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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)
Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo.
STINGHEN, Eduardo. Eduardo Stinghen (depoimento, 2011). Rio de Janeiro, CPDOC, 2012. 75 pg.
EDUARDO STINGHEN (depoimento, 2011)
Rio de Janeiro 2012
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Nome do Entrevistado: Eduardo Stinghen (Ado)
Local da entrevista: São Paulo, SP
Data da entrevista: 19 de agosto de 2011
Nome do projeto: Futebol, Memória e Patrimônio: Projeto de constituição de um acervo de entrevistas em História Oral. Entrevistadores: Bernardo Buarque (CPDOC/FGV) e Clarissa Batalha (Museu do Futebol) Transcrição: Jonas Dias da Conceição
Data da transcrição: 20 de outubro de 2011
Conferência da Transcrição: Fernando Herculiani
Data da Conferência: 14 de fevereiro de 2012
** O texto abaixo reproduz na íntegra a entrevista concedida por Eduardo Stinghen em 19/08/2011. As partes destacadas em vermelho correspondem aos trechos excluídos da edição disponibilizada no portal CPDOC. A consulta à gravação integral da entrevista pode ser feita na sala de consulta do CPDOC.
B.B. – Ado, primeiramente, muito obrigado por ter aceito o convite. Estamos
muito felizes em recebê-lo aqui, no Museu do Futebol. Eu pediria, inicialmente, que
você começasse se apresentando, dizendo o seu nome, data e local de nascimento.
E.S. – Boa tarde, é uma satisfação estar com vocês aqui. Realmente, é um
orgulho para mim fazer parte desse acervo do futebol Brasileiro. Eu vejo que a cultura
está mudando, o Brasil, hoje, está preservando os ex-jogadores, ex-ídolos, aqueles que
começaram comer grama, não é? Para estar, hoje, nesse patamar, nessa situação que está
o futebol brasileiro, que está muito bem em termos de mídia, em termos de tudo. Mas eu
sou... O meu nome verdadeiro é Eduardo Roberto Stinghen; eu nasci em Santa Catarina,
em Jaraguá do Sul, em 04/07/1946 - um pouquinho velho. Aí, o meu pai era professor,
foi transferido para Londrina, onde, aos quatorze anos, eu comecei a jogar futebol no
Corinthinha de Londrina. Aí então, aos dezesseis, eu já era profissional, fui convidado
por Londrina a fazer contrato. Eu já fiz, antigamente não existia... Era o juvenil e
profissional, não tinham esses estágios de amadores. Então, a gente já passava direto.
Aos dezenove anos... Aos dezoito anos, eu já era titular do Corinthians. E, na época...
Nossa, o Londrina recebia times grandes, como o Corinthians; o Atlético Paranaense,
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que jogava o Djalma Santos, na época, o Bellini. Então, eu comecei pegando uma
experiência. Num desses jogos aí, por incrível que pareça, o João Saldanha foi observar
o goleiro do Coritiba, que era o Joel Mendes; e, nesse jogo, eu me destaquei porque eu
já jogava com luvas. Ele falou: “Pô, um goleiro jogar com luvas aqui, no Brasil, é coisa
rara.” Ainda não tinha essa cultura, não é? E eu mandava vir da Argentina as luvas. Ele
falou: “Esse cara sai bem do gol, é bom e não sei o quê...” Ele deu uma entrevista até.
Eu fiquei empolgado. Eu falei: “Poxa, acho que o futebol é legal. Eu vou pegar firme...”
Porque eu estudava, na época, ainda. E foi... Coincidentemente, um mês ou dois meses
depois, o Corinthians foi jogar em Londrina, em 1969, onde eu me destaquei no jogo...
Eu, o Lidu, o [Doublê1] e o Djalma. E o Corinthians nos contratou, mandou vir para o
Parque São Jorge. Eu garoto - nunca tinha vindo a São Paulo - realmente eu era do
interior, pé vermelho, londrinense. Eu me empolguei. No começo, eu morava no Parque
São Jorge e treinava muito. E o Dino Sani, que foi meu técnico, na época, gostava de
mim pela minha dedicação, não é? Ele falou: “Pô, esse alemão treina demais.”, né? E
começou a me levar nas viagens. Antigamente, o campeonato brasileiro ele era
complicado porque você saía daqui, de São Paulo; jogava em Porto Alegre; vinha jogar
em São Paulo; embarcava para Minas; jogava em Minas; embarcava para o Ceará... E
eu junto, o terceiro goleiro. E num desses jogos, no Maracanã, o Lula estava com
problema – que era o goleiro da Seleção, na época, o Lula e o Cláudio, na época de
1970 –, e o Dino chegou para mim e falou assim: “Você vai jogar.” No Maracanã, era
contra o Botafogo. O Botafogo tinha Fischer, Jairzinho... Eu falei: “Pô, eu estou
ferrado.” Eu garoto, mas tudo bem. É gozado porque, no futebol, nós, quando
treinamos, ficamos em traves maiores; na areia para dar impulsão; esse negócio todo.
Quando eu entrei no Maracanã – eu nunca tinha entrado e nem visto o Maracanã – eu
falei: “Poxa, esses caras estão de brincadeira, esse gol é muito pequeno.” Eu fui um
destaque um destaque do jogo - ganhamos de 2x0 – e nunca mais eu saí do Corinthians,
de titular do Corinthians né. Depois, o segundo jogo foi contra o Fluminense aqui, no
Pacaembu. O Fluminense veio com Denílson... Era um timaço. O Flávio, centroavante,
o Félix era o goleiro, que é meu amigão. E nós ganhamos de 2a 0 também; eu peguei
pênalti; e o Saldanha estava presente. Mas, aí, eu fiz três partidas pelo Corinthians, ou
1Omaispróximodoquefoipossívelouvir.
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quatro, depois eu fiz mais dois jogos, quando o Cláudio Coutinho – num jogo em
Montevidéu, no Uruguai, numa taça e não sei o quê – ele chegou para mim: “Você está
convocado para a Seleção.” Eu não acreditei e falei: “Vocês estão de brincadeira.” Eu
tinha vinte anos, menino, recém vindo do interior. E fui, realmente, convocado. A
minha fase áurea, eu estava pegando tudo, infernal. E fui convocado, ficamos lá de
janeiro a julho na Seleção Brasileira. Foi um momento maravilhoso que eu passei na
minha vida – inesquecível - porque o grupo, além de excepcional, de atletas, era muito
coeso, era um grupo muito bom e a gente parecia uma família. Não tinha briga, não
tinha discussão, não tinha pega em treino. Logicamente que existiam jogadas ríspidas,
mas jamais desleais porque eram todos de um nível muito bom, técnico e de cabeça
também, não é? Porque o jogador não precisa ser só técnico, tem que ter um pouco de
cabeça para jogar também, não é? E eu fiquei empolgado, lisonjeado, por estar naquela
Seleção; ficamos treinando... Saldanha, depois teve um problema com o Saldanha, ele
caiu, e entrou o Zagalo. Aí, o Zagalo achou que eu e o Leão éramos muito novos para
assumir o gol do Brasil, convocou o Félix. Então, ficou a briga entre eu e o Leão para
ver qual que sairia; e eu, realmente, na época, consegui superar o Leão. O Leão foi
cortado aqui no Brasil, e eu segui para o México, onde treinávamos que nem uns
malucos, não é? A gente treinava muito mesmo. O meu objetivo na vida era treinar. Aí,
fomos campeões do mundo, você vai falar pra descrever, eu falo: “Eu não posso porque
eu não sei...” Porque eu senti na hora e eu fiquei louco. Eu não tinha noção do que
representava aquilo, eu não tinha. Nós, quando chegamos ao Brasil, aqui, foi aquela
ovação toda né...
[INTERRUPÇÃO DE GRAVAÇÃO]
B.B. – Ado, você estava já entrando na parte da Copa de 1970. Eu queria só
que você relembrasse, antes da gente chegar na Copa - que é o nosso grande interesse
em te ouvir - que você contasse um pouquinho das suas origens familiares, se os seus
avós já eram brasileiros... Enfim, contar um pouquinho das suas lembranças de Santa
Catarina.
E.S.- Tá. A minha origem é austríaca né, que era de Trento. Eu fui, lá, conhecer
os meus parentes na Itália. Hoje, Trento é Itália. Depois da segunda Guerra Mundial,
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aquela parte ficou para Trento; não tinha os Alpes Suíços, a coisa mais linda do mundo,
não é? E os meus avós vieram para cá... Até eu fui conhecer os meus familiares lá. Os
meus filhos estavam tirando, na época, o passaporte europeu - esse negócio todo – e eu
fiquei conhecendo. Um lugar maravilhoso, lindo. Então, talvez, eu não sei, na minha
família, jogador de futebol fui eu e o Toto, que jogou no Flamengo, centroavante. Eu
não sei se as origens, antigamente, eram de europeus, europeu era muito grande, forte,
alto. Foi a minha coisa. Hoje, estou magro e tal porque a gente perde as musculaturas,
mas eu era muito forte. E eu acho que a minha origem é... Veio essa força minha toda,
essa altura, dos europeus, não é? Que são os austríacos.
B.B. – Os seus avós eram austríacos?
E.S.- Eles vieram para Santa Catariana.
B.B. - Os seus avós eram austríacos e migraram para o Brasil?
E.S. – Austríacos e migraram para o Brasil. É.
C.B. – Foi na época da Segunda Guerra?
E.S. – Foi, na época da Segunda Guerra. Vieram para cá e... Vieram porque,
antigamente, era dividido. Os portugueses iam para São Paulo; os italianos também
aqui; os austríacos, por causa do frio, iam lá para o lado do Sul, etc. Assim que eram
divididos os imigrantes que vinham de fora. E foi lá, onde cresci praticamente a minha
infância toda até os seis anos; foi em Santa Catarina, numa cidadezinha pequena - que
era Jaraguá do Sul - perto de Joinville alí. Muito boa a educação rígida dos alemães;
depois veio o colégio interno, também, um colégio de padres em Londrina – que eu
tomava muita pancada. Foi lá que eu me tornei corintiano. [risos] Porque o normalista, o
nosso padre lá, era corintiano. Dias de jogos, à tarde assim, ele parava a aula e colocava
o radinho... Na nossa época, dificuldade era muito grande. Eu vou contar para vocês o
que eu passei de dificuldade para jogar futebol. De luvas; de material esportivo; de
medicina esportiva, que era honesta, mas era um pouco... Não sarava a gente logo, não
é? Demorava muito e a gente ia para o sacrifício, às vezes. Então, lá, eu comecei a ser
corintiano. Eu comecei a jogar no gol né, de garoto, eu sempre fui goleiro e nunca
gostei de jogar em outra posição. Eu acho que pela liderança, eu gostava de comandar
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aquelas coisas todas. Eu acho que a origem minha foi essa, de ser europeu, de ter sido
jogador porque eu era grande, forte e tinha muita vontade. Porque, goleiro, você sabe
que não precisa ser técnico, tem que ter muita vontade. Primeiramente, reflexo rápido.
Coisa que eu tinha.
B.B. – E eram os seus avós por parte paterna, ou materna, que vieram da
Áustria?
E.S. – É paterna; e, materna, os alemães.
B.B. – Alemães.
E.S. – É. A minha família é Smith Stinghen. Smith por parte materna e
Stinghen por
paterna.
B.B. – E você teve irmãos?
E.S. – Tenho cinco irmãos. Um já é falecido, não é? Mas um mora na Bahia;
dois moram em Londrina ainda; a minha mãe é viva com noventa anos... Eu vou
constantemente a Londrina visitá-la, não é? A minha família é de idade, assim, meio
avançada. Talvez, se vocês me vessem com sessenta e cinco, eu estou bem ainda. Bem
estragado. [risos] Mas é isso. Sei lá...
B.B. – O seu pai era professor?
E.S. – Professor. Professor de português, história e latim. Na época, latim era
obrigatório nas escolas. Então, ele era muito rígido. Eu tive uma educação muito rígida,
muito mesmo. Era horário para almoçar, horário para jantar, horário para dormir, era
tudo. A minha juventude toda. A partir dos dezessete anos, dezesseis, que eu fui jogar
futebol, aí eu virei meio rebelde, não é? Aí, comecei a conhecer mais a vida, porque eu
não conhecia; realmente eu fui conhecer aqui, em São Paulo. Eu tenho uma história até
gozada. Logo quando eu estourei no Corinthians, o técnico era o Dino e eles mandavam,
sexta-feira, eu para a concentração porque eu estava sendo muito ovacionado. Esse
negócio de jogador de bola tem uma hora que você não imagina o que é lá dentro, é um
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inferno, todo mundo quer te ver. E chegou uma moça para mim... Tanto é que, depois,
voltando a história para vocês, é engraçada porque, hoje em dia, existe mulher em
campo, não é? Eu fui um dos cobaias que assumiu esse compromisso de melhorar, um
pouco, esse nível porque, antigamente, mulher não ia. E uma mulher falou: “Nossa,
você pode ir para uma festa comigo? Porque eu fiz uma aposta...” E o cara iria dar um
fusca, na época. O namorado dela. “Eu falei que te conhecia.” Eu falei: “Pois não.
Vamos embora.” Eu estava subindo no carro, ia na festa com essa moça e o Dino falou:
“Onde você vai?” Eu falei: “Eu vou acompanhar a moça aqui...” Mas não era... De
garoto, de bobão. [risos] “Porque ela vai numa festa...” “Você é louco, meu!” Quase
que me deu uns tapas. “Vai para a concentração!” E Mandou o kombi me levar na frente
porque eu entrava um dia antes. Eu tinha uma fama meio de... Inventavam muito, sabe?
Aí apareceu o Placar, tinha esse problema nosso de mulheres, eu era um alemãozão
grande, alto, olhos verdes, louro e cabeludo. Os caras falavam: “Poxa, vamos tentar
pegar alguém para começar...” As mulheres a participar de jogos de futebol, porque
eram só homens - era machista. Era uma loucura, palavrão e não sei o quê. E tinha eu, o
Leão e o Raul do Cruzeiro. Era o tipo galã que eles falavam, na época. Aí o Narciso, até
quem fez essa reportagem comigo, falou: “A gente vai tirar umas fotos de você com as
moças aí...” e todo dia da semana, uma moça. Eu estou, lá, batendo papo com uma...
Segunda com uma; terça com outra; quarta com outra; quinta... Aí, domingo, eu estou
no gol abaixado “Espere aí, hoje tem jogo.” Aí, o pessoal acreditou nisso e falou: “Esse
cara só vive com mulheres e não sei o quê?” E não era. Não era porque eu vivia
concentrado. Ficou marcado, muito, isso em mim, não é? Até, no Corinthians, chegou
uma época em que os caras fizeram um... Nossa. Quando eu estava numa fase ruim,
falaram: “Pô, o Ado só vive com mulheres, só vive em boate...” E, nisso, suspenderam o
meu contrato; foi colocado o meu passe à venda né. Foi uma loucura.
B.B. – Isso que você falou da rebeldia com dezesseis e dezessete anos, como a
família via o fato de você jogar futebol?
E.S. – Ah, o meu pai era professor e ele ficava: “Ado, vê o que você vai fazer,
não é?” Eu falei: “Poxa, pai, pode ficar tranquilo porque eu quero isso.” Mas ele me
apoiava. Nossa! Em 1970, ele tinha o maior orgulho, quando nós voltamos campeões do
mundo. Ele até chorava nas aulas. Os alunos, os amigos, hoje me contam que era muito
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legal. Ele ficou muito orgulhoso, ele não se opôs a nada, ele falou: “Olha, vê o que você
está fazendo.” Eu falei: “Pode deixar pai.”
B.B. – E o seu pai era professor em Santa Catariana e ele vai morar em
Londrina para dar aulas?
E.S. – Exatamente. Era um colégio novo, que era um colégio londrinense que
ia ser inaugurado, e convidaram ele para ir para Londrina. E meu avô tinha fazenda em
Campo Mourão. Então, ele queria alguém que ficasse perto alí para administrar
também. Ele foi com tudo, não é? Londrina, quando estava nessa época em que eu
jogava futebol, tinha 25.000 habitantes. Hoje, tem quase 600.000 habitantes - Londrina
é grande – ou mais até. Tipo, Campinas assim. Então, ele tomava conta da fazenda, que
era, e dava aulas. Mas era legal.
B.B. – E você vai estudar na mesma escola em que ele dava aulas?
E.S. – Poxa, nem me conta. Eu tenho, até hoje... [risos] Eu sentava na primeira
fila e ele me dava cada... Eu tinha que saber tudo. Era um terror, ele...
B.B. – Ele foi o seu professor?
E.S. – Foi. Em todos os colégios que ia. Depois do Marista, então eu estudei
nos colégios londrinenses, estudei no colégio... Onde ele queria acompanhar os filhos
dele. Eu era o titular dele, não é? Gostava de mim, não sei, ele tinha uma certa queda,
Gostava mais... Mas ele me fazia sofrer, sofrer assim porque, poxa, eu não fui muito
chegado em estudo, não é? Apesar de eu ter feito até o segundo ano de direito, eu não
fui... Eu via que não era para mim, isso aí, eu sou um comerciante nato, adoro. Eu tive
restaurante; tive confecção; eu tive quadras de futebol; eu que inventei, com o [Riva2],
essas quadras de futebol de escolinha. Nós começamos, há quarenta anos atrás, com
escolinha, não é? Era um negócio, assim, de uns seiscentos ou setecentos alunos, era
uma loucura. Hoje, têm muitas concorrências, em cada bairro tem as suas escolas.
Então, a minha vida foi assim, agitada e ele sempre me apoiou; e o meu ramo sempre
foi esporte, futebol. Tanto é que, até hoje, eu tenho quadras de futebol; escola, ainda em
2OentrevistadoserefereaoseuamigoRivelino.
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Alphaville; estou prestes a abri mais duas, ou três; talvez em Itu porque eu tenho casa lá,
também; e pretendo continuar. Eu não posso parar. Eu não gosto. [risos]
B.B. – Que bom. Então, estudando no colégio interno, como que foi a sua
descoberta? Como é que foi o seu contato com o futebol?
E.S. – Então, eu gostava muito do colégio. Quando é cidade pequena, assim,
como a nossa, corriam os boatos, não é? “Pô, tem um goleiro que em terra pega tudo...”
Porque era campo de terra, bola de capotão, sem luvas, sem nada, era infernal o
negócio. Chuteira que o prego entrava dentro, era uma loucura... O material esportivo,
hoje, evoluiu muito. Antigamente, não tinha isso. E surgiu o boato, então, o juvenil do
Corinthians falou: “Vem jogar para nós.” Eu joguei uma temporada e, em seguida, o
Londrina: “Não. Vem jogar para o Londri na. Você tem uma grande projeção aqui, você
pode ser jogador de futebol.” Eu falei: “Está bom.” Comecei com dezesseis... Quatorze
anos no juvenil do Londrina e, aos dezesseis, era profissional. Então, foi muito rápido.
A minha ascensão foi assim: bumba. Então, os caras falaram: “Pô, ele não estava
preparado.” Eu falei: “Pô, ninguém estava.” O Pelé, com dezesseis anos, foi campeão do
mundo também, ninguém estava preparado. Esse negócio de ficar, hoje, enrolando
muito os garotos de infantil, junior e não sei o quê... E profissional chega com vinte e
dois anos. Não. Se é bom, com dezesseis, ou dezessete anos, tem que logo soltar no
profissional. Já começar a treinar junto com o profissional, começar a pegar experiência,
porque isso é bom. O caso Neymar, não é? Não é jogador para ser usado nos amadores,
tem que ir logo para o profissional. É bom, tem que ir para o profissional. Então, a
minha ascensão foi muito rápida. Eu joguei no Corinthinha, no Londrina profissional.
Três anos, eu joguei no Londrina e vim para o Corinthians, em 1969.
C.B. – Antes do Londrina, qual que era o time?
E.S. – Corinthians de Londrina.
C.B. – Era um time de amadores.
E.S. – Time juvenil. É juvenil, jogava campeonatos nas fazendas. A gente
tomava cada pau lá meu. [risos] A gente era abusado, moleque, não é?
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C.B. – E tinham outros times então?
E.S. – Tinha Corinthians, São Paulo, tinha não sei o quê... Tinha um monte.
Tinha campeonato, apesar dos 25.000... Antigamente, até acho que mudou muito, a
nossa opção era só futebol ou futebol de salão, não tinha outra opção. Por isso que tinha
tantos jogadores, você não tinha o que fazer. Era uma matinê; domingo, cedo, ia jogar
futebol... Não tinha opção. Você tinha... Eu jogava basquete, era sócio do Country lá,
em Londrina – era sócio militante - e jogava um basquetinho às vezes com o pessoal.
Eram três esportes. Pô, hoje é diversificado, não é? O cara tem mil opções, até
computador, hoje, virou esporte para os moleques. [risos] Quer dizer, o futebol vai
passar por uma fase - eu acho – difícil porque existem muitas opções hoje e o
investimento no jogador de futebol, o cara investir naquela profissão, é muito risco... É
arriscado. Depois, eu vou te contar as minhas contusões que tive, que já me deixou fora
do esporte por muito tempo e, até hoje, tenho sequelas fortes. Então, é um risco muito
grande, pode dar certo como não pode. Eu tive sorte porque eu tive estrutura, um pouco,
familiar. O meu pai era muito rígido e tal. E eu sei que, depois do futebol, a bola acaba
um dia, não é? Eu fui um cara que participei muito de jogos beneficentes para jogadores
que passaram dificuldades; e eu fico com muita dó. Até feito um projeto aí, parece, para
ajudar esses jogadores que jogam interior, ou não tiveram uma cultura até pós-futebol.
Eu, logo me manquei, rapaz. Eu falei: “Poxa, o futebol vai acabar, ou está acabando; eu
estou contundido; vou trabalhar.” Voltei até a estudar, não é? Eu fazia, voltei ao direito,
mas eu não aguentei. Eu falei: “Não vou fazer mais porque eu não vou me formar em
direito.” E comecei com o comércio, abri uma confecção com a minha cunhada, eu
estava meio [inaudível]... “Vamos embora.” Eu fiquei uns dois, ou três anos, não é?
Enjoei. Comprei restaurantes, comprei três restaurantes, que eram Boca do Forno, era
Picanha de Outro... Detalhe, eu fiquei uns dez, ou quinze anos, com isso. Aí, inventei
esse negócio de escolinha com o Rivelino. Eu passei um dia no posto e falei: “Eu estou
montando uma escola de futebol.” “Pô, onde é que você está montando isso, aí? Eu
estou pensando nisso.” Eu falei: “Vem comigo.” Já coloquei ele lá, na parada, e já
enchemos de alunos. Ficou pequeno, o campo porque não existia escola de futebol,
antigamente. Eu já sentia que era necessário, porque São Paulo crescia muito e a
periferia também tinha acabado aqueles jogos de várzea, campos de várzea que era o
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celeiro dos grandes jogadores. Acabou e eu falei: “Ah, vamos fazer escolinha. Pelo
menos a gente vai revelar alguns jogadores aí.” E têm alguns jogando por aí, sabe? Tem
jogador no Paraguai; teve jogadores que saíram das nossas escolas, não é? Hoje, em
Alphaville, quem nos procura são assim filhos de pais meio abastados. Então, eles vão
só para praticar esporte com camisa... Não sei. A gente vê que o grande celeiro está na
periferia mesmo, não é? Os grandes jogadores, aqueles que têm uma certa noção de
futebol.
B.B. – Mas, no seu caso, o futebol foi...
[INTERRUPÇÃO DE GRAVAÇÃO]
B.B. – Mas, no seu caso, o futebol foi na escola? Ou foi já, direto, na...
E.S. – Na escola. Foi no Colégio Marista.
B.B. – Começou no Colégio Marista.
E.S. - Começou no Colégio Marista. Eu tomei gosto pelo... Eu não digo a você
que eu sempre fui goleiro. Na escola, eu gostava de jogar na linha, correr e sair nos
intervalos porque era... De manhã, papá, eu rezava o texto para entrar; às nove horas,
quando chegava no [inaudível] - no intervalo das nove, ou nove e meia - eu ia jogar
bola. Eu chegava todo ferrado; e o meu marista chegava e falava... Eu chegava atrasado,
às vezes, e mandava eu ajoelhar, não é? A época do milho ainda. Eu ajoelhei. À tarde,
tinha uma hora de recreio - eu ficava das três às quatro, porque era o dia todo no colégio
– e eu jogava bola, corria... Teve um dia, lá, que teve um jogo treino e o goleiro estava
mal. Eu falei: “Sai daí que eu vou entrar no gol.” Rapaz, eu nunca mais saí. Porque eu
falei: “Deixa que eu tomo conta daqui.” Foi na escola que eu comecei a jogar futebol no
gol. Daí..
B.B. – Depois, foi no juvenil do Corinthians de Londrina.
E.S. – De Londrina.
B.B. – Do Londrina...
E.S. – Juvenil do Londrina, profissional do Londrina...
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B.B. – Lembra quando, exatamente, como profissional do londrina?
E.S. – Do Londrina... em 1964. Eu sei porque eu estou entrando com a minha
aposentadoria, porque eu tenho sessenta e cinco anos, e eu estou checando. Eu tenho
todos os meus contratos dos clubes, não é? Foi em 1964 o meu primeiro contrato
profissional.
B.B. – E começou a participar, então, do Campeonato Estadual do Paraná?
E.S. – É. O goleiro titular era o Zuza, eu era reserva. Eu comecei a
acompanhar. Goleiro é muito difícil, não é? Então, eu acompanhava e num desses jogos
em Bandeirantes... Eu acho que até era do De Sordi. Hoje que está lá, morando lá e que
foi um jogador de ponta também aí. Eu acho que até jogava no Bandeirantes, eu
comecei a ver esse pessoal todo aí; e, num dos jogos em Bandeirantes, eu entrei, aí não
saí mais. Porque eu era abusado, eu comecei a dar dura em juiz. Eu sempre reivindiquei
os meus direitos, não é? Então, eu acho que, dentro do futebol, também tinha que
reivindicar. Hoje, eu não sei se eu seria aceito aí, porque eu seria expulso todo jogo,
porque tem tanto erro dos juízes, hoje, que...
B.B. – Dentro do Campeonato Paranaense, como que era o peso do Londrina,
naquela época?
E.S. – Nossa! Era infernal, rapaz, as viagens, era um ônibus... A gente, quando
vai ficando velho, começa a lembrar. Eu não me esqueço de ninguém, até do nosso
motorista, que era o Gilberto. Nós fomos jogar certa vez, em Paranavaí, e não tinha nem
asfalto – era areia. O ônibus ficava atolado, e nesse dia, deu uma pancadaria, os caras
quebraram o vidro. Nós viemos de ônibus, chegamos quatro, ou cinco horas da manhã,
em Londrina, um pó, porque lá tem um pó vermelho, e o Gilberto não tinha...
Quebraram o vidro da frente do carro e os vidros também da traseira; e ele veio com
uma coisa branca na cabeça, só com o olho para fora. Foi muito gozado. Eu falei: “Pô,
se futebol é isso, o que eu estou fazendo aqui?” Coisa de louco. Ia para Curitiba e
também não era tudo asfaltado, o trajeto n. Avião, por exemplo, eu vim conhecer aqui,
no Corinthians, porque eu joguei no Expressinho do Wadih Luh, quando ele era
deputado. Então ele mandou, logo que eu cheguei, ele me mandou ir para Cianorte; e
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nesse dia, nós pegamos uma viagem... Esta eu, o Baldochi, o Riva e não sei quem,
dentro de um aviãozinho pequeno porque não tinha ônibus e não iria chegar a tempo.
Alugaram seis taxis, aviãozinho pequeno, e colocaram a gente dentro. Nesse dia, o
Baldochi vomitou em cima de mim - uma loucura - o avião balançava. Eu falei: “Se for
isso, eu acho que vou voltar, porque eu não vou jogar futebol assim.” Eu falei para o
Dino: “Eu quero voltar para o Londrina.” Ele falou assim: “Você não pode voltar mais
para o Londrina. Você é louco! Você não vai sair agora. Seja ídolo aí e não sei o quê.”
Mas eu fiquei assustado. No começo, eu falei: “Pomba.” Mas o Londrina me deixou,
assim, muitas marcas, não é? Por exemplo, poxa: essas viagens, a loucura, o material
esportivo... Teve um jogo, uma vez, eu me lembro até com o Atlético Paranaense, onde
jogava o Djalma Santos, o Bellini, em fim de carreira, eles foram jogar lá, não é? E,
nesse dia, eu não sei, eu acho que a minha luva tinha acabado; aí o massagista nosso era
o Trovão, falou: “Passa breu na mão.” Já ouviu falar nisso? Um goleiro passar breu na
mão? Porque não tinha, não tinha outra luva e eu falei: “Passa.” Os meus dedos
colaram; breu, e eu falava: “Ei, vem tira minha mão!” Porque, pô, aí me chamaram de
mão de pau, porque eu tinha que rebater as bolas! [risos] Aí tinha que tirar, porque
colou breu. Eu passava breu, passava com água e pá; e as bolas era de capotão, aquilo
era muito pesado, eu ficava com o gomo no peito, com o bico; a chuteira nossa, os
cravos entravam para dentro, às vezes, doía pra caramba. Então, eu já vinha de uma
escola meio pesada. Quando eu cheguei no parque São Jorge, eu cheguei com uma
chuteirinha embaixo do braço, e aí o Dino falou: “Você trouxe chuteira?” Eu falei: “Eu
trouxe a minha chuteira né.” Ele falou: “Mas eu não mandei vir goleiro. Eu mandei vir o
[Doublê3], o Djalma e o Lidu.” Eu falei: “Oh.” Eu fiquei assim para ele: e aí, eu faço o
quê? “Não. Vai se trocar e vai para o campo.” Os goleiros eram cinco: era o Lula,
Alexandre, Diogo, poxa esqueci o nome do outro... Armando e eu, cinco goleiros.
[inaudível]. Eu com a chuteirinha embaixo do braço, não é? Eu vim com o meu carro,
eu já tinha um carro, e trouxe os meninos junto comigo – o Lidu e o [Doublê.] O Lidu
até faleceu num acidente aqui, tragicamente, não é? Eu com a chuteirinha embaixo do
braço... “O que você veio fazer?” “Eu vim treinar porque me mandaram vir aqui e que
não sei o quê.” E o Riva, que é meu compadre até hoje, a primeira coisa que ele chegou
3Omaispróximodoquefoipossívelouvir.
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14
em mim e “esse é o Ado.” Parece que o [Doublê] já tinha falado para ele. Me
apresentou para o Dino, não é? Porque o Dino me pegou de supetão., pô, eu falei: “Puta,
o que eu vou fazer agora?” Moleque, dezenove anos, o Dino falou: “Deixa comigo.”
Um dos grandes amigos que eu tenho até hoje é o Rivelino. Meu compadre e me ajudou
pra caramba, aí, no começo, não é? Porque, pô, eu morava no Parque São Jorge, lá é
triste né. E tinha o Marcial, o goleiro, esse Marcial, ele é médico hoje, e ele era maluco.
Ele dava tiro nas portas. Um dia, eu estava entrando e quase que ele me acerta. Eu falei:
“Pô, o que é isso? Eu vou embora.” [risos] É por isso que eu queria ir embora para
Londrina. Eu falei: “Eu não vou jogar mais bola.” Aí, não deu mais, aí comecei a me
adaptar. Eu conhecia muito o Tuca, que era um jornalista do Estadão, lá de Londrina - já
era meu amigo. E eu comecei a conhecer o Jardim Paulistano; eu conheci a minha
esposa atual, também, por intermédio dele. Vim morar na Rebouças, aí, na cidade. Eu
falei: “Poxa, eu não vou ficar aqui, no Parque São Jorge porque é brabo. Os caras dão
tiro nas portas, não é?” Aí, eu comecei a me adaptar em São Paulo, né? E as andanças,
as viagens, avião, era uma loucura. Os caras falam, hoje em dia, que você fica em
aeroporto aí isso, pô, eu ficava doze horas, às vezes. em Brasília nós ficamos dormindo
no saguão, era coisa de louco, também era ruim. Eu fiquei meio assustado no começo,
mas, depois de 1970, aí eu comecei a me amoldar ao sistema, sabe? Eu comecei a
namorar; noivei; em 1973, eu casei; comecei a ter filhos. Aí, eu assentei. Aí, vêm as
histórias. Posso contar?
B.B. – Pode.
E.S. – As contusões. O nosso presidente era o Matheus e nós não tínhamos, na
época, procuradores, nada. O contrato, a gente fazia na mesa com cinco, ou seis
diretores, ou mais; e os caras: “Se não pegar isso, eu vou estipular o teu passe em 200
milhões, ninguém te compra e vamos suspender o seu contrato.” Então, tinham essas
pressões, não é? Num jogo contra o Cruzeiro - em Belo Horizonte - eu saí no chão
numa bola, o Natal chutou e quebrou o meu punho, quebrou o meu escafóide. Eu vou
ter que até operar, agora, novamente, porque cresceu demais e vai ter que raspar. Aí, em
setenta e três, isso. Eu passei três anos assim, jogando. São duzentos e oitenta partidas,
duzentas poucas partidas pelo Corinthians, jogando direto. Eu estava com o punho
quebrado e o Matheus chegou, certa vez, para o Dr. Osmar de Oliveira e falou assim:
Transcrição
15
“Olha, ele vai ter que jogar porque, com o Ado no gol, ninguém chuta.” Eu estava
fazendo banheira lá e o Matheus lá, dentro. Ele falou: “Com o Ado no gol, ninguém
chuta. Ele vai ter que jogar. Dá um jeito.” Então, começaram a infiltrar, [pif-pif,4] dando
infiltrações pra caramba. Eu joguei, sei lá, uns oito meses com ele quebrado e me
comprometendo, porque doía muito, não é? O escafóide quebrado é... E não teve jeito.
O técnico, na época, era oYustrich. Era um puta de um louco, não é? Dava porrada na
gente, batia e me levou contra o Atlético, eu era titular, jogando, fazia... Ficava um
massagista a noite toda fazendo antifugestina, um negócio para desinchar, para mim
calçar a luva e ir para o pau né. Lá, em Minas - o jogo era contra o Atlético Mineiro –
eu já estava invocado e falei: “Pô, está me doendo demais.” Eu fazia uma bandagem
para não doer e colocava a luva por cima; e aquele dia, a luva não queria entrar. Ah, eu
joguei tudo para cima, eu chutei o vestiário e falei: “Eu não vou jogar porque eu estou
machucado e não aguento de dor!” Aí, jogou o Rafael, que era o meu substituto, na
época. O Corinthians perdeu; mas, no jogo seguinte, ele falou: “Recupera o Ado porque
ele vai jogar contra o Bahia.” Pô, e não é que... E a gente enfiava infiltração mesmo e ia
para o pau, não é? E todo mundo se omitia, não tinha aquele negócio de não, ninguém
vetava, tu ia para o pau. Aí, eu tive que fazer essa operação; fiz... Demorou oito meses,
sei lá, porque tira o osso fora, pega o osso da bacia, enxerta dentro e deixa-o crescer.
Ficou bom, eu tenho todos os movimentos, não é? Aí, teve a contusão do joelho. Voltei,
campeão do primeiro turno, em 1974, contra o Palmeiras. Ganhamos aqui, campeão do
primeiro turno e fomos disputar o segundo. Fui fazer um treino, o Beto, que veio
comigo de Londrina, também, depois, caiu em cima do meu joelho e eu tive que operar
o joelho – o menisco. O menisco, antigamente, abria uma brecha, tirava o lixo para fora
e... Hoje, [crunch,5] não é? É fácil e você sai andando. Eu fiquei mais seis meses parado.
O Corinthians perdeu o campeonato, em 1974, para o Palmeiras na final. O último jogo
do primeiro turno foi contra o Palmeiras e o último seria, lá, contra o Palmeiras; e
perdemos esse jogo. Aí, o Matheus chamou eu, e o Rivelino e mais alguns jogadores e
falou: “Olha, procura um time fora do Estado - porque, para São Paulo, não tem negócio
-, a torcida não aceita mais vocês.” E era verdade, os caras queriam pegar a gente de
4Omaispróximodoquefoipossívelgrafar.5Omaispróximodoquefoipossívelgrafar.
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16
porrada na rua; saía de campo, saía com cavalaria porque os caras vinham. Era uma
coisa de louco. Já era tumultuado o Corinthians a quarenta anos atrás e hoje, também, a
gente vê aí que têm muitas brigas, não é? Então, o futebol era assim. Depois, eu acabei
acertando com o América do Rio; peguei até a Seleção carioca - teve uma puta
sacanagem também - o Zico jogava. E eu fui convocado; fui eu e o Andrada. Aí, o
Andrada, parece que estava machucado e o pessoal chegou para mim e falou: “Ado
você não pode...” Eu já joguei na Seleção paulista. E falaram: “Você não pode jogar
porque você é paulista. Nós vamos colocar o Zé Carlos, que é o goleiro do Botafogo.” O
Zico que segurou, “Ado, calma, fica aí no banco. Calma. Não faz isso.” Eu falei: “Pô, é
muita sacanagem. Eu não sou paulista, estou jogando para o América. Eu sou
catarinense, não sou nem paulista.” [risos] Foi uma brigalhada lascada, lá, no muro do
Maracanã. Eu acabei aceitando e falei: “Eu vou ficar no banco.” Aí, eu ia muito com o
Riva no Fluminense né, ia sempre lá, pegava ele, tomava uma cervejinha, dava umas
voltas, Rio é bonito pra caramba. Aí, o Horta6 me chamou um dia lá. “O Ado tá aí? Pô,
eu quero ver.” “O, Ado, chega no América e fala que você não quer ficar lá. Volta para
São Paulo que eu vou te buscar.” O Fluminense era máquina, não é? Era um timaço. Eu
falei: “Poxa.” Eu cheguei no América: “Obrigado.” Com todo coração, eu gostava do
ameriquinha, não é? [inaudível] no Andaraí; eu morava ali, em Ipanema; eu estava
vivendo umas férias maravilhosas. [risos] Aí, essa história do Horta né, também, eu
voltei a São Paulo e falei: “Bom, esses meses eu vou treinar no Corinthians.” Os caras
me proibiram de treinar no Corinthians. Antigamente, os caras proibiam - era uma
loucura -, não deixavam você treinar. Se você estava com litígio no clube... Aí, eu ia na
cidade universitária aqui e treinava todo dia. E demorou para o Horta vir me buscar, não
é? Eu fui lá, para o Rio, e falei: “O presidente, como que é?” “Pô, Ado, vê se o
Corinthians te empresta lá, porque eu contratei o Paulo César e gastei muito dinheiro.”
Eu falei: “Ah, está bom. Até logo.” Aí, eu acabei voltando para São Paulo, abri as
minhas pizzarias. Eu falei: “Vou parar. Eu estou estourado mesmo.” Aí, teve uma
proposta do Atlético Mineiro, o Telê mandou me contratar. Aí, eu chego lá, em Minas -
peguei o avião e fui para lá; está o presidente do clube e falou: “Não desce aqui não
6FranciscoHorta,famosodirigentedoFluminensenadécadade1970.
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17
porque o [Ney Lasmar] quer te ver, o seu punho.” Eu falei: “Onde é que ele está?” “Está
no Rio. Você tem que pegar um avião e ir ao Rio para ele te ver. Para ser aprovado, pra
fazer contrato.” Puta, vai lá eu para o Rio com o punho todo estourado. O Cara me
olhou... “Está bom?” Eu falei:”Ah, está bom. Eu aguento, não é?” E o Telê caiu porque
os caras empataram com 3 a 3... Minto, ele veio para o São Paulo. Aí, já ficou um
treinador, lá, provisório que não pediu a minha contratação. E eu fui aprovado, o [Ney
Lasmar:] “Está bom. Pode jogar. Dá para...” É meio limitado, ainda, o meu punho. Aí,
eu falei: “Está bom. Vou jogar.” Voltei para Minas, fui aceito e tal, fiz o contrato. Aí,
num dos jogos, eu machuquei minha mão rapaz, e saí. Aí eu fiz muito tratamento
também, o cara falou assim: “Não. Você não vai jogar. Vai continuar jogando outro.”
Eu falei assim: “Se eu não for jogar, eu vou embora amanhã.” Jogava o Capos, o time
era bom, Valdecir, Vantuir... Jogava quem mais? O Reinaldo, que estava começando, o
centroavante. Eu falei: “Se eu não for jogar, eu vou embora. Eu não vou ficar na
reserva, eu não vim aqui para...” Eu não aceitava a reserva, eu não aceitava. Se você me
deixa de fora: “Não, você vai ficar no banco.” Eu: “No banco eu não fico.” Foi uma
briga que eu tive, lá, com o... E fiquei três meses só e vim embora, nem cumpri o
contrato. Aí, continuei com as minhas pizzarias ainda, aqui, churrascaria, continuie... Eu
tive proposta de jogar no Fortaleza, aí arrebentei a minha mão lá. Até hoje, eu fiz uma
operação aqui, abri tudo e tive que costurar os tendões né, que foi uma pancada muito
forte. Eu falei: “Definitivamente, eu acho que é hora de parar.”, aí, eu encerrei. Aí,
fiquei na seleção de masters com o Luciano da bandeirantes, na época. Ficamos, todos,
campeões do mundo, era legal pra caramba porque a gente sente falta da bola, não é?
Esse pessoal que... Eu vi uma entrevista recentemente do Figueroa, ele falou que jogou
no futebol e é o seguinte: é aquele cara que faz o primário; faz o vestibular; presta; se
forma; e, aos trinta e três anos, ou trinta e quatro, tem que parar a profissão. É verdade,
não é? Mas eu me preparei para isso. Eu falei: “Eu acho que eu vou parar, vou voltar a
ter as minhas coisas, vou ser um comerciante, eu vou inventar algumas histórias aí; e
deu certo.” Eu, até hoje, sou um cara feliz. Tenho uma família maravilhosa; sou casado,
até hoje, com a minha esposa; tenho três filhos, todos formados – um é advogado,
publicitários e a minha filha trabalha numa ONG para deficientes visuais, essas coisas,.
Eu sou muito feliz assim. A minha esposa é muito legal, não é? Eu tive sorte, tenho uma
situação até boa de vida. Então, eu dei muita sorte, por quê? Voltando àquele assunto:
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18
eu me preparei para pós-futebol. E até hoje, com sessenta e cinco anos, eu não pretendo
parar de trabalhar. Eu vou montar mais quadras, vou ter escolas... Eu quero fazer
alguma coisa. A gente não pode parar nunca, não é? Não deve. Jogador nenhum. E
aqueles jogadores que, realmente, acham que a fama vai ser para o resto da vida; não é,
porque tudo mundo esquece. Principalmente em termos de Brasil, não é? A nossa
cultura, assim, não é essa cultura de preservar aqueles caras que foram ídolos; até ver o
lado financeiro para dar uma ajuda, como é na Europa e como é em outros países. A
gente sente tantos problemas aí, fora, que dá dó não é? Então, vai um alerta para esses
que estão começando aí agora: estudem e programem-se; porque, quando parar de jogar
bola, tem outra profissão. Porque de fama ninguém.... Não enche a barriga de ninguém,
a fama.
B.B. – Ado. Tira uma dúvida nossa. Esse apelido nasceu no futebol? Ou já era
da sua família?
E.S. – Eu acho que foi da minha... Do futebol. Eu não sei porquê? Eu não sei
se... Você falando rápido “Eduardo”, “Ado”, os caras [para simplificar]7 porque os
caipiras falam [Eduaaaardo8], não é? [risos] Eu não sei se é por causa disso, Ado para
simplificar. Mas acho que foi de colégio, já de colégio, Ado. O nome foi gozado,
interessante, não é? Quando eu cheguei no Corinthians, o cara: “Pô, Ado, que nome é
esse?” [risos] Fez até brincadeiras, não é? Mas foi, nome acho que de infância, de
apelido, vem de infância.
B.B. – Ado, em 1964, quando você se profissionalizou com dezoito anos, o
Brasil, a Seleção Brasileira já era bicampeã do mundo. Você tinha, poderia imaginar,
quando você se profissionalizou, que você viria a participar de uma copa do mundo.
E.S. – Nunca. Futebol, para mim, foi um acaso. Eu não tinha nenhum plano,
nem noção. Eu tinha os meus ídolos, o meu ídolo foi o Gilmar, eu adorava esse cara. O
Castilho, nossa... [INAUDÍVEL] era goleiro - eu gostava, no colégio de jogar no gol -
os meus ídolos. Mas jamais... Eu falei: “Poxa, deve ser um mundo aquele campo, aquela
7Trechodedifícilcompreensão.
8Omaispróximodoquefoipossívelgrafar.
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19
coisa.” Não imaginava eu dentro, nunca. Aí, depois, quando eu comecei a jogar futebol,
eu falei: “Poxa, não é tão difícil assim.” Eu era bem arrojado, não é? E, quando eu
entrei, então, nossa. Mas, no começo, eu jamais sonhava em ser jogador de futebol.
Agora, se perguntar, aí, para mim: “Você faria novamente o que você fez?” Eu falo:
“Faria tudo de novo. Tudo de novo.” Talvez eu me cuidasse um pouco mais, não é? Eu
não me cuidava muito, eu era realmente... É o seguinte, eu vivia numa cidade grande,
você vem do interior... Isso todo mundo, antigamente, todos os jogadores eram oriundos
de interiores, outras cidades. Você não tem amigos, você não tem nada, a família tua é
lá. O que você faz da vida? Então tem convites: vamos em tal lugar, tomar um chopinho
e pá. Vamos na boate, dançar... Isso pegava muito mal para jogador, pega mal, não é? E
eu fui marginalizado porque teve uma vez que eu andei bagunçando, um pouco,
realmente, eu não era casado ainda. Não tinha opção, não tinha onde ir e eu falei: “Pô,
eu não vou ficar dentro do apartamento.” Eu tinha mania de fazer aqueles quebra-cabeça
de duas mil, três mil. Eu ficava doido, a minha mira era aquilo. Tinha o meu
empregado... Eu era um cara preocupado... Quando perdia jogo, na segunda-feira, não
saía na rua. Eu era muito conhecido, era muito assediado, já namorava a minha esposa...
Uma vez nós fomos ao cinema e eu falei: “Para que eu inventei.” Pô, todo mundo da fila
queria que eu assinasse no bilhetinho. Uma loucura. Eu era acanhado, a gente é meio
tímido, não é? Eu fiquei meio envergonhado.
B.B. – Onde você morava?
E.S. – Morava no Jardim Paulistano. Hoje, nós temos o nosso clube, Jardim
Paulistano Moto Clube. Hoje, eu adoro moto, sempre adorei, não é? Na época, eu não
podia ter porque era proibido nos contratos ter qualquer tipo de veículo que possa ter
dar problema. Tanto é que moto é um perigo. Você cai e está fora do jogo, não é? Mas
eu adoro. Eu faço trilha, faço o diabo. Faço um monte... [riso]
B.B. – Ainda sobre copas do mundo, em 1950, você era muito pequeno – tinha
quatro anos -, mas, as outras copas, você tem alguma lembrança?
E.S. – Olha, de rádio. Nós tínhamos radinhos Mitsubishi, aquele pequeninho, e
tinha em Londrina uma praça, onde tinha uma loja muito grande chamada Fugante e
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20
onde eles colocavam um puta de um altofalante. Então, transmitia o jogo. Eu me lembro
dessa de 1958... Não. 1962, no Chile, não é?
B.B. – Sim.
E.S. – É. Essa eu me lembro. Eu estava na praça vindo, torcendo, adorava, não
é? Puta, o Brasil tem que ganhar. Nós somos meio fanáticos, nós gostamos de ganhar.
Eu acho que, desde criança, todo mundo. A gente vê hoje, o meu neto é um barato –
gosta de ganhar. Gosta de futebol, já nasce... O primeiro presente que um pai dá pra um
neto, ou o avô dá, é uma camisa do time de preferência dele. [risos] O meu é corintiano.
Os avós ficam loucos. Tudo são paulino... Mas é gozado, é muito interessante.
B.B. – Na Copa de 1962, você tinha dezesseis anos e já...
E.S. – Nossa! Aí já estava...
B.B. – A posição de goleiro já era...
E.S. – Ainda não tinha televisão, não era televisado. Começou a partir de 1970.
Por isso que 1970 foi aquela loucura. Mas era tudo... Eu ia no Fugante, na praça, com a
turma e nós ouvíamos por rádio alto, os caras aumentavam. Eram aqueles autofalantes...
Você já chegou a ver? Uns putas de uns tubões, e os caras colocavam em cima da loja; e
“coloca não sei o quê.” Era Fiori Gigliotti9 cantando, esse pessoal da antiga. Era legal
pra caramba, sabe? Era curtição, nossa, eu curtia e adorava. Festejava pra caramba.
B.B. – O fato de você ser goleiro, você já se interessava pelos goleiros?
E.S. – Nossa, o Gilmar. Eu ia no gol, saltava na bola e “segura, Gilmar!” Já
gritava. Era o meu ídolo, o Gilmar foi o meu ídolo. Tanto é que eu conheci... A primeira
coisa que eu fiz, em São Paulo, foi conhecer o Gilmar. Os caras logo levaram eu e o
Leão para ver o Gilmar porque eu falei que era o meu ídolo. Ele morava, até então, na
paralela à Augusta, ali. Nós fomos; ele veio me cumprimentar; me deu umas duras.
Falou assim: “Cuidado porque babá...” Mas foi o meu grande ídolo, o Gilmar; e o
Castilho. Foram os goleiros que me incentivaram assim, para ir mais à frente. Eu não
9LocutordeRádio.
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tentava imitá-los porque eu não tinha noção de como era. Eu não via televisão, a gente
via... [riso] Na minha época, eu chegava da escola, às vezes à noite, quando eu comecei
a estudar à noite porque eu treinava durante o dia, tinha um programa até onze horas da
noite que era Os Intocáveis. Então, não tinha futebol, não tinha patavina nenhuma. Você
não sabia, na Europa, como é que eram os times. Você não tinha noção... Vim ter aqui, a
partir de 1970, em São Paulo, que começou com a transmissão direta, não é? Que foi
um marco grande no Brasil. Por isso que empolgou tanto, além da Seleção, que era
excepcional. Foram as transmissões, acho que até a cores começou em 1970.
B.B. – Mas então esses goleiros internacionais, como o Yashin, vocês ouviam
falar?
E.S. – Eu não conhecia, não tinha noção nenhuma, nenhuma... E sempre
corintiano, não é? Mesmo quando eu era garoto, torcia pelo Corinthians. O Corinthians,
na época, tinha um time... O Cabeção jogava, eu me lembro muito dele, de nome, e
tinha um time ruim. Não era o caso do Cabeção porque ele era muito bom, mas jogava
Beirute e Bazani. Pedia para todo mundo e eu ficava louco. Eu falei: “Puta time!” Mas
nunca mudei, sempre corintiano. E, quando eu cheguei no Corinthians então, não
acreditava. Até a torcida, hoje, me identifica. Você sabe que, antigamente, na nossa
época, existia o jogador clubista, não é? Eu cito nome, por exemplo, o Dudu jogou só
no Palmeiras; o Ademir da Guia também, o Rivelino jogou no Fluminense depois
porque ele foi praticamente... Teve problemas com o Corinthians. O César... O Santos
com o Pelé. Quer dizer, são jogadores que só jogaram em clubes; e, quando saía, ia para
outro Estado - não tinha negócio aqui, dentro. Esse negócio de beijar camisa do
Palmeiras, do Corinthians, não existia isso. Você era jogador de um clube só e marcava,
muito, isso – ou você começava e acabava lá. É o que a torcida gosta, não é? Que você
morra, mas fica eternamente corintiano. [risos]
C.B. – Você tinha algum time lá, em Londrina, que você torcia, que você
gostava?
E.S. – Eu torcia para o Corinthians.
C.B. – Mas do Estado.
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22
E.S. – Ah, eu gostava do meu time, o Londrina. [risos] Eu gostava. Nossa, eu
tenho camisa deles. Era um time bom, rapaz. Nós ganhávamos muitos jogos. Ganhamos
da Seleção Olímpica - eu com dezesseis, ou dezessete anos – de 4 a 1. Jogava um tal de
Adamastor... Uma seleção que nem essa Sub-20 que tinha? Antigamente, era Seleção
Olímpica, não é? Nós enfiamos um monte. Jogava o [Pescor10], um becão com dois
metros de altura. Você deve ter conhecido ele, não é? Nossa, assustava a gente. E
aquelas bolas de capotão. E o gol era maldito, rapaz, o gol [INAUDÍVEL] ele não
nascia grama. Eu me ralava todo, vivia todo estourado, arranhado. Aqui, no Corinthians,
também, quando eu fui jogar uma vez contra a Ponte Preta, eu saí numa bola no chão e
fez aquela carne viva aqui, no chão, não é? Eu peguei um morrinho, lá, e saí arrastando.
Aí, os caras fazendo salva-vidas, que era um troço assim; colocava aqui; e queimava
com éter para não dar casca. Eu pulava no vestiário, era uma coisa louca. Antigamente
era uma loucura. Era uma loucura, o futebol.
B.B. – Hoje em dia, tem todo um aparato...
E.S. – Pô, dava íngua e os caras: “Está bom.” E quem me treinava, por incrível
que pareça, no Corinthians, era o Sr. Davidson, ele era lutador de boxe. O preparador de
goleiro, específico, começou a partir de 1970 com o Carlesso. Veio lá, na Seleção, em
1970. Nós não tínhamos um treinador específico para goleiros. Aquele cara que tirava...
A gente via por noção, via os outros jogar, pá. Eu tinha uns parentes que moravam em
Trento, e eles mandavam umas fitas, às vezes, dos goleiros italianos – aquelas fitonas
grandes. Eu ficava vendo como é que os caras caía para aprender. Eu fiz judô, para dar
cambalhota, para usar sempre o ombro; porque o goleiro não pode... Se usar o braço a
bola espirra, você tem que sair com a bola usando o ombro, arrastar com o ombro, não
é? Então, eu tive, eu aprendi assim por intermédio de ver as pessoas; ou talvez as fitas
que mandavam lá, da Europa – tem uns tios que, às vezes, iam para lá, mandavam uns
negócios. Mas ninguém me ensinou, tirou os meus defeitos, não é? Porque a gente
precisa. Às vezes a gente acha que está absoluto ali, mas você tem mil defeitos no gol –
saída, você não pode vacilar. Uma coisa que eu lembro e que eu falava para o Ditão era
o seguinte: “Goleirão, você que joga...” Eu jogava na área pequena, não é? Eu jogava
10Omaispróximodoquefoipossívelouvir.
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23
atrás. “Sai! Todas. Pode deixar que a gente sai fora.” Eu saía até o pênalti, e falei:
“Então, a pênalti é minha.” Então, essas bolas de cruzamento, eu ia; socava; dava; caía
com ela. Eu adorava fazer ponte, era meio espetacular na época. [risos] Adorava cair, o
chão macio, sabia cair. Então tinha, a gente se conversava muito. Por exemplo, eu
chegava para o Ditão e falava: “Ditão, não fica no primeiro pau. Deixa que o volante...”
Eu mandava o volante vir no primeiro pau. Eu falei: “A incumbência sua.” A gente
armava. E o Yustrich falava: “O meu time tem três pilastras, um é o Ado; o outro, meio
campista, é o Riva” E na frente era... Eu acho que era o Paulo Borges ou Vaguinho, um
troço assim. O que é pilastra? Aqueles que organizam a [atrás11]. Eu falei: “Está bom.
Então, ficava isso aqui e ali...” A gente conversava no treino. A linha de quatro
zagueiros, eu jogava com quatro atrás e um volante só, não é? Não tinha esse negócio
que nem hoje, quatro volantes e três atrás. Era muito aberto, o jogo. E agente
combinava... “Até o pênalti é minha. Os cara gosta de meter por cima, deixa que eu
saio, eu vou rasgar.” O Ditão, eu desmaiei duas vezes; o Ditão era maior do que eu pô.
[risos] Eu saí assim... Você não pode. O goleiro, quando sai, você não pode ficar no
meio do caminho. Ou sai, ou rebenta ou toma. Nossa, foi cada pancada nas costas que
eu dei, o negão estrebuchava. [risos] “Ado, calma.” Eu falei: “Calma. Sai da frente.”
Estão gritando “é minha, é minha.” Mas, então, eu aprendi assim, tudo na pancada,
ninguém me ensinou. E o Sr. Davidson era lutador de boxe – até falecido -, era um
senhor legal, ele pegava essas medicine ball para dar força e [tuf, e tuf12]. Para me dar
força porque eu metia a bola até o meio de campo; a gente saía jogando muito, às vezes,
não é? Tudo é [vulp13]. Mas ele me dava uns treinos... “Vem no areião, agora, vem na
caixa de areia. Corre uma hora.” Aí, o Dino começou bater umas bolas comigo, não é?
Mas não tinha, não era específico. Em 1970, começou com o Carlesso. Aí, eu comecei,
realmente, a aprimorar. Eu virei mais técnico. Colocava assim... Foram proibido de
fazer as marcas. Eu jogava na frente e, então, na área pequena, eu colocava dois
algodões – um lá e um aqui. Eu falei: “O meu gol é esse, senão eu, lá, atrás...” Porque
eu era alto pra caramba, não é? Por cima não fazia gol. Então, eu só inventei moda.
11Omaispróximodoquefoipossívelouvir.12Omaispróximodoquefoipossívelgrafar.13Omaispróximodoquefoipossívelgrafar.
Transcrição
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Camisa de manga curta, eu inventei, eu comecei a jogar - me enchia o saco, eu cortava
no vestiário, as camisas. Luva, eu comecei a importar luva. Poxa... [risos] Assim mesmo
era ruim pra caramba, porque era assim uma borracha, mas já ajudava. Hoje, você pega
essas luvas aí, elas têm cola. Você pega uma bola com uma mão. Você já viu essas
luvas novas? É espetacular. Chuteira... O goleiro não pode ficar plantado assim, o
goleiro tem que ficar com a ponta do pé. Eu mandava colocar duas travas aqui, na
frente; e, às vezes, entrava nos meus dedões e não dava para bater com a bigorna. Tinha
bigorna no vestiário. A medicina esportiva, também, era uma loucura.
B.B. – Tinha algum atacante especial que você temia?
E.S. – Tinha. Eu não gostava... Bom, o Santos era... Eu cheguei a jogar com o
Santos contra Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Edu. Pô, eu não dormia à noite. Eu
vou ser sincero para você, [risos] chegava a noite, eu falava: “Poxa...” Porque a gente...
Depende muito. Se a gente toma uma ferrada de quatro, ou cinco, e eu sou o culpado,
você está queimado. É uma preocupação constante, não é? Eu dormi tarde... Até hoje eu
durmo tarde, uma ou duas horas da manhã durmo, às vezes; mas, também, cedo eu não
gosto de acordar porque eu nunca gostei. Aí, eu ficava vendo,. eu não gostava de jogar
contra o Santos porque era muito perigoso; o Pelé, às vezes. Eu não peguei o auge dele,
eu peguei a partir 1969 e ele ainda não estava com essa bola toda. Mas ele liquidava a
partida, às vezes. Nossa, teve um jogo, no Morumbi, 2 a 0 para nós; fim de jogo. De
repente, o negão pega as duas e liquida; empata o jogo e foi jogar pedra na torcida, não
é? Ele tinha tinha aquela mania de... Então, eu temia muito o Santos. Eu temia muito o...
Eu não gostava do Edu, ponta-direita do Palmeiras, porque ele batia de três dedos e a
bola dele vinha toda torta, não é? Esse cara, o César do Palmeiras, também, ele ia em
todas. Esse, o Fischer, ele chutava tudo, ele chutou a minha cara uma vez, ele não tirava
o pé. O Fischer era um argentino que jogou no Botafogo, você lembra? Centroavante. O
Cruzeiro tinha um time fabuloso, tinha um meio de campo deles era o Tostão, Piazza e
Dirceu Lopes. Esse Lopes era um jogador, poxa, eu acho que ele foi muito maior do que
o Beckenbauer e muito maior do que qualquer outro jogador. E tinha um tal de Evaldo,
o centroavante do Cruzeiro, que ele batia com as duas. Esse cara, também, era o terror.
No Vasco, tinha o Roberto Dinamite, terrível, ia em todas chutava, batia bem. No
Internacional, tinha o Escurinho. Olha, era uma fauna assim, de craques, de artistas, que
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preocupava. Todo jogo é um sufoco. Às vezes, você fala assim: “Ah, mas vai jogar com
time pequeno.” Mas tinham jogadores bons para caramba lá. Era complicado, o negócio
viu, era complicado. Então, tinham noites que eu demorava pra dormir, preocupado com
o time. Mas eu gostava de analisar os caras, gostava de saber quem jogava no time,
saber a escalação. Hoje, os treinadores escondem, não é? As escalações. Mas era
preocupante para mim, porque eu sabia que dependia de vitórias. Todo jogador depende
de vitórias; e, principalmente, o Corinthians porque a cobrança é muito grande. Então,
eu me preocupava com quem ia jogar e como é que eu ia fazer. Combinava com o Ditão
e com o Luiz Carlos, “como é que nós vamos fazer? Segura. Se eu for sair, deixa que eu
saio todas. Cruzamento é minha até o pênalti, e não sei o quê. No primeiro pau, bota o
Tião...” Que era o nosso volante. O Dirceu Alves também era volante, na época.
B.B. – E o seu estilo como goleiro era de gritar e orientar os jogadores?
E.S. – Ah, nossa, eu saía rouco. Eu gritava muito até com atacante. “Bate.
Bate.” Eu estava lá, atrás, e os caras nem ouviam nada. Não é que nem hoje, os caras
têm código agora, não é? Faz assim e não sei. Antigamente, a gente tinha esses
esquemas. [risos] Bate no gol. Os treinadores fazem muito hoje, como que é? “Dois.
Não” O cara lá, dentro, não está vendo nada. [risos] Não está nem sabendo. Tinha
técnico, às vezes – eu não vou citar nomes porque é até chato... Você sabe que o time,
hoje, depende muito de líderes, não é? Todo time deve ter. Por isso eu acho que o Mano
fez certo em levar jogadores mais experientes. O técnico dava a escalação, “fulano vai
jogar assim, com o cara assim...” Ele enaltecia o time todo. Aí, os caras faziam assim,
nada disso. Chega lá, dentro, nós que vamos ter que resolver. A gente se reunia, “olha,
vamos, lá, para o pau. Ninguém dá folga.” Teve até uma briga, uma vez, com o
Vaguinho e com o Zé Maria. Aí nós fomos jogar com o São Paulo e eu acho que o
Gilberto apoiava muito, que era um lateral esquerdo do São Paulo. O Zé falou:
“Vaguinho, você volta um pouco quando...” “Eu fui contratado para ser atacante.” Pô, o
Zé saiu, voou em cima dele. Na época, nós íamos no psicólogo, o Dr. Gaudêncio.
Nossa, ele voou em cima e deu um puta pampeiro dentro do consultório dele, do
psicólogo. Porque, o cara tem que... Você vai falar isso hoje? Pô, o cara ia mandar ele
embora do time, eu acho, não é? Mas, na época, ele falou: “Eu fui contratado para ser
atacante e não vou voltar.” Eu estou no sufoco e a gente tinha que ordenar, falar com
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todo mundo e ter a cabeça pensante. “Vamos lá, vamos fazer a cabeça daqueles que
estavam com problema. Você está com problema?” Tem cara desse com problema
familiar e chega no campo e não rende. O Yustrich que falava assim para mim: “Você
tem algum problema? Então, fala. Porque, se você não falar e você prejudicar, você não
está prejudicando só você, está prejudicando ele, a família dele, os filhos que ele tem.
Então, fala.” Pô, tinha cara que entrava - para não perder o lugar, às vezes - entrava no
sufoco. É complicado ser jogador de futebol, sabe? Tanto é que, hoje, existem trabalhos
em cima e, independente de tudo isso, de você tentar se superar, ou não se marcar, não
tomar gol e tudo mais, tem um mundo atrás de você te vendo, não é? A torcida;
televisado... Hoje é difícil. Tem que ter um trabalho no jogador porque, senão, o cara se
perde.
[FINAL DO ARQUIVO I]
B.B. – Ado, recomeçando, estávamos falando das suas lembranças das copas
do mundo. Em 1962, você se lembra ali do rádio; em 1964, você se profissionalizou; em
1966 ainda estava no Londrina.
E.S. – Londrina.
B.B. – Você lembra da Copa de 1966?
E.S. – Em 1966, foi onde? Desculpe.
B.B. – Foi a copa da Inglaterra.
E.S. – Inglaterra... Eu não lembro. Eu me lembro do Eusébio... [Espere um
pouco.14] Foi tido como...
B.B. – Foi a copa em que o Brasil perde para Portugal, eliminado pelo...
14Omaispróximodoquefoipossívelouvir.
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27
E.S. – Então, jogava o Eusébio - eu lembro - Eusébio, Coluna, Costa Pereira
era o goleiro... Lembro dessa época, mas eu não fui muito... Eu estava querendo...
B.B. – Você tinha vinte anos.
E.S. – Eu estava vivendo o futebolês porque eu estava jogando. Eu não estava
mais torcendo tanto, eu estava cuidando de mim. Eu acho que, na época, por isso. Eu
estava me achando que já... “Pô, esses caras são muito frangueiros. Vou eu para lá.”
[risos] Não, mas eu não sonhava. Mas eu lembro. Portugal era o time, o Eusébio foi tido
como o Pelé da Europa nessa copa, não é? Eu me lembro muito, que fiquei muito
revoltado, foi quando o Pelé tomou aquelas porradas e entrou o Amarildo. O Pelé saiu
do jogo. Essa foi onde?
B.B. – Em 1962.
E.S. – Suécia?
C.B. – Chile.
B.B. – Essa é do Chile.
E.S. – Que ele tomou uma e levantou; tomou duas... Os caras deram no meio
dele. E o juiz também, antigamente, os caras deixavam, não é? Entrou o Amarildo
porque o Amarildo foi o nosso grande [INAUDÍVEL] no Chile. Essa eu lembro muito
do Chile porque eu fiquei revoltado com essa situação que fizeram com o Pelé.
B.B. – Aí, teve 1966. O Brasil acabou não conquistando o tricampeonato nessa
oportunidade, embora com o favoritismo e todo mundo esperava - tinha essa grande
expectativa. Você continuou no Londrina, e aí conta-se que, num determinado jogo, o
João Saldanha, que foi ver o goleiro do Curitiba...
E.S. – Joel Mendes.
B.B. – Joel Mendes. Acabou...
E.S. – Falou: “Pô, quem é esse alemão, aí, que sai pra caramba e joga de luva?”
E já saiu uma reportagem: “Pô, eu gostei muito do goleiro Ado e não sei o quê.” O
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Saldanha falou. Eu falei: “Caramba.” Eu fiquei, realmente, emocionado. E
coincidentemente, nós fomos jogar contra o Fluminense e ele veio ver o Félix aqui. Era
a terceira partida minha, eu acho, no Corinthians; e ele estava presente. Aí, eu peguei
pênalti, peguei o inferno. Fui o melhor jogador em campo, ganhei a... Antigamente, a
gente ganhava umas televisõezinhas pequenas e rádio, os presentes dos melhores
jogadores em campo. E ele já avisou ao Coutinho para me avisar que eu estava
convocado. Ele me adorou, não é? Falou: “Pô, esse cara é o cara. Um goleiro europeu.”
Porque não se saía do gol antigamente, os goleiros eram todos estáticos e jogavam na
área pequena. Pô, eu falei: “Se eu posso pegar, tenho tamanho e altura, eu vou sair e
pegar a bola. Nada me impede de interceptar a bola dentro da área grande. Até lá, eu
posso ir.” E a gente podia reter muito a bola, antigamente. O goleiro trabalhava muito.
Teve um jogo contra o Palmeiras que nós ganhamos de 4 a 3, no Morumbi, eu perdi
quatro quilos. Por quê? O Zé jogava para mim e eu podia pegar a bola; ia até a outra
área, jogava; o cara devolvia para mim. Então, o goleiro trabalhava muito. Hoje, você
não pode mais fazer isso, não é? A gente era muito acionado.
B.B. – Quando você foi transferido para o Corinthians, que era o seu time do
coração, como é que foi isso? Você queria ir para o Corinthians? Foram eles que te
viram e quiseram te trazer?
E.S. – Ah, quando pintou uma proposta, não é? Porque o Corinthians foi jogar
em Londrina. Eu joguei muito bem e me mandaram vir. Eu, Lidu, o [Doublê15] e o
Djalma; e eu vim. Nossa, para mim, foi uma loucura. Eu falei: “Vocês estão brincando,
mas eu vou ver o que é isso. Vou lá ver. Eu quero ver.” E, quando eu cheguei, eu falei:
“Pô, não é nada de mais.” Jogar futebol, também, para quem tem o dom e para quem
gosta, não é nada de mais também, é gostoso. Só que eu não sabia da responsabilidade
que eu ter futuramente. Você nunca sabe, não é? Porque eu falei: “Eu vou jogar no
Corinthians, pô, aquele negócio.” Você nunca espera cobranças assim, tão fortes como
existe. Nossa, mas foi um sonho para mim. E, quando eu vi, eu falei: “Ah.” Eu vim para
cá porque, antes disso também... Olha, eu acho que era bom, porque me levaram para o
15Omaispróximodoquefoipossívelouvir.
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Santos. Tanto é que, depois, eu joguei três partidas pelo Santos. O Otto Glória... Eu
joguei na Portuguesa também. Eu estava parado e os caras me convidaram para jogar.
Mas os caras me levaram para o Santos; eu comecei a jogar ali; e eu ia e voltava de
carro todo dia....”Eu também não sei se vou ficar lá, eu vou ver se vai dar para mim...”
Já estava com um monte de operações também, com contusões. E deu um
engavetamento na Anchieta de cento e poucos carros, e eu estava no cento e dois ali. Eu
falei: “Eu não vou mais.” Tanto é que eu, até hoje, tenho lá a minha placa - eu joguei
partidas pelo Santos. E, antes disso, também, tinham me levado para lá. Eu fiquei dois
meses...
C.B. – Antes de ir para o Corinthians?
E.S. – De ir para o Corinthians. Eu tinha dezessete anos e me levaram para o
Santos. Aí, eu estava... Pô, jogava o Gilmar, Cláudio, Lalá, tinha... O Santos tinha cinco,
ou seis goleiros, e eu falei: “Pô, o que eu estou fazendo?” Eu cheguei: “Não. Eu quero ir
embora.” Voltei para Londrina. Fiquei no Vasco, o presidente era Agartino Gomes.
Andrada era o titular; jogava o Toninho, que foi do Juventus para lá; o Alex... Não. O
Alex jogou no América. Jogava o Brito, Fontana... Pô, eu morava na [INAUDÍVEL], eu
não vou lá no campo do Vasco. Eu falei: “Eu vou embora também. Eu não quero ficar
aqui.” [risos] Eu não podia sair lá, fora, porque os caras: “Cuidado com a barreira do
Vasco.” Eu era moleque e falei: “Está bom.” Aquilo, lá, eu não sei se era problema, não
é?
B.B. – Era problema.
E.S. – Aí, eu falei: “Ah.” Eu acho que estava meio desiludido. Quando veio o
Corinthians jogar, eu joguei bem e os caras: “Manda buscar.” Eu falei: “É a última que
eu vou tentar.” Eu tinha tentado. Aí, apareceu também, antes do Londrina, a Ferroviária
de Araraquara – queriam que eu fosse, lá, fazer teste. Eu falei: “Para Araraquara eu não
faço teste.” Porque era um time igual ao Londrina. Se quer me contratar, contrate. O
Corinthians, eu me sujeitei a seis meses de empréstimo. Aí, com três meses... É gozado
porque, quando eu estourei no Corinthians, o Santos foi lá para depositar o dinheiro,
queria me comprar porque o Gilmar estava parando e tudo mais. O Corinthians foi lá e
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pumba, pagou, porque tinha a opção do meu passe, não é? Era assim, o negócio
antigamente. Chicote nos caras.
B.B. – Quem era o goleiro quando você chegou no Corinthians?
E.S. – Lula. Lula, goleiro da Seleção, ele e o Cláudio. Foram para as
eliminatórias, Lula e Diogo. Lula, Diogo, Alexandre e Armando. Quatro goleiros.
B.B. – Como que é ser recebido?
E.S. – Ah, os caras olham para você, não é? [risos] É gozado, não? Existe um
bairrismo, no Atlético Mineiro eu não fui muito bem aceito, existe bairrismo. Os caras
me olharam torto e ninguém gostava de fazer amizade. No Corinthians foi a sorte
porque eu conheci logo o Riva, ele simpatizou comigo. Falou: “Pô, quem é esse
cabeludo aí?” Tinha a época dos Beatles e a gente andava meio cabeludo. Eu cheguei
com o fusca, tinha um bilboquê no câmbio e ele falou: “Eu vou jogar esse fusca dentro
do Rio.” Aí já começou aquele negócio. O Tietê era atrás. Foi a sorte, senão, eu acho
que tinha até desiludido também viu. Foi o impulso que me deu, foi o Riva. Mas todo
mundo te olha no vestiário, quando vai se trocar. O Dino Sani falou: “Pô, você trouxe
chuteira?” Eu estava com ela debaixo do braço; um chuteirão que parecia um sapo,
[risos] toda torta. Eu falei: “Pô.” Mas nós não tínhamos material esportivo, antigamente,
bom. A chuteira nossa era... Só existia uma, não é? Nós começamos a usar Adidas, ou
Puma, em 1970. Era, acho que Pênalti. E o tio passava sebo na chuteira para... Estava
dura e dava para o juvenil amaciar para a gente. Os moleques saíam com os pés cheios
de bolhas. Diziam: “Tio, essa chuteira está me matando.” Eu falava: “É para amaciar
para mim.” Aí dava. [risos] Não tinha essa técnica de material esportivo tão bom. Mas o
pessoal, quando chega em clubes assim, todo mundo olha com desconfiança, não é? Pô,
mais um? Os goleiros, então, te olham torto; mas, depois, vêm fazendo amizade. Eu
sempre fui muito simpático, brincando... Então, eu consegui. E de repente, eu, e por
grande ajuda de um técnico - o técnico que vale muito nisso, nessa hora -, o Dino Sani,
gostava muito de mim porque eu treinava muito e era muito dedicado. Ele falou: “Pô, eu
vou levar esse cara nas viagens.
C.B. – Tinham muitos treinos?
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E.S. – Cedo e à tarde que já começava na época...
C.B. – Todos os dias?
E.S. – Todos os dias. Era assim, a nossa rotina: segunda era folga, a gente ia,
lá, fazer exames médicos – fazer uma banheira e tal; terça treinava e concentrava - era
difícil porque já treinava à tarde... Terça era um treino só, à tarde coletivo ou, às vezes,
dava um treino tático para ver como é que ia jogar o time; quarta jogava; quinta tinha
que se apresentar, lá, para fazer exames médicos e não sei o quê - quem estava bem, ia
dar umas voltas no campo; sexta-feira full times, cedo e à tarde para os caras não saírem
à noite e nada; sábado treinava cedo e já ia para a concentração. Quer dizer, era meio...
É preso, bem preso.
C.B. – E aí no domingo, jogo.
E.S. – Domingo jogo.
C.B. – Durante a semana não tinha?
E.S. – “Domingo, espere aí porque, hoje, tem futebol.” [risos]
C.B. – Durante a semana tinha jogo?
E.S. – Jogo, jogo, jogo... Jogava em tudo que era lugar. Jogava em Manaus,
Rio Branco e não sei o quê. Era uma loucura. Viajava muito; muito sufoco em
aeroporto; contusões; faziam gelo dentro do avião. Eu não sei se os caras fazem hoje,
esse troço. Uma coisa de louco. Esses puta aviãozão, aquele Real, eles davam cada
rasante. Não vê esses caras que foram nas copas do mundo, tem uma copa que foram de
navio, pô.
B.B. – Em 1938. É.
E.S. – Não é? É uma coisa uma coisa absurda. E aqueles aviões, tinham os
Constelation com duas hélices. Hoje, não voa mais porque... Nem na época voava ali.
[risos] Isso é coisa de louco, sabe? Nossa. O mundo melhorou bastante.
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B.B. – E essa cobertura da imprensa, já existia um meio de comunicação
assediando o jogador?
E.S. – Sabe o que é? Eu tive, um dia, com o pessoal da Globo aí - eu sempre
saio com os caras de moto - e eu encontrei com o uns amigos aí. Você sabe que, hoje,
você não pode denegrir a imagem do jogador porque ele é patrocinado. Você,
denegrindo a imagem do jogador, automaticamente está se queimando com o patrocínio,
não é? O negócio é que não tinha patrocínio meu, os caras metiam o ferro na gente e era
só crítica. Ai se você tomasse um gol. E teve, certa vez, que o... Eu joguei num domingo
e, domingo à noite, aquela mesa redonda. Me convidaram e eu falei: “Está bom. Está
bom.” Saímos, jogamos e eu, à noite, fui para um... Sei lá, festa; ou casamento. Esqueci.
Pô, os caras deixaram a cadeira, “porque é um irresponsável, é um moleque e que não
sei o quê.” Os caras não arranjaram um jeito de contornar? Eu esqueci, meu. Quando é o
jogo, e a nossa adrenalina, você não consegue dormir. Você sabia disso? Você joga no
domingo à tarde, e você vai dormir três, ou quatro, horas da manhã. Você está tão
agitado - tão nervoso - depende do jogo, não é? E esses caras deixaram a cadeira lá,
“que é um irresponsável porque o Ado não sei o quê; que é um mulherengo; quee só
vive boate.” Criaram uma imagem... “Que bebe.” E tinha um tal de Ântônio Guzman
que colocava na coluna que eu bebia pinga. “Pô, eu não gosto de pinga. Eu tomo uísque,
meu.” Eu falava. [risos] Ele ficava mais louco ainda. Quer dizer, essas imagens, para o
público... Denegriam muito a sua imagem; e foi um dos motivos. Eles pegavam meu pé
pra caramba, “aí, Ado, e não sei o quê? Vagabundo. Vai dormir. Está bêbado?” Pô, eu
não bebia e nem bebo. Até hoje eu não bebo.
B.B. – E isso refletia, também, na postura da torcida sobre os jogadores?
E.S. – Ah, mas lógico, não é? A torcida vaiando. Cara que está lá, dentro, o
cara acha que é para o time em geral, não é? Abate. Eu gostava de jogar mais fora para
não ter nenhuma... Não ser repreendido pela torcida, ou ter alguma gracinha. É o que eu
te falei: [INAUDÍVEL] nós, jogamos um jogo contra o Juventus, Campeonato Paulista.
O time estava bem e não sei o quê. Nós jogamos noventa mimnutos, oitenta e nove
minutos jogando em cima dos caras; batendo, batendo e a bola não entrava. O goleirão,
um tal de Miguel, pegando tudo. Numa escapada que deu, um tal de Luiz Antônio
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pegou a bola e deu uma varada. Pegou no ângulo. Aí, os caras chegaram: “Porra, a única
que vai no gol, você toma?” Para sair do Pacaembu, nós saímos três horas depois
porque os caras vieram... Veio a Cavalaria. A gente passava no meio dos guardas que
ficavam assim, e eles arrancavam o cabelo da gente. É um inferno. Era coisa de louco,
gera muita cobrança. Eu prefiro jogar fora. Agora, você sendo vaiado, até o próprio time
sente, “Ado, não esquenta não.” Esquentar, pô. Eu estou lá, quero ganhar o jogo, não é?
B.B. – Mas tinha, também, essa sensação de “poxa, eu jogo no Corinthians, a
torcida gosta de mim.” Você sentia, também, essa...
E.S. – Ah, sentia.
E.S. – Esse carinho.
E.S. – Os caras me amavam. Nossa. No começo, me amavam. Agora, nem
sempre. Eu joguei, em 1974, quando nós saímos - eu, o Riva e mais um monte. Ficou só
o Zé Maria e o Wladimir. Eu fui Campeão do primeiro turno, eu tomei um gol do
Valtinho. Foi, sei lá, dez partidas sem tomar gol, ou oito. Isso, aí, eu não sei se está nos
anais. O Valtinho da Ponte Preta... Não, minto, desculpa. Eu tomei mais, eu tomei um
do Sócrates, também, no Parque São Jorge, porque inventaram um jogo lá. No parque
São Jorge que pegaram o juiz e foi uma loucura. Vetaram o campo. E... Puta, eu perdi o
que eu ia falar. Vocês vão cortar, depois, não é?
C.B. – Sim.
E.S. - Qual era a pergunta mesmo?
C.B. – Você estava falando do carinho da torcida...
E.S. – Ah, nossa. Era querido.
C.B. – E, aí, você ia citar alguma história de 1974.
E.S. – É.
B.B. – O time saiu e você saiu com o Riva. Ficaram dois.
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E.S. – É. Está bom. [INAUDÍVEL] Eu fui campeão do primeiro turno todo.
Peguei pra caramba... Eu fiz um campeonato maravilhoso. Eu falei: “Puta, eu vou
arrebentar.” Eu queria ir para a Copa e não sei o quê – voltar a ser convocado. Aí, nesse
jogo... [pausa] [riso]
B.B. – Era a questão da cobrança dos dez jogos sem levar gols.
E.S. – É. Aí eu [operei no jogo16]. Eu não tive culpa nenhuma. Eu fui campeão
do primeiro turno... Antigamente, era campeão do primeiro turno e campeão do
segundo; o campeão do primeiro jogava contra o campeão do segundo. Eu operei o
joelho, e estava voltando. Eu fiquei no banco, no jogo do Morumbi, porque eu estava
com o joelho ainda atrofiado, com as pernas atrofiadas, e eu falei: “Não vou jogar.”
Estava jogando o Buttice, que era o um argentino. Eu falei: “Não. Joga o Buttice porque
ele está melhor, eu não estou em forma ainda. Vou ficar no banco porque eu quero ser
campeão.” Eu joguei o primeiro turno todo, não é? Eu não tive culpa. Tanto é que eu fui
mandado embora. Ele falou: “Ado, procura time porque a torcida não aceita nem você,
nem Riva e nem porra nenhuma.” Só ficou o Zé Maria e o Wladimir. Quer dizer, é
esquisito. Eu me senti assim, puta. Eu falei: “Acabou o futebol para mim.” Eu perdi o
interesse para a bola. Eu só andei, depois, para completar o meu ciclo - é verdade.
Senão, eu tinha parado aqui mesmo, não é? Porque, a hora em que você para de jogar
bola, te dá um branco, às vezes, “puta e agora?” Eu, já casado, com três filhos. A gente
sempre tem... Guarda um pouco para a gente, não é? Sabendo que pode acontecer
alguma coisa. E o Corinthians estava tumultuado... Eu passei aquela época de vinte anos
sem ser campeão. Nossa, pesava muito, isso. A gente queria ser de qualquer jeito.
Vontade nossa não faltava, mas sabe o que acontece? Os outros times eram melhores do
que nós. Eram muito melhores. E nós tínhamos um tínhamos um time bom, mas os
caras eram melhores. Então, eu fiquei ofendido. Eu falei: “Puta e agora? Eu vou sair do
Corinthians. Qual é o time que vai me motivar para jogar agora?” Só andei rodando por
aí, mas eu parava, largava e ia embora. Eu, quando tinha pizzaria, fui para... O Nabi ia
muito comer lá, na pizzaria em frente ao Palmeiras, na Av. Antártica; e ele me convidou
16Omaispróximodoquefoipossívelouvir.
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para ser técnico e jogar no Bragantino. Eu ia lá, jogava domingo e voltava. Eu fiz um
gol de lado a lado lá, no jogo contra o Palmeiras de Boa Vista, da divisão intermediária.
E eu fiquei decepcionado dessa vez. O nosso time ascendeu, eu mandei contratar o
Miranda, que era um lateral direito; tinha o Lázaro; e um tal de Carlos [Rance17], que
era um canhoto muito bom – jogava em Ribeirão Preto. Montei um time legal e o nosso
time começou, pá-pá, campeão da Intermediária. Chegou de a gente decidir com o Saad,
ele me chamou lá, na Federação Paulista - ele era presidente da Federação Paulista – ele
falou: “Está bom. Legal. O time ascendeu, mas só que não vai subir esse ano.” Eu Falei:
“O quê?” “Não vai subir. Vai subir o SAAD” Sei lá. Eu falei: “Por quê?” “Não. Não sei.
Eu vi...” Aí, eu comecei a sentir que tinha esquema na segundona, sabe? Eu falei: “Eu
estou fora, então. Até logo e obrigado.” Eu nunca mais fui ao Bragança.” Aí, pô, não
tem nexo, isso. E não tinha, não existe para nós o negócio de entregar jogo. Não existia,
nunca existiu e eu nunca tive proposta nenhuma, como teve escândalos aí, de jogador
amolecer. Não existe dentro do futebol, isso. Pode ocorrer por fora, não é? Mas, dentro
do nosso grupo, não. E eu fiquei chateado com essa decisão do presidente da Federação,
o Nabi. Eu falei: “Não. Estou fora. Então, eu não vou treinar mais o time.” Entreguei e
não voltei mais para lá. No meu contrato, eu acho, que está até lá, o último contrato; o
passe está preso lá, no Bragantino.
B.B. – Foi o fim da sua carreira.
E.S. – Fim. Aí, eu encerrei. Aí, vim para a seleção de masters, não é? É legal
porque eu era... Cara faz falta. Até hoje, eu sou sincero, eu não sei... Parece que
domingo à tarde falta alguma coisa para mim. Eu gostaria de voltar em campo. Tomara
que melhore, aí, o nível [INAUDÍVEL], porque eu tive uma experiência muito drástica.
Eu estou, ali, com as quadras de futebol em Alphaville, eu tenho escolinha, não é? E o
Barueri, quando subiu, me convidaram – eu conheço muito o Furlan18, o prefeito ali e
ele mandou me convidar. Então, era um jogo de convite, um jogo em que o Barueri
podia até perder que ia subir de qualquer jeito. Então, era um convite e tal. Eu cheguei
17Omaispróximodoquefoipossívelouvir.
18RubensFurlan,prefeitodeBarueri.
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na portaria do Pacaembu lá, em cima, com o meu convite na mão; gente pra caramba,
aquele tumulto. Eu fui “dá licença,dá licença...” De repente, surge a polícia soltando
foguete e gás lacrimogêneo porque deu... Ah, eu saí com os olhos esbugalhados. Eu
falei: “nunca mais vou em campo”; e faz, já, dez anos que eu não vou em campo.
Agora, eu gostaria de, amanhã, trazer meu neto; eu vou começar a levar. Parece que está
melhorando aí; tomara que esse pessoal, aí, sossegue a bola. Tem que ser que nem na
nossa época, a torcida tem que cobrar do jogador, do clube; mas, jamais, partir para a
violência, não é? Tem que partir para uma cobrança de clube; porque, aí, você está
prejudicando milhões de gente, você está machucando crianças, estão machucando não
sei o quê, estão se matando. Não precisa disso. O futebol é muito bonito para ter essas
coisas feias que a gente vê nos campos aí, não é?
B.B. – Talvez, até, você lembre dessa época, a líder da torcida do Corinthians
era a Tia Elisa.
E.S. – Elisa. Era. A Elisa é quem era a nossa talismã, não é? Era uma senhora
bem de idade. Mas, olha, existia já os Gaviões, já tinham cobranças; mas não tinha essa
loucura, não é? Parece que virou religião... Tudo bem [é religião]19 aquele jogo, mas
não precisa ser fanático. Perder? E tinha gozação: “Eu gostaria de vir amanhã e tomar
até uma cervejinha no campo.” Olha, não existe coisa melhor do que você ver uma
partida de futebol. Isso dá até música, não é? É muito legal. Eu acho que empolga; é
emocionante. Domingo, à tarde, eu fico na televisão vendo os meus jogos.
[INAUDÍVEL] porque em campo é outra história, é outro ambiente, é outra coisa. É
muito gostoso. É um programa, não é? Um domingo, à tarde... Nossa, é um dia que você
está meio que se preparando para segunda-feira, e você vê uma partida de futebol... Eu
vou começar a vir, vou trazer o meu neto - que é corintiano – e eu vou começar
participar novamente. Mas eu gostaria... Gostaria e gosto, não é? Domingo, à tarde, eu
sinto falta hoje em dia ainda, de ir num domingo à tarde. Eu sinto que alguma coisa falta
em mim porque eu joguei bola durante vinte e dois anos profissional, muito tempo, em
toda a minha carreira. E eu joguei mais um monte com os veteranos também, não é? Foi
19Trechodedifícilcompreensão
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a minha vida, foi minha vida, o futebol foi a minha vida. Eu acho que a maioria dos
jogadores foi a vida. Pena que vestibular, passa e forma; e, com trinta e três anos, tem
que parar de jogar bola. É uma profissão meio ingrata. Mas eu podia ter seguido de
técnico e tive até propostas. Na época do Bragantino eu não quis, porque é puxado. Para
você ser treinador, é difícil cara. Você tem que tomar conta de vinte e dois jogadores; ou
mais, quando é um elenco, uns trinta. Tem que ser um psicólogo, pai, tem que ser o
primeiro a estar em campo e não sei o quê. Eu falei: “Ah, não. Eu cansei e eu não vou
ser técnico.”
B.B. – Em algum momento, a carreira no exterior, fora do Brasil, apareceu?
E.S. – Não tinha essa opção.
B.B. – Não...
E.S. – Não tinha. Eu nunca tive propostas. Só o Pelé, quando foi para o
Cosmos; e eu estava brigando com o Yustrich, aí, e ele falou: “Eu gostaria de levar
jogadores experientes como o Ado e alguns mais.” Eu não fui procurá-lo. Mas, também,
Estados Unidos, não vingou o futebol, lá. Não tínhamos propostas; ninguém saía do
Brasil na nossa época, não é? Só o Riva foi, depois, para a Arábia. Assim mesmo,
esconderam ele, não foi para a Arábia. Longe pra caramba. Não, mas tinha. Teve... O
Luiz Pereira foi para o Real Madrid, não é? Acho que foi na época. Teve alguns
jogadores que foram, mas era muito difícil. Não existia esse intercâmbio, essa opção
para a gente. Como hoje o Doni está lá, o Julio César...
B.B. – É. Muitos foram como técnicos. Encerraram a carreira e, depois, se
tornaram...
E.S. – O Jair da Costa e Aloísio. É. O Aloísio foi como técnico. Não tínhamos
nada, nada; não tínhamos essas propostas, não existia isso.
B.B. – Então, em 1969, você chega no Corinthians; toma a posição do Lula; se
torna titular; se afirma no clube; e como é que foi essa chegada à Seleção Brasileira? A
convocação, em que contexto você foi chamado?
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E.S. – Foi rápido. Eu cheguei em Julho de 1969 e , em dezembro, eu estava
convocado. Nessa passagem, aí, eu joguei algumas partidas - três, quatro ou cinco – no
Campeonato Nacional, onde eu me destaquei em todas – inclusive contra o Fluminense,
aqui. E ainda fomos jogar um torneio no Uruguai; eu fui jogar lá e, pô, os goleiros lá,
foi uma das coisas que eu comecei a observar. Jogava o Mazurkiewicz; o Manga no
Nacional; o Estrela Vermelha da Rússia; e eu fui tido como o melhor goleiro dessa
Copa. E o Coutinho foi me observar. No hotel, ele chegou assim: “Você está convocado
para se apresentar na CBD lá, no Rio...”
B.B. – O Coutinho...
E.S. – Cláudio Coutinho.
B.B. – Claúdio Coutinho.
E.S – Ele era supervisor na época.
B.B. – Já era supervisor.
E.S. - “Tem que se apresentar no Rio tal dia.” Eu olhei para o lado e do meu
lado estava o Solange Bibas, ele um repórter do jornal Gazeta Esportiva. Ele falou: “O
que você está olhando para mim?” Eu falei: “É verdade o que ele está falando?” [risos]
Ele falou: “É! E continua usando meias porque você gosta de usar meias.” Ele falou
para mim. O jogador era meio esculhambado, na época né. [riso] Foi gozado, eu nunca
me esqueço das coisas; e têm particularidades, assim. Eu não acreditei. Eu falei: “Pô,
esse cara está brincando comigo.” Eu não conhecia o Coutinho, não conhecia o Parreira,
Chirol, eu não conhecia ninguém. Nada. Era cru, assim, futebol. Mas eu tinha,
realmente, uma amizade muito grande com o Riva; foi um cara que me ajudou muito, eu
sou sincero. Eu andei dez anos brigado com ele, porque ele meio marrudo, mas agora eu
voltei à amizade e estou dando bola para ele. Mas é um cara que me ajudou muito
assim. Nas épocas ruins, não é? E até nesse jogo contra o Palmeiras, que nós perdemos
o campeonato, em 1974, eu estava o ônibus desceu perto de casa, eu morava no jardim
Paulistano. Eu Falei: “Vem cá, eu te levar embora. Aí levei o Riva embora. Porque a
torcida queria pegar a gente. Eu, nem tanto... Mas eu também, ia sobrar para mim, lá,
porque o Riva... O Riva, nesse jogo, jogou muito mal. Não é porque ele jogou mal, o
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técnico mandou ele ficar atrás e meter para o Paulo Borges, só na corrida. Pô, o
Palmeiras se trancou ali, vieram tocando e acabaram com a gente. E culparam ele, não
é? Só ele. Ele era um jogador excepcional.
B.B. – Você falou das equipes, adversários fortes, Ademir da Guia... Tinha.
E.S. – Nossa. O Palmeiras era tida como a Academia, na época, não é? Era
muito forte. O Luis Pereira, Eurico, Zeca, Ademir da Guia, Dudu, César, Leivinha... Era
um timaço. O Palmeiras era um timaço. Cadenciado.
B.B. – Mas conta para a gente, então, esse período da Seleção Brasileira, as
partidas que você jogou, o que você lembra da copa. Tudo.
C.B. – Preparação.
E.S. – Aí, fomos convocados, eu me apresentei no Rio, não é? Exames médicos
fizemos tudo. O médico... Deixe eu lembrar dele, ele faleceu agora. Eu acho que era...
B.B. – Teve o Hilton Gosling, que era médico em 1958 – antes.
E.S. – Não. O Depois.
B.B. – O Lídio Toledo.
E.S. – Lídio Toledo. Lídio, ele era muito legal, eu gostava dele pra caramba.
“[INAUDÍVEL]” Eu inteirinho, não tinha nada. Era sarado, não é? Eu vim do Paraná
com... Não tinha nem um dedinho quebrado. Aí, começamos a treinar que nem louco
em Itanhangá e que não sei o quê, e pa-pa-pá. Treino... Eu e o Leão, era uma briga
ferrenha. Aí, teve um episódio em que... Em 1970, nós passamos por uma repressão
aqui, no Brasil, não é? Era o militarismo. E o Saldanha, ele era muito marrudo; ele era
da esquerda; e teve um tempo que o Médici, o presidente, queria que ele levasse o Dario
– opinando. Porque, antigamente, tinha muito opinião, tudo mundo opinava. Ele falou:
“Eu não vou levar. O senhor cuida dos seus ministros que eu cuido dos meus
jogadores.” Pô, foi a decadência dele. Caiu. Realmente caiu e, aí, foi convocado o
Zagallo.
C.B. – Ado, só uma pausa.
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[INTERRUPÇÃO DE GRAVAÇÃO]
B.B. – Copa de 1970, e o senhor estava falando do médico Lídio Toledo.
E.S. – Ele chegou lá e falou: “Manda o Ado vir para mim porque eu quero
fazer um exame nele.” [INAUDÍVEL]. Ele falou: “Quem é esse alemão aí?” Me liberou
para os treinos. Aí, começamos a treinar e fomos, então, para Itanhangá. O Cabrito20
falou, agora, do pão de Açúcar. Eu não sei, eu acho que nós fomos para o Itanhangá.
Itanhangá era um retiro de padres na Barra, porque a Barra era deserta, não tinha nada.
Era lá, em cima, e nós ficamos confinados. Aconteceu esse problema do Saldanha com
o Médici; e treinando, treinando, treinando. O Saldanha caiu e entrou o Zagallo. O
Zagallo, a primeira coisa que ele fez, ele falou: “Eu vou colocar um goleiro porque eu
acho que esses dois, aí, vão pipocar. São muito garotos.” Nós ficamos quietos, não é?
Eu falei: “Tudo bem, ele é o técnico.” O Zagallo já tinha um histórico muito forte, não
é? Era campeão do mundo várias vezes. E ficou aquela disputa ferrenha. Eu joguei
várias partidas, eu joguei contra a seleção de Manaus; joguei contra a Áustria, que nós
fomos vaiados porque, eu acho, o Zagallo deixou o Pelé de fora e colocou o Paulo Cesar
Caju de centroavante. Zero a zero, eu peguei pra caramba, não é? Foi um jogo bom. Eu
não sei se é a Áustria, eu não me recordo da seleção. E joguei vários amistosos. Aí,
partimos para o México, fomos, lá, para Guadalajara completar o nosso treinamento; e
depois, subimos para Guanajuato, onde era um lugar em que a altitude era bem maior.
Naquilo, a gente fazia amistosos, não é? Eu joguei contra a... O último jogo foi contra a
seleção de Guarajuato, e eu falei: “Eu acho que vou ser o jogador. Eu acho que vou ser
o titular.” Eu estava muito bem, cara. Até eu brinco, às vezes, com o Félix: “Olha, se eu
jogo essa Copa do Mundo, eu ia ser o único goleiro invicto em copas do mundo.” [risos]
“Ele quer morrer!” Então, nós estávamos muito preparados, mas o Zagallo optou por
ele. Grande Félix, não é? Foi um excepcional goleiro. Contra a Inglaterra, ele pegou
tudo, não é? E eu fiquei no banco em todos os jogos, era o reserva imediato. Contra a
Inglaterra, teve um lance até que ele tomou uma patada do centroavante da... Eu não me
recordo se o Bobby Charlton, ou Bobby Moore, da Inglaterra. Até ele fez assim, porque
20Umcolegadoentrevistadoqueestavapresente.
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ele estava no chão estrebuchando ali e aquele negócio – a pancada foi forte. E eu me
aqueci em jogo; eu falei: “Poxa, eu vou entrar.” Mas ele acabou se recuperando e eu não
entrei. E no último jogo, também - tanto é que o Félix é o meu grande amigo – contra a
Itália, estava 4 a 1; ele olhou para o banco... Aí, o Zagallo falou: “Eu não vou te colocar
agora porque, se eu te colocar agora, quem vai ser campeão do mundo é aquele que
termina o jogo. Então, deixe o Félix lá.” Eu falei: “Está bom.” Eu era garoto também e
falei: “Bom, tem a Copa seguinte e tem a outra.” Mas, aí, vieram os meus problemas
físicos, não é? As minhas contusões que... O jogador, é o que eu falo, tem que
aproveitar o momento. Às vezes, você faz um planejamento e, por contusões assim,
você é desalijado de partidas, de jogos, de campeonatos e de almejar alguma coisa
maior.
B.B. – E nesses amistosos, ainda dessa fase, antes de ir para o México, como
que era, no Maracanã, jogar pela Seleção Brasileira? Era, para você, uma coisa especial,
ou já tinha entrado numa rotina para você?
E.S. – Poxa, às vezes, eu me pergunto, hoje, com a idade que eu tenho, eu falo:
“Poxa, o que eu fiz?” Eu não sei se teria coragem, hoje, de fazer; mas a gente é jovem.
Você é impetuoso; você não quer nem saber; você quer arregaçar tudo; você quer sair
para o jogo; você não pensa; você é inconseqüente, eu acho. Eu sempre falo, às vezes, o
jogador é bom quando ele é solteiro, quando ele não tem nenhuma responsabilidade, aí
ele é uma luva – é um cara que não tem zona. Depois que você casa, você já começa a
ter responsabilidade, e não pode ter muita. Você tem que ser... Se você é um craque
como foi o Mané, que eu convivi com ele um tempo, um jogador excepcional... Se você
dá liberdade para eles, eles são criativos, o negócio flui - a bola flui. A tua competência,
às vezes, flui. Se você tem muita responsabilidade, “pô, eu preciso ganhar para ganhar
dinheiro, pro bicho para as crianças e que não sei o quê.” Pô, já pode... É uma
responsabilidade a mais, não é? Então, isso não é bom. O bom é... Então, eu não
pensava nessas coisas. “Nossa, eu tenho que jogar. Eu quero jogar, jogar.” Torcia para
chegar a hora do jogo. Eu falava até para o Yustrich, às vezes, ele gostava de me
arrebentar nos treinos, eu falava: “O senhor não vai jogar, quem vai jogar sou eu. O
senhor quer me arrebentar aqui? Vou entrar cansado. Muita água mata a planta.” Eu
falava para ele. Eu falei: “Pô, vai devagar. Você não vai jogar domingo, quem vai jogar
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sou eu.” Mas ele me dava cada pau. E goleiro tem que treinar muito, não é? Porque toda
bola é diferente. Não existe uma bola que vem igual, não é? Então, a gente pensava só
em vencer, vencer e vencer. Você é trabalhado para isso, você treina para isso. Você
treina para defender, você treina para dar satisfação para a torcida, você ser ovacionado,
é o nosso Oscar. Acabar [INAUDÍVEL] e você ganha uma partida, você é um deus –
você se sente deus. Então, a gente pensava só nisso e não tinha nenhuma preocupação
com família – não tinha, não era casado. Não tinha nada. Eu queria concentrar, jogar e
me sentir feliz. E orgulhoso, não é? Porque é um orgulho sair de uma partida de
futebol... Poxa, um campeonato, nunca esquece. Hoje, está melhorando tanto, o futebol,
não é? A gente vê esse pessoal jogando, eles tinham que levar com mais vontade,
porque é muito legal, fica na história, cara. Fica na história do clube. O dia em que você
morrer, você vai ter uma notícia no jornal; não vai morrer no ostracismo, não é? [risos]
É muito legal, é um orgulho.
B.B. - Você fez esse comentário do contexto da época, dos militares, do Médici
– que até, um pouco, contribuiu para a saída do João Saldanha. Você sentiu isso na
comissão, no grupo que foi de dirigentes?
E.S. – Ah, eu senti isso. Eu senti e falei: “O negócio vai complicar.” Eu sou
muito amigo do Leão, também, não é? Eu falei: “Eu acho que os caras vão optar por um
jogador...” Eu sempre tive... Tive não. As referências antigas são de que goleiro tem que
ser experiente. Eu falei: “Nós vamos sambar.” Isso que eu falei para o Leão. Ele falou:
“Não. Vamos tocando.” Mas o Zagallo foi muito maneiro, já existia o negócio de levar
três goleiros, não é? Eu falei: “Está bom.” Mas aconteceu um problema com o Leão
também que, eu estava jogando em dois amistosos seguidos e ele falou: “Agora é a
minha vez.” Existia o revezamento - era uma eu, uma o Félix e uma o Leão; e eu joguei
duas seguidas, eu não sei porque o Zagallo encarnou. O Leão foi no Zagallo e falou:
“Agora é a minha vez.” E ele falou: “Eu ponho quem eu quiser.” Para não dar satisfação
para ele. Foi... Queimou. Tanto é que o Leão foi cortado aqui. Ele só foi re-convocado,
no México, em 1970, porque o Rogério – o ponta-direita – machucou. Teve uma
contusão que ele não iria se recuperar, então, ele ficou como olheiro nosso e o Leão foi
re-convocado. Essa foi a história do Leão e da época. Porque eu sabia que algum de nós
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ia sair, então, era uma luta nossa. O treino acabava às quatro, e a gente ficava até às seis
horas treinando para impressionar o técnico, aprimorar ou fazer qualquer coisa, não é?
B.B. – E desse ponto de vista da organização? Porque tinha a CBD, que era o
brigadeiro Jerônimo Bastos...
E.S. – Ah, tudo militar.
B.B. – E tinha o Eloy Menezes.
E.S. – O Coutinho também era milico; o Chirol, se eu não me engano, eu acho
que era milico. E nós, quando fomos para o México, tivemos que parar em Brasília, não
é? Aí... Não digo que nós tomamos dura, mas nos foi assim, passado uma
responsabilidade de apaziguar situações e tal. Seria bom se nós déssemos tudo que nós
tínhamos para ganhar esse campeonato. É, nós já sabíamos, nós queríamos ganhar. O
time, um potencial nosso, não é? Mas nós tivemos, assim, um convite a ser campeões
para amenizar a situação do país. Porque estava nervosa, não é? Estava nervosa por
causa do militarismo etc. E quando voltamos do México, paramos em Brasília também;
recebemos agradecimentos e tal. Foi um regime muito rígido, estava o Jerônimo, o
brigadeiro que era o chefe da delegação; a concentração nossa era toda fechada - não
tinha acesso nenhum ao público - com madeiras, eu não sei. Nós não podíamos ver. A
gente queria olhar para fora, tinha que rasgar uns troços, lá, ou olhar de cima do saguão
do hotel. Foi muito bem elaborado; eu acho que foi legal, apesar do sistema ser meio
rígido, mas foi muito bem feito porque você não pode muita liberdade para o
jogador também – o convívio muito junto com a torcida. Tem que isolar. Fomos
isolados, ficamos treinando que nem loucos dia e noite, todos. O Pelé puxava fila,
Gérson... Eu estou dando risada porque o Gérson tem uma brincadeira gozada. Nos
treinamentos, então, tinha aquele negócio de bater para o gol, pá, chute; e o Gérson
nunca foi de chutar forte, o Gérson metia onde queria. E, nos treinos, eu falava: “Chuta
sem. Se eu tomar um de fora da área, eu te pago um jantar, pago tequila... O que você
quiser aí.” Ele vinha e eu falava: “Eu vou tirar de bunda.” Eu pumba. Ele ficava louco.
[risos] Ele, quando fez o terceiro, segundo gol no México, contra a Itália... O Gérson fez
o quarto. Não, o quarto foi o Carlos Alberto. O Gérson [INAUDÍVEL] eu acho que foi
o segundo gol, o do Gérson, ele correu para o banco me xingando “Aí, filha...” Porque
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ele pegou de fora da área do goleiro. Ele veio gritando, “Aí, danado!” Xingando. Eu
falei: “Boa para pagar.” Entrei no campo, e tomei tanta dura, “você não pode entrar no
campo.” Eu falei: “Dane-se.”
B.B. – Tem imagem de você entrando no campo?
E.S. – Tem essa imagem. A minha camisa era doze, não é? Eu tenho guardada.
Muito legal.
B.B. – Você reviu muitas vezes?
E.S. – Nossa. Eu dou risada, porque era muito gozado. Ele não chutava bem e,
essa bola, ele pegou na veia; pegou uma pancada. E, talvez, era ir treinar, não é? Os
caras falam assim... Tem gente que fala que a reserva era a baba. Ele falava: “Baba, a
baba quer complicara a gente.” A baba sempre ganhava do time titular porque os caras
queriam aparecer, não é? Sabe quem não aparecia? O Pelé. Ele sabia que ia jogar.
Ninguém... O Tostão. O time estava definido, mas rebarba dava coro. Eles batiam, às
vezes. Eu não digo... Mas chegavam duro. Um dos motivos, também, por isso que eu
falo... Eu também me considero um campeão do mundo. Apesar de não ter jogado
nenhuma, além de estar junto com eles, talvez eu motivei mais aqueles que estavam lá,
não é? Se aprimorar, juntos, de lutar, objetivos. Dentro do vestiário, a gente se une na
hora de “vamos lá e tal.” Dar aquela moral. Saber que tem um cara lá, fora, que gosta de
você. Isso é importante, também. Não pode ter rivalidades em clube, nem entre
jogadores. Tem que ter uma turma coesa, assim, que luta pelos objetivos, não é? A
gente tinha isso, acabava o jogo e todo mundo ia para o vestiário, não tinha esse negócio
de ficar batendo bolinha. “[INAUDÍVEL], quer que eu te ajude?” Fazia massagem...
“Te ajudo.” Era legal, isso. Era um espírito, não é? É Seleção.
B.B. – E qual era a seleção que vocês mais temiam? Como é que foi, jogo a
jogo, na sua lembrança.
E.S. – A pior seleção nossa... Bom, nós tivemos problemas com o Peru, não é?
O Peru fez acho que foi 1 a 0, e o Didi fez uma onda muito grande - ele era o técnico. O
Didi acho que era o pai do Paulo César, não era? Que não sei o quê, jogava com o
Cubillas e achava não sei o quê. O time era bom e eles saíram na frente. Eu falei: “Será
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que vamos perder esse jogo?” Mas aí o Clodoaldo fez, no final do primeiro tempo, o gol
e nós ganhamos. Mas foi um jogo que fizeram muita onda. A gente tinha acesso a
jornais, os caras deixavam a gente ler jornais e tal. E esse jogo foi preocupante. Agora,
o mais difícil nosso, foi o jogo contra a Inglaterra. Eles tinham um timaço, tinham um
timaço. Tanto o goleiro... O goleiro, era um goleiro... Depois de Gilmar e do Castilho,
que foram meus ídolos de juventude, esse foi o meu goleiro, que era Gordon Banks.
Pegou uma cabeçada do Pelé incrível. Foi o Gordon Banks mesmo? Isso, o Gordon
Banks. Banks. Goleiraço! Pegou legal. E o nosso time em cima, batendo, e eles também
jogando pra caramba - tinham um time maravilhoso. Aí que saiu o gol. O Tostão foi no
fundo, cruzou e que... O Jairzinho, não é? Que fez o gol? Acho que foi ele.
B.B. – Foi.
E.S. – O Jairzinho fez um golaço, nossa, e aliviou; mas, mesmo assim, foi
tenso. Foi o nosso jogo mais difícil. O que nos ajudou muito... Também... E a Itália
pegou a Alemanha na final. Eles foram para a prorrogação, para os pênaltis, aí saiu a
Itália vencedora. Eles já vieram mortos. Nós, quando vimos aquilo, falamos: “Oba,
vamos ser campeões do mundo.” Eu juro mesmo. Na reunião, falamos: “Vamos matar
os caras.” Porque eles já vieram moídos, não é? Então, partidas de futebol, para você
recuperar, às vezes... Era seguido. Eu acho que foi três dias depois. Não recupera o cara
direito; o cara está com dor ainda; porque o cara dá tudo dele, não é? Numa partida de
seleção. E a gente sentia e falou: “Nós vamos ganhar aquele campeonato.” Tanto é que
foi fácil. Só complicou, um pouco, quando o Clodoaldo fez aquela bobagem ali, não é?
E os caras empataram. Mas, em seguida, nós deslanchamos e metemos quatro; e foi o
jogo mais fácil que tivemos - foi o jogo contra a Itália. Mas contra a Inglaterra foi
difícil, e contra o Peru por causa do...
B.B. – Primeiro foi contra a Tchecoslováquia.
E.S. – Tchecoslováquia.
B.B. – Foi uma goleada, 4 a 1.
E.S. – Ah, mas... Aí, teve aquele Petrus que fez aquele gol, e fez a cruz. E eu
falei: “Puta.” Não, nós começamos desconfiados. Foi isso aí. “Putz, será que a nossa
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Seleção não está legal?” Porque a gente nunca... Nunca vence antes o jogo; você precisa
ver, não é? Eu não conhecia o time e como é que ia reagir se tomasse um. Mas eu vi que
os caras pegaram a bola e ninguém baixou a cabeça, nem nada, saíram pegando. O Pelé
era o nosso grande... Pegava a bola; olhava para os caras; e tum, colocava a bola. A
gente já via que ele estava confiante. O Gérson era um líder, não é? O Carlos Alberto. O
Carlos Alberto chegou uma vez para o Pelé, eu estava nesse jogo: “Como que é, filho da
puta, vai correr ou não?” Assim mesmo. Que moral tinha o cara não é? Para chamar o...
Mas eu não falei que eu era garoto, na época, não é? Falar... “Pô, o cara é forte”, não é?
Então, tinha aquela briga, aquela gana lá, dentro, de ganhar mesmo e de morder.
“Vamos morder.” Os caras: “Vamos morrer lá dentro.” Falava mesmo. Não interessa.
B.B – E, para os jogadores, era uma obrigação ganhar a copa? O Brasil se
considerava favorito? Como é que isso era... Vocês elaboravam isso?
E.S. – Olha, a gente pensava muito, assim, em termos de torcida; e no nosso
eu, não é? Seria o tricampeonato. Você nunca imagina que o Brasil, depois, ia ganhar
um monte de copas. Para nós, seria um prêmio, um Oscar, não é? A melhor coisa que
existe é ser campeão do mundo. E depois nós tínhamos, assim, a liderança, ali, dentro
do campo. Como o Carlos Alberto, o de sempre. O Pelé, o Pelé era fabuloso, não é? Era
o cara que chegava no vestiário, deitava na maca e ficava aqueles quinze minutos dele;
parece que ele dormia, eu não sei o que ele fazia ali, que ele ficava pau, acordava e é
hoje. [risos] Era assim, era o rito, o ritual dele. Todo mundo tinha o seu ritual. Não era
obrigação, a gente queria, para nós, ganhar aquilo. E agente sentia que nós tínhamos
esse potencial. Com o decorrer, foi crescendo. E nisso [levamos um gol21] da
Tchecoslováquia; quando eu vi o jogador fazer aquela cruz, eu falei: “Será que Deus
está com eles, pô? ”[risos] Deus não é mais brasileiro? Mas, aí ele foi, continuou sendo
né.
B.B. – Depois da Tchecoslováquia foi a Inglaterra, que é esse jogo duríssimo,
não é?
21Omaispróximodoquefoipossívelouvir.
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E.S. – É.
B.B. – Que você falou. E o terceiro jogo da primeira fase foi contra a Romênia.
E.S. – Esse foi mole, né?
B.B. – 3 a 2.
E.S. – É. Mas foi fácil, o jogo. Jogaram vários titulares. Eu acho que saiu...
Jogou foi o Fontana esse jogo; e não jogou...
C.B. – O Paulo César.
E.S. – O Paulo César entrou e não estava tão enturmado. Não jogou o Gérson.
Era um jogo preocupante porque o Gérson estava machucado, e o time estava engrenado
dentro desse padrão, aí, que eram os titulares. Não só na Seleção, como em qualquer
outro time, saiu um jogador - uma peça - às vezes desmonta o esquema todo; e a gente
sabe disso, lá dentro. Eu falei: “Putz, era o Gérson” que era o... Tá certo que nós
tínhamos o Riva porque voltou um pouco, também, mas é outra característica, não é?
Então a gente ficava meio preocupado. Mas foi bem. Ganhamos de 3 a 2, não é? Uns
gols meio esquisitos aconteceram, aí, mas foi um jogo fácil.
B.B. – Aí, o Brasil passa para as quartas e vence a seleção comandada pelo
Didi, a seleção peruana.
E.S. – É. Essa, aí, foi preocupante, viu? Eu falei: “Poxa...” A gente fica naquela
dúvida: “Será que já chegamos longe demais?” Porque tem isso, às vezes... Quantas
partidas foram? Oito, sete, cinco? Mas parece, olha...
B.B. – Seis.
E.S. – Parece que você está jogando um ano lá. É. Pelo que você está vivendo,
não é? Pela preocupação, “Puta, parece que não chega o dia.” Dá aquela aflição, não é?
É muito preocupante, mas a gente pensava muito na gente.
B.B – É. Teve um mês de preparação também.
E.S. – Vários meses.
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B.B. – Para altitude.
E.S. – É. Nós ficamos lá, em Irapuato, não é? Teve esse mês que ficamos lá.
Mas preocupar mesmo, preocupar, eu vou te contar: a gente confiava tanto um no outro
lá que, nem se você entrasse e desse uma porrada no adversário, a gente ia entrar,lá, e ia
fazer qualquer coisa. Nós estávamos, assim, loucos para ganhar. O Pelé, então, era a
última copa dele, e ele queria, ele sentia. O olho dele até piscava, quando ele falava. Eu
falei: “É hoje.” O negão vai fazer uns dez aí. Era o nosso carro chefe, queira ou não
queira, putz... Chamava... O Jairzinho, então, era impressionante. A disposição dele,
“goleiro, vamos treinar, vem comigo! Pô, vamos lá, pá, pá, pá!” Era puxar a fila, era um
furacão mesmo, não é? Impressionante.
B.B. – E, depois do jogo contra o Peru, veio um jogo também capcioso, que era
o jogo contra a seleção uruguaia. Vinte anos depois, no Maracanaço, da famosa
tragédia.
E.S. – É. Isso pesa não é? Essa, de 1950, vai ficar sempre na história.
B.B. – Não era uma final, mas era uma semifinal de copa.
E.S. – Essa até, uma vez, eu vi - eu leio muito sobre goleiros - do Barbosa, não
é? Ele falou: “Eu sou o único jogador do mundo, o único homem do mundo, que teve
um problema e pagou o resto da vida. Porque eu tive um desnível. Eu tive uma, um erro
que paguei pelo resto da vida.” E é verdade, coitado, não é? Uma bola que o Brasil
podia ganhar até demais pela bola. E o Uruguai também tinha. Era o nervosismo...
B.B. – Você chegou a conhecer o Barbosa?
E.S. – Não conheci. Não, eu conheci no Rio, quando ele estava, lá, que a
gente... Depois da copa do mundo. Nós jogamos o jogo da gratidão contra o México, no
Maracanã. Pô, tinha cara nos holofotes. Eu não sei como é que eles subiram, eu nunca
vi tanta gente. O jogo da gratidão porque o México nos apoiou pra caramba, não é? Nós
estávamos torcendo para o México sair. [risos] Porque eles adoravam muito, não é?
Tanto é que nós somos... E ajudaram muito nessa área. Eu conheci, parece que ele
estava presente, o Barbosa. Eu tenho muita dó dele, ele não foi culpado. Um goleiraço,
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mas foi... Por isso que eu te falo que é a preocupação de goleiro é constante, não é? De
qualquer jogador. Você pode ficar marginalizado pelo resto da vida por um lance. Não
é?
B.B. – Parece que a posição de goleiro, em especial, concentra muita
responsabilidade.
E.S. – Goleiro em especial. Muita. Um passe errado, você toma. Um
escorregão, você toma.
B.B. – Chegou a acontecer uma falha sua que...
E.S. – Ah, tive...
B.B. – Que marcou...
E.S. – Aqui, no Pacaembu mesmo contra a Portuguesa, em 1973. Corinthians e
Portuguesa. A Portuguesa tinha um bom time, tinha o Enéas, Ratinho... Esse Ratinho
pegou uma falta da intermediária e eu falei: “Abre.” Eu não era de pedir muito cara na
barreira. Eu pedia três e, quando era frontal, quatro no máximo, porque eu não podia dar
muito espaço. Eu não tomava gol de falta, era difícil. Eu acho que um defeito dos
goleiros, hoje, é que colocam muitos caras na barreira. Até você chegar do outro lado,
você não consegue, porque o gol é grande. Eu falei: “Abre”. Aí o Ratinho bateu, na área
- estava chovendo - ela veio na área pequena, e eu to ali. O Ditão na minha frente; ele
abriu as pernas e falou: “É tua, Ado.” Pô, ela bateu na minha coxa e entrou. Pô, foi do
meio de campo, essa bola. Mas ele não sabia que estava muito atrás. Ele abriu as pernas
e “é tua, Ado”. Porra, eu estava... “É tua Ado”. [INAUDÍVEL]. Nesse dia, eu saí de
camburão daqui, viu? Perdemos de 1 a 0, esse jogo. Esse jogo foi triste. Eu não tomava
muito frango. Não era? Eu era displicente, às vezes, eu era muito... Treinava muito,
então a gente fica muito confiante, e não pode ser assim não. Eu era muito confiante. Eu
fui jogar com o América, e nós empatamos em 3x3 com o América do Rio. No
Maracanã uma chuva, também, eu dou um azar com chuva - então é aquele negócio. Zé
Maria atrasou pra mim... Na época eu já tinha mania de bater - como os caras já batem
hoje, a bola vai reta - de esquerda, eu era canhoto. Eu peguei mal, e eu acho que foi o
Edu, pegou, matou no peito no peito e meteu. O Riva veio correndo e queria me encher
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de porrada. Empatamos em 3 a 3 o jogo. Foi uma falha. Eu não podia fazer isso; eu
podia jogar com a mão, ou dar um chutão para frente e fim de jogo. Ganhava jogo de 3
a 2, não é? Esse jogo foi triste pra mim.
B.B. – Além de ser, muitas vezes, o bode expiatório para alguma falha, ou de
algum lance, você sente que essa posição de goleiro é uma posição solitária? Você
definiria assim, a sua posição.
E.S. – Ah, muito! Você não pode nem vibrar com os amigos, quando sai um
gol a seu favor. Você tem que ficar lá, atrás, dando soco, fazendo um monte de coisas. É
muito solitário. E, às vezes, até é incompreendida, não é? Não para o companheiro. Eu
tinha umas normas. Eu falava assim para os caras, olha: “Se eu tomar um gol, não olha
pra trás, não olha pra mim.” Eu falava: “Não olha para mim.” Eu tinha essa coisa, eu
não achava... [INAUDÍVEL]. “Não olha para mim, vai para frente e vira as costas.” Eu
jogava para o meio de campo e sai. A moral do cara, que o cara tem que ter, é aquela de
se recuperar da falha que você teve, não é. Aí é que é difícil e você não tem apoio; por
isso que é difícil jogar no gol. Os amigos vão falar. “Ah, está bom; segura; tomou,
tomou mesmo.” Porque todo mundo toma, todo goleiro toma, vai tomar. Você não tem
apoio de ninguém: quando faz gol, você não pode abraçar os amigos e, quando toma,
ninguém vem te dar solidariedade. Então, você fica meio sem pai e nem mãe ali, atrás.
Então, é difícil. Mas é gostoso; olha, é uma posição que eu vou te contar, é apaixonante.
Você vê todos os garotos hoje, você nota que eles gostam de colocar uma coisa de
goleiro porque é diferente; luvas... Eu aboli também, quando cheguei, aqui, não queria
jogar de joelheira, só meia; minhas ataduras atrás; duas coisas no punho; luva; e manga
cortada. Eu comecei com esse negócio. Hoje, o pessoal vê que, realmente, a camisa
atrapalha; você cortando a manga, você está tuf-tuf-tuf e tem mais mobilidade. É legal
essas coisas. Essas moças vão em campo, hoje, porque eu comecei a incentivá-las
também [risos]. É mentira. Mas não ia em campo, mulher não ia em campo; só ia a
Elisa, que era a nossa torcedora símbolo. O restante das mulheres não iam em campo.
B.B. – E voltando, então, para o jogo do Brasil, 3 a 1, contra o Uruguai. Com
aquele susto, e como é que foi? Você lembra desse jogo?
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E.S. – Eu lembro. Nossa, eu achava que a gente ia ganhar e não tinha jeito;
todo mundo. A gente não se abalava. Podia tomar um, dois, que não se abalava.
“Vamos, lá, todo mundo, vestiário, desce todo mundo. O que é que está acontecendo?
Vamos lá, pega aqui, pega ali.”. Era uma amizade, assim, como uns irmãos não é? Nós
éramos muito unidos, não é? Nós ficamos seis meses juntos. Porque antigamente, olha,
era diferente, por exemplo: eu era jogador do Corinthians, e era muito amigo do pessoal
do Santos. O Edu era muito amigo, Joel Camargo, Clodoaldo... Os caras subiam e
ficavam no meu apartamento, aqui. Acabava o jogo, eles ficavam aqui, a gente ia tomar
um negócio e, depois, eles desciam. Não tinham essa rivalidade. Eu não sei se, hoje, os
caras se dão. Agora, chegou lá dentro, é inimigo. Nós somos amigos. O César era muito
meu amigo, o Leivinha era meu amigo, o Enéas; eu saía sempre com eles. Jogador dos
clubes, a gente não tinha rivalidade, bronca, nada né.
B.B. – E aí chega e passa pelo Uruguai...
E.S. – Uruguai.
B.B – E passa o pesadelo.
E.S. – É. A gente, no vestiário, juntava todo mundo e, depois, falava: “Vamos
lá, vamos lá, pelo amor de Deus. Vamos ganhar esse jogo. Tem que ser, tem que ser.”
Uns rezam, outros pedem, outros fazem massagem. E vamos atrás da [confiança]. Era
total. Olha, nunca pensamos... Eu acho que ninguém achou que a gente ia perder aquele
campeonato, ninguém. Nós estávamos tão bem preparados, e tão bem guardados, que a
segurança também vale muito. Você, tendo um aparato por trás, uns caras que te dão,
assim, uma condição de você fazer aquilo – jogar o futebol - é muito bom, é muito
satisfatório; e dá muita segurança. Nós tínhamos, apesar da situação militar aqui, foi
muito preparada. Poxa, nós tínhamos o Chirol, adorava o Chirol e todo mundo adorava
o Chirol; O Cláudio Coutinho era de uma fineza impressionante; o Carlesso, professor
dos goleiros, era maravilhoso; o próprio brigadeiro Jerônimo era, também, maravilhoso;
o Zagallo era um puta cara legal, não é? Nós tínhamos uma...
B.B. – O Parreira.
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E.S. – O Parreira. Parreira era preparador físico também. Eram uns caras que
nos deram uma condição muito boa, não é? De confiança e de... Então, a gente não
pensava; eu achava que eu não ia perder, não dava para perder. A gente via... Por
exemplo, o Rogério ficou como supervisor, nós víamos os jogos dos times na
concentração; iam jogar e filmavam todo mundo - pá, começou a passar, já tinha
filmadora, e tudo. A gente via, eu falei: “Pô, esses caras são bem pior que a gente. Não
tem como perder.” Nós estávamos tão... Aliás, nunca passou pela minha cabeça que a
gente ia perder essa copa. Ainda, no começo, era dúvida. Óbvio. Quando eu fui
convocado, [INAUDÍVEL] Copa do Mundo; “pô, vou pegar a Alemanha.” No
começo... Depois, que comecei a... Eu acho que todos começaram a viver a Seleção, e
saiu qualquer possibilidade de o cara achar que ia perder aquilo, não existia. Nenhum
jogador tinha... Pensava. Ninguém pensou nisso, ninguém temeu. Era muito forte. Eu
falo: Olha, o Pelé, para mim foi muito; mesmo não jogando excepcionalmente, contudo.
Mas ele era... Um deus do futebol; era um deus mesmo.
B.B – Inclusive essa partida, contra o Uruguai, tem a famosa cotovelada que
ele dá numa corrida com outro jogador...
E.S. – Ah, que ele veio e me deu. É. Essas coisas... É muito.
B.B. – Porque ele foi muito caçado na copa, o que ele jogou foi uma forma...
E.G. – É. Hoje seria expulso, não é? Eu não sei se o juiz não viu, mas ele deu
uma varada no cara. Estava perto do nosso banco, não é? Eu não sei, mas eles estavam
batendo. Antigamente era assim: “Olha, se começar a bater aqui, vai apanhar lá.” Eu já
passava e os beques começavam a bater, não é? E nessa eles estavam chegando. Foi
contra a Tchecoslováquia, não é? Que ele deu a...
B.B. – Da cotovelada foi contra o Uruguai.
E.S. – Ah, Uruguai. Eu não sei porque o Uruguai... O sul-americano... É que
eles são meio chegados a dar umas pancadas, não é? Eles dão de migué... Às vezes, dão
uma pancada e passam a mão na tua cabeça. “Que foi?” “Que foi o caramba. Vai tomar
também!” Eles tem essa mania. O argentino faz muito bem isso. Nós não sabemos fazer
isso, brasileiro não sabe. E os uruguaios... Mas o europeu não faz isso, não é? Os caras
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chegam duro, quando acontece... Mas o Uruguaio; o Argentino; o Paraguaio está
começando a ficar malandro agora, também, e está batendo muito. Eles são difíceis viu.
E nós não temos essa característica, nós não batemos; nenhum jogador pensa. Nenhum
técnico gosta, ou manda bater. [INAUDÍVEL] que fala: “Se começar a bater, aí, vai
apanhar aqui, atrás!” A gente começava a mandar... Era a nossa filosofia. Os juízes
antigamente, eles era meio... Deixavam, não viam muitas coisas, não é? Era mais soco
na nuca... [risos] Tem hora que o negócio pega lá, dentro, viu?
B.B. – Ado, você tem a lembrança da véspera da final do Brasil contra a Itália?
Você lembra? Um dia antes, como é que essa expectativa...
E.S. – Não. Foi gozado. Nós jogamos todos os jogos em... Em Guadalajara. Aí
nós fomos participar de uma disputa na Cidade do México, que era distante. É, foi...
Não conhecíamos, não é? Aí surgiu uma dúvida. Já sabíamos do campo como é que era.
A gente estava acostumado a jogar em Guadalajara, ali, em que jogamos todas as nossas
fases ali; como é que seria o campo, para a grama.
B.B. – Estádio Azteca.
E.S. – Azteca. Era magistral e que não sei o quê. Eu falei: “Quanto maior,
melhor para nós, não é?” E, depois, a gente estava levando muita fé porque a torcida se
virou ao Brasil - ao nosso favor. Todos torcendo para nós. A gente foi bem recebido,
não é? Mas sabe o que é? Foi tão bem feito - que eu te falo, às vezes – eu não lembro de
nenhum contato com o público, porque tudo era fechado. Você entrava no ônibus e já ia
para o hotel. E era até bom para nós, ficar no nosso departamento, em vez de conviver
com o povo, não é? Porque os caras vão encher o saco. Tem uns caras pegajosos. [risos]
Então, nós ficamos isolados; a Seleção foi muito bem projetada, foi muito bem
administrada - eu acho. Esse pessoal, a comissão técnica, era muito boa. Tinha os
seguranças, tinham uns caras que... Tinha um segurança nosso, eu esqueço o nome dele.
O Riva sempre me lembra. Ele era desses caras que saltavam na selva; ele vivia
comendo barata, se precisava; ele contava história. Esse cara era muito forte, era muito
legal. Não deixava ninguém entrar. Pá. “Ninguém sai. Vocês também não saem, onde é
que vocês vão? Não fica aí.” Era mandado, não é? A gente era tudo menino. O mais
velho era o Pelé, com vinte e sete, não é? O Edu tinha dezoito, o Clodoaldo dezenove, o
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Gérson... O Félix tinha vinte e sete. O resto, tudo vinte e dois, ou vinte e quatro anos;
vinte e dois, ou vinte e três anos.
B.B. – E o Tostão, veio até a dúvida se ele poderia jogar; e acabou conseguindo
jogar [INAUDÍVEL]...
E.S. – Era vinte e quatro, o Tostão? Então, isso eu te falo, porque a mescla é
muito importante. Tinham os velhos, os grandes jogadores - os caras que tinham uma
certa idade, uma certa convivência maior com o futebol - e tinham aqueles novos, e
você tem que aceitar o que o velho fala mesmo e cale a boca; e correr lá, dentro. Então
foi muito bem. Tudo. Isso eu ainda me lembro, antes de chegar no México. Depois, eu
não me lembro de nada, eu sei que fui paro Hotel e não saía de lá. Saí para o campo. Aí,
depois do campo, eu não sei para onde é que eu fui que eu quase perdi o avião, viu?
[rios] Porque eu sumi naquela cidade e eu não sabia nada. Eu saí para tomar com tudo,
me largaram lá e eu me perdi. Foi o diabo.
[FINAL DO ARQUIVO II]
B.B.- Então estamos, aí, no coração da final...
E.S.- Final.
B.B.- De 1970 contra a Itália.
E.S.- Então, o sistema estava tão...
B.B.- Azul.
E.S.- Bem armado... Azul. É. Que nós tínhamos aquele fator de a Alemanha...
A Itália já havia estourada porque se rebentou contra a Alemanha; e iam jogar num
campo em que a nossa torcida estava, toda, ao nosso favor. O nosso sistema da
segurança, da equipe técnica, era maravilhosa, não é? Então, seguraram a gente e
levaram para o hotel; ficamos isolados, não tivemos contato com... Só reuniões entre
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nós, não é? Os goleiros batiam bola, assim, no saguão do hotel; a gente começava a
chutar na parede e ficava brincando com a bola, não é? A maioria joga baralho porque,
naquela época, não tinha ninguém. O Pelé ficava com o violãozinho dele. Ficava todo
mundo descansando e pensando em jogo. A gente só pensava nisso, nisso e nisso.
Chegamos lá, nossa... Falamos: “Já que chegamos aqui, agora não tem jeito, nós vamos
morrer lá dentro, mas vamos levar esse campeonato.” Era a nossa filosofia, não é? E,
nossa, não deu outra. Assustou, um pouco, quando aconteceu o gol da Itália, não é? Eu
falei: “Será que os caras vão...” Eles tinham um time bom, não é? A Itália era um time
bom. Mas em seguida dominamos, enfiamos a mão neles e ganhamos fácil.
B.B.- Você falou, rapidamente, que teve um momento do jogo em que você
esteve prestes a entrar no campo?
E.S.- Não, foi no fim, quando estava quatro a um já. Nesse jogo, o Félix, por
gratidão e pela amizade que eu tenho com ele, falou: “Zagallo, troca e põe o Ado.” Ele
falou: “Ado, eu não vou te trocar, eu não vou colocar lá porque, quem termina a Copa
do Mundo jogando, é quem tira como primeiro campeão do mundo.” E o Félix jogou
todas. Seria uma injustiça. Aí eu falei: “Está bom!”. Mas, na época, eu também era
novo. Eu falei: “Estou na próxima.” Mas aí vieram os problemas. [riso] Mas foi uma
delícia... Chegamos no Rio, meu... Aí bagunçou. [risos] Descemos... Loucura em cima
de caminhão. Eles não sabiam o que rolava aqui, não sabia que o povo era tão louco. A
gente gostava de futebol e achava que clubes eram entidades que tinham as suas
torcidas. Meu, mas monopolizou o Brasil todo. Nós éramos uns noventa milhões, não é?
Aquela música. Os caras tocando essa música em cima de carro de corpo de bombeiro.
Aquela loucura. Ficamos no hotel em Copacabana, ali, e invadiram aquele hotel. Nossa!
Foi uma coisa de... Foi uma loucura geral. Aí, era pra todo mundo vir, para São Paulo,
receber um fusca do Maluf de prêmio. Nós não tínhamos muito... Não ganhava muito,
na época. O prêmio, eu acho que foram dez mil dólares, na época; que era três, três e
quatro. Mais as despesas, porque o clube pagava nossos salários de clube, não é? Então,
eles pagavam o salário nosso. E o Maluf deu um fusca para cada campeão do mundo. E
não veio, metade ficou no Rio, e se perdeu. Foi uma coisa de louco. Tanto é que, depois,
quiseram até tirar o fusquinha nosso aí, porque não foi aprovado pelo... O Maluf quem
deu de presente. Mas não ganhava nada, a gente não ganhava muito prêmio. Não tinha...
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Ninguém foi com isso, com essa intenção. Ninguém falou em dinheiro. Ninguém. Era
para ser campeão. Porque, depois, os contratos viriam, não é? Por que melhoraria a
nossa situação nos contratos, não é? Mas ninguém falou em termos de... A CBD que
dava para gente... CBF. CBD. Eu falo CBD porque era “come, bebe e dorme”, não é?
[risos]. Agora é CBF, mudaram porque os caras viram “come, bebe e dorme”; e fica
mal. Então... Mas era junto, a CDB eram todos; era “Comissão Brasileira de
Desportos”. Ela englobava natação e tudo, não é? Hoje, são separadas as federações,
não é? Nosso grande presidente, nossa, um cara que eu adoro, é o João Havelange. É um
mito, não é? Esse cara, ele me... Nós fomos para a Alemanha há quatro anos atrás e ele
chegou: “Ado, como vai?” Ele tem noventa e poucos anos. Como é que pode? Ver a
imagem, aqueles [INAUDÍVEL], eu não fui de tanta expressão para ele marcar tanto,
não é? Impressionante, ele, o João Havelange. Nós tínhamos uma postura, assim, de
mentores, não é? De comissão, que era muito impressionante.
B.B.- Isso que você fala dessa explosão da torcida, que assustou até vocês.
E.S.- Pô.
B.B.- Existem várias discussões sobre essa relação entre política e futebol; mas
será que, um pouco, pelo fato de ser um regime com tanta contenção, foi um momento
de transbordamento?
E.S.- De explosão. Eu acho porque, aí, começou já, também, a... As promessas
de que o regime militar iria sair, e o povo estava acreditando nisso. Fizeram tantos
atentados; teve problemas; teve tantas torturas, que as pessoas só vieram a saber depois,
não é? Nós só estamos começando a saber agora. E eu acho que, aquilo, foi uma forma
do povo sair, também, daquele regime que estava saturando a gente, não é? Tava nos
deixando, todos, preocupados. E foi, realmente, o que aconteceu mais tarde, não é? O
Brasil tomou um rumo; foi pra democracia; foi eleito, o pessoal todo aí. Mas foi legal.
B.B.- E isso de sair do apogeu de um tricampeonato, Seleção Brasileira, Copa
do Mundo. Como que é... Como é que foi retornar ao Corinthians e voltar à rotina do
clube?
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E.S.- Ah, empolgante! Eu estava louco pra jogar pelo Corinthians, eu era
fanático pelo Corinthians. Eu estava louco para jogar; e, de cara, pegamos o
Campeonato Paulista aí. Difícil. Nós chegamos até numa semana e, na semana, seguinte
já tinha jogo. Os caras me colocaram para jogar e eu não queria jogar porque não estava
em condições, eu tinha... Desculpe a franqueza, mas eu tomei uns uísques a mais, aí, e
estava até sem condições. Como todos, o Riva não jogou, não é? Eu acho que o... Eu
acho que era só eu e o Riva. O Zé Maria, também, eu acho que não jogou. Só eu fui para
o pau. Acabamos perdendo para o Botafogo de 1 a 0 ainda, foi no Parque São Jorge,
esse jogo, que eu te contei que... Mas eu queria voltar a jogar, nossa! Aí, vem outro
desafio para mim, não é? Que era tentar ser campeão pelo Corinthians. Apagar os vinte
anos, não é? Eu queria, queria e queria. Foi minha grande frustração, da minha vida, eu
juro mesmo. Não só minha como, eu vejo, que o Riva, também [INAUDÍVEL] Não era,
não é? É que o Matheus, às vezes, ele era um grande administrador, uma pessoa
maravilhosa, mas ele era clubista. Ele não era... Ele contratou, uma vez, três pontas. Nós
não tínhamos um centroavante, ele contratou três pontas direitas; que era o Boião, o
Paulo Borges e o Aladim. O Aladim veio do Bangu, ele era ponta esquerda; e o Gilson...
Ou outro, sei lá. Eu falei: “Presidente, nós precisamos de um centro avante.” “Não!”
Mas ele não sabia. E o nosso time não era tão bom e não fazia tantas contratações boas.
Ele, quando foi contratar o Zé Maria da Portuguesa, chegou para mim: “Ado, o que é
que você acha daquele jogador que joga na Portuguesa pelo lado direito?” Ele não sabia
as posições, então era meio imaturo. Ele era um bom administrador, não é?
Financeiramente, assim... Mas ele não tinha a malandragem do futebol. A gente
orientava: “É isso, isso...” Já os outros times eram bons, eram... Tinham os cobras-
criadas; tinha a academia do Palmeiras, que era o Filpo Nunes; tinha o Santos com... O
Lula era o técnico, não é? O Botafogo, era o João Saldanha; o Zagallo era do Flamengo.
Os caras já espertos e sabiam contratar. Nós não sabíamos. O Corinthians veio a ser um
clube, agora, de um tempo pra cá com essa nova presidência. Antigamente, ele não
sabia a força que tinha, cara. Não sabia. E a gente via e... Era mal contratado; mal
direcionado; muitas ondas, muita agitação dentro do clube; muita rivalidade entre os
jogadores também tinha, porque era muito ovacionado. Então, tem um cara que tinha
ciúmes desse ou daquele... Eu senti isso. Pô, eu saí duma seleção, era uma maravilha;
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vim para o Corinthians, era um inferno. Eu falei; “Pô, estamos ferrados.” Mas deu pra
aguentar um tempinho.
B.B.- Você falou também desse aumento da competitividade . Em 1971, é
criado o campeonato nacional de clubes. Você até mencionou as viagens para Manaus.
Quer dizer, começa, também, a ter uma infra-estrutura mais forte, mais complexa, com
o próprio futebol...
E.S.- Mas não tinha. Não tinha. Era... Olha, nós fomos jogar, certa vez, no
Pacaembu... Não, Morumbi. Eu não sei que time que era [INAUDÍVEL]... O trânsito
era tanto para chegar ao estádio, que nós nos trocamos dentro do ônibus porque não ia
dar tempo. Pô! Devia saber, pô! Não é? E, depois, a estrutura não era legal. Essas
viagens, não eram elaboradas. O Campeonato Nacional, por exemplo, eles deviam pegar
por setores primeiro; para depois, então, puf. Era não. A gente jogava em Porto Alegre;
na semana seguinte, ia jogar em Manaus. Ou jogava em Curitiba, e ia jogar na Bahia.
Pô, faz um roteiro mais ou menos perto, não é? E a gente sofria muito nos aeroportos, já
tinha problema. Carros; aviões... Era uma tragédia. Cabrito andando na manutenção, pô.
[risos]. “Olha, pode ir que só está uma asa solta.” Ele falava [risos]. Não. Era loucura,
era loucura. Mas é... Faltou estrutura. Hoje, o futebol... A gente sente, viu? Eu gostaria
de jogar hoje, com essa estrutura que tem; com essa... Esse marketing que tem em cima
do jogador. Até preserva um pouco o jogador. O jogador não falha, hoje. O goleiro,
principalmente, ele não falha, ele erra. Na minha época falhava, frango que os caras
falavam; que era um troço que irritava a gente, não é? Hoje é mais... Essa juventude,
essa moçada nova, aí, parece que é legal. Deram uma coisa de preservar, um pouco, o
jogador. Não malhar o cara, crucificá-lo porque ele teve um lance errado. Eles falam:
“Não. O cara deu azar naquele jogo...” E já passa batido e vai para outro. Porque todo
mundo erra, meu. Qual é o jogo que não tem erro? Se eu não tivesse, não teria gol. O
jogo é feito de erros, de oportunidades... “Então, eu gostaria de jogar nessa fase aqui”.
Que seria muito maneiro. Eu preferiria com patrocínio, também – é lógico –, porque ia
ganha mais, não é? [risos]
B.B.- E você é muito observador da posição do goleiro? Você acompanha
goleiros?
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E.S.- Com certeza. Eu sinto, agora, o Mano - quando ele convocou o pessoal
todo - já acharam que ele teria que mesclar, colocar um jogador... Tinha até que forçar o
Kaká e ver se ele tem condições, amanhã, para dar uma consistência maior no meio de
campo. E eu observo, muito, o goleiro. Eu acho que o Júlio está sem confiança, depois
daquele gol que ele tomou, lá, na última copa aí, ele ficou meio... Eu acho tem que
começar a pensar em outro goleiro. Eu levaria um cara de experiência, por exemplo: o
Marcos, que está em fim de carreira. Para mim, são os dois maiores... E o goleiro tem
que ter uma postura diferente, meu, ele tem que ser uma liderança que ele comanda tudo
ali, atrás; até os volantes. Tem que ser. Eu convocaria o Rogério Ceni; o goleiro do
Palmeiras, se tivesse condições; e arranjaria outro. Agora eu não sei. O [INAUDÍVEL],
é um goleiro que está vindo com tudo assim - muito bom. Esse menino do Corinthians é
bom, mas é muito novo. Não teríamos outro assim. E o Júlio que está jogando lá fora,
não é? Ele é bom, mas ele não vai aceitar a reserva e nem dá para levar. Quer dizer, nós
estamos com problemas no gol. Ele está sem confiança. E o goleiro, quando perde a
confiança, é terrível - tem que fazer um trabalho em cima dele - e não adianta você
chegar e falar: “Você é o bom e você vai, lá, jogar.” Ele mesmo tem que se recuperar.
“Espere aí, opa. Tomei um golzinho lá e não vou me abater.” Porque ele está meio
esquisito, não é? Ele ta largando umas bolas. Nessa copa, aí, que teve agora, ele tomou
uns gols meio esquisitos. Eu acho que ele está sem confiança. Ou já está meio superado,
não é? Está meio velho e já está querendo... O Cara, quando fica velho, fica meio
esclerosado, esquece que a bola vem vindo pro gol. Fica meio travado.
B.B.- Você citou o Rogério Ceni. Você gosta desse...
E.S.- Adoro Rogério Ceni.
B.B.- Tipo de goleiro que sai da grande área e que chuta.
E.S.- Pô, e comanda. A moral que ele tem com o grupo. Pô, ele chega no
vestiário: “Como é que é? Pô, vamos lá!” Porque tem que ter um cara que grita mesmo.
E ele é aceito porque, pô, ele é um absurdo. O Marcos também. Você pode ver as
reportagens que o Marcos dá, ele vai em cima dos caras. Fala do jogador:
“[INAUDÍVEL] está chutando e que não sei o quê.” Tem que ter um cara lazarento -
um FDP - no time, que cobra os amigos. Lá fora, tudo bem.
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B.B.- É. E ele combina essa liderança com uma autoridade, de fato, de
[INAUDÍVEL]...
E.S.- Com autoridade de estar representando o técnico lá, dentro.
B.B.- E um jogador de clube, que ficou no clube e se identificou.
E.S.- Exatamente. É muito importante. Eu levaria um cara de experiência
assim, no gol. Tanto é, eu acho, que o Zagallo é dessa opinião, pôs o Félix em 1970.
Senão, a gente jogaria. Então, é muito importante o gol. Você não imagina o que é falar
para o lateral, porque não sabe que o cara está entrando nas costas; o volante que está
saindo, lá - pega lá – o outro fica aqui; o quarto zagueiro, “está errado, fica aqui e deixa
que eu saio; sai na frente e cobre.” Você tem um monte de... Por exemplo, na barreira,
não pode ficar a barreira na... Defesa na barreira; bota atacante. Tem cara que não quer,
“eu, não vou” e fica de lado. Então, vai [INAUDÍVEL] assim. Para isso, o goleiro
manda; manda lá, dentro, e tem que ter moral. Moral para chegar no grupo. E eu acho
que é necessário levar ele... Achar um goleiro aí. Eu acho que deve ter alguns, aí, bons;
tem muitos bons, não é? E, na nossa época, também, eu ficava ofendido, os caras
falavam que o Brasil não tinha goleiro. Eu queria morrer, meu. Porque não tem
goleiro... Tínhamos goleiros excepcionais aqui, pô. Tinha o Raul do Cruzeiro; tinha eu;
tinha o Leão; tinha um monte. O Andrada era argentino, jogava no Vasco. Mas o
Flamengo tinha quem? O Zé Carlos, na minha época, era um goleiraço também. Tinha
o, joguei com o [INAUDÍVEL]... O Fluminense tinha um goleirão, o Félix. Nós
tínhamos grandes goleiros, não é? Eu ficava ofendido. Eu falava: “Por que não tem
goleiro?”
B.B.- E você é observador de goleiros de outras seleções também?
E.S.- Nossa. A única coisa que a gente olha é goleiro, não é? Eu olhava para o
goleiro: “Esse, aí, vai tomar uns três.” Já falava. Só de ver... Mas sabe o que é gozado?
Porque a gente vive no futebol, em tempo de escolinha... Só no andar, você sente se o
moleque é bom ou não. O jeito dele. A gente fala, a picada dele. Já vê se... No andar,
você já nota se o cara tem algum dom para jogar futebol. É gozado, isso. Mesmo no
goleiro, quando o goleiro não tem estilo, você não leva fé. Tem que ser estiloso, abrir os
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braços, ali, o cara... E aquilo que o Mateus falava: “Põe o Ado no gol porque, mesmo
com a mão quebrada, com o Ado no gol ninguém chuta.” Porque o cara driblou e, na
segunda, “eu vou bater. Não, o Ado está no gol...” Ele vai tentar dar outro drible. No
segundo, ele está desequilibrado já. Tem essas coisas, não é? Tudo isso tem a ver, meu.
É importante.
B.B.- E dos que estão aí, ou dos que jogaram copa do mundo, quem que você
aprecia? Pelo estilo, ou pela... Sem ser dos brasileiros.
E.S.- Eu não estou acompanhando muito futebol.
B.B.- Não. Dos goleiros internacionais...
E.S.- Olha, por enquanto o campeonato está meio embolado. Internacional... O
goleirão do Uruguai é muito bom, não é? Esse, eu gostei. Pegou uns pênaltis. Eu não sei
se é a fase que está boa dele. Eu gosto muito do Júlio César, mas eu estou achando que
ele está cabisbaixo. Eu sou fã incondicional do Marcos e do Rogério Ceni; eles, para
mim, eu levava até com cinqüenta anos. Levariam mesmo, eu não estou observando
muito os goleiros não por que eu estou meio [INAUDÍVEL]. Depois que inventaram o
tique-tique, esses caras começam a tocar de lado e eu já mudo de canal. Eu gosto de
futebol progressivo, na nossa época era progressivo. Não dava, começava de novo; mas
sempre era com cinco atacantes, então, os caras vinham... Hoje é muito retrancado,
rapaz, é muito embolado; é muita correria e os caras estão com muita saúde, hoje.
Antigamente, o nosso treino... Eu estava vendo o menino da globo - que eu gosto dele –
falando, hoje, que os técnicos deviam dar mais treinos táticos, hoje, em vez de
preparação física. Treinar mais fundamentos; que é bater no gol, de voleio, não seio quê,
cruzamento...
C.B. – Bater pênalti.
E.S. - Também. É. Sabe? Eles esquecem dos fundamentos. Dão muita
ginástica. “O cara está bem?” “Está.” “Tira a pulsação dele.” “Está 180 por minuto; já
baixou pra 81, está ótimo.” Não é assim. Eu acho que tem que dar condição técnica
mesmo, aprimorar. Eu não vejo mais um meia-esquerda. Quando eu vejo um jogando,
eu gosto. Por exemplo, aquele do São Paulo, um que usa um rabo de cavalo aí. É
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canhoto, eu acho bem. O Corinthians tinha um que foi embora, o Corinthians não tem
um meia-esquerda. Antigamente, tinha um jogador que metia onde queria, um canhoto.
Hoje, você não vê mais. Não está tão empolgante assim, sabe? Está pela pegada, pela
correria, pela motivação que é o futebol nacional, hoje, não é? Mas não está assim
técnico, bom de ser ver, não está muito.
B.B.- Você pegou algum pênalti importante? Pegava pênaltis? Como que era
isso?
E.S.- Pegava. Eu peguei dois pênaltis num jogo; eu peguei pênalti na
Argentina. Eu peguei, aqui, quando o Saldanha estava aqui, pô. O Lula, do Fluminense,
veio, mas deu um pau, e eu puf. A bola voltou para o meio de campo, eu dei de socos.
Bateu aqui, no meu punho e voltou. Ele falou: “Pô, esse é o cara”. Ele falou lá, em
cima, [risos]. Foi. Eu peguei, lá, na Argentina eu peguei dois pênaltis – eu pegava
bastante pênaltis. Eu já tinha a mania de, quando tinha areia, eu jogava para um lado e
saía pelo outro; o cara [INAUDÍVEL] para lá. Porque você sabe que, para um centro
avante batedor de pênaltis, o gol é desse tamanho e, para goleiro aumenta, não é? Já
ouviu os goleiros falarem isso? Ou atacante? Para nós: “Como esse gol ta grande.” E
para o centroavante: “Pô, esse gol diminuiu, não é?” É você tirar proveito disso. Hoje,
os goleiros estão muito grandes. Na nossa época os caras me achavam gigante. “Pô,
você não é um gigante.” Eu falei: “Eu nunca fui um gigante, pô.” É o que dá a
impressão. Se você põe chuteira; dentro do gol; o cara te vê, “pô, o cara é grande.”
Hoje, você já vê goleiro com dois metros e paulada, aí, no mínimo.
B.B. - Retomando aquele fio da miada, da sua volta da Seleção, na copa de
1970, para o Corinthians. Você acalentava, como você contou, aí, as certezas, as
esperanças, de que jogaria na copa de 1974...
E.S.- Pô!
B.B.- Como é que foi esse período no Corinthians? Como é que isso se
desgastou nessa saída?
E.S.- Aí foi o seguinte, foi interessante essa parte aí. Aí, eu voltei para o
Corinthians; joguei o campeonato nacional; depois fui jogando... Aí teve a Taça dos
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Campeões, que jogava Flamengo, Corinthians, os primeiros e não sei o quê. Veio jogar
com Zico - o Flamengo tinha um timaço – aqui, no Pacaembu; e jogava, se não me
engano era o Caio, um centroavante que estava na época. E o Zico bateu uma
[INAUDÍVEL]; eu vim; e o Caio, me deu uma cabeçada. Nosso time era... Era a decisão
do título, Corinthians e Flamengo. Eu falei: “Pô, deixa de besteira, sai pra lá!”, e
xinguei ele. Peguei a bola, bati e tal. Na outra, não sei o quem chutou; eu pá; ele veio e
tum. Aí eu fiz assim, “pô”; o Agomar Martins me expulsou; e deu pênalti. Aí o Zagallo
falou: “Pô, o Ado está louco, meu.” Eu estava voltando da minha operação. Aí foi que...
Aí eu fiquei e falei: “Pô, está na hora de parar”. Pô, ele me deu duas cabeçadas. Agomar
Martins, se eu pego esse baixinho, eu mato ele. Um juizinho, filho da mãe, um gaúcho,
da [inaudível]; é gaúcho. Ele tinha bronca de usar camisa barriga verde.
B.B.- Quem era o técnico do Corinthians?
E.S.- Era o Duque. Não, nessa época, eu acho que era o Yustrich já. Em 1973.
B.B.- Não tinha o Pirillo?
E.S.- Sylvio Pirillo.
B.B.- Sylvio Pirillo.
E.S.- Essa foi em 1974, nós perdemos o campeonato para o Palmeiras.
B.B.- Ah sim. Isso foi depois.
E.S.- É. Depois. E nessa, o Zagallo falou: “Pô, o Ado está ficando louco. Eu
nunca vi”. Eu já estava com a fama de... Esse negócio de revista, aí, da mulherada, e os
caras ficaram meio invocados comigo; que não se cuida e que não sei o quê. Mas
ninguém sabia dos meus problemas; com os punhos quebrados, com joelho operado.
Era só as minha bandalheiras, não é? O Cabrito que era culpado. Está dormindo
lazarento? [risos].
B.B.- Dizem que entre uma de suas admiradoras havia atriz Leila Diniz...
E.S.- Ela foi lá, no Itanhangá, meu. Eu fiquei até meio... Eu gostava dela, não
é? Ela foi, lá, me ver. “Quem é esse cabeção aí?” Eu fiquei conversando com ela. A
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gente não saía, não saía do hotel. Ficava no hotel e não podia sair também. Senão eu ia
tomar uma cervejinha com ela. [risos] Não, era legal. Tinha... Mas eu acho que, em
certo ponto, eu até que contribuí para o futebol, no que diz respeito, assim, a estilo; eu
era estiloso, sabe? Eu gostava e, todo jogo, eu jogava com uma luva. Acabava o jogo, e
eu jogava para os caras. Comecei a usar luva; comecei a usar camisa de manga curta;
aboli a joelheira, eu não queria porque atrapalhava. Não é? Era cabeludo porque era a
época dos Beatles, não é? Eu já era fã deles, eu gostava. Eu contribuí um pouco.
B.B.- Isso foi um momento de contestação de costumes... O Afonsinho usava
barba.
E.S.-É. Tinha o hippie também, não é? Que era a onda.
B.B.- O Paulo César Caju, que era...
E.S.- O Jairzinho, o Black Power, não é? Que eu falei: “A bola amortece. Corta
o cabelo” Eu falava para ele para ele no CT. O Pelé usava o bibico. Tinham todas
essas... Era moda na época, era onda nossa. Hoje, os caras estão com uns cabelos que
parecem crista de galo, poxa. Eu era cabeludinho. Não vê o Neymar, aquela figura não.
Teve um jogo, aí, Vasco e Palmeiras, eu acho. O cara fez um cabelo, uns troços, eu
falei: “o que é que é aquilo?” Se eu sou o treinador dele, eu falo: “Você não vai entrar
em campo não, com esse cabelo”. Também contribuiu porque futebol é espetáculo, a
gente tem que estar bem postado, com uma camisa bonita. Eu Gostava. Eu não era
muito a favor de jogar com uma camisa berrante, porque eu acho que dava referência
para o atacante. Por exemplo, se você usa uma camisa amarela, como alguns goleiros
usavam, o atacante está. Porque o atacante não é aquele que vai driblando com a cabeça,
ele vai driblando vendo a bola. E se você está com uma camisa berrante, você dá uma
referência, ele dá uma lambada no gol e pode acertar uma hora, lá, que... Então eu
gostava de jogar ou com cinza, ou preto - era neutro. Ele não sabia onde é que eu estava,
era o goleiro fantasma. [risos] Então tinham essas coisas, não é? São teorias que a gente
vai adquirindo, porque eu acho que você não pode dar visão para o atacante, não é? Mas
era muito bom, era muito bom. Eu gostaria de viver, novamente, para jogar outra vez.
B.B.- Mas conta, então, como foi essa saída do Corinthians, o porque... .
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E.S.- Ah, então...
B.B.- E, também, a esperança da Copa de 1974. O que não aconteceu?
E.S.- Aí, bom, eu vou começar pela esperança da Copa de 1974, porque nós
estávamos para disputar o título, aqui, com o Flamengo; e o Zagallo era o técnico do
Flamengo e, eu acho, que o Sylvio Pirillo era o nosso técnico - eu não me lembro muito
bem na época. E o Caio me deu duas cabeçadas; o juiz não se manifestou; eu fiz, assim,
com o cotovelo; ele acabou me expulsando e dando pênalti. Acabamos perdendo o jogo,
isso marcou muito para torcida. Eu queria pegar o juiz, o Zé Maria me segurou, eu
tenho esse tape. Isso é mais em termos de Seleção, porque o Zagallo ainda era o técnico
e falou: “Pô, o Ado está ficando maluco”. Aí, nós continuamos o campeonato paulista -
tinha o Paulista e jogava um monte... Jogavam essas seleções. Jogava a paulista e não
era muito... O calendário nosso era uma tragédia. E fomos campeões do primeiro turno,
no campeonato paulista, em 1974; e eu joguei todas as partidas. No começo 1974, eu
operei o joelho direito, que tem uma contusão - num treino do Corinthians, com jogador
do Corinthians. Operei e fiquei, entreou o Buttice, o nosso time não foi campeão no
segundo turno, e ia disputar com Palmeiras, que foi o campeão no segundo turno, nós
fomos campeão do primeiro; e perdemos esse jogo de um a zero - gol do Ronaldo, eu
nunca me esqueço. Nós íamos nos consagrar ali, no Corinthians. E o Mateus nos
chamou na volta das férias, porque foi fim de ano, foi em dezembro... Que nós não
tínhamos mais condições de ficar no clube. A torcida não aceitava mais, e que era pra
nós procurarmos um clube fora do estado – porque, para dentro do estado, não tinha
negociação com nenhum clube. Então, eu acabei indo paro América; o Riva foi paro
Fluminense. Mas eu já tinha... Ficado decepcionado com... Até comigo mesmo, não é?
A gente se sente mal em não poder dar uma satisfação para uma coisa que você gosta
tanto, que é o seu time do coração, não é? Aí eu falei: “Eu vou parar”. Mas, depois, já
surgiram novas oportunidades. Quando eu queria completar minha... O meu ciclo de
futebolista. Eu andei jogando por aí. Mas foi... A minha grande decepção foi não ter
sido nenhum campeão no Corinthians e não ter disputado... Sei lá, por não ter dado um
título ao Corinthians, não é? Foi a minha grande... Eu fiquei decepcionado com o
futebol.
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B.B.- E acabou acontecendo em 1977. Você lembra onde você estava, quando
o Corinthians venceu a Ponte Preta...
E.S.- Olha, não lembro. Eu acho que estava com as minha pizzarias, na época.
Eu não estava mais... Muito empolgado. Mas que foi gol do Basílio, não é? Eu lembro.
Eu vi jogo e tudo; via. Estava em São Paulo. Eu estava com a minha já...
Comercialmente falando, eu já estava assumido. Eu assumi o comércio, não é? Eu falei:
“Eu vou partir para os meus negócios aí”.
B.B.- Que, segundo consta, aqui, na nossa...
E.S.- Nós somos campeões da Taça do Povo, Laudo Natel, foi várias vezes
campeão; mas sem expressão. O nosso negócio era o nacional e o paulista; e não
ganhava.
B.B.- Segundo aqui, as nossas anotações, você foi para o América; depois para
o Atlético Mineiro...
E.S.- Aí, eu fui direto pra lá? É.
B.B.- Em 1976. Velo Clube.
E.S.- De Rio Claro?
B.B.- De Rio Claro.
E.S.- Ah, mas eu jogava só de domingo. [risos] Não treinava.
B.B.- Portuguesa.
E.S.- Eu joguei na Portuguesa, também, três meses.
B.B.- E em 1977, que foi o ano do título do Corinthians, você estava, primeiro,
na Portuguesa e, depois, no Santos.
E.S.- Ah, sim. É. Mas eu perdi o interesse.
B.B.- Entendi.
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E.S.- Eu ficava e queria ir embora, “não. Eu não quero ficar não.” E ia embora.
Eu já estava com os meus negócios particulares, eu não queria jogar mais - não queira.
B.B.- É. Quase um ano em um clube diferente...
E.S.- É. Gostava. O que me salvou foi a seleção de masters. Para viver, não é?
Porque a gente não pode parar, de repente, porque dá aqueles baques. Aí, eu comecei a
sair com os caras; a viajar; jogava de quarta e domingo; a gente corria o Brasil todo; ia
para a Europa, às vezes, jogar com a seleção. Foi o que me deixou mais tranquilo,
porque você pira, às vezes, viu? Você... Depois que você para de fazer alguma coisa,
como jogar futebol, você fica meio... Você não tem mais reconhecimento da torcida;
você sente falta dos amigos, que... Os amigos, lá, da fama, você tem milhões; depois,
some tudo e você fica meio... Dá um baque. A maioria dos jogadores sente muito isso.
A amizade que você tem muito fácil, quando você joga bola; e, depois que você para,
some todo mundo - você fica só. Aí, você começa a beber, começa a fazer outras
bobagens a mais aí, acaba se complicando, não é?
B.B.- Teve um momento que foi, também, no Ceará...
E.S.- Em Fortaleza. É também.
B.B.- Como é que foi em Fortaleza?
E.S.- Eu não sei se eles estavam no meu restaurante. O cara falou assim...
[inaudível] Não. O Fagner, o cantor, falou: “O Ado, vamos lá, quer jogar em Fortaleza?
Dar uma moral para o time, lá.” Eu Falei: “Está bom.” Pô, foi um absurdo, lá. Decidir
um título com o Ceará. Eles ganharam de 1 a 0... Pô, eu fiz uma campanha, assim, foi
maravilhosa. Eu falei: “Poxa, estou fadado a perder. Eu vou parar de jogar bola
mesmo!” Aí, o Fortaleza veio falou: “Não. Vem jogar uns três meses aqui”. Eu estava
no Ceará e falei: “Ah, vou. Vou ver o que dá pra fazer aí.” Fiquei três meses lá.
Queriam renovar contrato e eu falei: “Eu não quero ficar, não é? Eu vou voltar a São
Paulo, para os meus negócios, aí.” Porque eu deixava na mão de sócios e tudo mais.
Mas eu perdi o interesse. Quando eu saí do Corinthians, eu perdi, realmente, o interesse.
B.B.- [inaudível].
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E.S.- Não é interesse, eu gostava de jogar bola, eu perdi a.... Eu fiquei
decepcionado; mais muito, muito abatido. Tomei um no queixo que eu não levantei,
viu? Foi um baque. Olha, eu cheguei, quando eu recuperei tudo, o punho e operei; voltei
do América; e quando o Fluminense não veio me buscar; eu cheguei para o Matheus:
“Eu jogo de graça para o Corinthians,” eu falei isso pra ele. Ele falou: “Não pode. A
torcida não aceita mais.” “Eu não quero...Eu jogo de graça.” Eu queria me preparar e
tudo. Falei: “Você quer? Fui treinar.” É difícil, isso. A maioria dos caras, aí – olha, eu
vou te contar - eles ficam malucos quando param, a maioria dos jogadores. Eu conheci
muitos, viu? É difícil. O Mané não conformava. Eu levava eles para casa. “Mané, Olha
como eu encaro.” “Não vou. Ele tomava uns conhacão dele.” Eu falei: “Pô Mané, para.”
“Eu não vou parar porra nenhuma!” Não quis nem saber. O Djalma Dias era muito meu
amigo.
B.B.- O Garrincha chegou a jogar no Corinthians.
E.S.- Jogou no Corinthians. É. Depois, na seleção do Millonarios, que eu
jogava com ele. O Mané tem histórias. Eu não vou contar porque é até chato. . Posso
tomar uma água?
C.B. - À vontade. Vou pegar mais.
E.S.- Não está bom. Vocês acabaram com a minha saliva, aqui. O que vocês
querem saber mais?
B.B.- Em Fortaleza, você jogou, também... No estado do Ceará, pelo
Ferroviário, é isso?
E.S.- Pelo Ferroviário e, depois... O Ferroviário foi por causa do Fagner. Não,
não. Minto.
B.B.- Em Fortaleza que foi por causa do Fagner.
E.S.- Do Fagner. O outro eu não sei. Eles vieram aqui e eu Falei: “Ah, eu vou
jogar três meses. Eu não conheço o Ceará mesmo.”
B.B.- Aí, você encerra a carreira no Bragantino, em 1982.
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E.S.- Foi quando... Por causa do Nabi que eu fui pra lá. Mas, também, eu ia
treinar num... Eu não morava lá. Eu ia treinar duas semanas; deixava o irmão do Ditão,
que era um preparador físico, lá, treinando o pessoal; e domingo eu ia jogar. Eu não
estava treinando mais. Não queria mais.
B.B.- Em 1982. Você acompanhou essas copas de 78, 82 e 86? Como é que
você viu os goleiros que, depois, foram... O Leão continuou, ainda, um tempo.
E.S.- Muito bem, o Leão foi bem e fez bem grandes Copas.
B.B.- Depois teve essa época em que o futebol brasileiro voltou a encantar,
mas não...
E.S.- Não ganhou, não é?
B.B.- Vencida.
E.S.- Eu fiquei chateado com uma da Argentina, que era uma seleção que eu
achava que era maravilhosa não é? Que tinha... Que o Peru entregou para Argentina,
tomou de cinco, e nós fomos desclassificados; tanto é que nós saímos invictos nessa
copa. Eu fiquei muito chateado. Eu acompanhei tudo. Os goleiros, todos que foram em
copas do mundo, foram muito bons.
B.B.- Para você era difícil ver a copa?
E.S.- Era difícil, eu não queria ver. [pausa]. Preferia pegar os resultados e tudo
mais. Até hoje, eu gosto de observar tudo; mas, sei lá, acho que minha... Porque tem a
fase que a gente passa também, não é? A gente tem que se sujeitar a isso. Passou,
acabou. Eu não vou viver do passado e não adianta. Até eu tenho álbuns e álbuns. Tudo
que eu tenho eu guardei. Tenho a camisa de 1970, tenho todas as medalhas, tenho as
minhas recordações. A minha sogra fez meus álbuns todos. Eu não gosto de ver que, às
vezes, eu até choro. É verdade. É difícil, é muita recordação. Toda... E o tempo passa
muito rápido, cara, você não acredita. Eu não acredito porque a cabeça da gente não
muda, não é? O corpo vai... Hoje eu tenho sessenta e cinco anos, e parece que eu vivo
ainda - tem jogos que eu lembro. Sonho, às vezes, que está jogando, é gozado. Porque é
muito, eu acho que marca muito, não é? Marca muito.
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B.B. – Ainda na era Telê, o Brasil teve o Zé Carlos – eu me lembro do Zé
Carlos. Depois, veio o Tafarel, também, que foi também o maior...
E.S. – O Tafarel, também – nossa – eu adoro o Tafarel. Um Goleiraço.Um
goleiraço, eu gostava muito... Olha, eu falo da minha geração: o Manga, eu adorava o
Manga; goleiraço, era o Castilho; então, o meu ídolo era Gilmar; Tafarel; o Leão, eu
acho um goleiro maravilhoso; o Raul, do Cruzeiro, foi um puta goleiro, não é? Numa
época, jogou no Atlético o Mazurkiewski, eu gostava dele também - curtia bem. Eu
gostava muito do Andrada. Esse negócio de bater na bola, assim, eu aprendi com ele.
Que [tow22], e vinha com ela na reta, não é? Não dava aquele chutão. Para chegar mais
rápido bo atacante e para não dar tempo do becão se recuperar, não é? Nossa, tem o
Gordon Banks, Gerd Muller, um centroavante que foi da Inglaterra não é? Nossa. Esses
caras têm... Quase todo mundo, Eu gosto. Eu, para recordar - às vezes - nomes, tenho
que ver os meus álbuns. Esses foram dos meus times; às vezes, tem jogador que eu
esqueço - quem jogou no meu time. Outro dia, eu estava vendo até um lateral esquerdo
antes de vir o... Era o Pedrinho, que jogou, lá, no Bangu; tem um tal de Pedro
Rodrigues. Eu falei: “pô, quando eu joguei com ele?” Aí eu fui vendo e, realmente, eu
joguei com esse jogador e tal. É que é muito... O futebol muito louco, meu, te deixa
doido, não é? Ele é muito louco.
B.B. – E você diz que foi difícil parar, esse momento de se reencontrar, mas
você disse que essa parte, essa área do comércio, você gostou.
E.S. – Ah, gostei porque é fascinante também, não é? Comércio. Você... É
legal porque a concorrência, não é? Depois, você está em contato com pessoas. Pô, eu
tinha essas pizzarias aí, tinha filas. Eu tinha um tremendo quadro meu com o símbolo do
Corinthians, porque eu adorava o Corinthians, eu sou Corintiano. Então, todo mundo ia
lá, ver. Pô, tinham uns caras que falavam: “Você não é corintiano, você é são paulino”.
Eu falei: “Que são paulino, eu sou corintiano.” Então, eu gostava não é? E me ajudou
muito nessa área. Pô, te abre. O futebol te abre um campo muito legal, se você souber
22Omaispróximodoquefoipossívelgrafar.
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usar o pós-futebol, aquilo que você adquiriu, para se projetar assim na área comercial,
ou qualquer outra... Te ajuda muito. Você tem...
B.B.- Você era...
E.S. – Você tem abertura.
B.B. – Você era reconhecido, na época, como o Ado, que foi jogador...
E.S. – Até hoje. Os alunos de escolinha, autógrafo e eu vou mostrar para o meu
pai. É legal. Pena, porque eu vou te ser sincero - vocês estão até recuperando imagens
nossas – que o Brasil não tem essa cultura de preservar os grandes ídolos que foram...
Não digo eu, que fui um grande ídolo, mas tem cara, que, às vezes fala: “Pô, foi tão...”.
O Tostão, por exemplo, ele escreve no jornal – tudo bem, tu não sabe -, mas parece que
ele, também, não dá entrevista e está revoltado com o mundo. Pô, não pode. Um Dirceu
Lopes. Você viu esse cara jogando? Era fantástico. Um Baldocchi, que tem fazenda no
interior. Um Roberto Miranda. O Rorberto Miranda estava na Copa do Mundo. É Um
cara que tinha... O joelho dele, ele mexia para lá e para cá; ele não tem esses ligamentos.
Ele jogava bola, sabe? São uns caras que, pelo que apresentaram na vida esportiva... É
impressionante como a gente é reconhecido, às vezes, e o que nos dá... A satisfação é
tão grande.
B.B. – E das grandes amizades do futebol, que ficou, quem que você, até hoje,
é amigo?
E.S. – Ah, o pessoal da nossa turma, lá, do moto clube que nós temos. O irmão
do Tuca, a gente convivia junto não é? Que era o Jardim Paulistano. O Zé Maria e o
Riva, que eram os meus amigos futebolistas; não é? Agora, fora, eu encontro, às vezes,
com alguns. Porque aqui, em São Paulo, é muito grande também, cada um tem que
cuidar do seu lado, não é? Ou muitos já se foram não é? Mas aqueles antigos, quando eu
encontro, é oba-oba e até logo. Eu não tenho mais aquela afinidade de... Eu também não
tive muitos amigos, ninguém tem. Eu vi uma pesquisa, aí, que você, na vida, tem cinco
ou seis amigos. Você pode conhecer quinhentas pessoas, mas, amigos, têm cinco. Você
sabia disso? Você chegou a ver? É verdade. Quantos amigos você tem, por
exemplo?C.B. – Eu acho que cinco, ou seis. [risos]E.S. – No máximo. Amigo do peito,
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amigo-irmão. Agora, eu tenho muito em Londrina. Eu vou até ser homenageado lá. Lá,
eu tenho aqueles amigos-irmãos. Sabe? Quando você viveu com eles... Eu vou dia dois
porque a minha mãe tem... Ela quebrou até o fêmur - tem noventa anos – e eu estou indo
constantemente para lá. E vão me homenagear lá em Londrina, com os ex-atletas do
Londrina, e tal. É legal. Lá, eu tenho os amigos mesmo de bater papo, “como é que está,
como é que está a família e tudo?” Hoje, já está todo mundo com [INAUDÍVEL], e já
tudo... [risos] Porque vai passando, não é? É legal.
B.B. – Você continua jogando pela seleção brasileira de máster. Como é que
foi isso? Luciano do Valle; depois, o Alfredo Mostarda, foi isso?
E.S. – Eu não me recordo do Alfredo.
B.B – Comandada pelo...
E.S. – Eu saí, também, porque enjoou.
B.B. – Como é que foi esse...
E.S. – Ah, nós disputamos vários campeonatos. A Copa Pelé... Até jogou o
Pelé uma aí, não é? Que era a Alemanha. Nós fomos viajar, uma vez, para... Não. Eu fui
na Itália. Eu peguei [INAUDÍVEL]. Nós fomos para Itália; disputamos o campeonato
lá; pá-pá-pá; eu joguei tudo; aí ganhamos; eu voltei e falei: “Eu não quero jogar mais,
não quero viajar mais.” Eu não gosto de avião, sabe? Falei: “Eu não quero viajar mais,
estou de saco cheio...” Tanto é que, em Londrina eu vou de carro sempre, não vou de
avião. E aí eu enjoei, digo assim, de jogar. Mas, depois... Não. Não é enjôo. Deixa eu
explicar direito. Você tem medo de ser ridículo porque, chega uma hora, em que você
tem que parar. Você não tem mais músculos pra isso. Você não tem mais condição
física, você não tem mais reflexos. E a posição minha, é uma posição em que o atacante
chega, ele está com a adrenalina a mil por hora, e ele quer te estourar no meio; nenhum
vai tocar de leve para o goleiro pegar. Ele vai querer te encher de bola. Eu andei
tomando umas pancadas fortes e falei: “Eu estou fora. Eu não vou me sacrificar mais
assim.” E é verdade - você pode notar - mesmo no futebolzinho que você faz, você
chega no gol e você quer detonar. Não tem jeito de você aliviar para o goleiro. E goleiro
só se ferra, só toma. Então eu falei: “Não”. Aí nós tínhamos um time lá, nas quadras que
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eu tenho, em que a gente jogava e eu jogava de quarto zagueiro. Só tocando, pá-pá-pá, e
não ia no gol mais. Não vou no gol. Mas nem brincando eu vou mais. O Gilmar era
assim. Depois que ele parou de jogar bola, ele nunca mais jogou no gol. O dos Santos
Neves não é?
B.B. – Você falou dessa ausência de valorização, no Brasil, de preservação do
passado dos ídolos.
E.S. - Da cultura.
B.B. – Você, em 2006, se associou, se integrou a essa associação de campeões
mundiais. É um pouco nesse sentido de buscar aquilo que, na Europa, os jogadores
fazem?
E.S. – É. Eu senti. Eu queria ver a turma também, porque é muito difícil juntar.
Então, quando o Luciano montou essa equipe, ele me deu uma relação do que vinha,
que era o Jairzinho... Só o Tostão que não veio. O Pelé vinha de vez em quando; vinha o
Carlos Alberto; o Riva; vinha todo mundo. Eu falei: “Opa, vou reviver um pouco aí,
porque está... Como é que estão o pessoal, a gente vai se juntar novamente, não é? O
Gérson parece que jogou umas partidas aí. Era legal, o Brito vinha. Vinha todo mundo,
e eu falava: “Ah, vamos ver, um pouco, como é que é não é?” Mas é o tal negócio,
goleiro é muito sacrificado. Se você é um atacante, ou um beck, você não precisa
treinar. Você sabendo tocar na bola, os caras: “Uh, ele sabe tocar.” O goleiro, se não
souber cair mais, dar um salto ou uma ponte, “frangueiro, está morto e não sei o quê...”
Então... “Era igual antes e que não sei o quê”. Então falam. Para você evitar esse tipo de
comentário, você se isola, não é? Você tem que treinar, o goleiro tem que treinar. Não
tem jeito. Você aprende a cair e aprende a subir. Então eu queria reviver o passado,
encontrar com a turma, com os campeões do mundo. Nós somos até desunidos. Agora,
o filho do Gilmar criou uma Associação dos Ex-Campeões do Mundo. De vez em
quando nós nos reunimos. Eu acho isso muito legal cara, é Muito legal. Eu vejo o
pessoal, a gente vai jantar juntos. Vai lá, revive, brinca e fala umas bobagens, não é? É
legal. Devia ter associações para isso, não é? Mas estão criando. Os sindicatos não
servem para nada. Agora, essa Associação que o filho do Gilmar criou é muito legal.
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B.B. – Ado, estamos caminhando para o fim; e fica, aí, a expectativa, o desafio,
para o Brasil, como seleção - como um time - e com um governo, de receber e
recepcionar... Sendo os anfitriões de uma copa do mundo. Sessenta e quatro anos depois
de termos sediado uma copa. Como é que você está vendo esse momento?
E.S. – Olha, eu estou meio temeroso. Eu não digo, assim, na situação estrutura
de campos; eu acho que o pessoal, nessa área, vai dar conta. Eu tenho um pouco de
medo é com segurança. Eu acho que o Brasil precisa tomar uma decisão muito forte.
Ainda têm problemas e estrutura. O que é? Aeroportos, locomoção. Porque, uma copa
do mundo... Eu estive na Alemanha, na última aí. É uma loucura, meu, o que vem de
gente, o público que vem de fora... Arrecada. A gente precisa estar em condições. Está
se falando muito em trem, aeroportos; mas, poxa, a gente não vê agilidade nisso.
Tomara que, até lá, esteja tudo certo. E a nossa seleção, também, consiga... Nós
consigamos montar uma seleção boa para chegar e ganhar; para ser um marco mesmo
no mundo. É bom ter uma copa do mundo porque alavanca o país, sabe? É legal. Cresce
muito, toda essa infra-estrutura que está sendo montada, isso, futuramente, vai ser tudo
benefício nosso; inclusive entrada,estrangeiros aqui. É legal, acho muito bom e sou a
favor de uma copa do mundo aqui. Agora, eles precisam melhorar um pouco mais,
agilizar mais rápido a parte estrutural, para receber esse público que, com certeza, vai
vir visitar o Brasil. Principalmente, eu acho que é mais ainda do que qualquer outro país
do mundo. Porque, o Brasil, é um país ascendente, não é? Está muito forte, todo mundo
quer ver isso aqui. Vai ser uma loucura. Por isso que os governantes se cuidem porque a
demanda vai ser muito grande. Preparem todos os aeroportos, tudo, porque nós vamos
precisar de muita estrutura para isso.
B.B. – Você então esteve na copa de 2006, na Alemanha?
E.S. – Fui convidado pela FIFA. Todos os tricampeões do mundo. O
Beckenbauer que nos convidou. Foi legal, muito legal. Muita estrutura bonita. E eles
não têm, assim... Às vezes eu falo: aqui, no Brasil, nós temos tantos campos bons. Aqui,
nós tínhamos... Eu não sou contra o Corinthians, vai, mas tinha o Morumbi. Eu não sei
se precisava gastar oitocentos, novecentos, ou um bilhão, aí... Dar uma reformada. Você
vai para o nordeste, pô, o Ceará tem um estádio lá que é brincadeira. Jogam no Pici, mas
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o estádio lá... Sei lá, o Pelézão. Nós temos estádios maravilhosos aqui, meu. Era só dar
uma conservada, mas tomara que dê tudo certo. Eu acho que vai dar tudo certo. O
Itaquerão vai estar aí, vai ser a nossa estréia e vou comprar uma cativa lá. Eu acho que
nós vamos chegar lá, até lá... Vamos fazer um campeonato que vai ser exemplo para o
mundo inteiro, eu tenho certeza. Que até lá vai estar todo pronto. Eu só espero que o
governo, que os governos aí, agilizem bastante - mais rápido possível -, esses campos,
aeroportos etc. Tem coisas que eu não me conformo, às vezes, nós temos Vira-Copos aí,
porque não tem um trem bala até lá? Precisa fazer até o Rio, não é verdade? Vira-Copos
é um aeroporto maravilhoso e agente ampliar isso aí. Mas eu acho que vai dar certo.
Tem boa gente na política, aí, que sabe e tem estrutura, não é? Eu acho que eles vão
conseguir colocar o Brasil numa situação que vai ser invejada pelo mundo todo. Nós já
somos, não é? [risos].
B.B. – Ado, chegamos, então, ao final desse depoimento. A sua entrevista vai
ficar para o acervo do Museu do Futebol, para que o público que venha visitar a
exposição possa também conhecer a sua história, as novas gerações.
E.S. – Ah, legal.
B.B.- Adoramos. Queremos te agradecer muito pela oportunidade...
E.S. – Eu agradeço a oportunidade também. Isso é um motivo de satisfação
para mim. Realmente, é bom ficar nos anais. Quem sabe, amanhã, o meu neto vem aqui,
“vou escutar o vovô.” Ele vai lá e vai ouvir. Muito obrigado a vocês também, e pode
contar, se alguma coisa não ficou boa, depois eu venho aqui e refaço para vocês. Está
bom, moçada? Valeu. Não tem problema.
[FINAL DO DEPOIMENTO]