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EDUARDO PEREIRA SANTOS RELAÇÕES DIALÓGICAS EM CAPÍTULOS DO LIVRO DIDÁTICO: “PORTUGUÊS LINGUAGENS” FRANCA 2015

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EDUARDO PEREIRA SANTOS

RELAÇÕES DIALÓGICAS EM CAPÍTULOS DO LIVRO DIDÁTICO:

“PORTUGUÊS LINGUAGENS”

FRANCA

2015

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EDUARDO PEREIRA SANTOS

RELAÇÕES DIALÓGICAS EM CAPÍTULOS DO LIVRO DIDÁTICO:

“PORTUGUÊS LINGUAGENS”

Dissertação apresentada à Universidade de

Franca, como exigência parcial para a obtenção

do título de Mestre em Linguística.

Orientadora: Profa. Dra. Camila de Araújo

Beraldo Ludovice

FRANCA

2015

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EDUARDO PEREIRA SANTOS

RELAÇÕES DIALÓGICAS EM CAPÍTULOS DO LIVRO DIDÁTICO

“PORTUGUÊS LINGUAGENS”

COMISSÃO JULGADORA DO PROGRAMA DE MESTRADO EM LINGUÍSTICA

Presidente: Profa. Dra. Camila de Araújo Beraldo Ludovice

Universidade de Franca

Titular 1: Profa. Dra. Maria de Lourdes Ortiz Gandini Baldan

UNESP - Araraquara

Titular 2: Prof. Dr. Juscelino Pernambuco

Universidade de Franca

Franca, 30/01/2015

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DEDICO a meu pai Elias, que me ensinou a trilhar o caminho da

honestidade e da humildade; a minha mãe Débora, que me

incentivou a estudar e jamais desistir dos meus ideais; a minhas

irmãs Elaine, Elisa e Elisana; a Hanielle, meu amor. Por fim, a

meus familiares e amigos.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela vida, pela grandeza do seu amor e pela graça da salvação.

Ao meu pai Elias e à minha mãe Débora, por tudo.

Às minhas irmãs Elaine, Elisa e Elisana, pelo apoio e incentivo.

Ao meu grande amor, Hanielle, por estar sempre ao meu lado.

Aos meus familiares e amigos, pela confiança e estímulo.

À minha orientadora, Profa. Dra. Camila de Araújo Beraldo Ludovice, pela

amizade, confiança, orientação segura e, principalmente, por me ensinar que o caminho se

constrõe com os passos.

Ao professor Dr. Juscelino Pernambuco e à professora Dra. Aline Maria

Pacífico Manfrim que compuseram minha banca de qualificação e colaboraram muito para o

êxito deste trabalho com seus preciosos apontamentos e sugestões oportunas.

À professora Dra. Maria de Lourdes Ortiz Gandini Baldan e ao professor Dr.

Juscelino Pernambuco por aceitarem participar da minha banca de defesa, o que muito me

engrandeceu.

À professora Dra. Vera Lúcia Rodella Abriata, coordenadora do Programa de

Mestrado em Linguística da UNIFRAN, pelo incentivo e apoio.

A todos os professores do Mestrado em Linguística da Universidade de Franca.

Aos secretários do mestrado, Adriana e Thércius.

Ao PROSUP/CAPES pelo fomento à minha pesquisa, o que viabilizou o meu

sonho de ser mestre.

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A única forma adequada de expressão verbal da autêntica vida

do homem é o diálogo inconcluso. A vida é dialógica por

natureza. Viver significa participar do diálogo: interrogar,

ouvir, responder, concordar, etc. (...)

BAKHTIN

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RESUMO

SANTOS, Eduardo Pereira. Relações dialógicas em capítulos do livro didático: “Português

Linguagens”. 2015. 90f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade de Franca,

Franca.

Este trabalho tem como objetivo analisar como se dão as relações dialógicas dos enunciados de

três capítulos denominados “Diálogos”, um de cada volume, do manual didático “Português

Linguagens: Literatura, Produção de Texto e Gramática”, para o Ensino Médio, dos autores

William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães, a fim de examinar se as propostas de

atividades desses capítulos fundamentam-se no pensamento bakhtiniano sobre enunciado,

gênero discursivo e dialogismo, bem como verificar se tais exercícios podem favorecer a

compreensão e o aprendizado do aluno a respeito dos conteúdos abordados, tendo em vista o

disposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (2000). Elege-se o referido

livro didático por ter sido adotado em inúmeras escolas públicas estaduais, nos últimos três

anos. Com vistas a alcançar os objetivos propostos, retomam-se as reflexões sobre Bakhtin

(2006, 2011), e os estudos de Brait (2005, 2012), Faraco (2009), Fiorin (2008), Grillo (2005),

Machado (2005), Marcuschi (2008), Marchezan (2005), Stam (1992, 2008), Sobral (2009),

dentre outros. As análises deixam evidências de que as propostas do livro didático em análise

não se apoiam no pensamento bakhtiniano sobre relações dialógicas, enunciado e gênero

discursivo. Espera-se que a presente pesquisa seja referência para professores de Língua

Portuguesa, educadores de modo geral e pesquisadores que desenvolvem trabalhos nessa área

de estudo.

Palavras-Chave: Bakhtin; livro didático; diálogo; gênero.

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ABSTRACT

SANTOS, Eduardo Pereira. Dialogical relations in chapters of the textbook: "Português

Linguagens". 2015. 90f. Dissertation (Master in Linguistics) – Universidade de Franca,

Franca.

The aim of this paper is to analyze how are the dialogical relations in the enunciation of three

chapters called "Diálogos", one of each volume of the textbook "Português Linguagens:

Literatura, Produção de Texto e Gramática", applied to High School, written by William

Roberto Cereja and Thereza Cochar Magalhães, in order to examine whether the proposed

activities of these chapters are based on Bakhtin's thoughts about enunciation, discursive

genre, and dialogism, as well as to verify if such exercises can promote student's understanding

and learning about the covered content, according to the Parâmetros Curriculares Nacionais do

Ensino Médio (2000). This textbook was chosen for having been adopted in several public

schools in the past three years. In order to achieve the proposed aim, it is used the reflections

on Bakhtin (2006, 2011), and the studies of Brait (2005, 2012), Faraco (2009), Fiorin (2008),

Grillo (2005), Machado (2005), Marcuschi (2008), Marchezan (2005), Stam (1992, 2008),

Sobral (2009), among others. Analyses evidenced that the proposals of the textbook in

question are not based on Bakhtin's thought on dialogic relations, enunciation and discursive

genre. It is expected that this research became a reference to Portuguese teachers, educators in

general, and researchers who work in this area of study.

Keywords: Bakhtin; textbook; dialogue; genre.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – O juramento dos Horácios (1784), Jacques-Louis David 52

Figura 2 – Atividade do livro 53

Figura 3 – Diálogo entre cinema e Iluminismo 57

Figura 4 – Atividade do livro 58

Figura 5 – As peneiradoras de trigo (1854), Gustave Courbet 65

Figura 6 – Atividade do livro 65

Figura 7 – As contradições do século XIX 68

Figura 8 – Não à fuga da realidade 68

Figura 9 – Texto I: Fragmento do romance “O cortiço” (1970), de Aluísio Azevedo 70

Figura 10 – Texto II: Fragmento do conto “Chigubo”, de José Craveirinha 71

Figura 11 – Atividade do livro 72

Figura 12 – Atividade do livro 75

Figura 13 – Atividade do livro 76

Figura 14 – Atividade do livro 77

Figura 15 – Cena do filme “O cheiro do ralo” (2007), de Heitor Dhalia 80

Figura 16 – Atividade do livro 83

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 11

1 O DIALOGISMO EM BAKHTIN: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ................. 14

1.1 DIÁLOGO: ESPAÇO DE INTERAÇÃO E TENSÃO ENTRE ENUNCIADOS ... 18

1.2 O SUJEITO DIALÓGICO ..................................................................................... 24

2 OS GÊNEROS DISCURSIVOS.......................................................................... 30

2.1 GÊNEROS DISCURSIVOS NOS PCNS ............................................................... 44

2.2 O CONCEITO DE ESFERA IDEOLÓGICA OU CAMPO DISCURSIVO ............ 45

2.3 SUPORTES DE GÊNERO ..................................................................................... 46

3 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DO CORPUS .................................................. 49

3.1 RELAÇÕES DIALÓGICAS NO CAPÍTULO 8 “DIÁLOGOS”, VOLUME I ......... 49

3.2 RELAÇÕES DIALÓGICAS NO CAPÍTULO 11 “DIÁLOGOS”, VOLUME II ..... 63

3.3 RELAÇÕES DIALÓGICAS NO CAPÍTULO 10 “DIÁLOGOS”, VOLUME III .... 79

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 87

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 89

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INTRODUÇÃO

O tema que fundamenta e estimula a presente pesquisa são as relações

dialógicas que se estabelecem entre os enunciados e no seu interior, sabendo que, todos os

enunciados, na perspectiva de Bakhtin, compõem-se de outros e por eles são confrontados,

numa contínua interação dialógica no processo de construção de sentido.

Nesta pesquisa, analisam-se três capítulos do livro didático “Português

Linguagens: Literatura, Produção de Texto e Gramática”, para o Ensino Médio, dos autores

William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães, conforme se descrevem adiante.

O livro didático tem elevada importância no ensino de Língua Portuguesa, pois,

segundo o Guia do PNLD (2014), deve buscar oferecer subsídios para ampliar a compreensão

do aluno sobre a língua materna e promover seu desenvolvimento para o uso social da

linguagem.

Portanto, conforme mencionam os Parâmetros Curriculares Nacionais para o

Ensino Médio (Brasil, 2000), a atividade de reflexão sobre a linguagem e o conhecimento de

Língua Portuguesa, na perspectiva de seu funcionamento, atende à demanda de

desenvolvimento intelectual do aluno para o exercício da cidadania e a vida social.

O propósito desse trabalho é examinar como se dão as relações dialógicas nos

capítulos escolhidos do referido manual didático, a fim de verificar se as propostas de

atividades oportunizam ao aluno interagir dialogicamente com os enunciados, e, a partir disso,

construir conhecimento sobre os temas abordados, tendo em vista o pensamento bakhtiniano

sobre dialogismo, enunciado e seus tipos estáveis, bem como as orientações dos Parâmetros

Curriculares Nacionais do Ensino Médio (Brasil, 2000).

O livro didático “Português Linguagens” é organizado em três volumes que, por

sua vez, são dispostos em unidades e capítulos. Nele, com exceção da primeira unidade do

primeiro volume, todas as demais apresentam um capítulo denominado “Diálogos”.

Esses capítulos abordam temas sobre Literatura, referindo-se a conteúdos

tratados em outros capítulos do mesmo volume. Neles, são sugeridas análises de uma ou mais

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obras, em parte ou integralmente, dentre as quais, trechos de obras literárias, imagens, filmes,

história em quadrinhos, dentre outros.

Para este estudo, foram selecionados três desses capítulos, um de cada volume

do livro didático, que se revelam mais completos, por apresentarem um texto de abertura, uma

imagem e um filme, e respectivas atividades, além de outros trechos de obras literárias e textos

explicativos, favorecendo uma análise mais ampla.

Desse modo, foram selecionados os seguintes capítulos do livro didático

“Português Linguagens”: Capítulo 8 “Diálogos”, da Unidade 4 – “História Social do

Arcadismo”, do Volume I; Capítulo 11 “Diálogos”, da Unidade 3 – “História Social do

Realismo, do Naturalismo e do Parnasianismo”, do Volume II; e Capítulo 10 “Diálogos”, da

Unidade 4 – “A literatura contemporânea”, do Volume III.

Para realização da pesquisa, examina-se separadamente cada capítulo

selecionado, dando origem a três partes distintas de análises, que são sucessivamente

apresentadas. Sendo assim, procede-se à leitura dos enunciados e à respectiva análise de seu

tema: primeiro, do texto de abertura, em seguida, da obra e sua atividade, caso haja, e, logo

após, do filme e sua atividade.

Para oferecer eficiência à análise, sem perder sua eficácia, no momento em que

se estudam as atividades sugeridas, não se examina cada questão individualmente, nem

aspectos relativos à organização composicional ou ao estilo, mas o conjunto de informações

nelas presentes, relativas à sua temática, mapeando, sobretudo, as relações dialógicas que nelas

se evidenciam.

Com o intuito de atingir os objetivos propostos, retomam-se as reflexões de

Bakhtin (2006, 2011), e de estudiosos de sua obra, dentre os quais, Brait (2005, 2012), Faraco

(2007, 2009), Fiorin (2008), Grillo (2005), Machado (2005, 2007), Marchezan (2005), Stam

(1992, 2008) e Sobral (2009).

Nesse sentido, realiza-se um estudo sobre enunciado, gêneros discursivos e

dialogismo no pensamento de Bakhtin e nas contribuições de estudiosos que abordam seus

conceitos. Para estudar o tema suporte de gênero, recorre-se às reflexões de Marcuschi

(2008), em razão de esse assunto não ter sido tratado por esse filósofo russo.

Na perspectiva bakhtiniana, compreendem-se enunciados como unidades reais

da comunicação, que apresentam peculiaridades estruturais comuns e limites definidos, sendo

que, anterior ao seu início há os enunciados alheios e, após seu término, há abertura para a

palavra do outro, que é convocado a assumir uma atitude responsiva.

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Os enunciados são relativamente estabilizados num dado campo discursivo,

constituindo os gêneros do discurso. Estes se vinculam aos campos da atividade humana e

refletem suas condições específicas e finalidades, por seu conteúdo temático, estilo e

organização composicional.

As reflexões de Bakhtin sobre gêneros do discurso não propõem classificações

específicas, por não ser esse seu interesse, porém oferecem ricas contribuições teóricas,

favorecendo uma compreensão muito abrangente sobre esse tema. Desse modo, ao longo de

sua obra, são apresentados importantes apontamentos para o estudo de gênero, sobretudo, a

respeito do romance, para o qual dedicou grande parte de sua produção literária.

Desta forma, muitos estudiosos de gêneros fundamentam suas reflexões em

Bakhtin, ancorando em seus conceitos para avançarem nos estudos de outros tipos estáveis de

enunciados, diferentes do romance.

Ao se examinarem os enunciados e seus tipos estáveis, na perspectiva de

Bakhtin, não se deve perder de vista o caráter dialógico da linguagem e, nesse sentido, as

relações que se estabelecem entre eles.

Esta dissertação apresenta-se organizada em três capítulos. No primeiro

capítulo é abordado o conceito de dialogismo, que perpassa toda a obra de Bakhtin,

constituindo o eixo de seu pensamento e servindo de fundamento para a sua concepção de

linguagem. Nele também se desenvolvem reflexões sobre os apontamentos desse filósofo da

linguagem a respeito das relações dialógicas que se estabelecem no confronto entre os

enunciados e no seu interior, bem como questões sobre a natureza e o limite do enunciado, o

diálogo do cotidiano e a réplica, o diálogo nas esferas mais elaboradas da atividade humana, a

atitude responsiva do sujeito e o caráter dialógico da linguagem.

No segundo capítulo são tratadas questões referentes ao conceito de gêneros

discursivos, gêneros primários e secundários, esfera e campo, suporte de gênero, e as

orientações para o estudo de gênero nos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 2000).

No terceiro capítulo são descritas e contextualizadas as propostas dos tópicos

em análise e também se verifica como se dão as relações dialógicas entre os enunciados e no

seu interior, no mesmo capítulo e em outros do volume em que estão inseridos.

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1 O DIALOGISMO EM BAKHTIN: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

O dialogismo perpassa toda a obra de Bakhtin, por constituir o eixo de seu

pensamento. Tal é a importância desse conceito, examinado sob diferentes perspectivas, que,

além de ter servido de alicerce à sua concepção de linguagem, possibilitou a fundamentação de

sua antropologia filosófica.

Segundo explica Faraco (2007), na concepção de Bakhtin, o caráter dialógico

da linguagem é o centro de qualquer tentativa de se buscar resolver de maneira satisfatória os

problemas da linguística e da filosofia da linguagem.

Para Bakhtin (2011), a vida é por essência dialógica, pois, viver é se envolver

em diálogo.

Nesse diálogo o homem participa inteiro e com toda a vida: com os olhos, os

lábios, as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, os atos. Aplica-se

totalmente na palavra, e essa palavra entra no tecido dialógico da vida

humana, no simpósio universal (BAKHTIN, 2011, p. 348).

Como a vida humana é representada pela linguagem, ou seja, os homens não

têm acesso direto à realidade, porque ela é apresentada semioticamente, a palavra emerge

sempre em relações dialógicas com outra já existente.

Conforme menciona Sobral (2009), no pensamento bakhtiniano, o sujeito

apreende a linguagem utilizando a própria linguagem, nas situações discursivas. Portanto, o

caráter dialógico da linguagem de Bakhtin refere-se a contextos de produção de enunciados.

De acordo com o pensamento bakhtiniano, o discurso sempre se manifesta em

forma de enunciados elaborados pelo sujeito do discurso, não sendo possível sua existência

fora dessa forma. E, por mais distintos que sejam os enunciados, eles se apresentam como

unidades reais da comunicação, com peculiaridades estruturais comuns e limites bem definidos.

Nessa perspectiva, os enunciados são entendidos como unidades reais, e não

convencionais, da comunicação, delimitados pela alternância dos sujeitos participantes do

discurso. Em relação a esse conceito bakhtiniano, Marchezan (2005) explica que a alternância

entre os enunciados relativamente acabados pode se realizar num vasto mundo de interação

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dialógica, em que estão presentes vozes sociais, marcadas no contexto histórico, cultural e

social.

Para Bakhtin (2011), desde a simples réplica do diálogo monovocal cotidiano

até o romance ou tratado científico, qualquer enunciado é dotado de um começo e um término

absolutos, sendo que, anterior ao seu início há os enunciados alheios e, após seu fim, reside a

palavra do outro que é convocado a assumir uma atitude responsiva.

A alternância dos sujeitos assume diferentes formas, de acordo com as diversas

funções da linguagem e situações comunicativas. No diálogo real, ela se evidencia de maneira

mais simples, precisa e explícita, em forma de réplica entre os interlocutores do diálogo, sendo

esta a forma clássica da comunicação discursiva.

Conforme explica Bakhtin (2011, p. 276), as réplicas do diálogo, que se

manifestam entre enunciações de diferentes sujeitos do discurso, estão sempre interligadas. E

essas interações “são apenas modalidades das relações específicas entre as enunciações plenas

no processo de comunicação discursiva”.

Embora a alternância dos sujeitos do discurso, que delimita os enunciados, seja

mais evidente entre as réplicas do diálogo, está também presente nos campos da comunicação

discursiva mais complexamente organizados. Conforme explica Bakhtin (2011), as obras que

apresentam construções mais elaboradas, são também unidades da comunicação discursiva e,

portanto, apresentam a mesma natureza dos limites do enunciado.

Ao se estabelecer esse limite de precisão externa, a obra adquire um caráter

interno, que se constitui pela marca da individualidade de seu autor, o sujeito do discurso.

Essa marca da individualidade, jacente na obra, é o que cria princípios

interiores específicos que a separam de outras obras a ela vinculadas no

processo de comunicação discursiva de um dado campo cultural: das obras

dos predecessores nas quais o autor se baseia, de outras obras da mesma

corrente, das obras das correntes hostis combatidas pelo autor, etc

(BAKHTIN, 2011, p. 279)

Assim sendo, conforme afirma Bakhtin (2011), a obra, à semelhança da réplica

do diálogo, está interligada a outras obras e delas se separa pelos limites precisos da

alternância dos sujeitos do discurso; é respondente de outras obras, de enunciados, e suscita

resposta do outro, provoca atitudes responsivas, nas diversas condições de comunicação

discursiva de uma determinada esfera da cultura.

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Outro importante conceito bakhtiniano que se refere ao enunciado é o da

conclusibilidade. Conforme explica o filósofo russo, a conclusibilidade é uma característica

interna da alternância dos sujeitos do discurso, que ocorre em razão de o falante ter expresso

tudo o que se propôs a dizer, em dada situação e sob condição específica. Sendo assim, o

término do enunciado se mostra por um aspecto conclusivo do falante, o qual é nitidamente

percebido pelo interlocutor.

Segundo Bakhtin (2011), a possibilidade de responder ao enunciado, de assumir

posição responsiva a partir dele, é o critério mais importante de sua conclusibilidade. Por isso,

o enunciado é definido como a unidade da comunicação verbal, que somente se revela como

tal ao ser introduzido na esfera do discurso, onde é fixada a posição social do sujeito,

possibilitando a réplica, a atitude responsiva.

Toda compreensão de um enunciado, tenha ele a dimensão que tiver, implica

uma responsividade, ou seja, é sempre portadora de resposta. O interlocutor, ao receber e

compreender a significação enunciativa, assume em relação ao enunciado uma atitude

responsiva.

Nessa direção, Bakhtin (2011, p. 271) afirma que:

[...] o ouvinte, ao perceber e compreender o significado (linguístico) do

discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição

responsiva: concorda ou discorda dele (total ou parcialmente), completa-o,

aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc.; essa posição responsiva do ouvinte se

forma ao longo de todo o processo de audição e compreensão desde o seu

início, às vezes literalmente a partir da primeira palavra do falante.

Dessa forma, ao enunciar, o sujeito conta com a atitude ativamente responsiva

do interlocutor, que se manifesta com uma opinião favorável ou contrária, uma refutação, um

cumprimento de ordem, etc. Não é, pois, sua expectativa a compreensão passiva, já que “o

empenho em tornar inteligível a sua fala é apenas o momento abstrato do projeto concreto e

pleno de discurso do falante” (BAKHTIN, 2011, p. 272).

Segundo Bakhtin (2011), tanto para o discurso escrito quanto para o lido, a

resposta pode ocorrer imediatamente após o enunciado ou posteriormente, de forma tardia.

A resposta imediata é a compreensão responsiva do ouvido, que se realiza

imediatamente na ação, como, por exemplo, o cumprimento da ordem ou comando,

prontamente compreendidos e acolhidos para serem executados.

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A resposta não imediata manifesta-se esporadicamente, em forma de uma

compreensão responsiva silenciosa, como ocorre, por exemplo, com os gêneros da complexa

comunicação cultural, os quais provocam uma atitude responsiva de efeito retardado: que há

de se manifestar eventualmente em discursos posteriores ou em posição a ser assumida pelo

interlocutor. De acordo com Bakhtin (2011, p. 272), “toda compreensão plena real é

ativamente responsiva e não é senão uma fase inicial preparatória da resposta (seja qual for a

forma que ela se dê).”

A ideia de compreensão ativa aclara o movimento dialógico da enunciação, que

é o espaço em que se dá a relação entre locutor e interlocutor. O enunciado é compreendido

pelo outro ao despertar nele ressonâncias ideológicas ou da vida. Nesse sentido, segundo o

pensamento bakhtiniano, compreender não é o mesmo que identificar a forma linguística, já

que, nessa perspectiva, dá-se ênfase à interação dos significados das palavras e seu conteúdo

ideológico, não apenas do ponto de vista enunciativo, mas, principalmente, do ponto de vista

das condições de produção e da interação entre os sujeitos.

Desse modo, um enunciado só é compreensível no interior do contexto social,

político, cultural e histórico em que ele acontece. O diálogo que ocorre entre interlocutores se

realiza sempre em um tempo e local específicos, contudo, suscetíveis à variação do contexto.

A respeito disso, Machado (2007) menciona que, na perspectiva bakhtiniana,

todo dizer reflete a situação de onde ele é dito, pois o diálogo é um evento que se realiza na

unidade espaço-tempo do processo comunicativo. A partir desse lugar, somente é possível ao

sujeito um único ângulo de visão, determinado pela imposição dos limites do tempo e espaço.

Conforme menciona Machado (2007, p. 194), para Bakhtin, cada enunciado se

origina de uma posição determinada, ou seja, “[...] uma resposta se define enquanto tal porque

se coloca como contracampo de uma pergunta, configurando um campo de visão específico”.

Desta forma, só se torna viável o exame do enunciado na compreensão do movimento

interativo da enunciação, entendida como unidade espaço-temporal.

A visão de um objeto é determinada pelo posicionamento do indivíduo em

relação a ele. Assim, o sujeito só consegue ver aquilo que a visão do outro não alcança, em

detrimento da posição por ele ocupada no espaço. Por isso, conforme afirma Machado (2007),

a noção do ato dialógico de Bakhtin leva em conta o posicionamento do sujeito no espaço em

relação ao objeto, pois é isso que determina o sentido do discurso.

Contudo, segundo Bakhtin, aquilo que está fora do olhar do sujeito, o que

excede a sua visão, também potencializa o significado. Nessa direção, Machado (2007, p. 195)

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explica que “na esfera das relações humanas e da comunicação o excedente da visão é tão

importante quanto aquilo que se oferece explicitamente ao olhar”.

Sendo assim, compreende-se que no enunciado residem o ponto de vista do

interlocutor, a extrapolação deste ângulo de visão, a marca histórica, temporal e social e as

significações advindas das relações dialógicas que se estabeleceram com outros enunciados.

Nessa perspectiva, o enunciado precisa ser entendido como uma resposta aos

enunciados que o precedem de certa esfera da atividade humana e como provocação àqueles

que os sucederão, pois ocupa uma posição específica em determinado campo da comunicação

discursiva sobre certo assunto, sendo tal posição inevitavelmente vinculada a outras, já que, de

acordo com Bakhtin (2011, p. 272), “cada enunciado é um elo na corrente complexamente

organizada de outros enunciados”.

1.1 DIÁLOGO: ESPAÇO DE INTERAÇÃO E DE TENSÃO ENTRE ENUNCIADOS

Na perspectiva bakhtiniana, o diálogo pode-se estabelecer entre enunciados

relativamente completos e no próprio enunciado, em relação a suas partes significantes ou a

uma só palavra em seu interior, quando ela é um signo da posição semântica de outro sujeito.

Portanto, as relações dialógicas se manifestam no confronto dos enunciados e no seu interior.

Fiorin (2008), ao abordar o primeiro conceito de Dialogismo, na perspectiva

bakhtiniana, explica que os enunciados estão sempre em relação dialógica com outros, na

interação social.

Numa formação social determinada, operam o presente, ou seja, os múltiplos

enunciados em circulação sobre todos os temas; o passado, isto é, os

enunciados legados pela tradição de que a atualidade é depositária, e o

futuro, os enunciados que falam dos objetivos e das utopias dessa

contemporaneidade (FIORIN, 2008, p. 30).

Nesse sentido, compreende-se que nos enunciados ocorre uma dialogização

interna da palavra, que é perpassada sempre pela palavra do outro. Isso significa que o

enunciado, para constituir um discurso, traz o discurso de outrem, que está presente no seu.

Desta forma, todo discurso está fatalmente atravessado pelo discurso alheio, tendo em vista

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que, de acordo com Bakhtin (2011, p. 313), “o enunciado em sua plenitude é enformado como

tal pelos elementos extralinguísticos (dialógicos), está ligado a outros enunciados”.

E, nessa abrangência, sucedem-se também as relações dialógicas entre os

enunciados, pois, segundo afirma Bakhtin, ao se confrontarem enunciados que apresentam

convergência de sentido, ainda que estes estejam separados no tempo e no espaço, são

reveladas suas relações dialógicas. Isso ocorre em qualquer ponto do vasto universo da criação

ideológica do intercâmbio sociocultural, tendo em vista que nos diálogos habitam as marcas

sociais e históricas de uma dada cultura.

Conforme afirma Bakhtin (2011, p. 331):

Dois enunciados distantes um do outro, tanto no tempo quanto no espaço,

que nada sabem um sobre o outro, no confronto dos sentidos revelam

relações dialógicas se entre eles há ao menos alguma convergência de

sentidos (ainda que seja uma identidade particular do tema, do ponto de

vista, etc.).

Portanto, para se compreenderem as relações dialógicas entre os enunciados,

necessário se faz identificar o processo histórico em que elas ocorrem, ou seja, levar em conta

a historicidade dos enunciados.

Segundo Bakhtin, a historicidade não é captada por meio de informações

colhidas a respeito das circunstâncias de sua produção e de dados biográficos do seu autor.

Seu alcance é realmente possível no próprio movimento linguístico de sua constituição, na

compreensão de suas relações dialógicas com o discurso alheio.

Sendo assim, os enunciados resultam de posições sociais assumidas pelo sujeito

e são marcados pelas posições dos outros sujeitos envolvidos no discurso, ou seja, pela

manifestação das vozes sociais.

A respeito disso, Faraco (2009) explica que, na concepção bakhtiniana, relações

dialógicas são as que ocorrem entre indicadores sociais de valor que integram todo enunciado,

assimilado como unidade da interação entre pessoas socialmente organizadas. O diálogo é,

pois, um espaço em que se interagem as vozes sociais.

Bakhtin (2011) afirma que um enunciado é a réplica de outro, em que residem

pelo menos duas vozes. Dessa maneira, afirma-se a heterogeneidade do enunciado, uma vez

que nele se revelam duas posições, a sua e a oposta, levando-se em conta tanto o social quanto

o individual.

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Dessa maneira, a constituição e o desenvolvimento da experiência discursiva

individual do sujeito se dá continuamente com os enunciados individuais alheios. Em boa

medida, tal experiência pode ser entendida como movimento de assimilação das palavras do

outro.

Nessa linha de pensamento, compreende-se que todos os enunciados são

povoados de palavras alheias portadoras de expressividade e tom valorativo, que são

assimilados reelaborados e reacentuados pelo interlocutor.

Na visão bakhtiniana, o sujeito toma a palavra do seu conjunto enunciativo e,

assim, nela reside sua marca expressiva. Essa expressão não está puramente na palavra, na

língua, mas no discurso do qual se origina.

Conforme afirma Bakhtin (2011, p. 294),

Por isso pode-se dizer que qualquer palavra existe para o falante em três

aspectos: como palavra da língua neutra e não pertencente a ninguém; como

palavra alheia dos outros, cheia de ecos de outros enunciados; e, por último,

como a minha palavra, porque uma vez que eu opero com ela em uma

situação determinada, como intenção discursiva determinada, ela já está

compenetrada da minha expressão. Nos dois aspectos finais, a palavra é

expressiva mas essa expressão, reiteramos, não pertence à própria palavra:

ela nasce no ponto do contato da palavra com a realidade concreta e nas

condições de uma situação real, contato esse que é realizado pelo enunciado

individual. Neste caso, a palavra atua como expressão de certa posição

valorativa do homem individual (de alguém dotado de autoridade, do

escritor, cientista, pai, mãe, amigo, mestre, etc.) como abreviatura de

enunciado.

Desse modo, a expressão de certas palavras não constitui um aspecto da própria

palavra como unidade da língua e não resulta do significado dessas palavras; essa

expressividade tanto pode ser uma expressão típica de gênero quanto um eco de uma

expressão individual do outro, que faz da palavra uma representação plena do enunciado alheio

como posição valorativa específica.

A proximidade do significado linguístico com a realidade concreta produz a

expressão, que não reside nem no sistema linguístico nem na realidade objetiva externa ao

indivíduo. De acordo com Bakhtin (2011, p. 292), “[...] a emoção, o juízo de valor, a

expressão são estranhos à palavra da língua e surgem unicamente no processo do seu emprego

vivo em um enunciado concreto”.

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Outra questão importante a se ressaltar a respeito do enunciado e das relações

dialógicas que ele estabelece é que, segundo Bakhtin (2011), sempre haverá no enunciado um

endereçamento marcado, ou seja, um destinatário a quem ele se dirige.

“Todo enunciado tem sempre um destinatário (de índole variada, graus variados

de proximidade, de concretude, de compreensibilidade, etc.), cuja compreensão responsiva o

autor da obra de discurso antecipa” (BAKHTIN, 2011, p. 333).

O destinatário é sempre determinado pela esfera da atividade humana em que se

manifesta o enunciado, e sua influência no discurso é resultante da composição e do estilo do

enunciado produzido.

De acordo com (BAKHTIN, 2011, p. 301):

Esse destinatário pode ser um participante-interlocutor direto do diálogo

cotidiano, pode ser uma coletividade diferenciada de especialistas de algum

campo especial da comunicação cultural, pode ser um público mais ou

menos diferenciado, um povo, os contemporâneos, os correligionários, os

adversários e inimigos, o subordinado, o chefe, um inferior, um superior,

uma pessoa íntima, um estranho, etc. [...]

Em algumas situações, o destinatário coincide com o respondente do enunciado,

sendo essa ocorrência bastante comum nos diálogos estabelecidos no dia a dia. Então, nesse

caso, o destinatário a quem se direciona o enunciado é o locutor que enuncia a um destinatário

seguinte, o qual assume uma atitude responsiva.

Portanto, compreender é envolver-se em um diálogo com o enunciado e com

seu destinatário, já que a compreensão não se realiza fora de uma situação comunicativa, de

interação.

A concepção de diálogo proposta por Bakhtin abrange desde o diálogo face a

face até as relações dialógicas que se dão entre enunciados mais elaborados, como uma obra

literária, por exemplo.

Sobre essa questão, Fiorin (2008), ao analisar o que ele chama de segundo

conceito de Dialogismo, afirma que, além do dialogismo constitutivo, que não se manifesta no

fio do discurso, existe um outro que se mostra. Isto se dá quando o enunciador incorpora a

voz ou as vozes de outro no enunciado.

Nesse caso, essa maneira externa e visível de mostrar outras vozes no discurso

é, no pensamento de Bakhtin, a concepção estreita de dialogismo, a forma composicional, que

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é capaz de absorver o discurso alheio no próprio enunciado, tornando visível esse princípio de

funcionamento da linguagem na comunicação real.

O estudo do diálogo proposto por Bakhtin não se restringe à forma

composicional que se dá na troca de turnos entre participantes de uma conversa, na alternância

das falas entre personagens presentes em narrativas escritas, pois, seu objeto não é a

elaboração de um estudo de práticas conversacionais de um grupo humano qualquer, tal como

se faz desde a década de 60, na denominada etnografia da fala ou da comunicação. Interessa-

lhe, portanto, as forças que se mantêm constantes nos diversos planos da interação social,

desde os eventos fortuitos do dia a dia até as obras mais elaboradas da criação ideológica.

Conforme menciona Fiorin (2012) a respeito desse pensamento bakhtiniano, o

dialogismo não se confunde com a interação face a face, que é uma forma composicional.

Portanto, não se pode restringir a compreensão de dialogismo a um estudo que é feito, por

exemplo, pela análise conversacional.

Para Bakhtin, o diálogo é a alternância entre enunciados, entre sujeitos e entre

diferentes posicionamentos, não se restringindo à relação dialógica que se dá face a face no

processo comunicativo, por estar constituído no todo da interação verbal, de forma ampla,

variada e complexa.

A respeito disso, Bakhtin (2011, p. 331) afirma que:

A relação entre as réplicas de tal diálogo é o tipo mais externamente notório

e simples de relações dialógicas. Contudo, as relações dialógicas não

coincidem, de maneira nenhuma, com as relações entre as réplicas do

diálogo real; são bem mais amplas; diversificadas e complexas.

Sendo assim, as réplicas do diálogo concreto são examinadas do mesmo modo

que o são o tratado filosófico, o texto religioso, a obra literária, ou seja, como eventos da

grande interação sociocultural de qualquer grupo humano, como formas composicionais em

que ocorrem as relações dialógicas.

Nesse sentido, Bakthin/Voloshinov (2006, p. 125) afirmam que:

O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das

formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas pode-

se compreender a palavra “diálogo” num sentido amplo, isto é, não apenas

como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda

comunicação verbal, de qualquer tipo que seja.

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Desta forma, o diálogo face a face interessa a Bakhtin como um dos espaços em

que se dá a confrontação das mais variadas refrações sociais, refletidas em enunciados de

qualquer tipo e dimensão colocados em interação, onde se realiza o entrecruzamento das

múltiplas verdades sociais. Nesse sentido, Bakhtin se ocupa de fato com o que ocorre no

diálogo, isto é, com o complexo de forças atuantes que determinam a forma e as significações

que ali se manifestam.

Isso não significa que Bakhtin não distingue as especificidades de cada um

desses espaços de vida da consciência socioideológica. A maioria de seus textos aborda essas

especificidades, principalmente em relação aos enunciados literários, não obstante o fato de

que é constante a valorização das práticas do cotidiano como espaços onde, segundo esse

filósofo, já estão presentes os alicerces da criação ideológica mais elaborada, a chave para seu

entendimento e as fontes da sua renovação contínua.

Para Bakhtin (2011), tudo o que se manifesta no diálogo face a face é

intrinsecamente social. Inclusive, as referências aos enunciados da conversa cotidiana, nos

enunciados mais elaborados, buscam mostrar como o pequeno fato social imediato se intregra

ao quadro maior da interação prática do respectivo grupo social, no contínuo intercâmbio

social. Nesse sentido, os enunciadores não são vistos como seres empíricos isolados, mas

como um complexo de posições sociais avaliativas.

Por isso, o pensador russo afirma que só é possível examinar o evento do

diálogo face a face no contexto da interação social, pois ele deve ser compreendido como um

evento do simpósio universal, do colóquio ideológico em grande escala, em que os

interlocutores são seres socialmente organizados, atuantes num vasto quadro de relações

socioculturais, em que as relações dialógicas se manifestam.

Uma relevante questão a ser mencionada a respeito do diálogo, é que, em

sentido corrente, ele tem também uma significação social marcadamente positiva que remete à

solução de conflitos, ao entendimento, à geração de consenso.

O princípio dialógico proposto por Bakhtin reconhece a existência de uma luta

social entre diferentes verdades sociais, mas não uma correlação estreita entre essas lutas e a

chamada luta de classes.

Nessa direção, pode-se afirmar que Bakhtin não é um teórico do consenso ou

apologista do entendimento. Ao contrário, ocupa-se com as relações dialógicas num contexto

social específico, onde convivem posições consonantes e dissonantes, que podem resultar tanto

em convergência, acordo, adesão e fusão, quanto em divergência, desacordo, embate,

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refutação, questionamento e recusa. Portanto, as relações dialógicas são compreendidas como

espaços de interação e de tensão entre enunciados, que se correlacionam em permanente

concordâncias e entrechoques.

A adesão ao enunciado e a aceitação de seu teor realizam-se no âmbito de

tensão da voz que o acolhe com aquelas que nele residem. Isto se dá porque os enunciados se

manifestam na interação social, de onde se emergem as vozes sociais, derivadas dos diversos

sujeitos que ocupam determinada posição na sociedade, em grupos sociais específicos, com

ideologias e aspirações, o que resulta no confronto de interesses, na contraposição de ideias.

Essa tensão se estende à atitude responsiva de adesão incondicional, pois ao

acolher vozes sociais, recusa-se, implícita ou explicitamente, outras que a elas se opõem

dialogicamente.

Sendo assim, o termo diálogo, no seu sentido amplo, deve ser compreendido

como um vasto espaço de luta entre vozes sociais em que atuam forças centrípetas e forças

centrífugas, por meio de diversos processos dialógicos; uma reação da palavra do eu à palavra

do outro. Não sendo, pois, um ponto fixo de convergência entre as ideias, onde habita a

passividade.

A respeito desse pensamento bakhtiniano, Fiorin (2008) explica que, não

obstante o termo diálogo ser comumente empregado como mediador de conflitos, não é esse o

sentido a que Bakhtin se refere, tendo em vista tratar-se de relações em que convivem pontos

convergentes e divergentes, acordos e desacordos, aceitação e recusa.

Nessa perspectiva, conforme explica Faraco (2007, p. 106), o diálogo deve ser

entendido como

o encontro, em todas as instâncias da linguagem - inclusive na bivocalidade

do enunciado individual ou na dinâmica do discurso interior - , de vozes,

isto é, de manifestações discursivas sempre relacionadas a um tipo de

atividade humana e sempre axiologicamente orientadas, que se entrecruzam,

se complementam, discordam umas das outras, se questionam, duelam entre

si e assim por diante.

Sendo assim, compreende-se que as múltiplas vozes circulam socialmente, com

tendências centrípetas, que se manifestam de acordo com as condições sócio-históricas

específicas.

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1.2 O SUJEITO DIALÓGICO

Da heterogênea atmosfera de interação socioideológica e das múltiplas relações

dialógicas emerge-se o sujeito. Ele se constitui discursivamente ao absorver a pluralidade de

vozes sociais, com as quais interage incessantemente, numa dinâmica relação de concordância

e de refutação.

A subjetividade é formada pelo complexo conjunto de relações sociais das quais

o sujeito participa. Ao descrever seu “Terceiro Conceito” do dialogismo bakhtiniano,

classificação embora não adotada por Bakhtin, Fiorin (2008) afirma que a consciência é

constituída no processo de interação social, na relação com a realidade situada historicamente

e na relação com o outro, o que permite dizer que o mundo exterior nunca está fechado à

mudança.

Segundo Bakhtin (2011), no processo de construção socioideológica do sujeito,

as vozes são assimiladas de diferentes maneiras. Algumas são incorporadas como vozes de

autoridade e outras como vozes internamente persuasivas.

A respeito disso, Fiorin (2008) explica que vozes de autoridade são aquelas que

interpelam, requerem reconhecimento e adesão incondicional. São palavras que se manifestam

como massa compacta, centrípeta, impermeável, resistente a relativar-se e a bivocalizações. Já

as outras vozes são aquelas que se apresentam como posições de sentido internamente

persuasivas. Aparecem como uma entre outras. Transitam, pois, nas fronteiras, são centrífugas,

permeáveis a hibridizações e a bivocalizações, sendo sucetíveis à incessante mudança.

Então, a consciência ideológica do indivíduo, ou seja, a construção de seu

mundo interior, é resultante do embate e das interações dialógicas desses dois tipos de vozes.

Bakhtin (2011) denomina de ptolomaica a consciência centrípeta, monológica,

que é formada com discursos de autoridade, em referência ao sistema planetário de Ptolomeu,

que apresenta a Terra fixa. E, por outro lado, chama de galileana a consciência mais aberta à

realidade, mutável, não organizada em torno de um centro fixo, como é o sistema de Galileu,

em que a Terra se movimenta.

Cabe, nesta reflexão, citar a análise de Fiorin (2008, p. 58) sobre o pensamento

bakhtiniano:

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O mundo interior é dialogização da heterogeneidade de vozes sociais. Os

enunciados, construídos pelos sujeitos, são constitutivamente ideológicos,

pois são expressão de uma consciência individual, descolada da realidade

social, uma vez que ela é formada de incorporação das vozes sociais em

circulação na sociedade. Mas, ao mesmo tempo, o sujeito não é

completamente assujeitado, pois ele participa do diálogo de vozes de uma

forma particular, porque a história da constituição de sua consciência é

singular.

Nessa direção, compreende-se que, na concepção de Bakhtin (2011), o sujeito é

ao mesmo tempo um ser social e um ser individual, por se constituir como evento único do ser,

que responde às situações objetivas do diálogo social de modo específico e interage

concretamente com as vozes sociais de maneira singular.

Sendo assim, entende-se que o sujeito não está submisso às estruturas sociais

nem constitui uma subjetividade autônoma em relação à sociedade. O sujeito não é nem

assujeitado nem completamente individual, ele se constitui na interação com o outro, não

sendo absolutamente livre, nem limitado externamente.

Segundo Bakhtin (2011), a consciência do sujeito é formada na comunicação

social, na sociedade e na história. Por essa razão, os conteúdos que a constituem e a

manifestam são semióticos.

Sobre isso, Bakhtin/Voloshinov (2006, p. 32) afirmam que “A consciência só se

torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e,

consequentemente, somente no processo de interação social.”

Nessa direção, Bakhtin/Voloshinov (2006, p. 34) defendem que a consciência

adquire forma e existência nos signos usados por um grupo social no processo de sua interação

social, já que “A lógica da consciência é a lógica da comunicação ideológica, da interação

semiótica de um grupo social”.

Nesse sentido, segundo explica Faraco (2009), os enunciados manifestam

verbalmente a multidão de vozes que são assimiladas pelo sujeito e incorporadas à sua

memória discursiva, sendo elas ativadas quando se enuncia.

Não obstante tal afirmação parecer sugerir que não há espaço para a

singularidade e que, dessa forma, o ser social tão somente reproduz os discursos, o sujeito,

como pessoa humana, é compreendido em sua individualidade, onde se constitui a consciência

particular.

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Dessa forma, compreende-se que o mesmo espaço que acolhe o sujeito na

perspectiva de suas relações sociais, como um ente interiormente múltiplo e heterogêneo,

abrange também a compreensão de que cada indivíduo é um evento único do ser.

Ao refletir sobre o pensamento de Bakhtin a respeito da compreensão de

diálogo e de sujeito, Barros (2007) denota duas concepções distintas: o diálogo entre

interlocutores e o diálogo entre os discursos.

Ao se referir ao diálogo entre interlocutores, Barros (2007) menciona que, no

pensamento bakhtiniano, há um direcionamento para a interação verbal que ocorre entre o

sujeito e a intersubjetividade.

Nesse raciocínio, Barros (2007) afirma que Bakhtin opta pelo social, ao

contrapô-lo ao individual, daí emergindo quatro aspectos do dialogismo entre interlocutores: A

linguagem é fundamental para a comunicação, e a interação dos interlocutores funda a

linguagem; o sentido do texto e a significação das palavras dependem da relação entre sujeitos,

ou seja, constroem-se na produção e na interpretação dos textos; a intersubjetividade é anterior

à subjetividade, pois a relação entre os interlocutores não apenas funda a linguagem e dá

sentido ao texto, como também constrói os próprios sujeitos produtores de sentido; e por fim,

há dois tipos de sociabilidade, a relação entre sujeitos e a dos sujeitos com a sociedade.

Segundo Barros (2007), a compreensão de sujeito proposta por Bakhtin é a de

ser social, caracterizado por pertencer a um grupo social determinado, em que dialogam os

diferentes discursos da sociedade.

Nesse sentido, o dialogismo interacional de Bakhtin desloca o conceito de

sujeito, que perde o papel de centro, ao ser substituído por diferentes vozes sociais que fazem

dele um sujeito histórico e ideológico.

Sobre essa questão, Sobral (2009, p. 35) menciona que, no pensamento

bakhtiniano, dialogismo refere-se à “condição essencial do próprio ser e agir dos sujeitos”.

Nesse sentido, é somente na relação com o outro que o sujeito se constitui, pois sua existência

se funda na diferença, no embate entre “um eu e um tu”. Desse modo, o ser biológico somente

se constitui como ser social ao interagir com os outros.

Nessa perspectiva, Sobral (2009, p. 35) explica que:

O fato de essas pessoas terem vindo ao mundo antes não faz a relação desses

sujeitos com ela deixar de constituir o ser delas, visto que não se trata de

uma relação de uma só direção em que a criança é receptáculo do que os

outros lhe transmitem, mas sempre de uma inter-relação.

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Sendo assim, entende-se que o sujeito tem uma função ativa, de agente no

mundo, ou seja, “no sujeito está o mundo, do mesmo modo como o sujeito está no mundo: o

ato do sujeito altera o mundo em que o sujeito está e esse sujeito também é alterado por esse

mundo” (SOBRAL, 2009, p. 52).

Esse movimento abrange distintas proporções, pois, a ação do sujeito no mundo

é condicionada ao papel que ele desempenha e o lugar que ocupa na sociedade.

E assim sendo, rejeitam-se a compreensão do sujeito como um indivíduo isolado

de outros no espaço social e a que admite seu completo assujeitamento às imposições sociais.

O sujeito, na concepção bakhtiniana, promove a construção de sua identidade nas relações

sociais com outros sujeitos, na interação social.

A segunda concepção de dialogismo destacada por Barros (2007) é a que se

refere às relações dialógicas entre discursos. A esse respeito, a autora explica que nos

discursos manifestam-se várias vozes que expressam a compreensão que cada grupo tem do

mundo. Nesse sentido, entende-se que os discursos trazem marcas de coerção social,

sustentam-se em formações discursivas, que se remetem às formações ideológicas.

Sendo, pois, o enunciado um produto da enunciação, “as relações do discurso

com a enunciação, com o contexto sócio-histórico ou com o outro são, para Bakhtin, relações

entre discursos-enunciados” (BARROS, 2007, p. 31).

Conforme explica Barros (2007), Bakhtin considera o dialogismo o princípio

constitutivo da linguagem e a condição do discurso. Sendo assim, o filósofo russo insiste

enfaticamente no fato de que o discurso não é individual nas duas acepções de dialogismo

mencionadas: não é individual porque se constrói entre pelo menos dois interlocutores que, por

sua vez, são seres sociais, não é individual porque se constrói como um diálogo entre

discursos, ou seja, porque mantêm relações com outros discursos.

A respeito disso, Fiorin (2008), explica que, na perspectiva bakhtiniana, não se

pode afirmar que existem dois dialogismos: entre interlocutores e entre discursos, pois, no seu

entender, o dialogismo ocorre sempre entre discursos. Nesse sentido, Fiorin (2008, p. 32)

explica que:

Quando se fala em dialogismo constitutivo, pensa-se em relações

com enunciados já constituídos e, portanto, anteriores e passados.

No entanto, um enunciado se constitui em relação aos enunciados

que o precedem e que o sucedem na cadeia da comunicação. Com

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efeito, um enunciado solicita uma resposta, resposta que ainda não

existe. Ele espera sempre uma compreensão responsiva ativa,

constrói-se para uma resposta, seja ela uma concordância ou uma

refutação.

Nesse sentido, não se pode dizer que haja dois tipos de dialogismo:

entre enunciados e entre o locutor e seu interlocutor. Na verdade, o

interlocutor é sempre uma resposta, um enunciado e, por isso, todo

dialogismo são relações entre enunciados.

Sobral (2009, p. 39) destaca que, na perspectiva bakhtiniana, são vários os

níveis de dialogismo e monologismo, tendo em vista que não existe pureza de forma. E, nessa

direção, ele afirma que o dialogismo é um conceito que alcança “o elemento constitutivo não

apenas dos discursos como da própria linguagem e mesmo do ser e do agir humanos”.

Para Bakhtin, no entender de Sobral (2009), a produção de sentido se dá tanto

na construção do discurso, quanto na sua propagação e recepção. Sendo assim, o sentido

apenas se estabelece no confronto de ideias, na relação entre os discursos e na interação do eu

com o outro.

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2 OS GÊNEROS DISCURSIVOS

Ao longo da história do estudo dos gêneros, foi dedicada maior ênfase aos

gêneros literários. Conforme destaca Bakhtin (2011, p. 262), na Antiguidade, “[os gêneros]

foram estudados num corte de sua especificidade artístico-literária, nas distinções diferenciais

entre eles (no âmbito da literatura) [...]”.

Ademais, os gêneros retóricos (jurídicos, políticos) e os gêneros discursivos do

cotidiano eram estudados sob a ótica da linguística geral, na escola de Saussure, nos

behavioristas americanos e nos seguidores de Vossler.

De acordo com Faraco (2009), na longa história da teoria dos gêneros, a

abordagem se concentrava nas suas propriedades formais. Os gêneros eram compreendidos

muito mais na perspectiva dos produtos do que na dos processos. E em vários momentos é

possível observar uma real tendência reificadora e normativa, em que os aspectos formais dos

gêneros foram tomados como padrões rígidos e inflexíveis.

Essa perspectiva de estudo sobre gênero, conforme afirma Bakhtin (2011, p.

263), não era eficiente para alcançar uma definição adequada “da natureza universalmente

linguística do enunciado”, tendo em vista que se restringia à especificidade do discurso oral

cotidiano, “por vezes orientando-se diretamente em enunciados deliberadamente primitivos (os

behavioristas americanos).”

Nesse sentido, é possível afirmar que o gênero discursivo não é um tema atual.

O que pode ser considerado novo é o tratamento que lhe é dado, a partir da diversidade de

fontes e perspectivas de abordagem. Sendo assim, as posições teóricas recentes orientam para

uma análise de gênero não realizada na Antiguidade.

São muitas as linhas teóricas no estudo dos gêneros. Contudo, esses conceitos

ainda são precários, por não serem suficientes para representarem integralmente todas as

perspectivas teóricas atuais, sendo, pois, considerada uma categorização aberta, flexível,

suscetível à discussão e ponderações.

No Brasil, em geral, nota-se uma grande difusão de trabalhos sobre gêneros,

inicialmente na linha de Swales, depois na da Escola de Genebra, com influências de Bakhtin e,

recentemente, com influência norte-americana e da análise do discurso.

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O conceito de gênero no Brasil é intensamente abordado, inclusive em

publicações oficiais e documentos didáticos, o que requer certa atenção sobre suas implicações

históricas, sociais e autorais por parte dos estudiosos do tema.

Essa compreensão não é simples, especialmente para os profissionais do ensino

que lidam com essa temática em sala de aula, pois, conforme assinalam Brait e Pistori (2012), a

definição de gênero abrange perspectivas teóricas e metodológicas distintas, que repercutem na

compreensão de textos e discursos.

As reflexões de Bakhtin sobre gêneros do discurso não propõem classificações

específicas, por não ser esse seu interesse, porém oferecem ricas contribuições teóricas,

favorecendo uma ampla compreensão a seu respeito.

Portanto, conforme menciona Fiorin (2008), não é seu objetivo a catalogação

de gêneros, descrevendo cada unidade temática, organização composicional e estilo, tendo em

vista que são infinitas a riqueza e a variedade dos gêneros e por ser de superior importância a

íntima relação do gênero com uma esfera de atividade.

Desse modo, compreende-se que Bakhtin é um filósofo que dispõe de

fundamentos teóricos de cunho macroanalítico e concepções bem amplas, podendo ser

alcançado por todos de maneira bastante proveitosa, razão pela qual é importante a adoção

desse viés para se tratar de gênero.

Ao longo da obra de Bakhtin, é abordado o tema gênero discursivo. E cada um

de seus trabalhos oferece rica contribuição para se compreender uma dimensão de seu

complexo conceito.

Para Brait e Pistori (2012) a noção de gênero dada por Bakhtin supera a

distinção do discurso mediante três elementos: unidade temática, organização composicional e

estilo, abarcando outras dimensões possíveis de análises das atividades que se promovem

mediante o discurso.

Sendo assim, entende-se que, na perspectiva de Bakhtin, os enunciados e os

gêneros resultam de um contexto de produção, e de uma forma de compreensão de linguagem

e das relações do homem com o mundo.

Nesse sentido, entende-se que, ao desenvolver o conceito de gênero em toda a

sua obra, Bakhtin considera questões da literatura, da linguística, da comunicação, da

linguagem e da vida, articulando gênero e discurso, ou seja, a linguagem verbal, em sua forma

viva e concreta.

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Desse modo, segundo Bakhtin (2008), o conceito de gênero não se restringe a

estruturas textuais, diz respeito ao aspecto dialógico da compreensão e enfrentamento da vida

e, nesse sentido, vincula-se a uma tradição, que permite sua análise na perspectiva sincrônica e

na diacrônica.

Segundo Brait e Pistori (2012), Bakhtin desenvolve o conceito de gênero tendo

o homem e a linguagem como parâmetros dos valores e das forças que movimentam o mundo.

E nessa perspectiva é que esse filósofo esclarece sobre os gêneros prosaicos que são

constituídos no sistema de forças descentralizadoras.

Ao discorrer sobre esse assunto, Faraco (2009, p. 125) questiona o que

distingue a noção de gênero tratada por Bakhtin das teorias tradicionais. E, ao responder tal

indagação, destaca que o diferencial do pensamento de Bakhtin é que ele não pretende

examinar os gêneros em si, ou seja, como “artefatos que partilham determinadas propriedades

formais”.

Dessa forma, Bakhtin não vai examinar o gênero com interesse no produto, mas

no processo de sua produção, sendo, pois, de maior relevância o modo como eles são

constituídos, em detrimento das suas propriedades formais.

De acordo com Faraco (2009), em Bakhtin os gêneros são examinados

principalmente pela perspectiva dinâmica da produção. O que significa dizer que se constata

uma íntima correlação entre gêneros e suas funções na interação socioverbal.

Um importante apontamento de Bakhtin (2011) que serve de subsídio para este

estudo é a compreensão de que o emprego da linguagem se dá em forma de enunciados,

relativamente estabilizados num dado campo discursivo, os quais constituem os gêneros do

discurso.

Segundo Brait e Pistori (2012, p. 383), na perspectiva de Bakhtin, o gênero

discursivo advém “da totalidade concluída e solucionada do enunciado”, que constitui a ação

empreendida pelos sujeitos, em determinada forma de organização social, num tempo e espaço

específicos.

Portanto, de acordo com Faraco (2009, p. 26), “o ponto de partida de Bakhtin é

a estipulação de um vínculo orgânico entre a utilização da linguagem e a atividade humana”.

Nesse sentido, Bakhtin (2011) afirma que as variadas esferas da atividade

humana estão sempre vinculadas com a utilização da linguagem, que se realiza em forma de

enunciados oriundos de algum campo da comunicação discursiva.

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Segundo Bakhtin (2011, 262) cada enunciado particular é individual, mas cada

campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os

quais denominamos gêneros do discurso.” A ênfase do conceito deve recair no termo

“relativamente”, o que leva a considerar o aspecto de mudança dos gêneros discursivos.

Conforme argumenta Sobral (2009, p. 115), falar sobre gênero do discurso, na

perspectiva de Bakhtin, é tratar de algo “estável e mutável”. Sua estabilidade refere-se a

características nele presentes que identifica seu aspecto estático, e, sua mutabilidade, diz

respeito à inclinação para a mudança, para a transformação, ao ser utilizado. Inclusive,

conforme menciona Sobral (2009), há casos em que um gênero se converte em outro.

Ao afirmar que o gênero se constitui por enunciados relativamente estáveis,

Bakhtin resguarda-se da compreensão de que se trata de estruturas rígidas de enunciados. No

seu entender, assimilar o conceito de gênero dessa maneira, é restringi-lo à perspectiva

estritamente linguística. Não sendo esta, pois, sua intenção. Conforme explica Sobral (2009, p.

116-117):

[...] o plano linguístico estrito não tem enunciados, e sim frases (nem

discursos, mas textos), ou seja, não é o domínio da comunicação discursiva,

em que as frases são apenas o material dos enunciados, e sim o domínio do

estudo das formas da língua, cujo conhecimento, por si só, não possibilita

entender o sentido, embora seja imprescindível para que se entenda (assim

como sem textos não pode haver discurso, mas discurso não é só texto).

A esse respeito, Faraco (2009) salienta que, ao afirmar que os tipos são

relativamente estáveis, Bakhtin dá ênfase à historicidade dos gêneros e à imprecisão de suas

características e fronteiras. O que significa dizer que os tipos não podem receber uma definição

cabal, fixa e imutável, “comportam contínuas transformações, são maleáveis e plásticos,

precisamente porque as atividades humanas são dinâmicas e estão em contínua mutação”

(FARACO, 2009 p. 127).

Em relação a essa reflexão de Bakhtin, explica Faraco (2009, p. 127) que:

[...] as formas relativamente estáveis do dizer no interior de uma atividade

qualquer têm de ser abertas à contínua remodelagem; têm de ser capazes de

responder ao novo e à mudança. O repertório de gêneros de cada esfera da

atividade vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera

se desenvolve e fica mais complexa.

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34

De acordo com Bakhtin (2011), além do fato de o gênero estar em constante

transformação, ocorre contínua mudança de seu repertório, pois, no compasso do

desenvolvimento das esferas de atividade, diluem-se ou diferenciam-se os gêneros, adquirindo

novos sentidos.

Sendo assim, de acordo com Faraco (2009, p. 128), Bakhtin articula uma

compreensão dos gêneros que “combina estabilidade e mudança; reiteração (à medida que

aspectos da atividade recorrem) e abertura para o novo (à medida que aspectos da atividade

mudam) ”.

Segundo Faraco (2009), não obstante haja gêneros bastante estandardizados,

eles ainda estão abertos a ligeiras mudanças, a adaptações à esfera da atividade, às

hibridizações. Portanto, ao admitir a relativa estabilidade, ou seja, a combinação entre

estabilidade e instabilidade, Bakhtin tende a desviar-se do interesse pela taxonomia rígida dos

gêneros.

Bakhtin (2011, p. 263) reconhece as dificuldades a serem enfrentadas no estudo

do gênero. A respeito disso, ele afirma que: “Não se deve, de modo algum, minimizar a

extrema heterogeneidade dos gêneros discursivos e a dificuldade daí advinda de definir a

natureza geral do enunciado”. Então, se os gêneros são meios de assimilar a realidade, novas

concepções da realidade provocam a elaboração de novos gêneros ou alteração dos que já

existem, tendo sido constituídos ao longo da trajetória histórico-social da humanidade.

Sendo assim, devido a essa dinamicidade das modificações que culminam na

constituição de novos gêneros, há certa dificuldade por parte dos estudiosos em designar os

gêneros discursivos, o que provoca o florescimento de uma rica metalinguagem, por eles

adotadas.

Esse fato, no entender de Faraco (2009, p. 129), reforça o conceito de

imprecisão dos limites e fronteiras dos gêneros. Contudo, não configura um impeditivo para se

identificar especificidades que produzem tipos relativamente estáveis de enunciados. Sendo

assim, ele afirma que “a dinâmica da tipificação é um processo socialmente construído de gerar

significado, baseado no reconhecimento de similaridades e analogias”.

Para Bakhtin (2011), os gêneros do discurso têm um papel fundamental na

apreensão dos modos sociais, orientando a interação nas esferas da atividade humana.

A esse respeito, Faraco (2009) afirma que, no entender de Bakhtin, os gêneros

discursivos servem de referência para as ações do próprio sujeito e orientam sua compreensão

das ações dos outros.

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Ao gerarem expectativas de como serão as ações, eles nos orientam diante do

novo no interior dessas mesmas ações: auxiliam-nos a tornar o novo familiar

pelo reconhecimento de similaridades e, ao mesmo tempo, por não terem

fronteiras rígidas e precisas, permitem que adaptemos sua forma às novas

circunstâncias (FARACO, 2009, p. 130).

Nesse sentido, o gênero do discurso constitui a correlação entre formas e

atividades. Portanto, de acordo com Bakhtin (2011), no envolvimento com determinada esfera

da atividade, realiza-se a assimilação dos gêneros que lhe são peculiares, pois os modos sociais

de fazer e de dizer estão diretamente vinculados. Sendo assim, ao dominar uma forma

linguística, o sujeito apreende um modo de realização de propósitos determinados em

contextos sociais específicos.

Então, os gêneros são entendidos como atividades discursivas que se

estabilizam socialmente para atender às mais diversas formas de inserção, ação e controle

social, bem como de exercício de poder, o que afirma o seu caráter sócio-histórico e sua

indispensabilidade para a interlocução humana.

Dessa forma, entende-se que a produção do discurso é uma ação que vai além

da perspectiva comunicativa e informacional, superando a concepção de língua vista como

sistema comunicativo ou sistema simbólico com a finalidade de expressão de ideias.

Na concepção de Bakhtin (2011), o domínio de um gênero é a possibilidade de

o falante se comunicar em dada situação social, pois no seu entender, ao enunciar, o sujeito

sempre se vale de um gênero do discurso. Conforme esse filósofo da linguagem afirma:

“Falamos apenas através de determinados gêneros do discurso, isto é, todos os nossos

enunciados possuem formas relativamente estáveis e típicas de construção do todo”

(BAKTHIN, 2011, p. 282).

Segundo Bakhtin (2011), a intenção discursiva do falante se dá mediante a

escolha de determinado gênero discursivo. Essa escolha é orientada pelas peculiaridades do

campo discursivo em que se realiza a comunicação.

Desse modo, o discurso é moldado por certas formas de gênero, ora

padronizadas ora mais flexíveis, inclusive em situações de bate-papo, em comunicações mais

espontâneas do cotidiano.

Quando escolhemos as palavras no processo de construção de um enunciado,

nem de longe as tomamos sempre do sistema da língua em sua forma neutra,

lexicográfica. Costumamos tirá-las de outros enunciados e antes de tudo de

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enunciados congêneres com o nosso, isso é, pelo tema, pela composição, pelo

estilo; consequentemente selecionamos as palavras segundo a sua

especificação de gênero (BAKHTIN, 2011, p. 282-283).

Sendo assim, a vontade discursiva do falante se adapta ao gênero escolhido e

nele se constitui e se desenvolve. Desse modo, os gêneros estão presentes nas diversas esferas,

inclusive na comunicação oral cotidiana, familiar e íntima.

A respeito disso, Bakhtin (2011, p. 261) afirma que os diferentes campos da

atividade humana estão vinculados ao emprego da linguagem. E, nesse sentido, a forma como

se dá esse uso é tão diversa quanto os campos da atividade humana.

Na mesma direção, Faraco (2009, p. 126) menciona que os gêneros do discurso

e atividades são reciprocamente constitutivos. Dessa maneira, “o pressuposto básico da

elaboração de Bakhtin é que o agir humano não se dá independentemente da interação; nem o

dizer fora do agir”.

Os temas e as formas dos atos da fala, na visão de Bakhtin/Voloshinov (2006),

são oriundos dos tipos, formas e condições da comunicação verbal. Assim, nos diferentes

aspectos da enunciação, o corpo social, que é o primeiro ambiente dos atos enunciativos,

manifesta-se sob diversos modos de discurso.

Para Bakhtin (2011), os gêneros do discurso se vinculam aos campos da

atividade humana, dos quais refletem suas condições específicas e finalidades, por seu

conteúdo temático, estilo e organização composicional. Conforme afirma esse filósofo da

linguagem:

Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo, a construção

composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são

igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da

comunicação (BAKHTIN, 2011, p. 261-262).

A expressão tema, nesse sentido, não deve ser confundida com assunto, por se

tratar do conteúdo temático que diz respeito a um domínio de sentido do qual o gênero se

ocupa. Conforme observam Brait e Pistori (2012), Bakhtin, em “O método formal nos estudos

literários”, elucida que o tema é constituído essencialmente pelos elementos semânticos da

língua. Ele se origina da totalidade do enunciado, que é diretamente vinculado à situação

enunciativa e aos elementos linguísticos.

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A construção composicional refere-se à maneira como se organiza o texto. Essa

forma composicional distingue-se de artefato, por não apresentar tal como este uma forma

rígida, já que é suscetível à alteração em função do projeto enunciativo do locutor.

Na visão de Bakhtin, segundo Brait e Pistori (2012), é a organização

composicional que realiza a forma arquitetônica, que é entendida como o plano do texto, ou

seja, as condições concretas de vida e suas relações dialógicas, que se manifestam no texto, no

discurso e nos gêneros.

Por sua vez, o estilo é a escolha dos meios lexicais, fraseológicos e gramaticais

da língua. Refere-se ao aspecto do gênero indicativo de mudança, por ser, ao mesmo tempo,

“expressão da comunicação discursiva específica do gênero e expressão pessoal, mas não

subjetiva, do autor ao criar uma nova obra no âmbito de um gênero” (SOBRAL, 2009, p.

118).

Na visão de Bakhtin (2011), o falante dispõe de um amplo repertório de

gêneros de discurso orais (e escritos), que dele se utiliza habilmente, muitas vezes,

desconhecendo sua existência. Esses gêneros são assimilados das enunciações concretas na

comunicação discursiva, na interação social, semelhantemente à forma como é assimilada a

língua materna, de forma livre, anterior ao estudo gramatical.

As formas da língua e as formas típicas dos enunciados, isto é, os gêneros do

discurso, chegam à nossa experiência e à nossa consciência em conjunto e

estreitamente vinculadas. Aprender a falar significa aprender a construir

enunciados (porque falamos por enunciados e não por orações isoladas e,

evidentemente, não por palavras isoladas) (BAKHTIN, 2011, p. 283).

Nesse sentido, o sujeito aprende a moldar seu discurso em formas de gênero. E,

sendo assim, de acordo com Bakhtin (2011), é possível perceber o gênero utilizado e, por

conseguinte a direção do discurso, a construção composicional, a partir de seu início, devido à

sua organização relativamente estável de enunciados.

Segundo Bakhtin (2011), a diversidade dos gêneros discursivos é grande, isto se

dá pelo fato de os gêneros serem distintos em razão da situação, da posição social e das

recíprocas interações pessoais entre os sujeitos envolvidos na comunicação.

A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são

inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em

cada campo dessa atividade é integral o repertório de gênero, que cresce e se

diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica um determinado

campo (BAKHTIN, 2012, p. 262).

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Desse modo, existem formas rigorosamente oficiais de gêneros, que possuem

alto grau de estabilidade e coação; formas familiares, que variam de acordo com o grau de

familiaridade; e formas íntimas.

As formas oficiais de gêneros, embora sejam padronizadas, revelam a intenção

discursiva do falante, mediante a escolha do gênero e sua entonação expressiva.

Toda uma série de gêneros sumamente difundidos no cotidiano é de tal

forma padronizada que a vontade discursiva individual do falante só se

manifesta na escolha de um determinado gênero e ainda por cima na sua

entonação expressiva. Assim são, por exemplo, os diversos gêneros

cotidianos breves de saudações, despedida, felicitações, votos de toda

espécie, informações sobre a saúde das crianças, etc. (BAKHTIN, 2011, p.

283).

Desse modo, segundo Bakhtin (2011), a entonação expressiva se manifesta

quando a palavra é pronunciada, tendo em vista que o fato de pensar uma ideia e vivenciar uma

situação significa não ser indiferente a ela, pois o tom emocional volitivo é que confere sentido

à experiência singular.

Sendo assim, conforme defende Bakhtin (2011), esses gêneros discursivos

demandam determinado tom, ou seja, certa entonação expressiva que reflete a individualidade

do falante. Como também é possível a reacentuação dos gêneros, que se realiza quando há

transferência de um campo a outro, com o propósito de hibridizar gêneros de esferas distintas

da comunicação discursiva.

Bakhtin (2011, p. 284) aponta que, paralelamente às formas de gêneros

padronizados há aqueles que servem ao discurso mais livre e criativo, na comunicação

discursiva oral, dentre os quais, “os gêneros das conversas de salão sobre temas do cotidiano,

sociais, estéticos e similares, os gêneros das conversas à mesa, das conversas íntimo-amistosas,

íntimo-familiares, etc.” Essa liberdade criativa não constitui uma nova constituição de gênero,

mas refere-se à utilização mais habilidosa da forma do gênero.

Nesse ponto, Bakhtin (2011) chama a atenção para o fato de existirem pessoas

capazes de conversarem com bastante fluência em certas esferas da comunicação e, em outras,

encontrarem muita dificuldade.

Conforme, afirma esse filósofo: “Muitas pessoas que dominam magnificamente

uma língua sentem amiúde total impotência em alguns campos da comunicação precisamente

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porque não dominam na prática as formas de gêneros de dadas esferas” (BAKHTIN, 2011, p.

284).

Bakhtin (2011) exemplifica que às vezes a pessoa é capaz de dominar com

excelência o discurso em distintas esferas comunicativas, podem ler bem um relatório,

promover uma discussão científica e debater sobre questões sociais, porém diante de uma

conversa comum, corriqueira, ela encontra grande dificuldade.

Sendo assim, conforme menciona Bakhtin (2011), o domínio dos modos de

dizer de uma dada esfera da comunicação cultural favorece o êxito da pessoa que nela

pretende se expressar. Isso é passível de ocorrer não pela ausência de conhecimento gramatical

ou de vocabulário, mas devido à falta de domínio do gênero discursivo de que se utiliza o

falante.

[...] tudo se resume a uma inabilidade para dominar o repertório dos gêneros

da conversa mundana, uma falta de acervo suficiente de noções sobre todo

um enunciado que ajudem a moldar de forma rápida e descontraída o seu

discurso nas formas estilístico-composicionais definidas, a uma inabilidade

de tomar a palavra a tempo, de começar corretamente e terminar

corretamente (nesses gêneros, a composição é muito simples) (BAKHTIN,

2011, p. 285).

De acordo com Bakhtin (2011, p. 285), quanto maior for o domínio dos

gêneros, melhor será seu emprego, o que resultará em mais adequabilidade de seu uso à

situação comunicativa, ou seja, “realizamos de modo mais acabado o nosso livre projeto de

discurso”.

Para favorecer melhor compreensão do estudo de gêneros, Bakhtin (2011)

apresenta uma relevante organização deles, separando-os em primários e secundários.

São chamados primários os gêneros que se manifestam na vida cotidiana, que,

de maneira geral, são orais. Esses gêneros são constituídos em situações de comunicação

verbal espontânea e estão em estreita relação com o contexto mais imediato. Portanto, são

primários “os gêneros da conversa familiar, das narrativas espontâneas, e das atividades

efêmeras do cotidiano” (FARACO, 2008, p. 132).

Sobral (2009) explica que se denominam primários os tipos mais simples de

gêneros, que se formam no ambiente cotidiano, em que ocorrem as interações verbais

espontâneas. São deles que se derivam os gêneros secundários, que é uma modalidade mais

elaborada de gêneros, comum nos ambientes culturais letrados.

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Os gêneros secundários, de acordo com Bakhtin (2011), manifestam-se em

situações de comunicação cultural mais complexas e bem elaboradas e geralmente aparecem na

escrita, em atividades científicas, políticas, filosóficas, jurídicas, religiosas, etc.

Ao classificar gêneros primários e secundários, Bakhtin (2011) deixa bem claro

que não se trata de uma diferença funcional. Essas modalidades de gêneros constituem duas

realidades interdependentes. Conforme explica Bakhtin (2011, p. 264):

A diferença entre os gêneros primários e secundários (ideológicos) é

extremamente grande e essencial, e é por isso mesmo que a natureza do

enunciado deve ser descoberta e definida por meio da análise de ambas as

modalidades; apenas sob essa condição a definição pode vir a ser adequada à

natureza complexa e profunda do enunciado (e abranger as suas facetas mais

importantes); a orientação unilateral centrada nos gêneros primários

redunda fatalmente na vulgarização de todo o problema (o behaviorismo

linguístico é o grau extremado de tal vulgarização). A própria relação mútua

dos gêneros primários e secundários e o processo de formação histórica dos

últimos lançam luz sobre a natureza do enunciado (e antes de tudo sobre o

complexo problema da relação de reciprocidade entre linguagem e

ideologia).

Sendo assim, além de negar a ideia de dicotomia das modalidades de gêneros,

destacando a necessária interação entre esses, Bakhtin chama a atenção para o fato de haver

recorrente processo de passagem de uma a outra modalidade.

A respeito disso, Faraco (2009) exemplifica que, numa dada conferência no

contexto da educação acadêmica, onde predomina o gênero secundário, em alguns momentos

podem ser introduzidos gêneros primários, no instante em que o expositor conta uma piada,

quando o ouvinte faz uma réplica ou uma observação espontânea. E, da mesma forma, o

anúncio de um produto por um camelô, que constitui uma atividade relacionada com algo

prático da vida cotidiana, é considerado um gênero secundário ao assumir certos aspectos de

conferência.

Conforme menciona Sobral (2009), os gêneros secundários aglutinam e

transformam os gêneros primários, o que rompe seu vínculo imediato com os outros

enunciados, conservando, contudo, seus aspectos.

Os gêneros secundários partilham com os primários não só a estabilidade

como o dinamismo: cada esfera de atividade – que não é determinada nem

fixada por nenhum agente individualizável, mas vem a existir no âmbito da

arena de vozes que é a sociedade, mergulhada na história – desenvolve

continuamente suas próprias modalidades de uso da língua, sujeitas a

permanentes alterações, embates, apropriações, justaposições etc. (SOBRAL,

2009, p. 122).

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De acordo com Sobral (2009), ao tratar de gênero, Bakhtin leva em conta tanto

a relação entre gêneros primários e secundários quanto à história de sua composição,

principalmente a dos secundários, que pode se referir ao processo de derivação dos primários e

à interação entre eles, que gera hibridização, a intercalação, dentre outros, resultantes do

confronto de gêneros nas esferas em que se manifestam.

Segundo define Sobral (2009), a hibridização é caracterizada pela mescla de

duas linguagens no interior de um enunciado, que se encontravam distantes social ou

historicamente até o momento de construção do gênero híbrido. Constitui, portanto, um modo

de representação da linguagem de outro. Então, ambas as linguagens representadas são

colocadas em embate a partir de uma perspectiva dada pelo autor/locutor.

Nesse momento, conforme explica Sobral (2009, p. 123), são evidenciadas duas

vozes, duas acentuações e duas linguagens, que se traduzem como duas consciências que se

confrontam no interior de um mesmo enunciado. “Logo, não há aí uma apropriação do

discurso do outro, mas a representação tensa de dois pontos de vista; as duas linguagens

englobadas no enunciado não estão em relação de apropriação ou de subsunção”.

A respeito dos gêneros intercalados, Sobral (2009) explica que eles se

manifestam no interior de um dado enunciado sem perder sua estrutura, sua autonomia e

características linguísticas e estilísticas, sendo mais comum seu emprego nos romances.

Nesse procedimento não ocorre a apropriação, mas apenas uma apresentação,

que se refere à reprodução do discurso alheio, uma forma de reacentuação desse discurso.

Nesse procedimento pode haver embates entre o gênero intercalado e o rumo do sentido da

obra, bem como o gênero intercalado pode definir a forma do gênero que o intercala.

A respeito do conceito de intergenericidade, Sobral (2009) explica que assim é

denominado o modo pelo qual os gêneros se interconstituem social e historicamente, em meio

aos discursos e textualidades.

Além desses conceitos, Sobral (2009) traz em evidência a chamada fase

parasitária do gênero, que se refere aos modos de assimilação e refutação de um gênero por

outro, que são modos de apropriação ativa e criativa dos gêneros do outro. Esse processo

constitui como uma fase de aglutinação ativa e de tomada de espaço do gênero parasitado ou,

em outro caso, refere-se à criação de um lugar discursivo paralelo, quando ocorre alteração ou

reconstrução da esfera onde circula o gênero, ou a constituição de uma outra esfera paralela a

original.

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No entender de Sobral (2009), é possível que qualquer gênero, durante seu

processo de construção, percorra uma fase parasitária, em que absorve determinados gêneros e

recusa outros, para sua formação.

Essa fase do gênero é marcada pela instabilidade de definição, uma

ambivalência, já que sua estrutura está em conformação. Por isto, neste momento, ele se

compromete a priori com os gêneros os quais incorpora, não se dispondo em confronto com

gêneros alheios.

Conforme afirma Sobral (2009, p. 125):

O que define a noção de “fase parasitária” é portanto o fato de as próprias

formas composicionais, de validação das relações interlocutivas, em alguns

casos, de textualização etc e o tipo de recepção e circulação que o gênero em

formação procura assegurar exibirem tal esforço de escamoteamento da

presença tensa dos gêneros apropriados, por assimilação ou rejeição, que

tornam latente a ambivalência de suas propostas de libertação dos gêneros

parasitados e de suas esferas.

Ao tratar o conceito de gênero discursivo, Bakhtin (2011) estabeleceu uma

correlação entre gênero e estilo. Nessa direção, ele afirma que todo estilo está diretamente

vinculado aos enunciados e aos gêneros do discurso.

Não obstante, enquanto os enunciados, orais e escritos, primários e secundários,

pertencentes a qualquer campo da comunicação, refletem marcas de individualidade, o mesmo

não ocorre com os gêneros do discurso, pois nem todos eles são suscetíveis de refletir marca

de individualidade.

São mais propícios a refletir a individualidade da linguagem os gêneros

artístico-literários, já que, nesse caso, o estilo individual é inerente ao enunciado.

Contrariamente, os gêneros mais padronizados são menos favoráveis à expressão da

individualidade. Portanto, o estilo individual não integra a grande maioria dos gêneros

discursivos.

Segundo Bakhtin (2011, p. 266), em certa medida, os estilos de linguagem ou

funcionais podem ser considerados estilos de gêneros de certas esferas da atividade humana e

da comunicação. Nessa direção, ele afirma que “em cada campo existem e são empregados

gêneros que correspondem às condições específicas de dado campo; é a esses gêneros que

correspondem determinados estilos”.

Nessa perspectiva, Bakhtin explica que certas funções, em condições específicas

de comunicação, próprias de cada esfera, produzem certos gêneros discursivos.

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O estilo é indissociável de determinadas unidades temáticas e – o que é de

especial importância – de determinadas unidades composicionais: de

determinados tipos de construção do conjunto, de tipos do seu acabamento,

de tipos da relação do falante com outros participantes da comunicação

discursiva – com os ouvintes, os leitores, os parceiros, o discurso do outro,

etc (BAKHTIN, 2011, p. 266).

Segundo Bakhtin (2011), o estudo do estilo da linguagem só alcança eficácia se

se considerar efetivamente a natureza do gênero dos estilos linguísticos e fundamentar-se no

exame prévio das modalidades de gêneros discursivos.

Desse modo, de acordo com Bakhtin (2011), o desconhecimento da natureza de

gênero dos estilos de linguagem e a classificação superficial de gêneros discursivos resultam

constantemente em classificações precárias e sem distinções.

A compreensão da dinâmica histórica do estilo requer o estudo da historicidade

dos gêneros, tendo em vista que, de acordo com Bakhtin (2011), as mudanças históricas dos

estilos de linguagem estão permanentemente vinculadas às mudanças dos gêneros do discurso.

Conforme explica Bakhtin (2011, p. 268):

Os enunciados e seus tipos, isto é, os gêneros discursivos, são correias de

transmissão entre a história da sociedade e a história da linguagem. Nenhum

fenômeno novo (fonético, léxico, gramatical) pode integrar o sistema da

língua sem ter percorrido um complexo e longo caminho de experimentação

e elaboração de gêneros e estilos.

Para Bakhtin (2011, p. 268), o gênero não se dissocia do estilo. E, portanto, a

mudança do estilo de um gênero para outro é capaz tanto de alterar o tom do estilo, como

constituir outro gênero. Sendo assim, “tanto os estilos individuais quanto os da língua

satisfazem aos gêneros do discurso”.

Nesse sentido, para alcançar uma compreensão ampla de todas as questões da

estilística é necessário um estudo mais aprofundado da natureza do enunciado e dos gêneros

discursivos.

Na concepção bakhtiniana, o exame profundo e amplo da natureza dos

enunciados, entendido como unidade real da comunicação, e dos gêneros do discurso é

essencial para a superação das noções limitadas da vida do discurso e da atividade

comunicativa, tendo em vista que o gênero reúne formas de orientação coletiva para

compreensão da realidade social.

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2.1 GÊNEROS DISCURSIVOS NOS PCNs

Os Parâmetros Curriculares Nacionais abordam o gênero como meio de

inclusão e participação do indivíduo na sociedade. Dessa forma, os gêneros assumem

importante função no processo ensino-aprendizagem, constituindo desafio para as práticas

pedagógicas nas políticas educacionais do Brasil.

Há preocupação por parte dos professores, conforme mencionam os PCNs

(Brasil, 2000), sobre o conteúdo a ser trabalhado tendo em vista as novas práticas de ensino a

que se aspiram:

Ao ler esse texto, muitos educadores poderão perguntar onde está a

literatura, a gramática, a produção de textos escritos, as normas. Os

conteúdos tradicionais foram incorporados por uma perspectiva maior, que é

a linguagem, entendida como um espaço dialógico, em que os locutores se

comunicam. Nesse sentido, todo conteúdo tem seu espaço de estudo, desde

que possa colaborar para a objetivação das competências em questão (PCNs,

2000, p. 23).

Tais competências estão diretamente vinculadas à compreensão de gêneros que

favorecerem o uso eficaz da linguagem verbal nas diversas situações discursivas. Nesse

sentido, dá-se ênfase ao conceito de gênero como ação social.

O gênero, segundo Bakhtin (2011), nesse sentido, deve ser entendido como

ação social, pela qual o sujeito realiza escolhas ajustadas ao contexto situacional em que

interage. Assim, são indicadas práticas pedagógicas que estimulem a compreensão e o uso

efetivo dos gêneros, de forma consciente e crítica na sociedade.

Os PCNs (Brasil, 2000) afirmam que o conhecimento dos gêneros discursivos

favorece uma ampla compreensão sobre as possibilidades de emprego da linguagem. Nessa

direção, exemplificam que, numa situação pedagógica, o estudo da origem de gêneros e

tempos, na esfera artística, favorece a análise do contexto da esfera de produção, os estilos e

os embates discursivos, refletidos no texto.

Todavia, os PCNs do Ensino Médio não oferecem orientações específicas sobre

o modo de adequar os conteúdos tradicionais à nova abordagem de ensino, ficando a cargo do

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professor a reponsabilidade da organização dos conteúdos programáticos e da adaptação dos

recursos didáticos.

Nesse sentido, entende-se que os PCNs devem ser adequados para oferecer

melhor direcionamento para o ensino e aprendizagem dos gêneros, na perspectiva ampla do

conceito, tendo em vista não sua categorização ou a memorização de elementos constitutivos

dos gêneros, mas a relativa estabilização dos enunciados, o modo como seus tipos se

manifestam e como sua compreensão favorece a construção de sentido.

2.2 O CONCEITO DE ESFERA IDEOLÓGICA OU CAMPO DISCURSIVO

Ao longo de sua obra, Bakhtin aborda o conceito de campo discursivo, também

denominado esfera ideológica. Seu estudo, de acordo com o filósofo, oferece explicação à

natureza e às características específicas das produções ideológicas.

Conforme menciona Grillo (2012, p. 133), a compreensão de campo/esfera

ilumina, “por um lado, a teorização dos aspectos sociais nas obras literárias e, por outro, a

natureza ao mesmo tempo onipresente e diversa da linguagem verbal humana”.

Na perspectiva de Bakhtin (2011), as ações dos sujeitos se manifestam nos

diversos campos discursivos, por meio de enunciados. Dessa maneira, não é possível a

produção de enunciados fora das esferas da atividade humana, ou seja, no vazio, pois os

enunciados apresentam conteúdo temático, organização composicional e estilo próprios

vinculados às condições específicas e às finalidades de cada esfera de ação.

Sendo assim, pelos campos discursivos são elaborados modelos de atividades

comunicativas que adquirem estabilidade e são difundidas a gerações posteriores com objetivos

claros e certos. Daí decorrem a produção de configurações dos enunciados que se estabilizam

em gêneros.

A respeito desse pensamento bakhtiniano, Fiorin (2008) explica que são essas

esferas de atividade que ocasionam o surgimento de certos enunciados, que são relativamente

estabilizados, sendo suscetíveis às mudanças em detrimento das transformações que ocorrem

no interior desses campos discursivos.

Nessa direção, Grillo (2012) afirma que o conceito de esfera perpassa a

caracterização do enunciado e dos seus tipos estáveis, inclusive no que se refere à sua natureza

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semântica e sua relação com outros enunciados que os antecedem ou os sucedem. Assim

sendo, o diálogo entre os enunciados e destes com os objetos a que se referem é condicionado

à esfera em que se manifestam.

No mesmo raciocínio, Grillo (2012) ressalta que, na visão bakhtiniana, a relação

do enunciado com os interlocutores e as categorias e concepções de destinatários são

determinados pela esfera ideológica.

Segundo Grillo (2012), na visão bakhtiniana, esfera é o espaço social que

refrata ou reelabora as demandas externas, com autonomia social e semiótica. Nessa direção,

entende-se que as produções ideológicas são constituídas na configuração dada pela esfera nas

quais elas se manifestam, não ignorando, contudo, a influência dos aspectos socioeconômicos.

O conceito de campo/esfera, nesse sentido, remete-se à pluralidade de

manifestações da atividade humana e suas formas de organização em determinada formação

social. Essa diversidade, na perspectiva bakhtiniana se deve à autonomia relativa do campo e

sua capacidade de refratar as demandas exteriores.

Assim sendo, segundo Grillo (2012), o conceito de campo é entendido como

um nível específico de coerções que, sem ignorar sua capacidade de transformar as demandas

exteriores, constitui as produções ideológicas, segundo suas especificidades.

Nesse sentido, o campo é um espaço de conflitos, onde os sujeitos assumem

posições de acordo com as coerções que os envolve. Esses posicionamentos são assumidos a

partir das relações histórica e socialmente marcadas, que se dão reciprocamente.

A partir do conhecimento da esfera discursiva e as atividades sociais nela

praticadas é que os sujeitos organizam seu comportamento e sua produção textual. Nesse

sentido, os campos discursivos impõem uma forma de subordinação das atividades

sociodiscursivas das quais emergem os gêneros.

2.3 SUPORTES DE GÊNERO

No estudo de gênero, é relevante atentar-se para o modo como se dá seu

consumo e sua circulação. Para tanto, toma-se como referência as reflexões de Marcuschi

(2008), que oferece importantes apontamentos sobre o conceito de suporte.

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As ideias desse autor referentes ao conceito de gênero, embora apresentem

convergência de sentido em relação a muitos aspectos da abordagem bakhtiniana sobre o tema,

não podem ser consideradas idênticas no seu inteiro teor, em razão de Marcuschi tratar de

gênero textual e, Bakhtin, de gênero discursivo.

Não sendo interesse dessa pesquisa aprofundar a discussão sobre tais conceitos,

tendo em vista que se adota a perspectiva de Bakhtin, que trata de gênero do discurso,

emprega-se o conceito dado por Marcuschi sobre suporte, que é o meio portador de gênero,

seja ele discursivo ou textual.

A discussão sobre suporte dos gêneros é ainda complexa, tendo em vista não

existir um estudo sistemático consolidado que defina com precisão este ou aquele continente

como suporte de gêneros.

É unânime a compreensão de que o suporte é indispensável para a circulação do

gênero. E, na mesma direção, admite-se que o suporte não é neutro em relação ao gênero,

porque exerce influência sobre sua natureza. Um exemplo disso, conforme assinala Marcuschi

(2008), é o caso de uma mensagem ser escrita e deixada sobre a mesa de alguém ou o mesmo

conteúdo ser gravado oralmente em uma secretária eletrônica. Embora em ambos os casos

permaneça o mesmo conteúdo, há uma diferente identificação do gênero em relação ao suporte

utilizado, pois, na primeira situação trata-se de um bilhete, e na segunda, de um recado.

De acordo com Marcuschi (2008, p. 174), um suporte de gênero é “um lócus

físico ou virtual com formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero

[...]”.

Nessa perspectiva, entende-se que o suporte precisa ter uma materialidade,

apresentar um formato específico, servindo como portador permanente, não eventual, e

proporcionar a apresentação do enunciado, tornando-o acessível para propósitos

comunicativos.

Segundo Marcuschi (2008), os gêneros se desenvolvem em ambientes mais

adequados à sua circulação, ou seja, têm preferências de suportes em que se manifestam, o que

confirma se tratar de uma forma de contexto pela sua função seletiva. Dessa forma, o suporte

deve ser analisado na relação com a esfera discursiva e diferentes aspectos: formação

discursiva e gêneros do discurso e seus tipos.

Em se tratando de material didático, embora nele coexistam os diversos gêneros

discursivos, cada manual apresenta um formato diferenciado, não sendo, pois, um ambiente

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específico para fixação de um ou outro gênero, mas para a convivência deles, de acordo com o

propósito de ensino.

Dizer que os livros didáticos são suportes para os gêneros, assemelha-se a

afirmar que o romance, considerado por Bakhtin o gênero dos gêneros, também o é, tendo em

vista que o romancista tem a memória dos gêneros bastante aguçada, capaz de explorar cada

gênero discursivo. Sendo assim, o manual didático contém gêneros, mas não é um suporte

convencional de gênero.

Por sua finalidade de ampliar as possibilidades de trabalho com gênero e com as

linguagens em sala de aula, o livro precisa oferecer significados potenciais em todos os tipos de

gêneros, oportunizar ao aluno o envolvimento com as relações dialógicas entre os enunciados

e seus tipos estáveis, possibilitar o confronto dos textos e seus sentidos, e direcionar a

linguagem para o mais próximo do aluno.

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3 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DO CORPUS

O livro didático “Português Linguagens”, dos autores William Roberto Cereja e

Thereza Cochar Magalhães, é destinado ao Ensino Médio e aborda conteúdos de Literatura,

Produção de Texto e Gramática. Essa obra é organizada em três volumes, cada qual

apresentando quatro unidades, que são subdividas em capítulos.

O volume I é composto de trezentas e trinta e seis páginas, e seus trinta e seis capítulos

são assim distribuídos: Unidade 1, com sete capítulos; Unidade 2, com nove capítulos; Unidade

3, com onze capítulos; e Unidade 4, com nove capítulos.

O volume II é composto de quatrocentas e trinta e duas páginas, e seus quarenta e nove

capítulos são distribuídos da seguinte forma: Unidade 1, com treze capítulos; Unidade 2, com

doze capítulos, Unidade 3, com doze capítulos; e Unidade 4, com doze capítulos.

O volume III é composto de quatrocentas e dezesseis páginas, e seus cinquenta

capítulos organizam-se da seguinte maneira: Unidade 1, com onze capítulos; Unidade 2, com

doze capítulos; Unidade 3, com nove capítulos; e Unidade 4, com onze capítulos.

Com exceção da Unidade 1, do Volume I, desse manual didático, todas as demais

unidades dos três volumes apresentam um capítulo com o título “Diálogos” que se remete a

temas da Literatura tratados na unidade em que ele se insere.

3.1 RELAÇÕES DIALÓGICAS NO CAPÍTULO 8 “DIÁLOGOS”, VOLUME I

Do Volume I, toma-se para análise o Capítulo 8 “Diálogos”, da Unidade 4 –

“História Social do Arcadismo”. Esse capítulo se organiza da seguinte maneira:

Texto de abertura, que contextualiza o tema, retomando informações do Capítulo 1 “A

linguagem do Arcadismo”, e preparando caminho para as análises;

Tela “O juramento dos Horácios” (1784), de Jacques-Louis David, e o texto “O

contexto da cena”, seguidos de atividades;

Filme “A missão” e proposta de atividade a ele relacionada.

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O texto de abertura resume a temática do Capítulo 8, da Unidade 4. Nele se

mencionam os efeitos na arte ocidental trazidos pela Revolução Francesa e a ascensão da

burguesia ao poder, conforme se observa:

Com a Revolução Francesa (1789) e a ascensão da burguesia ao poder, a arte

ocidental se voltou cada vez mais para os interesses de seu novo público

consumidor. Assim, deixou de lado os modelos clássicos que influenciaram

fortemente a arte dos séculos XVI, XVII e XVIII e buscou caminhos

próprios, vinculados à realidade dos séculos XIX e XX. Apesar disso, o

interesse pela produção literária de orientação clássica nunca desapareceu

[...] (CEREJA e MAGALHÃES, 2010, v. 1, p. 318).

Esse enunciado explica que, no contexto da Revolução Francesa e da ascensão

da burguesia, a arte do século XVIII pretende refutar a concepção artística dos séculos

anteriores, com um olhar para a produção literária dos séculos vindouros.

Dessa forma, apresenta o contexto histórico, social e econômico em que o

Arcadismo emerge: século XVIII, a Revolução Francesa e a ascensão da burguesia, bem como

reitera a importância desse período literário para as produções artísticas, tendo em vista

constituir uma contraposição às manifestações do período Barroco e a indicação de novos

caminhos para a arte.

Esse texto estabelece diálogo com temas tratados no Capítulo 1 “A linguagem

do Arcadismo” e retoma seus conteúdos, realizando uma síntese das informações a serem

abordadas no Capítulo 8.

Ao se referir às transformações da forma de produção artística, esse enunciado

dialoga com o conteúdo do texto inicial do Capítulo 1 “A linguagem do Arcadismo”, da

Unidade 4, em que se explica que as mudanças na arte são consequências dos fatos que

antecederam o Arcadismo:

No século XVIII, as transformações que ocorriam no plano político e social

– o fortalecimento político da burguesia, o aparecimento dos filósofos

iluministas, o combate à Contrarreforma, entre outras – exigiam dos artistas

uma arte que atendesse às necessidades de expressão do ser humano naquele

momento. O Neoclassicismo, também conhecido como Arcadismo, foi a

resposta artística que a burguesia pôde dar a essa necessidade (CEREJA e

MAGALHÃES, 2010, v. 1, p. 264).

Esse enunciado, do Capítulo 1 “A linguagem do Arcadismo”, confirma as

informações do texto de abertura do Capítulo 8 “Diálogos”, ao afirmar que o Neoclassicismo é

um movimento literário que surge para atender o desejo de expressar por meio da arte as

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inquietações humanas diante das transformações históricas, sociais, políticas e econômicas em

evidência no século XVIII.

Essa ideia também estabelece diálogo com o assunto tratado no texto: “Um

olhar para o futuro”, do mesmo Capítulo 1 “A linguagem do Arcadismo”, da Unidade 4,

conforme se observa:

[...] Em lugar do passado, os homens invertiam a perspectiva e olhavam para

o futuro: o homem, através da razão, com sua capacidade de conhecer e

chegar à verdade das coisas, seria capaz de corrigir o que houve de errado no

mundo e, com isso, construir uma vida mais razoável e mais próxima da

vida natural (CEREJA e MAGALHÃES, 2010, v. 1, p. 268).

Esse trecho aclara como se deu o abandono dos parâmetros clássicos nos quais

se espelhava a arte dos séculos XVI, XVII e XVIII e revela os novos caminhos a serem

trilhados, que se remetem à realidade dos séculos XIX e XX.

Ainda no texto que inicia o Capítulo 8 “Diálogos”, os autores preocupam-se em

mencionar o momento histórico em que o Neoclassicismo emerge, reiterando que a Revolução

Francesa em 1789 ocorreu em função da ascensão da burguesia ao poder. Essa informação

dialoga com a ideia apresentada no enunciado: “A burguesia e o fim da sociedade feudal”,

presente também no Capítulo 1 “A linguagem do Arcadismo”, da Unidade 4, que assim diz:

Foi essa classe média, a burguesia, que provocou a Revolução Francesa, e

que mais lucrou com ela. A burguesia provocou a Revolução porque tinha de

fazê-lo. Se não derrubasse seus opressores teria sido por eles esmagada.

Estava na mesma situação do pinto dentro do ovo que chega a um tamanho

que tem que romper a casca ou morrer. Para a crescente burguesia os

regulamentos, restrições e contenções do comércio e indústria, a concessão

de monopólios e privilégios a um pequeno grupo, os obstáculos ao progresso

criados pelas obsoletas e retrógradas corporações, a distribuição desigual dos

impostos continuamente aumentados, a existência de leis antigas e a

aprovação de novas sem que a burguesia fosse ouvida, o grande enxame de

funcionários governamentais bisbilhoteiros e o crescente volume da dívida

governamental – toda essa sociedade feudal decadente e corrupta era a casca

que devia ser rompida. Não desejando ser asfixiada até morrer penosamente,

a classe média burguesa que surgia tratou de fazer com que a casca se

rompesse.

Quem era a burguesia? Eram os escritores, os doutores, os professores, os

advogados, os juízes, os funcionários – as classes educadas; eram os

mercadores, os fabricantes, os banqueiros – as classes abastadas, que já

tinham direitos e queriam mais (CEREJA e MAGALHÃES, 2010, v. 1, p.

268).

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Ao retomar de maneira sucinta esses conceitos no texto de abertura do Capítulo

8, da Unidade 4, observa-se o propósito de reiterar, confirmar e resumir temas abordados

anteriomente.

Retomadas essas informações, no Capítulo 8, da Unidade 4, apresentam-se ao

aluno a pintura “O juramento dos Horácios” (1784), de Jacques-Louis David, e um fragmento

“O contexto da cena” que explica a tela, sobre a qual trata a atividade em seguida.

Figura 1 – O juramento dos Horácios (1784), Jacques-Louis David.

Fonte: CEREJA e MAGALHÃES, 2010, v. 1, p. 318.

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Figura 2 – Atividade do livro.

Fonte: CEREJA e MAGALHÃES, 2010, v. 1, p. 319.

O cenário retratado pela obra é um ambiente fechado, à semelhança de um

teatro, onde se observam os personagens posicionados equilibradamente no primeiro plano.

No lado esquerdo da tela, para aquele que observa, percebem-se três homens

figurados de perfil, bastante unidos, com pernas entreabertas e braços erguidos, vestidos com

roupas em cores branca, marrom e vermelha, como soldados romanos, de trajes de luta,

exibindo acentuada musculatura.

Eles são apresentados bem unidos, com braços erguidos diante de outro

homem, posicionado ao centro, que tem aparência de mais velho, contendo na mão esquerda

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três espadas empunhadas que, certamente, serão entregues aos jovens. O homem ao centro,

embora pareça ser mais velho, conforme sugere a barba, também se veste semelhante aos três

rapazes, com vestes que apresentam os mesmos tons: branco, marrom e vermelho. A cena dá

ênfase à figura robusta e viril dos moços, que portam armas, numa clara demonstração de força

e disposição para a luta.

Em contraste com a figura masculina, observam-se, no lado direito da tela, três

mulheres, sentadas e encurvadas, apresentando um semblante triste e desconsolado. Vestem-se

roupas suaves e claras, com cores branca, marrom e vermelha.

Mediante a atividade proposta, os alunos são orientados a observar

essencialmente três aspectos da obra:

Primeiro aspecto: as características dos períodos literários que a obra evidencia, retoma

ou refuta, conforme se observam nas questões: “1a”, “1b”, “2b”, “3b” e “6”:

1a) “Que traço do Classicismo é retomado por essa tela neoclássica?”

1b) “Quanto ao tema, que mudança essa tela apresenta, se comparada às obras barrocas?”

2b) “Que traço clássico ou neoclássico se verifica nesse procedimento [de apresentar

aspectos comuns nos elementos da tela]?”

3b) “Que relação essas características [físicas dos personagens] têm com a pintura

renascentista?”

6) “[...] Quais dessas características é possível identificar nessa pintura neoclássica?

Explique como se manifestam no quadro essas características identificadas.”

Segundo aspecto: A disposição dos personagens, das formas e cores da tela, conforme

demonstram as questões: “2a”, “3a”, “4a” e “4b”:

2a) “O que esses elementos [os jovens romanos, as mulheres, as espadas, os arcos] têm em

comum?”

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3a) “Como [os três jovens romanos] são caracterizados?”

4a) “O que os gestos do pai e dos filhos demonstram, sabendo-se que os rapazes poderão

voltar sem vida?”

4b) “Em contraposição, o que os gestos das mulheres representam?”

Terceiro aspecto: a relação da obra com o contexto histórico em que foi produzida,

conforme se vê na questão 5.

5) “[...] Na sua opinião, esse quadro pode ser visto como contestação ao regime vigente?

Por quê?”

Além do fato de as questões se restringirem a três aspectos, conforme se

demonstrou, algumas perguntas revelam-se bastante semelhantes. As questões “1a”, “2b” e

“6”, por exemplo, solicitam que se identifiquem na tela características do Classicismo; e as

questões “2a”, “3a”, “4a” e “4b” têm finalidades equivalentes, que é sugerir análise dos

objetos, personagens e gestos.

Em relação ainda a essas questões, observa-se que suas propostas são muito

restritivas, ou seja, na maioria delas sugere-se a identificação de um aspecto na obra que

confirma a assertiva do enunciado. Para tanto, utilizam-se expressões que direcionam o aluno a

essa identificação, conforme se destacam nas seguintes questões: “1a”, “1b”, “2a”, “2b”, 3b,

“4a”, “4b”.

1a) “Que traço do Classicismo é retomado por essa tela neoclássica?” (grifo nosso).

1b) “Quanto ao tema, que mudança essa tela apresenta, se comparada às obras barrocas?”

(grifo nosso).

2a) “O que esses elementos [os jovens romanos, as mulheres, as espadas, os arcos] têm em

comum?” (grifo nosso).

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2b) “Que traço clássico ou neoclássico se verifica nesse procedimento [de apresentar

aspectos comuns nos elementos da tela]?” (grifo nosso).

3b) “Que relação essas características [físicas dos personagens] têm com a pintura

renascentista?” (grifo nosso).

4a) “O que os gestos do pai e dos filhos demonstram, sabendo-se que os rapazes poderão

voltar sem vida?” (grifo nosso).

4b) “Em contraposição, o que os gestos das mulheres representam?” (grifo nosso).

Dessa forma, o aluno é limitado a responder às questões em conformidade com

o ponto de vista dos autores, retomando informações da tela que se analisa.

Há somente uma questão, a de número “5”, em que o aluno é convidado a

manifestar sua opinião. Todavia, ele é limitado a responder “sim” ou “não” a respeito do

assunto tratado, justificando sua opinião diante da informação apresentada de forma suscinta

no enunciado.

5) “A filosofia do século XVIII tinha caráter reformador e moralizador, em oposição ao

Absolutismo e aos privilégios da Aristocracia. A tela O Juramento dos Horácios foi

concluída quatro anos antes da Revolução Francesa. Na sua opinião, esse quadro pode ser

visto como contestação ao regime vigente? Por quê?”

Em relação à análise do diálogo da obra com o contexto histórico em que a tela

foi produzida, a questão “5” sugere que o estudante manifeste sua opinião se a pintura é uma

contestação ao regime vigente na época e solicita explicação nesse sentido. Todavia, não é

possível ao aluno encontrar fundamento teórico para essa resposta, tendo como referência

informações disponíveis nesse volume do livro. Desse modo, sua opinião, conforme sugere a

questão, será subjetiva, baseada em conhecimento prévio sobre o assunto, ou será uma

suposição.

Essas questões, de modo geral, requerem do aluno análise da obra no que diz

respeito aos traços do Classicismo que são retomados na disposição das figuras e nas formas; à

mudança que a obra apresenta se comparada às manifestações do Barroco; às características

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físicas dos personagens e sua relação com os aspectos dos personagens que se apresentam nas

pinturas renascentistas; e à relação da tela com o regime vigente na época de sua produção.

Desse modo, o aluno é solicitado a tão somente identificar características, a fim

de perceber alguns aspectos do Neoclassicismo e compará-los com os de outros períodos

literários.

Sendo assim, as relações dialógicas que se evidenciam são estabelecidas entre os

períodos da Literatura: Classicismo, Barroco e Neoclassicismo, tendo em vista que as

manifestações literárias são dialógicas, ora negando ora reafirmando temas, formas e estilos. E,

nesse caso, a partir das questões propostas, não é possível ao aluno compreender com clareza

tais relações.

Mediante essa atividade, o aluno não é convidado a contemplar e analisar a obra

em sua essência; a conhecer os valores e tonalidades expressivas nela presentes; e a posicionar-

se criticamente, examinando as relações dialógicas que se estabelecem com outras obras. Esse

direcionamento, restringe a compreensão do leitor a aspectos descritivos da obra e a

identificação de caraterísticas de determinadas escolas literárias, o que pouco coopera para sua

efetiva aprendizagem.

No mesmo Capítulo 8 “Diálogos”, da Unidade 4: “História Social do

Arcadismo” há uma proposta de “Diálogo entre o cinema e o Iluminismo” (CEREJA e

MAGALHÃES, 2010, v. 1, p. 319) onde se apresenta sugestão para ser integralmente

assistido o filme “A missão”, de Roland Joffé, e em seguida é proposta uma atividade que

pretende favorecer esse diálogo.

Figura 3 – “Diálogo entre o cinema e o Iluminismo”.

Fonte: CEREJA e COCHAR, 2010, v. 1, p. 319.

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Figura 4 –Atividade do livro.

Fonte: CEREJA e COCHAR, 2010, v. 1, p. 320.

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“A missão” é uma obra cinematográfica britânica de 1986, “ganhadora de vários

prêmios, entre eles, a Palma de Ouro no Festival de Cannes, categoria de melhor filme, e o

Oscar, na categoria de melhor fotografia” (CEREJA e MAGALHÃES, 2010, v. 1, p. 319).

O contexto histórico do filme é o século XVIII, período em que o Brasil está

sob domínio de Portugal e Espanha e a ordem jesuíta está em missão no País para a catequese

dos índios.

O palco dos acontecimentos relatados no filme é a região dos Sete Povos das

Missões, que era disputada pelos colonos espanhóis e portugueses, até a assinatura do Tratado

de Madri, em 1750, quando se conferiu a Portugal sua possessão. Nessa região, a Companhia

de Jesus já havia sido instalada e atuava na evangelização dos índios.

A obra retrata o relacionamento dos jesuítas com os índios; a disputa econômica

na região dos Sete Povos das Missões; as divergências políticas entre os colonos europeus e

destes com a Companhia de Jesus; a expulsão dos indígenas dessa região; e a aniquilação de

índios e jesuítas que integravam a Missão de São Carlos, após violenta batalha. Paralelamente,

é apresentada a trajetória do ex-mercenário que, após se envolver em uma tragédia, vivencia

um drama moral e acaba se tornando jesuíta.

A partir do título “Diálogo entre o cinema e o Iluminismo” são apresentados

exercícios referentes à obra “A missão”. As questões propostas funcionam como um roteiro de

estudo, que serve para conduzir o aluno à leitura e à compreensão do filme, ao indagá-lo sobre

cenas, situações e outros aspectos da obra.

Sendo assim, as questões propostas direcionam o aluno a responder sobre o

modo como a natureza americana é apresentada aos olhos do colonizador europeu; a

motivação dos europeus para colonizar a América; o papel da linguagem musical no filme, a

atuação dos atores; a organização do trabalho dos indígenas e a quem se destinava sua

produção; a relação dos índios com os colonizadores, com os religiosos e com espaço natural;

o ponto de vista dos autores da obra sobre o trabalho dos jesuítas nessas comunidades; o

processo de aculturação dos índios; e a visão do racionalismo iluminista em face do processo

de catequese.

Nas perguntas “1a”, “1b”, “1c”, “3a”, “3b”, “3c”, “3d”, “4a” e “7b” são

utilizadas expressões capazes de simplificar ou limitar a busca do aluno a um elemento

específico do filme. Dentre esses termos, podem-se destacar: “como”, “o quê”, “qual”,

“quem”, “para quem”, “em que” e “quê”, conforme se demonstram a seguir:

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1a) “Pela ótica do filme, como se apresentava a natureza americana aos olhos do

colonizador europeu?” (grifo nosso).

1b) “O que essencialmente atraía os colonizadores europeus para a América?” (grifo nosso).

1c) “Qual era o papel dos jesuítas nesse contexto da colonização?” (grifo nosso).

3a) “O que eram os Sete Povos das Missões?” (grifo nosso).

3b) “Quem organizava o trabalho e o relacionamento com os índios nessas comunidades?”

(grifo nosso).

3c) “Como era o relacionamento entre os índios e os religiosos nessas comunidades?” (grifo

nosso).

3d) “Para quem ficava a produção do trabalho dos índios nas lavouras?” (grifo nosso).

4a) “Em que se diferenciam [a vida dos indígenas nas comunidades dos Sete Povos e na

cidade]?” (grifo nosso).

7b) “Que implicações teve para a Companhia de Jesus a decisão tomada pelos religiosos de

Sete Povos?” (grifo nosso).

Esse direcionamento de pergunta impede que o aluno observe no filme aspectos

distintos dos que é solicitado a examinar. São questões que esperam uma resposta absoluta, a

ser repetida igualmente por todos os alunos.

Com o mesmo efeito, são apresentadas as questões “5”, “6” e “7c” que

solicitam a identificação de exemplos na obra que confirmam uma informação dada na própria

pergunta. Neste caso, utilizam-se os termos “cite”, “identifique” e “qual”, conforme se

demonstram a seguir:

5) “Numa passagem do filme, uma menina índia diz não querer ir para a floresta, pois lá

habitava o demônio. Esse dado é um exemplo do processo de aculturação que os índios

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vinham vivendo em contato com os religiosos. Cite outros elementos do filme que

demonstram esse processo.” (grifo nosso).

6) “No contexto em que se passa o filme – meados do século XVIII – o racionalismo não via

com bons olhos o trabalho dos jesuítas, identificados como porta-vozes da Contrarreforma.

Por esse motivo, em alguns países a ordem sofria perseguições, como ocorreu em Portugal e

no Brasil. Identifique no filme uma situação que ilustre esse dado histórico.” (grifo nosso).

7 c) “Por esse artigo [XVI] do tratado [de Madri], percebe-se que o rei da Espanha

desconsiderava um dado fundamental quanto à relação do índio com o espaço natural. Qual

é esse dado?” (grifo nosso).

O aluno nesse caso é convidado a encontrar elementos no filme que comprovam

os dados apresentados pelos autores. Sendo assim, o objetivo da questão é somente possibilitar

que o leitor confirme por meio de exemplos determinada informação, dispensando seu ponto

de vista sobre o assunto.

Além dessas, são apresentadas as questões “2”, “4b”, “7a”, que, embora

solicitem opinião sobre determinado assunto, limitam a ação do aluno, restringindo sua

compreensão à confirmação de informações oferecidas pelos autores. Conforme se

demonstram a seguir.

2) “Comente com os colegas o papel da música de Ennio Morricone, no filme, e o

desempenho dos atores Robert de Niro (o escravista convertido) e Jeremy Irons (o líder

jesuíta)” (grifo nosso).

4b) “Logo, o filme, apresenta uma visão positiva ou negativa a respeito do trabalho dos

jesuítas nessas comunidades?” (grifo nosso);

7a) “De acordo com o filme, a determinação desse artigo [XVI do Tratado de Madri, citado

no início do iniciado] foi respeitado?” (grifo nosso).

Essas questões dão abertura para que o aluno manifeste sua opinião. Contudo,

com exceção do comentário sobre o desempenho dos atores, solicitado pela questão 2, todas

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as demais propostas, “4b”, “7a” e a primeira parte da questão “2”, que trata da análise da

música, são limitadas ao ponto de vista do filme.

A maioria dessas perguntas direciona o aluno para uma resposta única, e

quando ele é solicitado a comentar sobre alguma cena específica, a questão deixa claro que

deve ser observado como o fato acontece na obra.

Outra questão a ser analisada é a de número 3. Nela, o aluno é convidado a

comentar com os colegas o papel da música de Enio Morricone e o desempenho dos atores.

Ao se referir à música, a proposta poderia ser relevante se favorecesse ao aluno uma análise

sobre o uso da linguagem musical como estratégia para aproximação entre o jesuíta e os

indígenas. Contudo, além de não haver opção para o aluno registrar suas observações, somente

comentar com seus colegas, ele ainda é solicitado a analisar, na mesma questão, a atuação dos

atores, como se existisse relação entre o desempenho deles e a música tema, o que pode

dificultar a compreensão da proposta.

Um outro fato a se observar na atividade desse tópico é que, embora seu título

sugira diálogo do cinema com o Iluminismo, os autores só dedicam uma questão para tratar

desse tema, que é a pergunta de número “6”, reproduzida a seguir, em que o aluno é

convidado a identificar uma situação que ilustra a visão do racionalismo sobre o trabalho dos

jesuítas.

6) “No contexto em que se passa o filme – meados do século XVIII – o racionalismo não via

com bons olhos o trabalho dos jesuítas, identificados como porta-vozes da Contrarreforma.

Por esse motivo, em alguns países a ordem sofria perseguições, como ocorreu em Portugal e

no Brasil. Identifique no filme uma situação que ilustre esse dado histórico.”

Essa questão convida o aluno a identificar uma situação na obra referente ao

dado histórico mencionado. A identificação de uma situação no filme não se revela suficiente

para favorecer o aprendizado do aluno sobre o tema, nem dá abertura para que o estudante

perceba as relações dialógicas entre a obra e o Iluminismo.

Os exercícios, em geral, demonstram especial preocupação com os aspectos

históricos retratados pelo filme. Nesse sentido, a atividade direciona o aluno a observar, sob a

ótica do filme, o contexto histórico, social e político do Brasil no século XVIII, bem como

aspectos referentes à catequese: a relação entre índios, jesuítas e colonizadores.

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Dessa forma, a obra não é explorada na sua potencialidade de sentidos. A ação

do aluno é limitada a uma leitura superficial e restrita do filme, pela qual poderá observar

somente o que os autores querem que seja visto.

A análise da obra poderia ir além de observação de cenas, e de exercício de

interpretação, a fim de possibilitar que o aluno estabelça relações dialógicas com o filme, no

intuito de examinar, por exemplo, como a linguagem se torna um importante instrumento para

a aproximação entre indígenas e jesuítas, e como convivem e dialogam visões de mundo,

ideologias e interesses tão distintos.

3.2 RELAÇÕES DIALÓGICAS NO CAPÍTULO 11 “DIÁLOGOS”, VOLUME II

Do volume II, toma-se para análise o Capítulo 11 “Diálogos”, da Unidade 3:

“História Social do Realismo, do Naturalismo e do Parnasianismo”, que se organiza da

seguinte maneira:

Um pequeno texto que contextualiza o tema a ser abordado no capítulo;

A tela “As peneiradoras de trigo (1854), de Gustave Coubet e atividade relacionada;

Um fragmento do conto “Chigubo”, um trecho do romance “O cortiço” e atividade

relacionada;

Filme “Memórias póstumas”, um pequeno texto “O herói problemático” e atividade

relacionada.

Em seu início, o Capítulo 11 “Diálogos” apresenta um pequeno texto cujo

objetivo é contextualizar a temática abordada, o qual se reproduz a seguir:

O Realismo, o Naturalismo e o Parnasianismo do século XIX tornaram-se

referência para escritores de muitas gerações posteriores, seja para imitação,

seja para rejeição. O Realismo, entre outras razões, por ter sido a primeira

corrente literária a se propor a fazer um retrato crítico da sociedade e a

sondagem interior do ser humano; o Naturalismo, por ter retratado as

camadas mais humildes da população; e o Parnasianismo, por sua concepção

formalista da linguagem (CEREJA e MAGALHÃES, 2010, v. 2, p. 336).

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Nesse enunciado, reitera-se o conhecimento sobre as correntes literárias do

século XIX, que são tratadas nos capítulos precedentes, da unidade 4 desse volume, que

versam sobre Literatura.

Nele se mencionam as transformações ocorridas na arte literária trazida pelo

Realismo, Naturalismo e Parnasianismo, e os diálogos que esses movimentos estabelecem com

as produções literárias das gerações seguintes e, também, as anteriores, tendo em vista seu

caráter inovador, no caso do Realismo, ao se posicionar criticamente em relação à sociedade e

à sondagem interior do homem.

Dessa forma, o enunciado em análise retoma as informações sobre o Realismo e

o Naturalismo já abordadas, tal como se constata no texto que inaugura o Capítulo 1 “A

linguagem do Realismo, do Naturalismo e do Parnasianismo”, também da Unidade 4, que diz

assim:

Motivados pelas teorias científicas e filosóficas da época, os escritores

realistas se empenharam em retratar o homem e a sociedade em conjunto.

Não bastava mostrar a face sonhadora e idealizada da vida, como haviam

feito os românticos; era preciso mostrar a face do cotidiano massacrante, do

casamento por interesse, do amor adúltero, da falsidade e do egoísmo, da

impotência do ser humano comum diante dos poderosos (CEREJA e

MAGALHÃES, 2010, v. 2, p. 240).

Esse enunciado, do Capítulo 1, da Unidade 4, introduz o estudo sobre

Realismo, Naturalismo e Parnasianismo e apresenta ao leitor os fatos vivenciados na segunda

metade do século XIX que se refletem nos referidos movimentos literários.

No mesmo Capítulo 1, dando continuidade à explicação desses períodos

literários, Cereja e Magalhães (2010) mencionam que a literatura europeia empenhava-se em

expressar as transformações que se davam em todos os âmbitos: filosófico, científico, político

e econômico, buscando combater a concepção artística do Romantismo, consolidando o

objetivismo literário e o emprego das formas descritivas.

Sendo assim, enquanto o Naturalismo buscava um realismo científico, o

Parnasianismo visava resgatar a poesia clássica, com a qual os poetas românticos romperam

para criar uma poesia sentimentalista, centrada no eu e na imaginação.

Dessa forma, a partir da leitura do texto inicial do Capítulo 11, da Unidade 3, o

aluno poderá retomar essas informações, reiterando seu conhecimento sobre os assuntos de

que trata a atividade.

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Nessa direção, é proposto um diálogo com a pintura realista “As peneiradoras

de trigo” (1854), de Gustave Courbet, e uma atividade referente à tela.

Figura 5 – As peneiradoras de trigo (1854), Gustave Courbet.

Fonte: CEREJA e COCHAR, 2010, v. 2, p. 336.

Figura 6 – Atividade do livro.

Fonte: CEREJA e COCHAR, 2010, v. 2, p. 337.

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Essa obra é uma pintura realista do século XIX. Nela se observam duas moças

peneirando trigo e um menino com jeito curioso e cabelo desajeitado, sentado no canto direito,

abrindo um móvel com aparência rústica, possivelmente de madeira. A tela contém detalhes

que ilustram o realismo da cena: a sombra de treliça da janela, a parede suja, as linhas e as

formas imperfeitas, e o olhar de tédio da moça quase deitada no canto esquerdo.

A atividade traz questões referentes à tela analisada e sua relação com o

Realismo. Nela, são apresentadas perguntas a respeito das características visíveis na pintura,

que se referem a ambiente, personagens e traços do Realismo; também convida o aluno a

analisar algumas hipóteses sobre a tela; e apresenta questões referentes ao contexto histórico

em que a obra foi produzida.

Desse modo, em relação ao tema, as perguntas podem ser agrupadas da

seguinte forma:

Questões que tratam de características visíveis da obra: “1a” e “2a”.

1-“A propósito do ambiente retratado no quadro, responda:

a) Como ele se caracteriza?”

2-“Observe as personagens que compõem a cena:

a) O que elas estão fazendo?”

Em relação às questões que solicitam identificação de características da pintura,

embora apresentem tarefas fáceis de serem realizadas pelo aluno, não se vislumbra outro

objetivo senão a descrição do que se vê.

Nesse caso, os autores fixam critérios para a análise, porém não chegam a

provocar um diálogo pleno com os alunos e professores.

Questões que sugerem levantamento de hipóteses: “1b”, “2b”, “2c”, “3b”, “6a” e “6b”.

1b) “Trata-se de um ambiente próprio da zona rural ou urbana? Jusifique sua resposta com

elementos do quadro”.

2b) “Levante hipóteses: Que vínculos pode haver entre elas?”

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2c) “Para elas, o que representa o trigo?”

3b) “Apesar da condição social das personagens, o quadro desperta algum sentimento de

piedade ou compaixão nos espectadores?”

6a) “O que sugerem os movimentos dela [da moça]?”

6b) “Interprete: O que a moça representa nesse quadro?”

Para responder a essas perguntas, o aluno precisa imaginar, levantar hipóteses,

sem qualquer referência na obra. Não é possível descobrir precisamente se o ambiente é um

espaço rural ou urbano; que vínculo há entre as personagens; o que sugerem seus movimentos;

o que a moça representa no quadro; e o que o trigo representa para as personagens.

Questões referentes ao contexto da obra: “3a”, “4a”, “4b”, “5” e “7”.

3)“As primeiras telas de Courbet escandalizaram os salões de arte parisiense, por causa dos

temas que abordavam, até então inéditos.

a) Na hierarquia social, que posição ocupavam as personagens retratadas?”

4a) “Qual é o princípio realista presente nessa resposta do pintor? [‘Jamais poderei pintar

um anjo, porque nunca vi nenhum’]”.

4b) “Na sua opinião, o quadro põe em prática esse princípio realista? Justifique sua

resposta.”

5) “Observe as cores em destaque no quadro. Que relação elas têm com o tema abordado

pelo pintor?”

7) “Um dos traços do Realismo é a crítica social. Considerando-se o contexto da época, o

quadro faz uma crítica à sociedade de então? Justifique sua resposta.”

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Para responder às questões que se referem ao contexto da obra, faz-se

necessário que o aluno, num gesto espontâneo, retome informações presentes em capítulos

anteriores, embora esse procedimento não seja sugerido na atividade.

Se o aluno fosse orientado a buscar informações sobre o assunto tratado nessas

questões, “3a”, “4a”, “4b”, “5” e “7”, identificaria, nas páginas 253 e 254, do mesmo volume,

dois textos, que se transcrevem a seguir, que poderiam servir de referência para sua

compreensão e elaboração das respostas.

Figura 7 – “As contradições do século XIX”.

Fonte: CEREJA e COCHAR, 2010, v. 2, p. 254.

Figura 8 – “Não à fuga da realidade”.

Fonte: CEREJA e COCHAR, 2010, v. 2, p. 255.

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A partir da leitura desses textos, o aluno poderia perceber que, ao tratar de

personagens que peneiram trigo, a tela evidencia uma importante característica do Realismo e

do Naturalismo, que é o interesse em mostrar as camadas mais humildes da população.

Portanto, ao estabelecer diálogo com tais enunciados, seria possível ao aluno

constatar que essa pintura opõe-se à arte romântica que busca expressar a artificialidade, sem

compromisso com o real e que, nessa perspectiva, o artista, inclinado para o objetivismo,

representa a realidade tal como a percebe: sem intenção de melhorá-la ou modificá-la, além de

deixar de lado temas passados tais como: mitologia, religião, literatura e história.

Além disso, se fosse elaborada uma boa proposta de estudo, baseada nessas

informações, o estudante poderia observar como se dão as relações dialógicas da obra com o

contexto histórico e social, com o conceito de arte da época e sua oposição às concepções

artísticas precedentes, especialmente o Romantismo; e com o ponto de vista do artista.

Todavia, não há sugestão para que o aluno examine tais textos, cabendo ao

professor ou ao próprio estudante favorecer esse diálogo, complementando a atividade, a fim

de preencher essa ausência de informação.

De modo geral, na atividade em análise foram propostas questões sobre a obra

referentes ao ambiente; às personagens, sua condição social, à atividade que realizam e ao

possível vínculo entre elas; ao significado do trigo para as personagens; ao diálogo com outras

telas do mesmo artista; às cores presentes na obra e sua relação com a temática abordada; e ao

simbolismo da moça na tela e seu movimento.

As questões orientam o aluno a examinar características visíveis da obra, a

levantar hipóteses a partir de sua análise, a observar aspectos históricos e literários referentes à

tela, tendo em vista principalmente o contexto de sua produção. Portanto, não é sugerida ao

aluno a apreciação da tela sob o seu ponto de vista, mas sim pela perspectiva dos autores da

atividade.

Sendo assim, não se vislumbram como oportunidades de aprendizagem

sugestões de análises das características aparentes da obra, sem que se estabeleça algum

sentido para o que se vê; o exame do contexto histórico de produção da obra, sem oferecer

informações ao aluno sobre o assunto; a identificação de características de períodos literários,

desvinculada da compreensão do movimento literário que se analisa; e o levantamento de

hipóteses. Desse modo, as propostas não oportunizam debates entre alunos e professor, e entre

colegas de classe, além de não favorecer o diálogo pleno entre os sujeitos.

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A proposta ideal para a aprendizagem do aluno e para a efetiva atuação do

professor é aquela que permite ao leitor interação com a obra, e todos os seus aspectos, bem

como seu envolvimento com as relações dialógicas dessa manifestação artística com outras

obras, com o contexto de produção, movimentos literários, ideologias e valores.

Em sequência, também são apresentados dois textos e uma atividade referente a

esses enunciados.

Figura 9 – Texto I: Fragmento do romance “O Cortiço” (1970), de Aluísio Azevedo.

Fonte: CEREJA e COCHAR, 2010, v. 2, p. 337.

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Figura 10 – Texto II: Fragmento do conto “Chigubo”, de José Craveirinha.

Fonte: CEREJA e COCHAR, 2010, v.2, p. 338.

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Figura 11 – Atividade do livro.

Fonte: CEREJA e COCHAR, 2010, v.2, p. 339.

A atividade traz questões que orientam o aluno a comparar os dois fragmentos

de texto, buscando semelhanças entre eles. Tais comparações são solicitadas em relação ao

tema, às personagens, à escolha vocabular e à paisagem. Esse procedimento se observa nas

questões de 1 a 6, conforme se demonstram a seguir:

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A questão “1a” sugere comparação do evento festivo e da dança em ambos os textos.

A questão “1b” pede para comparar características da personagem Rita do romance “O

Cortiço” e com as das mulheres moçambicanas do conto “Chigubo”.

A questão “2a” solicita identificação de sugestões visuais e auditivas nos dois textos.

As questões “2b” e “2c” convidam o aluno a identificar em cada texto as palavras que

indicam o efeito provocado pela dança das mulheres.

A questão “3” solicita que o aluno cite a parte do corpo das mulheres destacada nos

dois textos.

A questão “4” sugere comparação de trechos dos dois textos para que o aluno

identifique características natualistas na descrição das personagens.

A questão “5” apresenta proposta de análise e comparação do tipo de relação entre

Rita e Jerônimo do romance “O cortiço” e verificação da existência da mesma

ocorrência no conto “Chigubo”.

A questão “6” propõe que o aluno dê exemplos dos dois textos de como as

personagens se fundem à paisagem local.

A única questão em que não há sugestão para que o aluno compare os dois

textos é a sétima, que trata de aspectos históricos do conto “Chigubo” e que solicita ao aluno

uma compreensão de determinada frase, com sentido diferente do que é apresentado, tendo em

vista algumas informações do contexto histórico do qual o autor participou.

7) “Observe estes trechos do conto de Craveirinha:

‘África dança e vive ao som do chigubo e as ancas são muitas histórias de luar e

sombras de cajueiro em flor.’

‘Os negros dançam, mulheres mexem os quadris, os olhos dos homens estão cheios de

promessas. Promessas de coisas que ninguém pode falar, e para saber quando é

tempo, quando é dia de falar.’

À primeira leitura, palavras como machos, ancas e quadris nos levam a uma percepção

sensual da cena. Entretanto, considerando que José Craveirinha (1922-2002) é um escritor

que participou ativamente do processo de libertação de Moçambique e que na cena é a

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África que dança, esses fragmentos podem adquirir outros sentidos. Indique outra leitura

possível da frase ‘Promessas de coisas que ninguém pode falar, e para saber quanto é tempo,

quando é dia de falar’”.

Essa pergunta, embora solicite ao aluno uma leitura diferente daquela

apresentada, já o direciona a compreender que se trata do processo de libertação de

Moçambique, conforme indica no enunciado.

É importante observar que algumas dessas questões pretendem moldar,

manipular ou direcionar para um sentido absoluto a compreensão do aluno no próprio

enunciado. Isso se percebe em especial nas seguintes questões:

“1. Os dois textos se assemelham em alguns aspectos. Primeiramente porque retratam uma

situação coletiva parecida; em segundo lugar, porque Rita Baiana, sendo mulat, tem

ancestrais africanos. (...)”

Pode-se observar que a questão “1” apresenta conclusões as quais até então os

alunos não alcançaram, limitando sua análise a um ponto de vista já pronto e acabado.

“2. Nos dois textos, na decrição das personagens e de seus movimentos, há muitas sugestões

sensoriais. (...)” (grifo nosso)

Na parte destacada é possível observar que os autores antecipam a informação,

restringindo a análise do aluno a uma identificação aspectos já indicados na questão. É

importante ressaltar ainda que esse conceito “sugestões sensoriais” não é de fácil compreensão

para os alunos, o que pode comprometer ainda mais a elaboração da resposta.

Em geral, as questões dessa atividade sugerem que o aluno realize análise

comparativa dos dois fragmentos de textos: “Chigubo” e “O cortiço”, dando ênfase para as

semelhanças dos estilos, das personagens, do ambiente, da situação que se descreve, dos

recursos linguísticos utilizados e das características naturalistas presentes nos dois enunciados,

levando-o a perceber que há convergência de sentido entre tais fragmentos de texto.

Todavia, não há sugestão para que o aluno proceda à leitura integral das duas

obras, a fim de interagir com elas, construindo sentido mediante relações dialógicas

estabelecidas a partir desses enunciados.

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É indicado também ao aluno o filme “Memórias Póstumas”, de André Klotze e,

em seguida, apresenta-se uma proposta de análise, que serve para direcionar seu estudo

referente a essa obra.

Figura 12 – Atividade do livro.

Fonte: CEREJA e COCHAR 2010, v. 2, p. 340.

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Figura 13 – Atividade do livro.

Fonte: CEREJA e COCHAR 2010, v. 2, p. 340.

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Figura 14 – Atividade do livro.

Fonte: CEREJA e COCHAR 2010, v. 2, p. 342.

O filme sugerido é uma produção nacional, inspirada no romance “Memórias

Póstumas de Brás Cubas”, do autor Machado de Assis. Seu conteúdo é o relato da vida de

Brás Cubas, o filho de uma família influente no Rio de Janeiro do século XIX.

Essa biografia é apresentada por um personagem fantasma, ou seja, o próprio

Brás Cubas, defunto, intermediando sua história, com cenas vividas pela personagem ao longo

dos fatos.

Nessa obra são apresentados os episódios mais marcantes da vida do

personagem: nascimento, romances, desilusões, aspirações, conflitos e morte, numa ordem

cronológica singular, tendo em vista que o relato se inicia após sua morte, sendo este o

primeiro fato apresentado, antes da cena de seus devaneios e o retorno à infância.

A história transcorre a partir da morte de Brás Cubas, quando ele decide se

distrair um pouco na eternidade e relatar suas memórias, recorrendo aos acontecimentos mais

marcantes que viveu. Dessa maneira, ele explica o motivo de sua morte: um vento encanado

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que lhe causou pneumonia. Conta sobre seu primeiro amor, a cortesã espanhola, Marcela,

quem lhe tomou quinze meses e onze contos de réis; sua mudança para Portugal, onde se

formou em direito; suas andanças pela Europa; a morte de sua mãe; seu segundo amor, a

jovem Eugênia, que embora fosse bela, mancava; sua paixão Virgília, que lhe trocou pelo

político Lobo Neves; seu romance com Eulália, linda jovem que faleceu aos dezenove anos;

suas aventuras amorosas com Virgília, esposa de Lobo Neves; a amizade com Quincas Borbas;

e sua vida melancólica, suas ideias e os últimos momentos de vida.

A proposta de atividade relacionada ao filme “Memórias Póstumas” inicia-se

com a sugestão para que o aluno faça um roteiro de análise da obra. A partir disso, apresenta

questões para direcionar esse estudo.

Ao analisar as questões apresentadas, é possível separá-las em categorias de

temas, na forma seguinte:

As duas primeiras questões dizem respeito a aspectos históricos do filme;

As questões “5”, “6”, “9” e “11a”, propõem análises de cenas e falas do filme;

As questões “3”, “4a”, “4b”, “7”, “8”, “10b” e “12”estabelecem diálogo do filme com o

livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas;

A questão “10 a” sugere diálogo do filme com o enunciado “O herói problemático em

Sangue Negro;

A questão “11b” indica diálogo com um comentário do crítico José Guilherme

Merquior.

A atividade pretende favorecer ao aluno reflexão a respeito do diálogo que se

estabelece entre a obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas, do escritor Machado de Assis e o

filme “Memórias Póstumas”, conforme sugere o título.

Contudo, as questões apresentadas não favorecem ao estudante subsídios para

examinar como se dão as relações dialógicas entre as obras mencionadas, limitando-se a

sugestões de análises sobre o modo como se realizou a transposição do romance para o filme.

Sendo assim, tendo como referência a atividade, o aluno é orientado a

identificar situações e a manifestar sua opinião de acordo com as opções que se apresentam,

atendendo a um roteiro de estudo bastante restrito e pouco proveitoso para a compreensão das

obras.

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É possível observar que, dentre as questões apresentadas, não há sugestão para

que o aluno leia o romance “Memórias póstumas de Brás Cubas”, sobre o qual trata a

atividade, o que restringe sua análise e interação com a obra. Esse aspecto não é considerado

pelos autores, o que pode ser confirmado pela questão “12”, quando é apresentada a seguinte

frase: “[...] Se você já leu o livro ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’, compare-o ao filme”.

Esse enunciado indica que, para proceder à análise, não é requisito que o aluno já tenha lido o

livro.

Dessa forma, constata-se que o próposito das questões não é compreender

como se dão as relações dialógicas entre o romance e o filme, mas comparar alguns fragmentos

selecionados na atividade, buscando observar semelhanças e diferenças entre eles e identificar

como foi realizada a transposição.

A partir das questões propostas, não é possível ao aluno observar que, além do

fato de a obra retratar a realidade de uma época, fazendo emergir valores e costumes de

determinado momento histórico-cultural, também expressa a concepção estética e ideológica

do artista e do contexto em que foi produzida.

Em se tratando de um filme que dialoga com o romance, a atividade poderia

trazer questões que oportunizassem ao aluno reflexões sobre a linguagem utilizada nas duas

obras e sobre as relações dialógicas que se estabelecem a partir delas.

Sendo assim, a atividade não favorece a análise dos aspectos históricos, sociais,

econômicos e estéticos abordados nas obras e como tais elementos cooperam para a produção

de sentido; bem como das relações dialógicas que se estabelecem no interior dessas obras,

entre elas e com outros enunciados, inviabilizando o envolvimento e a interação do aluno com

o tema abordado e a efetiva aprendizagem.

3.3 RELAÇÕES DIALÓGICAS NO CAPÍTULO 10 “DIÁLOGOS”, VOLUME III

Do volume III, toma-se para análise o Capítulo 10 “Diálogos”, da Unidade 4 “A

literatura contemporânea”. Esse capítulo é organizado da seguinte forma:

Imagem do filme: “O cheiro do ralo, de Heitor Dhalia;

Um pequeno texto que contextualiza o tema a ser tratado no capítulo;

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Filme “Tropa de elite” (2007), de José Padilha e atividade relacionada.

O Capítulo 10 “Diálogo” da Unidade 4 “A literatura contemporânea” abre-se

com a fotografia de uma cena do filme “O cheiro do ralo”, de Heitor Dhalia.

Figura 15 – Cena do filme “O cheiro do ralo, de Heitor Dhalia.

Fonte: CEREJA e COCHAR, 2010, v. 3, p. 401.

O filme Cheiro do Ralo, de Heitor Dhalia, é uma obra cinematográfica

produzida em 2007, com roteiro baseado no romance homônimo de Lourenço Mutarelli.

Nele se retrata o dia a dia do protagonista, Lourenço, um comerciante de

objetos, em torno do qual toda a história se constrói. Esse personagem é um homem bastante

complexo que, em alguns momentos se apresenta solitário e perverso, com sérios problemas

psicológicos e, em outros, mostra-se como uma pessoa comum, sensível e carente da presença

do pai, que abandonara a família, antes de tê-lo conhecido.

A obsessão pelas coisas que coleciona o faz sentir onipotente diante da

capacidade de ter domínio sobre os objetos, cuja matéria, na sua visão, é repleta de

sentimentos humanos. Assim, num gesto intensamente rude diante da dignidade alheia, ele

busca se encontrar nos objetos que possui, idealizando algum afeto não alcançado.

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A obra é marcada pelo jogo de ideias aleatórias como o cheiro do ralo e o olho

de vidro, que se misturam aos problemas da vida do personagem, em associações instáveis e

confusas. As temáticas solidão, loucura e paranoia são abordadas de forma bastante

desarticulada, buscando dialogar com a vida do personagem.

Nesse filme, também é abordada a questão da globalização e do neoliberalismo,

em que é intensa a busca pelo lucro, por meio da compra e venda de mercadorias, a tal ponto

que as pessoas tornam-se produtos, numa espécie de coisificação do homem.

A fotografia apresentada refere-se ao momento em que o personagem principal

do aludido filme examina o olho de vidro comprado por ele. A imagem é repleta de

significados, de cunho filosófico e psicológico, se considerado o conhecimento sobre o filme e,

de forma mais ampla, o romance homônimo de Lourenço Mutarelli, na qual inspirou essa obra

cinematográfica.

Todavia, não sendo sugerido que o aluno assista ao filme e não havendo

também um enunciado que contextualize a fotografia, constata-se que o propósito dos autores

ao disponibilizar a imagem no capítulo é tão somente se referir ao filme “O cheiro do ralo”,

que se inspira em um romance, de Lourenço Mutarelli, sendo essas obras apresentadas como

exemplo de diálogo entre cinema e literatura.

Apresentada essa fotografia, é disponibilizado um texto, o qual se reproduz a

seguir, cuja função é orientar o leitor à compreensão do capítulo e ao entendimento de sua

proposta, tendo em vista que a imagem se refere a um filme produzido a partir de uma obra

literária.

Desde o século XX, a literatura vem ganhando um grande aliado. O cinema.

Se antes vários livros famosos viravam filmes, hoje ocorre o contrário: o

filme é lançado e, logo em seguida, os livros já estão disponíveis nas

livrarias. E, na internet, é possível encontrar informações sobre o filme e

assistir a alguns trechos antes mesmo de seu lançamento. Assim, cinema e

literatura cumprem em nosso tempo o papel que antes cabia apenas à

literatura: promover entretenimento, reflexão e prazer estético (CEREJA e

MAGALHÃES, 2010, v. 3, p. 401).

Segundo seus autores, esse texto objetiva explicar a função do cinema como

aliado da literatura. Nele, afirma-se que, se antes se conferia à literatura os papéis de promover

a admiração estética, a reflexão e o entretenimento, hoje o cinema tornou-se seu aliado para

compartilhar tais funções, articuladamente.

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Nessa direção, o enunciado explica que, na atualidade, em muitos casos, o filme

é produzido antes do livro, como uma estratégia de estimular o interesse do

leitor/telespectador pela obra.

Em sequência, é indicado o filme “Tropa de Elite” (2007), a partir do enunciado

“Diálogo com o cinema”, o qual se reproduz a seguir.

O filme Tropa de elite (2007), de José Padilha, tornou-se sucesso de público

antes mesmo de chegar aos cinemas brasileiros. Acredita-se que pelo menos

1 milhão de pessoas tenham assistido a ele por meio de uma cópia pirata.

Lançado no cinema, tornou-se recorde de bilheteria.

Tropa de elite é um filme polêmico, que aborda temas importantes da atual

sociedade brasileira, como o tráfico de drogas, a violência policial, a

corrupção, os direitos humanos, a miséria, etc. O filme foi vencedor em nove

categorias do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e ganhou também o urso

de Ouro do Festival de Berlim (CEREJA E MAGALHÃES, 2010, v. 3, p.

401).

O filme Tropa de Elite busca retratar questões relacionadas à segurança pública

no Estado do Rio de Janeiro, ocorridas na década de 90, ocasião em que o Papa João Paulo II

visitou a capital desse estado.

Em sua narrativa se descrevem fatos cotidianos da realidade da Polícia Militar

do Estado do Rio de Janeiro e a atuação dessa corporação e do BOPE – Batalhão de

Operações Especiais, que compõe a Tropa de Elite carioca.

O personagem principal da trama é o Capitão Nascimento, à frente do BOPE,

que, com dificuldades psicológicas e emocionais, especialmente em razão do nascimento do

filho, manifesta interesse de se afastar das atividades do Batalhão. Para tanto, precisa

selecionar um substituto que compartilhe dos mesmos ideais de honra e princípios seus e que

seja incorruptível. Após muitos desafios, ele encontra dois aspirantes a Oficial que se

enquadram no perfil, os quais serão por ele preparados no Curso de Operações Especiais.

A obra faz severas críticas à Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro e à

hipócrita classe média, que recriminam a violência, mas se envolvem com o tráfico e o

consumo de drogas.

Após sugestão do filme e do texto “Círculo Vicioso”, são propostas atividades

relacionadas a esses.

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Figura 16 – Atividade do livro.

Fonte: CEREJA e COCHAR, 2010, v. 3, p. 402.

Na atividade são apresentadas algumas questões que pretendem favorecer a

compreensão do aluno sobre a obra e outras que solicitam sua opinião referente determinada

cena ou situação apresentada pelo filme.

As questões que pretendem favorecer a compreensão do aluno são: “1a”, “1b”,

“1c”, “3a”, “4a”, “4b”, “4c”.

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1a) “O que frustra os dois jovens, quando entram como aspirantes na polícia?”

1b) “Justifique sua resposta anterior com exemplos.”

1c) “O que acontece com os policiais que tentam mudar esse quadro?”

3a) “Do ponto de vista do filme, até que ponto é viável a convivência entre universitários

voluntários e os traficantes?”

As questões que solicitam a opinião do aluno são: “1d”, “2”, “3b”, “3c”, “5”,

“6”, “7”.

1) “O filme mostra a trajetória de dois amigos de infância, Neto e Matias, que entram na

polícia e passam, posteriormente, a integrar o BOPE (Batalhão de Operações Especiais).

a) ...

b) ...

c) ...

d) Você considera ética a estratégia de Neto e Matias para conseguir dinheiro a fim de

comprar peças para a mecânica da polícia. Por quê?”

2) “Matias divide-se entre a vida como policial e a vida como estudante de Direito. Num

seminário na universidade, entra em conflito com os colegas quando acusam a polícia de ser

violenta com os mais pobres e com a classe média. Debata com os colegas: Quem tem razão:

Matias ou os demais estudantes? De que lado você ficaria nessa discussão?”

3) “No filme, Maria e seus amigos fazem um trabalho social numa das favelas do Rio de

Janeiro. Por outro lado, são consumidores de drogas ilícitas; Dudu chega, inclusive, a

vender drogas na universidade.

a) ...

b) O narrador, o capitão Nascimento, afirma: “Quantas crinaças a gente vai ter de perder

para o tráfico só pra um playboy enrolar um baseado?”. Como você vê a ação dos

univesitários na favela, entre universitários na favela, considerando essa frase de

Nascimento?”

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c) Você concorda com a reação de Matias ao abordar a passeata contra a violência, depois

que seu amigo Neto é assassinato pelo tráfico?”

5) “Poucos policiais conseguem chegar ao fim do processo de seleção do BOPE. Do seu

ponto de vista, e considerando o contexto apresentado pelo filme, é necessário tanto rigor na

escolha? Há exagero nos métodos de seleção? Por quê?”

6) “Tropa de elite teve grande repercussão, fora e dentro do Brasil, por causa do modo como

retrata a polícia carioca. O capitão Nascimento comenta no início do filme:

‘_ No Rio de Janeiro, quem quer ser policial tem de escolher: ou se corrompe, ou se omite,

ou vai para a guerra’.

Na sua opinião, essas opções apresentadas por Nascimento são reducionistas ou são

realistas?”

7) “Segundo alguns críticos, ao explorar o lado pessoal, familiar e humano de Nascimento,

um policial incorruptível, o filme leva o espectador a se identificar com a personagem e, por

consequência, a aprovar os seus comportamentos, inclusive a tortura de traficantes.

Na sua opinião, isso realmente ocorre? Justifique sua resposta.”

Todas essas questões relacionadas ao filme “Tropa de Elite” direcionam o aluno

à reflexão sobre algumas situações nele apresentadas. Mediante tais propostas, o estudante é

levado a analisar até que ponto essa obra de ficção retrata fielmente a realidade e se os

apontamentos feitos pelo narrador encontram sentido no contexto ao qual ele se refere.

Em uma das perguntas, os autores da atividade chamam a atenção do aluno

para examinar o personagem principal, Capitão Nascimento, que também é o narrador, numa

perspectiva profissional, moral, psicológica e pessoal, tendo em vista que o filme foi

estruturado a partir dele. Nessa questão, o aluno é conduzido a perceber o empenho para se

promover a autoafirmação do protagonista diante de uma guerra urbana, em que não se

distingue com clareza as posições de “mocinho” e “bandido”, já que a cultura de violência está

enraizada na sociedade.

A proposta também vai sugerir ao aluno reflexão sobre características e atitudes

do personagem principal, no sentido de examinar se o seu alto grau de comprometimento com

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a justiça o exime de seu dever de tratar com respeito o ser humano e zelar pelos seus direitos,

bem como sobre a postura assumida pelos personagens Neto e Matias, que se valem de meios

ilícitos para aquisição de recurso para manutenção de viaturas da polícia.

Em suma, essas questões levam o aluno a observar a abordagem do filme sobre

a criminalidade nas favelas e as situações polêmicas que se emergem nesse contexto, dentre as

quais: a atuação e a postura dos agentes de polícia; as iniciativas de intervenção social nas

favelas por ONGs; a convivência entre universitários voluntários e traficantes; o contexto

histórico-social a que se refere o filme e a situação atual das favelas do Rio de Janeiro; as

instituições oficiais, especialmente as de segurança pública; a política de segurança no País e o

senso de justiça, moral e ética.

Embora haja ênfase em toda a atividade para direcionar os leitores à

compreensão do filme, esse procedimento limita os alunos a responderem às perguntas a partir

do ponto de vista dos autores que as elaboraram.

Para tanto, as questões descrevem algumas cenas, sobre as quais seus autores

emitem um comentário e solicitam a opinião do aluno sobre o assunto ou, em outro caso,

solicita ao aluno posicionamento a partir da ótica do filme.

Com tal direcionamento, a produção de sentido a partir da obra analisada será

condicionada a um ou a outro ponto de vista, que não será do próprio aluno. E, sendo assim,

não é possível ao estudante interagir com o filme; examiná-lo na sua totalidade; posicionar-se

criticamente a respeito das ideologias nele presentes, estabelecendo com ele relações

dialógicas, no intuito de, a partir de sua análise, produzir sentido para a vida.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para subsidiar a análise dos capítulos “Diálogos” selecionados do livro didático

“Português Linguagens”, tornou-se relevante desenvolver algumas reflexões teóricas e

metodológicas sobre enunciado, gênero discursivo e dialogismo, a partir de trabalhos do

conjunto do pensamento de Bakhtin e de autores estudiosos desse filósofo da linguagem.

Conforme afirmam Bakhtin/Voloshinov (2006), qualquer ato enunciativo, por

mais completo e significativo que possa ser, constitui um fragmento de uma vasta cadeia de

comunicação ininterrupta. Nessa perspectiva, compreende-se o enunciado em seu sentido

completo, ou seja, como ato sócio-histórico determinado.

As relações dialógicas, na perspectiva de Bakhtin, possibilitam a compreensão

dos enunciados a partir do contexto de produção, do processo interlocutivo dos sujeitos

envolvidos e dos diálogos que se estabelecem com outros enunciados na complexa cadeia

discursiva.

Para a realização das análises, entendeu-se que a melhor forma de identificar

com profundidade e clareza as relações dialógicas nesses capítulos seria percorrer o caminho

de estudo sugerido ao aluno e, nessa direção, verificar como são propostas as atividades.

Sendo assim, examinou-se separadamente cada um dos três capítulos

escolhidos, buscando entender as propostas apresentadas e identificar a partir delas as relações

dialógicas com as quais o aluno pudesse interagir e construir seu próprio sentido.

Nos três capítulos analisados, verificou-se existir um enunciado de abertura que

objetiva contextualizar os assuntos a serem abordados, referindo-se a temas de capítulos

anteriores do respectivo volume. Contudo, esse enunciado retoma as informações de forma

bastante superficial, não oferencendo oportunidade de o aluno aprofundar o estudo e alcançar

uma compreensão ampla sobre o conteúdo tratado.

Nesses capítulos também são apresentadas obras literárias, pictóricas e

cinematográficas a serem analisadas pelo aluno a partir de atividades propostas. Em relação às

obras literárias, observa-se não haver sugestão para que estas sejam integralmente lidas. Para a

análise dos filmes, os exercícios propõem um roteiro de estudo sobre a história, algumas cenas

e o contexto em que foi produzido. A respeito das telas, as atividades orientam o leitor para

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análise de personagens, de paisagem, de objetos, cores e contexto de produção, restringindo

sua observação a elementos visíveis ou dedutíveis da obra.

Nessa direção, ao examinar os capítulos selecionados, observou-se que as

questões apresentadas conduzem o aluno a reproduzir informações dadas pelos autores em

enunciados do próprio livro didático ou levantar hipóteses a partir de seu conhecimento prévio

sobre os temas abordados. Dessa forma, as relações dialógicas estabelecidas somente são

apreendidas pelo aluno na convergência de sentidos, na confirmação ou reiteração de

conteúdos apresentados.

O aluno não é convidado a dialogar com as obras apresentadas e com os demais

enunciados que se analisam. Ao contrário, é solicitado a se manifestar em relação a perguntas

cujas respostas são previsíveis e absolutas, sendo que a repetição e a atividade de pergunta-

resposta não garantem a relação dialógica.

Nesse caso, as atividades não desafiam o estudante a refletir amplamente sobre

as possibilidades significativas que se dão a partir das relações dialógicas entre os enunciados e

no seu interior, a fim de alcançar efetiva compreensão sobre o tema estudado.

As análises constatam que, embora o manual didático apresente capítulos com o

título “Diálogos”, seus autores demonstram não dominar o amplo conceito do termo. Não

houve nem sequer menção sobre a dialogicidade, por exemplo, dos movimentos literários. E,

sendo assim, verifica-se que esse livro dialoga não com o aluno, mas com a dinâmica escolar.

Desse modo, conclui-se que as propostas de atividades dos capítulos

selecionados não estimulam no aluno a reflexão e a interação com os enunciados para

ampliação de seu aprendizado sobre linguagem e seu emprego na vida social.

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Bauraqui, Leonardo Medeiros, Lourenço Mutarelli, Selton Mello, Silvia Lourenço, Susana

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Caio Junqueira, Fábio Lago, Fernanda Machado, Maria Ribeiro, Milhem Cortáz, Wagner

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