eduardo cambi - direito constitucional à prova no processo civil - coleção temas atuais de...

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Coleção Temas Atuais de Direito Processual Civil - volume 3 DIREITO CONSTITUCIONAL À PROVA NO PROCESSO CIVIL Eduardo Cambi “A presente monografia procura analisar o instituto jurídico da prova, no processo civil, mediante uma perspectiva democrática, incompatível com a visão tradicional da prova, restrita às molduras da situação jurídica do ônus probatório. A tarefa consistiu na busca dos fundamentos, limites e possibilidades para a compreensão e construção de um genuíno direito público subjetivo à prova. Para isso, procurou-se servir da Constituição como ponto de partida metodológico e sistemático. O desenvolvimento dessa idéia necessitou de duas partes, onde se procurou, em primeiro lugar, compreender alguns temas que estão intimamente ligados à questão da prova para, superada essa fase preliminar e necessária, buscar encontrar no texto constitucional os topoi que pudessem servir de alicerces para a construção do direito à prova e que permitissem, sobretudo, uma releitura do ordenamento jurídico processual, na tentativa de, ao pretender aperfeiçoá-lo, tornar o processo uma ferramenta ou um instrumento útil para a realização da justiça. Este trabalho científico é resultado das pesquisas realizadas por ocasião do Mestrado em Ciências Jurídicas, na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. Sua elaboração contou com a orientação do professor titular Luiz Guilherme Marinoni e foi aprovado com o grau máximo (nota dez) pela Comissão Julgadora composta pelos professores José Roberto dos Santos Bedaque, Edson Ribas Malachini e Manoel Caetano Ferreira Filho.” (Da Apresentação, do autor.)

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  • Coleo Temas Atuais de Direito Processual Civil - volume 3

    D IREITO CONSTITUCIONAL PROVA NO PROCESSO CIVIL

    Eduardo CambiA presente monografia procura analisar o instituto jurdico da prova, no processo civil, mediante uma perspectiva democrtica, incompatvel com a viso tradicional da prova, restrita s molduras da situao jurdica do nus probatrio. A tarefa consistiu na busca dos fundamentos, limites e possibilidades para a compreenso e construo de um genuno direito pblico subjetivo prova. Para isso, procurou-se servir da Constituio como ponto de partida metodolgico e sistemtico.O desenvolvimento dessa idia necessitou de duas partes, onde se procurou, em primeiro lugar, compreender alguns temas que esto intimamente ligados questo da prova para, superada essa fase preliminar e necessria, buscar encontrar no texto constitucional os topoi que pudessem servir de alicerces para a construo do direito prova e que permitissem, sobretudo, uma releitura do ordenamento jurdico processual, na tentativa de, ao pretender aperfeio-lo, tornar o processo uma ferramenta ou um instrumento til para a realizao da justia.Este trabalho cientfico resultado das pesquisas realizadas por ocasio do Mestrado em Cincias Jurdicas, na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paran.Sua elaborao contou com a orientao do professor titular Luiz Guilherme Marinoni e foi aprovado com o grau mximo (nota dez) pela Comisso Julgadora composta pelos professores Jos Roberto dos Santos Bedaque, Edson Ribas Malachini e Manoel Caetano Ferreira Filho.(Da Apresentao, do autor.)

  • DIREITO CONSTITUCIONAL

    PROVA NO PROCESSO CIVIL

    Coleo Temas Atuais de Direito Processual Civil

    volume 3N.Citam. 341.2 C 175d 2001Aulor Cambi, Eduardo rilttlo I Jireito constitucional

    95C720123154

  • SUMRIO

    PREFCIO - Luiz Gulhermf. Marinoni........................................................ 9

    APRESENTAO............................................................................................... 11

    INTRODUO............................................ 17

    Parte IBASES INTRODUTRIAS COMPREENSO

    DO DIREITO PROVA

    1. Processo civil e relao jurdica processual......................................... 21

    1.1 Noo c funo do processo civil..................................................... 211.2 Relao jurdica processual................................................................ 221.3 Procedimento........................................................................................... 261.4 Legitimao por meio do procedimento.......................................... 291.5 Natureza dinmica do processo......................................................... 321.6 A qualidade de parte............................................................................ 351.7 Perfis funcionais c estruturais (io nus da prova........................... 401.8 A insuficincia da leitura do instituto da prova pela situao

    jurdica do nus dn prova..................................................................... 411.9 Noo preliminar dc direilo subjetivo processual prova............... 44

    2. Conceito de prova....................................................................................... 47

    2.1 Pluralidade do termo prova'*............................................................. 472.2 Reconstruo ou acertamcnlo dos fatos no processo.................... 492.3 Limites reconstruo dos fatos........................................................ 53

    3. Verdade processual objeliviivcl c justia da deciso.......................... 57

    3.1 Funes da prova................................................................................... 573.2 Busca de uma verdade relativa............................................................ 58

  • 3.2.1 Verossimilhana, probabilidade e verdade............................ 583.2.2 Verdade absoluta e relativa...................................................... 683.2.3 Verdade formal e material......................................................... 713.2.4 Verdade relativa e certeza........................................................ 743.2.5 Papel instrumental da verdade: a finalidade de concretiza

    o da justia da deciso......................................................... 76

    4. Natureza das normas sobre prova.......................................................... 80

    5. Linhas gerais para a tentativa de aproximao du tratamento dnprova no processo civil c no processo penal ................................... 84

    Parte IICONSTITUIO E DIRF.ITO A PROVA

    1. Perspectiva publicista do processo............... .......................................... 91

    2. Processo e Constituio.............................................................................. 94

    2.1 Constituio como forma de estruturao da ordem jurdica e comoreserva axiolgica.................................................................................... 94

    2.2 Processo c democracia........................................................................... 992.3 Direito constitucional processual......................................................... 101

    2.3.1 Tutela constitucional do processo........................................... 1032.3.2 Acesso ordem jurdica ju sta ................................................. 1042.3.3 Direito ao processo ju sto .......................................................... 106

    3. Direito prova como desdobramento do devido processo legal... 108

    3.1 A garantia do devido processo legal no processo civil..................... 1083.1.1 Histrico........................................................................................ 1083.1.2 Contedo do devido processo legal no processo civil....... 109

    3.2 O direito prova como elemento constitutivo das garantias constitucionais da ao e da defesa........................................................... 1123.2.1 Garantia constitucional da ao............................................... 1133.2.2 Garantia constitucional da defesa........................................... 119

    3.3 Garantia constitucional do contraditrio e direito prova............. 1243.3.1 Breve histrico da garantia do contraditrio no processo

    civil brasileiro............................................................................. 1243.3.2 Dialtica processual.................................................................... 1243.3.3 Contedo do contraditrio......................................................... 128

    1 4 DIREITO CO NSTITU CIO N AL PROVA NO PR O CESSO ClV II.

  • SUMRIO 15

    3.3.4 Efetividade do contraditrio e democracia processual...... 1313.3.5 Contraditrio e direito prova.............................................. 1353.3.6 Cerceamento de dclcsa............................................................. 1373.3.7 O direito prova contrria....................................................... 1423.3.S O juiz e o contraditrio........................................................... 1433.3.9 Contraditrio como condio de validade e eficcia das

    provas............................................................................................ NS3.3.10 Provas prcoustitudas e contraditrio................................. 1523.3.11 Antecipao da produo da prova e contraditrio............ 154

    4. Compreenso tio direito prova no direito estrangeiro e no direitobrasileiro........................................................................................................... 157

    4.1 Introduo................................................................................................. 1574.2 Sistema da commou law ...................................................................... 1584.3 Sistema da civil law ............................................................................. 159

    5. O direito prova como direito processual fundamental................ 164

    5.1 Introduo................................................................................................ 1645.2 Direitos fundamentais implcitos........................................................ 1665.3 Efetividade do direito prova............................................................. 1695.4 Restries do dircilo prova............................................................... 1735.5 Violao da Constituio c nulidade processual............................. 1765.6 Necessidade de releitura do direito processual civil cm relao

    Constituio: a filtragem constitucional............................................ 183

    CONCLUSES............................................ 189

    BIBLIOGRAFIA.......................................... 203

    NDICE LEGISLATIVO........................... 217

    NDICE ONOMS TICO.......................... 221

    NDICE ALFABTICO-RFMISSIVO .... 225

  • INTRODUO

    A proposta deste trabalho fazer uma leitura do processo civil brasileiro luz da Constituio Federal de 1988 e, a partir dessa perspectiva metodolgica, ler especificam ente o instituto jurdico da prova.

    Os desafios para a construo de um processo civil justo e dem ocrtico encontram suas razes na Constituio, no podendo os estudiosos do processo civil brasileiro se desvincularem das possibilidades abertas pela Constituio Federal de 1988, sendo funo da doutrina consolidar os avanos jurdicos do passado c do presente, bem com o projetar as novas conquistas.

    A doutrina revela-se, cotidianamente, com o uma fonte legtima do direito, porque pode sugerir a exegese dos princpios e das regras jurdicas luz dos valores sociais que reclamam por concretizao, servindo de reflexo crtica dos caminhos a serem trilhados na aplicao e na elaborao das normas jurdicas. A melhor doutrina sempre c lembrada para sustentar os arrazoados e suportar as decises judiciais; por isso. esi diretamente vinculada com a efetivao prtica do direito, sendo de suma importncia para a realizao da justia.

    processo no pura tcnica descompromissada com os valores sociais, mas um instrumento vinculado a uma situao da vida, a qual reclama uma tutela jurisdicional, que seja capaz de restabelecer a paz e a justia.

    () direito processual, desejado socialmente, c aquele que sim boliza o reduto da dem ocracia, estando voltado a socorrer e procurar remediar, por meio do adequado exerccio da jurisdio, as leses e as ameaas de leso aos direitos substanciais. A questo que, ento, sc apresenta c com o o processo pode ser um instrumento para a efetivao da justa tutela jurisdicional.

    O caminho que se prope a percorrer o do inter-rclacionamento entre a Constituio e o direito processual, uma vez que se tem a

  • 1 8 DIREITO CONSTITUCIONAL PROVA NO PROCESSO CIVIL

    convico de que a dogmtica crtica deve imprcgnar-se dos valores essenciais que permeiam o texto constitucional, os quais, embora abstratos e necessitando da devida concretizao, apontam o horizonte da construo de uma sociedade livre, justa e solidria.

    Nessa perspectiva constitucional, procura-se analisar o instituto da prova no processo civil. Para isso, a obra foi dividida em duas partes, reservando-se a primeira com preenso ampla do que vem a scr o direito prova para, na segunda parte, buscar a identificao desse direito no bojo da Constituio.

    No entanto, antes do transcurso que ora se inicia, preciso tentar se despir das vestes da dogmtica tradicional, buscando envolver-se com uma espcie de reflexo axioigica contempornea, cujos resultados no esto necessariamente posios, mas a depender da contribuio de cada um dos operadores jurdicos que. em sua respectiva atividade, pode valer-se do processo civil como um instrumento emancipatrio, sabendo que a cincia do direito processual no neutra e deve estar, ainda mais no Pas em que vivemos, voltada satisfao dos valores mais caros sociedade brasileira, buscando encontrar mecanismos de legitimao do exerccio do poder jurisdicional. fcssa reflexo, pois, certamente contribuir para o aperfeioamento cien tfico. mas. sobretudo, para a melhor soluo dos casos concretos, podendo diminuir os dramas das pessoas que vem no processo sua nica fonte dc esperana.

  • P a r te I

    BASES INTRODUTRIAS COMPREENSO DO

    DIREITO PROVA

  • PROCESSO CIVIL E RELAO JURDICA PROCESSUAL

    1

    SUMRIO: 1.1 Noo c funo do processo civ il- 1.2 Relao jurdica processual - 1.3 Procedimento - 1.4 Legitimao por meio tio procedimento - 1.5 Natureza dinmica do processo - 1.6 A qualidade de parte - 1.7 Perfis funcionais e estruturais do nus da prova I.S A insuficincia du leitura do instituto dn prova pela situao jurdica do nus da prova 1.9 Noo preliminar 1.1 N oo e funo do processo civil

    A atividade com a qual se desenvolve cm concreto a funo itirisdicional se cliatna processo.' Trata-se de um mtodo institucional pelo qual a jurisdio se exerce, solucionando conflitos ou resolvendo controvrsias.2

    A noo de processo pode ser definida de duas maneiras, no contrapostas, seja com o procedimento mais contraditrio' seja como

    Linrico Tullio Liehman Momutie di dirino pmcessuale. chilc. 3. ed. Milo : Giuffr, 1973. vol. 1, p. 27.Luigi Paolo Comoglio, Corrado Fcrri e Micliele Taruffo. Ixzioni sul processo civil e. Bolonha: II Mulino. 1995. p. 11. Cf., tb.. ElioFa/zalnri. Processo (teoria gencrale). Novssimo Digesto Italiano. Turim: Utet. 1966. vol. XIII. p. 1.069.

    t}> O contraditrio, como elemento constitutivo do processo, faz parte do conceito de processo (cf. ElioFazznlari. fstituziomdidirino processual*. 6. ed. Padova : Cedam, 1992. p. 58). Fazzalari afirma que o processo existe quando, no /ferde formao de um provimento, h o contraditrio, reservando, pois, a denominao processo ao desenvolvimento cin contraditrio da atividadejursdicionnl. Cf. Processo (teoria generale), cit. p. 1.072 c p. 1.075. nota 2.

  • 22 DIRKTO CONSTITUCONAI. PROVA NO PROCESSO CIVIL

    procedimento n>ais relao jurdica processual.' uma vez que o contraditrio revela uma dimenso poltica e a relao processual, uma dimenso jurdica do m ecanism o processual/

    1.2 R elao ju rd ica processual

    Para compreender o processo, faz-se necessrio entender, preliminarmente, a noo de relao jurdica.

    A relao jurdica funciona como hiptese legal, destinada a produzir conseqncias jurdicas.*

    A partir dessa definio, consegue-se distinguir a relao jurdica dos institmos jurdicos.(Enquanto a relao jurdica a matria sobre a qual incide a regulamentao, o instituto jurd ico o conjunto de normas legais que disciplinam uma srie de relaes jurdicas em abstraio, normalmente a servio de uma mesma funo'.7

    Quanto estrutura, pode-se afirmar que ioda relao jurdica existe entre sujeitos, incide sobre um objeto, deriva de um fa to jurdico e se efetiva por intermdio de providncias coercitivas adequadas a proporcionar a satisfao do interesse tutelado.*

    Ciuscppc Chiovenda sustenta que o procedimento seria a forma de dcsarrollnrse In vestimenta exterior de una relacin jurdica, que se lluma relacin jurdica pwcesal. (...). I.a relacin procesal cs una relacin en movimento, en accin: mier.trns Ias panes y el iuez se ocupan de Ia relacin substancial que cs objeto del juicio, viven el los mismos en una relacin que desarollan con sua actividad" {Princpios de derech.o p roce sa civil. Trad. de Josc Casais y Saiilal. Madrid : Instituto Editorial Reus, 1922. t. 1. p. 122-127). Elio Fazzalari. em sentido contrrio, rcutii a idia do processo como relaio jurdica, que considera ser uma configurao mtica c estril, porque no serve para explicar a dinmica procc suai. Cf. l.'esperienza dc-l processo nclla cultura conleinporanea. Nivistu di Diritto Processual*, 1965. p. 27.Cndido Rangel Dinamarco. A inslrwnentalidade do pweesso. 5. ed. So Paulo : Malheiros, 1996. p. 134.

    Karl Engish. Introduo ao peiisr

  • PROCESSO CIVIL E RELAO JURDICA PROCESSUAL 2 3

    A vinculao do sujeito ao ordenamento jurdico se d por meio dos princpios e das regras jurdicas. Assim, onde h um direito subjetivo, h tambm uma relao jurdica.9

    IJm a vez que o direito subjetivo precisa ser efetivado atravs do processo, a articulao da noo de relao jurdica com a de processo necessria.

    Em 1868. no livro Teoria dos pressupostos processuais e

  • 2 4 DIREITO CONSTITUCIONAL A PROVA NO PROCESSO C!VJI.

    co isa ." D esse modo, Goldschmidt pde chegar concluso de que o objeto da relao jurdica processual a res in iudicium de du d a e, com isso, sua teoria d outra conotao noo de relao jurdica processual de Blovv, permitindo a visualizao do processo como instrumento para a realizao dos direitos materiais ou, em outras palavras, para a na ela jurisdicional dos direitos subjetivos.

    No entanto, no se pode caracterizar o processo com o situao jurdica, uma vez que essa noo d conta, apenas, do objeto do processo (rcs in iudicium d ed n aa ), no abarcando o todo processual ( por exem plo, o ju iz . embora integre a relao jurdica processual, no sujeito, ativo ou passivo, da situao jurd ica).12 Contudo, a teoria do processo com o situao jurdica de Goldschmidt no precisa ser necessariamente contraposta teoria do processo com o relao jurd ica. podendo-se tentar articul-las conjuntamente.

    Ao procurar incorporar a noo de situao jurdica noo de relao jurd ica processual, pode-se obter com o resultado a atribuio de uma conotao dinmica ao processo; tal perspectiva tambm serve com o fon te m etodolgica importante para se ter uma compreenso prtica do Fenmeno da relativizao do binmio direito-processo.

    Nessa percepo, pode-se definir relao jurd ica processual comoo conjunto das situaes jurdicas ativas e passivas1' (poderes, faculdades. direitos, deveres, nus, su je io).' compreendidas com o vnculo

    ,l;l Enrico TUllio Liebman. L1 opera scientilica di James Goldschinidt. cit. p.139-140.

    ,l!l Idcm, ibidem. p. 140-141.,u Enquamo as situaes jurdicas atiras permitem. s partes, atos de combate

    na defesa dos seus respectivos interesses, as situaes jurdicas passivas exigem delas a realizao dc atos ou lhes impem abstenes ou sujeies i eficcia de atos alheios (Cndido Rangel Dinamarco. A instrumentalidade do processo, cit. p. 134).A guisa dc ilustrao, pode-se afirmar que o poder constitui uma situao jurdica ativa pela qual o seu titular, ao exerc-lo. produz efeitos na esfera jurdica de outro sujeito. A sujeio ^ao revs. c uma situao jurdica passiva, que consiste na verificao dos efeitos do exerccio do poder. O dever, por sua vez, constitui nasituao pela qual o sujei to compelido acomportar-sc de uma determinada maneira, sob pena de incorrer cm conseqncias sancionatrias, previstas pelo ordenamento jurdico. O nus, ao contrrio do dever, implica a possibilidade de agir. condicionando a obteno do efeito jurdico ao.

  • PROCESSO C IV IL L RELAO JURDICA PROCKSSUAL 2 5

    complexo e dinmico entre os sujeitos do processo. Isso possibilita ver o processo como procedimento animado pelo relao jurdica processual\ alm de permitir a compreenso do procedimento com o algo sensvel, no puramente formal, composto pelas posies jurdicas ativas e passivas integrantes da relao jurdica processual.IS

    A relao jurdica processual um vnculo de direito pblico, o qual se instaura com a proposio da demanda (iniciativa processual do autor), mas que se desenvolve entre as partes e o ju iz , sendo que0 exerccio da ao representa, apenas, o pressuposto causai necessrio para a instaurao do processo^7

    As partes (autor e ru) podem influir, por meio das posies jurdicas ativas e passivas que exercem 110 processo. 11a direo e no contedo da atividade jurisdicional. embora no possam evitar os seus efeitos, su jeitando-se ao seu resultado mesmo se contrrio ou insatisfatrio aos seus interesses. Portanto, essas posies jurdicas processuais so instrumentais em relao ao direito substantivo discutido no processo e asseguram-lhes, to-somente, uma sentena, no uma sentena favorvel.18

    embora a efeti\ a obtenodesse efeito jurdico no dependa apenas da ao. Poi exemplo, u fato de o autor ter-se desincumbido do nus dc provar os fatos constitutivos de seu direito no lhe garante a procedncia da ao, cujo julgamento pode envolver outras provas. Cf. Vittorio Denti. Ixt giustizia ch i te. bezione introdutiive. Bolonha: IIMulino, 1989. p. 153-155. Nesse passo, o que importante ser ressaltado que a idia de nusest baseada no critrio da auto- responsabilidade, isio . a parte onerada deve responder pelas conseqncias desfavorveis, decorrentes da prpria inrcia (v. Luigi Paolo Comoglio. Le prove civile. 'lln iin: LUct, 1995. p. 88). Para outras explicaes, ver nota 41,110 tpico 1.5. da natureza dinmica do processo.

    tl5 Cndido Rangel Dinamarco. A instritn:en(a!idade do pweesso. cit. p. 127 c 134.

    ' Esse, alis, o contedo do princpio da demanda (nemo iudex sine adore, nr proceda! iudex ex officio), cuja finalidade garantir a imparcialidade do juiz.

    1 p' Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Midi ele Tarutto. Leziord sal processocivile, cit. p. 288.

    I? O processo caracterizado pela incerteza. Afinal, como explica Enrico Tullio Liebman. o processo tem una unzione strumcntale rispetto al diritto, e in esso le parti devono louare se vogliono vincere, usando le armi che la legge loro concede; ma il processo a sua volta un evento di caraltere giuridico, la cui essenza e strutura sono nettamenie dislinte e ir.dipendemi dal diritto, per il cui riconoscimento !e parti combattono. e la sua validith erJ efficaeia

  • 26 D IR lilT O C O N STITU C IO N A L PR O V A NO P R O C F SSO C IV IL

    1.3 Procedim ento

    Sob a perspectiva dogmtica, o procedimento pode ser definido como o conjunto ou a seqncia ordenada de atos. previamente coordenados e regulados em lei, que se desenvolvem, lgica, progressiva e cronologicamente, e tendem a um resultado, materializado em um ato final (sentena ),q u e o provimento atravs doqual se concretiza a tutela jurisdicional de um dos interesses substanciais em conflito .19

    Pode-se entrever, nesse conceito, a idia da mobilidade do processo: isso porque o procedimento, sendo animado pela relao jurdica processual, que integrada por posies jurdicas ativas e passivas, no pode ser considerado esttico.

    0 exerccio das diversas situaes subjetivas (direitos, deveres, faculdades, poderes, sujeies e nus), de que so titulares as partes e o ju iz , traduzido e concretizado na realizao de determinados aios,

    sono condizionate soltanto dalle esigenze delia sua prpria disciplina (Lopera scientifica di James Goldschmidt. cit. p. 146). Basta esta afirmao para deslocar a noo da ao do centro da teoria processual, porque, pda ao, apenas se deduz uma pretenso de direito material. Como essa pretenso incerta, somente atravs do exerccio do poder estatal que sc poder saber se ela deve ou no ser acolhida. Com eleito, o processo passa a girar em torno do exerccio du poder jurisdicional, deixando de ter uma conotao privatstica para assumir uma perspectiva publicista. Sobre essa abordagem, verificar o tpico l da Parte II.

    " Como explica'fito Camncini, a atuao ou reintegrao do direito objetivo, por meio de uma deciso judicial, que implica a tutela jurisdicional de um dos dois interesses, individuais e determinados, cm conflito (C. Tutela giiirisdizionale e tcnica del processo. Smdi in onore di Enrico Rede nu. Milo : Giuffr, 1951. vol. 2. p. 704. nota 22). Para evitar confuses, laz- se necessrio precisar, desde j. que a noo de tutela jurisdicional dos direitos no se confunde com a de tutela dos direitos tout court. A primeira noo mais restrita que a segunda, uma vez que nesta tambm esto compreendidas aquelas formas dc tutela quo atuam fora do processo c tm a finalidade de evitar a interveno do rgo jurisdicional, embora haja. por outro lado. situaes em que a tutela jurisdicional representa a mica modalidade possvel para a efetividade dos direitos. So, por exemplo, as situaes pessoais e familiares que demandam aes, as quais versam sobre o estado ou a capacidade, e que requerem sentenas constitutivas "necessrias. isto , que tomam imprescindvel a interveno judicial. Cf. Vittorio Denli. La giuszia civile. cit. p. 111-111 V., ib.. Adolfo Di Majo. i tutela civile dei diritii. Milo : Giuffr, I9S7. p. 19-21.

  • PROCESSO CIVIL E RLLAO JURDICA PROCESSUAL 2 7

    ns quais, por sua vez, colocam -se como pressupostos para o exerccio de outras situaes, conexas ou autnomas, que so causas para a realizao de atos posteriores. Com efeito, o processo se desenvolve por meio de uma srie de atos cronologicamente sucessivos, apesar de nem sempre concatenados entre si por um nexo de estreita interdependncia, cu ja frmula de organizao de tipo procedimental, assumindo com o denominao comum a obteno de um idntico objetivo final, que 6 a resoluo da controvrsia, com a pronncia do provimento decisrio definitivo.'''1 Destarte, so atos do processo todas aquelas declaraes ou manifestaes do pensamento, bem como todos aqueles comportamentos, que os sujeitos do processo (partes, auxiliares, ju iz e M inistrio Pblico) realizam, nas formas estabelecidas ou consentidas pela lei, com a finalidade de incidir - com efeitos constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos - sobre a dinmica e sobre o desenvolvimento da relao processual.:|

    Atente-se, pois, para a funo que a form a dos atos deve exercer no processo. A anlise desse problema passa pela considerao de duas tendncias contrapostas.

    De um lado. com a evoluo do Estado de Direito e o desenvol vimento do processo dispositivo dc tipo liberal, o rigor formal exprime uma exigncia de legalidade, a qual confere uma noo garantstica ao procedimento. Em outras palavras, ao predeterminar ou canalizar, pelas formas previstas 11a lei. a atividade das parles c do juiz. possvel assegurar a imparcialidade do ju iz , bem com o prever e dar transparncia ao desenvolvimento processual, possibilitando o contraditrio c o tratamento isonmico entre as partes.

    Por outro lado, o excesso de formalismo favoreceu a construo de uma tendncia de de form alizao das atividades processuais, dando maior liberdade de formas in procedendo ao ju iz , para que pudesse haver uma melhor adequao entre os atos que compem o procedimento e as variveis necessrias das controvrsias singularmente consideradas.

    Luigi Paolo Comoglio. Corrado Ferri e M iehelc Tarulo. U rjo n i sul processo civile. cit. p. 415.

    0,1 Idem. ibidem.

    Luigi Paolo Com oglio. Cerrado F cn i e M iclieleTarulo. Leziom su! processo cive, cit. p. 416.Idem, ibidem.

  • 28 D IRK TO C O N ST IT U C IO N A L PR O V A NO P R O C E SSO C IV IL

    A soluo desse problema passa pela tentativa de compatibiliza- o das duas tendncias, uma vez que o excesso de formalismo (ou a concepo de que as formas so fins em si mesmo: purismo elas form as) inconcilivel com a perspectiva constitucional de democratizao do processo e incompatvel com as funes sociais do processo moderno, alm de trazer riscos de comprometimento das necessidades de justia substancial/'1 pela proliferao das "denegaes de tutela, motivadas por meras inobservncias form ais. D o mesmo modo, o excesso de liberdade, deixando um espao de discricionariedade incontrolado ao ju iz, no tutela suficientemente a imparcialidade e a objetividade das funes jurisdicionais.

    A garantia da legalidade, oferecida pelas formas processuais pr- constitudas, orientada pela noo de liberdade, pode conduzir construo do princpio da adequao (ou da elasticidade), pelo qual se permite que o ju iz e as partes evitem o rigor das formas, adequando-as instrumen- talmente ao desenvolvimento das circunstncias concretas, em nome da eqidade processual?* Assim , o grau de formalidade ou de liberdade a ser conferido aos atos processuais deve ser proporcional aos escopos a serem buscados pela jurisdio, atravs do instrumento processual.

    Com efeito , o procedimento no pura forma, c . embora as formas sejam necessrias (para a segurana das partes e o correto exerccio da jurisdio). o form alismo 6 uma deformao, porque o fetichismo

    Luigi Paolo Comoglio. Direzion del processo e responsabilit del giudicc. Ri vi st/i di Diritto Processnae, 1977. p. 19.

    ,;5 Luigi Paolo Comoglio. Cort ado Fcrri c MIchele TaruiTo. Leziord sul processo ivilc\ cit. p. 416.0 procedimento ordinrio foi desenvolvido para regular todas as causas; todavia, com isso, no leva cm considerao suas exigncias c suas particularidades. O procedimento ordinrio noconseguesatisfazer, ao mesmo tempo, duas exigncias contrapostas: a necessidade de investigaes cuidadosas e exaustivas para as causas mais complicadas e difceis, e. por outro lado, a necessidade de solues cleres para as causas dc menor complexidade. Essa tendncia de desimifermizar o procedimento inspirou a consagrao do princpio da adaptao do procedimento causa e, em conseqncia, influi na extenso do direito prova a ser delineado previamente no procedimento legal. Por exemplo, no procedimento do mandado de segurana (art. I .da Lei l .533/ 51), para assegurar a celeridade processual, restringiu-se a cognio, no plano horizontal, sendo que os fatos alegados tm de estar documentados, uma vez que no se admite uma fase de instruo probatria para a realizao de provas orais; isto , o direito deve ser lquido e certo.

  • PROCESSO CIVIL F RFLAO JURDICA PROCESSUAL 2 9

    forma ou o seu apego obcecado e irracional no assegura a realizao dos direitos, mas, ao contrrio, constitui fator de em pobrecimento do processo, j que no permite a visualizao de seus fins.: Ao estudar o procedimento, pois, depara-se com os mais difceis problemas do direito processual c iv il.'7

    Logo. a compreenso do procedimento transcende a perspectiva dogmtica, no se restringindo anlise da regulao formal dos atos processuais, mas desafiando abordagens crticas que procurem perceber suas dimenses sociais, polticas e econm icas. Essa reflexo visa a construo dc procedimentos adequados discusso das causas e subseqente realizao prtica dos direitos. Assim, pode-se contribuir para uma visualizao mais ntida dos escopos a serem buscados pelo direito processual, que deixa de ser concebido como um fim em si mesmo, passando a ser vislumbrado com o um instrumento para a tutela do direito substancial, visando garantir a sua efetividade, isto , a sua observncia e. em caso de inobservncia, a sua reintegrao.-s

    1.4 L eg itim ao por m eio do procedim ento

    Conforme analisado no tpico anterior, o procedimento deve ser visto com o um sistema de atos sucessivamente interligados (geralmente dependentes entre si) e unificados pela finalidade comum de preparar o ato final dc consumao do exerccio do poder. No caso da jurisdio, a finalidade precpua do procedimento, no processo de conhecimento,

    Conforme assevera Enrico TuIlio Liebman, as formas so necessrias, mas o formalismo c uma deformao" (Manual de direito processual civil. Trad. de Cndido Rangel Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense. 1984. vol. I. p. 258). Cf., ainda: Cndido Rangel Dinamarco. Nasce um novo processo civil. Reformado Cdigo dc Processo Civil.. Coord. Slvio dc Figueiredo Teixeira. So Paulo : Saraiva, 19%. p. S, e A instrnmenMi

  • 3 0 D IREITO CONSTITUCIONAL PROVA NO PROCESSO CIVIL

    6 a obteno de uma sentena de mrito, o que no significa que o procedimento visa. exclusivamente, a coisa julgada.29 A observncia do procedimento tem escopos mais relevantes, tal com o o da legitimao do exerccio do poder estatal.

    Ao prever um rgo que tenha poderes legtimos para a tomada dc deciso e os modos de qu se pode valer para influenciar na tomada dessa deciso, o procedimento cumpre seu objetivo de reduo intersubjetiva da complexidade,-0 constituindo uma manifestao da racionalidade das formas de exerccio do poder,31 alm de representar uma garantia de participao democrtica.

    O procedimento, destarte, visa a racionalizao e a democratizao do exerccio do poder, Bstado-juiz detm o poder de dizer o direito, mas, para que o exerccio da jurisdio se legitime socialmente, necessrio que as partes participem, dialeticamente e atravs dos atos seqencialmente inseridos no procedimento, na elaborao do provimento (ato) final.

    Para que o procedimento possa vir a ser considerado socialmente legtimo, deve ser marcado pela certeza dos meios e pela incerteza dos seus resultados.-2

    No obstante seja certa a existncia dc uma deciso ao final do procedimento, nada pode-se saber quanto sua natureza. A incerteza quanto ao resultado fundamental ao procedimento, na medida ern que serve dc incentivo para que seus participantes possam contribuir com o exerccio da jurisdio, mantendo suas expectativas dc vencer o litgio.*3 D esse modo, a incerteza quanto ao resultado 6 a fo ra motriz

    ;v' Cndido Rangel Dlnainarco. A insmmiemalidade do processo, cit. p. 131 e 179. Niklas LuJiinami. Legitimao peto procedimento. Trad. de Maria Conceio Crte-Real, Braslia : Editora Universidade de Braslia, 1980. p. 27.

    11 Vittorio Denti. Im giustizia civile. cit. p. 151.A legitimidade, segundo Niklas Luhmann, pode ser definida como uma dispo- siogeneralizadaparaaccilarasdcciscsdecontedoaindanodefmido, dentro de certos limites de tolerncia" {Legitimaopelo procedimento, cit. p. 30). "li sobretudo a incerteza quanto ao resultado que essencial ao procedimento. D aos participantes do procedimento o incentivo de contribuir para o progresso do procedimento por meio das suas prprias tentativas de reduo, mantm-lhes vivas as esperanas de conduzi-los atravs do caminho que, de

  • PROCF.SSO C IV IL E RELAO JURDICA PROCESSUAL 3 1

    ou impulsionadora do procedimento, sendo, pois, seu efetivo fator de legitimao.-1-1

    O ju iz quem pronuncia o ato final, mas as partes devem, necessariamente, colaborar, participando ativamente do procedimento, o qual cul- m inacom a formao do provimentojurisdicional. A s partes realizam atos que so essenciais, a com ear pela ao, que o ato processual com o qual se rompe a inrcia jurisdicional. Entre a ao e o provimento final, os atos do procedimento so realizados com observncia do contraditrio efetivo ou, ao menos. virtual com a parte contrria.

    A cooperao dos litigantes na formao da deciso judicial serve como vlvula de escape de ressentimentos e crticas,35 o que permite que o resultado do processo seja influenciado pelos seus participantes, facilitando, assim, a sua assim ilao e aceitao no grupo social. Nesse sentido, o procedimento tambm tem a funo de especificar os descontentamentos, alm dc fracionar e absorver os protestos.36 Desse modo. o procedimento tem o valor social de enfraquecer o confronto ou reduzir o conflito.37

    Portanto, o procedimento tem o duplo objetivo de servir de plano para o exerccio da funo jurisdicional e para a participao dos litigantes no exerccio do poder pelo Estado-juiz.

    Embora o procedimento no assegure a exatido, mas a mera presuno de exatido do contedo da deciso,** o modo com o disciplina o exerccio do poder, mediante a aplicao das garantias constitucionais e o estmulo efetiva participao dos sujeitos interessados, faz com que o resultado do processo se torne legtimo, vinculando os seus participantes. Afinal, o que caracteriza o processo e a celebrao contraditria do procedimento, isto , o efetivo exerccio das situaes jurdicas ativas e passivas.

    acordo com as regras do* processo jurdico, levar a deciso (Niklas Luhmann. Legitimao pelo procedimento, cit. p. 46).

    ,;'4' Niklas Luhmann. Legitimao pelo procedimento, cit. p 98.:;- Idcm, ibidem. p. 76.

    Idem, ibidem, p. 97-98.Cndido Rangel Dinamarco. A insrumentalidade do processo, cit. p. 130. Niklas Luhmann. legitimao pelo procedimento, cit. p. 27.

    '";i Cndido Rangel Dinamarco. A insrumentalidade do processo. cit. p. 67 e 131.

  • 3 2 DIREITO CONSTITUCIONAL PROVA NO PROCESSO C1VJL

    Nesse sentido, a atividade dc reconstruo dos fatos no processo no 6 meramente tcnica, porque o processo, sendo um instrumento para a soluo de conflitos sociais, requer que o convencimento do ju iz obedea a um procedimento reconhecido pela sociedade.'0

    1.5 N atureza d inm ica do processo

    O processo civil tem natureza dinmica, porque regula um mecanismo jurdico em movimento, tendo o ju iz e as partes posies jurdicas diferentes que se articulam entre si.

    O ordenamento processual confere ao rgo jurisdicional poderes e deveres, mas tambm atribui s partes situaes jurdicas ativas e passivas, dentre as quais pode-se destacar os direitos subjetivos processuais (como os de iniciativa e de impulso), os nus e os deveres.41

    O direito subjetivo processual confere ao seu titular o poder de produzir um efeito jurdico, no mbito do direito processual, que consiste em um evento previsto em lei e condicionado atuao do rgo jurisdicional. Assim, o direito subjetivo processual um poder de provocar uma atividade do rgo jurisdicional. Por sua vez. a atividade desenvolvida pelo rgo jurisdicional se realiza no prprio interesse do Kstado em realizar a justia e. por isso, impe-se alem dos interesses das parles, as quais ficam submetidas e sujeitas ao processo, no podendo evitar os seus resultados.42

    Antoni Magalhes Gomes Filho. Direito prova no processo penai. So Paulo : RT, 1997. p. 17-18.A noo dc nus. conforme visto na nota 14 do lpico 1.2. acima, difere da noo dc deveres. O nus permite que o titular do direito opte cm exerc-lo ou no, sendo que a omisso do seu exerccio implica, normalmente, a privao de um benefcio. Os deveres, por outro lado. representam a imposio coercitiva de uma conduta cuia finalidade tornar efetiva a realizao dos valores que o direito deve assegurar. Desse modo. a conduta omissiva de quem deixa dc exercer um mis ou um direito no antijurdica, tendo como conseqncia o sacrifcio do prprio interesse. Por outro lado. a omisso no exerccio de um dever c uma conduta antijurdica que implica a respectiva responsabilizao civil, penal, administrativa ou disciplinar. Cf. Eduardo .1 Couture. La tutela giuridica. Alcune pix>posizione fondamenudi di diriUo processuale civile. Seriai giuridici in memria di Piero Calaman- drei. Padovn : Cedam, 1958- vol. I. p. 163.

    ; Enrico Tul lio Liebman. Manualedi duitto processuaie en ile. cit. vol. I. p. 28-29.

  • PROCESSO CIVIL E RELAO JURDICA PROCESSUAL 3 3

    Diante dessa noo de sujeio ao exerccio pblico da jurisdio, poder-se-ia questionar a noo dos direilos subjetivos processuais, j que o Estado-juiz, ao exercer seus poderes-deveres no processo, estaria perseguindo o interesse pblico de dirimir os conflitos, para a pacificao social e a distribuio da justia, no sofrendo nenhum prejuzo decorrente da sua inatividade4*' e no tendo obrigaes ou situaes de desvantagens44 para com as partes.

    No entanto, em um Estado Democrtico de Direito, os poderes do ju iz, ainda que voltados concretizao dos interesses pblicos, no podem ser considerados absolutos, sob pena de a democracia ser meramente formai e, destarte, a sujeio ao exerccio do poder jurisdicional poder servir de justificativa supresso das possibilidades de os litigantes influrem nas decises que lhes so impostas.

    Assim no deve ser. pois, se a Constituio e as leis infracons- titucionais conferem direitos processuais s partes, o Estado-juiz deve respeit-los sob pena de a participao democrtica, por meio dos mecanismos processuais, restar inviabilizada. Ademais, no haveria qualquer sentido em falar em nulidade das decises judiciais se o Estado-juiz no possusse deveres em relao aos seus jurisdicionados (ou melhor: consumidores de justia). A sentena, por exemplo, que no leve em considerao o direito do ru produo da prova, inerente ao direito constitucional ampla defesa, gera o cerceamento da defesa e, por isso, deve ser considerada nula. Nesse sentido, no se pode menosprezar a noo dos direitos subjetivos processuais das partes, que devem ser levados cm considerao pelo Estado-juiz, 110 exerccio da funo jurisdicional.4S

    Entretanto, a afirm ao da existncia de direitos processuais, por si s, no im plica, necessariamente, uma automtica contraprestao por parte do Estado-juiz. Os direilos subjetivos processuais, atribudos s partes, no so absolutos (ou incondicionados), nem, muito menos, podem ser assimilados noo de direitos potestativos,4* devendo ser,

    ih Hernando Devis Eehandia. Teoria genend de ia prtteba judicial. 4. ed.Buenos Aires : Vetor P. dc Zavala Editor, 19ftl. t. I. p. 435.

    ~ Nesse sentido: Cndido Rangel Dinamarco. A instrumentalidade do processo, cit. p. 245, nota 8.

    ,?) Cf. Vicente Ro. O direito e o vida dos direitos. 5. ed. SAo Paulo: RT, 1999. p. 605-608.

    lW) Os direitos potestativos no se confundem com os direitos subjetivos, pois enquanto estes indicam um poder correlato a um dever, aqueles constituem uma faculdade decorrente de uma relao jurdica preexistente, a qual confere

    Biblioteca Cel. Alire B. Carneiro' UN1V1LLE

  • 3 4 DIREITO CONSTITUCIONAL PROVA NO PROCESSO C1VJL

    antes, valorados pelo ju iz , que, no contexto do conjunto das atividades a serem desenvolvidas no processo, pode atribuir a ele a devida eficcia. Desse modo, o direito prova das partes no pode ser concebido com o uma obrigao a ser prestada pelo ju iz, mas est condicionado a outros fatores a serem sopesados na atuao do rgo jurisdicional. Por exemplo, no caso de julgam ento antecipado do mrito Cart. 330/CPC), o ju iz, havendo suficientes elementos probatrios para formar a sua convico, est autorizado a dar nfase celeridade processual, em detrimento da produo de outras provas que, em um ju zo preventivo e hipottico, mostrem-se inteis, inidneas, desnecessrias ou dispensveis para o melhor esclarecim ento o facfu m probaiuhim e, por isso. incapazes de influir na deciso da controvrsia.47

    Os poderes jurdicos e os direitos subjetivos consistem na faculdade de realizar um determinado ato processual para a satisfao de um interesse. Os poderes so genricos, enquanto os direitos so especficos e condicionados a uma determinada situao processual, bem com o resultam de uma faculdade de iniciativa destinada a provocar uma atividade do rgo jurisdicional ou da faculdade de m odificar com um prprio ato a situao processual existente.4*

    Os nus, geralmente, acompanham os poderes e direitos processuais, dos quais constituem o lado negativo; assim , as alegaes, o impulso processual, as impugnaes e as provas so objeto, ao mesmo tempo, de um nus, alm dc um poder ou de um direito.49

    Quanto aos nus, pode-se afirmar que consistem na necessidade de desenvolver uma certa atividade, seja para evitar um certo efeito danoso, seja para conseguir um determinado resultado til.-0

    ao titular do direito o poder dc exereit-lo unilateralmente, sujeitando e submeteado unia ouira pessoa ao cxcrceio desse poder. Cf. Jos Roberto cias Santos fiedaque. Direito e processo, cit. p. 10.Nesse sentido: Giuscppc Tarzia. Ptoblemi del contraddiuorio ncirisiru/.ione probatoria civile. Ri vista di Diritto Processuate, 1984. p. 546, nota 18: liem ando Devis Echandia. Teoria general de h p racho judicial, cit. t. 1. p. 36. Verificar a nota 108 do tpico 3.3.6 (do cerceamento de defesa), da Parle 11, adiante.Enrico Tullio Licbman. Manuale di dirtto processuale civile. cit. vol. 1. p. 96.

    Vl' , Jdein, ibidem, p. 96-97. Ver. tambm: Natalino rti. Nome efat. Saggi di teoria gene rale del d i ri no. Milo : Giuffr. 19fU. p. 107-164.Enrico Tullio Licbman. Manuale di diritio processuale civile. cil. vol. I. p. 28-29.

  • PROCESSO CIVIL E RELAO JURDICA PROCESSUAL 3 5

    O nus a necessidade prtica que o titular de um poder de agir em ju zo tem dc exercitar caso pretenda obter um efeilo favorvel, o qual depende da realizao do ato previsto. Todavia, o nus da prova se distingue dessa noo geral, porque no o nico fator que determina a obteno dc um resultado favorvel. Quem no produz a prova assume o risco pela fa lia da prova , mas isso no implica, necessariamente, o sacrifcio do interesse perseguido, pois o ju iz , mesmo no tendo a parte se dcsincumbido do nus da prova, pode dar-lhe ganho dc causa.?1 Por exemplo, quando os fatos alegados pelo autor so impossveis ou improvveis, mesmo o ru no tendo contestado a ao. pode o juiz rejeitar o pedido do autor, julgando-o improcedente. Por outro lado, mesmo a parte tendo se dcsincumbido do nus probatrio, ou seja. realizado o ato, isso no t suficiente para que lhe seja atribudo um efeito favorvel, uma vez que, ao valorar a prova, no conjunto das demais circunstncias e provas constantes dos autos, o magistrado pode se convencer de que aquele que produziu a prova no tem razo.

    1.6 A qualidade de p arle

    Para o direito processual civ il,partes so os sujeitos, diferentes do ju iz , os quais participam, realizando atos que integram o procedimento jurisdicional, e so destinatrios dos efeitos dos provimentos judiciais.5-

    Para a relao processual constituir-se, so necessrias, pelo menos, duas partes: uma, que invoca o provimento jurisdicional, e outra, em face da qual esse provimento requerido.5 As partes no somente concorrem para a realizao das atividades necessrias para que o processo surja c sc desenvolva, mas, antes disso, com o simples fato de estarem em ju zo , fazem com que o processo exista.5* Por isso. assevera Tito Carnacini, :il processo serve alie parti, alia loro volta le parti servono al processo.55 O reconhecimento dessa dplice relao

    Salvatore Pai. Prove. Disposizioni genemli. An. 2.697-2.69$. Bolonha : Nicola Zanichelli Editore, 1987. p. 34 e 36.

    I' 1 Luigi Paolo Comoglio, Corrado Fciri c Michelc Tarado. Lezioni sul processo civile, cit. p. 347.

    '}> Pieio Calamandrei- Isiiittzioni

  • 36 D IRH ITO C O N ST IT U C IO N A L PR O V A NO P R O C E SSO C V IL

    c a verificao dc que o proccsso civil , de um lado, um instrumento que o Estado coloca disposio dos cidados com o m eio de atuar seu direito subjetivo, e, de outro lado, um m eio atravs do qual os cidados do oportunidade para que o Estado realize o direito ob jetivo.56 Contudo, embora o processo seja um instrumento pblico, seu funcionamento depende da livre atuao e colaborao das partes.

    O fato de participar de um processo, seja propondo uma ao. seja sendo chamado a contestar a demanda, faz com que a pessoa adquira uma particular qualidade ou status dc parte no processo, da qual surgem situaes ativas e passivas.

    O ato constitutivo da qualidade de parte , para o autor, o ajuizam ento da ao. O art. 263 do C PC afirm a que a ao considerada proposta quando a petio inicial c despachada pelo juiz ou simplesmente distribuda, onde houver mais dc uma vara. Tambm pode ser considerada proposta a ao simplesmente com o protocolo da petio, quando o ju iz est ausente, ou, ainda, quando no possa, por qualquer motivo, despachar no mesmo dia. isso relevante principalmente para evitar a extino do direito de ao , porque, apesar de ser com a citao vlida que se interrom pe a p rescrio , a interrupo retroage data da propositura da ao (art. 2 1 9 , 1., C P C ).7 Por outro lado, o ato constitutivo da qualidade dc parle, para o ru, a citao vlida, a qual pressuposto constitutivo da relao jurd ica processual (art. 263 do CPC).

    No entanto, o status dc parle no tem nada a ver com a identificao da justa parte, ou melhor, da parte legtima para agitou contradizer, que s pode ser afirmada ou negada com relao titularidade da relao jurdica substancial/* A qualidade de parte um dado a priori questo da legitimidade efetiva, para requerer ao ju iz

    ,ffl Idcm. ibidem. Franeesco Carncluui tambm corrobora essa assertiva, afirmando que non solo Ia parte ha bisogno del proccsso. ma ii processo ha bisogno itelhi pane; ineglio Fordine giuridico ha bisogno chc la parte faccia airirc il proccsso per la composizione delia litte" (Sistema del (Urino proessuale civile. Padova : Cedam, 1936. vol. 1. p. 409).

    5" Todavia, conforme a orientao da jurisprudncia do STJ. o direito dc propor a ao no se extingue, se a demora na obteno do despacho do juiz ou na citao do ru no pode ser atribuda ao autor (RF.sp. 21.900-SP 3 J T.- rel. Min. Nilson Naves - unfin. - j. 29.06.1992 - DJ 10.08.1992, p. 11.9.51).

    ,5) I .uigi Paolo Comoglio, Corrado Fcrri c Michclc Tantio. Lezioni s\ d processo civile, cit. p. 351.

  • PROCESSO C IV IL F. RF.LAO JURDICA PROCESSUAL 3 7

    uma tutela jurisdicional de um direito ou interesse deduzido cm ju zo .59 Assim, a noo de parte da relao jurd ica processual indica, apenas, as pessoas sobre as quais o processo faz sentir abstratamente seus efeitos, no os sujeitos da relao jurd ica substancial, a ser discuida concretamente n processo, ou seja, a anlise da legitimidade ad causam realizada depois que o processo se inicia, quando, ento, possvel verificar a relao de direito substancial controvertida.^'

    O conjunto das situaes jurdicas subjetivas, atribudas s partes, compe o contedo da relao jurdica processual/'1 O ato jurdico a expresso de uma situao subjetiva conferida pelo direito a um sujeito e tem, tipicamente, o efeito dc incidir sobre a situao jurdica de outro sujeito. Isso demonstra que o processo civil , geralmente, um proccsso de partes, no um processo considerado objetivo (por exemplo, no controle abstrato da constitucionalidade, pela propositura da ao direta de inconstitucionalidade, no existe lide ou interesses contrapostos, sendo esse um proccsso unilateral ou sem partes).61 Como o ato jurdico, normalmente, incide na situao jurdica de outro sujeito, o processo pode ser entendido com o a seqncia ordenada das situaes jurdicas subjetivas, as quais variam de acordo com os papis que cada parte desempenha e exerce na relao jurdica processual. Conforme a posio de cada um dos sujeitos, abre-se um campo de possibilidades sobre o modo com o devem se comportar (por exemplo, realizar ou no um ato, no caso de a lei admitir ambos; atribuir-lhe este 011 aquele contedo etc.). Logo, 0 processo pode ser entendido com o um conjunto de escolhas feitas pelos sujeitos que dele participam e de conseqncias jurdicas previstas para 0 ocupante de cada posio no processo.5 '

    Competem s partes diversas situaes jurdicas (poderes, su jeies, direitos, faculdades, deveres e nus), as quais podem ser utilizadas de vrios modos, segundo os resultados e os eleitos que se pretende obter.64 Nessa perspectiva, toma-se importante a estratgia a ser adotada

    !5li> Idem, ibidem.' ' Piem Calamandrei. Istituzbni di dirilto processuale, cit. vol. II. p. 190-191.

    ' Enrico Tilllio Liebman. Mamiale di dirilto processuale civile, cit. vol. 1. p. 96. Cf. Clmerson Meiiin Clve. A fiscalizao abstrata dc constitucionalidade no direito brasileiro. So Paulo : RT, 1995. p. 112-118.

    '' Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele Tarufo. Lezioni sul proccsso chilc, cit. p. 17.

    r Idem. ibidem. p. 19.

  • 3 8 DIREITO CONSTITUCIONAL PROVA NO PROCESSO CIVIL

    pelas partes, pois cada uma das escolhas pode condicionar um segmento diverso do desenvolvimento concreto do processo.65

    Contudo, no seria possvel construir um sistema processual que concedesse liberdade plena s partes. A liberdade no poderia ser ilim itada, pois, nesse caso, perder-se-ia a noo de sujeio, que inerente ao exerccio do monoplio da jurisdio pelo Estado. atravs desta noo que se exprime o carter publicstico da funo jurisdicional. A sujeio se revela no procedimento, a partir da instaurao do contraditrio, com a proposio da ao, e um trao marcante do processo civil moderno, que no tem natureza contratual, no exigindo mais, com o era tpico do direito romano, a liiis contestatio, isto , o consenso do demandado para que o ju iz fosse investido do poder jurisdicional.*4 Uma vez rompida a inrcia da jurisdio, o processo um instrumento pblico, dirigido pelo ju iz (an. 125 do C PC ), que pode se desenvolver mesmo sem o consentimento ou a participao do demandado.

    O grau de liberdade a ser conferido pelo ordenamento processual pode variar, intercalando, no que concerne s formas, as modalidades, os vcios e os efeitos dos atos do procedimento, aspectos mais rgidos ou mais flexveis, dependendo dos Fins a serem buscados.

    Entretanto, se a qualidade dc partes assegura-lhes um conjunto de situaes jurdicas diversas, no garante, por si s. a concesso da tutela jurisdicional, uma vez que esta depende no somente da participao das parles no processo, mas, sobretudo, da verificao da existncia do direito substantivo, por parte do Estado-juiz.67 A ssim , a parte utiliza-se do processo na expectativa de obteno da tutela jurisdicional. O procedimento legal lhe permite ter esperanas de que a sentena a ser

    'rl Por isso. Picro Calainandrci chega a comparar u processo a um jogo, que as panes tm de vencer, e cujo resultado vai depender dos csloros contrastantes, isi c. das aes e das omisses, das astcias e dos descuidos, dos movimentos acertados e dos equvocos. Cf. II processo come giuoco. Kivisia eli Diritto Processuale, 1950. p. 26.Viuorio Denti. La giustizia civile, cit. p. 155.Conforme observa Tito Carnacini. "quando affermo in maniera inversa elie il processo serve alia parte, allora mi metto uella posizione di quesfultima e considero il Fine obbiettivo delia tutela giurisdizionalc dalPangolo visualc di cplui che. aitacando o difendendosi. vi fa riprso e clie perci utilizza il mczzo (processo), il quale solo po assicurargli tale tutela, se ne ha diritto" (TUtela giurisdizionale c tcnica del processo, cit. p. 702).

  • PRQCKSSO CJVJL I: RELAO JURDICA PROCESSUAL 3 9

    proferida venha a lhe conferir uma situao de vantagem. A qualidade dc parte no processo d lugar espera da atuao ou da reintegrao objcti va do direito, bem como expectativa e esperana de que, dessa atividade jurisdicional, resulte a realizao de seu interesse concreto, em bora, sendo incerto o resultado do processo, eventualmente seu interesse possa vir a ser contrariado, cm favor da realizao do interesse alheio.'s

    Desse modo, o conceito de tutela jurisdicional mais amplo que a noo de pretenso, porque no est, necessariamente, ligado existncia de um direito, nem vinculado concepo do processo civil do autor, abrangendo tambm a proteo a ser conferida ao demandado. Na perspectiva instrumentalista, a tutela jurisdicional no, meramente, a tutela de direitos, j que no basta, ao processo civil, a concretizao do escopo jurd ico (ou da atuao da vontade concreta da lei), devendo, a fim de legitimar-se socialm ente, proporcionar m aior qualidade dc vida e melhores condies de felicidade s pessoas. Com efeito, o processo tutela, sobretudo, as pessoas, sendo possvel afirmar que o ru tambm tem direito tutela jurisdicional, quando tiver razov (isto c, quando a ao for julgada improcedente) ou quando o autor no preencher os pressupostos de admissibilidade do provimento de mrito.71'

    Sendo a incerteza quanto aos resultados a fora motriz ou impulsionadora para a atuao dos litigantes,71 no se tem com o assegurar, abstratamente, uma deciso favorvel,: : mas apenas uma expectativa ou esperana da realizao da tutela jurisdicional dos respectivos interesses de cada uma das partes no processo.

    " Ti to Camarim. Tutela giurisdizionale e tcnica del processo, cit. p. 703. Nas palavras de Knrico Tullio Licbman. la tutela giursidiconale spettn in efeui soltanto a chi ha ragione, non a chi vania un diritto inesistentev (Mantiale di diritto pmccssmle cive. cit. vol. I- p. 116).

    r 1 Cf. Cndido Rangel Dinamarco. Tutela jurisdicional. Revista de Processo, vol. 81. p. 70-74."

    Niklas Luhmann. Legitimao pelo piocedimento. cit. p. 98.' Como explica Giuseppe Clliovcnda, antes "de que pueda ser ju/.gada la

    demanda de actuacitfn de la Icy. debe ser examinada; esto produce un estado de iticertidumbre en el cual no se sabe .si la demanda cs o no fundada, pero sc haee Io necesario para saberlo. Durante este nterin. Ias panes (acior y demandado) deben ser puestas en situaeidn de hacer valer sus corrspondientes razones o derechos" (Princpios de dereeho procesal civil, cit. t. I, p. 122).

  • 4 0 DIREITO CONSTITUCIONAL PROVA NO PROCRSSO CIVIL

    1.7 P erfis funcionais c estru tu ra is do nus da prova

    O nus da prova tem uma dupla funo:7- i) servir de regra de conduta para as partes, pr-determinando quais .so os fatos que devem ser provados por cada uma delas e, assim , estimulando suas atividades;7'1 ii) servir de regra de julgamento, distribuindo, entre as partes, as conseqncias jurdicas e os riscos decorrentes da suficincia ou da ausncia da produo da prova, bem com o permitindo que, em caso de dvida quanto existncia do fato, o ju iz possa decidir, j que no se admite que o processo se encerre com uma deciso non liquet.'s A partir dessa compreenso, pode-se falar, no primeiro caso, em nus da prova em sentido subjetivo, e, no segundo caso, em nus da prova em sentido objetivo.76

    A partir dessa dicotomia, pode-se afirmar que o aspecto subjetivo do nus da prova refere-se a que in interessa produzir c en a prova e a qual das partes ser prejudicada pela deciso a ser tomada cm decorrncia da fa lta da prova, enquanto o aspecto objetivo do nus da prova concerne regra de julgamento, isto , regula a deciso sobre o fato incerto ou desconhecido.77

    Gian Antonio M icheli, todavia, critica, denominando artificiosa a contraposio entre os aspectos subjetivo e objetivo do nus da prova, chegando a afirmar que o fenmeno do nus da prova pode ser com preendido unitariamente, sob o perfil da negra de julgam ento (j que o ju iz quem atribui concretamente a eficcia da prova, independentemente de quem a tenha produzido, o que resulta da compreenso do princpio da

    |7V' Cf. Franccsco CarnehiUi. Prova civili c prova penali. Rivista di Diritto Processuale Civile, 1925. p. 12; 1 lernando Dcvis Echandia. Teoria general de la pnteba judicial, cit. L I. p. 434: Gian Antonio Micheli. L'onere delia prova. Pado v : Cedam. 1942. p. 96.O art. 333 do C.PC incumbe ao autor n prova dos fatos constitutivos (inciso I) e. ao ru. a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintvos (inciso II).

    os> Neste ltimo caso, trata-se rie uma soluo jurdica, j que. havendo dvida, a lgica recomendaria o no julgamento. Neste senlido: Franccsco Camelutti. Prova civile e prova penali, cit. p. 12.

    :t: V. Salvatore Patli. Prove. Disposizioni generali. Art. 2.697-2.698. cit. p. 12-17.

  • PROCESSO CJV1L E RELAO JURDICA PROCESSUAL 4 1

    aquisio processual),7* e que o aspecto subjetivo do fenmeno fica reduzido ao estudo dos poderes reconhecidos s partes tio processo.79

    No entanto, a crtica de M ichcli insuficiente para rechaar a com preenso do nus da prova por ambos os aspectos, subjetivo e objetivo, porque se a noo de nus (em sentido amplo) significa um poder ou uma faculdade no pode ser concebida sem um titular que o exera e, por isso, abrange tambm uma dimenso subjetiva que tem a funo de servir dc estmulo para a atividade das partes. Ademais, a faltade certeza, que conduz o ju iz a aplicara regra de julgamento, no pode ser separada do risco da falta dc prova, que pesa sobre quem pede a aplicao de uma regra jurd ica, cujo pressuposto c a verificao desse fato incerto.*0

    Com efeito, o aspecto objetivo do nus da prova est intimamente ligado com o aspecto subjetivo, sendo ambos necessrios para a compreenso do instituto do nus da prova. Afinal, se, pelo princpio da aquisio processu al para o ju iz somente importam os fatos que foram demonstrados, no quem os demonstrou, quando o ju iz no tem certeza sobre esses fatos, deve determinar quem sofre as conseqncias decorrentes dn falta de prova, necessitando, para isso, recorrer ao aspecto subjetivo do nus da prova.*3

    1.8 A insuficincia da le itu ra do institu to da prova pela situ ao ju rd ica do nus da prova

    A dicotomia subjetiva-objetiva, tratada no item anterior, indica que a idia de nus. ainda que essencial para a compreenso da problemtica

    Em outras palavras, pelo princpio da aquisio, todas as atividades processuais pcrtcnccmmesma relaojurdica processual, sendoque seus resultados recaem, igualmente, tanto sobieo autor quanto sobre onu, o quesignificaquc cada um desses sujeitos tem liberdade para produzira prova que desejar (evidncia dessa opo o pargrafo nico do art. 333 que admite, salvo naquelas hipteses excejicionaiseexpressamcnlcprevistas, a modificaoda incumbncia probatria subjetiva) c que a regra do nus da prova serve, essencialmente, para que o juiz possa decidirqual das partes deve sucumbir, em caso da falta dn prova necessria para a comprovao do fato controvertido.Cian Antonio Michcli. L'onere delia prova. cit. p. 95-96.

    1 Hernando Devis Ecluindia. Teoria general de la prueba judicial, cit. t. I. p. 434-436.

    ;l> Idein, ibidem, p. 436.

  • 4 2 DIREITO CONSTITUCIONAL PROVA NO PKOCI-SSO CIVJL

    da prova, tem a configurao de uma situao jurd ica eminentemente negativa, pois o ju iz . na maioria dos casos, vai estar preocupado com as regras legais de distribuio da prova, no momento em que sentencia, quando verifica quais os fatos que, efetivamente, foram provados.*2

    A tica da relao entre as partes e a prova, pela noo de nus, , pois, negativa, na medida em que, tendo o litigante o encargo de provar, se no o faz, so a cie atribudos os riscos decorrentes da incerteza quanto falta de provas. Trata-se de uma viso tradicional da prova, desenvolvida comumente nos pases da Europa Continental, que exerceu grande influencia na conform ao do direito processual civil brasileiro. Entretanto, recentemente, a doutrina e a jurisprudncia daqueles pases, principalmente da Itlia e da Alemanha, interpretando as garantias processuais asseguradas aos litigantes pelas Constituies do ps-guerra, as quais foram diretamente influenciadas por regras internacionais previstas na D eclarao Universal dos Direitos do Momem e na Conveno Europia dc Direitos Humanos, passaram a reconhecer um genuno direito prova, que possibilita a compreenso dos problemas probatrios por uma tica positiva5

    Verificar: Jos Carlos Barbosa Moreira. O juiz c a prova. Revista de Processo, vol. 35. p. 181. l.eo Roscnborg. por sua vez. afirma que el problema

  • PROCESSO CIVIL F RELAO JURDICA PROCESSUAL 4 3

    O direito prova passa a ser tratado com o um direito primordial l:s partes, sendo objeto dc tutela especfica."1 Essa moderna com preenso dos problemas probatrios denota a insatisfatria viso que a noo do nus da prova tem com relao a correta reconstruo dos latos no processo, que um dos pressupostos para a justia da deciso. A noo de direito prova serve para ressaltar o papel da colaborao, entre as partes e o juiz. na investigao das situaes aticas, asseverando que as partes devem ter acesso a todos os instrumentos probatrios disponveis para a reconstruo dos fatos.83

    A noo do direito prova amplia a possibilidade de a parte influenciar no convencimento do ju iz, aumentando suas chances de sair vitoriosa, isso significa quo, mesmo no tendo o nus da prova, a parte pode fazer prova do fato, quando entender que n sua produo diminuir os seus riscos processuais. Por exemplo, quando h uma dvida quanto natureza subjetiva ou objetiva da responsabilidade civil, o autor pode buscar m eios probatrios para demonstrar a culpa do ru, mesmo que. depois, a ao venha a ser julgada em conformidade com a teoria da responsabilidade objetiva.

    Por conseguinte, a abordagem da prova deve transcender os limites (geralmente negativos) impostos pelo vis da categoria do nus probatrio, devendo tambm ser analisada como um direito processual subjetivo, cuja tutela pode, em certa medida, ser exigida do Estado-juiz. Com isso, no se pretende retornar concepo liberal de processo com o coisa das partes , mas tentar buscar, simultaneamente, a satisfao cios interesses particulares e pblicos: por um lado. a realizao dos interesses particulares das partes litigantes, dando-as todas as oponunidades dc demonstrar. ao ju iz da causa, que tm razo; e, por outro lado. o aperfeioamento da prestao jurisdicional, pela concretizao de instrumentos processuais capazes de contribuir de modo mais eficaz com o escopo dc pacificao dos conflitos com justia*-' e. destarte, permitindo maiores graus de legitimao do exerccio da funo jurisdicional.

    u> Joan Pic i Junoy. El derecho .1 la pmeba en el procesv civil. Barcelona : Joso Maria Bosch Editor, 1996. p. 15-16.

    :>: AntonioMagalhes Gomes Filho. Direo prova no pnxessopeiia!, cit. p. 83-84. ' By the uny, para Adolf Schonke, o escopo do processo civil, como instituio,

    o da atuao do direito mediante a prestao da tutelajundica e 0 da manuteno da paz jurd ica. Cf. II bisogno di tutela giuridica (Un conceito giuspiocessmlistico londamemale). RivistadiDiritto Processuale. I l)4S. p. 132.

  • 4 4 D IREITO CONSTITUCIONAL PRO VA NO PROCESSO CIVIL

    Desse modo, o problema da prova pode ser examinado pelo ponto dc vista da garantia constitucional ao instrumento adequado soluo das controvrsias, dotando o meio processual dc efetividade suficiente para assegurar ao titular dc um interesse juridicamente protegido, cm sede material, a tutela jurisd icional.*7

    Alem disso, pela categoria do direito prova, o instituto jurdico da prova pode ser compreendido co m o uma situao jurdica ativa, o que lhe d um perfil dem ocrtico, possibilitando, s parles, a mais ampla participao processual e, c o m isso. ampliando suas condies de influir na formao do convencim ento do juiz.

    Percebe-se que no c possvel obteressaconstruocom a compreenso da prova por meio da categoria d os nus processuais, pois, se a idia do nus probatrio visa, por um lado. distribuir as tarefas no processo (nus da prova subjetivo), e, por outro lado, autoriza o ju iz a decidira causa mesmo quando no haja provas suficientes (nus da prova objetivo), no se pode ter uma dimenso mais am pla dos limites e possibilidades do instituto jurdico da prova, uma vezque, nesse tratamento, prioriza-se uma viso reduzida, a qual no permite vislum brar o processo com o um instrumento dem ocrtico, em que as partes tm , efetivamente, direitos, no s nus. que no podem ser suprimidos pelo Estado.

    No entanto, a viso da prova p e la noo dc direitos substantivos processuais no retira a importncia que vem sendo dada categoria dos nus da prova. Afinal, a efetivao do direito prova no c incompatvel com a idia do nus probatrio, podendo ambas as perspectivas funcionais ser conciliadas, a fim de que, aumentando a compreenso do fenmeno probatrio, a prova possa ser vista com o um instrumento mais eficiente na so lu o dos conflitos dc interesses, e, desse modo. contribuir para com a ju stia das decises.

    1.9 Noo p re lim in ar de d ireito su b je tiv o processual prova

    (^a perspectiva constitucional, o direito h prova deve ser concebido como um direito pblico subjetivo?* q u e tem a mesma natureza dos direi-

    Jos Roberto dos Santos Bcdaquc. Garantia da amplitude de produo probatria. Garantias constitucionais do processo civil. Coord. Jos Rogrio Cruz e Tucei. So Paulo : RT. 1999. p. 168.

    ,fv No sc pretende, com isso. retornar dicotomia do direito pblico e do direito privado, porque, com a consiitucionalizao dos princpios fundamentais do

    \

  • PROCESSO CIVIL L KLLAO JURDICA PROCESSUAL 4 5

    los dc ao e de defesa assegurados pela Constituio, reconhecendo a titularidade dc posies jurdicas ativas em relao autoridade estatal.

    O status jurdico dc direito subjetivo a prova (orna possvel contextualizar a problemtica probatria no enfoque constitucional. A Constituio Federal brasileira dc 1988 assegura a garantia do acesso

    O direito prova uma conquista do Estado D em ocrtico de Direito que pretende aproximar os consumidores da justia dos rgos estatais responsveis pela tutela jurisdicional dos direitos. Visa assegurar a possibilidade de as partes se valerem de todos os meios dc prova

    proccsso civil, sobretudo com a noo de acesso ordem jurdica justa, consagrada no art. 5., XXXV. CF. iodos os direitos substanciais, mesmo aqueles que tradicionalmente seriam classificados como privados (por exemplo. o direito civil c o comeivial), passam a ser tutelados de modo uniforme pelo direito processual. Ademais, como assevera .1. J. Gomes Canolillio, os direitos, liberdades e garantias so direitos subjetivos independentemente do carter pblico ou privado; logo, a tutela dos direitos fundamentais no sc restringe s relaes entre Rstado-cidado, bem como no derivam, necessariamente. do carter imperativo da lei (Direito constitucional. 6. ed. Coimbra : Almedina. 1995. p. 600). CL, sobre este ltimo aspecto: Adolfo Di Majo. La tutela civilc dei diriui. cit. p 13-14.

    :'y Nesse sentido, cf. Antonio Magalhes Gomes Fillio. Direito prova no processo penal, cit. p. 172; Nicol Trocker. Proccsso civile e costituzione, cit. p . 523. nota ! 9; 1 lernnndo Devis Ecluuidia. Teoria general de la prueba judiciai, cit., t. I. p. 34-40. Cndido Rangel Dinamarco. todavia, rejeita a idia de direitos processuais; por isso, considera que a idia de direito prova" corresponde s noes de faculdade (isto c. de liberdade das partes de produ zirem as provas >e de poder de exigir a realizao de atividades probatrias pelo juiz. Cf. A instn ano i tal idade do pmeesso, cit. p. 245, nota 8 e 284.Segundo Hernando Devis iichandia. a obligacin del juez a decretar, practicar y tener en cuenta las pruebas pedidas por Ias partes, emana del dereeho subjetivo que Ias Cosliluciones les otorgan a estas para scr odas al ser juzgadas (Const. Colombiana, art. 26) y que est compreendido en los derechos de accin y de contradiccin" (Teoria general dc la prueba judiciai cit. t. I, p. 40).

  • 4 6 DIREITO CONSTITUCIONAL PROVA NO PRO CliSSO CIVIL

    que se revelem idneos e teis para demonstrar a verdade ou falsidade dos fatos alegados e que sirvam com o suporte para as suas respectivas pretenses e defesas/1 Compreende, tambm, a proibio ao legislador infraconstiiueional de colocar obstculos no razoveis que impeam ou dificultem a utilizao cias provas dos direitos buscados em juzo. 0

    De qualquer modo. de nada adiantaria assegurar quaisquer direitos processuais s partes se no houvesse, por parte do Estado, alguma espcie de dever ou de obrigao que o fizesse cumprir esses direitos;5'5 nesse caso. os direitos processuais fundamentais, previstos na Constituio, seriam meramente formais e a democracia perderia seu sentido real, porque o exerccio do poder passaria a ser arbitrrio, llcando as parles interessadas alijadas do processo de formao do convencimento do ju iz e, a foriiori. restaria comprometida a legitimidade do sistema processual.

    Nesse sentido amplo, o direito subjetivo h prova deve abranger no s o direito introduo do material probatrio, mas tambm o direito participao em todas as fases do respectivo processo. Quanto ao contedo estrutural, nele estarjam compreendidos o (i) direito a proposio das provas, o (ii) direito utilizao e efetiva produo das provas relevantes, pertinentes e admissveis, bem com o o (iii) direito valorao da prova.

    Porm, o direito publico subjetivo prova no absoluto e pode ser restrito em cada processo, segundo as noes de relevncia, pertinncia, necessidade, utilidade, admissibilidade, razoabil idade, proporcionalidade e efetividade, a serem detalhadas no transcurso deste trabalho.

    Cf. Luigi Paolo Comoglio. I.c prove civile. cit. p. 54: Nicol Troeker. Processo dviie e eosiitzione. cit. p. 520; Midielo Tarufo. m prova dei Jau i giuridid. Nozioni genendi. Milo . Giulrc, 1992. p . 331, nota 102; Jos Almagro Nosete. Garantias C o n s t i tu c io n a le s del p r o c e s o c i v i l . Jusiicia, vol. SI. p. 33-34; V i l lo r i o G r e v i . Ptvfti dei nttovo Cdice di Procedma Pena,'e.2. ed. Padova : Cedam, 1991. p . 176.Mauro Cappclletti e Vicenzo Vigoritti. I diriui costiiuzionale delle parle nel processo civile iialiano. Kivista di Diritto Pwcessuate, 1971. p. 438.O constituinte brasileiro dc 1988 parece ter se inspirado nessa conscincia democrtica quando, por exemplo, ao traar os princpios cstmiurantes do Poder Judicirio, incluiu o dever de motivao das decises (art. 93. IX). Portanto, a prpria Constituio pode atribuir limites atuao do Estado, uma vez que. apesar dc exercer o monoplio da jurisdio, o Estado est subordinado a um poder superior - o Poder Constituinte que a manifestao da vontade poltico-institueional cio povo, de quem emana iodoo poder (art. I.. pargrafo nico. CF).

  • CONCEITO DE PROVA

    2

    SUMRIO: 2.1 Pluralidade do lermo prova - 2.2 Reconstruo ou aceriamenio dos fatos no processo - 2.3 Limites reconstruo dos fatos.

    2.1 P lu ralidade do term o prova

    Etim ologicam enie, o termo prova provm do latim probo, probano e probus} Probits significa bom, reto, honrado, sendo possvel, ento, afirmar que o que resulta provado autntico ou corresponde verificao ou demonstrao da autenticidade (lembrando que a palavra autntico deriva do latim authen!ia

  • 4 8 DIREITO CONSTITUCIONAL PROVA NO PROCCSSO CIVIL

    Dentro dessa concepo plural, destaca-se a noo tripartida dn prova, que a conceitua com o atividade, meio e resultado'

    Com o atividade, a prova sinnimo de instruo ou conjunto de atos, realizados pelo ju iz c pelas partes, com a Finalidade de reconstruo dos fatos que constituem o suporte das pretenses deduzidas e da prpria deciso. O com plexo dc atividades, mais ou menos regulado pela lei. denomina-se procedimento probatrio.

    Com o meio, a prova vista com o um instrumento pelo qual as informaes sobre os fatos so introduzidas no processo. A prova, nesse sentido, visa a form ao do convencimento do ju iz (i udici f i t proba ti o) sobre a existncia ou no dos fatos constantes do the ma probandum .5

    Como resultado, prova 6 sinnimo de xito ou de valorao, consubstanciado na convico do ju iz. Percebe-se, por esse aspecto, que a noo de prova envolve aspectos objetivos (atividades, meios), mas tambm subjetivos (est voltada a buscar a verdade ou a certeza dos fatos discutidos 110 processo)/' O ju iz pode formar livremente a sua convico; todavia, essa liberdade no irrestrita, no c.onfundindo-se

    ProtoPisani. Lezionididirittoprocessuale civile. 2. ed. Npoles: Jovcne, 1996. p.445;MicheleTanif.Prova(jngencrale)./^e/o^eWe/j.CiV^ne ^'fva/./o,fe. Se-ione civile. Turim : Utet; 1992. vol. XVI. p. 7-8: Moacyr Amaral Santos. Prova judiciria no cvel e comercia!, cit. vol., 1, p. 11-12; Antonio Magalhes Gomes Pilho. Direito prova no proccsso penal, cit., p. 41 -42.Verificar: Jos de Castro Mendes. Do conceito de prova em processo civil. Lisboa : Edies Alica, 1957. p. 51-280; Santiago Sentis Mclcndo. Naturalc/a dc la prueba. La prueba. Los grandes temas dei derecho prbaioriu, cit. p. 75: Vittorio Demi. Sciemificii delia prova e libera vakilazione del giudice. Rivista di Diritto Processuale. 1972. p. 414: Joan Pic i Junoy. El derecho a la prueba en el proceso civil, cit. p 14-15. nota 8; Egas D. Moniz de Arago. Exegese do Cdigo de Processo Civil. Rio de Janeiro : Aide, 1984. vol. IV.l. I. p. 55; Hlio Mareio Campo. O princpio dispositivo en; direito probatrio. Porto Alegre : Livraria do Advogado. 1994. p. 18.Giuseppc Chiovenda. Instituies de direito processual civil. Trad. de J Guimares Menegalc. So Paulo: Saraiva. 1965. vol. III. p. 91. Enrico Tullio Liebman, neste sentido, tambm asseverou: Si chiamano prove i mezzi che servono a dare la conosccnza di un fatio c perci a forninc la dimostrazionc e a formate la cor.vinzionc delia veril del farto mcdvsimo" (Manmie di diritto processuale civile. 3. ed. Milo : Giuffr. 1974. vol. II, p. 68).

    :4> Joo Monteiro. Program/na do curso de processo civil. 5. ed. Sito Paulo : Typologia Acadmica. 1936. p. 339; Moacyr Amaral Santos. Prova judiciria no cvel e comercial cit., vol. I, p. 2.

  • CONCLUO DE PROVA 4 9

    com o arbtrio. Com efeito, deve ser exercida com responsabilidade e, por isso, exige-se que o ju iz motive racionalmente a sua deciso. Para poder motivar sua deciso, o juiz, na atividade de valorao da prova, deve, basicamente, comparar aquilo que foi alegado com aquilo que foi provado. Havendo dvidas quanto existncia dos fatos, o ju iz , para melhor esclarec-los. pode valer-se dos poderes de iniciativa probatria, previstos na lei processual, e , persistindo as incertezas, aplicar o art. 333 do C PC , com o regra de julgamento.

    2.2 R econ stru o ou aeertam ento dos fatos no processo

    Os fatos so objeto dc afirm ao ou negao no processo, e as provas so modos de verificao das proposies formuladas pelos litigantes em ju zo .7 A prova serve para iluminar o ju iz quanto s questes de fato.8}

    As provas fornecem ao ju iz os elementos necessrios para a reconstruo, em ju zo , de acontecim entos passados,* com a finalidade de que ele possa formar o seu prprio convencimento sobre a verdade ou no dos latos histricos alegados pelas partes. A atividade do ju iz consiste na verificao da veracidade ou da falsidade dos fatos principais (ou probandum) alegados pelas partes, bem com o na tomada de uma escolha decisria, dentre as solues (ou verses) possveis em relao a fa tt isp ec ie^ aplicvel ao caso concreto, devendo adotar

    Eduardo J. Couture. Fiwdfmentos del Derecho piveesuf civil. Buenos Aires : De palma. 1990. p. 217.Nas Ordenaes Filipinas (Liv. III. Tt. 63). dizia-se que a prova o farol que deve guiar o juiz nas suas decises (Cf. Antnio Carlos dc Arajo Cintra, Ada PeHegrini Grinover e Cndido Rangel Dinamarco. Teoria gerai do processo. 13. ed. So Paulo : Malheiros, 1997. p. 352).1;rancesco Carneluiti. baseando-se em uma explicao ctiiholgica, afirma quc fatio facere, sendo o particpio passado do verbo falto facere, pertence ao tempo passado. Assim, o processo teria a luno de reconstruir o passado {Diritto eprocesso. Npoles : Morano. 1958. p. 95). Giovanni Verde tambm ensina que "il inezzo di prova quindi Io stiumento

  • 5 0 DIREITO CONSTITUCIONAL. PROVA NO PROCESSO CtVJL

    aquela que, em sendo mais persuasiva, consista no melhor fundamento racional da deciso. Todavia, o ju iz pode vir a verificar os fatos principais pela mediao de fatos secundrios (ou factum probans) que, uma vez comprovados, permitem, com o auxlio dos demais meios probatrios disponveis, por um processo lgico-m ental dedutivo, levar ao conhecim ento do fato probanditm.n

    A utilidade da prova, com a finalidade de acertamento dos fatos, subsiste, pois, em duas hipteses: i) se a prova verte diretamente sobre mn fato da causa, que integra o thcniQ probondum e

  • CONCETO DL: PROVA 5 1

    Isso ocorre porque o ju iz , em lelao causa, um terceiro ausente. Alis, exige-se que o juiz seja imparcial (arts. .14-138. C PC ), isto > que. salvo excepcionalm ente (por exemplo, art. 334 , I. C PC ), no saiba dos fatos sobre os quais deve ju lg ar;15 caso contrrio, os fatos no precisariam ser reconstrudos no processo, bastando confiar no conhecimento privado do juiz . o que seria altamente temerrio, pois retiraria do processo o seu carter publicista.

    Na atividade de reconstruo dos fatos, a tarefa do ju iz se assem elha daquele que, pea por pea. monta um quebra-cabeas'*'.' M as, por se tratar de uma situao real. aproxima-se tambm da atividade do historiador.37

    Para que a situao ou o momento de vida passados sejam bem recompostos, o juiz pode contar com o auxlio de todos aqueles que possam colaborar, a com ear pelas partes, que estiveram mais envolvidas com os fatos, passando pelas testemunhas, as quais presenciaram ou vieram por algum modo a saber dos fatos, pelos tcnicos e auxiliares do ju zo , que tcin os conhecim entos especficos para compreender os fatos, mas tambm pelos procuradores das partes c peJos juristas, os

    esprito" (La gnesis lgica de la sentencia civil. Estdios sobre el proccso civil. Trad. de Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: Editorial Bibliografica Argentina. 1945. p. 378).

    ir" Giuseppe Capograssi afirma que o juiz deve ser assemelhado a uma "pgina branca, no podendo saber de nada, o que gera uma situao paradoxal, pois confere-se a um estranho o poder de julgar aquilo que ito pde ver ou ouvir. Ressalta que li;1 algo de mgico no processo, fazendo ressurgir no presente algo que pertence ao passado, tornando i medi ai o aquilo quo desapareceu, representando sentimentos que j foram apagados, tomando ntegra uma situao decomposta (Giudizio processo seienza verit. Rivisia di Diritto Pwcessuak, 1950. p. 4-7).

    y' Cabe ao juiz a tarefa de composio do pu::Je composto pelos fatos provados, tirando as conseqncias jurdicas cm termos de correspondncia/nSo correspondncia entre tais fatos e fattispecie jurdicas que lhe so aplicadas. Cfr. Michele Taniffo. Ja provo dei fatti giuridici, cit. p. 290-291.

    17 Tanto o juiz quanto o historiador sXo chamados a indagar sobre fatos do passado c a buscar a verdade desses fatos. Suas tarefas exigem imparcialidade e objetividade, devendo eles escolher c reconstruir dados preexistentes, porque tem um problema a ser resolvido e. portanto, um juzo a formular, verificando a veracidade de certos fatos relevantes e dando-lhes uma cena qualificao. Cf. Piero Calamandrei. II giudice e Io storico. Ri visto di Diritto Processmle Civile. 1939. p. 105-107.

  • 5 2 DIREITO CONSTITUCIONAL A PROVA NO PRO CESSO CIVIL

    quais so aqueles que sabem expressar racionalm ente as pretenses e defesas d elas.IX

    Entretanto, os fatos no so um dado. mas. ao contrrio, algo a ser investigado, construdo, n o processo, a partir do resultado da atividade probatria desenvolvida pelas partes, em colaborao com o ju iz, e da valorao a ser atribuda a essas provas. O s fatos, por si s, no tm sentido;;: so as partes, conform e a leitura que fazem desses fatos, segundo seus interesses,:| e o ju iz , conform e o seu dever de resolver os conflitos dc interesses para pacific-los com justia, que. ao longo do procedimento participativo, vo dar significao aos fatos. O mundo em prico, por ser exterior, deve ser trazido ao processo, no com o um dado, mas com o algo a ser investigado, confrontado e, portanto, construdo; enfim , o sentido dos fatos, para a soluo das controvrsias jurdicas, obtido ao longo da celebrao dialtica e contraditria do procedimento.

    Alm disso, pode-se afirmar que, por meio da prova, busca-se a configurao dos fatos sobre as questes a serem decididas no processo .v; Os fatos pertencem ao passado, mas essas questes podem estar

    " Como o juiz, geralmente, nSo pode presenciar os fatos, deve refletir a partir de sinais que significam, embora no sejam a coisa significada. Atravs das "sombras das coisas", procura refazer o passado. Todavia, no basta que o juiz reconstrua os latos pretritos. 6 necessrio, tambm, que busque um critrio de valorao, capaz cie adequara generalidade da lei s circunstncias do caso concreto. Por isso. para Giuseppe Capugrassi, o juiz n?,o tem nada, nem a lei (j que esta c. antes do fato, pura abstrao), devendo, para estar em condies dc julgar, dar sentido aos fatos e s leis. Cf. Giudizio processo scienza verit. cit. p. 4-7.Salvatore Patti. Prova (Diritto processuale civile). Enciclopdia xittridica. Roma : Isiituto Poligrafico e Zecca dcllo Stato, 1991. p. 1.A compreenso pressupe uma relao vital entre o intrprete e o fato a ser interpretado. O intrprete, com os seus valores, percepes e sentimentos, tambm se encontra na situao ftica quo interpreta.

    ':I A estratgia que as partes utilizam na argumentao importante para atribuir aos fatos os efeitos desejados. Por isso, Eduardo Couturc. baseado no aforismo "provar vencer", explica que provar c a tarefa pela qual as partes tentam persuadir o j uiz quanto verdade dos l atos. Ver: Garantias Constitucionales del proceso civil. Estdios de derecko procesal civil Tomo !. La Constitucin y el proceso civil. 2. ed. Buenos Aires : Depalma, 1978. p. 65.Jos Frederico Marques. Elementos dc direito processual penal. Rio de Janeiro : Forense, 1961. vol. II, p. 272.

  • CONCEITO Dli PROVA 5 3

    acontecendo no presente ou ter ;t probabilidade de virem a acontecer no futuro. Por exemplo, o ju iz pode, a requerimento da parte, decretar o seqestro de bens do casal, nas aes de separao, se um dos cnjuges os estiver dilapidando (art. 822.111, C PC ). Percebe-se que no necessrio que se dilapide todo o patrimnio para que a leso ou ameaa de leso ao direito se concretize. Nesses casos, basta a prova de que. por exemplo, um ou alguns dos bens foi colocado venda (v.#., atravs de anncio nos classificados do jornal, mediante a apresentao de uma procurao que autoriza uma imobiliria ou um terceiro qualquer a alienar um imvel etc.). Portanto, ainda que a prova esteja voltada reconstruo de uma situao pretrita, isso no significa que o processo no possa ter uma Funo preventiva ou inibitria, ate porque a ocorrncia de um Fato pode ser o antecedente lgico e cronolgico para a realizao de outros que venham a ser considerados ilcitos e/ou danosos. Por exem plo, quando uma em issora de televiso anuncia que mostrar, em um programa a ser veiculado dias depois, fotografias ntimas de um artista, esse fato (ou melhor, ato), por si s, no ilcito, nem danoso, mas suficiente para a caracterizao da am eaa de leso aos direitos da personalidade dessa pessoa, quando a divulgao dessas fotos no tiver sido autorizada.*

    2.3 L im ites reconstru o dos fatos

    Apesar de a prova estar voltada ao acertamento das situaes fticas, h uma srie de limitaes que dificultam ou impossibilitam que a reconstruo desses fatos corresponda realidade.

    O ju iz, ao contrrio do historiador, no tem ampla liberdade para escolher o objeto da investigao, devendo reconstruir um evento histrico que interessa s partes.21 Alis, est diante dc uma demanda, a qual deve restringir-se ao julgam ento do pedido, para no incorrer na nulidade da sentena (arts. 128 e 460 do CPC )/5

    Nesse sentido, cl\: Luiz Guilherme Mnrinoni. Tutela inibitria (individual e coletiva). S o Paulo : RT, 1998. p. 48.

    '-4> Giuseppe Capograssi. Giudi/.io processo scienza veriti, cit. p. 10. f!5' Aqui. podem ser colocados os problemas relacionados ao princpio da

    congruncia, da adstrio ou da conelaXo da sentena com o pedido, evitando as sentenas citra (aqum), extra (alm) e ultra (fora) do pedido. Na orientao jurisprudencial do TJPR. infringe o princpio da congruncia

  • 5 4 DIREITO CONSTITUCIONAL PROVA NO PROCESSO CIVIL

    As decises cios historiadores so guiadas somente pela sua perspiccia e intuio. As decises judiciais, ao contrrio, so o resultado de um procedimento que vincula o juiz. Por isso conhece os fatos, geralmente, por m eios indiretos, no podendo valer-se de seus conhecimentos pessoais.'y' D esse modo. procura-se garantir a imparcialidade do ju zo , evitando que os fatos fujam do controle do contraditrio.

    Afinal, se fosse possvel que o ju iz se valesse dc seus conhecimentos privados, ele poderia ser ouvido com o testemunha, ao contrrio do que dispe a regra do art. 40 5 . 2., III. do CPC. Assim , a percepo dos fatos, pelo ju iz , deve decorrer, necessariamente, de algum elemento probatrio constante dos autos, mesmo porque as provas so produzidas para o processo, no para um determinado magistrado. Ademais, o processo, incluindo as inmeras mudanas de ju izes e a fase rccursal, geralmente passa por mais de um julgador, devendo existir nos autos a prova necessria para persuadir o rgo judicial competente para o julgamento. A vedao da utilizao do conhecimento privado procura evitar que o ju iz atribua critrios eminentemente subjetivos quo, no se sujeitando ao contraditrio das partes, poderia tornar a deciso arbitrria e dificilm ente controlvel pelas partes.-'

    Essa proibio, todavia, no rgida, comportando excees, previstas na lei, tais com o a possibilidade do uso de mximas da

    a sentena que no se adsiringe aos exatos limites traados pelo pedido (Ap Cv. e Reex. Nee. 42.117-0 - 6/* C. C. - rel. Des. Teimo Clierem - Ac. 471- unfui. - j. 06.12.1995}. Dc mesmo modo. o \.a TACiv-SP asseverou que a inicial traa os limites para prestao jurisdicional. A questo proposia polo autor dada uma resposta pela sentena. Esta, porm, no pode ser diversa da que foi pleiteada. A inobservncia dsse critrio infringe o disposto no art. 460 do CPC. ocasionando a nulidade da deciso (Ap. Cv. 400.282- 0 - 2. C. C. - rel. juiz Bruno NettO - j. 21.08.1988 JTACivSP vol. 113. p. 307). C.. ib.: Cndido Rangel Dinamarco. O conceito dc mrito em processo civil. Fundamentos do processo civil moderno. 2. ed. So Paulo : RT. 1987. p. 186-187.0 juiz, ainda que j conhea os fatos, n.o pode valer-se desse conhecimento, seno pelas provas constantes dos autos; assim, o acesso do juiz aos latos d-se. necessariamente, pelos meios de prova. Cf. Jos Carlos Barbosa Moreira. O juiz e a prova. cit. p. 178.1 Aiigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele Taruffo. Lezioni sui processo civile. cit. p. 510.

  • CONCLUO l)E PROVA 5 5

    experincia e dos fatos notrios/' as quais so hipteses que, po