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EDUARDO ABREU. UM REPUBLICANO ESQUECIDOJORGE FORJAZ Forjaz, J. (2010), Eduardo Abreu. Um republicano esquecido… Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 19: 147-177. Sumário: Eduardo Abreu nasceu em Angra do Heroísmo a 8.4.1858 e morreu em Braga a 4.2.1912. Doutor em Medicina pela Universidade de Coimbra, especializou-se em Bacterio- logia, mas cedo se dedicou a uma carreira política que começaria pelo Partido Progressista onde foi eleito por diversas vezes para as Cortes. Muito crítico em relação á actividade do governo, mesmo o apoiado pelo seu próprio Partido, acabou por ingressar nas fileiras do partido Republicano na sequência do Ultimato inglês ao governo português (1890). Eleito deputado pelo Partido Republicano, foi diversas vezes nomeado membro do Directório Republicano, marcando a actividade política do seu partido por uma permanente intervenção cívica. Após a proclamação da República foi, pela primeira vez, eleito deputado pelo seu círculo natal, e teve um papel fundamental na discussão dos mais candentes assuntos que estiveram em discussão na Assembleia Nacional Constituinte. A sua prematura morte em 1912 calou uma das vozes mais críticas daquele tempo político português. Forjaz, J. (2010), Eduardo Abreu. A forgotten Republican… Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 19: 147-177. Summary: Eduardo Abreu was born in Angra do Heroismo on the 8 th of April 1858 and died in Braga on the 4 th of February, 1912. A Medical Doctor graduated from the University of Coimbra, he specialized in bacteriology, soon devoting himself to a political career that would start in the Progressive Party where he was elected several times to the Cortes. Very critical about the government activity, even when supported by his own party, he ended up joining the ranks of the Republican Party following the British Ultimatum to the Portuguese government (1890). Elected by the Republican Party, he had been appointed several times as a member of the Republican Directory, participating in the political activity of his party with a permanent civic intervention. After the proclamation of the Republic he was for the first time, elected by his home circle, and played a key role in discussing the main issues that were debated in the National Constituent Assembly. His untimely death in 1912 silenced one of the most outspoken critics of the Portuguese political scene of that time. Jorge Forjaz – [email protected] Palavras-chave: Eduardo Abreu, Medicina, Parlamento, Partido Progressista, Ultimato, Partido Republicano, Directório, propaganda, eleições, Assembleia Nacional Constituinte. Key-words: Eduardo Abreu, Medicine, Parliament, Progressive Party, Ultimatum, Republican Party, Directory, propaganda, National Constituent Assembly.

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Eduardo abrEu. um rEpublicaNo EsquEcido…

JorgE forJaz

Forjaz, J. (2010), Eduardo Abreu. Um republicano esquecido… boletim do núcleo cultural da Horta, 19: 147-177.

Sumário: Eduardo Abreu nasceu em Angra do Heroísmo a 8.4.1858 e morreu em Braga a 4.2.1912. Doutor em Medicina pela Universidade de Coimbra, especializou-se em Bacterio-logia, mas cedo se dedicou a uma carreira política que começaria pelo Partido Progressista onde foi eleito por diversas vezes para as Cortes. Muito crítico em relação á actividade do governo, mesmo o apoiado pelo seu próprio Partido, acabou por ingressar nas fileiras do partido Republicano na sequência do Ultimato inglês ao governo português (1890). Eleito deputado pelo Partido Republicano, foi diversas vezes nomeado membro do Directório Republicano, marcando a actividade política do seu partido por uma permanente intervenção cívica. Após a proclamação da República foi, pela primeira vez, eleito deputado pelo seu círculo natal, e teve um papel fundamental na discussão dos mais candentes assuntos que estiveram em discussão na Assembleia Nacional Constituinte. A sua prematura morte em 1912 calou uma das vozes mais críticas daquele tempo político português.

Forjaz, J. (2010), Eduardo Abreu. A forgotten Republican… boletim do núcleo cultural da Horta, 19: 147-177.

Summary: Eduardo Abreu was born in Angra do Heroismo on the 8th of April 1858 and died in Braga on the 4th of February, 1912. A Medical Doctor graduated from the University of Coimbra, he specialized in bacteriology, soon devoting himself to a political career that would start in the Progressive Party where he was elected several times to the Cortes. Very critical about the government activity, even when supported by his own party, he ended up joining the ranks of the Republican Party following the British Ultimatum to the Portuguese government (1890). Elected by the Republican Party, he had been appointed several times as a member of the Republican Directory, participating in the political activity of his party with a permanent civic intervention. After the proclamation of the Republic he was for the first time, elected by his home circle, and played a key role in discussing the main issues that were debated in the National Constituent Assembly. His untimely death in 1912 silenced one of the most outspoken critics of the Portuguese political scene of that time.

Jorge Forjaz – [email protected]

palavras-chave: Eduardo Abreu, Medicina, Parlamento, Partido Progressista, Ultimato, Partido Republicano, Directório, propaganda, eleições, Assembleia Nacional Constituinte.

Key-words: Eduardo Abreu, Medicine, Parliament, Progressive Party, Ultimatum, Republican Party, Directory, propaganda, National Constituent Assembly.

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Eduardo abrEu

um rEpublicaNo EsquEcido …

… e no entanto, quando morreu, António José de Almeida escreveu a seu filho Miguel a seguinte carta:

«miguel:Seu pai era um homem singular. Além do seu valor positivo havia nos aspectos intelectuais da sua vida qualquer coisa de estranho que lhe dava relevo e originalidade. É por isso que ele foi, durante um momento largo e fecundo, um homem querido das multidões.A inteligência é uma grande quali-dade, mas só por si tem um brilho monotono que se a faz notada, a não torna interessante e, no proprio caracter dos homens, se não houver qualquer nota rara e invulgar, êles passam pelo mundo como boas pessoas, que todavia não conseguem fazer grandes coisas.A banalidade é para os homens o que a atrelagem é para os cavalos: – amesquinha-os, e doma-os. por mais garbo, distinção, altenaria que êles tenham de seu natural, a sua personalidade passa desperce-bida como uma coisa mecanica que não deslumbra ninguem, porque parece susceptível de se mandar fazer de encomenda.no mundo só triunfa a individua-lidade a que a natureza imprimiu, com o seu pulso nervoso, uma

marca especial. Aquêle que trouxer gravado no flanco o ferro comum do senhor Todo-o-mundo, como um ferro de caudelaria, pode pertencer a boa raça, mas não é um grande exemplar, destacando-se orgulhoso e ofuscante da massa dos seus con-generes.por isso mesmo, Eduardo Abreu foi um homem notavel que deu nas vistas e fez epoca.Você, miguel, talvês nem desse por isso, porque os olhos dos filhos, quando êles amam os pais, teem sempre diante de si essa especie de poeira luminosa de que fala lamar-tine, que lhes refrange a visão, alte-rando, num sentido ou noutro, a miragem das coisas.no entretanto, o miguel deve ter notado que seu pai, que era um sarcasta terrível, tinha a sensibili-dade amorosa de uma criança. por cada lágrima que lhe acudia aos olhos, desfechava-se-lhe um sorriso tremendo nos labios. nêle, a emo-ção calçava as sandálias da ironia, e, quando, nos combates, êle despe-dia do seu arco, como os pastores das velhas montanhas da grecia, algum sarcasmo pungente, a flecha levava, para se equilibrar no ar, um penacho de melancolica bondade.Você não se lembra, mas recordo-me eu, que sou mais velho. no dia em que êle foi ali à praça de camões, para, no dizer de Fialho, cobrir de crepes o homem dos “luziadas”,

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houve um rapazote de 18 anos que trepou pela estatua, para ir lá em cima pendurar dos bicos da corôa do poeta os panos negros do luto nacional. É então que Edu-ardo Abreu atira contra a face dos governantes portugueses uma ironia satanica, que estalou como se fosse dada pela mão em braza de Juvenal. mas logo, carinhoso e familiar, êle bradou para o rapaz: “Tu tens mãe? Tens. E tem talvez fome? Talvez. pois então leva-lhe esta libra e dá-lha, para que ela se lembre do dia de hoje”.Quer dizer que êle nunca batia pelo prazer de castigar, e quando era obrigado a fazê-lo, numa indemni-sação de caracter social, procurava instinctivamente alguem a quem pudesse fazer bem. Tinha o senti-mento da equidade e a clava com que abatia os preconceitos ou os homens que os serviam, usava-a logo como alavanca para erguer outros homens prostrados e ampa-rar aspirações vencidas.Romantico e dispersivo na sua famosa eloquência, em que houve golpes de gênio, Eduardo Abreu tinha, como poucos, a persistência no trabalho.Á similhança dos domadores de serpentes da india, que, cheios de sonho e devaneio, arrancam ás frautas de cana canticos maviosos para hipnotisar os terríveis ani-mais e todavia teem persistência

para andar pelos asperos e peri-gosos rochedos pendentes sobre o mar, golpeando os pés e as mãos, a procurar os ninhos esquivos dos repteis que pretendem educar, Eduardo Abreu, Homem de qui-mera e poesia, tinha como poucos, quando queria, as faculdades de investigação e de trabalho.Essa longínqua e sombria epoca do “ultimatum” bem o testemu-nhou. A palavra formidavel do tribuno ardia em labaredas que a sua poderosa imaginação ateava como uma rajada de ar quente coada por entre palmeiras. mas êle não era só o declamador gigante envolto no seu pardessus, amplo como o álbornoz de um ermitão. Foi tambem o trabalhador metodico e tenaz que à passividade de um povo quasi inerte arrancou e admi-nistrou os fundos precisos para dar à pátria, nalguns barcos de guerra, o penhor simbólico do seu futuro engrandecimento pelo mar.Tal era seu pai: um mixto de quali-dades raras e contraditórias, que, todavia, nele, como em todos os homens superiores, se harmonisa-vam para produzirem uma ousada compleição triunfante.Ainda agora no fim, viçoso por sinal, da sua vida política êle era o mesmo.Trabalhador infatigável e devanea-dor incorrigível.

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como um arroteador dos campos que de dia andasse semeando e colhendo para depois fabricar, com a farinha do grão maravilhoso, o pão alvo, escarapiado e folhudo, assim êle procurava nos velhos catrapacios, no papel amarelo das crónicas, ou nas paginas maçudas dos orçamentos, o material a que a sua palavra ora ciclonica ora inebriante havia de dar, num ultimo e possante soprar, o poder alado de saturar a atmosfera de idéas uteis que penetrassem a alma portu-guesa, embebendo-a de claro saber e ponderada orientação.Tal era seu pai, miguel, não sendo preciso dizer que no conjunto de predicados que formavam como que a rede eléctrica do vasto sistema da sua organização moral, havia como motor, impulsionando toda a ener-gia e todo o esforço, um coração magnanimo, impreterrito e leal.E é por isso que êle faz grande falta.mas ainda agora reparo que salien-tar assim, neste momento, aos seus olhos a grandesa de seu pai, será aumentar correspondentemente a sua dôr de filho.Se assim é, devo seguir o conselho do latino que dizia ser a Dôr uma féra temível, que, em certas ocasiões, tão perigoso é querer amançá-la, como noutras irritá-la.SeuAntónio José de Almeida».

*

tal era Eduardo Abreu, falecido em Braga a 4.2.1912…Em 2002 publiquei na Academia Portuguesa da História a correspon-dência política para o dr. Eduardo Abreu, na qual inclui a correspon-dência trocada com cerca de 150 correspondentes e que documentam largamente este conturbado período da história de Portugal. Fiz preceder a correspondência, profusamente ano- tada, de uma cronologia bio-biblio-gráfica a que dei o título de «o itine-rário de um inconformista». Era uma figura esquecida que assomava ao limiar da História, e sendo que era a primeira vez que se ensaiava uma biografia de Eduardo Abreu, tudo quanto ali se contem é, na realidade, inédito. Assim, só a leitura completa desse trabalho poderá dar uma visão de conjunto desta riquíssima e origi-nal personalidade.Não sendo tarefa fácil, tentarei, no entanto, resumir o que aí deixei escrito, a bem do objectivo desta publicação que se inscreve nas comemorações do Centenário da República, e em que se lembram as figuras axiais de Arriaga e teófilo, os outros dois açorianos que acompanharam Eduardo Abreu na gesta da propaganda republicana e nos primeiros tempos de afirmação do novo regime.

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Eduardo Abreu, com 25 anos e os trajos académicos. Coimbra, 1880. Col. do autor.

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Eduardo Augusto da Rocha Abreu nasceu na casa de seus pais na Rua de São João, freguesia da Sé, em Angra do Heroísmo, a 8.4.1858, filho de Bento José de Matos Abreu, já então um abastado comerciante da praça de Angra, e de D. Amélia Borges da Rocha, aquele de Amares, Braga, e esta da Miragaia, Porto. Seu pai regis-tou então no seu caderno de notas: «na madrugada do dia 8 Abril 1858 (Domingo de páscoa) principiarão as dores, e pelas 2 oras da tarde deu a lus um menino, perfeito. no domingo 6 maio baptisado na Sé sendo padrinho mel Antº de mattos e m.er D. luisa da Rocha e Sousa por procuração, e fes as vezes de padrº Dr. lº A. Sz. ptº 1 e de madrª J. m. g. branco. nome: Eduardo».

Em 1871 saiu pela primeira vez da terceira, a caminho do Seminário de Coimbra para estudar os prepa-ratórios. Escreverá então ao seu pai uma longuíssima carta que é um ver-dadeiro retrato do que era o dia a dia num estabelecimento de ensino como aquele, e revelando já os seus dotes de prosador imaginativo e rico. Em 1875 acabou os preparatórios e logo

se matriculou no 1.º ano de Mate-mática da Universidade de Coimbra, iniciando assim o seu trânsito univer- sitário, onde em 1878 declara na secretaria que quer passar a assinar--se somente Eduardo Abreu, nome porque se haveria de afirmar na vida científica e política. Em 1878 decide inscrever-se em Medicina, onde será sempre aprovado com as máximas notas.Em 1880, ainda antes de terminar o 2.º ano, publica o seu primeiro traba-lho científico – Sur les terminaisons nerveuses dans les muscles striés de la grenouille, «Estudos Médicos», Coimbra, Imprensa da Universidade, 21/22, Jan./Fev. /l880, e redige, numa primeira afirmação da sua capacidade de intervenção cívica, o programa dos festejos do tricentenário de Camões em Coimbra, que decorrerão até Maio de 1881. Coordenou todas as festi- vidades e fez parte, especificamente, das sub-comissões do «Préstito da Instrução», da «Iluminação», das «Danças Populares» e da «ornamen-tação do Largo da Feira». Integrada nessas comemorações realizou-se no teatro Académico uma reunião magna da Academia.

1 o Dr. Lino António de Sousa Pinto era então juiz da comarca de Angra e era amigo da família Abreu. Quando alguns anos depois ambas as famílias tiveram filhos nascidos quase ao mesmo tempo, a ambos foi posto o nome de José Júlio – um seria o comer-

ciante e administrador bancário José Júlio da Rocha Abreu (bisavô do autor), o outro o bem conhecido pintor José Júlio de Sousa Pinto (que haveria um dia de fazer um magnífico retrato a óleo de Bento José de Matos Abreu, hoje propriedade do autor).

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Conta Joaquim Martins de Carvalho 2: «n’este dia realisou-se no theatro Académico a reunião de toda a aca-demia, com o fim de discutir e votar o seguinte protesto, elaborado pelo distincto alumno do 3º anno de medicina, o sr. Eduardo de Abreu, o qual egualmente foi o auctor do programma das festas:“consultada pelo governo, em por-taria de 6 de Julho de 1866, a uni-versidade respondeu, em relatorio do professor dr. Fernandes Vaz, approvado em claustro pleno de 10 de Abril de 1867:“projecto de regimen escolar e poli-cial dos alumnos – Art 3º. – Devem extremarse escrupulosamente as faltas que os estudantes commette-rem como académicos das que pra-ticarem como particulares”.“n’este dia de liberdade, a grande commissão académica do tri-cente-nario de camões protesta veemen-temente contra a indifferença dos governos, que não têm traduzido em lei um principio tão salutar, e pede o auxilio da imprensa e de todos os homens liberaes para que termine o absurdo, a affronta e a perseguição dos estudantes estarem sujeitos a dois processos e a duas penas nos delictos que commettem como particulares.”

A assembleia approvou por unani-midade este documento, sendo por essa occasião acclamado o auctor, e affirmada por uma forma gran-diosa a adhesão de toda a academia à doutrina que e encerra».Pouco depois desta reunião verificou--se a inauguração do monumento a Luís de Camões, em cerimónia pre-sidida pelo Reitor da Universidade. Eduardo Abreu aproveitou a circuns-tância de estarem presentes as mais altas autoridades universitárias e polí-ticas e afixou no solo da coluna do monumento o protesto da academia, perante o espanto das autoridades e os aplausos delirantes dos estudantes presentes.Em 1881 publica Anatomia geral – Histologia do tubo nervoso e das terminações nervosas nos musculos voluntários da rã, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 1881, XX + 157 p. + 4 il., obra que lhe mere-cerá ser eleito em 1882 sócio corres-pondente da Real Academia das Ciên-cias de Lisboa. E nesse mesmo ano a Academia de Coimbra encarrega-o, juntamente com João Arroio, Domin-gos Ramos e Nabaes Caldeira, de a representar nas comemorações do 2.º centenário da morte de Calderon de la Barca em Madrid. Eduardo Abreu discursou na sala académica da Uni-versidade Central e na sessão solene da Academia Jurídica, realizada no teatro Espanhol, em honra dos repre-

2 «o Conimbricense», Coimbra, 10.5.1881, p. 3.

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sentantes da imprensa e academias estrangeiras. «o Conimbricense» publicou 3 uma extensa reportagem sobre esta viagem a Madrid.Em 1882 verificou-se um incidente académico em Coimbra no qual Eduardo Abreu tomou parte activa, ficando célebre a sua intervenção. trindade Coelho conta como foi no seu in illo Tempore 4: «Este inci-dente do palma e do Azevedo e Silva, foi dos mais interessantes do meu tempo de coimbra. Foi por causa da Evolução, um jornal de que o palma era tambem editor, e onde sahiu um artígo do Azevedo e Silva, irreverente para a universi-dade! Foram julgados pelo conse-lho de decanos, que os condemnou a uns dias de prisão e à perda de um anno mas os dias de prisão foram de um grande pagode, por-que à porta da cadeia academica, na rua dos loyos, tinham sempre música à hora de jantar, e cham-pagne e companheiros a rodos; e quanto à perda do anno, remediou--se com uma portaria que revogou o accordão do conselho de decanos, mas que foi arrancada a ferros pelo Eduardo d’Abreu, ao ministro que era então o Fontes! Farto já de tele-graphar ao Fontes sem resultado, o Eduardo d’Abreu apresentou-se na estação de coimbra, quando o

rei D. luiz vinha do porto de inau-gurar os Albergues nocturnos; e depois de conferenciar com Sua magestade, no salão do comboyo, como o rei, constitucionalmente, só lhe dissesse bonitas palavras, e o Fontes, que estava ao pé, nem isso ao menos, o Eduardo d’Abreu vem à plataforma do salão real, e grita assim para a Academia toda: – Estudantes de coimbra! Sua ma-gestade Ei-Rei acaba de me dar a sua palavra d’honra de que logo que chegue a lisboa fará expedir uma portaria readmitindo os estu-dantes Azevedo e palma! – Viva Sua magestade El-Rei!A cara do Fontes não se descreve; mas caso é que logo que chegou a lisboa, a portaria foi expedida, e em coimbra, durante uns poucos de dias, reinou um pagode real!».Em Junho de 1883 realiza o exame do 5.º ano de Medicina, equivalente à formatura (aprovado nemine discre-pante), com informação, em mereci-mento literário, de Muito Bom, com 16 valores. Regressa à terceira e abre consultório na casa de seu pai na Rua de Jesus – «As consultas do medico Eduardo Abreu dadas na casa da sua residência, na rua de Jesus, nº 177, só tem logar do meio dia às duas horas da tarde» 5 – e logo em

3 Edição de 4.6.1881, n.º 3528.

4 1.ª edição, 1902, p. 152.5 «A terceira», n.º 1272, 8.9.1883.

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outubro casa na Ermida de N.ª Sr.ª da Luz em S. Mateus, com D. Adelaide de Menezes de Brito do Rio.A 24.10.1883 é nomeado sub-dele-gado de Saúde de Angra do Heroís-mo, cargo em que se demorará apenas alguns meses, pois logo em Março seguinte entra em conflito com a mesa administrativa da Santa Casa da Misericórdia de Angra, em quem não encontrou o necessário apoio para realizar as reformas que desejava introduzir no Hospital de Santo Espí-rito em favor dos alienados ali reco-lhidos. Este conflito culminará no seu pedido de demissão apresentado a 14 de Junho seguinte, devolvendo todos os seus honorários médicos de um ano de serviço para serem aplica-dos em benefício dos alienados. todo este conflito transpirou para o público através de uma série de artigos publi-cados por ambas as partes e que ter-minou com esta verdadeira catilinária de Eduardo Abreu dirigida ao prove-dor padre José teodoro de Serpa 6: «S.Exª. julgava que eu era seu ini-migo e que assim se colocava bem, escrevendo ou assinando aquelas cartas, como homem, como padre e como provedor d’uma misericordia

– enganou-se redondamente. Em primeiro lugar, porque eu não sou inimigo de S.Exª e nunca lhe con-cedi essa honra. Defendi sempre os meus deveres e direitos, perante uma corporação desvairada, que os esquecera e que os pretendera deprimir. E nada mais. por outro lado, S.Exª colocou-se mal, muito mal, pessimamente, já não direi como homem, porque a carne é fraca, nem como provedor, por-que o capricho é forte, mas como padre que deve ser uma entidade pairando superiormente e serena-mente ás fraquezas carnais e aos caprichos profanos. Repito pois, e com razão: nunca um padre devia ter assinado aquela torpissima cor-respondência. Se S.Exª, está con-vencido de que pode, à vontade, transformar-se de sal da terra em assucareiro de uma misericórdia, – viva n’essa convicção que eu não o perturbarei. mas se pensa que pode impunemente assinar corres-pondências torpes – procure-me outra vez n’aquelle estylo e com aquellas ideias, que eu aparo-lhe as garras e amputo-lhe a lingua – sem dó nem piedade» 7.

6 «A terceira», edição de 14.6.1884 e seguin-tes.

7 Eduardo Abreu reuniu toda a documen-tação relativa a este conflito, ou seja, rela-tórios apresentados ao Governador Civil, atestados, correspondência trocada com a

Santa Casa e outros clínicos, sindicância do Governo Civil, jornais, e tudo quanto se relacionou com o assunto, em dois grossos volumes, que mandou encadernar em inteira de pele, com o seguinte título, na folha de rosto, da sua letra: «A misericordia de

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Em Julho apresenta à Junta Distrital de Saúde um relatório em que sugere as medidas a aplicar na terceira para evitar o cholera-morbus e a 19 de Agosto é nomeado guarda-mor de Saúde interino pelo governo civil de Angra do Heroísmo, cargo em que se demora bem pouco, pois logo 28 de Agosto pede a demissão, que lhe é concedida, por desentendimento total com o governador que, não obstante, lhe concede um louvor «pelo muito zelo com que exerceu o serviço público». As razões desta exoneração estão profusamente expostas no seu livro Algumas fumigações à carga do vapor allemão “Rosário”. Lisboa, typ. Universal, 1885, 112 p., em que, além de profusas considerações acerca do episódio das fumigações manda-das fazer, contra as suas indicações, a bordo do referido navio alemão, também propugna, pela primeira vez em Portugal, a criação de um Minis-tério da Saúde e Instrução Pública, afirmando a dado passo 8:«portugal está atrazadissimo na sua educação higienica, mas numa educação que consiga ter o prestigio das religiões, para ser cumprida por todos que a não souberem compreender. É uma utopia? um ideal? Em sciencia não há utopias, nem sonhos, nem ideais.

Há coisas difíceis de fazer, coisas que hoje se não aceitam, que ama-nhã se não compreendem, que no dia seguinte ainda se não executam. por isso em cada geração vão sur-gindo novos operários desbravando o caminho, por onde num seculo futuro caminhará a higiene, santifi-cando a alma do povo pela limpeza do corpo e o aceio da casa». Poste-riormente, o governo alemão, pelo seu embaixador em Lisboa, barão de Schimidalts, comunicou-lhe que fora agraciado com a ordem de Mérito Militar e Civil em reconhecimento pela sua atitude em defesa dos inte-resses do navio alemão que deman-dara o porto de Angra. Eduardo Abreu recusou receber a condecoração por entender que não fizera mais do que a sua estrita obrigação, entendimento esse que o levou também a recusar a comenda de Santiago da Espada com que o Ministro do Reino Fontes Pereira de Melo o quis condecorar. Em 1885 é eleito sócio da Sociedade das Ciência Médicas de Lisboa e uma vez mais recusará uma venera, pois declina a carta de conselho que lhe fora oferecida pelo então ministro do Reino, Barjona de Freitas.De regresso a Lisboa concorre e é admitido como médico extraordinário

Angra 1884». Esses volumes apareceram há alguns anos à venda no livreiro-antiquá-rio «Biblarte» de Lisboa e foram adquiridos

pela Biblioteca Pública e Arquivo de Angra do Heroísmo.

8 Página 37.

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Aspecto da fachada do teatro D. Maria II, onde se instalou a Comissão da «Grande Subscrição Nacional» (Rocha Martins, d. carlos – História do seu reinado, Lisboa, 1926, p. 1919).

Recibo do donativo de Fialho de Almeida para a «Grande Subscrição Nacional», subscrito por Eduardo Abreu como vogal de serviço (e que preenche todo o recibo) e pelo tesoureiro

Marquês da Praia e Monforte (recibo n.º 6 do caderno 29). Col. do autor.

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do Hospital de S. José e é eleito sócio da Sociedade das Ciência Médicas de Lisboa. Nesse mesmo ano de 1885 deslocou-se a Barcelona, por sua ini-ciativa e à sua custa, para estudar o sistema profilático anti-colérico ini-ciado pelo médico catalão D. Jaime de Ferran, o qual levantou grande celeuma nos meios científicos euro-peus, publicando no ano seguinte as notas de uma viagem de estudo – O médico Ferran e o problema scienti-fico da vaccinação cholerica, Lisboa, typ. Universal, 1885, 256 p., il, obra que mereceu o seguinte comentário de Camilo Castelo Branco em carta dirigida a Ricardo Jorge e a propósito de uma conferência por este proferida em 1884 (Hygiene Social applicada à nação portuguesa) 9: «As melhores páginas publicadas em 85 devem--se a dois médicos: o outro é o E. d’Abreu».Nesse mesmo ano foi a Madrid para assistir aos funerais do Rei D. Afonso XII, motivado pelo sentimento de gratidão pelo monarca que, a seu pe-dido, feito em nome da Academia de Coimbra por ocasião do referido centenário de Calderon de la Barca, indultara um português condenado à morte na Corunha. Na ocasião o

governo espanhol ofereceu-lhe a comenda da ordem de Carlos III, que uma vez mais recusou, na coerência de nada aceitar que gratificasse o que ele considerava serem seus deveres cívicos ou profissionais.Em 1886 foi encarregado de ir a Paris estudar a nova profilaxia da raiva, inaugurada por Pasteur e, no regresso, publica A Raiva, Lisboa, Imprensa Nacional, 1886, 301 p., «obra funda-mental para o estudo dos primeiros passos da bactereologia em portu-gal»10, e que dará origem pela origi-nalidade das conclusões apresentadas a uma acalorada discussão científica entre os mais distintos médicos portu-gueses daquele tempo, e que concluiu pelo estabelecimento em Lisboa de um Instituto de Bacteriologia, ligado à Escola Médica.Em 1887 publica noticia de dois documentos raros relativos ao Hospi-tal Real de Todos os Santos de lisboa, Porto, typ. Sousa & Irmão, 1887, 20 p. trata-se de uma memória sobre o célebre e raríssimo tratado de sífilis escrito em 1539 por Dias de Ysla para uso dos hospitais de Lisboa.Ainda em 1887 é eleito deputado do Partido Progressista pelo círculo de Figueiró dos Vinhos. Começava assim

9 Ricardo Jorge, camilo castelo branco, p. 71.

10 Fernando da Silva Correia, Subsídios para a História da actividade científica da Facul-

dade de medicina de coimbra – A intro-dução da bacteriologia em portugal, «Con-gresso do Mundo Português, Publicações», 13.º vol., 2.º tomo, Lisboa, 1940, p. 256.

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a sua carreira política, que haveria de se sobrepor a partir deste momento à sua própria carreira científica. A 20 de Junho intervém pela primeira vez na Câmara dos Deputados pedindo que o governo mande representantes por-tugueses aos congressos de Varsóvia, Viena e Washington, nos «quais se vão levantar e discutir as questões mais melindrosas da higiene pri-vada e social, avultando entre elas a questão que todos conhecem das vacinações preventivas e a profi-laxia das doenças virulentas, como a tísica, o cólera morbus asiatico, a febre amarela e a raiva canina (...). parecia-me conveniente que o go-verno, obedecendo até à previdên-cia politica, mandasse a esses con-gressos alguns dos nossos homens de ciência, alguns homens compe-tentes, decentemente remunerados, já se vê, para estudarem as ques-tões no lugar dos acontecimentos, a fim de que não suceda que o país só acorde no momento do perigo». o ministro do Reino na sua resposta refere o facto de Eduardo Abreu, embora nomeado oficialmente, ter ido a Paris à sua custa, e termina dizendo: «está ali naquela cadeira um bene-mérito do serviço público»11.A 27.11.1887 toma capelo na Uni-versidade de Coimbra, pronunciando

um discurso pedindo o grau de doutor. As orações académicas e o elogio do candidato foram proferi-dos pelos Doutores António Augusto da Rocha e Daniel de Matos, lentes da Faculdade de Medicina, e pelo Doutor Bernardo António Serra de Mirabeau, decano da Faculdade, que a certo passo afirmou: «O historia-dor que um dia traçar a história da medicina portuguesa neste século, se não falsear a missão de histo- riador, destinará um capítulo para os trabalhos e escritos do doutor Eduardo Abreu (…)». Este e outros textos foram reunidos num volume a que Eduardo Abreu deu o título Orações Academicas pronunciadas na Sala grande dos Actos da uni-versidade de coimbra (...), Lisboa, Imprensa Nacional, 1888, 45 p.A 11.1.1890 o governo inglês apre-senta o ultimato ao governo portu-guês – ou este se retirava dos territó-rios entre Angola e Moçambique, ou então a Inglaterra considerar-se-ia em guerra com Portugal, pondo assim fim ao sonho do mapa cor de rosa. Dois dias depois um numeroso grupo reu-nido no café «Martinho da Arcada», discutia o que fazer perante a afronta inglesa. Eduardo Abreu aparece e propõe um gesto simbólico: «meus senhores: a manifestação de hoje deve ser a ultima, até novos aconte-cimentos visto que já temos governo constituído. por isso proponho que

11 diário da câmara dos Senhores depu-tados, p. 1521.

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Manifestação do Largo de Camões. José Carlos Bandeira, jovem carpinteiro, no cimo da escada, cobre a estátua de crepes. à esquerda, na base da estátua, Eduardo Abreu, de chapéu na mão, fala aos manifestantes

(Pinheiro Chagas, História de portugal, 1908, vol. 1, p. 123).

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vamos todos cobrir de crepe a está-tua do grande poeta nacional que simbolisa a alma da pátria. coroa- mos, assim, brilhantemente as no-bres afirmações do nosso patrio-tismo»12. A manifestação subiu o Chiado, Eduardo Abreu discursou defronte do consulado inglês, vibran-temente aplaudido pela multidão que entretanto se reuniu, e lá foram ao Chiado cobrir de crepes a estátua de Camões, com a seguinte legenda: «Estes crepes que envolvem a alma da patria são entregues ao respeito e guarda do povo, da mocidade aca-demica, do exercito e da armada portuguesa. Quem os arrancar ou mandar arrancar é o ultimo dos covardes vendido à inglaterra»13.Passados poucos dias, e sempre sob sua inspiração, reúne-se no teatro da trindade um vasto grupo represen-tativo das mais diversas classes e facções, de que resultará a Comis-são da Grande Subscrição Nacional que acabará por comprar o cruza-dor «Adamastor» e outros pequenos barcos, que reforçariam a Marinha de Guerra Portuguesa. Eduardo Abreu

será o secretário da Comissão, orga-nizou toda a vastíssima contabilidade dos milhares de doações que atraves-saram todo o mundo onde vivia um português, de timor ao Amazonas, e no fim publicará um relatório em dois grossos volumes justificativos das receitas e despesas, incluindo todos os trâmites para a aquisição dos navios encomendados aos Esta-leiros de Livorno. Mas da acta dessa sessão inaugural – essa, como todas, publicada no referido relatório –, não consta, porém, um violento sarcasmo de Eduardo Abreu quando propôs que fosse concedido a quem quisesse o direito de ir ao Castelo de S. Jorge bombardear a estátua de Camões, que fosse concedido a Lord Fife o mos-teiro da Batalha e que fosse dado de presente à Rainha Vitória o mosteiro dos Jerónimos, para depósito de car-vão e gás14! Sousa Martins dirá mais tarde que Eduardo Abreu foi «o mús-culo e o nervo desta empresa», que teria soçobrado se não fosse «o seu divino fanatismo».Em consequência Eduardo Abreu abandona as hostes políticas do Par-tido Progressita e filia-se no Partido Republicano e logo a 30 de Março é eleito por Lisboa juntamente com Manuel de Arriaga, Elias Garcia e Latino Coelho. Arriaga no seu relató-

12 Eduardo Abreu referia-se ao governo de António de Serpa que tomara posse nesse mesmo dia. Vid. Rocha Martins, d. carlos – História do seu reinado, p. 190.

13 Jaime de Faria, «Eduardo de Abreu», Encyclopedia portuguesa ilustrada, sob a direcção de Maximiano de Lemos, vol. II (suplemento), p. 475.

14 Rocha Martins, d. carlos – História do seu reinado, p. 196.

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rio na primeira presidência da Repu-blica portugueza, evoca a adesão de Eduardo Abreu à causa republicana15: «O nosso saudoso correligionário e patricio Eduardo d’Abreu, antes de se alistar no partido republicano, consultou-nos e pediu-nos que lhe explicássemos o processo que tinhamos seguido para mantermos tão completa a nossa liberdade de acção. Aprovando com alvoroço a sua prometida adesão à Republica, respondemos-lhe: “Para se ter liber-dade d’acção é preciso nada pedir aos republicanos; não frequentar as redacções dos seus jornaes; não se solidarizar com as suas opiniões sectaristas”. mais do que uma vez, Eduardo d’Abreu nos elogiou a exactidão e as vantagens do nosso conselho».Desligado do Partido Progressista, mantém, no entanto, contactos no seu antigo partido, como o documenta a correspondência que mantém com o seu patrício Visconde das Mercês, chefe progressista na terceira, a pro-pósito da questão do cabo subma-rino: «li a “Evolução” com artigos assinados por J. A. Suponho que é Jacob Abobot. mas este escriptor mistura a Republica com o cabo Submarino. Ora com o devido res-

peito, não está escripto no Alcorão, e julgo que tambem o não está no Apocalypse que para o estabeleci-mento dos cabos submarinos seja primeiramente necessário procla-mar a Republica. nos limites da carta, velha, corrompida e corroida por tantos erros de todos os gover-nos d’estes ultimos 40 annos, ainda os povos podem protestar, e serem attendidos, os seus protestos, que não podem deixar de ser violen-tos quando for realmente violento o ataque que os fere nos seus mais caros interesses (...)».A 20 de Agosto, e na sequência do Ultimato celebrou-se um tratado entre Portugal e a Inglaterra, assinando em nome do governo português, o Minis-tro Plenipotenciário Barjona de Frei-tas, e em nome do governo inglês, o marquês de Salisbury. Eduardo Abreu reage violentamente a este tratado, enviando a seguinte carta ao chefe do partido progressista, José Luciano de Castro16, que é uma obra prima de pundonor nacionalista e frontalidade política:«illustrissimo e Excelentissimo Se-nhor conselheiro José luciano de castro, dignissimo chefe do par-tido progressista – A convenção assignada em londres em nome do

15 P. 130.16 Barão de S. Clemente, Estatisticas e biogra-

phias parlamentares portuguezas, terceiro

Livro, Primeira Parte. Porto, 1882, p. 320; Jorge Forjaz, cartas políticas de Eduardo Abreu ao Visconde das mercês.

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Rei de portugal com o fim, dizem os frios personagens signatarios d’aquelle papel de estreitar os vín-culos de amisade que unem as duas nações não é só um abysmo de per-fidias e subtilezas jurídicas à altura de doutores chicaneiros, é tambem torpissimo libello que infama e escravisa para sempre toda a terra portuguesa.não morrem as nações só quando as fere em cheio o genio da guerra servido pela espada victoriosa, gra-vando na pedra ou no bronze que vai esconder a patria moribunda – finis Poloniae. uma nação também morre e deshonrada quando os que sentem, os que pensam e podem, assistem impassiveis em nome da ordem a que se vote e ratifique um convenio que é a propria desor-dem, pois que colloca essa nação, perante o mundo, em estado de quebra fraudulenta de brios e de bens – finis Lusitaniae.na desgraçada convenção de 20 de Agosto, desde o artigo em que por-tugal se obriga a não ceder a qual-quer potencia terra portugueza, sem o consentimento da gran bretanha, até ao artigo em que portugal é obrigado a construir um caminho de ferro, partindo de uma bahia portugueza, avançando por territorios portugueses, tudo isto porém, terra, estudos, engenheiros e capitaes, vigiados e fiscalizados

por um membro da variada policia ingleza – um engenheiro nomeado pelo governo britannico (artigo XiV) – é tudo uma vileza. Tudo aspira e respira n’um traiçoeiro e criminoso ambiente de erros e de baixezas. como é que o plenipo-tenciário portuguez foi descendo tanto, sempre de concessão em concessão, até admitir que n’um tratado de limites se escrevesse e publicasse que engenheiros portu-guezes estudando em campo portu-guez fossem sempre assistidos por um espião inglez? no parlamento qual será o engenheiro civil com voz para approvar o tratado? E fora do parlamento, n’outros que a nação deve reunir, qual será o engenheiro militar que, sem tremer de justa cholera e de altiva indignação, queira desabainhar a sua espada para defender o tratado à ordem de um poder executivo transfor-mado em servo, sócio e advogado da espionagem britannica?não ha uma só clausula do tratado simplesmente consoladora. Em todas, absolutamente em todas, vê se a guerra adunca do tal cavalheiro da mais nobre Ordem da Jarrateira, rasgando fibra a fibra os lombos do enviado extraordinário de Sua magestade Fidelissima. Em todas se vê, e é isto o que fere, portugal escarnecido, espoliado, submet-tido para sempre ao protectorado

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da gran-bretanha, sujeito enfim a arrastar-se como um pedinte pelos tribunaes de arbitragem sempre que convier à inglaterra, directamente pelo missionário ou indirectamente pelo indigena, faltar como costuma à fé dos tratados. A inglaterra, vendo na sua frente um negociador de capa à hespanhola, discursando brilhantemente em portuguez ver-náculo e soffrivelmente em francez de littoral, sabendo de cór varios codigos e podendo interpretar os seus artigos de mil maneiras todas differentes, sempre com o mesmo timbre na voz, sempre com a mesma compostura de corpo, amenisando a conversa com as historias alegres d’esta terra, de cinco em cinco minutos collocando gravemente a mão direita sobre a região cardiaca para fallar de responsabilidades, sacrifícios, dôr, patriotismo, etc. - a inglaterra, repito, em frente de tal negociador, avaliou o estofo dos collegas que o enviavam.portanto, não hesitou só minuto. Do Oriente salta para o Occidente e negoceia Angola, com a mesma facilidade com que negociara moçambique. E assim embrulham num mesmo tratado a patria afri-cana! Está, pois, aberto conflicto de morte, não entre partidos, pois todos parecem mesquinhos perante a magnitude da questão, – mas entre o estrangeiro senhor dos mares, e

esta nossa velha, fraca, mas muito estremecida patria.portugal está ameaçado na sua integridade, no seu commercio, na industria e navegação, na sua honra e autoridade, não por um acto posi-tivo de força – até hoje tem sido só e sempre assim que as nações costumam ceder terreno pátrio, – mas por um tratado imposto calcu-lada e friamente, com todas as ceri-monias, praxes e facilidades, como se se tratasse de um simples conve-nio de extradicção. D’esse conflicto portugal ha-de sahir necessaria-mente morto e deshonrado, ou digno e vivo. no primeiro caso acceitando o tratado; no segundo, rejeitando-o. A nação, e com a nação a justiça universal, o apoio e a sympathia das raças latinas, estará com aquel-les que poderem e souberem luctar, de reducto em reducto, até ao ponto de ser impossivel a votação ou a ratificação de similhante convenio. A opposição parlamentar, onde o sentimento patriótico vibra por igual, terá força, todavia, dentro e fora do parlamento para conseguir a rejeição do tratado? O problema é de uma excepcional gravidade: eis porque tenho a subida honra de me dirigir a V. Exª, solicitando a con-vocação das minorias progressistas de ambas as casas do parlamento.certamente que é V. Exª o primeiro a conhecer e a saber pesar as res-

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ponsabilidades da questão, e por isso V. Exª já terá decidido como e quando convocará as minorias. portanto, V. Exª far-me-há justica, crendo que estas imperfeitas linhas nem de leve conteem uma qualquer indicação política.São apenas um desabafo, por me sentir vexado, como todos os bons e leaes portuguezes, pelas ultrajantes disposições do tratado. Exprimem tambem o desejo de sacrificar as minhas pobres forças pela patria, cuja honra e existência estão em perigo».Eduardo Abreu faz votos por que a Câmara não ratifique o tratado, o que efectivamente se verificou na sessão de 16 de Setembro, levando à queda do governo de António Serpa (l4.10.1890).A 31 de Janeiro de 1891 dá-se a re-volta republicana no Porto. Eduardo Abreu confidencia uma vez mais ao Visconde das Mercês: «(...) Já V. Exa. terá conhecimento da revolta militar do porto, seguida ou acom-panhada de proclamação da Repu-blica, na casa da camara, e da formação do governo provisório. A revolta foi suffocada, e o governo no legitimo direito de defeza sus-pendeu as garantias n’aquella ci-dade e districto. Quem na vespera de 31 de Janeiro disse-se que o partido republicano tinha ao seu dispôr quasi toda a guarnição do

Porto, prompta à primeira voz – rir-se-hia, ou pelo menos acolheria a noticia com grave descrença. pois era uma verdade. Em todo aquele movimento que a minha inteligen-cia reprova formalmente, mas em que o meu coração se confrange, pulsando de admiração pelo ardor e coragem com que se bateram tanto os insurrectos como as tropas fieis, em todo aquele movimento, repito, ha pormenores da mais alta gravidade, que eu desconheço na sua formação e seguimento – que não são publicos, – que o proprio governo não sabia talvez, - mas que existiram sem a menor duvida. O fermento da revolta republicana estava em toda a guarnição do norte do paiz. E aqui em lisboa? Ao governo é que cumpre desco-brir tudo isto.(...) Dizem varios senhores esta-distas que o acontecimento foi providencial porque vae obrigar o governo a ter juizo e a collocar a nação portugueza nos seus eixos d’ordem, de disciplina e de morali-dade. Assim será, pois ha uns tem-pos a esta parte decidi-me a não contrariar as affirmações dos Srs. Estadistas. Em todo o cazo sempre direi e affirmarei a VExª o seguinte: varios d’esses estadistas, ex-minis-tros, ministros e candidatos a ministros, acolytados por varios directores gerais, etc., dizem, escre-

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vem e reclamam que sejam aplica-dos aos chefes dos insurrectos todo o rigor da lei. Alguns com lamenta-ções, dizem que lhes doe o coração reclamarem todo o rigor da lei, mas que nisso vae a salvação das institui-ções, etc. coitados! Eu bem os vi na Arcada, quando chegaram as pri-meiras noticias do porto, palidos e a tremer, etc. Agora reclamam a pena de morte para os insurrectos!Sim: os tribunaes assim o deli-berarão em face da lei. mas creia V. Exª e n’isto sou um dos soldados ou dos chefes de 20 mil corações, que como o meu pulsam pelo bem e talvez pela verdadeira ordem, – que ao primeiro fuzilamento, que se dê em terra portugueza, n’um dos insurrectos do porto, – a revolta sem quartel ha-de bramir nas ruas da capital.Sobre aqueles homens deve cahir todo o rigor da lei. Sim. mas o chefe de Estado deve estar vigilante e uzar da sua clemência, lembrando-se que tambem a revoltas militares é que deve a coroa e a barriga. Sobre a aplicação da pena de morte, creia o meu nobre e respeitável amigo, que sou d’uma completa e absoluta intransigencia».Perante as dificuldades financeiras que o tesouro atravessava, e como contraproposta ao projecto do governo que previa um empréstimo de 45.000 contos, com hipoteca dos tabacos, por

longo prazo, apresenta a 6 de Março, na Câmara dos Deputados um radi-cal programa de contenção das des-pesas. Entre muitas outras soluções, propõe a redução em 50% da dota-ção do Rei D. Carlos; em 30% a das Rainhas D. Amélia e D. Maria Pia; em 25% a do Príncipe Real; em 20% a do Infante D. Manuel e em l5% a do Infante D. Afonso; previa a extinção do Ministério da Instrução Pública e Belas Artes, voltando os respectivos serviços à repartição do Ministério do Reino; previa ainda a extinção do Ministério das obras Públicas (que ficaria adstrito à Fazenda), Comér-cio e Indústria (que ficariam adstritos aos Negócios Estrangeiros); proibia o aumento dos quadros do funciona-lismo público e impedia a possibili-dade da acumulação de funções e ven-cimentos; previa reduções drásticas nos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros e previa também o aumento de 50% de todos os direitos de mercê. Como a Câmara se tivesse recusado sequer a discutir esta proposta e a publicá-la no diá-rio das Sessões, mandou imprimi-la, em forma de manifesto ao País, sob o título mudança de Vida – Vida nova. Passados poucos meses, o ministério presidido por Dias Ferreira (Jan. 1892 /Fev. 1893) adoptou algumas medi-das propugnadas por Eduardo Abreu, entre as quais a extinção do Minis-tério da Instrução.

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Na continuação da discussão daquele empréstimo, teoriza sobre o papel das instituições, nomeadamente a chefia do próprio Estado, ao responder a Augusto Fuschini que declarara que a única entidade que naquele momento poderia garantir estabilidade ao país era o Rei: «Sr. presidente, protesto contra esta doutrina reaccionária, inconstitucional, despótica e peri-gosissima (...). Sr. presidente, o chefe de um estado, de um impe-rio, de uma monarquia ou de uma republica, só tem os poderes que lhe são conferidos pela lei funda-mental desse estado. Enquanto os cumpre e faz cumprir exactamente vive ao lado da nação; quando se afasta e deixa afastar das leis, a nação começa a reflectir e vai tam-bém afastando-se das mesmas leis; e quando, finalmente, por si ou por conselho alheio, o chefe de um estado sai abertamente para fora da lei, divorciando-se de todos os outros poderes e forças da nação, então a esta assiste o sagrado direito de se revoltar, porque a nação está superior ao indivíduo, seja ele o seu próprio chefe (...).Sr. presidente: eu juro a V. Exª que se estivéssemos em plena republica portuguesa, e numa hora de amar-gura nacional, viesse um deputado

com a autoridade do Sr. Fuschini, dizer nesta casa que um homem só, o presidente da republica, a pode-ria salvar, eu ficaria tão tristemente surpreendido como ontem me sucedeu, ouvindo que no actual regime monárquico – um só homem, o rei – podia salvar a nação».Manuel de Arriaga também comentou o discurso de Augusto Fuschini e este rebateu o comentário com a seguinte premonitória e curiosa observação:«não me parece, confesso-o inge-nuamente, que o céu derrame sobre o país uma torrente de felicidades e o maná da abundância, só porque o chefe do estado, em vez de se cha-mar D. carlos i – hereditário – se chame manuel de Arriaga – eleito». Vinte anos depois Manuel de Arriaga era eleito presidente da República!!Em 1892 é iniciado por comunicação e filiado na loja maçónica Simpatia, de Lisboa, de obediência do Grande oriente Lusitano Unido17.Novo governo presidido por Dias Ferreira18 e Eduardo Abreu comen-tou na Câmara dos Deputados o dis-curso do presidente do Conselho de Ministros: «Em um anno e alguns mezes, era este o quarto ministério de salvação publica que se apre-sentava à camara, e que era por ella festejado alegremente. Admi-

17 A. H. oliveira Marques, diccionario da maçonaria portuguesa.

18 Bisavô da Dr.ª Manuela Ferreira Leite, ministra das Finanças e presidente do PSD.

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rava como era illimitada a boa fé da nação portuguesa, e como era bondoso o coração dos seus repre-sentantes. Quatro ministérios engo-lidos em pouco mais de um anno já era alguma cousa! (…) Em sua opinião, um paiz que tem menos de 40:000 contos de receitas e que só de juros paga mais de 20:000 é um paiz moribundo. n’este momento, em que via que portugal é uma das nações mais encravadas do mundo, não podia levantar questões acri-moniosas. calava-se, e deixava os srs. ministros governarem, porque

tinha a certeza que depois d’este governo só a revolução podia salvar o paiz».Entre as suas inúmeras intervenções na Câmara apresenta um projecto de lei propugnando a autonomia das províncias ultramarinas: «O governo reconhecerá a cada uma das pro-vincias portuguezas ultramarinas o direito e a mais ampla liberdade de se administrar como melhor lhe convier a bem do seu desenvolvi-mento e interesses locais, e da cons- tante integridade nacional. nenhu-ma verba de receita ou despeza

Envelope da Câmara dos Deputados, enviando ao deputado Eduardo Abreu cópia da sua intervenção na sessão de 27.3.1892, com indicação para restituir o texto até 2 de Abril. o taquígrafo, depois de dactilogra-fado o texto, enviava-o ao deputado em causa, e se este não o devolvesse, o texto era publicado tal e qual

no diário da câmara com a anotação «S. Exª não reviu». Col. do autor.

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poderá ser transferida entre a me-tropole e qualquer dessas provín-cias ou entre elas. com excepção unica dos oficiais das forças de mar e terra, dos magistrados, dos sacer-dotes e dos governadores de cada provincia, nenhum outro funciona-rio poderá ser para ali despachado, sem que a mesma província o requi-site, provando que tem recursos no seu orçamento para satisfazer pon-tualmente ao novo encargo».A 23.10.1892 é novamente eleito deputado republicano por Lisboa, juntamente com Jacinto Nunes e tei-xeira de Queiroz, e Rodrigues de Frei-tas, pelo Porto. Escreve então ao seu pai: «lá vou pois à camara, como deputado republicano por lisbôa, e mercê de Deus, alcanço bem as responsabilidades que tenho de acarretar com tal mandato, alias honroso. Vamos atravessar alguns momentos perigosos, e como depu-tado por lisboa tenho de estar sem-pre na brecha, pois já se pressentem agitações, que poderão rebentar d’um para outro momento. Tive a satisfação de ser cotado por quasi todo o commercio de lisbôa, haven-do ricos proprietários, industriais, etc, que não duvidaram também votar no meu nome. isto é signifi-cativo Quer queira, quer não, todas as quadrilhas que estão roubando as ultimas economias do paiz, – vae tudo acabar. O actual governo des-

ceu a um descrédito tal, como não ha memoria com outro qualquer governo (...)».Publica A verdade sobre o alcool. projecto de lei apresentado em ses-são de 15 de maio de 1893. Lisboa, s. ed., 1893, 24 p., seguido, passados dois meses, por A questão do alcool. discurso proferido na camara dos Senhores deputados na sessão de 13 de Julho de 1893 por Eduardo Abreu deputado por lisboa, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893, 19 p.A 15.4.1894 em novas eleições legis-lativas. Eduardo Abreu e Gomes da Silva, ambos por Lisboa, são eleitos deputados pelo Partido Republicano. A actividade parlamentar dos pró-ximos meses será marcada por uma contínua presença activa de Eduardo Abreu que protagonizará alguns dos mais incandescentes incidentes par-lamentares. A 28 de Novembro, a sessão é levantada, no meio de vivas à liberdade, à liberdade da tribuna, à carta constitucional e morras à tira-nia, e Hintze Ribeiro apresenta ao Rei D. Carlos a proposta de decreto de encerramento das Cortes, justifi-cando-a pelos «incidentes tumul-tuosos, suscitados e repetidos quoti- tidianamente sobre assuntos regi-mentais, que tornaram impossível o prosseguimento regular dos tra-balhos naquela casa». o decreto é assinado no próprio dia 28 pelo Rei, sendo publicado a 29. Eduardo Abreu

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só voltará ao Parlamento, depois da revolução republicana. Durante a sua vida de parlamentar no regime monár-quico, entre 1887 e 1894, realizaram--se 375 sessões na Câmara dos Depu-tados, tendo Eduardo Abreu faltado 129 vezes, verificando-se assim uma assiduidade de 66%. Curiosamente, a legislatura a que deu menos faltas foi a última, a de 1894, em que só faltou a 2 das 27 sessões.A 29 de Novembro apresenta-se ao Directório do Partido Republicano e em longa exposição analisa a situação criada pelo encerramento das Cortes.A partir dessa data dedicar-se-á à sua profissão, à propaganda eleitoral comparecendo em inúmeros comícios republicanos de norte a sul do país, e aos trabalhos da Grande Subscrição Nacional – em cuja 122.ª sessão da comissão executiva realizada a 16.3.1895, é sugerido o seu nome para atribuir a uma das canhoneiras em construção, alvitre esse que Eduardo Abreu rejeita liminarmente.Em 1897 publica o relatório Subscrip-ção nacional para a defeza do paiz. Relatorío da commissão executiva. documentos, actas da reunião popu-lar no salão da Trindade, da grande comissão e da comissão executiva (23 de janeiro de 1890 a 3 de Fevereiro de 1897), vol. 1, Lisboa, Imprensa Nacional, 1897, 1016 p. e 2 anos depois publica Subscripção nacional para a defeza do paiz. Relatorío da

commissão executiva. documentos: actas das sessões da comissão exe-cutiva – contas de receita e despeza – indice alphabetico de subscriptores (3 de fevereiro de 1897 a 3 de maio de 1899). Lisboa, Imprensa Nacional, 1899, 587 p. + 11 gravuras e 11 mapas litografados.No 8.º Congresso do Partido Republi-cano realizado a 18.11.1899 é eleito membro efectivo do Directório, com Nunes da Ponte, Casimiro Freire, Xavier Esteves e José Cupertino Ribeiro e a 11.1.1890, data em que se comemoravam 10 anos do Ulti-mato inglês, publica em Braga a folha volante 11 de Janeiro de 1890 – 11 de Janeiro de 1900. É no verso de uma destas folhas que escreve ao seu correlegionário Manuel de Arriaga: «Saudo o amigo e todos que lhe são queridos. Sou da Terceira, o amigo do Fayal, e Teophilo de S. miguel. É uma profanissima trindade, de que sou o filho, e os amigos o padre e o Espirito Santo. lá dividam estes logares que são gratuitos e não isentos de pancadaria n’este mundo e no outro. O certo é porem que somos ilhéus – que dão coice depois de mortos. Ainda em vida, vou por estas aldeas escouceando quanto posso, pois não posso acomodar-me à jubilação a que a fatalidade parece condenar-me. por isso escrevi e mandei despachar por toda esta provincia este pequeno

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escripto». No ano seguinte, e por ocasião da mesma efeméride, publica nova folha volante – 11 de Janeiro de 1890 – 11 de Janeiro de 1901, larga-mente distribuída pela província do Minho. Passados alguns meses nova folha volante, de que tirará 50.000 exemplares – carta aberta enviada à commissão Executiva do partido Republicano do porto por Eduardo Abreu ex-deputado republicano e presidente do directorio de lisboa.A 5.1.1902 é novamente eleito para o directório do Partido Republicano com teófilo Braga, Estêvão de Vas-concelos, José Jacinto Nunes, Celes-tino de Almeida e António José de Almeida.Mantendo-se na brecha da actividade propagandística, continua, no entanto, a recusar ser incluído nas listas eleito-rais, pois entende que só deve voltar ao Parlamento depois de proclamada a República. É por isso que recusa o apelo que Manuel de Arriaga, enca-beçando um grupo de 134 conhecidos republicanos, lhe dirige a 27.7.1906, para incluir a lista dos deputados por Lisboa («lisboa, receber-vos-ha de braços abertos e saberá compen-sar quanta dedicação e quanta vir-tude existe em vós, que afastados a alguns annos da vida activa do partido, vieste no actual momento histórico, honrar as fileiras parti-dárias da Republica, com a vossa reaparição»).

No finais deste ano publica a folha volante Ao Sul e ao norte, Porto, typ. a Vapor da Empresa Guedes, 1906.A 5 de outubro a revolução republi-cana vem colocar novamente Eduar-do Abreu nos trilhos da actividade política activa. Mas antes mesmo das eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, publica a folha volante 15 novembro 1889 / 5 Outubro 1910 / 15 novembro 1910, em que lembra que a 28.12.1889 dirigiu ao presi-dente da Câmara dos Deputados um ofício pedindo que se reconhecesse a república instaurada no Brasil a 15 de Novembro anterior e que o governo tinha deliberado que o Parlamento não tomasse conhecimento desse ofí-cio. Compara esta atitude com a do governo brasileiro que foi o primeiro a reconhecer a república portuguesa, a 15.11.1910.o governo provisório oferece a Eduardo Abreu a Embaixada de Por-tugal em Buenos Aires, lugar que ele não aceitou, mas aceita ser membro da comissão de inquérito aos serviços do Ministérios dos Negócios Estran-geiros, de que será o relator, apresen-tando o relatório final a 28.1.1911. Já então manifestava alguma discordân-cia com a actividade do Governo pro-visório, que chegou a convidá-lo para o integrar, substituindo o Ministro da Marinha e Ultramar. Recusa e declara em carta a Joaquim de Araújo, de 6.4.1911, que «o governo, tal como

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está, deve ir às côrtes, e lá falla-remos». Era novamente o intransi-gente defensor das liberdades públi-cas e da boa ordem financeira a vir á tona. Queixa-se já da falta de liber-dade de imprensa: «Fui sempre um acérrimo e coerente partidário da liberdade de imprensa mas nunca da maneira como actualmente se observa em portugal, por circuns-tâncias que só o governo é juiz. na época mais violenta da revolução francesa, jamais foi suprimido um jornal em nome da lei, jamais as paixões tumultuaram auxiliando a lei. mais dum jornalista após o tribunal marchava para a guilho-tina, mas o jornal continuava (...). Venham pois as constituintes para se restabelecer em toda a regular plenitude a lei da imprensa (...)».Em Abril fala-se novamente no seu nome para Ministro do Fomento, mas o que aceita é a sua inclusão na lista de candidatos a deputados pelo seu círculo natal, o distrito de Angra, jun-tamente com Augusto Monjardino e Faustino da Fonseca, sendo eleito a 28 de Maio. Em carta ao seu amigo Joaquim de Araújo declara a propó-sito da actividade do Governo Provi-sório: «O pagode provisório, está a terminar, pois a constituinte, bôa, soffrivel, má ou péssima, vae abrir, e fechar a torneira ao louco decre-tar do governo, com as suas des-pezas criminosas». Por motivos de saúde não pode comparecer á abertura

da Assembleia Nacional Constituinte, mas logo na sessão de 26 de Junho marca a sua posição relativamente à actividade do Governo Provisório: «Soube também que naquella mes-ma sessão d’esta Assembleia, o gabinete apresentara a sua demis-são collectiva mas que lhe não fôra acceite. Declaro, Sr. presidente, que se estivesse presente, votaria com a Assembleia. com effeito, attendendo à solemnidade do dia, e áquelle momento de tanta paz e amor, foi justa a amnistia proviso-ria concedida aos actos do governo provisorio, pelo menos até o orça-mento. contas, contas, Srs. minis-tros, é o que todos desejamos ver. contas, factos e numeros acêrca da gerencia financeira de S. Exas». Bernardino Machado, Ministro dos Negócios Estrangeiros, reage: «Antes de mais, permitam-me que diga que o voto de confiança com que o governo foi galardoado não repre-senta uma amnistia. O governo actual levanta bem alto a cabeça, porque entende que, desde 5 de Outubro até hoje, se tem dedicado exclusivamente a bem servir a causa publica. O governo não praticou delito algum, não pode, portanto, ser amnistiado por ninguém».Eduardo Abreu estará activamente presente em todas as grandes discus-sões da Constituinte. Apresenta o seu próprio projecto de lei de sepa-ração da Igreja do Estado, em con-

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traposição ao projecto do Ministro da Justiça Afonso Costa, com quem tem acerba troca de palavras por este considerar que a lei era intangível – paz, Ordem e Justiça. Separação das igrejas do Estado. Relatório do pro-jecto de lei apresentado à Assembleia nacional constituinte em sessão de 26 de Junho de 1911 pelo deputado dr. Eduardo Abreu, Lisboa, Livraria Central de Gomes de Carvalho, Edi-tor, 1911. 48 p. Bernardino Machado ainda dirá que «pedir a suspensão da lei da Separação da igreja, do Estado seria exautorar o partido Republicano português e isso não podia ser». Mas Eduardo Abreu insiste em apresentar o seu pró-prio projecto, adiantando não temer comentários, pois que «a espada da justiça da República devia ser de dois gumes: cortar para o lado da monarquia e cortar para o lado da Republica...».Sobre a questão das contas públicas e da dívida externa, declara na ses-são de 30 de Junho: «Sr. presidente. A Republica não corre o perigo de se perder, mas sim o de não poder consolidar-se. E essa consolidação jamais se realizará, enquanto não houver a coragem de se dizer a ver-dade, toda a verdade, a nacionais e estrangeiros, e vem a ser que a

situação colonial e financeira é gra- ve, e que se teem praticado ilegali-dades (...). Sr. presidente: se colo-carmos as nossas divergências, as nossas paixões, as nossas amizades pessoais ou políticas por este ou aquele ministro, superiormente aos interesses gerais da pátria, bem pode suceder que um dia, quando aqui nos ocuparmos só da política e dos políticos, V. Exª ouça raspar atrás dessa parede, e, perguntando quem é, poderá ser que sejam os portadores da dívida pública exter-na, noticiando o Estado portuguez que, não confiando na adminis-tração republicana, como não con-fiaram na administração monár-quica, pediam maiores garantias para pagamentos dos juros da dívida...»19.Na sessão de 6 de Julho, levanta nova questão, numa brava afirmação de independência de carácter. Propõe um voto de condolências pela morte da Rainha D. Maria Pia. Cai o Carmo e a trindade, como bem conta Braz Burity 20: « Eduardo d’Abreu tenta explicar-se e explicar-lhes que, quando lhes nasceram os dentes que elles agora fincam vorazes em pos-tas republicanas, já elle, velho leão do ultimatum, rugia coleras con-tra os dentes cariados e podres da

19 diário da Assembleia nacional consti-tuinte, 11.ª Sessão, 30.6.1911, p. 14.

20 A Forja da lei, Coimbra, F. França Amado, Editor, 1915, p. 178.

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cainçada monarchica que, manda a verdade se diga, se lhe revirava o dente, tinha por elle um respeito que pelos modos os meninos lhe estão a perder... isto de ser republi-cano não envolve necessariamente a obrigação de não ter tomado chá em pequeno. maria pia era filha de Victor manuel; herdou-lhe as tradições liberaes e honrou-lh’as sempre enquanto foi rainha de portugal... Agora morreu. A morte é sagrada. Diante d’um cadáver só um selvagem se não descobre... mas o selvagem tem esta justifi-cação: usa tanga, mas ignora o uso do chapeu. Sempre julgou, na sua ingenuidade, que estaria ali numa assembléa de republicanos. Enganou-se; está entre selvagens... Aprender até morrer».A 17 de Julho escreve ao seu amigo Joaquim de Araújo: «O governo não póde com uma gata pelo rábo. morre soffucado pelo pezo dos elo-gios, que a si próprio teceu, havendo alguns no estrangeiro, que custa-ram rios de dinheiro, ao desgra-çado thesouro portuguez. Andou n’um constante pagode provizorio de 9 mezes, enganando a patria e o Estrangeiro, com pertendidas far-turas de dinheiro, e agora que não tem vintem, pede crédito à com-missão de finanças a que pertenço, e onde pézo, com minha honrada e enérgica opinião. Ainda hoje, disse-

-me o ministro dos Estrangeiros, que era facto ir nomear para minis-tro na china e Japão, um coronel- -deputado. Respondi-lhe logo – «não peça auctorização, aliás a Assemblea derruba-o immediata-mente; não faça mais nomeações, pois V.Exª não pode dispôr de mais cinco reis que seja, para nomea-ções». Enguliu em secco e callou--se! A Republica salva-se; mas é necessario, e quanto antes, entrar no caminho da maior ordem, e da mais severa administração».Afonso Costa na sessão de 2 de Agosto, em resposta ao requerimento de Eduardo Abreu de que lhe fosse apresentada a lista dos padres que tinham solicitado a pensão ao governo, acusa-o de indiscreto, imprudente e leviano, ao apresentar números sem fundamento: «profeta da desgraça (...) que desde 19 de Junho 21 não tem feito senão prejudicar as insti-tuições republicanas, atacando não o governo, mas a Republica». Eduardo Abreu responde-lhe e diz a certa altura: «(...) Diz o Sr. ministro da Justiça que a lei vae sendo cum-prida, sem relutâncias de maior. isto são cousas vagas; desejo docu-mentos, e por isso apresentei o meu

21 Alusão à abertura da Constituinte, à qual, aliás, Eduardo Abreu não esteve presente, pois só compareceu, pela primeira vez à 6.ª sessão, a 26 de Junho.

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requerimento, para que se me diga quantos indíviduos já requereram as pensões e quanto já foi arbitrado a cada um d’elles. Quantos indiví-duos declararam já que acceitavam as pensões? Quantos declararam que recusavam as pensões? Quan-tos se conservam silenciosos? Tudo isto é necessário saber-se, antes de se autorizar o Sr. ministro a come-çar o pagamento das pensões. Quanto mais elevado for o numero de padres a receberem as pensões, tanto melhor para o ministro, pois isso prova que o clero reconhece a legitimidade da sua lei. Quanto menor for esse numero, tanto melhor para o Thesouro publico, mas tanto peor para a lei que con-tinuará a manter um fermento de discordia, de azedume e de des-contentamento por todo esse país fora», e termina virado para Afonso Costa: «para mim a morte avança, e quando estiver reduzido a uma massa negra e infecta, alimentando a fauna e a flora do meu coval, tocará a vez de V. Exª, Sr. ministro da Justiça. Quando a asa negra da morte adejar a valer sobre a sua bella fronte, onde pulsam amor e talento pela Republica, eu lhe vacticino, que ha de sentir bem fundo a punhalada do remorso. Foi por ter, como primeiro minis-tro da Justiça da Republica, per-dido a compostura e serenidade de estadista; de ter deixado cair das

suas mãos crispadas, a rolar pelo sobrado d’esta casa, a vara da lei, que nas mãos de um ministro da Republica deve ser branca, polida e rigida, como o marfim; de ter bramado, como noutras epocas, como Deputado da opposição ata-cando os adeantadores, ou lá fora como advogado nos tribunaes; de ter esmurrado a sua carteira, avan-çando contra mim e dizendo, por entre a vozearia que o apoiava és um mau republicano! não, Sr. ministro da Justiça: não sou mau republicano. Tenho dito».É a sua última intervenção na Assem-bleia Nacional Constituinte – debi-litado pela doença que o haveria de levar passados alguns meses, sai do parlamento, alquebrado, pela mão do seu filho Miguel Abreu, então o mais jovem deputado da Constituinte.Ainda apoia vivamente a eleição de Manuel de Arriaga para a Presidên-cia da República, como lhe declara em carta de 20 de Agosto: «Estive sempre e estou, na firmissima con-vicção, que a eleição de V.Exª, vae derramar grande consolação por todo o paiz, alem de eu ter sido positivamente bem informado, que em todas as legações estrangeiras, a indicação para presidente do nome de V.Exª, foi perfeitamente bem recebida».Encerrada a Constituinte a 25 de Agosto, Eduardo Abreu foi eleito senador e é abordado para ocupar a

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pasta das Colónias do 1.º Governo Constitucional da presidência de João Chagas. Aceita estudar a hipó-tese desde que o autorizem a seguir imediatamente para as Colónias, para conhecer directamente os problemas, proposta que não é aceite. De qual-quer modo nunca seria nomeado porque, entretanto, Afonso Costa

fizera saber a João Chagas que não veria com bons olhos a nomeação de Eduardo Abreu!Em Janeiro dá início à publicação de uma série de artigos no diário «o Porto», versando os temas que dominaram as suas preocupações desde os tempos da Assembleia Nacio-nal Constituinte – finanças, separação

Eduardo Abreu e Machado Santos à saída do Centro Republicano de S. Carlos a 9.8.1911(«Illustração Portugueza», n.º 287, 21.8.1911, p. 240).

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da Igreja do Estado, negócios estran-geiros, administração das colónias. É um retrato desolador da actividade do Governo Provisório e do Governo Constitucional, e é ao mesmo tempo o seu testamento político. A 4 de Fevereiro morreu na sua casa da Rua de São Victor em Braga. Pediu que lhe fizessem funerais religiosos, em harmonia com as suas profundas convicções que não o impediram de aderir à causa republicana e de pro-pugnar uma lei da Separação da Igreja do Estado. As exéquias realizaram-se na Igreja da Senhora a Branca, em Braga, sendo o cadáver vestido de sobrecasaca e envolvido na bandeira nacional azul e branca que a Grande Comissão de Subscrição Nacional lhe oferecera em 1905.«o Intransigente», dirigido por Ma-chado Santos, titula a toda a largura da l.ª página da sua edição de 5.2.1911, e entre tarjas negras: dr. Eduardo Abreu – «(...) o Dr. Eduardo d’Abreu era uma das esperanças da Republica portu-gueza, uma das suas mais solidas e mais prestigiadas garantias. Era um talento. Era um caracter. Era um coração. como orador, nunca ninguém o excedeu no parlamento portuguez. como patriota nunca ninguem mais do que ele amou a bendita terra de portugal e nin-guém como ele soube traduzir em actos de fervoroso, de acrisolado patriotismo, esse amor absorvente

e dominante que lhe iluminou a vida inteira. como republicano, ninguém se lhe avantajou na sua fé, na sua tenacidade, no seu ardor pelos principios e nunca ninguem o igualou na violência, na temeridade do ataque às velhas instituições monárquicas, que, antes de cairem varadas pelas balas revolucionárias de outubro, haviam sido feridas de morte pela sua eloquencia tribu-nícia e fulminadora. (...) Depois de candido dos Reis e miguel bom-barda, desaparecidos nas horas tragicas da luta, é a primeira gran-de figura da Democracia portu-gueza que a morte nos leva, que a morte rouba à Republica, que a morte rouba a portugal (... ) Que a patria e a Republica, revestindo-se de crepes, numa grande e sentida apoteose, prestem à sua memó-ria honrada, as honras de um luto nacional».Cientista distinto, médico generoso, precursor em vários campos da activi-dade, combatente incansável, homem de causas, inconformista impenitente, servidor da causa pública ao limite dos seus próprios interesses pessoais, é hoje, porventura, o mais esquecido dos republicanos açorianos. E, no en-tanto, pertenceu, como ele próprio se definiu, àquele trindade profaníssima que incluía teófilo e Arriaga, hoje, e felizmente, ainda tão lembrados, nomeadamente no centenário da pro-clamação da República.

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