•editorial: defensoria pÚblica: justiÇa para quem mais

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ANO 16 - Nº 192 - Novembro/2008 - ISSN 1676-3661 EDITORIAL: DEFENSORIA PÚBLICA: JUSTIÇA PARA QUEM MAIS PRECISA. DEFENSORIA PÚBLICA: JUSTIÇA PARA QUEM MAIS PRECISA. EDITORIAL: DEFENSORIA PÚBLICA: JUSTIÇA PARA QUEM MAIS PRECISA. ........... 1 O PREÇO DA VERDADE REAL: INCONSTITUCIONALIDADE NAS CUSTAS PARA OITIVA DE TESTEMUNHAS DE DEFESA. Alamiro Velludo Salvador Netto e Luciano Anderson de Souza ................. 2 A RETIRADA DO RÉU DA SALA DE AUDIÊNCIA E O NOVO ARTIGO 217 DO CPP João Fiorillo de Souza ............................. 4 HAMLET ENTRE NÓS Marcos Zilli ............................................. 6 A NOVA REDAÇÃO DOS ARTIGOS 155 E 156 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E A PRODUÇÃO ANTECIPADA DA PROVA TESTEMUNHAL NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL Carla Campos Amico ............................. 7 REFORMA DO PROCEDIMENTO COMUM (LEI N. 11.719/08): O MOMENTO PROCESSUAL ADEQUADO PARA O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA OU QUEIXA E A ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA (ART. 397 DO CPP). Paulo Henrique Aranda Fuller ................. 9 JUIZ INQUISIDOR E A REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: UMA QUESTÃO CONTROVERTIDA. Carla Domenico .................................... 11 INTERVENÇÃO MÍNIMA: UM PRINCÍPIO EM CRISE. Élcio Arruda .......................................... 13 JUÍZOS PERIGOSOS Eduardo Mahon .................................... 14 1º CONCURSO DE SÚMULAS DO IBCCRIM: ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI E A PRIMARIEDADE NO TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES Ivan de Carvalho Junqueira .................. 15 A SÚMULA VINCULANTE Nº 9 E O DIREITO PENAL: ANÁLISE DE DOIS ASPECTOS À LUZ DA GARANTIA DA LEGALIDADE. Mariângela Gama de Magalhães Gomes ... 17 ANENCEFALIA E TORTURA Debora Diniz e Janaína Penalva ............ 19 CADERNO DE JURISPRUDÊNCIA O DIREITO POR QUEM O FAZ COLHEITA ANTECIPADA DE PROVA TESTEMUNHAL E CAUTELARIDADE ...................... 1209 CRIME AMBIENTAL E RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA ................. 1211 EMENTAS Supremo Tribunal Federal .................. 1212 Superior Tribunal de Justiça ............... 1213 Tribunais Regionais Federais ............. 1214 Tribunais de Justiça ........................... 1215 No marco dos 20 anos da Constituição Cidadã que reconheceu significativo rol de direitos do indivíduo em face do Estado, a percepção que ain- da prevalece no tecido social é do insuficiente avanço na efetivação dos direitos sociais e da cons- tância maior do que aceitável num regime demo- crático de violações aos direitos humanos. Passadas duas décadas, a sociedade brasileira ainda não alcançou ultrapassar a fronteira entre a previsão formal de direitos e a construção palpá- vel de instrumentos efetivos e sólidos de garantia à observância destes direitos. Neste cenário, a precária estruturação da De- fensoria Pública como uma realidade nacional é exemplo contundente desta dívida do poder públi- co em relação à nossa já amadurecida Carta Cons- titucional. Dívida que está no âmago da dificulda- de que se enfrenta na universalização de direitos formalmente previstos para todos, sem distinção. Esta desigualdade no gozo de direitos tem se sentido de maneira aguda na persecução penal, o que recentemente vem ganhando largo espaço nos veículos de comunicação. A ausência de defesa efe- tiva que atinge de forma desigual os economica- mente necessitados, em razão da insuficiência da Defensoria Pública no aparato estatal, tem inclusi- ve levado a mídia a enxergar a existência de privilé- gios na fruição legítima de direitos constitucional- mente previstos por aqueles mais abastados. Na verdade, estamos tão pouco acostumados com a imagem do cidadão excluído no exercício de seus direitos que, por vezes — e mais freqüentemente na área criminal —, caímos na armadilha de buscar produzir a igualdade às avessas, ao invés de externarmos indignação por aqueles que não acessam as palavras insculpidas pela tinta do constituinte. De fato, os números da realidade de um siste- ma de justiça que reproduz, no seu interior, a de- sigualdade social e econômica, parecem não im- pressionar. A grande diferença apresentada nos quatro cantos do país entre o número de juízes, promotores e defensores é quase encarada com naturalidade. Não se vê, por exemplo, profunda indignação com os dados da execução penal no Estado de São Paulo, responsável praticamente pela metade da população carcerária do país. São mais de 150 mil presos, mais de 400 instalações prisionais, entre penitenciárias e unidades desti- nadas a presos provisórios, e apenas 35 defensores públicos atuando na área em todo o Estado, nenhum deles, por insuficiência de profissionais, atuando permanentemente nos presídios. Calcu- la-se que exista sensível quantidade de presos que já cumpriram suas penas ou cumpriram os requi- sitos para a progressão de regime ou o livramento condicional, mas continuam superlotando as pe- nitenciárias por falta de defesa jurídica. E a socie- dade e os governos ainda ficam perplexos com os motins, as rebeliões e com o poder de comando e organização das facções criminosas que atuam no interior destes estabelecimentos. Não somente na administração do caos que se transformou o nosso sistema (?) prisional que os defensores públicos poderiam agir como uma ferra- menta de pacificação. O acesso à justiça como uma garantia que não encontra barreiras nas classes so- ciais não é apenas um requisito formal indispensável da regularidade do sistema de justiça, mas é pilar para a concretização de outros objetivos sociais, pro- duzindo reflexos sensíveis na segurança pública e na estabilização, em geral, das relações sociais. Há que se reconhecer um importante passo dado com a EC 45/2004, que conferiu autonomia administrativa e financeira à Defensoria Pública, além das garantias de inamovibilidade e indepen- dência funcional aos seus membros. A partir des- sa conquista no texto constitucional, é visível o fortalecimento da instituição em alguns Estados, sendo que a pauta do acesso à justiça e da defesa efetiva para todas as classes ingressou na agenda política de forma irreversível. Alguns avanços, contudo, ainda encontram inaceitável resistência, como a conferência de autonomia legislativa à ins- tituição, nos moldes existentes em relação à Ma- gistratura e ao Ministério Público, medida que integra o quadro completo de autonomia desta função essencial à Justiça, indispensável para que ela não esteja sujeita às amarras de governos e possa exercer seu papel de maneira independente, de olhos postos tão-somente na defesa dos direi- tos da população carente. A conquista de condições adequadas para a pres- tação do serviço de assistência jurídica integral e gratuita tem se mostrado apenas pontual e localiza- da, não sendo significativa o bastante para ser vista como um curso de desenvolvimento da Defensoria Pública no país. A marca da prima pobre do siste- ma de justiça, apropriando-se da expressão utiliza- da em sensível artigo recentemente publicado por Marcelo Semer, ainda é a hipotrofia institucional. Duas perguntas são inevitáveis: a quem inte- ressa esse cenário e até quando ele poderá perdu- rar se vai claramente de encontro aos interesses sociais bem desenhados pela Constituição?

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Page 1: •EDITORIAL: DEFENSORIA PÚBLICA: JUSTIÇA PARA QUEM MAIS

ANO 16 - Nº 192 - Novembro/2008 - ISSN 1676-3661

EDITORIAL:DEFENSORIA PÚBLICA:JUSTIÇA PARA QUEM MAIS PRECISA.

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• EDITORIAL:DEFENSORIA PÚBLICA: JUSTIÇAPARA QUEM MAIS PRECISA. ........... 1

• O PREÇO DA VERDADE REAL:INCONSTITUCIONALIDADE NASCUSTAS PARA OITIVA DETESTEMUNHAS DE DEFESA.Alamiro Velludo Salvador Nettoe Luciano Anderson de Souza ................. 2

• A RETIRADA DO RÉUDA SALA DE AUDIÊNCIA EO NOVO ARTIGO 217 DO CPPJoão Fiorillo de Souza ............................. 4

• HAMLET ENTRE NÓSMarcos Zilli ............................................. 6

• A NOVA REDAÇÃO DOS ARTIGOS155 E 156 DO CÓDIGO DEPROCESSO PENAL E A PRODUÇÃOANTECIPADA DA PROVATESTEMUNHAL NA FASEDO INQUÉRITO POLICIALCarla Campos Amico ............................. 7

• REFORMA DO PROCEDIMENTOCOMUM (LEI N. 11.719/08):O MOMENTO PROCESSUALADEQUADO PARA O RECEBIMENTODA DENÚNCIA OU QUEIXA EA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA(ART. 397 DO CPP).Paulo Henrique Aranda Fuller ................. 9

• JUIZ INQUISIDOR E A REFORMADO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL:UMA QUESTÃO CONTROVERTIDA.Carla Domenico .................................... 11

• INTERVENÇÃO MÍNIMA:UM PRINCÍPIO EM CRISE.Élcio Arruda .......................................... 13

• JUÍZOS PERIGOSOSEduardo Mahon .................................... 14

• 1º CONCURSO DESÚMULAS DO IBCCRIM:ADOLESCENTE EM CONFLITOCOM A LEI E A PRIMARIEDADENO TRÁFICO ILÍCITO DEENTORPECENTESIvan de Carvalho Junqueira .................. 15

• A SÚMULA VINCULANTE Nº 9E O DIREITO PENAL: ANÁLISEDE DOIS ASPECTOS À LUZ DAGARANTIA DA LEGALIDADE.Mariângela Gama de Magalhães Gomes ... 17

• ANENCEFALIA E TORTURADebora Diniz e Janaína Penalva ............ 19

CADERNO DE JURISPRUDÊNCIA

O DIREITO POR QUEM O FAZ

• COLHEITA ANTECIPADADE PROVA TESTEMUNHALE CAUTELARIDADE ...................... 1209

• CRIME AMBIENTAL ERESPONSABILIDADE PENALDA PESSOA JURÍDICA ................. 1211

EMENTAS

• Supremo Tribunal Federal .................. 1212• Superior Tribunal de Justiça ............... 1213• Tribunais Regionais Federais ............. 1214• Tribunais de Justiça ........................... 1215

No marco dos 20 anos da Constituição Cidadãque reconheceu significativo rol de direitos doindivíduo em face do Estado, a percepção que ain-da prevalece no tecido social é do insuficienteavanço na efetivação dos direitos sociais e da cons-tância maior do que aceitável num regime demo-crático de violações aos direitos humanos.

Passadas duas décadas, a sociedade brasileiraainda não alcançou ultrapassar a fronteira entre aprevisão formal de direitos e a construção palpá-vel de instrumentos efetivos e sólidos de garantiaà observância destes direitos.

Neste cenário, a precária estruturação da De-fensoria Pública como uma realidade nacional éexemplo contundente desta dívida do poder públi-co em relação à nossa já amadurecida Carta Cons-titucional. Dívida que está no âmago da dificulda-de que se enfrenta na universalização de direitosformalmente previstos para todos, sem distinção.

Esta desigualdade no gozo de direitos tem sesentido de maneira aguda na persecução penal, oque recentemente vem ganhando largo espaço nosveículos de comunicação. A ausência de defesa efe-tiva que atinge de forma desigual os economica-mente necessitados, em razão da insuficiência daDefensoria Pública no aparato estatal, tem inclusi-ve levado a mídia a enxergar a existência de privilé-gios na fruição legítima de direitos constitucional-mente previstos por aqueles mais abastados.

Na verdade, estamos tão pouco acostumados coma imagem do cidadão excluído no exercício de seusdireitos que, por vezes — e mais freqüentemente naárea criminal —, caímos na armadilha de buscarproduzir a igualdade às avessas, ao invés deexternarmos indignação por aqueles que não acessamas palavras insculpidas pela tinta do constituinte.

De fato, os números da realidade de um siste-ma de justiça que reproduz, no seu interior, a de-sigualdade social e econômica, parecem não im-pressionar. A grande diferença apresentada nosquatro cantos do país entre o número de juízes,promotores e defensores é quase encarada comnaturalidade. Não se vê, por exemplo, profundaindignação com os dados da execução penal noEstado de São Paulo, responsável praticamentepela metade da população carcerária do país. Sãomais de 150 mil presos, mais de 400 instalaçõesprisionais, entre penitenciárias e unidades desti-nadas a presos provisórios, e apenas 35 defensorespúblicos atuando na área em todo o Estado,nenhum deles, por insuficiência de profissionais,atuando permanentemente nos presídios. Calcu-

la-se que exista sensível quantidade de presos quejá cumpriram suas penas ou cumpriram os requi-sitos para a progressão de regime ou o livramentocondicional, mas continuam superlotando as pe-nitenciárias por falta de defesa jurídica. E a socie-dade e os governos ainda ficam perplexos com osmotins, as rebeliões e com o poder de comando eorganização das facções criminosas que atuam nointerior destes estabelecimentos.

Não somente na administração do caos que setransformou o nosso sistema (?) prisional que osdefensores públicos poderiam agir como uma ferra-menta de pacificação. O acesso à justiça como umagarantia que não encontra barreiras nas classes so-ciais não é apenas um requisito formal indispensávelda regularidade do sistema de justiça, mas é pilarpara a concretização de outros objetivos sociais, pro-duzindo reflexos sensíveis na segurança pública e naestabilização, em geral, das relações sociais.

Há que se reconhecer um importante passodado com a EC 45/2004, que conferiu autonomiaadministrativa e financeira à Defensoria Pública,além das garantias de inamovibilidade e indepen-dência funcional aos seus membros. A partir des-sa conquista no texto constitucional, é visível ofortalecimento da instituição em alguns Estados,sendo que a pauta do acesso à justiça e da defesaefetiva para todas as classes ingressou na agendapolítica de forma irreversível. Alguns avanços,contudo, ainda encontram inaceitável resistência,como a conferência de autonomia legislativa à ins-tituição, nos moldes existentes em relação à Ma-gistratura e ao Ministério Público, medida queintegra o quadro completo de autonomia destafunção essencial à Justiça, indispensável para queela não esteja sujeita às amarras de governos epossa exercer seu papel de maneira independente,de olhos postos tão-somente na defesa dos direi-tos da população carente.

A conquista de condições adequadas para a pres-tação do serviço de assistência jurídica integral egratuita tem se mostrado apenas pontual e localiza-da, não sendo significativa o bastante para ser vistacomo um curso de desenvolvimento da DefensoriaPública no país. A marca da prima pobre do siste-ma de justiça, apropriando-se da expressão utiliza-da em sensível artigo recentemente publicado porMarcelo Semer, ainda é a hipotrofia institucional.

Duas perguntas são inevitáveis: a quem inte-ressa esse cenário e até quando ele poderá perdu-rar se vai claramente de encontro aos interessessociais bem desenhados pela Constituição?

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BOLETIM IBCCRIM - ANO 16 - Nº 192 - NOVEMBRO - 2008 3

(FUNDADO EM 14.10.92)

DIRETORIA DA GESTÃO 2007/2008

DIRETORIA EXECUTIVA

PRESIDENTE: Alberto Silva Franco

1ª VICE-PRESIDENTE: Sérgio Mazina Martins

2º VICE-PRESIDENTE: Theodomiro Dias Neto

1º SECRETÁRI0: Carlos Alberto Pires Mendes

2ª SECRETÁRIA: Paula Bajer FernandesMartins da Costa

1º TESOUREIRO: Ivan Martins Motta

2ª TESOUREIRA: Silvia Helena Furtado Martins

CONSELHO CONSULTIVO:

Carlos Vico Mañas

Marcio Bártoli

Marco Antonio Rodrigues Nahum

Maurício Zanoide de Moraes

Tatiana Viggiani Bicudo

COORDENADORES-CHEFES:BIBLIOTECA: Ivan Luís Marques da Silva

BOLETIM: Carina Quito

CURSOS: Cristiano Avila Maronna

COMUNICAÇÕES: Renato Sérgio de Lima

ESTUDOS E PROJETOS LEGISLATIVOS:Gustavo Octaviano Diniz Junqueira

INICIAÇÃO CIENTÍFICA: Camila Akemi Perruso

INTERNET: Ludmila Vasconcelos Leite Groch

NÚCLEO DE PESQUISAS: Jacqueline Sinhoretto

PÓS-GRADUAÇÃO: Helena Regina Lobo da Costa

RELAÇÕES INTERNACIONAIS: Marcos AlexandreCoelho Zilli

Representantes do IBCCRIMjunto ao Olapoc:Flávia D’Urso,

Glauber Callegari

REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIASCRIMINAIS: Juliana Garcia Belloque

COMISSÕES:Presidentes:CÓDIGO PENAL: Mariângela Gama deMagalhães Gomes

CONVÊNIOS: André Augusto Mendes Machado

DEFESA DOS DIREITOS E GARANTIASFUNDAMENTAIS: Rafael S. Lira

HISTÓRIA: Roberto Mauricio Genofre

INFÂNCIA E JUVENTUDE: Renata FloresTibyriçá

JUSTIÇA E SEGURANÇA: Renato CamposPinto de Vitto

MEIO AMBIENTE: Adilson Paulo Prudente doAmaral

MESAS DE ESTUDOS E DEBATES: PauloSérgio de Oliveira

MONOGRAFIAS: Andrei Koemer

NÚCLEO DE JURISPRUDÊNCIA: GuilhermeMadeira Dezem

POLÍTICA NACIONAL DE DROGAS: Mauridesde Melo Ribeiro

SEMINÁRIO INTERNACIONAL: Carlos VicoMañas

SISTEMA PRISIONAL: Alessandra Teixeira

BOLETIM IBCCRIM - ANO 16 - Nº 192 - NOVEMBRO - 2008 3

Judiciária incidente sobre os serviços pú-blicos de natureza forense, salienta, em seuartigo 4º, parágrafo 9º, alínea a, que: “nas açõespenais, em geral, o valor equivalente a 100(cem) UFESP’s, será pago, a final, pelo réu, secondenado.” Ainda que se discuta a inserçãodos recolhimentos de oficiais de justiça noconceito de custas (cf. ADIN – nº 3154 –STF), o fato é que o respeito ao exercíciopleno da defesa — adicionado ao princípioda presunção de inocência e à busca pelaverdade real — também não baliza a ediçãodas Normas de Serviços da forma em queforam estabelecidas.

Em suma, o que culmina a aplicação dodisposto nas Normas de Serviços é a maisabsoluta violação ao princípio da ampla de-fesa, consubstanciado na plena possibilidadede trazer aos autos todos os elementos pro-batórios destinados a afastar a imputação doórgão acusatório.

Diante da constatação prática da condi-ção econômica da maioria dos interlocuto-res da Justiça Criminal, medidas desta ín-dole destinam-se tão-somente a inviabili-zar a defesa, romper com a paridade de pos-sibilidades jurídicas que constrói a equaçãodialógica da relação entre defesa e acusa-ção. Mesmo nos procedimentos de naturezacível, os quais em muito se distanciam daimportância da questão e do bem colocadosob a égide jurisdicional, a concessão da

Justiça gratuita é possibilitada, inclusive,para as partes representadas por defensoresconstituídos.

No processo criminal, acima de tudo, o as-pecto que deve ser mais valorizado é exata-mente a oportunidade de defesa, essênciamaior do paradigma democrático e civiliza-do. Esta constatação, todavia, coloca-se emtotal contradição com a norma administrati-va editada, o que, por si só, exige a extinção desua incidência na Justiça Criminal.

Isto posto, lamenta-se o quanto ocorridono cotidiano forense paulista, aguardando-seo reconhecimento da inconstitucionalidadedo dispositivo em foco a fim de se evitar umretrocesso ainda maior nas medidas de con-trole do crime e da pena no Estado Democrá-tico brasileiro.

NOTAS

(1) Prov. CGJ 8/1985.(2) Prov. CGJ 27/2006.

Alamiro Velludo Salvador NettoMestre e doutor em Direito Penal pela USP,

coordenador-adjunto de projetos legislativosdo IBCCRIM e advogado

Luciano Anderson de SouzaMestre e doutorando em Direito Penal pela USP,

coordenador-adjunto de cursos do IBCCRIM, professorcoordenador do curso de pós-graduação lato sensu em

Direito Penal da ESA/OAB-SP e advogado

EDITAL DE CONVOCAÇÃOSão convocados os associados do INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

– IBCCRIM, a se reunirem em Assembléia Geral Ordinária, a realizar-se em 11 de dezembrode 2008, às 10:00 horas, em primeira convocação se houver quorum estatutário, ou às10:30 horas, em segunda convocação com qualquer número de associados, na sedesocial do Instituto, na Rua XI de Agosto, 52, 2º andar, Centro, São Paulo/SP, a fim dedeliberarem sobre a seguinte Ordem do Dia:

1. Eleição da Diretoria Executiva e do Conselho Consultivo, gestão 2009-2010;2. Aprovação de contas referentes ao ano fiscal de 2008;3. Apresentação e aprovação de relatório de atividades desenvolvidas no ano de 2008;4. Apresentação de propostas de atividades a serem desenvolvidas em 2009;5. Deliberação sobre a mensalidade para 2009;6. Deliberação sobre outros assuntos de interesse do Instituto.

Alberto Silva FrancoPresidente

Boletim 192_NOV_28-10-08.pmd 28/10/2008, 17:253

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BOLETIM IBCCRIM - ANO 16 - Nº 192 - NOVEMBRO - 20084

A RETIRADA DO RÉU DA SALA DE AUDIÊNCIA E O NOVO ARTIGO 217 DO CPPJoão Fiorillo de Souza

Lamentavelmente, observa-se que virourotina, no foro criminal, a retirada do réuda sala de audiência, supostamente comfundamento no artigo 217 do CPP, em suaredação original. Antes de iniciar a inqui-rição das vítimas e testemunhas, os juízesnormalmente lhes perguntam se preferemdepor na ausência do acusado, independen-temente da prática de qualquer condutaameaçadora ou intimidativa deste.

Esse costume judiciário — que contacom o apoio da doutrina e da jurispru-dência do STF e do STJ(1) — contrariafrontalmente o citado dispositivo legal,que exige uma atitude efetiva do réu capazde influir no ânimo do ofendido ou da tes-temunha. Se isso não ocorre, a retiradaviola — além da norma contida no artigo217 — o direito assegurado ao imputadode presenciar os atos processuais (uma dasfacetas da ampla defesa), previsto na Cons-tituição da República (artigo 5º, inciso LV)e no Pacto Internacional Sobre DireitosCivis e Políticos de Nova Iorque (artigo14, 3, “d”), ratificado pelo Brasil, aprova-do pelo Decreto Legislativo n. 266, de12.12.91, e promulgado pelo Presidente daRepública mediante o Decreto n. 592, de06.07.92 (Delmanto et al, 2003).

Nesse contexto, veio a lume a Lei n.11.690, de 9 de junho de 2008, que alterou aredação, dentre outros, do referido artigo217, legalizando a infeliz prática judiciá-ria. Segundo o novo texto legal, basta que atestemunha (ou vítima) sinta-se humilha-da, atemorizada ou constrangida, para queo juiz determine a inquirição por video-conferência, e, na impossibilidade de utili-zação dessa forma, ordene a retirada doacusado. Não importa se o réu praticou ounão alguma conduta, nem o motivo alega-do (objetivo ou subjetivo, razoável ou não),revelando que o tema não foi tratado deforma adequada pelo legislador.

De início, recordemos que o direitoconferido ao réu de presenciar os atos pro-cessuais não tem fundamento meramentelegal, mas constitucional (artigo 5º, inci-so LV). Lembre-se, ainda, que o Pacto In-ternacional acima mencionado asseguraao imputado, de forma explícita, o direitode presença (artigo 14, 3, “d”). Ainda quenão se atribua a esse tratado a estatura denorma supraconstitucional (Mello apudMazzuoli, 2000) ou constitucional (Gri-nover apud Mazzuoli, 2000), não há maiscomo negar o seu caráter supralegal(2).Logo, não poderia uma lei ordinária res-tringir um direito estabelecido por nor-ma superior.

Alega-se, em sentido oposto, que

nenhum direito é absoluto (Fudoli, 2008),podendo, portanto, haver restrição legal adireitos previstos constitucionalmente,desde que observados os postulados da ra-zoabilidade e proporcionalidade. É eviden-te, porém, que tais critérios não foram ob-servados pela novalei, que permite aretirada do réu in-dependentemente dequalquer condutadeste e da existên-cia de motivos ob-jetivos e razoáveis.Além do mais, arestrição ao direi-to de presença não é medida necessária nemadequada ao regular desenvolvimento da au-diência. Se o réu ameaçar ou intimidar ví-tima ou testemunhas, poderá vir a ser res-ponsabilizado criminalmente (artigo 147do CP) e ter a sua prisão preventiva decre-tada (com fundamento na conveniência dainstrução criminal), sem prejuízo da in-clusão daquelas em programa especial deproteção (Lei n. 9.807/99).

Veja-se que o direito de presenciar osatos processuais é tão fundamental que estáconsagrado de forma expressa na Consti-tuição dos Estados Unidos da América (6ªemenda), e a Suprema Corte desse país sóadmite restringi-lo — excepcionalmente— em caso de comportamento desordeiro,desrespeitoso ou atemorizador por partedo imputado (Ramos, 2006), o que se mos-tra razoável(3).

Sabe-se, também, que a prova testemu-nhal, em regra, é utilizada como principalfundamento para a condenação, diante daprecariedade da investigação criminal fei-ta no Brasil. E quem milita na seara penalsabe a importância crucial da presença doacusado na audiência ao lado de seu defen-sor, auxiliando-o na formulação das per-guntas (Fernandes, 2000). Logo, se é paraadmitir restrições ao direito de presença,que estas sejam feitas em casos realmenteexcepcionais.

Atente-se, ainda, para o fato de que odireito conferido à acusação de ouvir ofen-dido e testemunhas sem influências inde-vidas não possui maior importância do queo direito do réu de confrontá-las, não po-dendo, assim, prevalecer sobre este em casode conflito. O objetivo do processo não émais descobrir a “verdade real” a qualquerpreço (Lopes Jr., 2007).

Concluímos, portanto, que a retirada doacusado da sala de audiência somente podeser determinada em caráter absolutamenteexcepcional, caso o réu tenha um compor-

tamento capaz de influenciar indevidamen-te aquelas pessoas que serão ouvidas. E,nesse caso, deve-se garantir-lhe a possibi-lidade de assistir ao ato, por videoconfe-rência. Em nosso sistema processual (acu-satório), o réu é sujeito de direitos e não

mais objeto doprocesso. Deve sertratado como ino-cente até a conde-nação irrecorrívele ter a sua dignida-de respeitada (ar-tigos 1º, III, e 5º,LVII, da CF/88).Somente com essa

interpretação é possível salvar a novidadelegislativa e evitar a sua retirada do orde-namento jurídico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto;DELMANTO, Fábio Machado de Almeida. “A retiradado acusado da sala de audiências”, Tribuna do Direi-to, São Paulo, outubro de 2003, p. 26. Disponível em<http://www.delmanto.com/artigo23.htm>. Aces-so em 27 jun. 2008.

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Cons-titucional. São Paulo: RT, 2000.

FUDOLI, Rodrigo de Abreu. “Lei nº 11.690/08: reformado tratamento das provas no Código de ProcessoPenal”, Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1821, 26junho de 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11430>. Acesso em: 27jun. 2008.

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Confor-midade Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2007.

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. “Hierarquia constitu-cional e incorporação automática dos tratados inter-nacionais de proteção dos direitos humanos no or-denamento brasileiro”, Revista de Informação Legis-lativa, Brasília, ano 37, n. 148, pp. 231-250, out./dez.2000. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_148/r148-15.pdf>. Acessoem: 02 jul. 2008.

RAMOS, João Gualberto Garcez. Curso de ProcessoPenal Norte-Americano. São Paulo: RT, 2006.

NOTAS

(1) STF, HC 67.711, 1ª Turma, rel. min. Ricardo Lewan-dowski, j. 04/03/06; STJ, HC 62.393, 6ª Turma, rel.Maria Thereza de Assis Moura, j. 04.10.07.

(2) Cf. o voto do min. Gilmar Mendes no RE 466.343-1/SP, rel. min. Cezar Peluso (julgamento ainda nãoconcluído).

(3) No caso Illinois v. Allen, 397 US 337 (1970), a Supre-ma Corte assentou que “um dos mais básicos direi-tos contidos na cláusula de confrontação é o doacusado estar presente na sala durante cada umdos momentos processuais de seu julgamento” (Ra-mos, 2006).

João Fiorillo de SouzaDefensor público do Estado de Alagoas,especializando em Ciências Penais pela

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CPP

Em nosso sistema processual

(acusatório), o réu é sujeito de

direitos e não mais objeto do

processo. Deve ser tratado como

inocente até a condenação irrecorrível

e ter a sua dignidade respeitada.

Boletim 192_NOV_28-10-08.pmd 28/10/2008, 17:254

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BOLETIM IBCCRIM - ANO 16 - Nº 192 - NOVEMBRO - 2008 5

COORDENADORES REGIONAIS:

1ª REGIÃO (AP, MA e PA):João Guilherme Lages Mendes

2ª REGIÃO (AC, AM e RR):Fabíola Monteconrado Ghidalevich

3ª REGIÃO (PI, CE e RN):Patrícia de Sá Leitão e Leão

4ª REGIÃO (PB, PE e AL):Oswaldo Trigueiro Filho

5ª REGIÃO (BA e SE):Wellington Cesar Lima e Silva

6ª REGIÃO (RJ e ES):Márcio Barandier

7ª REGIÃO (DF, GO e TO):Pierpaolo Bottini

8ª REGIÃO (MG):Felipe Martins Pinto

9ª REGIÃO (MT, MS e RO):Francisco Afonso Jawsnicker

10ª REGIÃO (SP):Ricardo Guinalz

11ª REGIÃO (PR):Jacinto Nelson de Miranda Coutinho

12ª REGIÃO (RS e SC):Rafael Braude Canterji

BOLETIM IBCCRIM- ISSN 1676-3661 -

COORDENADORA-CHEFE:Carina Quito

COORDENADORES ADJUNTOS:Andre Pires de Andrade Kehdi,Caroline Braun, Cecília Tripodi,Eleonora Rangel Nacif, Fabiana Zanatta Vianae Renato Stanziola Vieira

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BOLETIM IBCCRIM - ANO 16 - Nº 192 - NOVEMBRO - 2008 5

FORUM ON-LINE IBCCRIMVeja, abaixo, a programação para os próximos encontros do Fórum On-line e participe!Dia 12 de novembro de 2008: João Paulo Orsini Martinelli (mestre e doutorando em Direito Penal pela USP,professor do Centro Universitário Padre Anchieta [Unianchieta] e das Faculdades de Campinas [Facamp],professor no curso de pós-graduação da Universidade Metodista de Piracicaba e membro da Comissão deJovens Penalistas da Associação Internacional de Direito Penal [AIDP]. Foi pesquisador na Universidade deMunique [Alemanha]. Cursou pós-graduação em Direito Penal na Universidade de Salamanca [Espanha],conversando sobre: “Lavagem de Dinheiro”.Dia 19 de novembro de 2008: Helena Regina Lobo da Costa (mestre e doutora em Direito Penal pelaFaculdade de Direito da USP; membro do Conselho Editorial da Revista do IBCCRIM e coordenadora chefe doDepartamento de Pós-Graduação do IBCCRIM. Autora da obra A Dignidade Humana - Teorias de PrevençãoGeral Positiva - Ed. RT, 2008), conversando sobre: “Dignidade Humana e Finalidades da Pena”.Dia 26 de novembro de 2008: Roberto de Carvalho Campos (professor doutor do Departamento de DireitoPenal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Médico),conversando sobre: “A Responsabilidade Jurídico-Penal do Médico”.Dia 03 de dezembro de 2008: Olga Espinoza (mestre em Direito Penal pela USP; advogada criminal;consultora em tema de Direitos Humanos Penitenciários para a Fundação Ford e para o Banco Interamericano;pesquisadora universitária na França e no Brasil; colaboradora do IBCCRIM no Chile e autora da Monografia nº31 do IBCCRIM). Conversando sobre: “Reinserção Social: Dificuldades”.Dia 10 de dezembro de 2008: David Teixeira de Azevedo (professor doutor do Departamento de Direito Penal,Medicina Legal e Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP e advogadocriminalista). Conversando sobre: “Crimes Tributários: Aspectos Controvertidos”.LEMBRE-SE: QUARTA-FEIRA, SEMPRE ÀS ONZE, É O FÓRUM QUE VAI ATÉ VOCÊ.

IV SIMPÓSIO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS DE BROTAS - BROTAS / SPRealização: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM e Ordem dos Advogados do Brasil - OAB -Secção de São Paulo - 206ª Subsecção de Dois Córregos - Subsede de BrotasApoio de Divulgação: Departamento de Cultura e Eventos da OAB – SPData: 21 e 22 de novembro de 2008 (sexta-feira e sábado)Local: Sindicato Rural de Brotas - Rua Américo Piva, 180 - Chapada dos Guimarães - Brotas / SPInscrições/Informações: (14) 3653-9800, [email protected] ou on-line: www.ibccrim.org.brValor da inscrição: profissional: R$ 20,00 e estudante de graduação: R$ 10,00 (o valor das inscrições serárevertido para APAE de Brotas – SP)Programação:21/11 - 19h00 - Abertura: Carlos Vico Mañas21/11 - 19h15 - Alvino Augusto de Sá - Facções Criminosas nos Presídios: Uma Análise à Luz da Psicologiadas Massas21/11 - 20h30 - Olga Espinoza - Sistemas Penitenciários e Reinserção Social22/11 - 09h00 - Arnaldo Malheiros Filho - A Advocacia Criminal no Estado Policial22/11 - 10h15 - Susana Maria Aires de Sousa - Medicamentos e Responsabilidade Criminal

09 DE JANEIRO A 18 DE ABRIL DE 2009 - CURSOS DE ESPECIALIZAÇÃOEM DIREITO PENAL ECONÔMICO E EUROPEU – COIMBRA / PTInscrições até: 20 de Dezembro de 2008Período das aulas: 09 de Janeiro a 18 de Abril de 2009Horários das aulas: Sábados das 10h às 13h e das 14:30h às 17:30hCarga horária: 85 horas/aulaInformações: http://www.fd.uc.pt/idpee/ ou (+351) 239 823331 ou (+351) 239 705242.

SALAS DOS PROFESSORESNo ar, as novas entrevistas da série “Sala dos Professores” na TV IBCCRIM. Acesse e confira!• Carlos María Romeo-Casabona• Eugenio Raúl Zaffaroni• Lola Aniyar de Castro• Sylvia Steiner• Stella Maris MartinezPara assistir estas e outras entrevistas produzidas pelo IBCCRIM, entre no site www.ibccrim.org.br e clique nobanner TV IBCCRIM.

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HAMLET ENTRE NÓSMarcos Zilli

Receber ou não receber a denúncia?Como é sabido, o recebimento formal

da acusação é ato que não pode ser menos-prezado. Com efeito, ao declarar admissí-vel a imputação, reconhecendo a presençade elementos mínimos que lhe conferemsustentabilidade, o Estado-juiz sacramen-ta graves conseqüências que extravasam ocampo processual, para alcançar, também,o meio social. De fato, a admissão de umaacusação penal reforça o estigma social quejá pairava sobre quem até então figuravacomo suspeito, investigado ou indiciadojustamente por estreitar o vínculo pessoa/fato-criminoso, tornando mais sólido ocaminho em direção à efetivação do po-der-dever punitivo.

No entanto, ao tratar desse importanteato, a nova legislação provocou grande per-plexidade. Isso porque o recebimento veioreferido em dois momentos distintos. Oprimeiro imediatamente após o ofereci-mento da acusação (art. 396, caput)(1). E osegundo após a realização de um contradi-tório preliminar materializado com a apre-sentação da resposta pelo acusado (art.399)(2). Um exame superficial dos disposi-tivos poderia levar à conclusão de que doisforam os momentos estipulados para o re-cebimento da acusação, o que, obviamen-te, se mostra insustentável. As incongruên-cias no texto legal são evidentes impondo-se ao operador superá-las. Nesse ponto,interpretações puramente gramaticais sãoreducionistas não contribuindo para umasolução lógica e adequada. Daí ser impe-riosa a compreensão do sentido desenha-do para cada fase do procedimento penal.

O procedimento é uma unidade lógica,de modo que os atos que o compõem, paraalém dos efeitos imediatos produzidos,também contribuem para o desenrolar or-denado do processo rumo ao ponto culmi-nante que é a sentença. A seqüência é, repi-ta-se, lógica de modo que os atos singula-res integram fases que, por sua vez, tam-bém estão interligadas entre si. Nenhumato ou fase são inócuos e tampouco podemser esvaziados pelo operador. Afinal, comoobserva Scarance(3): “Cada ato tem um efei-to próprio, particular, que opera dentro douniverso do processo. Porém, esse efeito servetambém pata fazer com que o processo progri-da na direção da sua meta e, por isso, o resul-tado de cada ato visa a influir direta ou indi-retamente no conteúdo do ato final, cujo efei-to se projeta para fora do âmbito processual.”

Há, pois, uma lógica em se desenhar umcontraditório anterior ao recebimento for-mal da acusação. E tal se relaciona com aefetividade que se quer emprestar, tanto à

garantia da ampla defesa quanto à própriaatividade processual. De fato, a resposta àacusação é o momento processual oportu-no para que o acusado — que, invariavel-mente não tomou parte na construção doselementos informativos — traga todos oselementos que repute aptos a impedir orecebimento da acusação. O objetivo, por-tanto, é o de evitar que acusações desprovi-das de sustentabilidade, ou mesmo desdelogo manifestamente infundadas, tenhamprosseguimento, prolongando o drama in-dividual, além de onerarem, desnecessaria-mente, o Estado. Assim, uma vez reconhe-cida a pertinência da acusação, fica supe-rada uma etapa processual, passando-separa a subseqüente em que todos os esfor-ços estarão concentrados para a discussãoe para o exame da veracidade da afirmaçãoacusatória.

A questão não é nova entre nós. Muitopelo contrário. Ela está presente no pro-cesso de julgamento dos crimes de respon-sabilidade de funcionário público(4) — oque, aliás, remonta a uma tradição oriundado Código Criminal do Império —, noscrimes de menor potencial ofensivo(5) etambém na Lei de Tóxicos(6). Por sua vez,os Anteprojetos de reforma do CPP, suces-sivamente apresentados, já propunhamuma alteração substancial nessa etapa como estabelecimento da resposta preliminarpara todos os procedimentos(7). E nem sealegue tratar-se de peculiaridade nacional.Há muito está consolidada no direito nor-te-americano sob a denominação de preli-minary hearings(8), além de ter sido incor-porada no processo penal internacionalpelo Estatuto de Roma(9).

Logo, não foi por menos que o artigo394, § 4º, com redação dada pela Lei 11.719/2008, impôs a observância dos artigos 395 a398 a todos os procedimentos penais, pre-vistos ou não pelo Código. Afinal, a inten-ção era a de sempre conceder ao acusadouma oportunidade para a apresentação deuma defesa que fugisse do âmbito da meraformalidade. Na verdade, deve ela consti-tuir importante instrumento potencialmen-te capaz de impedir o recebimento formalda acusação ou mesmo de consagrar a absol-vição imediata do acusado, resgatando, as-sim, o prejuízo moral a que foi submetido.

E foi essa mesma preocupação com acu-sações desprovidas de requisitos mínimosque levaram à previsão de uma filtragemliminar a ser realizada pelo juiz. Assim, sedesde logo constatada a inépcia, a ausênciade pressuposto processual, a ausência decondição da ação ou a ausência de justacausa, a denúncia ou queixa será rejeitadaH

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liminarmente(10). Obviamente, nova peçapoderá ser apresentada, desde que corrigi-dos aqueles vícios. O que se pretende, rei-tere-se, é evitar a desnecessária movimen-tação da máquina judiciária. Por outro lado,caso o juiz repute presentes aqueles requi-sitos mínimos, determinará o processa-mento sem que tal ato implique recebimen-to formal da acusação com todos os efeitosjurídicos que lhe são próprios. É, note-se,a melhor, leitura a ser dada à expressão “re-ceber” inserida de última hora no artigo396. Cuida-se, portanto, de uma aceitaçãoliminar e que leva, tão somente, ao chama-mento daquele que foi indicado como oresponsável pelo fato imputado. É por issoque ele terá ciência da apresentação da acu-sação para que então possa, desde logo, exer-cer a sua defesa em toda a sua plenitude eextensão.

E nem se alegue que a citação pressupõeo recebimento da acusação. Não há, neces-sariamente, tal ordem como já revelava aprópria Lei dos Juizados Criminais. Afi-nal, o objetivo da citação é o de formalizara ciência ao acusado dos termos de umaacusação que foi contra ele apresentada.Trata-se, portanto, de ato de informação,condição essencial para o exercício do con-traditório e da ampla defesa. E havendocitação válida, desnecessária a sua repeti-ção futura, até mesmo porque a relação,entre todos os sujeitos processuais, estaráestabilizada(11).

Dessa forma, os argumentos que procu-ram ver na redação dada ao artigo 395 omomento desenhado para o recebimentoformal da acusação partem de uma inter-pretação literal que desconsidera inúme-ros aspectos ligados à estrutura lógica ima-ginada para o novo procedimento. Comefeito, este “recebimento” jamais poderiaser definitivo, pois do contrário, restariatotalmente esvaziada a previsão de umaresposta ampla por parte do acusado. Ade-mais, diante da clara regra de extensão dadapelo § 4º do artigo 394, haveria um inad-missível retrocesso em procedimentos quejá traziam previstas a resposta preliminar.Por outro lado, imaginar “dois recebimen-tos” seria de todo absurdo além de trazergraves complicações na determinação domarco interruptivo da prescrição.

Logo, quando do oferecimento de de-núncia ou da queixa, caberá ao juiz fazerum exame preliminar e que se limita a ave-riguar se a peça e a narrativa ali expostareúnem os requisitos e as condições míni-mas para o processamento com o chama-mento do acusado para exercer a sua defe-sa. Não atendidos os requisitos e/ou au-

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sentes as condições de ação ou de procedi-bilidade, o juiz desde logo a rejeitará. E, orecurso em sentido estrito eventualmenteinterposto poderá levar ao processamentoda ação com a determinação de citaçãodo réu, desde que julgado procedente. As-sim, quando da apresentação da respos-ta, restarão ao juiz várias alternativas:rejeição diante da configuração de algu-ma das hipóteses previstas pelo artigo395, absolvição sumária diante de todo omaterial que lhe foi apresentado pelaspartes, acolhimento de alguma das exce-ções opostas ou, finalmente, o recebi-mento formal da acusação com a desig-nação de audiência de instrução, debatese julgamento. E somente na última hipó-tese é que estará caracterizado o marcointerruptivo do prazo prescricional.

Essa ordem lógica, é importante pon-tuar, deve ser aplicada a todos os procedi-mentos, inclusive aos Juizados Criminaise ao Tribunal do Júri. Quanto ao primeiro,todavia, deverá ser compatibilizada com osprincípios da celeridade, da informalidadee da concentração dos atos processuais. Dequalquer modo, naquele juízo deverão serobservadas a possibilidade de rejeição oumesmo a absolvição sumária, após a respos-ta e antes do recebimento formal, mas tudoem audiência de instrução e julgamento.

Quanto ao procedimento do júri, tam-bém aplicam-se as regras previstas nos arts.395 a 398, por mais que uma interpretação

literal do art. 406 indique o contrário. Afi-nal, a regra de extensão prevista pelo art.394, § 4º não deixa dúvidas quanto à suaamplitude. Aliás, são justamente os crimesdolosos contra a vida que se mostram com-patíveis com muitas das excludentes de an-tijuridicidade ou de culpabilidade. Nemseria lógico impor-se ao juiz o recebimen-to formal da acusação quando manifesta-mente evidenciada a presença de algumaexcludente para somente reconhecê-la aofinal. Daí o cabimento, também neste pro-cedimento, do contraditório inicial.

É esta, enfim, a interpretação que resgataa lógica de todo o sistema o qual não podeser comprometido por exegeses puramenteliterais. Os procedimentos penais devem seravaliados em sua totalidade. O conjunto re-centemente desenhado aponta para a efeti-vidade de uma defesa capaz de impedir orecebimento formal da acusação ou até mes-mo de conduzir a uma absolvição sumária.Se o legislador, no entanto, estabeleceu in-congruências, cabe ao juiz fixar uma solu-ção que resgate a unidade lógica tendo emvista o dogma do fair trial. Afinal, esta é umadas missões que lhe compete.

NOTAS

(1) “Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário,oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não rejeitarliminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação doacusado para responder à acusação, por escrito, noprazo de 10 (dez) dias.”

(2) “Art. 399. Recebida a denúncia ou queixa, o juizdesignará dia e hora para a audiência, ordenando aintimação do acusado...”

(3) Teoria Geral do Procedimento e o Procedimento noProcesso Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais,2005, p. 33.

(4) “Art. 514. Nos crimes afiançáveis, estando a denún-cia ou queixa em devida forma, o juiz mandará atuá-la e ordenará a notificação do acusado para respon-der por escrito, dentro do prazo de 15 (quinze) dias.”

(5) Como dispõe o art. 81 da Lei 9.099/95: “Aberta aaudiência, será dada a palavra ao defensor para res-ponder à acusação, após o que o juiz receberá, ounão, a denúncia ou queixa...”

(6) É o que dispõe o art. 55, caput da Lei 11.343/06:“Oferecida a denúncia, o juiz ordenará a notificaçãodo acusado para oferecer defesa prévia por escrito,no prazo de 10 (dez) dias.”

(7) Anteprojeto Tornaghi e Projeto de Frederico Marques.Nesse sentido: FERNANDES, Antonio Scarance. AReação Defensiva à Imputação. São Paulo: Revistados Tribunais, 2002, pp. 174-177.

(8) Trata-se de uma audiência em que a acusação e adefesa apresentam os seus argumentos e as suasprovas a fim de ser aferida a existência ou não defundamentos mínimos para a acusação. Caso estaseja considerada admissível, a causa é levada ajulgamento. Ver: BURNHAM, William. Introductionto the Law and Legal System of the United States. 2ªed., St. Paul: West, 1999, pp. 262-263.

(9) Art. 61.1.(10 De acordo com a nova redação do artigo 395.(11) Daí a redação dada ao art. 363, caput: “O proces-

so terá completada a sua formação quando realiza-da a citação do acusado.”

Marcos ZilliJuiz de Direito, professor doutor de Processo Penal

na Faculdade de Direito da Universidade deSão Paulo e coordenador de Relações

Internacionais do IBCCRIM

A NOVA REDAÇÃO DOS ARTIGOS 155 E 156 DOCÓDIGO DE PROCESSO PENAL E A PRODUÇÃO ANTECIPADADA PROVA TESTEMUNHAL NA FASE DO INQUÉRITO POLICIALCarla Campos Amico

O inquérito policial visa apurar a exis-tência de infração penal e de sua autoria,oferecendo elementos ao titular da açãopenal para a promoção da peça acusatóriainicial. A investigação, geralmente a cargoda Polícia Judiciária, se desenvolve porimpulso oficial sob a forma escrita, semintervenção das partes (modelo inquisitó-rio), sendo formada por uma série de dili-gências como buscas e apreensões, examesde corpo de delito, interrogatórios, depoi-mentos de testemunhas e ofendidos e re-conhecimento de pessoas e coisas.

A prova colhida exclusivamente na fasede inquérito policial não passa pelo crivodo contraditório, com a presença das par-tes e, em razão disso, está sujeita ao con-traditório diferido ou deve ser repetidaem juízo para ser considerada apta a fun-damentar o convencimento do julgador.Algumas provas produzidas na fase poli-

cial, embora não sujeitas ao contraditó-rio prévio tais como as perícias realiza-das em infrações que deixam vestígios(CPP, art. 158), guardam a presunção re-lativa de veracidade capaz de atestar amaterialidade da infração e, em regra, nãosão repetidas em juízo em face do desa-parecimento dos vestígios, embora sejaadmitida prova em contrário.

Na fase de investigação policial, admi-te-se a produção da prova através da inter-venção judicial como a interceptação tele-fônica, a quebra do sigilo bancário e a bus-ca e apreensão; nesses casos o contraditó-rio será diferido para a fase judicial.

Dentre as provas colhidas no inquéritopolicial, a prova testemunhal tem valor re-levante, pois não raras vezes, por deficiên-cia de perícia técnica adequada e oportu-na, as infrações penais só podem ser com-provadas por declarações de pessoas que

assistiram ao fato ou dele tiveram conhe-cimento.

A prova testemunhal exclusivamentecolhida na fase inquisitorial, contudo, nãopode fundamentar uma decisão judicialcondenatória(1), necessitando ser repetidana ação penal sob o crivo do contraditório.

Aguardar a conclusão das investigaçõespoliciais para a adequada propositura daação penal, resguardando a dignidade dapessoa humana que não deve ser atingidapor denúncia temerária, por vezes, no en-tanto, leva ao perecimento da prova teste-munhal colhida na fase investigatória. Daía necessidade e urgência, ainda na fase deinquérito policial, da produção antecipa-da da prova testemunhal perante o juizquando atendidos os requisitos para a con-cessão da cautelar: fundado receio de quea demora e a incerteza quanto ao compa-recimento da testemunha em juízo possamR

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determinar o perecimento da prova.A probabilidade de perecimento da prova

testemunhal, a exemplo do que prevê a legis-lação processual penal para a fase judicial(CPP, art. 225), verifica-se quando a teste-munha tiver necessidade de ausentar-se dacomarca para lugar incerto, ou por enfermi-dade ou velhice inspirar receio de que ao tem-po da instrução criminal já não exista.

A Lei nº 11.690, de 9 de junho de 2008,que alterou a redação dos artigos 155(2) e156(3) do Código de Processo Penal, previua possibilidade de, na fase de inquérito po-licial, desde que preenchidos os requisitospara a concessão da cautelar, poder ser de-ferida pelo juiz a produção antecipada daprova testemunhal, para resguardar o di-reito à prova que está ligado à garantia dodevido processo legal (CF, art. 5º, LIV)correlato aos direitos de ação (CF, art, 5º,XXXV) e de defesa (CF, art. LV), em queprocuram as partes demonstrar a veraci-dade de suas afirmações. Fernandes (2000,pp. 68-69) sintetiza que o direito à prova semanifesta processualmente através de vá-rios direitos da parte: “a) direito de reque-rer a produção da prova; b) direito a que ojuiz decida sobre o pedido de produção da pro-va; c) direito a que, deferida a prova, esta sejarealizada, tomando-se todas as providênciasnecessárias para sua produção; d) direito aparticipar da produção da prova; e) direito aque a produção da prova seja feita em contra-ditório; f) direito a que a prova seja produzi-da com a participação do juiz; g) direito aque, realizada a prova, possa manifestar-se aseu respeito; h) direito a que a prova seja obje-to de avaliação pelo julgador.”

Uma vez produzida a prova testemu-nhal na fase inquisitorial sob o crivo docontraditório, ela será apta a realizar suafinalidade — convencer o juiz a respeitoda existência ou inexistência de fato pre-térito, da sua autoria e das circunstân-cias em que ocorreram —, visando pro-piciar uma futura decisão judicial emação penal que restabeleça um direitoviolado ou ameaçado.

O pedido de produção antecipada deprova deve ser processado em autos apar-tados ao da investigação policial da se-guinte maneira: 1- formulação de reque-rimento motivado pelo Ministério Públi-co (ação penal pública), pelo ofendido(ação penal privada) ou pelo indiciado oususpeito, endereçado ao juiz competen-te; 2- para apreciar o pedido, em concor-rendo dois ou mais juízes igualmentecompetentes ou com jurisdição cumula-tiva, prevalecerá aquele que tiver antece-dido aos outros na prática de algum atodo procedimento investigatório, taiscomo decretação de prisão preventiva,concessão de fiança, mandado de busca eapreensão ou autorização de intercepta-

ção telefônica (CPP, art. 83). Não haven-do prevenção entre os juízes, a precedên-cia da distribuição fixará a competência(CPP, art. 75); 3- deferido o pedido, o juizprocederá à ouvida da testemunha, com aparticipação do Ministério Público, doofendido, do indiciado ou suspeito, devi-damente acompanhados de advogado,resguardado o contraditório.

Como, no inquérito policial, ainda nãofoi delimitada aacusação que ape-nas ocorre com ooferecimento dadenúncia ou daqueixa, quais de-vem ser os fatosquestionados àtestemunha sobreo crivo do contra-ditório? A provaoral deve ser co-lhida quanto àprovável imputa-ção ao agente des-crita no auto deprisão em flagrante ou em outras provas atéentão coletadas. Evidentemente que a pro-va cautelar produzida sob o crivo judicialsó terá valor a respeito dos fatos já identifi-cados e definidos e entre as partes que par-ticiparam da coleta da prova, resguardada aampla defesa e o efetivo contraditório.

Vale ressaltar que o deferimento e a pro-dução da prova como cautelar não subtraia imparcialidade do juiz que visará unica-mente perquirir fatos reais e verossímeis(onde e como ocorreram, quem os prati-cou e em que circunstâncias), não conhe-cendo o resultado que a prova trará aomundo jurídico e qual das partes será be-neficiada com a sua produção.

O processo penal acusatório não se des-natura com a produção antecipada da pro-va testemunhal (cautelar) na fase de inqué-rito policial, permanecendo hígidos os seuscorolários: “a) os elementos probatórios co-lhidos na fase investigatória, prévia ao proces-so, servem exclusivamente para a formação doconvencimento do acusador, não podendo in-gressar no processo e ser valorados como provas(salvo se se tratar de prova antecipada, subme-tida ao contraditório judicial, ou de prova cau-telar, de urgência, sujeita a contraditório pos-terior); b) o exercício da jurisdição depende deacusação formulada por órgão diverso do juiz(o que corresponde ao aforisma latino nemoin iudicio tradetur sine accusatione); c) todoo processo deve desenvolver-se com contraditó-rio pleno, perante o juiz natural” (Grinover,1999, pp. 71-79).

Admitir a produção antecipada da pro-va testemunhal na fase de inquérito poli-cial, por sua vez, não confere ao juiz a atri-buição de investigador, própria da autori-

dade policial, senão a função de determi-nar providências cautelares sob o mantodo contraditório e da ampla defesa paraevitar o perecimento do direito do Estado(jus puniendi) ou do agente (jus libertatis),enfim a perda da possibilidade de elucida-ção da verdade real.

Na busca da verdade real, a extensão dodireito à prova, apenas encontra barreirana inadmissibilidade da prova obtida por

meio ilícito (CPP,art. 157), ou quan-do, na sua produ-ção, não são res-guardados os prin-cípios do contradi-tório e da ampladefesa.

A concessão ju-dicial da medidacautelar de anteci-pação da produçãoda prova testemu-nhal, na fase de in-quérito policial,não atenta contra

qualquer princípio constitucional de ga-rantia individual ou mesmo contra o siste-ma acusatório e, nos dias atuais, sua im-portância se revela, especialmente, nocombate à força do crime organizado queaposta na ineficiência de técnicas periciaisdo Estado, no poder de atemorizar e fazerdesaparecer testemunhas, de corromperagentes públicos e na demora da prestaçãojurisdicional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Cons-titucional. 2ª ed. ver. e atual., São Paulo: RT, 2000.

GRINOVER, Ada Pellegrini. “A iniciativa instrutória dojuiz no processo penal acusatório”, Revista Brasi-leira de Ciências Criminais, ano 7, n. 27, pp. 71-79, jul./set. 1999.

NOTAS

(1) STJ – RHV nº 10.456/GO, 6ª T., rel. min. VicenteLeal, j. 29.09.01, v.u., DJU 15.10.01, p. 299.

(2) “Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livreapreciação da prova produzida em contraditório ju-dicial, não podendo fundamentar sua decisão ex-clusivamente nos elementos informativos colhidosna investigação, ressalvadas as provas cautelares,não repetíveis e antecipadas.”

(3) “Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem afizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I –ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, aprodução antecipada de provas consideradas ur-gentes e relevantes, observando a necessidade,adequação e proporcionalidade da medida;”

Carla Campos AmicoPromotora de Justiça da Comarca de Natal-RN;especialista em Criminologia pela Universidade

Federal do Rio Grande do Nor te e especialista emProcesso Penal pela Universidade Potiguar e

Fundação Escola Superior do Ministério Público doRio Grande do NorteR

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O deferimento e a produção da prova

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verossímeis (onde e como ocorreram,

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REFORMA DO PROCEDIMENTO COMUM (LEI N. 11.719/08):O MOMENTO PROCESSUAL ADEQUADO PARA O RECEBIMENTO DADENÚNCIA OU QUEIXA E A ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA (ART. 397 DO CPP).Paulo Henrique Aranda Fuller

1. Colocação do problemaA leitura dos arts. 396, caput, e 399, caput,

ambos do Código de Processo Penal, evi-dencia uma duplicidade de alusões ao rece-bimento da denúncia ou queixa, suscitandodesde logo a indagação sobre o momentoprocessual adequado para a decisão de ad-missibilidade da acusação: seria depois deafastadas apenas as possibilidades de rejei-ção liminar (art. 396, caput) ou seria depoisde afastadas tanto as possibilidades de rejei-ção liminar como as de absolvição sumáriado acusado (art. 399, caput)?

A questão possui repercussão direta nainterrupção do lapso prescricional (art. 117,I, do CP) e ainda define a absolvição su-mária (art. 397 do CPP) como mera possi-bilidade de julgamento antecipado do pedido(depois de instaurada e completada a rela-ção processual) ou como uma decisão preli-minar à instauração da ação penal (anteriorao recebimento da denúncia ou queixa).

Primeira posição: a decisão de recebi-mento da denúncia ou queixa seria aquelado art. 396, caput, do Código de ProcessoPenal (decorreria da não-rejeição). Paraessa corrente, o termo “recebida”, contidono art. 399, caput, seria uma simples remis-são ao recebimento ocorrido quando daapuração da ausência das causas de rejei-ção liminar (art. 395 do CPP).

A adoção da primeira orientação (parao recebimento da denúncia ou queixa bas-ta não caber a sua rejeição) faria da absol-vição sumária (art. 397 do CPP) uma merapossibilidade de julgamento antecipado dopedido, quando o reconhecimento da ati-picidade, da exclusão da ilicitude ou daculpabilidade prescindissem da produçãode prova oral em audiência.

Seria uma decisão de absolvição profe-rida no curso da ação penal, depois do rece-bimento da denúncia ou queixa (art. 396,caput, do CPP), da citação do acusado e daapresentação de resposta à acusação, antesapenas da fase de instrução, de forma simi-lar ao disposto no art. 330, inciso I, do Có-digo de Processo Civil.

Segunda posição: a decisão de recebi-mento da denúncia ou queixa seria aquelado art. 399, caput, do Código de ProcessoPenal (decorreria da ausência das causasde rejeição liminar e de absolvição sumá-ria). Para essa corrente, o termo “recebê-la-á”, contido no art. 396, caput, significa asimples não-rejeição liminar da denúnciaou queixa, para fins de continuidade doprocedimento (citação e resposta à acusa-ção), mas não recebimento propriamente

dito, em sentido técnico-processual de ins-tauração da ação penal.

A segunda orientação (o recebimento dadenúncia ou queixa supõe a impossibilida-de da rejeição liminar, bem como da ab-solvição sumária) situaria a decisão de ab-solvição sumária (art. 397 do CPP) em umafase preliminar à instauração da ação pe-nal, antecedente ao recebimento da denún-cia ou queixa (art. 399, caput, do CPP).

A fase preliminar abrangeria então asseguintes etapas:

a) rejeição liminar (encerramento semresolução de mérito) / não-rejeição limi-nar da denúncia ou queixa (continuidadedo procedimento);

b) citação do acusado;c) apresentação da resposta à acusação;d) absolvição sumária do acusado (en-

cerramento com resolução de mérito) / re-cebimento da denúncia ou queixa (instau-ração formal da ação penal).

2. A solução propostaEntendemos correta a segunda orienta-

ção, no sentido de que a decisão de recebi-mento da denúncia ou queixa somente te-ria lugar depois de superadas as possibili-dades de rejeição liminar (art. 395 do CPP)e de absolvição sumária (art. 397 do CPP),de sorte que os arts. 395 a 397 representa-riam uma fase preliminar à instauração daação penal.

Tal posição, no entanto, enfrenta umaobjeção freqüente: como se poderia conce-ber uma decisão de absolvição antes da ins-tauração formal da ação penal?

Demonstraremos, a seguir, a inconsis-tência da aludida objeção.

O regime processual anterior determi-nava a rejeição da denúncia ou queixa quan-do “o fato narrado evidentemente não consti-tuir crime” (art. 43, I, do CPP), caso em quesempre se reconheceu a apreciação do me-ritum causae, com a conseqüente formaçãode coisa julgada material (antes mesmo dainstauração formal da ação penal).

A respeito, Ada Pellegrini Grinover pre-leciona que, “ainda que declarada por ocasiãoda apresentação da denúncia ou da queixa, oca-sionando a sua rejeição (art. 43, I, CPP), a faltade tipicidade não deixará de configurar senten-ça de mérito: aliás, o parágrafo único do art. 43possibilita novo exercício do direito de ação,única e exclusivamente na hipótese do incisoIII, do mesmo dispositivo. Não se refere, o pará-grafo único, ao item I do artigo, demonstrandoque a rejeição da denúncia ou queixa, por atipi-cidade dos fatos narrados, preclui a via judiciá-

ria e impossibilita novo exercício do direito deação, porque a lide já foi solucionada pelo mé-rito”(1). E adiante conclui: “em nosso enten-der, o art. 43, I, do CPP representa exatamenteo permissivo legal para que o juízo de méritovenha antecipadamente, com todos os efeitos dacoisa julgada material.”(2)

Do mesmo modo, o Supremo TribunalFederal entende que a decisão de arquiva-mento dos autos de inquérito policial,quando fundada na atipicidade do fato,opera a formação de coisa julgada mate-rial(3), a despeito de sequer haver acusaçãoformal neste momento da persecução pe-nal, em que o juiz exerce função anômalade fiscal do princípio da obrigatoriedadeda ação penal pública.

Como se percebe, a circunstância de a Lein. 11.719/08 alterar a rubrica da decisão de“rejeição” por atipicidade do fato narrado(antigo art. 43, I, do CPP) para absolvição su-mária (art. 397, III, do CPP) em nada modifi-cou a sua essência (produção dos mesmosefeitos), pois “o que caracteriza um instituto,ressalte-se, não é sua posição topográfica no Có-digo, ou o nome que lhe dão o legislador ou ointérprete, mas, sim, o seu real conteúdo”(4).

A nosso ver, a Lei n. 11.719/08 apenassistematizou as hipóteses do antigo art. 43do Código de Processo Penal, de acordocom o seu fundamento: as de origem pro-cessual, como a ilegitimidade da parte e afalta de condição exigida para o exercícioda ação penal (inciso III), continuam de-flagrando a rejeição liminar da denúnciaou queixa, sem resolução de mérito (art.395 do CPP), enquanto que as de origemmaterial, como a atipicidade do fato nar-rado e a extinção da punibilidade (incisosI e II), ensejam agora a absolvição sumá-ria do acusado, com resolução de mérito(art. 397 do CPP).

E o mais importante: afirmar que o re-cebimento da denúncia ou queixa ocorre-ria no momento processual do art. 396, ca-put, do Código de Processo Penal (não-re-jeição liminar), implica o absurdo de obri-gar o juiz a admitir acusações em que ofato narrado seja evidentemente atípico ouem que esteja extinta a punibilidade, sim-plesmente porque tais situações foram ro-tuladas como causas de absolvição sumá-ria do acusado(5) (art. 397, III e IV, do CPP).

Como anotado, a lógica do sistema pro-cessual penal não pode ser subvertida porforça da singela mudança do nomen iurisde uma decisão, notadamente quando con-siderado que o art. 61, caput, do Código deProcesso Penal, determina o reconheci-R

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mento ex officio das causas de extinção dapunibilidade, em qualquer fase do proces-so (e o oferecimento da denúncia ou quei-xa estabelece relação processual entre oórgão da acusação e o juiz).

Cabe salientar que a possibilidade deabsolvição sumária não representa novida-de em nosso sistema processual penal: oart. 6º, caput, in fine, da Lei n. 8.038/90(6),que disciplina o procedimento das açõespenais de competência originária dos Tri-bunais, permite que estes deliberem sobre“a improcedência da acusação, se a decisão nãodepender de outras provas”(7), antes mesmodo recebimento da denúncia ou queixa(8),ou seja, antes da instauração formal da açãopenal. Portanto, se a absolvição sumária éadmitida para os detentores de prerrogati-va de função, por que não o seria para osacusados em geral?

Weber Martins Batista, ao discorrer so-bre o saneamento no processo penal, sus-tenta a possibilidade de absolvição preli-minar: “nos processos do júri, a decisão preli-minar baseia-se nas provas colhidas no sumá-rio. Nos processos das varas comuns poderábasear-se na prova do inquérito policial, es-clarecida pelas alegações e complementada comas provas que o acusado produzir com sua de-fesa prévia.”(9) E acrescenta: “o próprio le-gislador admite como possível a apreciação demérito, para absolvição do acusado no nasce-douro do processo, com base em prova colhidaantes da instrução criminal, desde que plena eindiscutível, pois não é outra coisa o que con-sagram os arts. 514-516 do Código, que tra-tam dos crimes de responsabilidade dos fun-cionários públicos. Salvo a fase inicial, emtudo o mais são esses processos semelhantes aoprocesso ordinário.”(10)

Por derradeiro, nada impede que a cita-ção do acusado seja operada antes da ins-tauração formal da ação penal (art. 396, ca-put, do CPP), tal como sucede no procedi-mento sumaríssimo dos Juizados EspeciaisCriminais (arts. 78, caput e § 1º, e 81, caput,ambos da Lei n. 9.099/95).

3. Aplicação da rejeição liminar3. (art. 395 do CPP) e da absolvição3. preliminar (art. 397 do CPP)3. ao procedimento do júri

Entendemos ter aplicação ao procedimen-to do júri as fases de rejeição liminar da de-núncia ou queixa (art. 395 do CPP) e de ab-solvição preliminar do acusado (art. 397 doCPP), antes da instauração da ação penal.

Passaremos a designar por preliminar aabsolvição sumária do art. 397 do Código deProcesso Penal (anterior ao recebimento dadenúncia ou queixa), para distinguir daquelaproferida ao final da instrução preliminar doprocedimento do júri (art. 415 do CPP).

Com efeito, se o fato narrado for eviden-temente atípico, não teria sentido o juiz serobrigado a receber a denúncia ou queixapara, somente ao cabo da instrução preli-

minar, proceder à absolvição do art. 415,inciso III, do Código de Processo Penal.

O mesmo se diga em relação aos casosde extinção da punibilidade ocorrida antesdo recebimento da denúncia ou queixa,mesmo porque o art. 61, caput, do Códigode Processo Penal, determina o seu re-conhecimento ex officio, em qualquer fasedo processo.

Do contrário, em crimes dolosos contraa vida, por força da suposta incompatibili-dade do art. 397 do Código de ProcessoPenal, o acusado teria sempre que impe-trar habeas corpus contra a decisão de rece-bimento da denúncia ou queixa para, so-mente então, obter o reconhecimento daextinção da punibilidade (art. 648, VII, doCPP), agora erigida à categoria de absolvi-ção (art. 397, IV, do CPP).

Ademais, as situações de absolvição pre-liminar (art. 397 do CPP) e de absolviçãosumária (art. 415 do CPP) são claramentedistintas.

A atipicidade da absolvição preliminar éaquela evidenciada pela narrativa do fatocontido na denúncia ou queixa (art. 397, III,do CPP), independentemente da aprecia-ção dos elementos de convicção coligidosna investigação criminal, enquanto que aatipicidade da absolvição sumária é aquelaresultante da valoração das provas produzi-das durante a instrução preliminar do pro-cedimento do júri (art. 415, III, do CPP).

Cumpre discernir a atipicidade abstrata(do fato narrado na denúncia ou queixa) daatipicidade concreta (do fato apurado duran-te a instrução preliminar do procedimentodo júri). A primeira enseja a absolvição pre-liminar (art. 397, III, do CPP); a segunda, aabsolvição sumária (art. 415, III, do CPP).

Temos, portanto, três possibilidades:a) a ausência de suporte fático (elemen-

tos de convicção coligidos durante a inves-tigação criminal) para a acusação acarretaa rejeição liminar da denúncia ou queixa,sem resolução de mérito, por falta de justacausa para o exercício da ação penal (art.395, III, do CPP);

b) a atipicidade (abstrata) do fato narra-do na denúncia ou queixa, v.g., a descriçãode crime impossível, acarreta a absolviçãopreliminar, com resolução de mérito (art.397, III, do CPP), antes mesmo da instau-ração da ação penal (anterior ao recebi-mento da denúncia ou queixa);

c) a atipicidade (concreta) do fato apu-rado durante a instrução preliminar do pro-cedimento do júri, v.g., a demonstração ca-bal da ocorrência de erro de tipo permissi-vo (art. 20, § 1º, do CP), acarreta a absolvi-ção sumária, com resolução de mérito (art.415, III, do CPP), ao final da instrução pre-liminar do procedimento do júri.

Paralelamente, a existência manifesta decausa excludente da ilicitude do fato ou daculpabilidade do agente, constatada duran-te a investigação criminal, permite a absol-

vição preliminar (art. 397, I e II, do CPP),antes do recebimento da denúncia ou quei-xa, ao passo que a demonstração dessas si-tuações, durante a instrução preliminar doprocedimento do júri, possibilita a absol-vição sumária (art. 415, IV, do CPP).

A aplicação da rejeição liminar e da ab-solvição preliminar a esses casos é reforça-da pelo art. 394, § 4º, do Código de Proces-so Penal, que, depois de aludir ao procedi-mento do júri (§ 3º), determina a incidên-cia dos arts. 395 a 398 “a todos os procedi-mentos penais de primeiro grau”.

Assim, haveria incompatibilidade apenasem relação ao momento da citação (art. 396do CPP), que no procedimento do júri seopera depois do recebimento da denúncia ouqueixa (art. 406, caput, do CPP), de sorte queas decisões de rejeição liminar e de absolvi-ção preliminar seriam proferidas indepen-dentemente da manifestação do acusado (an-tes da apresentação da resposta à acusação),tal como sucedia no regime do antigo art. 43do Código de Processo Penal.

NOTAS

(1) GRINOVER, Ada Pellegrini. As Condições da AçãoPenal: Uma Tentativa de Revisão, São Paulo: Bushat-sky, 1977, pp. 70-71.

(2) GRINOVER, Ada Pellegrini. As Condições da AçãoPenal: Uma Tentativa de Revisão, São Paulo: Bushat-sky, 1977, pp. 72-73.

(3) STF, 1ª Turma, HC 83.346/SP, rel. min. SepúlvedaPertence, j. 17.05.2005, DJ 19.08.2005; STF, Tribu-nal Pleno, Inq-QO 1.604/AL, rel. min. Sepúlveda Per-tence, j. 13.11.2002, DJ 13.12.2002.

(4) BATISTA, Weber Martins. Direito Penal e Direito Pro-cessual Penal, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997,p. 125.

(5) Cumpre esclarecer que, a partir da Lei n. 11.719/08,a atipicidade do fato narrado na denúncia ou queixa ea extinção da punibilidade (antigo art. 43, I e II, doCPP) não podem mais ser consideradas como si-tuações de impossibilidade jurídica do pedido e faltade interesse processual (carência de ação, que en-sejaria a rejeição liminar do art. 395, II, in fine, doCPP), respectivamente, pois agora constituem cau-sas de absolvição sumária do acusado (improce-dência do pedido), a teor do art. 397, incisos III e IV,do Código de Processo Penal. Acolheu-se, assim, aproposta formulada por Ada Pellegrini Grinover (AsCondições da Ação Penal: Uma Tentativa de Revisão,São Paulo: Bushatsky, 1977, pp. 70/75-76).

(6) O art. 1º da Lei n. 8.658, de 26 de maio de 1993,determina a aplicação das mesmas normas aos pro-cessos de competência originária dos Tribunais deJustiça e dos Tribunais Regionais Federais.

(7) STJ, Corte Especial, Apn 404/AC, rel. min. GilsonDipp, j. 05.10.2005, DJ 24.10.2005; STJ, 5ª Turma,REsp. 245.005/PR, rel. min. Felix Fischer, j.04.09.2001, DJ 08.10.2001.

(8) STJ, 5ª Turma, REsp. 142.168/GO, rel. min. JoséArnaldo da Fonseca, j. 19.08.1999, DJ 20.09.1999;STJ, Corte Especial, Apn 240/PA, rel. min. FernandoGonçalves, j. 18.08.2004, DJ 20.09.2004.

(9) BATISTA, Weber Martins. Direito Penal e Direito Pro-cessual Penal, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997,p. 146.

(10) BATISTA, Weber Martins. Direito Penal e DireitoProcessual Penal, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense,1997, p. 147.

Paulo Henrique Aranda FullerJuiz de Direito em Minas Gerais, mestrando em

Direito Penal pela PUC-SP e professor de ProcessoPenal da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (LFG)R

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JUIZ INQUISIDOR E A REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL:UMA QUESTÃO CONTROVERTIDA.Carla Domenico

As tão esperadas mudanças no Códigode Processo Penal vieram. Mas, infelizmen-te, com surpreendentes distorções. Se, deum lado, é um alívio a disposição segundoa qual “o juiz formará sua convicção pela li-vre apreciação da prova produzida em con-traditório judicial, não podendo fundamen-tar sua decisão exclusivamente nos elemen-tos informativos colhidos na investigação...”(art. 155, do CPP), de outro, vê-se o estabe-lecimento de regras que legitimam a figurade um juiz inquisidor, inexistente no pro-cesso penal do tipo acusatório e a afronta àamplitude do direito de defesa.

Atendendo à ansiedade de um processomais célere, o artigo 212, trazido pela Leinº 11.690/08, regulamentou a possibilidadede as partes indagarem diretamente à tes-temunha, sem desnecessárias repetições einterpretações. Sem embargo, no parágra-fo único, vem a seguinte disposição: “sobreos pontos não esclarecidos, o juiz poderá com-plementar a inquirição.”

Tal disposição vaga e elástica coloca adefesa em posição absolutamente desequi-librada e injusta, merecendo severas críti-cas. O que são pontos não esclarecidos?No que consiste tal possibilidade? Se pen-sarmos que o juiz não tem no processo pe-nal a figura de inquisidor e, portanto, per-seguidor das proposições acusatórias, de-ver-se-ia pensar que pontos não esclareci-dos são obscuridades percebidas na respostada testemunha em decorrência das indaga-ções direta das partes. Na prática, no en-tanto, tal dispositivo veio para consagrar aparticipação do magistrado na busca deprovas, afastando-se cada vez mais de suaposição eqüidistante das partes e próximada Justiça. E pior, após a defesa ter direitode questionar as testemunhas. Vale dizer,feitas as reperguntas da defesa, o juiz, a pre-texto de buscar apenas “esclarecimentos”pode desmontar o trabalho defensivo.

Como ensina o prof. Tourinho Filho“No Direito pátrio, o sistema adotado é o acu-satório. A acusação, nos crimes de ação públi-ca, está a cargo do Ministério Público(..)”(1).Aliás, lembrando a lição de Marcellus Po-lastri Lima, o sistema acusatório já adota-do anteriormente à Carta de 1998 “hoje de-flui de princípios processuais inseridos na pró-pria Constituição, mormente ao estabelecer aCarta Magna o princípio do contraditório eda ampla defesa (art. 5º, LV), o princípio dojuiz natural e imparcial (arts. 5º, LIII, 92 e126) e, principalmente, a privatividade da pro-moção da ação penal pública assegurada aoParquet (art. 129, I)”(2). É por isso que “dis-pondo o art. 129, I, da Constituição Federal,

que compete ao Ministério Público a exclusi-vidade da promoção da ação penal pública, eexaminando-se os demais incisos do art. 129,mormente o VII, que confere o controle exter-no da atividade policial ao Parquet, não hádúvida que constitucionalmente foi adotadono Brasil o sistema acusatório puro”(3).

Portanto, embora, o processo penal noBrasil seja, ao menos formalmente, do tipoacusatório, ou seja, o ônus da prova cabe aquem a alega (artigo 156, do CPP), o artigo212, parágrafo único, do CPP, contraditoria-mente, dá ensejo a interpretações que con-sagram a figura do juiz inquisidor, que nãosó tem a possibilidade de perguntar porúltimo à testemunha — preterindo, quan-do não, anulando, o direito de defesa —,como invade o campo acusatório para bus-car provas sobre o fato afirmado na denún-cia (artigo 212, parágrafo único, do CPP).

Insista-se, se a lei permite ao magistra-do questionar a testemunha após as partesterem encerrado suas indagações, estequestionamento deve restringir-se unica-mente a esclarecimentos sobre pontoscontrovertidos do depoimento e não so-bre a acusação, ônus exclusivo de quemalega. Do contrário, é manifesta a falta deisenção do magistrado que investe a fun-ção de acusador. A sistemática anteriorconvenha-se, era melhor, pois ainda que ojuiz fosse do tipo “acusatório”, a defesapoderia relativizar o peso do magistradoperguntando por último. Se não era o ideal,estava, ao menos, mais próximo do queagora sem tem considerando o valor cons-titucional da ampla defesa.

Aliás, a inovação trazida pelo novo ar-tigo 156 também merece atenção. Enquan-to estabelece que “a prova da alegação in-cumbirá a quem a fizer”, faculta ao ma-gistrado de ofício “ordenar, mesmo antes deiniciada a ação penal, a produção antecipadade provas consideradas urgentes e relevantes,observando a necessidade, adequação e pro-porcionalidade da medida” (inciso I), e, ain-da, “determinar, no curso da instrução, ouantes de proferir sentença, a realização dediligências para dirimir dúvidas sobre pontorelevante” (inciso II).

Mais uma vez, tais dispositivos afron-tam diretamente os princípios que nor-teiam um processo penal do tipo acusató-rio, permitindo que o juiz determine a rea-lização da prova, sem qualquer requeri-mento das partes. Não que isso já não acon-teça. Causa preocupação, porém, que o le-gislador contemple regras em franco de-salinho com o modelo constitucional doprocesso penal.

Como se vê, com as alterações do Códi-go de Processo Penal, especialmente aque-las trazidas pela Lei nº 11.690/2008, houveum alargamento das atribuições e poderesdo magistrado à frente do processo penal,podendo, inclusive, de ofício, intervir nocurso das investigações, antes de instaura-da a ação penal.

Se o interesse e dever de provar a acu-sação é ônus da parte que acusa e estanão requereu diligências ou, mesmo nocaso da realização de oitiva de teste-munhas, esgotou seus questionamentos,é inadmissível que o magistrado numâmbito cognitivo absolutamente discri-cionário e sem qualquer provocação daspartes produza provas.

Até porque, como lembrado pelo ilus-tre procurador da República Rodrigo deGrandis em artigo brilhante publicado naRBCCRIM sob o título “Juiz x compro-misso com a luta contra o crime?”: “o prin-cipal atributo do juiz — em especial, o juizcriminal — é a imparcialidade. De fato, esseatributo é tão importante, tão fundamental,que é possível afirmar, sem medo de equívoco,que ele consubstancia verdadeira condição sinequa non do legítimo exercício da função ju-risdicional”(4). E a imparcialidade com quedeve agir o magistrado, parece especiosodizer, deve mantê-lo distante da pretensãoque se postula. Como lembra o autor “aoconcretizar o ato de julgar, o magistrado de-verá conduzir-se com isenção, humildade esabedoria, fechando os olhos — e o coração— ao ódio, ao preconceito e às suas própriaspaixões”(5). E conclui: “o conceito de com-promisso não casa, não se conforma, não seamolda ao exercício da atividade jurisdicio-nal, notadamente aquela desempenhada noâmbito do direito processual penal, pautado,hodiernamente pelo sistema acusatório, noqual apenas o juiz criminal tem o poder dedizer se alguém cometeu crime, cabendo atitularidade da ação penal ao Ministério Pú-blico e a defesa dos direitos constitucionaisfundamentais do réu ao advogado”(6).

Assim, deve-se sempre ter em mente que“o dever de perseguir a verdade real, todavia,não é absoluto, incondicional. Ele sofre tem-peramentos decorrentes da adoção, no Brasil,do sistema acusatório, calcado, consoante de-clinado alhures, no actum trium persona-rum, isto é, no postulado de que as funçõesde acusar, defender e julgar são atribuídasa pessoas distintas, e no ne procedat iudexex officio, o que significa dizer que, enquantosujeito processual imparcial, não se confere aojuiz a prerrogativa de iniciar a ação penal ouadotar qualquer providência probatória na faseJU

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pré-processual, como, exemplo, determinar, exofficio, a interceptação de comunicações tele-fônicas”(7).

Por isso, alerta Geraldo Prado que “atri-buir ao juiz o poder de produzir provas de ofí-cio deforma o ‘duelo intelectual’”(8). Comolembra o autor, o juiz não pode estar “desdelogo psicologicamente envolvido com uma dasversões em jogo. Por isso, a acusatoriedade realdepende da imparcialidade do julgador, quenão se apresenta meramente por se lhe negar,sem qualquer razão, a possibilidade de tam-bém acusar, mas, principalmente, por admitirque a sua tarefa mais importante, decidir acausa, é fruto de uma consciente e meditadaopção entre duas alternativas, em relação àsquais se manteve, durante todo o tempo, eqüi-distante. (...) a posição equilibrada que o juizdeve ocupar, durante o processo, sustenta-sena idéia reitera do princípio do juiz natural— garantia das partes e condição de eficáciaplena da jurisdição — que consiste na com-binação de exigência da prévia determinaçãodas regras do jogo (reserva legal peculiar aodevido processo legal) e da imparcialidade dojuiz, tomada a expressão no sentido de esta-rem seguras as partes quanto ao fato de o juiznão ter aderido a priori a uma das alternati-vas de explicação que autor e réu reciproca-mente contrapõem durante o processo”(9).Isso sem dizer que a isenção e imparciali-dade representam a base da garantia daparidade de armas de raiz constitucionalporque “só há processo penal real se no iní-cio do procedimento ambas as teses — de acu-sação e de resistência — puderem ser apre-sentadas em condições de convencer o juiz(Otto Kirchheimer)”(10).

Não por outra razão, o Pleno do STF nojulgamento da ADIN nº 1570/DF quandodeclarou a inconstitucionalidade do artigo3º, da Lei nº 9.034 de 3 de maio de 1995, quepermitia o juiz investigar os fatos direta-mente, afastou a possibilidade da existên-cia de um juiz inquisidor que se imiscui nafunção que deve ser exclusivamente exer-cida pelo Ministério Público nas ações pe-nais públicas incondicionadas: “Funções deinvestigador e inquisidor. Atribuições confe-ridas ao Ministério Público a às Polícias Fe-deral e Civil (CF, artigo 129, I e VIII e §2º; e144, §1º, I e IV, e §4º). A realização de inqué-rito é função que a Constituição reserva à po-lícia” (Pleno, STF, rel. min. Maurício Cor-rea, DJ 12/02/2004).

O juiz é espectador e destinatário dasprovas colhidas no inquérito e processopara que possa livremente formar sua con-vicção, devendo zelar para que os direitose garantias das partes sejam rigorosamen-te respeitados. O questionamento indis-criminado sobre a acusação ao final for-mulado à testemunha, após a manifesta-ção da defesa, substituindo-se ao órgão

acusatório, viola o direito constitucionalà ampla defesa. O mesmo se diga da suainterferência na determinação antecipadade provas que subjetivamente entendecomo relevantes e urgentes.

A missão do julgador, perdoe-se a re-dundância, é julgar. Aplicar a lei diante docaso concreto e provado. Não tem com-promisso com aacusação, tampou-co com a defesa.Tem compromisso,sim, de julgar asprovas apresenta-das no processo econcluir se a pre-tensão acusatória éprocedente. Quemacusa tem o deverde provar. Se não ofaz, não cabe aomagistrado — quedeve ser absoluta-mente imparcial —buscar a prova acu-satória. Até porque,não se pode perderde vista que o réu éinocente até que seprove o contrário. Isto não quer dizer queo juiz deva ser um espectador inerte. Atéporque se pode buscar provas para acusar,poderia fazê-lo para absolver o réu e suprirum defesa técnica falha. No entanto, comosabemos, no processo penal, não cabe aoréu provar a sua inocência, mas sim o ór-gão acusatório é quem deve provar suas im-putações. Não é a toa que o princípio dapresunção de inocência é norteador do pro-cesso penal e, portanto, se o réu é inocentepor presunção constitucional (CF, art. 5º,inciso LVII), não deve fazer prova de suainocência e nem deveria ser auxiliado afazê-lo pelo magistrado.

O que se quer dizer é que o juiz devesim dentro da sua soberania e independên-cia buscar a realização da Justiça, sem, con-tudo, tornar-se com esta atuação aliado doórgão acusatório na sua pretensão, dese-quilibrando, assim, a balança que mede aigualdade processual.

Não se pode conceber em uma açãopenal, que haja verdadeira disparidadede armas, em que o juiz em papel niti-damente inquisidor assessora as ativi-dades do Ministério Público, comple-mentando o trabalho acusatório. Todoscontra a defesa.

Parece evidente que se a lei não podese sobrepor à Constituição Federal, aúnica interpretação possível e aceitáveldos dispositivos abertos deve ser feita deacordo com a Lei Maior: portanto, o juizpoderá esclarecer pontos controvertidos

da própria inquirição e não buscar pro-var o fato apontado pela acusação, dandooportunidade à defesa, se por esta recla-mado, de reperguntar por último; e, ain-da, a determinação para produção ante-cipada de provas deve ser permitida ape-nas com a demonstração do seu real ris-co de perecimento, dando ciência sem-

pre às partes, ouseja, MinistérioPúblico e acusa-do, ainda que nãoinstaurada a açãopenal.

Não se preten-de de forma algu-ma tisnar a inde-pendência do ma-gistrado, mas ape-nas preservar asgarantias de umaConstituição Fe-deral de um Esta-do Democráticode Direito. Comolembrou o emi-nente min. NilsonNaves ao reconhe-cer violação ao

devido processo legal no julgamento his-tórico do Habeas Corpus nº 76.686 pelo co-lendo Superior Tribunal de Justiça: “[...]Afinal, somos ou não somos nós que à lei da-mos espírito? Sou daqueles, e todos já sabem,que defendem, com unhas e dentes, a inde-pendência do julgador, independência, porém,que não consigo dissociar de interpretaçãoequilibrada, sem paixão, arrojada, se for ocaso, mas sempre respeitadora dos direi-tos individuais.”

NOTAS

(1) Processo Penal, 18ª ed., vol. I, Saraiva: Rio de Ja-neiro, p. 90.

(2) Ministério Público e Persecução Criminal, Rio deJaneiro: Lumen Juris, 1997, pp. 124/125.

(3) Ob cit., p. 125.(4) RBCCRIM 71/250.(5) Idem.(6) Idem.(7) Rodrigo de Grandis, “Juiz x compromisso com a luta

contra o crime”, RBCCRIM 71/258.(8) “Sistema Acusatório. A Conformidade Constitucio-

nal das Leis Processuais Penais, 3ª. ed., Ed LumenIuris, 2005, p. 105.

(9) Ob. cit., pp. 108/9.(10) Ob.cit., p. 109.

Carla DomenicoAdvogada em São Paulo, especialista emAdministração Legal para Advogados pela

FGV - GVLaw (2006); pós-graduada em DireitoPenal Econômico e Europeu pela Universidade de

Coimbra/IBCCRIM (2004/2005); especialista emDireito Penal Econômico pela FGV - GVLaw (2003);

e professora da Pós-Graduação da EscolaPaulista de Direito (2008-atual)

A missão do julgador, perdoe-se a

redundância, é julgar. Aplicar a lei

diante do caso concreto e provado.

Não tem compromisso com a

acusação, tampouco com a defesa.

Tem compromisso, sim, de julgar as

provas apresentadas no processo e

concluir se a pretensão acusatória é

procedente. Quem acusa tem o

dever de provar. Se não o faz, não

cabe ao magistrado — que deve ser

absolutamente imparcial — buscar

a prova acusatória.

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INTERVENÇÃO MÍNIMA: UM PRINCÍPIO EM CRISE.Élcio Arruda

Sabidamente, o Direito Penal é instru-mento à salvaguarda dos bens e valoresmais relevantes na sociedade, aqueles cujomaltrato torna insuportável a vida em co-munhão. Por se cuidar de suprema formade coação estatal, impõe-se extrema cau-tela na filtragem dos valores/bens sujeitosà sua incidência. Por isto, a tarefa dele éassegurar o núcleo mínimo da moral — ouo “mínimo ético”, de que falava Jellinek(1)

—, extraído à luz das violações reputadasintoleráveis pela consciência social. De talsorte, sua ingerência nas relações sociaishá de ser a menor possível. Aí, pois, o prin-cípio da intervenção mínima, balizado pelaEscola de Frankfurt(2).

Contudo, nos últimos tempos, o princí-pio sob foco, tal como enunciado, pareceenvolto em profunda crise, quando con-frontado a dados reais(3). O núcleo mínimoda moral passível de tutela penal tem sidoalvo de substancial dilatação. Assim o re-vela a torrencial edição de leis penais, ocor-rência cosmopolita. Novos tipos são con-cebidos, os existentes são incrementados,novos setores são alcançados (novos bensjurídicos), alargam-se os espaços de ris-cos juridicamente relevantes,flexibilizam-se as regras de imputação egarantias processuais são reinterpretadas.Hoje, soa duvidoso falar de “núcleo mí-nimo”, tamanho o espectro de abrangên-cia do Direito repressivo. Vale dizer, o mi-nimalismo doutrinário é severamente co-locado em xeque pelas tendências de ma-ximização da legislação penal(4).

Muitos divisam a constatação como co-rolário exclusivo da chamada “legisloma-nia”, materializada na inflação legislativa:ao emoldurar um problema na lei penal,supõe o legislador estar o solucionando(5).Modificações gravosas e produção maciçano campo legislativo resolveriam as cha-gas sociais. Neste tema, os meios de comu-nicação, amiúde, retroalimentam deman-das populistas por mais leis penais, fomen-tam soluções irracionais, sem qualquercompromisso ético e propelidos pela avi-dez lucrativa(6). Com enfoques descontex-tualizados, sob um “clima punitivista”,convolam-se numa verdadeira fábrica demedo e, com isto, geram infindáveis postu-lações por segurança, acriticamente abri-gadas pelas instituições estatais(7).

Urge abordagem mais ampla da ques-tão. Há mais, bem mais, propelindo a hi-pertrofia do Direito punitivo.

A verdadeira gênese do filão expansio-nista jurídico-penal deita raízes noutrosfatores, comumente olvidados. Com efei-to, a época hodierna é caracterizada pela

infindável demanda social por segurança,por maior proteção estatal, a desaguar emcorrelata demanda por punição. Os prin-cipais motivos de tanto, entrelaçados entresi, assim podem ser compendiados:

a) Novas realidades forjaram novos bensjurídicos passíveis de tutela penal. In exem-plis: a-1) As práticas espúrias e altamentelesivas protagonizadas por agentes de ins-tituições econômicas/financeiras deixam àmostra a premência na regulação de cri-mes econômicos/financeiros; a-2) O bran-queamento do produto obtido com práti-cas ilícitas leva à incriminação da lavagemde dinheiro; a-3) A contumaz agressão abens e riquezas naturais, indispensáveis àvida planetária, conduz à instituição doscrimes contra o meio-ambiente e tiposcongêneres; a-4) O risco de uso indevidode tecnologia atômica também rende en-sejo à instituição dos tipos atômicos; a-5)As fraudes cometidas através de redes deinformática e da rede internacional decomputadores impõem o combate à cha-mada delinqüência cibernética ou ciber-delinqüência; a-6) As diversas formas decriminalidade organizada, operando semfronteiras, reclamam a atuação resoluta doDireito repressivo;

b) O alto grau de complexidade experi-mentado pela sociedade, com o enleamen-to de diversas esferas organizativas, poten-cializa o risco de resultados danosos, pro-duzíveis a longo prazo. A tradicional rela-ção de causa e efeito, inerente aos tipos deresultado material, tem se mostrado insu-ficiente à abordagem da problemática. Nasociedade complexa, a palavra de ordem éprecaução. Daí o freqüente recurso aos ti-pos de perigo abstrato ou presumido, cujaconsumação reclama a mera probabilida-de de causação do dano, independentemen-te de o agente querê-lo: é suficiente o danopossível ou o eventus periculi;

c) O entrelaçamento nas relações sociaisexacerba a interdependência entre as pes-soas. A realização e a preservação dos bensde cada um dependem, cada vez mais, decondutas ou prestação positivas de outrem.Por isto, à medida que frustram bens jurí-dicos, as omissões ganham espaço no cam-po da incriminação, mormente através dorecrudescimento dos crimes omissivosimpróprios ou comissivos por omissão. Aconduta positiva (ação), tradicional focoda tipicidade penal, cede espaço à omissãopenalmente relevante: alarga-se, sensivel-mente, a figura do garante;

d) A regulação penal vem adelgaçando,paulatinamente, os limites do risco permi-tido. Na ponderação entre os custos e os

benefícios advindos de dada conduta, tempreeminência capital a segurança. O con-sectário é a restrição ao leque de liberda-des, porquanto muitas delas são reputadassocialmente perigosas: a liberdade ilimitadaé manancial de riscos;

e) A interdependência imperante nomundo moderno induz à forçosa conexãoentre o resultado lesivo e a conduta de al-guém, comissiva ou omissiva. A produçãode danos, supõe-se, é consectário de algu-ma intermediação do homem: sempre háalgum responsável. Há resistência psico-lógica em tolerar o casual, o fortuito, oimprevisto, o infortúnio: a tendência émetamorfoseá-los em injustos penais. Se ogravame ou o risco de sua ocorrência éempiricamente inextrincável, cumpreirrogá-lo a alguém;

f) Numa sociedade dominada por clas-ses passivas (destinatários de prestaçõespúblicas e assistenciais de todos os mati-zes, consumidores, pensionistas, bolsistasetc.), a postura dos sujeitos do bem-estarpropiciado pelo Estado-Providência ou doBem-Estar é no sentido de garantir-lhe aexistência, como forma de satisfação daprópria esfera pessoal: o homem vive noEstado e do Estado. Há insuperável para-doxo entre um Estado maximamente dimen-sionado, a fim de propiciar bem-estar aomaior número possível de súditos, e umDireito Penal minimamente formatado.Nesta ordem de idéias, o Direito Penal édivisado, essencialmente, como instrumen-to de defesa dos próprios cidadãos (víti-mas: sujeitos passivos) frente a quem (in-frator: sujeito ativo) ataca o provedor dobem-estar (Estado). É instituída a concep-ção do Código Penal como Magna Carta davítima, sobrepujando a clássica noção deleser, antes de tudo, a Magna Carta do delin-qüente. A nova perspectiva tem possíveisrepercussões, inclusive, na esfera da tradi-cional interpretação restritiva dos tipospenais e da analogia in bonam partem, alvode abordagem noutro espaço;

g) A percepção do arcabouço penal tam-bém como Magna Charta da vítima trans-muda o paradigma clássico de reflexão ju-rídico-penal, focalizado na delinqüênciatradicional (condutas atentatórias à vida, àsaúde, à liberdade, à propriedade). A or-dem do dia é a persecução quanto aos cri-mes perpetrados pelos poderosos (crimesof the powerful), pelos agentes de grandescorporações (corporate and business crime),pelos grupos organizados, pela classe altaou de colarinho branco (white-collar crimi-nality), composta por respeitáveis ou pelomenos respeitados homens de negócio ouIN

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profissionais, num contexto aparentemen-te insuspeito. Contra eles, a Justiça Crimi-nal há de desembainhar a espada, brandi-da, até agora, contra os despossuídos, osmarginalizados (crimes of the powerless);

h) A falência, a ineficiência e o descré-dito dos mecanismos informais (não-jurí-dicos) de contenção ao crime resultam naconvocação do Direito Penal para suprir ademanda por segurança. De fato, hoje, demodo geral, a sociedade evidencia parâme-tros sofríveis de moral e ética. A família, aescola, o trabalho, a igreja, os usos e costu-mes calcados na solidariedade, na compai-xão, os órgãos assistenciais e de formaçãosão instituições não-econômicas e, portan-to, consideradas secundárias. O exacerba-do individualismo outorga preponderân-cia ao critério econômico, relegadas insti-tuições não-econômicas(8). A situação seavizinha à anomia, um mau presságio àsliberdades públicas, porquanto conducen-te ao Estado tirânico, suposto veículo há-bil a arredar a desordem e o receio deladecorrentes(9). Nem os novos gestores atípi-cos da moral coletiva (atypische moralunter-nehmer) — associações de ecologistas, deconsumidores, de bairros, de pacifistas, decontrários à discriminação, de direitos hu-manos etc. — têm dado alento às instân-cias não-jurídicas convencionais. Talvezpor isto cerrem fileiras ao incremento le-gislativo-penal, no afã de acudir-lhes asrespectivas plataformas. Por outra parte, osdemais ramos do Direito -— civil e admi-nistrativo —, conquanto teoricamente ap-tos a tanto, têm se revelado impotentes emarrostar as postulações por segurança. Aobjetivação da responsabilidade e o mode-lo de seguro imperantes na seara cível di-luem a eficácia preventiva em relação acondutas danosas: não se propõe discussãode culpa e o dano se encontra assegurado.As instâncias administrativas padecem decrônico emperramento burocrático, desna-turam o princípio da oportunidade e, mui-tas vezes, têm quadros integrados por cúm-

plices de delitos.Há, bem se vê, muitas razões legítimas

ao expansionismo jurídico-penal.Nesta conjuntura, o Direito Penal mí-

nimo — e, pois, o princípio da intervençãomínima, na conformação tradicional —aparenta estar em rota de colisão com asaspirações sociais. Há um raro discursounânime, conquanto desconforme quantoao objeto e aos limites, advogando a ex-pansão do Direito Penal. Por isto, disse-oSilva Sánchez, “não parece que a sociedadeatual esteja disposta a admitir um Direito Pe-nal mínimo”(10).

Na atual quadra, a concretização da in-tervenção mínima parece possível atravésdo prosseguimento cauteloso dos proces-sos de despenalização e diversificação.Descriminalização somente é viável se nãofizer periclitar a paz pública. De toda ma-neira, é fundamental rememorar: DireitoPenal mínimo não significa nenhum Di-reito Penal. É inadmissível deságüe o mi-nimalismo em laxismo penal(11), impreg-nado de retórica meramente simbolista econvolado, com alguma freqüência, embraço doutrinário do crime organizado.

A ligeira reflexão em derredor da inter-venção mínima, princípio assaz caro à ciên-cia penal, tem um porquê. Ao operador doDireito não é lícito ferreamente se apegara princípios etiquetados inflexíveis e igno-rar os fatos da vida. Ao ensimesmar-se emtorre de marfim, brandindo refrões damoda acriticamente, desconecta-se do reale corre o risco de propor soluções irres-ponsáveis. O academismo lírico é atrope-lado pela dura e inexorável realidade quo-tidiana. O avanço da civilização, ao incre-mentar-lhe a complexidade, impõe o re-pensar e o debate quanto a dogmas reputa-dos intangíveis, numa perspectiva retroati-va e prospectiva.

NOTAS

(1) “(...) o direito não é senão o mínimo ético que asociedade precisa em cada momento de sua vida

para continuar vivendo” (JELLINEK, Georg. TeoríaGeneral del Estado. Tradução espanhola da 2ª ed.alemã por Fernando de los Rios. Buenos Aires: B deF, 2005, p. 29). Cf. MANZINI, Vincenzo. Tratado deDerecho Penal. Tradução espanhola de SantiagoSentís Melendo. Buenos Aires: EDIAR, 1948, pp. 39-41, v. 1, t. 1.

(2) A Escola de Frankfur t, integrada por Hassemer,Naucke e Lüderssen, dentre outros, perfilha um Di-reito Penal ultraliberal, de conteúdo mínimo e maxi-mamente garantista (HASSEMER, Winfried;NAUCKE, Wolfgang; LÜDERSSEN, Klaus. PrincipalesProblemas de la Prevención General. Tradução espa-nhola de Gustavo Eduardo Aboso e Tea Löw. BuenosAires: B de F, 2006, pp. 9-10).

(3) ARROYO ZAPATERO, Luis; NEUMANN, Ulfrid; NIETOMARTIN, Adán. El Derecho Penal en el Cambio delSiglo. Análisis Critica de la Escuela de Frankfurt.Cuenca: Universidad de Castilla la Mancha, 2004.

(4) SILVA SÁNCHEZ, Jesús María. Perspectivas Sobrela Política Criminal Moderna. Buenos Aires: EditorialÁbaco de Rodolfo Depalma, 1998, p. 52.

(5) BONFIM, Edílson Mougenot. Direito Penal da Sociedade.2ª ed., São Paulo: Oliveira Mendes, 1998, pp. 45-46.

(6) Os mass media, estruturas de comunicação alta-mente organizadas e de atuação modulada pelo lu-cro, manipulam e persuadem a mente dos especta-dores. É corrente, destarte, açularem demandas ir-racionais por punição.

(7) DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. La Política Criminal en laEncrucijada. Buenos Aires: B de F, 2007, p. 108.

(8) MESSNER, Steven F.; ROSENFELD, Richard. Crimeand the American Dream. Belmont: Wadswor thPublishing Company, 1994, pp. 109-111.

(9) DAHRENDORF, Ralf. A Lei e a Ordem. Traduçãoportuguesa de Tamara D. Barile. Rio de Janeiro:Instituto Liberal, 1997, p. 14.

(10) SILVA SÁNCHEZ, Jesús María. La Expansión delDerecho Penal: Aspectos de la Política Criminal enlas Sociedades Postindustriales. 2ª ed. BuenosAires: B de F, 2008, p. 179.

(11) O laxismo penal consiste na “tendência a propor a)solução absolutória quando as evidências do pro-cesso apontem em direção oposta, ou b) puniçãobenevolente, desproporcionada à gravidade do de-lito, às circunstâncias do fato e à periculosidade docondenado, tudo sob o pretexto de que, vítima dofatalismo socioeconômico, o delinqüente sujeita-se, quando muito, a reprimenda simbólica” (MO-RAES JÚNIOR, Volney Corrêa Leite de; DIP, Ri-cardo Henry Marques. Crime e castigo: ReflexõesPoliticamente Incorretas. 2ª ed., Campinas: Millen-nium, 2002, p. 2).

Élcio ArrudaProfessor de Direito Penal e de Processo Penal,

mestre em Direito e juiz federal

JUÍZOS PERIGOSOSEduardo Mahon

Nenhum juiz reconhece que julga con-forme suas impressões pessoais sobre oacusado. Preferem dizer que julgam os fa-tos. Não é verdade. Os magistrados, aindaatentos à etiologia e teorias do risco, aindacentram suas sentenças nos supostos “ín-dices de periculosidade” do autor, atuan-do mais como psicólogos do que julgado-res, aplicando seus próprios valores sobreterceiros, numa fundamentação essencial-mente jurídica. Uma rápida consulta ao

banco de sentenças do Tribunal de Justiçade Mato Grosso é capaz de desvendar essaarmadilha neopositivista.

Convido o leitor para ler referênciasreais de sentenças e decisões penais doEstado de Mato Grosso e refletir sobreelas*. Com objetivo de facilitar a leitura,não colocarei entre aspas e sim aplicareio itálico como método de referência à falajudicial selecionada. Para alguns, a “pe-riculosidade” é, simplesmente responder

a outro processo criminal, como se ex-trai: o fato dela encontrar-se respondendo aprocesso, pela mesma prática delitiva, evi-denciando sua periculosidade. Para outros,a afetação social são causas de “periculo-sidade”: assim, a presença de duas causas deaumento de pena denota maior periculosi-dade do agente, que agride a ordem social demodo mais exacerbado e maior risco para avítima, impondo, por conseqüência umamajoração acima do mínimo legal.JU

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BOLETIM IBCCRIM - ANO 16 - Nº 192 - NOVEMBRO - 2008 15

1º CONCURSO DE SÚMULAS DO IBCCRIM:

ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI E APRIMARIEDADE NO TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTESDiante do adolescente em conflito com a lei, faz-se incabível a imposição de internaçãoem estabelecimento educacional por ato infracional equiparado a tráfico ilícito de entorpecentes,comprovada a primariedade do jovem, por ausência de fundamentação legal.

Ivan de Carvalho Junqueira

1. Ao advento da Constituição Federal,de 1988, retomou o país seu viés democrá-tico, após anos de totalitarismo. Tal pers-pectiva, por assim dizer, representou umaverdadeira mudança de paradigma à searajurídica brasileira, estabelecendo, por con-seguinte, um leque de direitos e de garan-tias não mais direcionados a este ou aqueleindivíduo, mas a todos, indistintamente. Noque tange, em especial, à infância e juventu-de, angariou, de forma expressa, a doutrinada proteção integral, pautada no efetivo re-conhecimento, de cada criança e adolescen-te, como legítimo sujeito de direito, vale di-

zer, protagonista de sua história.Em consonância à Magna Carta de 1988:

“É dever da família, da sociedade e do Estadoassegurar à criança e ao adolescente, com ab-soluta prioridade, o direito à vida, à saúde, àalimentação, à educação, ao lazer, à profissio-nalização, à cultura, à dignidade, ao respeito,à liberdade e à convivência familiar e comu-nitária, além de colocá-los a salvo de toda for-ma de negligência, discriminação, exploração,violência, crueldade e opressão” (CF, artigo227, caput). Destarte, antecipou-se o legis-lador à própria Convenção sobre os Direi-tos da Criança, em âmbito das Nações

Unidas, de 1989. Em meio a mudanças subs-tanciais, preceitos inovadores acabaramincorporados pelo ordenamento pátrio, emse partindo de uma ética e respeito univer-sais. De acrescentar, também, a ratificaçãopelo Brasil de importantes documentos: asRegras Mínimas para a Administração da Jus-tiça da Infância e Juventude (Regras de Bei-jing), as Diretrizes para a Prevenção da De-linqüência Juvenil (Diretrizes de Riad), bemcomo, as Regras Mínimas para a Proteçãodos Jovens Privados de Liberdade.

Como qualquer indivíduo, carecem dadevida atenção por parte do Estado, comA

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A prevenção especial ainda é utilizadapelos magistrados, cotejando a pena pelaiminência da agressão à sociedade ou daprobabilidade calculada pelo próprio ma-gistrado, conforme se pode observar: Por-tanto, permitir que elementos desse nível depericulosidade tenham acesso à sociedade no-vamente, antes de efetivamente cumpriremsuas penas, é expor a vida de inocentes a pe-rigo. Considerações de ordem moral, éti-ca, social, psicológica também são fre-qüentes na definição de “periculosidade”.Termos como destemor, sordidez, baixe-za e outros termos subjetivos também sefazem maciços. Observemos alguns ca-sos onde os conceitos pessoais do juiz fo-ram determinantes: a) revela audácia e des-temor do agente da infração, além de com-pleta insensibilidade moral, despida de va-lores éticos, denotando intensa periculosida-de, todo a exigir repressão mais rigorosa; b)revelando alto grau de periculosidade, hajavista tratar-se de crime hediondo, repugnantee sórdido; c) às circunstâncias ficaram es-tampadas face da audácia e periculosidadedo agente, visto ter praticado o crime à luzdo dia em local movimentado da cidade, de-monstrando uma total insensibilidade; d)revela pela sua conduta alta periculosidadesocial, ausência de limites e de senso crítico,além de preocupante ousadia.

E, finalmente, julgam conforme o con-ceito social do delito e não conforme a pró-pria legislação, agravando-se assim dupla-mente a pena: devendo prevalecer o bem-es-tar social sobre o individual, pois a quantida-de de substância entorpecente encontrada com

o denunciado evidencia a sua periculosidade ea conduta do mesmo, que se revela extremorisco à ordem pública, com a prática de umcrime abominável para a sociedade.

Todavia, separei três casos extrema-mente significativos. O primeiro diz res-peito à medicalização do Direito Penal.O magistrado repassa a responsabilida-de penal a outros órgãos estatais a coa-djuvar uma pena indeterminada. Obser-vemos: determino que a perícia médicapara apurar a sua periculosidade seja reali-zada no prazo de um ano, ficando a incum-bência a cargo da Secretaria Municipal deSaúde. O segundo caso emblemático dizrespeito ao julgamento conforme a opi-nião pública, sendo essa a justificativapara mensurar a “periculosidade”. O juizcita o clamor social e o interesse públi-co como elementos jurídicos capazes demajorar a pena, conforme se vê: há que seter em vista a necessidade de manutençãoda ordem pública em crimes de tamanhagravidade, que não apenas suscitam clamorpúblico como revelam periculosidade de seusautores, devendo o interesse da sociedadeprevalecer em detrimento do direito indi-vidual do réu, independentemente das con-dições pessoais que este possa ostentar. Querosublinhar o final — é perigoso o réu peloclamor social, independentemente dascondições pessoais exibidas em juízo. E,por fim, o magistrado utiliza-se da re-percussão do fato nos jornais para am-parar o seu entendimento: no caso dosautos, o acusado, em concurso de agentes,desempenhou atuação extremamente audaz,

com elevada periculosidade, tendo causadoverdadeiro sentimento de pânico nas víti-mas, o que foi amplamente reproduzido pe-los veículos de comunicação local.

Ao estudar o banco de dados do TJMT,exceção deve ser feita a três magistradosque discutem a questão da indetermina-ção da “periculosidade” e seu conteúdoprofundamente subjetivo e ideológico:Célia Vidotti, João Alberto Menna Bar-reto Duarte e Douglas Romão. Pesqui-sando todas as indexações contidas no re-positório de jurisprudência, extraio o ní-tido delineamento de várias teorias quesão mal absorvidas e misturadas entre si:o Direito Penal do autor, seja pelo fina-lismo, seja pelo funcionalismo penal. Ealgumas tendências: a) julgar conforme amoral e ética pessoal; b) julgar conformeo clamor público; c) julgar conforme amídia; d) identificar o inimigo na zonade pobreza, protegendo os bens jurídicosligados ao patrimônio; e) não há qualquersistematização da definição de “perigo-so”, sendo completamente arbitrária a fi-xação do conceito. Afinal, quem é maisperigoso?

NOTA

* Todos os julgados citados são referentes aos anosde 2006 a 2008 e foram encontrados no Banco deSentenças do TJMT, no endereço eletrônico http://www.tj.mt.gov.br/cgj/ServicosBancoSentenca.aspx,sistema ligado à Corregedoria do mesmo tribunal,acessível em http://www.tj.mt.gov.br/cgj/.

Eduardo MahonAdvogado

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máxima primazia e dignidade. Ademais dapeculiaridade inerente a esta especial con-dição, qual seja, de pessoa em desenvolvi-mento, in concreto, direitos outros devem serobservados fazendo jus, crianças e adoles-centes, autores ou não de atos infracionais, àplataforma emancipatória dos direitos hu-manos. Com efeito, é sempre oportuno lem-brar: “Todas as pessoas nascem livres e iguaisem dignidade e direitos” (Declaração Univer-sal dos Direitos Humanos, artigo 1º).

Quando da promulgação da Lei nº 8.069/90, passou-se a cuidar de uma só infância, demaneira integral, abandonando-se, em con-trapartida, o apregoado pelos antigos Códi-gos de Menores, de 1927 e 1979, sustentadosna doutrina da situação irregular. Ao cursodeste período, arbitrariedades sucederam-se, ao cerceamento de inúmeras prerrogati-vas à adoção de uma política de naturezaexcludente, centralizadora e assistencialis-ta, não se concebendo sobre devido proces-so legal, ampla defesa e contraditório.

Ao presente, é fato, “a criança e o adoles-cente gozam de todos os direitos fundamentaisinerentes à pessoa humana, sem prejuízo daproteção integral de que trata esta Lei, asse-gurando-se-lhes, por lei ou por outros meios,todas as oportunidades e facilidades, a fim delhes facultar o desenvolvimento físico, men-tal, moral, espiritual e social, em condições deliberdade e de dignidade” (ECA, art. 3º).

Diversamente do usualmente difundi-do pelos porta-vozes do sensacionalismo,não se presta o Estatuto da Criança e doAdolescente (ECA) à proteção de “bandi-dos mirins”. Promove, ao contrário, legíti-ma transformação, não apenas formal, mas,sim, conceitual, à (re)construção político-social do atendimento infanto-juvenil. In-troduz, ademais disso, consistente sistemade responsabilização, direcionado não só aoadolescente, quando do conflito com a lei,como à família, comunidade, sociedade epoder público enquanto co-responsáveis.

2. De há muito, infelizmente, dissemi-

na-se no país uma cultura punitiva. À re-cepção dos deletérios ideários da law andorder, patrocinam-se inflamados discursosa clamar, de modo insistente, por maiorreprimenda estatal em se tendo por objeti-vo, não raro, triste abrandamento para comuma série de direitos e garantias, a duraspenas, conquistados. Condenações mais se-veras, tipificação de novas condutas, adoçãode prisões perpétuas, quando não, capitais,acabam alardeados a cada esquina, bastan-do a divulgação dos assim denominados “fa-tos de sangue”, à expressão de Eugenio RaúlZaffaroni, para que, uma vez mais, retró-grados pontos de vista venham à tona.

No que se refere à adolescência, comoum todo e, muito especialmente, ao ado-lescente a quem se atribui conduta previa-mente descrita como crime, faz-se notó-rio, supracitados posicionamentos parecemadquirir ainda mais fôlego. Ilusoriamente,

criou-se uma espécie de misticismo ao re-dor da juventude cujas atuações, invaria-velmente, assumem maior repercussão.Tempos depois, temas como redução daidade penal são novamente apresentados,não obstante afirmar-se que: “São penal-mente inimputáveis os menores de dezoitoanos, sujeitos às normas da legislação especial”(CF, artigo 228), consistindo, sem embar-go, em cláusula pétrea (CF, art. 60, § 4º,IV). Diante deste quadro, tendem a asso-ciar inimputabilidade a impunidade. Sobreferida ótica, militam que ao adolescenteautor de ato infracional não haveria, porsuposto, qualquer responsabilização.

Noutra vertente, confrontados os índi-ces de violência e criminalidade no país,ver-se-á, desde logo, que o número total deadolescentes envolvidos é infinitamenteinferior ao de adultos autores de delitos.

Mais que isso. Em se analisando quaisos bens jurídicos mais ofendidos, cerca de60% recaem sobre o patrimônio das víti-mas à égide de uma sociedade capitalistaem que o Ter sobrepõe-se ao Ser. Já os cri-mes dolosos contra a vida ocupam posiçãosecundária, embora despertem, com des-medido vigor, grandioso clamor social.

Hoje, adolescentes são muito mais víti-mas de violência que vitimizadores.

3. É a internação, das medidas socioe-

ducativas, disciplinadas pelo Estatuto daCriança e do Adolescente, a mais drásticadelas, retirando o jovem de seu habitualconvívio social.

Sem desprezo à natureza jurídica, decaráter sancionatório e conteúdo prevalen-temente pedagógico, não há que se suporser, por isso, menos tormentosa. Sentimen-tos de medo, ansiedade, angústia, tristeza edesespero caminham juntos, em maior oumenor grau de intensidade, ao curso destamedida, tal como a um adulto. Como emuma penitenciária, referida experiênciamostra-se única e intransferível, às pala-vras de Ana Messuti.

Com relação à internação, propriamen-te dita, sendo uma medida privativa de li-berdade, deve-se sujeitar aos princípios dabrevidade, excepcionalidade e respeito àcondição peculiar de pessoa em desenvol-vimento (ECA, artigo 121, caput). De ob-servar que “em nenhuma hipótese será apli-cada a internação, havendo outra medida ade-quada” (ECA, artigo 122, § 2º).

Ao disciplinar o legislador, no artigo 112,do Estatuto da Criança e do Adolescente,quais as medidas socioeducativas previs-tas, não o fez, por evidente, de forma alea-tória. Assim sendo, começa na advertên-cia, obrigação de reparar o dano, prestaçãode serviços à comunidade, liberdade assis-tida, inserção em regime de semiliberdadepara, somente ao final, dispor acerca dainternação em estabelecimento educacio-nal (incisos I a VI).

Como a pena privativa de liberdade, di-

recionada ao imputável, aplicar-se-á a in-ternação, indissociavelmente, sob o prismada imprescindibilidade, como ultima ratio,quando da impossibilidade, in concreto, àimposição de medida menos gravosa.

À prática, entretanto, são largamenteimplementadas. De exceção tornou-se re-gra. Já em 29 de outubro de 1996, afirmara aResolução nº 46, do Conselho Nacional dosDireitos da Criança e do Adolescente (Co-nanda) que “medidas de internação vêm sen-do aplicadas em desobediência ao disposto noart. 122, incisos e parágrafos, tendo como con-seqüência, em alguns Estados, um exorbitantenúmero de adolescentes internados”.

4. À letra do artigo 122 da Lei n.º 8.069,

de 13 de julho de 1990:“A medida de internação só poderá ser apli-

cada quando:I – tratar-se de ato infracional cometido

mediante grave ameaça ou violência a pessoa;II – por reiteração no cometimento de ou-

tras infrações graves;III – por descumprimento reiterado e injus-

tificável de medida anteriormente imposta”.Fácil denotar-se a não recepção pelo

ordenamento pátrio juvenil do episódioaventado, vez que não se enquadra a quais-quer dos incisos anteriormente citados,configurando, in casu, constrangimento ile-gal. As supramencionadas hipóteses apre-sentam-se taxativas e não meramente exem-plificativas, tratando-se de numerus clau-sus, não admitindo, por decorrência, umaúnica exceção em face do princípio da le-galidade, constitucionalmente assegurado.

É cediço, o tráfico ilícito de entorpe-centes não implica em grave ameaça ou vio-lência a pessoa, tornando incabível a inci-dência do inciso I;

Em se tratando de adolescente primá-rio, ou seja, ausente passagem anterior porentidade executora de medida socioeduca-tiva, não há que se cogitar do inciso II;

Finalmente, inconcebível falar-se emeventual descumprimento reiterado e in-justificável de medida anteriormente im-posta (inciso III), não configurando inter-nação-sanção.

Toda pretensão assim tendente ao esta-belecimento de medida de internação à hi-pótese ora comentada carece de fundamen-tação legal, não se fazendo presente às cir-cunstâncias do rol elencado pela legisla-ção especial(1).

Em que pese enquadrar-se o tráfico ilí-cito de entorpecentes ao disciplinado pelaLei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hedion-dos), ressalvada, deveras, edição da Lei nº11.464/07 reparando nítida inconstitucio-nalidade frente à individualização da san-ção, subtraindo a obrigatoriedade, ineren-te àquela, do cumprimento de pena ao adul-to, integralmente, em regime fechado, nãose dá por legitimada a imposição de medi-da privativa de liberdade ao jovem.

Sendo inaplicável a internação, nadaAD

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obsta, porém, imposição de medida soci-oeducativa de natureza diversa, como me-canismo bastante à responsabilização dosadolescentes às voltas com a lei.

5. Doravante, a pensar sobre as condi-ções de cumprimento de medida socioe-ducativa de internação em entidades exe-cutoras no país, cujos resquícios irregula-res ainda permeiam todo o sistema, emmeio a procedimentos obscuros e poucotransparentes, é por demais relevante re-duzir-se ao máximo, assim como o dis-posto em lei, o encaminhamento de ado-lescentes às suas respectivas dependênci-as que, n’alguns lugares, longe de seremambientes de caráter pedagógico asseme-

lham-se, ao contrário, às nossas malfada-das e falidas prisões. Ainda hoje, séculoXXI, mostra-se de preciosa valia a supe-ração de uma verdadeira cultura “meno-rista”, banindo-se elevada carga de estig-mas e preconceitos, os quais, há tempos,persistem no seio da sociedade à terríveldesconsideração dos direitos humanos deque são titulares todos os adolescentes.

NOTA

(1) Conforme já se decidiu:“Estatuto da Criança e do Adolescente. Ato infra-cional análogo aos crimes previstos nos artigos12 e 14, ambos da Lei 6.368/76. Medida socioe-ducativa de internação. Constrangimento ilegal evi-denciado” (HC 30.959/RJ, rel. min. Paulo Medi-

A SÚMULA VINCULANTE Nº 9 E O DIREITO PENAL:ANÁLISE DE DOIS ASPECTOS À LUZ DA GARANTIA DA LEGALIDADE.Mariângela Gama de Magalhães Gomes

IntroduçãoOs debates que são observados, no or-

denamento jurídico em geral, quanto àssúmulas vinculantes, encontram maior evi-dência quando a questão envolve o DireitoPenal. Isso se dá, principalmente, porquena esfera penal a garantia da legalidade émais incisiva, de modo que os princípiosda reserva legal, taxatividade e anteriori-dade da lei não admitem exceções nem re-lativizações.

Ocorre, entretanto, que a prática do Di-reito Penal tem nos ensinado que a rigidezdo princípio da legalidade nem sempre setraduz numa jurisprudência uniformizadae, conseqüentemente, num Direito Penalprevisível e igual para todos. Veja-se, a esserespeito, as importantes discussões doutri-nárias e jurisprudenciais sobre ser absolu-ta ou relativa a presunção de violência noscrimes sexuais, acerca da possibilidade deremição da pena pelo estudo, sobre o quesignifica “crimes da mesma espécie” parafins de caracterização do crime continua-do ou a respeito da configuração da tenta-tiva de latrocínio, por exemplo.

Isso demonstra, claramente, que mesmonum setor do ordenamento em que o res-peito à taxatividade apresenta-se como pres-suposto de constitucionalidade da norma,sempre há algum espaço em que o juiz seráchamado a atuar. E isso será sempre umaconstatação inevitável, uma vez que as pró-prias palavras que compõem o enunciadojurídico já comportam uma interpretação.

Nesse contexto, utilizar as súmulasvinculantes como instrumento para setentar minimizar os efeitos deletérios deuma jurisprudência aleatória parece sera melhor justificativa para a inserção des-se novo instituto no Direito brasileiro.No entanto, a simples importação de ins-trumentos estrangeiros sem o acompa-

nhamento de um sistema de garantias aeles atrelados (que lhes são inerentes emseus ordenamentos de origem) pode ge-rar efeitos tão ou mais indesejáveis secomparada com a situação anterior. Des-sa forma, sob a ótica dos valores expres-sos pelo princípio da legalidade (garan-tia primeira do Direito Penal), serão ana-lisados dois aspectos atinentes às súmu-las em geral e, especificamente, à Súmu-la Vinculante nº 9, a fim de procurar en-tender e operacionalizar o uso dos pre-cedentes judiciais a favor do Direito Pe-nal, e não torná-lo um perigoso instru-mento de engessamento do sistema.

Da interpretação da súmulaA fim de evitar a petrificação do Direi-

to, é importante observar e considerar que,mesmo quando a jurisprudência estiversedimentada — inclusive quando isso seder por meio de súmulas vinculantes — énecessário que as decisões judiciais pos-sam sempre ser valoradas e constantemen-te submetidas à crítica, sem que isso signi-fique desrespeito à interpretação legal rea-lizada pelo STF. A estabilização da juris-prudência, portanto, não pode significaruma barreira intransponível para a evolu-ção do direito, o que o tornaria infenso àstransformações sociais.

A possibilidade de interpretação da sú-mula, então, torna-se essencial para garan-tir não só a evolução do Direito, mas tam-bém para possibilitar que a norma penalseja aplicada do modo mais adequado aocaso concreto. Uma vez que o direito queresulta de uma jurisprudência constante seapresenta também sob a forma de enuncia-dos lingüísticos, estes, assim como os enun-ciados legislativos, carecem de interpreta-ção. Aliás, segundo Larenz, os entendimen-tos judiciais carecem de interpretação em

maior medida do que as leis, pois devido àsua referência a casos concretos examina-dos, freqüentemente seu alcance é duvido-so e, por conseqüência, também a sua apli-cabilidade a outros casos(1).

Analisemos, então, o enunciado da Sú-mula Vinculante nº 9. Está escrito que “odisposto no artigo 127 da Lei nº 7.210/1984(Lei de Execução Penal) foi recebido pela or-dem constitucional vigente, e não se lhe aplicao limite temporal previsto no caput do artigo58”. Ou seja, em outras palavras, está ditoque a proibição de que a punição exceda atrinta dias (prevista para os casos de isola-mento, suspensão e restrição de direitos)não se aplica à perda dos dias remidos cau-sada pela prática de falta grave durante aexecução penal, ou, ainda, que a perda dosdias remidos pode ser superior a trinta dias.

Resta, então, a pergunta: a Súmula Vin-culante nº 9 estabelece que a falta graveobriga o magistrado a reconhecer a perdade todo o tempo anteriormente remido?Embora o conteúdo da súmula seja clarono sentido de não levar necessariamente aessa conclusão, algumas observações me-recem ser feitas.

Se quisermos atribuir às súmulas de ju-risprudência o mesmo sentido de garantiaque é atribuído aos precedentes judiciaisnos sistemas da Common Law, a análiseapenas dos enunciados sumulados não deveser suficiente para a compreensão do seualcance. Significa, portanto, que teremosque levar em consideração não só o textoda súmula aprovado pelo STF, mas tam-bém o precedente como um todo, isto é, asrazões temporais, sociais e culturais quelevaram à edição da súmula, assim comoos debates que precederam sua aprovaçãoe, ainda, eventuais manifestações por partede ministros que restaram vencidos.

No caso específico da Súmula nº 9, há queA S

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na, DJ, 24.05.2004).“Habeas corpus. Pacientes internados. Concedida aordem para aplicar aos adolescentes a medida so-cioeducativa de liberdade assistida” (HC 94.334/SP,rel. min. Nilson Naves, DJ, 12.02.2008).Da lavra do Pretório Excelso:“Habeas corpus. Estatuto da Criança e do Adoles-cente. Tráfico de entorpecentes. Julgamento em li-berdade. Matéria não submetida a exame da CorteEstadual. Não conhecimento pelo STJ. Condenaçãosuperveniente. Medida socioeducativa de internaçãopelo prazo mínimo de um ano. Ausência de previsãolegal. Constrangimento ilegal” (HC 89.326-1/SP, rel.min. Eros Grau, DJ, 06.11.2006).

Ivan de Carvalho JunqueiraBacharel em Direito, educador na Fundação

Casa/SP e autor dos livros Dos Direitos Humanos

do Preso e ABC dos Direitos Humanos

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se observar, em primeiro lugar, que a sua edi-ção não se deu de forma unânime. O minis-tro Marco Aurélio manifestou-se contrário àsua edição seja por motivos formais (não seesclareceu quem levou a proposta ao minis-tro Lewandowski, a discussão não se deu apartir do julgamento de um caso concreto e aedição da súmula não foi submetida à Co-missão de Jurisprudência do tribunal), sejapor questões de fundo (segundo o ministro,“não há como, diante de uma falta grave verifi-cada, fazer-se retroagir, em si, as conseqüênciasa ponto de se afastar do cenário jurídico um pro-nunciamento judicial já reconhecendo o direitoque, portanto, passou a integrar o campo de in-teresses do presidiário”).

Além disso, durante as discussões queantecederam a aprovação da súmula, ficouabsolutamente claro que a súmula afirma,apenas e tão-somente, que não cabe maisfalar em inconstitucionalidade da perda dosdias já remidos. Quanto ao alcance dessaperda nada é estabelecido, cabendo à pru-dência do magistrado estabelecê-la. Nessesentido, o ministro Carlos Britto foi explí-cito. Disse ele, textualmente: “Senhor presi-dente, vou aderir, insistindo nas duas observa-ções. O conceito de falta grave está em aberto.Nós não estamos aqui fechando nenhum com-promisso com o conceito de falta grave. Depois,a perda dos dias remidos pode se dar por formaproporcional à gravidade da falta”; posterior-mente, afirmou: “não estamos dizendo que seperde tudo, que os dias remidos serão totalmen-te perdidos a partir da constatação da falta gra-ve”; e, mais adiante: “apenas isso, que a previ-são da perda dos dias remidos é constitucional.É o que estamos afirmando”. Também expli-citamente manifestaram-se de acordo comessas observações do ministro Carlos Brit-to os ministros Cezar Peluso e Gilmar Men-des. Este último, ainda, esclareceu que adecisão sobre a proporcionalidade entre aperda do tempo remido e a gravidade dafalta deverá ser submetida ao controle judi-cial devido, assim como o único efeito con-creto da súmula é deixar claro que não hádireito adquirido quanto ao tempo remido;disse claramente: “não haveria falar em di-reito adquirido, porque estaria submetido a re-gras específicas”, e conclui afirmando: “É sóisso.” Nenhum dos outros ministros se opôsou fez ressalvas às observações feitas porCarlos Britto e Gilmar Mendes, nem mes-mo o vice-procurador-geral da República(2).

Difícil ser mais claro do que isso. Inter-pretar a súmula no sentido de que passou aser obrigatória a perda de todo o tempo re-mido quando se pratica uma falta grave éinterpretar contrariamente ao que se deci-diu no Plenário do STF e, mais grave doque isso, é interpretar a súmula de maneiramais gravosa para o condenado — em fla-grante afronta à garantia da legalidade.

Da irretroatividade da súmulaNão se pode ignorar que, ao mesmo tem-

po em que a valorização do precedente judi-cial tem por finalidade garantir ao cidadão a

previsibilidade do direito e impedir a apli-cação arbitrária e casuística da lei, a necessá-ria evolução da jurisprudência (que pela pró-pria essência do ato judicial somente podeser conhecida no momento em que o juizprofere a decisão) pode surpreender o cida-dão que agiu de acordo com a forma como odireito vinha sendo interpretado.

Portanto, assim como se dá com o ad-vento de uma nova lei, eventual mudançana orientação jurisprudencial pode trair aconfiança dos cidadãos que realizaram suascondutas antes da modificação, que se apli-cará não apenas ao futuro, mas também àque-la conduta em julgamento, que faz parte dopassado.

Dessa forma, com fundamento no prin-cípio constitucional da irretroatividade dalei penal mais severa, também se torna pos-sível falar em limites a interpretações maisrestritivas à liberdade do acusado, não ad-mitidas à época do fato criminoso e desen-volvidas posteriormente em razão da evo-lução natural do Direito. Nesse contexto,faz sentido afirmar a regra da irretroativi-dade não apenas quando, por meio de lei,for introduzido um tratamento mais rigo-roso do que aquele aplicado anteriormente,mas também quando, ainda que por meiode uma nova interpretação judicial, o trata-mento jurídico-penal tornar-se mais seve-ro — o que se dá, por exemplo, com a Sú-mula Vinculante nº 9.

E é justamente por causa dessa constata-ção que alguns magistrados já vêm reconhe-cendo a impossibilidade de aplicação retroa-tiva da referida súmula. A título de exemplo,o Tribunal de Justiça de São Paulo vem en-tendendo que, com relação a faltas gravesocorridas antes de 20/06/08 — data da publi-cação da Súmula Vinculante nº 9 —, não éobrigatória a obediência ao entendimentosumulado. Constam de acórdãos proferidosnesse sentido, as seguintes observações: “emprol, sobretudo, da segurança jurídica, cumpreafastar a possibilidade de casos contemporâneose que versam sobre a mesma controvérsia juris-prudencial receberem soluções díspares, pelo sim-ples fato de alguns serem apreciados antes e ou-tros depois da vigência da Súmula Vinculan-te”(3), “se a garantia constitucional da irretroa-tividade da lei penal mais rigorosa impede suaaplicação a fato ocorrido anteriormente, da mes-ma forma, veda a incidência do enunciado daSúmula Vinculante nº 9 a fato anterior, na me-dida em que prejudique a situação do recluso”(4)e, também, “a segurança jurídica, direito fun-damental inviolável (art. 5º, caput, da Consti-tuição Federal) que o ordenamento deve e preci-sa proporcionar aos que convivem no grupo so-cial e que justificou a edição da mencionada sú-mula, é também o fundamento que determina aaplicação desta tão-somente a fatos posteriores,já que se conferiu ao art. 127 da LEP interpreta-ção mais gravosa ao sentenciado”(5).

ConclusãoEmbora a utilização de súmulas vincu-

lantes possa vir a significar uma diminui-

ção de processos que versem sobre as mes-mas questões de Direito já pacificadas emnossos tribunais, isso não significa que essapossa ser a finalidade última de tal institu-to. Ao contrário, imaginar ser possível co-locar eventual desafogo do Poder Judiciá-rio como valor mais importante do que ajustiça do caso concreto constituiria verda-deira afronta aos valores do Estado Demo-crático de Direito.

Assim, se queremos trazer para o nossoordenamento a possibilidade de usarmos osprecedentes judiciais para conferir ao cida-dão mais garantia quanto à certeza do direi-to a ser aplicado, devemos ter claro que aúnica forma adequada de se fazer isso é tra-zermos, também, as garantias atreladas a taltradição, tais como a exigência de que o pre-cedente não seja analisado exclusivamentea partir de seu enunciado final (que nadamais é do que o resumo da decisão) e a ne-cessidade de que novos entendimentos queimpliquem maior restrição à liberdade in-dividual não sejam aplicados retroativa-mente. Quanto à eventual objeção no senti-do de que tais garantias levem a uma dimi-nuição do número de demandas judiciaisabaixo do esperado — já que não pouparãoos juízes de analisar cada caso concreto —,resta a justificativa de que as garantias de-correntes do princípio da legalidade nãodevem fazer concessões em prol de uma efi-ciência apenas formal.

No caso da Súmula nº 9, independente-mente de se concordar ou não com o seuconteúdo, parece que a sua edição traz paraa sociedade uma importante certeza quantoà constitucionalidade da perda dos dias re-midos quando da prática de falta grave, oque deve evitar que recursos sejam inter-postos a fim de se discutir esse específicoaspecto da questão. Ocorre, entretanto, queo Poder Judiciário continuará sendo cha-mado a decidir, em cada caso concreto, nãosó sobre a possibilidade de perda dos diasremidos, mas, sobretudo, quanto ao alcan-ce de tal perda. Vê-se, portanto, que a sú-mula vinculante acarretará, sim, uma dimi-nuição no número de processos, mas nãoimpedirá que cada caso seja analisado indi-vidualmente e que sejam consideradas suasespecificidades, a fim de se estabelecer qualé a punição mais adequada para cada indi-víduo que cometer falta grave durante ocumprimento da pena.

NOTAS(1) Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 3ª ed.,

trad. José Lamego, Lisboa: Fundação Calouste Gul-benkian, 1997, p. 506.

(2) Os debates que levaram à edição da Súmula Vincu-lante nº 9 encontram-se publicados no DJ nº 172/2008, pp. 31 e 32, também disponível no site do STF.

(3) HC 993.08.041328-2, rel. des. Breno Guimarães.(4) Agravo 993.07.022129-1, rel. des. Angélica de Al-

meida.(5) Agravo 990.08.014874-5, rel. des. Vico Mañas.

Mariângela Gama de Magalhães GomesMestre e doutora em Direito Penal pela USP eprofessora de Direito Penal da USP e da USJTA

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