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Educação, Corpo e Movimento 2008 Ana Cristina Arantes Max Gunther Haetinger

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Educação, Corpo e Movimento

2008

Ana Cristina ArantesMax Gunther Haetinger

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© 2006 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

H136 Haetinger, Max Gunther; Arantes, Ana Cristina. / Educação, Corpo e Movimento. / Max Gunther Haetinger; Ana Cristina

Arantes. — Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2009.164 p.

ISBN: 978-85-7638-928-6

1. Corpo e mente. 2. Educação – Métodos e técnicas. 3. Educa-ção moderna. 4. Movimento. 5. Psicologia. I. Título. II. Arantes, Ana Cristina.

CDD 128.2

Todos os direitos reservados.IESDE Brasil S.A.

Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482 • Batel 80730-200 • Curitiba • PR

www.iesde.com.br

Capa: IESDE Brasil S.A.Imagem da capa: IESDE Brasil S.A.

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SumárioAtividade física, Educação Física: conceitos e histórico .....................................................7

Movimentos iniciais .................................................................................................................................7A divisão de função e os movimentos ....................................................................................................8A Educação Física: conceito e história ...................................................................................................8Por que entender, praticar e implementar os conteúdos da Educação Física? .........................................10

Bebês e humanidade: uma história paralela .........................................................................13Movimento humano: aspectos introdutórios ...........................................................................................13A ontogênese repete a filogênese: um pouco de história do corpo e de suas modificações ...................13Definição do processo de crescimento humano ......................................................................................16Definição sobre o processo de desenvolvimento humano ......................................................................16Fatores intervenientes .............................................................................................................................17

Fundamentos do desenvolvimento motor ............................................................................21Habilidades motoras básicas ...................................................................................................................23

O corpo e o movimentona Educação Infantil ......................................................................31Fatores físicos das atividades motoras infantis ........................................................................................31A criança da atualidade ............................................................................................................................36

Psicomotricidade .................................................................................................................41Entendendo a Psicomotricidade ...............................................................................................................41A dimensão multidisciplinar da Psicomotricidade ................................................................................45Sedentarismo e incapacidade motora ......................................................................................................47

Fatores das atividadesmotoras infantis ................................................................................51As múltiplas inteligências e o movimento ..............................................................................................51Visão construtivista do desenvolvimento motor .....................................................................................56

A dança e a música na Educação Infantil ............................................................................61A dança na escola ...................................................................................................................................61A música no universo infantil .................................................................................................................64Retomando a dança na escola ..................................................................................................................67

Recreação e lazer .................................................................................................................71Recreação e lazer na Educação ...............................................................................................................71A escola contemporânea ..........................................................................................................................75O espaço físico para as atividades da Educação Infantil .........................................................................77

Criatividade e sua importância para a Educação .................................................................81A criatividade e o brincar .........................................................................................................................81Criatividade: a revolução na sala de aula ................................................................................................85

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A avaliação na Educação Infantil .........................................................................................91Avaliação: um desafio à mudança ............................................................................................................91Avaliação das habilidades motoras na infância .......................................................................................93

A função da escola e da Educação Física .............................................................................99O sistema escolar brasileiro e as aulas de Educação Física para as séries iniciais ..................................100Considerações sobre as aulas de Educação Física e os temas ou eixos transversais ...............................102Possíveis blocos de conteúdos para as aulas de Educação Física ............................................................103

Características dos alunos da escolarização inicial e as aulas de Educação Física .............107Alunos entre 6 e 10 anos de idade segundo a teoria piagetiana ...............................................................108Objetivos da Educação Física para os alunos das primeiras séries da escolarização básica segundo os PCN (1997) ....................................................................................................................................... 110Desenvolvimento do conhecimento e controle do corpo (esquema corporal) ........................................112

Os alunos do ensino fundamental e as aulas de Educação Física ........................................117Características dos alunos ........................................................................................................................117

As aulas de Educação Física Escolar e o processo de inclusão e integração .......................125As funções das agências de Educação Infantil ........................................................................................125O atendimento segundo as classes sociais ou o que se deliberou para as crianças .................................125Definição de gênero .................................................................................................................................128A co-educação nas aulas de Educação Física ..........................................................................................129Sugestões e orientações para a elaboração de programas ou atividades destinadas às crianças .............134

A Educação Física e a interdisciplinaridade ........................................................................137A visão legal acerca do componente curricular Educação Física ............................................................137O movimento é o início de tudo ..............................................................................................................137A questão do movimento e a sua relação com a construção dos conceitos ............................................138As sensações, a motricidade e a formação de conceitos ..........................................................................139Dos primeiros passinhos ao jogo e ao esporte ........................................................................................140O significado do movimento para os idosos: uma prática cuja idéia se inicia na escola .........................140Movimento e cultura ................................................................................................................................141A nova Educação Física: participante do Projeto Escolar .......................................................................141

Avaliação: definição, importância, interfaces e outras considerações .................................147Ação docente e a avaliação ......................................................................................................................148Abordagens ou correntes pedagógicas aplicáveis às aulas de Educação Física .....................................148

Referências ...........................................................................................................................159

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Apresentação

Oi, amigos e colegas!

H oje, iniciamos uma nova caminhada. Nossa meta é a compreensão do desenvolvimento motor infantil e do modo como ele contribui para o desenvolvimento integral da criança. Vamos estudar conceitos, realizar atividades e agregar nossas experiências de magistério para que

juntos possamos explorar o universo da criança e do movimento.

A cada passo de nosso percurso, aprofundaremos o tema por meio de textos específicos e práticas em grupo. Também vamos abordar alguns assuntos relacionados à educação escolar na in-fância. Estaremos sempre buscando entender que a sala de aula transcende o educar e representa um prolongamento do lar das crianças, sendo uma experiência decisiva para o desenvolvimento de meninos e meninas.

Como educadores, precisamos ter em mente que a aprendizagem está fundamentada em um processo de troca no qual todos os agentes da Educação (professores, alunos, funcionários, pais e comunidade) devem compartilhar seus conhecimentos sem preconceitos, nem pré-conceitos, estabe-lecendo uma “avenida de duas mãos”, destacada por Paulo Freire como a essência do ato de educar. Assim, aprendemos e ensinamos ao mesmo tempo.

Portanto, vamos compartilhar nossos saberes e nos entregar à aventura de uma educação interativa, que promove a integração, o conhecimento, o brincar e a alegria em todos os cantos da sala de aula.

Procurem aproveitar o máximo as experiências proporcionadas por nossa disciplina, pois elas representam uma grande oportunidade para vocês construírem novos conhecimentos. Como diz Ed-gar Morin, o aprender constante é um meio de percebermos os problemas do complexo mundo em que vivemos.

Ana Cristina Arantes Max Gunther Haetinger

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Criatividade e sua importância para a Educação

Max Gunther Haetinger*

A criatividade e o brincar

C riatividade é a capacidade humana de gerar novas idéias ou ações, o que independe do nível ou classe social, mas depende do meio no qual o sujeito está inserido. Esse conceito pode ser mais bem entendido a partir das quatro

categorias definidas por Rodhes (apud KNELLER, 1978).

Do ponto de vista da pessoa que está criando, a ação criativa é fisiológi-ca e tem como base os tem pe ramentos humanos, os hábitos e as atitudes criativas.

Os processos mentais criativos englobam a percepção, a motivação, o pen-samento, a aprendizagem e a comunicação.

A criatividade está associada com as relações entre os homens e com os fatores ambientais e culturais. Portanto, é fruto da interação entre homens, objetos e meio.

A criatividade pode ser definida em virtude de seus produtos: pinturas, con-ceitos, teorias, invenções, esculturas, poemas, filmes etc. Mas essas são as formas estereotipadas das ações criativas.

Kneller lembra ainda que as distintas definições de criatividade estão sempre relacionadas com o conceito de novidade ou inovação. Assim, a ação criativa é a própria essência da transformação e das mudanças, tanto as exteriores ao ser quanto as internas. Mas também é possível compreender a criatividade como a base do ato de liberdade, ou melhor, da ação libertadora, pois a criação associa-se à formação do senso crítico.

No contexto escolar, a criatividade pode transformar a relação do sujeito com o conhecimento. As atitudes e as ações criativas correspondem a meios para a compre-ensão e a alteração da realidade. Todo ato criativo expressa a percepção de alguém acerca do mundo, acerca de uma idéia ou situação. Inevitavelmente, o indivíduo usa o seu entendimento da dimensão real para criar algo novo.

A criatividade potencializa a imaginação humana e, conseqüentemente, mo-difica o método pelo qual as pessoas lidam com a informação e o processamento da informação. A importância da criatividade como método é ressaltada por Rogers

* Com a colaboração de Daniela Haetinger

e Luis Lucini

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quando afirma que “a sobrevivência dos povos depende da capacidade criadora do homem” (apud KNELLER, 1978, p. 19).

Analisando a criatividade sob o ponto de vista educacional e considerando o processo ensino–aprendizagem, observamos distintas formas para a abordagem desse fenômeno. Nesse sentido, as professoras Dinah Campos e Mirian Weber (1987) clas si ficaram alguns conceitos de criatividade de acordo com diferentes escolas.

Escola Behaviorista – vê a criatividade como o ato de produzir novas idéias a partir de outras pregressas, caracterizando as associações por ensaio e erro e dando a impressão de que quanto mais associações um sujeito faz, mais criativo será. Desse modo, a criatividade está associada à quantidade de informação e ao seu processamento. Modernamente, os behavioristas rela-cionam o ato criador com os processos de estímulo e resposta.

Gestalt – conceitua a criatividade como uma reorganização das estruturas cognitivas. Para Max Wertheimer, o criador da Gestalt, uma descoberta não significa necessariamente algo novo, mas representa uma situação percebi-da de maneira diferente, implicando a ampliação do campo perceptivo do indivíduo.

Escola Psicanalítica – destaca o desempenho do inconsciente como base do pensamento criativo. O consciente e o ego são aspectos secundários, pois o caráter criador e criativo é determinado pelo inconsciente. Mas muitos psicanalistas se opõem a essas idéias. Kneller, por exemplo, afirma que “a pessoa cria apesar da neurose e não por causa dela”.

Humanistas ou Fenomenologistas – como Rogers, outros teóricos dessa cor-rente pensam que o indivíduo cria por estar aberto a todo tipo de experiência. Um sujeito pode confiar na sua criatividade como essência construtiva.

Nos ambientes educacionais, a criatividade deve ser potencializada pelas ações pedagógicas. Como define Novaes, é fundamental favorecer “a mobilização do potencial criativo em todas as disciplinas e assuntos, dando valor ao pensamento produtivo, uma vez que a criatividade estará presente em várias situações e diversi-dade de assuntos” (1980, p. 13).

O brincarO brincar é a essência do pensamento lúdico e caracteriza as atividades execu-

tadas na infância. As brincadeiras são uma forma de expressão cultural e um modo de interagir com diferentes objetos de conhecimento, implicando o processo de aprendi-zagem. Tendo em vista esse conceito, percebemos que o ato de brincar acompanha o desenvolvimento da inteligência, do ser humano, das sociedades e da cultura.

O psicanalista Winnicott (1975) afirma que a criança, quando brinca, manipula fenômenos externos que estão a serviço do sonho. Ela recobre esses fenômenos com significados e sentimentos oníricos e isso representa uma operação do imaginário e a exploração da criatividade. De acordo com o autor, “é no brincar, e somente no brin-car, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral; e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o seu eu”.

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Essa citação demonstra a relação imprescindível entre o criar e o brincar. É fun da mental para entendermos que a criatividade está associada às atividades lúdi-cas e às brincadeiras e não às tarefas formais e racionais. A brincadeira possibilita a livre associação de idéias, pensamentos, impulsos e sensações. Brincar também tem a ver com o prazer. Uma brincadeira, sendo ou não criativa, deve sempre proporcio-nar prazer ao participante.

As experiências do brincar na escola auxiliam a formação de vínculos entre alunos e professores e certamente facilitam a aprendizagem. Brincar faz parte do desenvolvimento sadio e pleno dos indivíduos. Na educação, a brincadeira funciona como uma vivência ou uma simulação de experiências e conteúdos, aproximando-os do universo dos alunos. Independentemente da idade dos participantes, as brincadei-ras criativas resgatam o caráter lúdico, o prazer, a alegria, o poder de imaginar e criar próprios do ser humano.

Criatividade(PIAGET, 2001, p. 11-20)

Existem dois problemas envolvidos em uma discussão sobre a criatividade. O primeiro pro-blema é o das origens ou causas da criatividade. O segundo é o do mecanismo: como ela acontece? Qual o processo de um ato criativo? Como alguém cria algo novo? Sem existir antes, como algo novo pode surgir?

Gostaria primeiramente de dizer algumas palavras sobre as origens ou causas da criatividade. Está muito claro que a sua origem ainda é coberta de mistérios. De fato, alguns indivíduos são visivelmente mais criativos do que outros, mas isso com certeza não é apenas uma questão de ge-nialidade. Na verdade, a origem da criatividade permanece misteriosa, mesmo que esteja presente em todos nós.

Agora é moda entre alguns psicólogos, quando eles se deparam com algo que é difícil de ex-plicar, chamá-lo de inato ou hereditário, como se esta fosse uma explicação. Mas absolutamente não é uma explicação, e desse modo só transferem o problema para o campo da biologia. E, na biologia, estamos muito longe de ser capazes de explicar qualquer tipo de atitude mental, que dirá a criatividade. Criatividade não é apenas uma questão de precocidade em indivíduos que se torna-ram muito criativos. Os indivíduos não são sempre precoces. Mozart, é claro, é um dos melhores exemplos de uma alma precoce e criativa. Mas muitos outros se tornaram criativos muito mais tarde em suas vidas, foi bem mais tarde que tiveram as idéias mais originais.

O melhor exemplo disso é Kant. Por muitos anos, ele não foi um kantiano. A maior parte de sua vida passou como um discípulo de Wolf, e foi só nos seus últimos anos que sua própria origi-nalidade emergiu. Então, a princípio, a origem da criatividade para mim permanece um mistério e não é explicável. Mas, como disse um momento atrás, todo indivíduo que realiza um trabalho e tem idéias novas, mesmo que modestas, cria-as no curso de seus esforços.

Para ampliar nossa visão sobre a criatividade, selecionamos uma importante contribuição de Jean Piaget a respeito do tema.

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Algumas palavras a mais sobre a origem da criatividade. No percurso da minha vida, tenho criado uma ou duas idéias e quando reflito sobre suas origens penso que existem três condições. A primeira é trabalhar sozinho, ignorar qualquer um e suspeitar de qualquer influência de fora. Quando era estudante, tive um professor de física que dizia: “Sempre que você começar a tra-balhar em um novo problema, não leia nada. Em vez disso, vá tão longe quanto puder por conta própria. Depois de, sozinho, ter ido tão longe quanto pôde e ter chegado à sua solução, então leia e leve em conta o que tem sido escrito sobre o assunto, fazendo as correções que julgar necessárias.” Temo ter levado o conselho muito a sério, isto é, devo ter lido muito pouco. Mas para me consolar, ou deixar de lado qualquer sentimento de culpa que possa ter, gosto de pensar na fala de Freud: “A maior punição que a divindade envia para alguém que escreve é ter de ler os trabalhos de outros.”

A segunda condição que acho necessária é ler uma grande quantidade de coisas em outras áreas, e não apenas ler trabalhos da própria área. Para um psicólogo, por exemplo, é importante ler biologia, epistemologia, lógica, para que se possa promover uma visão interdisciplinar. Não ler somente no seu próprio campo, mas ler muito nas áreas próximas e relacionadas.

E um terceiro aspecto, e aí penso em meu caso, é que sempre tive na cabeça um adversário, isto é, uma escola de pensamentos cujas idéias algumas pessoas consideram erradas. Talvez co-meta injustiças e as deforme tornando-as adversárias, mas sempre tomo as idéias de alguém como um contraste. [...]

Agora gostaria de continuar com o segundo aspecto que mencionei, que é o mecanismo da criatividade. Acho que o estudo da psicologia da inteligência pode nos ensinar muito sobre esta questão. O desenvolvimento da inteligência é uma criação contínua. Cada estágio do desenvolvi-mento produz algo radical mente novo, muito diferente do que existia antes. Desse modo, todo o desenvolvimento é caracterizado pelo aparecimento de estruturas totalmente novas.

Inteligência não é uma cópia da realidade, não está representada nos objetos. É uma construção do sujeito que enriquece os objetos externos. O sujeito “adiciona” essa dimensão aos objetos externos ao invés de extrair essa dimensão dos objetos. Consideremos, por exemplo, a noção de número ou a noção de grupo. Elas nos possibilitam entender os objetos de diferentes modos, mas não são extraídas dos objetos. São adicionadas aos objetos. Isso revela que a inteligência é de fato um ato de assimilação num sentido realmente biológico. O externo é incorporado às estruturas do sujeito do conhecimento, isto é, nos termos das estruturas do sujeito é que o mundo externo é entendido. Essa criação da novidade acontece, é claro, em cada geração, mas também em cada indivíduo. Cada criança reconstrói a sua própria inteligência e o seu próprio conhecimento. Por exemplo, contar ou recitar os nomes dos números, certamente, para a criança, vem do mundo ex-terno. Porém aprender a noção de número é algo muito diferente de aprender a recitar os nomes dos números. A noção do número é construída pela criança como um ato criativo, como uma multiplicidade de atos criativos. [...]

Só gostaria de terminar repetindo as palavras de um pesquisador que trabalha conosco em Genebra fazendo experiências sobre o pensamento das crianças na área da física. Ele disse o que distingue o físico criativo do não criativo: o físico criativo, apesar do seu conhecimento, em uma parte de si tem uma criança com a curiosidade e a candura da descoberta que caracterizam a maioria das crianças até serem deformadas pela sociedade adulta.

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Criatividade: a revolução na sala de aulaA importância de uma educação mais abrangente tem mobilizado os educadores

em uma busca de alternativas que supram as carências encontradas em alguns métodos de ensino. Atualmente, buscamos um ensino mais humano, voltado para os reais interesses dos alunos e propício para a atuação dos educandos como verdadeiros agentes do processo educacional.

Considerando esse contexto, propomos as atividades e jogos criativos como uma das saídas viáveis para a qualificação do processo ensino–aprendizagem, maior inte gração entre as diferentes áreas do conhecimento e desenvolvimento de algumas valências comumente esquecidas pela escola.

O processo criativo está intimamente relacionado com o exercício da imagi-nação. Os jogos e brincadeiras que estimulam a auto-expressão, a descoberta e o poder de imaginação exploram a criatividade e permitem que alunos e professores se expressem de modo global e potencializem suas habilidades e capacidades. Ao desenvolver sua própria criatividade, o educador também passa a compreendê-la e adquire parâmetros para proporcionar experiências criativas aos seus educandos.

A importância da expressão criativa para a educação

Um dos instrumentos da atividade criativa é a relação entre as pessoas. Quando trabalhamos em grupo, a imaginação e a curiosidade de cada participante são res-saltadas e compartilhadas. E quem consegue se expressar junto aos outros se adapta melhor às circunstâncias e à troca de experiências.

Por isso, é muito importante possibilitarmos vivências coletivas na escola. Elas oportunizam que o educando revele-se aos outros e a si mesmo. Com a expressão criativa em grupo, o aluno conta com um meio de expressão espontânea e reformula constantemente seus pensamentos, o que possibilita novas atitudes e idéias.

Tanto o mundo do faz-de-conta das crianças quanto o poder imaginativo dos jovens e adultos vêm à tona com os jogos criativos. Essas práticas incenti-vam o interesse por todo tipo de conhecimento e favorecem o aprimoramento da coordenação motora e da expressão verbal.

Quando são aproveitadas as potencialidades dos jogos criativos por meio de diferentes atividades, todos participam para o mesmo fim criativo. Particularmente nos jogos que englobam a dramatização, o educando experimenta personagens sem deixar de ser ele mesmo. O exercício da flexibilidade para atuar como outra pessoa e em grupo colabora para a adaptação do aluno às contingências da vida em sociedade.

Dentro do universo escolar, a prática de jogos criativos leva professores e alunos a compreenderem e aceitarem as formas e os padrões de comportamento

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pessoal e social; a terem autoconfiança; a resolverem situações inéditas, aplicando conhecimentos e habilidades adquiridas anteriormente; a analisarem, avaliarem e reavaliarem seu comportamento como indivíduos em um grupo.

Retomando a criatividadeA criatividade está presente em cada um de nós. Todos temos a mesma

capacidade criadora. Mas essa capacidade é potencializada ou minimizada de acor-do com nossas interações com o meio cultural, que pode ou não oferecer estímulos às atitudes e aos atos criativos.

E a idade é um fator de influência? O que potencializa a criatividade são as nossas vivências. Geralmente, um indivíduo mais velho possui maior bagagem de vida, mas isso não é uma regra. Nem sempre a passagem do tempo fornece um feedback criativo. Sendo assim, o modo e a qualidade de nossas interações são bem mais relevantes que o tempo transcorrido. Nesse sentido, um sujeito pode reagir a estímulos de maneira criativa ou apenas ficar reproduzindo velhos padrões.

Os processos criativos estão relacionados com a inteligência. Mais especifica-mente, eles se originam nos pensamentos divergentes. Para entendermos esse conceito, é preciso analisar o pensamento humano. Segundo Guilford, “é possível organizar os fatores psicomotores que conhecemos numa espécie de sistema. Torna-se cada vez mais claro que as dimensões do intelecto também podem ser organizadas numa estrutura sig-nificativa” (apud CUNHA, 1977, p. 20). O diagrama abaixo reproduz a caracterização das principais habilidades intelectuais, conforme elaboração de Guilford.

Intelecto

Memória

Cognição Avaliação

Intelecto

Convergente Divergente

Pensamento

O Pensamento Humano

(HA

ETIN

GER

, 199

8, p

. 14)

Esse diagrama ilustra o funcionamento da inteligência humana. Nosso intelec-to abrange o pensamento (uma idéia em si) e o seu backup, ou seja, a memória que armaze na experiências, informações e conceitos registrados desde a vida intra-ute-

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rina. O pensamento abrange a cognição (o entendimento de uma idéia), a produção (idéia global e sua execução prática), e a avaliação (que reúne parâmetros críticos que influenciam nossa auto-imagem e nossa auto-estima).

A cada exercício do pensamento, o ser humano está sempre se avaliando – um processo permanente, quer a gente queira ou não. No entanto, as constantes avalia-ções podem às vezes nos prejudicar em vez de ajudar, principalmente quando são negativas, tendendo a inibir a ação e a expressão.

A produção intelectual é feita por meio de pensamentos convergentes e pen-samentos divergentessamentos divergentessamentos diver . Convergente é o pensamento direto, é a saída lógica e padrão para os problemas com os quais nos deparamos. Já o pensamento divergente ou late-ral é um modo único e criativo de pensar. A criatividade surge justamente no âmbito do pensamento divergente e se desenvolve a cada vez que procuramos saídas alterna-tivas e inovadoras para determinadas ações.

A ilustração abaixo sugere a necessidade de equilíbrio para o desenvolvimento do pensamento lateral. Ela representa a dinâmica formada pela relação entre pensa-mento divergente, avaliação (senso crítico) e criatividade.

SENSO CRÍTICO

CRIATIVIDADE

PENSAMENTO LATERAL OU DIVERGE NTE

(HA

ETIN

GER

, 199

8, p

. 16)

O pensamento divergente, a criatividade e o senso crítico estão associados sob a forma de um triângulo equilátero (todos os lados são iguais e de igual responsabilidade perante o todo). Assim, a criatividade só se aprimora quando exploramos nosso pen-samento lateral e nosso senso crítico simultaneamente. Portanto, ser criativo requer o discernimento da realidade e daquilo que é importante para cada um de nós. Também é preciso olhar o mundo a nossa volta com muito interesse e curiosidade, levantando novas idéias e possibilidades.

Em virtude desses fatores, é muito importante proporcionar experiências cria-tivas aos alunos. As práticas que associam arte, elementos lúdicos, movimento e

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vivências coletivas contribuem para a criatividade e o desenvolvimento do senso crí-tico. Os jogos criativos e suas sistemáticas lúdicas recriam a realidade, aproximam-nos e fazem-nos reagir perante novas situações.

Todo tipo de atividade criativa só acontece em um ambiente de liberdade, no qual todos têm as condições ideais para se expressarem autenticamente, sem restri-ções ou imposições. Sobre esse aspecto e também destacando a postura da escola frente ao processo de desenvolvimento da criatividade, Maria H. Novaes afirma:

É preciso reforçar a certeza de que a formação integral da personalidade do educando será incompleta sempre que se relegar a um segundo plano a expressão criadora, portanto, é pre-ciso que a escola esteja aparelhada ideologicamente e materialmente para proporcionar aos alunos técnicas, meios e ambientes de liberdade, onde possam desenvolver sua capacidade expressiva, construtiva e criadora. (1980, p. 118).

Aos educadores infantis cabe lembrar que a criança não aprende nem cria por imitação. Promover práticas criativas não significa estabelecer regras para a realiza-ção de brincadeiras ou tarefas. Você pode colaborar para o processo criativo de seus educandos oferecendo um ambiente de aceitação, integração e liberdade, deixando-os realizarem livremente suas atividades e brincadeiras e sempre permitindo que eles expressem sua imaginação e o seu próprio mundo de faz-de-conta.

Sua função é organizar o meio, os recursos e os instrumentos didáticos para a criação; criar um ambiente favorável em que a criança sinta-se segura e acolhida para atuar; estimular a expressão da subjetividade dos alunos, sem indicar-lhes possíveis erros ou o melhor modo de fazer as coisas. Eles descobrirão por si mesmos, explo-rando objetos e vivendo diferentes situações.

O importante é deixar o aluno brincar, imaginar, relacionar-se, expressar-se e divertir-se.

1. Para esta aula, nossa proposta é que vocês desenvolvam um projeto pedagógico para a Educação Infantil no qual o movimento e os jogos lúdicos sejam fatores relevantes para a aprendizagem.

O conteúdo desta disciplina e os exemplos práticos de sua realidade escolar fornecerão os subsídios necessários para o desenvolvimento de seus projetos. Vejam alguns passos a serem seguidos.

a) Reúnam-se em grupos de, no máximo, quatro integrantes.

b) Escolham um tema gerador e, a partir dele, desenvolvam um projeto, utilizando o movimen-to e os jogos lúdicos nas ações pedagógicas previstas.

c) Não se esqueçam dos itens que geralmente constam em todos os projetos:

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capa – identifica a instituição, a disciplina, o título do projeto, os criadores, o local e a data;

introdução – introduz o assunto e descreve a relevância do tema para a Educação Infantil e para a comunidade em que o projeto será aplicado;

objetivos – descreve os objetivos (metas) a serem alcançados com a aplicação do projeto;

público-alvo – especifica as características do público que será atingido;

fundamentação teórica – apresenta os conceitos teóricos e os autores que fundamentam as ações pedagógicas previstas no projeto;

descrição do projeto – detalha cada etapa ou fase do projeto para que o leitor possa enten-der as ações a serem implementadas;

plano de aula – descreve as atividades previstas para cada aula;

resultados da aplicação (opcional) – caso o grupo consiga aplicar seu projeto em alguma escola infantil, deverá descrever o resultado obtido;

conclusão – relevância do trabalho realizado e considerações finais;

bibliografia;

anexos – tabelas, fotos, materiais produzidos pelas crianças etc.;

o projeto deve ser entregue ao monitor em 30 dias.

É muito importante que vocês realmente planejem e discutam coletivamente os objetivos, a fundamentação teórica e as ações de seu projeto. Procurem elaborar um projeto que possa ser aplicado em sua realidade escolar e que seja relevante para o seu trabalho diário de educador infantil.

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