo pelo CONSED/MEC/UNDIME, com a participação da sociedadecivil organizada, para aprofundar os debates, socializar as experiências eavaliar as políticas implementadas.

Mato Grosso, 09 de junho de 2006.

Ricardo HenriquesSecretário da SECAD/MEC

Mozart Neves RamosPresidente do CONSED

Mª do Pilar L. Almeida e SilvaPresidente da UNDIME

114 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

Ministério da EducaçãoConselho Nacional de Educação

Câmara de Educação Básica

RESOLUÇÃO CNE/CEB 02 - 28 DE ABRIL DE 2008(*)

A Presidenta da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacionalde Educação, no uso de suas atribuições legais e de conformidade com odisposto na alínea “c” do § 1º do art. 9º da Lei nº 4.024/1961, com a redaçãodada pela Lei nº 9.131/1995, com fundamento no Parecer CNE/CEB nº 23/2007, reexaminado pelo Parecer CNE/CEB nº 3/2008, homologado pordespacho do Senhor Ministro de Estado da Educação, publicado no DOU de11/4/2008, resolve:

Art. 1º A Educação do Campo compreende a Educação Básica em suasetapas de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e EducaçãoProfissional Técnica de nível médio integrada com o Ensino Médio e destina-se ao atendimento às populações rurais em suas mais variadas formas deprodução da vida – agricultores familiares, extrativistas, pescadores artesanais,ribeirinhos, assentados e acampados da Reforma Agrária, quilombolas,caiçaras, indígenas e outros.

§ 1º A Educação do Campo, de responsabilidade dos Entes Federados,que deverão estabelecer formas de colaboração em seu planejamento eexecução, terá como objetivos a universalização do acesso, da permanência edo sucesso escolar com qualidade em todo o nível da Educação Básica.

§ 2º A Educação do Campo será regulamentada e oferecida pelosEstados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, nos respectivos âmbitosde atuação prioritária.

§ 3º A Educação do Campo será desenvolvida, preferentemente, peloensino regular.

§ 4º A Educação do Campo deverá atender, mediante procedimentosadequados, na modalidade da Educação de Jovens e Adultos, as populaçõesrurais que não tiveram acesso ou não concluíram seus estudos, no EnsinoFundamental ou no Ensino Médio, em idade própria.

(*) Publicada no Dou de 29/4/2008, Seção 1, p. 25-26. Acesso a este documento no link: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/2008/rceb002_08.pdf

Estabelece diretrizes complementares, normase princípios para o desenvolvimento depolíticas públicas de atendimento da EducaçãoBásica do Campo.

115Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

§ 5º Os sistemas de ensino adotarão providências para que as criançase os jovens portadores de necessidades especiais, objeto da modalidadede Educação Especial, residentes no campo, também tenham acesso àEducação Básica, preferentemente em escolas comuns da rede de ensinoregular.

Art. 2º Os sistemas de ensino adotarão medidas que assegurem ocumprimento do artigo 6º da Resolução CNE/CEB nº 1/2002, quanto aosdeveres dos Poderes Públicos na oferta de Educação Básica às comunidadesrurais.

Parágrafo único. A garantia a que se refere o caput, sempre quenecessário e adequado à melhoria da qualidade do ensino, deverá ser feitaem regime de colaboração entre os Estados e seus Municípios ou medianteconsórcios municipais.

Art. 3º A Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamentalserão sempre oferecidos nas próprias comunidades rurais, evitando-se osprocessos de nucleação de escolas e de deslocamento das crianças.

§ 1º Os cincos anos iniciais do Ensino Fundamental,excepcionalmente, poderão ser oferecidos em escolas nucleadas, comdeslocamento intracampo dos alunos, cabendo aos (*) Publicada no Doude 29/4/2008, Seção 1, p. 25-26.

sistemas estaduais e municipais estabelecer o tempo máximo dosalunos em deslocamento a partir de suas realidades.

§ 2º Em nenhuma hipótese serão agrupadas em uma mesma turmacrianças de Educação Infantil com crianças do Ensino Fundamental.

Art. 4º Quando os anos iniciais do Ensino Fundamental não puderemser oferecidos nas próprias comunidades das crianças, a nucleação rurallevará em conta a participação das comunidades interessadas na definiçãodo local, bem como as possibilidades de percurso a pé pelos alunos namenor distância a ser percorrida.

Parágrafo único. Quando se fizer necessária a adoção do transporteescolar, devem ser considerados o menor tempo possível no percursoresidência-escola e a garantia de transporte das crianças do campo para ocampo.

Art. 5º Para os anos finais do Ensino Fundamental e para o EnsinoMédio, integrado ou não à Educação Profissional Técnica, a nucleação ruralpoderá constituir-se em melhor solução, mas deverá considerar o processode diálogo com as comunidades atendidas, respeitados seus valores e suacultura.

§ 1º Sempre que possível, o deslocamento dos alunos, como previstono caput, deverá ser feito do campo para o campo, evitando-se, ao máximo,o deslocamento do campo para a cidade.

§ 2º Para que o disposto neste artigo seja cumprido, deverão serestabelecidas regras para o regime de colaboração entre os Estados e seusMunicípios ou entre Municípios consorciados.

Art. 6º A oferta de Educação de Jovens e Adultos também deveconsiderar que os deslocamentos sejam feitos nas menores distânciaspossíveis, preservado o princípio intracampo.

116 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

Art. 7º A Educação do Campo deverá oferecer sempre oindispensável apoio pedagógico aos alunos, incluindo condições infra-estruturais adequadas, bem como materiais e livros didáticos,equipamentos, laboratórios, biblioteca e áreas de lazer e desporto, emconformidade com a realidade local e as diversidades dos povos do campo,com atendimento ao art. 5º das Diretrizes Operacionais para a EducaçãoBásica nas escolas do campo.

§ 1º A organização e o funcionamento das escolas do camporespeitarão as diferenças entre as populações atendidas quanto à suaatividade econômica, seu estilo de vida, sua cultura e suas tradições.

§ 2º A admissão e a formação inicial e continuada dos professores edo pessoal de magistério de apoio ao trabalho docente deverão considerarsempre a formação pedagógica apropriada à Educação do Campo e àsoportunidades de atualização e aperfeiçoamento com os profissionaiscomprometidos com suas especificidades.

Art. 8º O transporte escolar, quando necessário e indispensável,deverá ser cumprido de acordo com as normas do Código Nacional deTrânsito quanto aos veículos utilizados.

§ 1º Os contratos de transporte escolar observarão os artigos 137,138 e 139 do referido Código.

§ 2º O eventual transporte de crianças e jovens portadores denecessidades especiais, em suas próprias comunidades ou quando houvernecessidade de deslocamento para a nucleação, deverá adaptar-se àscondições desses alunos, conforme leis específicas.

§ 3º Admitindo o princípio de que a responsabilidade pelotransporte escolar de alunos da rede municipal seja dos própriosMunicípios e de alunos da rede estadual seja dos próprios Estados, oregime de colaboração entre os entes federados far-se-á em conformidadecom a Lei nº 10.709/2003 e deverá prever que, em determinadascircunstâncias de racionalidade e de economicidade, os veículospertencentes ou contratados pelos Municípios também transportem alunosda rede estadual e vice-versa.

Art. 9º A oferta de Educação do Campo com padrões mínimos dequalidade estará sempre subordinada ao cumprimento da legislaçãoeducacional e das Diretrizes Operacionais enumeradas na Resolução CNE/CEB nº 1/2002.

Art. 10 O planejamento da Educação do Campo, oferecida emescolas da comunidade, multisseriadas ou não, e quando a nucleação ruralfor considerada, para os anos do Ensino Fundamental ou para o EnsinoMédio ou Educação Profissional Técnica de nível médio integrada com oEnsino Médio, considerará sempre as distâncias de deslocamento, ascondições de estradas e vias, o estado de conservação dos veículosutilizados e sua idade de uso, a melhor localização e as melhorespossibilidades de trabalho pedagógico com padrão de qualidade.

§ 1º É indispensável que o planejamento de que trata o caput sejafeito em comum com as comunidades e em regime de colaboração, Estado/Município ou Município/Município consorciados.

117Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

§ 2º As escolas multisseriadas, para atingirem o padrão de qualidadedefinido em nível nacional, necessitam de professores com formaçãopedagógica, inicial e continuada, instalações físicas e equipamentosadequados, materiais didáticos apropriados e supervisão pedagógicapermanente.

Art. 11 O reconhecimento de que o desenvolvimento rural deve serintegrado, constituindo-se a Educação do Campo em seu eixo integrador,recomenda que os Entes Federados – União, Estados, Distrito Federal eMunicípios – trabalhem no sentido de articular as ações de diferentes setoresque participam desse desenvolvimento, especialmente os Municípios, dadaa sua condição de estarem mais próximos dos locais em que residem aspopulações rurais.

Art. 12 Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação,ficando ratificadas as Diretrizes Operacionais instituídas pela ResoluçãoCNE/CEB nº 1/2002 e revogadas as disposições em contrário.

CLÉLIA BRANDÃO ALVARENGA CRAVEIRO

118 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

Conselho Estadual de Educação

RESOLUÇÃO CEE/PE 02 - 31 DE MARÇO DE 2009

O PRESIDENTE DO CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DEPERNAMBUCO, no uso de suas atribuições e com base no que dispõemos Incisos I, VII e VIII do art. 2º da Lei Estadual nº 11.913, de 27 de dezembrode 2000 e IV, V, VII e VIII do art. 4º do Regimento do Conselho Estadualde Educação, homologado pelo Decreto nº 26.294, de 08 de janeiro de2004, e

Considerando o disposto no Art. 3º da Constituição Federal; o Art.28 da LDBN, Lei nº 9.394/1996; o Art. 25 do Plano Nacional de Educação– Lei nº 10.172/2001 e os pareceres e resoluções do Conselho Nacional deEducação,

RESOLVE:

Art.1º A presente Resolução, no âmbito do Sistema de Ensino doEstado de Pernambuco, estabelece as diretrizes, princípios e normas aserem observados no processo de elaboração, desenvolvimento e avaliaçãoda política e dos projetos institucionais das escolas de educação básicado campo.

Art. 2º As diretrizes, definidas pelo Conselho Estadual de Educação- consultados os diversos setores que representam a população do campoe respeitados os marcos regulatórios vigentes – deverão contribuir para oexercício do direito à educação escolar, adequando-se às DiretrizesCurriculares Nacionais para a Educação Básica e suas modalidades, nocontexto da diversidade do campo;

Art. 3º A Educação do Campo, responsabilidade dos entes federadosmediante um efetivo regime de colaboração, deve assegurar o atendimentodo direito humano à educação escolar da população do campo, nosdiversos contextos e formas de produção das suas condições materiais ede existência social – agricultores familiares, extrativistas, pescadores

Institui diretrizes, normas eprincípios para a Educação Básicae suas Modalidades de ensino nasEscolas do Campo que integramo Sistema de Educação do Estadode Pernambuco.

Publicada no DOE em 14/07/2009,Homologada pela Portaria SE nº 5920de 13/07/2009 página 13 erepublicada no DOE em 25/09/2009,páginas 1, 2 e 3.

119Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

artesanais, ribeirinhos, assentados, acampados da reforma agrária,quilombolas, caiçaras, indígenas e outros.

Art.4º O projeto institucional das escolas do campo, elaborado edesenvolvido à luz dos princípios que orientam as diretrizes nacionaispara a educação básica e a gestão democrática da educação escolar nossistemas de ensino, tem como finalidade maior viabilizar uma políticaeducacional fundada na indivisibilidade, interdependência euniversalidade dos direitos humanos, contemplando sinalizações defuturo que apontem para o fortalecimento da democracia no universocultural do campo.

Parágrafo único. A identidade da escola do campo é definida pelorespeito à diversidade das comunidades rurais, à universalidade dadignidade humana e à garantia dos direitos a ela associados; aoreconhecimento dos processos de interação e transformação do campo;à garantia do acesso aos avanços científicos e tecnológicos disponíveisno mundo atual, às diretrizes nacionais da educação básica e à fidelidadeaos princípios éticos que devem nortear a convivência solidária ecolaborativa nas sociedades democráticas.

Art.5º A educação básica do campo, nos termos desta Resolução,compreende:

I- A educação infantil;II- O ensino fundamental;III- O ensino médio;IV- A educação profissional técnica de nível médio, integrada ou

não com o ensino médio;V- A educação de jovens e adultos.

Art. 6º Constitui responsabilidade do Poder Público garantir àspessoas residentes no campo, a Educação Especial, em todos os níveis,etapas e modalidades de ensino, assegurando a matrícula em classecomum do ensino regular, e, de forma complementar ou suplementar, oAtendimento Educacional Especializado – AEE, aos alunos comdeficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidadesou superdotação.

Parágrafo único. Considera-se AEE o conjunto de atividades,recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados pela escola emsua proposta pedagógica, ofertados aos alunos do ensino regular com oapoio técnico e financeiro previsto no art. 1º do Decreto Federal nº 6.571de 17 de setembro de 2008.

Art. 7º O poder público, cumprindo o estabelecido na legislaçãoeducacional, deve expandir o parque escolar, assegurando às instituiçõesde educação básica no campo: organizar o ano letivo cumprindo oestabelecido pelo artigo 24 da LDBEN; associar o calendário escolar,ouvidos os respectivos conselhos de educação, ao tempo de cadacomunidade e suas especificidades; prever a possibilidade de

120 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

implantação de escolas de tempo integral; atender aos pré-requisitos dequalidade exigidos para todos os indivíduos, propiciando instalações,equipamentos, laboratórios, bibliotecas, museus, livros didáticos, áreade lazer, recursos didáticos e formação pedagógica apropriada dosprofissionais da educação.

Parágrafo único. A educação infantil e os anos iniciais do ensinofundamental serão oferecidos nas próprias comunidades, evitando-se oprocesso de nucleação de instituições e o deslocamento dos(as)estudantes.

Art. 8º Na eventual impossibilidade de oferecer os anos finais doensino fundamental, do ensino médio integrado ou não, à educaçãoprofissional e da Educação de Jovens e Adultos na própria comunidade,o atendimento escolar, priorizado o princípio intracampo, poderá serrealizado em escolas nucleadas, localizadas no seu entorno como um“serviço de proximidade”, considerando-se as seguintes providências:

I - consulta às comunidades interessadas;II- determinação do tempo mínimo de percurso residência- escola;III- disponibilidade de um transporte escolar adequado;IV- projeto político pedagógico que articule a partir dos direitos

humanos as pluralidades advindas das atividades econômicas, dacultura e das tradições que tecem a diversidade da vida do campo;

V- programa de merenda escolar condizente com as necessidadesdos(as) estudantes face ao tempo necessário para o deslocamento edesenvolvimento da jornada pedagógica diária.

Art. 9º O programa do transporte escolar, quando utilizado, deveráatender, no mínimo, às seguintes exigências:

I- cumprimento das normas do Código Nacional de Trânsitoquanto aos veículos utilizados e, em espécie, no caso da efetivação decontratos de locação de veículos, do disposto nos Artigos 137 a 139;

II- criação de normas complementares, em que se estabeleçam: aregulamentação das distâncias do deslocamento e dos trajetos residência-escola-residência; os processos de avaliação do estado de conservação emanutenção de veículos e de adaptação aos alunos com necessidadeseducativas especiais e as condições adequadas das estradas e vias dospercursos utilizados;

III- respeito à duração da jornada diária de estudos e dias letivosestabelecidos no calendário, com base nos marcos regulatórios vigentese modo de vida das comunidades;

IV- colaboração entre os entes federados no processo dedeslocamento dos estudantes, considerando a legislação vigente sobreo transporte escolar, bem como a garantia do atendimento do direito àeducação da população do campo;

V- possibilidade de designar um(a) educador(a) responsável paradesenvolver atividades pedagógicas, em situações de maior distânciano trajeto residência-escola-residência.

Art. 10 Os níveis de aprendizagem conferidos nas escolasmultisseriadas, através do sistema de avaliação, deverão assegurar

121Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

diretrizes que contribuam para atingir, respeitadas as especificidades davida das comunidades para atingir padrões de qualidade definidosnacionalmente, respeitadas as especificidades da vida das comunidades.

Art. 11 Os sistemas de ensino, atentos ao entendimento da educaçãodo campo como eixo articulador do desenvolvimento territorial, elegerãoprincípios de políticas de formação e normatização que propiciem, noprojeto político-pedagógico da escola, a compreensão do conjunto dasações direcionadas para a qualidade da vida coletiva e do bem comum.

Art. 12 A formação, a remuneração e os planos de carreira dos(as)profissionais que atuam nas escolas do campo deverão garantir condiçõesdignas de trabalho, sem desconhecer o movimento permanente deconstituição de novos direitos e cumprindo o que determina aConstituição, as diretrizes nacionais de carreira e a Lei nº 11494/2007,que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento daEducação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação –FUNDEB.

Art. 13 Os casos omissos serão analisados e resolvidos pelo CEE/PE.

Art. 14 Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Sessões Plenárias, em 31 de março de 2009.

JOSÉ RICARDO DIAS DINIZPresidente

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Documento final do I SeminárioMunicipal de Educação do Campo

Santa Maria da Boa Vista – PE

1. Considerações iniciais

O I Seminário Municipal de Educação do Campo aconteceu noperíodo de 6 a 8 de julho do corrente ano, no espaço da AABB. Esseseminário foi organizado pela Coordenação de Educação do Campo daSecretaria Municipal de Educação de Santa Maria da Boa Vista/PE. Durantetrês dias consecutivos aproximadamente 500 educadores, todos vinculadosao sistema municipal de Educação e oriundos das diversas regiões domunicípio: Sede, Ribeirinha, Sequeiro, Assentamentos, Projeto Fulgênciopuderam debater, refletir e propor ações no âmbito da Educação do Campono município, tendo como princípio orientador o debate da identidade dospovos do campo e as Políticas Públicas, tema central do seminário.

Esse I Seminário se propôs a discutir questões pertinentes à realidadeda população de Santa Maria da Boa Vista, considerando seus aspectoshistóricos, geográficos, econômicos, políticos, sociais e culturais. Sendoassim, foram traçados e alcançados os seguintes objetivos:

· Desencadear um processo de discussão em torno da Política Públicade Educação do Campo tendo como referência as diretrizes operacionaispara Educação Básica nas escolas do Campo;

· Socializar as experiências de Educação do Campo desenvolvida nobojo das regiões do município;

· Discutir a concepção de Escola do Campo: organização do trabalhopedagógico, seus pressupostos e marcos legais;

· Debater o processo de construção da identidade dos povos doCampo.

2. Contexto

Do município

Santa Maria da Boa Vista em termo de território é um dosmunicípios maiores do Estado, segundo o IBGE (2009), são 3.001 quilômetrosquadrado, contando com uma população de 41.745 habitantes, que segundodados das Secretarias de Agricultura e planejamento 67% da população viveno campo.

A economia gira em torno do comércio, serviço público, masprincipalmente da agricultura e pecuária. Há pequenas e grandes

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propriedades, onde tem destaque a produção de uva e vinho, mas o queé predominante é agricultura familiar/camponesa que produz umavariedade como: feijão, melancia, banana, maracujá, goiaba e etc.

Santa Maria da Boa Vista, além das riquezas naturais, como biomada caatinga, é uma terra marcada por uma formação de seu povo bastanterica, desde na sua história ter a forte presença de indígenas, quilombolas,vaqueiros, pescadores, agricultores, pequenos comerciantes. Umapopulação que surge entre o rio a caatinga, tendo assim sua populaçãobasicamente residindo: na sede do município, na grande faixa de terrachamada de sequeiro, e ainda uma considerável população vivendo asmargens do rio.

Um município que tem mais de 38 assentamentos de reformaAgrária1 com o maior número de famílias assentadas do Estado num totalde 3.240. Há também projetos de reassentamentos de famílias agricultorasque foram atingidas pela construção da Barragem de Itaparica. Temosainda 4 comunidades Quilombolas reconhecida pelo Ministério daCultura e mais duas em processo de reconhecimento.

Da Educação do Campo

No parecer de n. 36 de 2001, da Câmara de Educação Básica doConselho Nacional de Educação, percebemos que há uma luta históricapela Universalização da Educação escolar no Brasil, mas em especial nocampo. Essa luta não apenas garantir a universalização pelauniversalização, mas colocada como um projeto educativo que considereas experiências de produção da existência dos sujeitos e as característicasdo campo.

Situamos a força desse debate a partir de 1998, quando é realizadano Brasil a I Conferência Nacional Por uma Educação Básica do Campo,que aconteceu em Luziânia – GO, promovida pela Conferência Nacionaldos Bispos do Brasil – CNBB; Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra – MST; Fundo das Nações Unidas para Infância – UNICEF;Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura –UNESCO e Universidade de Brasília – UnB2. Essa primeira conferênciasurgiu no decorrer do I Encontro Nacional dos Educadores da ReformaAgrária – ENERA, realizado em 1997. Portanto, dado o contexto da épocaonde foi pensada a Política de esvaziamento do campo, milhares de escolasno campo estavam sendo fechadas e seus alunos levados para os centros

1 Esses assentamentos de Reforma Agrária vinculados ao INCRA alguns são acompanhados peloSindicato dos Trabalhadores Rurais ligados a FETAPE, e sua maioria é ligado ao Movimento dosTrabalhadores Rurais Sem Terra – MST que entre os Assentamentos destaca-se o Catalunha pelonúmero de famílias assentadas 604, sendo considerado o maior assentamento de Pernambuco.2 Essas entidades promotoras da conferência se constitui como uma Articulação Nacional Por umaEducação Básica do Campo, sendo que anos depois foram incorporadas outras entidades na medidaem que o debate foi ganhando visibilidade de outros sujeitos coletivos.

124 Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

urbanos, a conferência surge como essa força importante de reafirmarque o campo existe e que é legítima a luta por políticas públicas especificas e poruma projeto educativo para quem vive nele.

Como fruto do debate da construção de Políticas especificas parao Campo surge em 1999, o Programa Nacional de Educação nas áreas deReforma Agrária – PRONERA3, não como política pública, mas comoação para enfrentar no campo, mas exclusivamente, nas áreas de ReformaAgrária o alto índice de analfabetismo e a baixa escolaridade da populaçãoassentada. O PRONERA contribuiu significativamente para a elevaçãodo nível de escolaridade dessa população, pois conseguiu pensar numprojeto educativo que alfabetizasse e escolarizasse considerando aperspectiva de um novo projeto de desenvolvimento de campo,contribuindo assim para permanência dessas famílias no campo.

No ano de 2002, fruto do acumulo, os sujeitos sociais do campotem uma grande conquista no âmbito da legislação, pois em Abril de2002 é instituído pelo Conselho Nacional de Educação por meio daCâmara de Educação Básica as Diretrizes operacionais para EducaçãoBásica nas escolas do campo. Essa resolução com base na legislaçãoeducacional passa a reconhecer a diversidade dos sujeitos do campo esuas pedagogias, constituindo-se assim num conjunto de princípios eprocedimentos que visam adequar os projetos institucionais das escolasdo campo as Diretrizes curriculares nacionais em seus diversos níveis emodalidades de ensino.

Em 2004, o Ministério da Educação criou a SECAD e nesse mesmofoi realizado a II Conferência Nacional de Educação do Campo4, onde paraalém das experiências apresentadas, o debate esteve centrado no âmbitode pensar a Política de Educação do Campo. No ano seguinte (2005) foirealizado Seminários Estaduais com o objetivo de debater as DiretrizesOperacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, e construir,no mínimo, três mapas: da situação da educação no campo, das experiênciasinovadoras locais e das demandas específicas dos municípios.

A secretaria municipal acompanhando o debate nacional emtorno da Política Pública de Educação do Campo, e principalmente,atendendo a resolução que institui as diretrizes operacionais paraEducação Básica nas escolas do Campo, criou em seu organograma acoordenação de Educação do campo com o objetivo de poder pensar noprocesso de operacionalização de Política Pública de Educação doCampo, como também articular as diversas experiências educativas quevem sendo gestada nas diversas escolas situadas na várias regiõesexistente no município.

3 É um Programa do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA do Ministério doDesenvolvimento Agrário. O programa funciona a partir de parceria do INCRA com Instituições deEnsino Superior e Movimento Sociais do Campo.4 Essa II Conferência foi articulada e promovida pela CNBB - MST - UNICEF - UNESCO -UnB -CONTAG - UNEFAB - UNDIME - MPA -MAB - MMC - MDA/INCRA/PRONERA - MEC - FEAB -CNTE - SINASEFE - ANDES - Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados – FrenteParlamentar das CEFFA´S - SEAP/PR - MTE - MMA - MinC - AGB - CONSED - FETRAF - CPT - CIMI- MEB - PJR - Cáritas - CERIS - MOC - RESAB - SERTA - IRPAA - Caatinga - ARCAFAR SUL/NORTE.

125Educação do Campo: Semiárido, Agroecologia,Ttrabalho e Projeto Político Pedagógico

3. Afirmações

Durante esses três dias de debates por meio de painéis, socializaçãode experiências, trabalhos de grupos por regiões, foram afirmados algumasconvicções que contribuem para pensarmos uma Educação do Campo desdedos sujeitos que produzem, trabalham e vivem no e do campo. Taisafirmações destacam-se:

1. Educação do Campo é um direito humano;2. Educação deve está articulado a um projeto de desenvolvimento

do campo;3. Educação do campo vinculada ao Trabalho e a cultura4. Reconhecimento da diversidade e o respeito a diferença5. Articular os aspectos de território com a função social do campo;6. Cultivar os aspectos da cultura, tradição e valores do campo;7. Cultivar a utopia camponesa, a crença na mudança e isso deve ser

alimentado por meio das músicas, danças, poesias, linguagem própria do campo;

4. Das proposições/Desafios

O seminário conseguiu apontar muitos caminhos que ajudarão avançarcom a Educação no município em seus vários aspectos, sendo assim, segue abaixo algumas dessas proposições:

a) Retomar o plano municipal de Educação, incorporando as questõesde ordem estrutural e construir um capítulo específico sobre Educação doCampo;

b) Realizar um trabalho mais articulado entre as escolas e seuseducadores da sede do município, criando espaços para estudos eplanejamento mais articulado uma vez que as escolas da sede recebemestudantes praticamente das diversas regiões;

c) Pensar na formação de Educadores(as) que tenha como base oprojeto de Educação do campo que vem sendo debatido em todo territórionacional, sobretudo, no que tange aos princípios filosóficos e pedagógicos;

d) Implementar projetos de arborização e hortas agroecológicas nasescolas;

e) Recuperar, trabalhar a memória das comunidades articulando como processo de formação escolar dos educandos(as);

f) Melhorar as condições do Transporte escolar;g) Construção de bibliotecas e ou aquisição de acervos para contribuir

com o processo de aprendizagem;h) Realizar intercambio entre as regiões;i) Pensar numa proposta de formação específica para os educadores(as)

que tem sala multisseriadas para além dos programas como a escola ativa; j) Realizar o II Seminário para continuar aprofundando o debate.

Santa Maria da Boa Vista/PE, 8 de Julho de 2010.

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