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1 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 75, dez. 1999 EDITORIAL É evidente que o aniversário de uma instituição não tem o mesmo sentido que o aniversário de um ser humano. A diferença está, é claro, no valor lógico de seus tempos. Enquanto o ser humano joga o baralho de sua vida com tempos marcados pela passagem perecível de seu corpo, o corpo institucional se revela, na medida em que aumenta a sua extensão, cada vez mais atrelado às circunstâncias discursivas que o sus- tentam. O ponto de articulação entre ambos é essa pequena partícula da língua que chamamos de significante. Pequena e sensível dobradiça que une, ao mesmo tempo que separa, a instituição de seus membros . Grifamos esta última palavra porque não deixa de nos chamar a aten- ção a precisão com que a língua destaca com delicadeza o caráter material de sua presença – a dos membros – advertindo-os sobre o viés corporal de sua existência. Presença efetiva, fazendo exercício dos significantes que desdo- bram o viés discursivo, no qual a instituição se suporta (no duplo sentido de suporte e tolerância). Tal o cerne disso que chamamos Instituição. Se ela for Psicanalítica , então os significantes que nela se articulam precisam cumprir uma particular função: a de transmitir um saber – o saber sobre a ignorância. Por acréscimo, e de modo fundamental, debelar a farsa da ingenuidade. Este último chama-se de Ética, que é, nem mais nem menos, simplesmente se fazer responsável pelas conseqüências de seu ato sobre o outro. A Associação Psicanalítica de Porto Alegre celebra nesse 17 de dezembro de 1999 dez anos de exercício de uma ética.

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Page 1: EDITORIAL É - appoa.org.br · Por acréscimo, e de modo fundamental, debelar a farsa da ingenuidade. Este último chama-se de Ética, que é, nem mais nem menos, simplesmente se

1C. da APPOA, Porto Alegre, n. 75, dez. 1999

EDITORIAL

É evidente que o aniversário de uma instituição não tem o mesmosentido que o aniversário de um ser humano. A diferença está, éclaro, no valor lógico de seus tempos. Enquanto o ser humano joga

o baralho de sua vida com tempos marcados pela passagem perecível deseu corpo, o corpo institucional se revela, na medida em que aumenta a suaextensão, cada vez mais atrelado às circunstâncias discursivas que o sus-tentam.

O ponto de articulação entre ambos é essa pequena partícula dalíngua que chamamos de significante. Pequena e sensível dobradiça queune, ao mesmo tempo que separa, a instituição de seus membros.

Grifamos esta última palavra porque não deixa de nos chamar a aten-ção a precisão com que a língua destaca com delicadeza o caráter materialde sua presença – a dos membros – advertindo-os sobre o viés corporal desua existência.

Presença efetiva, fazendo exercício dos significantes que desdo-bram o viés discursivo, no qual a instituição se suporta (no duplo sentido desuporte e tolerância). Tal o cerne disso que chamamos Instituição.

Se ela for Psicanalítica, então os significantes que nela se articulamprecisam cumprir uma particular função: a de transmitir um saber – o sabersobre a ignorância. Por acréscimo, e de modo fundamental, debelar a farsada ingenuidade. Este último chama-se de Ética, que é, nem mais nemmenos, simplesmente se fazer responsável pelas conseqüências de seu atosobre o outro.

A Associação Psicanalítica de Porto Alegre celebra nesse 17 dedezembro de 1999 dez anos de exercício de uma ética.

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NOTÍCIAS

CONGRESSO – CONVIDADOS

No próximo dia 08/12, às 20h30min, na sede da APPOA, o CartelPreparatório do Congresso – 500 Anos estará recebendo a historiadoraSandra Jatahy Pesavento. Na oportunidade, a professora estará apresen-tando os temas de seu último livro - “O imaginário das cidades - Paris, Riode Janeiro e Porto Alegre”.

FESTA DE DEZ ANOS

No próximo dia 04 de dezembro, estaremos comemorando os dezanos de fundação da APPOA.

Convidamos a todos para festejarmos juntos esta data tão significati-va na história de nossa Associação.

A festa será realizada na sede, às 20h e 30min, e o valor do ingressoserá R$ 10,00.

Comissão de Eventos

REVISTA DA APPOA N. 17NEUROSE OBSESSIVA

Foi lançada dia 20 de novembro, por ocasião da Jornada Clínicasobre a Neurose Obsessiva, a Revista da APPOA - Neurose Obsessiva.

Lembramos aos membros e participantes da APPOA que o seu exem-plar já se encontra disponível na secretaria, das 9h às 21h e 30min.

Aos demais interessados, a Revista pode ser adquirida através deassinatura anual ou venda avulsa, conforme ficha anexa a esta publicação.

NOTÍCIAS

EXERCÍCIOS CLÍNICOS

Data: 4 de dezembroHorário: 10hLocal: sede da APPOA

Atualmente, é comum encontrarmos psicanalistas inseridos nas maisdiferentes instituições da cidade. Hoje, mais do que nunca, eles estão cons-cientes de que, apesar dos limites, e até impossibilidades, impostos pelocontexto institucional ao exercício da prática psicanalítica, é importante apostarna possibilidade de que algum trabalho norteado pela ética psicanalíticaencontre lugar.

No entanto, algumas questões merecem uma atenção especial denossa parte: que efeitos sofre a transferência analista-analisante quando de-senvolvemos uma prática clínica em uma instituição? Como pensar a trans-ferência do membro com a instituição e sua relação com a transferênciaanalista-analisante? Qual é o Sujeito da transferência? Qual é o Outro numainstituição?

Estas são as interrogações propostas para debate, por Valéria Rilho,para o próximo Exercícios Clínicos, o qual contará com a participação deAna Maria da Costa e Liz Nunes Ramos, enquanto mediadoras da questão.

CARTEL DO INTERIOR

Informamos que o próximo encontro do Cartel será no dia 04 de de-zembro, às 14h e 30min, na sede da APPOA. Nessa oportunidade, o colegaVolnei Dassoler apresentará seu projeto de pesquisa “A experiência analíticacomo uma ficção”.

Lembramos que as reuniões do Cartel do Interior são abertas a todosos interessados.

Cartel do Interior

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NOTÍCIAS

XIX JORNADA DE ESTUDOS DO CENTRO LYDIA CORIATPSICANÁLISE E EDUCAÇÃO NA CLÍNICA DE CRIANÇAS

COM PROBLEMAS DO DESENVOLVIMENTO

“O trabalho psicanalítico e educacional na instituição do tratamento”Maria Cristina Kupfer (psicanalista, professora livre docente e doutora

em educação do Instituto de Psicologia da USP, diretora da Pré-escola Tera-pêutica Lugar de Vida, editora da revista “Estilos da clínica”)

Após as pretensões iniciais de Sigmund Freud, de a psicanálise con-tribuir para uma educação menos repressiva, ambas disciplinas distancia-ram-se na procura de sua especificidade.

Enquanto a educação empenhou-se na pesquisa dos parâmetros ra-cionais do objeto de conhecimento, a psicanálise persistiu no caminho deindagar os fundamentos do sujeito do desejo.

Num ponto, porém, as interseções foram não só inevitáveis como ne-cessárias: onde a patologia do sujeito faz obstáculo às aprendizagens, ou odéficit lógico coloca em questão o sujeito.

Esse ponto de abordagem necessariamente interdisciplinar, alimen-tou um reencontro entre a psicanálise e a educação que, hoje em dia, transi-ta por novos caminhos.

Tal o ensejo que Maria Cristina Kupfer se propõe a desdobrar.

DATA: 11 de dezembro de 1999HORÁRIO: 8h e 30min abertura - 9h às 12h e das 14h às 18hLOCAL: Instituto Cultural Brasileiro Norte-AmericanoINSCRIÇÕES: Centro Lydia Coriat - rua André Puente, 415 - Porto Alegre Tel.: (51) 311 2243 ou (51) 311 0091Estudantes e alunos do Centro Lydia Coriat - R$ 35,00Profissionais - R$ 45,00Profissionais de instituições (grupos de 10) - R$ 35,00APOIO: Associação Psicanalítica de Porto Alegre

Instituto Cultural Brasileiro Norte-Americano

NOTÍCIAS

REVISTA DA APPOA N. 18O SÉCULO DA PSICANÁLISE ou

A PSICOPATOLOGIA DA VIDA COTIDIANA

A afirmação de que a psicanálise é um produto do seu tempo encon-tra sua legitimidade na noção lacaniana de inconsciente como o discursodo Outro. Mas não esqueçamos que foi preciso uma posição de ruptura, aqual Freud teve singularmente condições de suportar, para dar uma certaformatação ao discurso social.

A psicanálise, há algum tempo, vem se ocupando do discurso social.A idéia proposta como temática desta próxima Revista é fazer o caminhoinverso: ater-se às contribuições que a psicanálise trouxe para o século XX.

Podemos pensar que o século teria sido diferente sem ela? Quais ascontribuições da psicanálise para o século que se encerra?

Algumas delas já podemos contar como irreversíveis, a tal ponto que,hoje em dia, é difícil pensar o homem sem elas.

As noções de sexualidade infantil e complexo de Édipo tornaram-seessenciais para a compreensão do desenvolvimento infantil e da estruturaçãoda subjetividade.

Faz parte do senso comum a idéia de uma relação direta entre ofracasso da vida sexual e a neurose, o que contribui para a abolição da cisãoradical entre normal e patológico.

Os sonhos, lapsos, sintomas e chistes são tomados como produtosdo inconsciente e denunciam a presença de um sujeito em jogo.

O inconsciente veio para ficar, mesmo que entendido desde diferentesacepções teóricas.

Enfim, a psicanálise marcou mais o século, enquanto desdobrandoidéias que vieram balizar condutas éticas, do que, propriamente, como umapossibilidade terapêutica, mesmo que tenha praticamente revolucionado oafazer terapêutico do século.

Pedimos a todos que se sentirem convocados em colaborar na abor-dagem do tema ora proposto que enviem o seu texto para apreciação daComissão da Revista até o dia 15 de março de 2000.

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NOTÍCIAS

ENCONTRO SULAMERICANO DOS ESTADOS GERAIS DA PSICANÁLISE

Nos dias 13,14 e 15 de novembro, teve lugar no Instituto SedesSapientae a reunião  convocada pelo grupo dos Estados Gerais de São Pau-lo. Houve inscritos de várias regiões do Brasil e também de Argentina, maisprecisamente, de Buenos Aires.

Foram apresentados em torno de 95 trabalhos, e se  inscreveram 145psicanalistas, de diversas procedências institucionais e independentes.

Foi surpreendente o clima de trabalho e de troca que houve ao redordos temas propostos. A avaliação realizada é de que a possibilidade de falarem nome próprio contribuiu decisivamente para este clima. Interessanteconstatar como os participantes colocavam, na pertença institucional, umenclausuramento – talvez um perseguidor? – que esteriliza os debates.

Foram realizadas mesas com os seguintes temas:Psicanálise, Direito e Instituições;Depressão e Melancolia;Montagem tóxica e subjetividade na clínica;O lugar do Pai;Transmissão e Instituição da Psicanálise I e II;Psicanálise, Arte e Literatura I e II;Em torno da sublimação; O sexual e o feminino;Autismo:clínica e intervenção precoce;A clínica da psicanálise no ano 2000;Psicanálise e Psicofármacos I e II;Mal-estar na civilização e psicanálise;Ética e Psicanálise; e várias outras.

Abriu-se um amplo leque de temas, de acordo com os trabalhos apre-sentados. Na reunião final, ficou como proposta, na medida em que o inte-resse dos participantes possa sustentá-lo, um novo encontro, posterior aoevento em Paris e integrando esta experiência, a ser realizado no mês deoutubro do próximo ano.

Isabel Marazina

NOTÍCIAS

PROPOSTAS DE ENSINO PARA 2000

A Comissão de Ensino está recebendo propostas para o ensino queserá ministrado no ano 2000.

Gostaríamos de receber suas propostas até dia 5 de dezembro, pois,ao contrário de outros anos, queremos ser mais ágeis na divulgação denosso Programa de Ensino. Por isso contamos com a sua colaboração.

As propostas podem ser entregues na secretaria (em mãos ou via e-mail). Não se esqueça de colocar todos os detalhes que são necessáriospara a divulgação: local, dias de funcionamento, data de início dos traba-lhos e o nome do grupo ou seminário de uma maneira bem clara, bem comoo nome completo do responsável ou responsáveis pelo ensino e ainda umtelefone para contato para a Comissão de Ensino tirar eventuais dúvidas.

Comissão de Ensino

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A CONSTRUÇÃO DE UMA PSICANÁLISE PLURAL

Ana Maria Gageiro

“Durante muitos anos, em Porto Alegre, ser psicanalista foi sinô- nimo de ser psiquiatra”. Este foi, com certeza, o enunciado mais repetido entre aqueles que entrevistei ao longo do meu tra-

balho de pesquisa.1

Ao mesmo tempo em que ele afirma uma hegemonia da psiquiatria naformação dos psicanalistas gaúchos, durante duas décadas, ele fala de umpassado recente. Consideramos que alguns fatos acontecidos em meadosda década de 70 serão os primeiros movimentos nas mudanças deste cená-rio, que culminará nos anos 80, quando psicanalista e psiquiatra deixam deser a mesma coisa, assim como a própria psicanálise deixa de ser uma só.

Importante salientar uma particularidade do campo psiquiátrico/psica-nalítico de nossa cidade, que muito contribuiu para a hegemonia da Socieda-de Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA).2 Os dirigentes desta instituição,desde sua fundação, detinham o controle da cadeira de Clínica Psiquiátricado curso de Medicina da UFRGS, do curso de Especialização em Psiquia-tria e da residência em Psiquiatria na Divisão Melanie Klein do Hospital SãoPedro. A alternância nas direções de todas elas se dava entre os didatas daSPPA, pelo menos nas décadas de 60 e 70.

A partir 75, a SPPA passa a viver uma crise interna bastante forte eque repercute também no curso de Especialização em Psiquiatria da UFRGS.Esta crise tinha a ver com o descontentamento frente a permanência domesmo grupo no comando das duas entidades. Um grupo de psicanalistas,ligados à Universidade, se antecipa e apresenta um projeto de Especializa-

1 Pesquisa de doutorado sobre a história da psicanálise e de sua institucionalização em PortoAlegre.2 Primeira associada da IPA em Porto Alegre, a segunda é a Sociedade Brasileira de Psica-nálise de Porto Alegre (1998).

GAGEIRO, A. M. A construção de uma psicanálise plural.SEÇÃO TEMÁTICA

Nós, os humanos, gostamos de contar o tempo; gostamos, aindamais, de fechar contas em números redondos, dez anos, um sécu-lo, outro milênio. Daí, rememoramos e comemoramos, se for o

caso. O mês de dezembro do ano em curso oferece-nos essa dupla oportu-nidade: de comemorar os 10 anos da Fundação da APPOA e, também, derememorar as circunstâncias e os fatores que tornaram este ato possível enecessário em nossa cidade. A bem da verdade, não se pode dizer quandouma instituição analítica começa, a não ser arbitrariamente, pois não sesabe bem quando o desejo ou a aposta que um laço se constitua e produzaefeitos formativos se transforma numa realidade. Este é um dos temas queos textos desta edição procuram abordar. Ana Gageiro se propõe arememorar as condições que marcaram a história recente da Psicanáliseem Porto Alegre. Nosso colega Rodolpho Rufino reflete sobre a experiênciainstitucional psicanalítica em sua cidade, São Paulo.

Trazendo seu depoimento pessoal Domingos Paulo Infante nos falasobre sua experiência institucional num dos movimentos que marcou osanos posteriores à morte de Lacan: o millerianismo.

Denise Quintão escreve sobre a transferência e seus efeitos na trans-missão da Psicanálise, e como esta se opera em uma instituição psicanalí-tica, passando pelo desfiladeiro perigoso da demanda de reconhecimento,de filiação, de mestria, para a possibilidade de um laço singular com apsicanálise, onde o desejo está em causa.

Esperamos que esses depoimentos nos ajudem a refletir sobre a ex-periência institucional e seu efeitos formativos, que permitem enfrentar osimpasses de toda experiência, para que possamos comemorar mais dezanos, com a mesma disposição que hoje nos alegra.

Maria Ângela Brasil Márcia Ribeiro

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Também neste mesmo ano, Roberto Harari passa a vir com freqüênciaà Porto Alegre, para desenvolver seminários de estudos de Freud, já comuma leitura lacaniana. Este trabalho terá como fruto a fundação da Maiêuticade Porto Alegre. Ainda neste período, temos as fundações do Centro de Tra-balho em Psicanálise e Grupos, o Centro de Estudos Freudianos de PortoAlegre e a Cooperativa Cultural Jacques Lacan.

Estavam lançados os principais ingredientes locais, que fariam fer-mentar as mudanças que viriam logo, tendo elas a marca da abertura e dademocratização, que eram as palavras de ordem no Brasil deste período.Afirmação das instituições, dos partidos políticos e da sociedade civil era oclamor que indicava o caminho da reconstrução democrática.

Aqueles que, por alguma razão exposta anteriormente, haviam ficadoexcluídos do legitimismo ipeísta, ou ainda pelo fato de não serem médicos,lançam-se na experiência institucional fora dele. É o período do surgimentodas novas instituições, que proporão estudos e/ou formação em psicanálisee que, de formas diferentes, contribuirão na afirmação da análise profana.

Do grupo que havia retornado da Argentina, tivemos o CEAPIA e, logodepois, do CEPP, que até 89 tinha o nome de Centro de Pesquisa em Psi-coterapia Psicanalítica, denotando, no significante psicoterapia, a cautelade seus dirigentes neste difícil início. A troca de nome para Centro de Estu-dos Psicanalíticos de Porto Alegre, de seus estatutos e normas para a for-mação, ocorre no mesmo ano da fundação da Associação Psicanalítica dePorto Alegre, indicando que, possivelmente, no final da década de 80,autorizávamo-nos, mais e mais, a tomarmos o significante psicanalítico comouma herança a administrar. Os que deixaram a Universidade e a SPPA,juntamente com mais alguns, deram início à Fundação Mário Martins, eaqueles que estudavam com Harari fundam a Maiêutica de Porto Alegre.Ainda no campo da psicanálise lacaniana, surge o Centro de Trabalho emPsicanálise e Grupos, o Centro de Estudos Freudianos de Porto Alegre e aCooperativa Cultural Jacques Lacan.

Interessante alguns depoimentos sobre essas fundações e sobre osnovos contornos que a psicanálise foi adquirindo. Sobre os espaços funda-

GAGEIRO, A. M. A construção de uma psicanálise plural.SEÇÃO TEMÁTICA

ção que é aprovado, impedindo assim a manutenção dos mesmos na con-dução do curso. Internamente na SPPA, alguns psicanalistas que, por anosà fio, davam seminários, foram dispensados destas funções. Era um se-gundo golpe sofrido pelas mesmas pessoas, que, então, se retiram da SPPAe da Universidade.

O final da década de 70 é marcada também por um fenômeno queficou conhecido como “o retorno dos reprimidos”. Tratava-se do retorno da-queles que não tinham sido aceitos para fazerem formação na SPPA, e queforam, então, para Buenos Aires, para realizar este objetivo. Alguns, tam-bém, buscavam um afastamento do país, devido às suas atividades políti-cas, que tornava a permanência aqui bastante difícil, pois estávamos emplena ditadura. Este grupo, quando retorna, traz em sua bagagem não só aformação analítica, mas, também, a vivência de um rico período de debatese mudanças na Associação Psicanalítica Argentina, a partir dos questio-namentos dos grupos Plataforma e Documento e da formação da Coorde-nadoria de Trabalhadores de Saúde Mental e do Centro de Docência e Inves-tigação.3

Ao retornarem a Porto Alegre, é recusado o ingresso automático des-tes psicanalistas à SPPA, mesmo eles sendo membros da Associação Psi-canalítica Argentina e, portanto, filiados à IPA. Seu ingresso seria mediantea apresentação de um novo trabalho de conclusão, não podendo ser o mes-mo apresentado na APA. A outra condição seria terem, pelo menos, umcaso em atendimento, supervisionado por um didata da SPPA. Praticamentetodos se recusaram a se submeter às exigências, ficando, portanto, impedi-dos de ingressar na filiada da IPA de Porto Alegre e mantendo-se filiados àAPA.

A partir de 1976, começam a chegar em Porto Alegre alguns psica-nalistas argentinos para quem a ditadura havia se tornado insuportável eperigosa. Miguel Massolo, Alfredo Jerusalinsky e Marta Brisio traziam nabagagem as leituras de Freud , de Melanie Klein e de Jacques Lacan.

3 Sobre este tema ver Slavutzky, Abrão Psicanálise e Cultura, Vozes, Petrópolis, 1983.

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4 CALLIGARIS, Contardo “À escuta do sintoma social” in Anuário Brasileiro de Psicanálise,coord. Daniel Ropa, vol. 1, n. 1 – Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1991, p. 14 e 15.

cimento institucional. Ter experimentado a exclusão do campo psicanalíticopela determinação de outros, ter insistido nesta transferência com a psica-nálise “apesar” dos legitimistas, ter assumido para si e com outros, numainstituição, o significante psicanalista e sustentado-o no laço social; tudoisso, possibilitou as experiências institucionais da década de 80. A apostada APPOA na transferência de trabalho, como aquela que pode sustentaruma instituição psicanalítica, era o que muitos demandavam, pois eram co-nhecidos os efeitos dos ‘trenzinhos transferenciais’ e dos pequenos gruposcom seus mestres. Rejeitava-se, de outro lado, a transferência burocrática,pois esta era a marca da ruptura que se fazia naquele momento. Ao comen-tar a experiência da APPOA, Contardo Calligaris4 refere: “estavam num mo-mento do percurso analítico em que não precisavam acreditar que houves-sem ‘únicos’. Que este ‘momento de graça’ transmita um estilo à geraçãoseguinte”.

Os anos 90 vem consolidando estas experiências institucionais e,sobretudo, afirmando o ganho qualitativo na quebra da hegemonia e no apa-recimento das diferenças. Podemos, talvez, afirmar que o ganho tenha sidoo de poder transmitir à geração seguinte que a psicanálise é plural e univer-sal.

GAGEIRO, A. M. A construção de uma psicanálise plural.SEÇÃO TEMÁTICA

dos pelos que retornaram da Argentina: “não sendo genuinamente ‘estran-geiros’, aplacaram, em parte, os sentimentos xenófobos locais. Posicionando-se entre IPA e não-IPA, podiam falar de Freud, Klein e outros, porque eramavalizados pela IPA, mesmo sem pertencerem à associação local”. Sobre ocampo lacaniano: “custamos a nos autorizar a trabalhar com divã, pois éra-mos psicólogos recém-formados. A transferência com os argentinos nosajudou a sustentar o ser lacaniano em Porto Alegre, naquele início”. E ainda:“os argentinos que aqui chegaram nos mostraram que era possível ler Freud,sem ser um reacionário. Era possível estudar e praticar a psicanálise de ummodo mais aberto. O discurso lacaniano veio legitimar esta possibilidade.Legitimar e possibilitar que os psicólogos se autorizassem psicanalistas”.

Dois fatos ainda, no início dos anos 80, sacodem o legitimismo ipeístalocal ao afirmarem a análise leiga. O primeiro é a derrota na justiça sofridapela Associação Psicanalítica Americana, numa ação que questionava alegalidade da política de exclusão dos não-médicos. A partir desta derrota, aIPA orienta todas as suas filiadas a abrirem suas portas aos psicólogos. Naassembléia geral de março de 1989 da SPPA, é comunicada a abertura doInstituto da SPPA aos psicólogos que desejarem fazer formação analítica.

O outro momento marcante foi o simpósio organizado em 81 pelogrupo Embrião, chamado “Alternativas no espaço psi”, que mobilizou umgrande número de profissionais e estudantes, com empolgados debates emtorno das práticas do psicólogo e da formação psicanalítica.

Inicia-se um percurso nesta nova aventura institucional, fora dolegitimismo, com a criação de um espaço de afirmação e de reconhecimentona pólis, que trouxe uma grande riqueza para a psicanálise local. Tivemosainda, no campo lacaniano, a ruptura da transferência exclusiva com os ar-gentinos e uma ampliação nas trocas com os franceses e com os psicana-listas do centro do país. A psicanálise se torna plural, os reconhecimentosnão obedecem mais aos ditames burocráticos e, cada um, sente-se convo-cado a sustentar um nome, uma filiação e uma herança simbólica.

A experiência da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, em 89,,vem na esteira dessas mudanças profundas, cujo resultado foi um amadure-

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retomadas do ponto zero. Da servidão voluntária ao delírio de autonomia,assim se dividiam os analistas na “locomotiva do país”. Se uma históriapuder ser escrita, ela deve se apoiar nesta constatação: se o discurso doanalista há de ser o avesso do discurso do capitalista, a história dos laços edas produções entre analistas numa cidade-locomotiva do capital só poderáse escrever quando a comunidade de analistas dessa cidade puder opor, aoinercial do gozo que lá se engendra, uma rede discursiva suficientementecapaz de dar suporte a um laço com a cidade, proporcional à negatividadeque ele precisará suportar.

Uma dissidência do império de diversas tonalidades, articulada comum conjunto dos ditos “independentes”, iniciaram conversações, para a qualconstituíram um Fórum. Em seis meses, por três vezes, facções afeitas àimperialidade sem certo imperador deixaram o novo espaço; de outro lado,“independentes” sem vontade de laços, menos barulhentamente, faziam omesmo, só que estes, com o cuidado de não fechar demais a porta.

Hoje, vinte e seis inscritos, entre noventa em circulação, dos quaisquinze operam quotidianamente a gestão do empreendimento, escutam-semutuamente para reconstruir uma história cujo traçado permanece ainda nainvisibilidade. O encontro reunia quem não se esperava, do ponto de vista doconjunto que se perfazia. Nomes a que a memória auditiva já nos acostuma-ra, surgindo em rostos que a vista não registrava, mesclavam-se com casosopostos. Antigos companheiros, que duas décadas separaram, agora senta-vam-se lado a lado. Aqui e ali, dois mútuos desconhecidos descobriam-sesolidários em experiência e em pensamentos. Experiências distintas serevelariam homólogas e de homologias estruturais se descobririam singulari-dades distantes enriquecedoras: uma comunidade de diferenças a se cons-tituir para além de um mero ajuntamento.

Há muito a se fazer antes de poder se escrever uma história. Isto,estará para o futuro, desde que no presente algo já possa se inscrever.Uma aposta, isto é algo novo, que em São Paulo se inscreveu. Aqueles queesta aposta hoje reúne, entre desconhecimentos e reconhecimentos de ros-tos, nomes, experiências, pensamentos e singularidades, constituem uma

RUFFINO, R. Crônica de uma história sem traçados.SEÇÃO TEMÁTICA

CRÔNICA DE UMA HISTÓRIA SEM TRAÇADOS

Rodolpho Ruffino1

Pensei em esboçar aqui, não a história, porque ela ainda não se fez,mas dela um traçado. Há, entretanto, dela apenas traços, traçosque poderão permitir sua escritura. Neste momento, porém, ela ain-

da se decide e a incerteza não autoriza, hoje, o saber do trilhamento dafutura escritura. Há uma história dos traços, mas este que escreve está pordemais envolto nos mesmos para tematizá-los. Não há pessimismo nestaslinhas. É só o senso do impossível de uma retomada que aqui faz calar. Nofazer, no construir, ao contrário, o entusiasmo não tem faltado. Do que falo?Da comunidade dos analistas de referência lacaniana em São Paulo, de suaorganizabilidade e da possibilidade de sua história.

Em São Paulo, se essa comunidade quiser ter algo parecido com umtraçado de sua história em seu futuro, ela terá que, contra toda a inércia,provar-se capaz de estabelecer laços entre os analistas nela inscritos, quepossam fazer frente ao individualismo que aqui corre a galope. Laços queofereçam o suporte para certas apostas, que apontem para perspectivas quepossam ser mais caras do que a sedução de uma imediaticidade segura,porém efêmera. Por vinte anos ficaram esgotadas as possibilidades que an-tes poderiam ter existido para isso. Hoje elas se reabrem. Saberemos o quefazer entre elas?

Nos últimos vinte anos, de um lado, um pretenso império que exigiaservidão aos seus, mas império que, há dois anos, veio a fraturar-se; deoutro, os chamados, não por eles próprios, “independentes”: alguns, no cen-tro de um pequeno feudo, nada queriam de laços com seus pares, outros,em isolamento, sobreviviam graças a incansáveis investidas sempre a serem

1 Membro Correspondente da Associação Psicanalítica de Porto Alegre e Membro Fundador doFórum Psicanalítico de São Paulo.

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INFANTE, D. P. O millerianismo.

O MILLERIANISMO

Domingos Paulo Infante1

Axiome: L’homme

Thème: L’homme axiomatique

Thèse: L’éxtase vexée

(Ghérasim Luca – Théâtre de Bouche)

Alguns episódios que testemunhei podem ser esclarecedores do fe-nômeno milleriano.

Num cartel em que participava como mais-um, o desfecho foi tãointempestivo quanto melancólico. Numa das reuniões onde discutíamos ainterpretação, é mencionado um texto, recente na época, de Jacques AlanMiller que anunciava o fim da interpretação. Uma colega, que tinha e temuma importância na EBP, arrebatada, exclama: esse texto é definitivo e sómesmo JAM poderia tê-lo escrito! Frente a essa afirmação extravagante e,convenhamos, exorbitante, eu prontamente me oponho, não ao argumentodo texto que era o que devia ser debatido, mas ao pressuposto da afirmação.Frente à insistência dessa colega, me ocorre dizer a ela que afinal aquilo nãoera uma leitura do torá, na qual se supõe que a verdadeira palavra é revelada,no caso revelada à JAM. Essa colega, indignada, levanta-se e diz: eu merecuso a participar de um cartel onde se possa dizer isso de JAM. Fim docartel.

Em 90, num encontro nacional do Campo Freudiano, cujo tema era aética da psicanálise, JAM era o responsável pelo seminário do encontro. Ao

1 Membro do Fórum de Psicanálise de São Paulo

trama cujas linhas escondem ainda o segredo daquilo que, no sobrevivente,operou pela sobrevivência. Que sabedoria cada um guarda de si mesmo, asete chaves, por meio da qual, sob condições tão adversas, eles mantive-ram-se presentes na sustentação da experiência psicanalítica? Creio que aresposta que esta questão convoca, quando puder se apresentar, introduziráo esboço de um possível traçado para a história a se fazer.

A crônica alusiva, penso, bem convém a essa história ainda sem tra-çado que hoje ousa querer-se prenhe de futuro. Aqui encerro. Que a históriapossa, ao ser traçada, ter em bom lugar o laço onde, há tempos, eu reconhe-ci a afinidade que articula São Paulo à Porto Alegre. Essa ponte tornou bemmais do que apenas agradável a persistência ao campo da psicanálise de aomenos um paulista em anos muito adversos: este que aqui assina.

SEÇÃO TEMÁTICA

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O fato de os recentes acontecimentos (cisão da AMP e rede de fóruns),trazerem à baila toda uma discussão em torno do que ele seria não foi sufi-ciente para identificá-lo em todos os seus aspectos. De qualquer forma, eleinteressa, na medida em que pode trazer esclarecimentos para questõescruciais da psicanálise na contemporaneidade.

Proporia examinar a questão em três vertentes, que se solidarizam nofenômeno milleriano: uma questão teórica, que corresponde a uma crescen-te axiomatização da obra de Lacan; uma vertente política, ligada às inten-ções expansionistas e mercadológicas; por fim uma vertente micropolítica,na medida em que o fenômeno milleriano está longe de ser um fenômenopessoal, mas merece, como todo fenômeno coletivo, uma análise das moti-vações implicadas, do agenciamento de desejo que a ela corresponde; en-fim, uma pergunta reichiana, num certo sentido, porque o millerianismo foi eé desejável mesmo sem Miller.

Em termos teóricos o millerianismo identifica-se com uma fantásticaaxiomatização da obra lacaniana. Tomo aqui axioma no sentido aristotélico,como princípios evidentes que constituem toda ciência, um imperativo queobriga ao consentimento, uma vez que é enunciado e entendido. A máquinaaxiomática aqui funciona como homogeneização, conformidade, conjunçõesde fechamento. O primeiro texto de Miller intervindo na doutrina lacanianatem o título, não por acaso, de Sutura. O próprio Lacan, segundo Roudinescotentou contrabalançar o fechamento lógico que implicava esse texto, com oteorema de Godel e com seu texto A ciência e a verdade.

Os matemas nunca foram dogmas, eles nada são sem o comentárioque deve acompanhá-los e sem o real da clínica que verifica sua eficácia. Nomillerianismo, porém, embora não explicitamente, os matemas tornam-seaxiomas que excluem qualquer não conformismo. O uso para fins de exclu-são e de autoritarismo são evidentes. Os matemas não são nada fora de umdebate dentro de uma comunidade e da diversidade das leituras possíveis.

Solidária a esse processo está a questão do expansionismo com suadupla face, uma visível e explicitada, de cunho doutrinário, outra nuncaexplicitada, verdadeiro tabu, que são os interesses mercadológicos. O

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término de uma dessas exposições, um colega intervém argumentando queJAM não deveria remeter seu ensino exclusivamente à Lacan, como haviafeito durante toda a exposição, pois, para ele, era claro que havia, nas contri-buições de JAM, algo que não se limitava à transmissão do ensino de Lacan.JAM responde dizendo que quando ele criasse algo novo, que estivesse forado ensino de Lacan, ele marcaria esse evento, mas até ali isso não aconte-cia. Frente à insistência do colega entusiasta, JAM parece visivelmente con-trariado e insiste de que o que ele trazia era o ensino de Lacan, ao qual elenada acrescentava.

No Encontro Internacional do Campo Freudiano, na Argentina, em 88,um analista argentino escreve um texto espinafrando o Anti-Édipo de Deleuze-Guatari. Antes de começar a ler o texto, esse analista diz que o escreveu porinsistência de JAM, que queria um texto contra o Anti-Édipo no encontro,contudo, ele o fazia a contragosto, pois para ele o episódio Anti-Édipo estavaencerrado.

Esses três episódios, e poderia citar muitos outros, são reveladoresdo que podemos chamar de millerianismo. E podemos ver neles que o queassim chamamos não se reduz a uma questão pessoal de JAM. Pelo con-trário, ele revela que estamos frente a um fenômeno que perpassa de alto abaixo uma certa comunidade dos chamados lacanianos. Esse é um dadofundamental, pois podemos ter millerianismo sem Miller; e, em muitos as-pectos, o recém-fundado Campo Lacaniano demonstra esse fato.

No primeiro episódio, temos a adesão fanática e acrítica; no segundo,a insistência em colocar JAM como o substituto do mestre perdido, semcontar a insistência de Miller, que se coloca como a leitura privilegiada everdadeira de Lacan e a certeza de que o que ele diz é Lacan que o diz; noterceiro, a vergonhosa servidão voluntária do colega argentino, que atacaterceiros por procuração.

O millerianismo, termo que não consta de nenhum dicionário psicana-lítico, nem mesmo no recente dicionário de Roudinesco que, no entanto,desenvolve em sua História da psicanálise toda uma tese sobre a participa-ção de Miller nos desdobramentos do lacanismo, está ainda por ser definido.

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nuam fazendo”. Slavoj Zizek mostra como esse cinismo é um dos fenôme-nos ditos pós-modernos e desloca-se de uma figura de líder carismático paraa figura do líder como instrumento de uma verdade dogmática. O exemploparadigmático desse tipo de liderança é o stalinismo, cujos desmandos sejustificam pois são instrumentos do materialismo dialético. Daí a insistênciade Miller em argumentar que o que ele lê é o verdadeiro Lacan de cujo saber,ele, Miller, é o instrumento. É evidente que tal processo não pode se dar,guardadas as devidas proporções, sem um deslocamento perverso, ondetudo se justifica na medida que o sujeito é mero instrumento do gozo dooutro, tomando aqui como outro esse Lacan hipostasiado por Miller.

Aqui cabe comentar o que julgo um equívoco do próprio Lacan, doqual o próprio Miller pode ser considerado uma vítima se não usufruísse dele,o “ao menos um que sabe me ler”. Sem dúvida Lacan viu em Miller a possi-bilidade de evitar para a sua obra o mesmo destino que denunciou em rela-ção à obra de Freud: o desvio. A tendência a um fechamento, via lógica, dosconceitos garantiria uma transmissão integral e Miller demonstrava desde oinício uma particular leitura desse Lacan transformado em ciência rigorosa.A obra de Lacan é, como toda obra, inacabada, como bem nota Jean-ClaudeMilner em Obra clara, e isso faz dela uma provocação saudável para aquelesque herdaram seu ensino. Estes, porém, não se resumem a Miller.

Elizabeth Roudinesco resume a situação que se estabelece entre omestre e seu discípulo privilegiado: “Em 1965, o discurso de Miller radicalizao de Lacan. Na teoria, esse discurso se pretende estritamente lacaniano,porém, na prática, traz para o lacanismo o alento de um militantismo combativo.Nesse sentido, portanto, já nessa data existe uma representação millerianado lacanismo, que não é a simples tradução da doutrina lacaniana. Enquan-to Lacan produz conceitos passíveis de uma certa “equivocação”, Miller ten-de a esclarecer ou racionalizar a conceituação lacaniana, de maneira a torná-la mais uniforme, por vezes mais coerente. Esse deslizamento é ainda maisdifícil de captar na medida em que, com muita freqüência, não é apreendidocomo tal pelos dois homens. Miller se pretende sempre o fiel comentador domestre, e Lacan não se apercebe de que, por vezes, toma emprestadas dele

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millerianismo, através de seus dispositivos, a Associação Mundial de Psica-nálise e suas Escolas subordinadas, possibilitou uma internacional lacanianade relativo sucesso. Acontece que essa universalização em extensão nuncacorrespondeu a uma propagação da teoria psicanalítica em intensão. A ra-zão disso é que o millerianismo enfatiza, no lacanismo, seu aspecto dog-mático e mimético, e isso, inevitavelmente, implica um empobrecimento dacriação, em prol de um plágio generalizado fundado na leitura de Miller.

O aspecto micropolítico, a meu ver o mais importante, é também o deanálise mais difícil. Porque os analistas filiados à AMP desejaram, desejamou não podem deixar de desejar, no caso do recém-criado Campo Lacaniano,o millerianismo? Uma das razões, sem dúvida, está ligada à questão doideal. A Escola com seus dispositivos, o cartel, o passe, a permutação, criaa ilusão de uma organização comunitária congruente com o discurso analíti-co. Ora, os dispositivos nada garantem, mas a insistência no ideal leva àsubmissão em nome desse ideal. O que acontece? O respeito ou não aregras básicas de convivência entre pares fica em segundo plano, frente aesse ideal que deve ser mantido a todo custo. A escola torna-se assim umI(A), um ideal de ego fomentando em cada um, um i(a), ego ideal, amado poresse ideal. Como a posição de i(a) define a posição infantil, podemos dizerque o processo leva a uma infantilização generalizada e a uma impotênciacrítica.

A questão micropolítica do millerianismo não se resume à questão doideal, ela é feita também de arrivismo, da busca de garantia através do apoiopolítico incondicional, do medo da impostura que acossa todo analista e dointeresse mercadológico. O que ocorre é que o millerianismo, com seu inte-resse expansionista, desloca os investimentos da própria comunidade a qualo analista pertence em prol de uma psicanálise universalizada e internacio-nalizada, cuja marca registrada é a leitura inquestionável de Miller da obralacaniana, em relação à qual ele se coloca como único e legítimo herdeiro.

O efeito desse processo é o progressivo cinismo que se generalizanas relações com os pares. Cinismo no sentido da Crítica da razão cínica deSloterdjik, cuja figura é “eles sabem o que fazem mas assim mesmo conti-

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equívocos teóricos quem os domina é o mestre.O jovem Torless, numa aula de matemática cogita: “Se isso que estão

dizendo aí for realmente preparação para a vida, deve-se referir a alguma dascoisas que estou procurando.” A aula em questão se referia aos númerosimaginários ( ? )

Torless procura um professor para pedir esclarecimentos. Esse pro-fessor, frente às expectativas de Torless, entre outras coisas lhe diz: “Porsorte, poucos alunos sentem isso, mas quando alguém, como você hoje-embora, como eu disse, me dê grande prazer-, vem realmente nos interrogar,só podemos dizer: caro amigo, você simplesmente precisa acreditar; quan-do um dia souber dez vezes mais matemática do que hoje, compreenderá;por enquanto precisa acreditar.” Em seguida apontando para um livro de Kant,o professor acrescenta: “Está vendo esse livro, é filosofia, contem os funda-mentos da nossa ação!”

No dia seguinte, Torless, munido de um volume de Kant põe-se a ler.Nesse ponto a descrição de Musil é primorosa: “Mas já no dia seguinte teveuma grande decepção. Pela manhã, comprara o volume de Kant que vira namesa do professor, e no primeiro intervalo pôs-se a ler. Mas, com tantosparênteses e notas de rodapé, não entendia nada; e quando seguia escrupu-losamente as linhas com os olhos, era como se uma velha mão descarnadafizesse seu cérebro girar em espirais, arrancando-o de dentro do crânio.

Quando, meia hora depois, parou exausto, havia gotas de suor emsua testa, e chegara apenas à segunda página.

Apertou os dente,s leu mais uma página, até o intervalo acabar.À noite, já não desejava nem tocar no livro. Medo? Repulsa? Não sabia. Sóuma coisa o atormentava, nítida: era que o professor, pessoa de aparênciatão apagada, tivesse aquele livro bem exposto no quarto, como se ele fosseuma diversão cotidiana.”

Torless, no seu fascínio, não pode perceber o engôdo, apesar do cole-ga que o adverte: “– Mas aí é que está o logro! Eles não conseguem contaressas histórias a um sujeito que tenha apenas inteligência e nada mais. Issosó funciona depois que ele gastou dez anos de estudo afiado. Nesse meio –tempo ele faz milhares de cálculos sobre essa base e ergue enormes cons-

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reformulações elaboradas a partir de sua própria doutrina. Entre o estilodesse rapaz brilhante, com pressa de agir, e a fala do velho mestre, sujeitaa múltiplas interpretações, produz-se uma osmose tão forte que se tem aimpressão de que o primeiro renuncia a sua escrita para submeter-se aoverbo do segundo, e que o segundo retoma os enunciados do primeiroacreditando que são seus. Com Miller, Lacan encontra o leitor, o espelho eo adversário dele mesmo que procurou por toda a sua vida: uma mistura deRodrigo e Saint-Just.”

É um fato interessante que hoje não se tem nenhum prurido a seatribuir equívocos a Freud , é algo que os psicanalistas podem admitir semque a obra de Freud sofra nenhuma perda em relação à sua importância. Noentanto com Lacan há uma sacralização da obra onde não se admite porparte do mestre nenhum equívoco. Essa mitificação sem dúvida fortalece omillerianismo na medida que, se o texto é sagrado, Miller é dele o profeta aquem a verdade é revelada. Se acrescentamos a isso o fato de que Miller é oherdeiro legal da obra de Lacan e que ele “estabelece” os seminários, atarefa de separar o que dessa obra é Lacan ou Miller demandará uma verda-deira arqueologia no sentido que Foucault dá a essa palavra.

Um aspecto institucional do millerianismo é o que eu chamaria decomplexo de Torless de Musil. Frente a um mau estar emergente que envol-ve questões eminentemente políticas há toda uma mobilização em torno deum tratamento da crise por meio de um retorno ao texto, à erudição e dessaforma a análise das motivações políticas são tamponadas e entendidas comouma insuficiente compreensão do que em Lacan, certamente se encontraráuma resposta. Então a massa da comunidade se organiza no modelo dosencontros internacionais, cada qual com sua questão se contorcendo paratransmiti-la numa estrita lógica lacano- milleriana. Entrementes todos sa-bem que as decisões políticas, as divisões de território , a desgraça ouascensão de uma tendência qualquer serão maquinadas em “off” com umnúmero restrito de “chers amis” de apoio incondicional. O engodo é julgarque retornando à letra de Lacan, se evitará as mazelas políticas, partindo doprincípio que a toda crise política corresponde um equívoco teórico. Mas os

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TRANSFERÊNCIA EM TRANSFERÊNCIA

Denise Teresinha da Rosa Quintão

O presente texto tem a intenção de compartilhar questionamentosque se produziram a partir de uma experiência de trabalho decartel na APPOA, o “Cartel da Transferência”, que vem funcionando

há cerca de seis anos, tendo como texto referencial o Seminário 8, de JacquesLacan, cujo tema é a Transferência.

Evidentemente, temos presente o quanto o tema da transferência nosinterroga e se renova frente a cada sujeito que nos dispomos a escutar, poisalgo de novo se produz, quer seja pelas singularidades que se desnudamaos ouvidos de um analista, quer por aquilo que diz do seu desejo e de suaspróprias formações do inconsciente, que entram em ação juntamente comeste sujeito com quem possa ter embarcado na “aventura analítica”, a qual,como diz Lacan, às vezes, produz “efeitos tão singularmente assustadores”.

Entretanto, pretendo abordar, neste momento, a questão da transfe-rência e sua relação com a instituição psicanalítica, ou, melhor dizendo, ospossíveis efeitos, inclusive imaginários, de fenômenos transferenciais quepodem transcorrer num percurso de formação junto à instituição, fato esteque, ao que me parece, obedece a princípios um tanto semelhantes a umaexperiência de análise – à relação transferencial entre analisante e analista,guardadas as especificidades dessa experiência. Para tanto, me permitireiexpor algumas das indagações que surgiram em diferentes ocasiões no cartel,de certa forma comuns ou produzidas a partir das discussões ao longo des-te percurso de trabalho, no que diz respeito a uma formação psicanalítica eao papel que possa representar a instituição - neste caso, a APPOA - nesteprocesso.

Houve situações em que pessoas que se interessavam em estudar otema da transferência, ao se aproximarem do cartel, perguntaram: “Mas eunão sou associado; posso, mesmo assim, participar?” Ou, um pouco mais

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truções, sempre corretas até no menor detalhe; depois, ele acredita sim-plesmente na coisa, assim como os católicos acreditam na revelação – poisela sempre funciona tão bem... Nesse caso, será que exige alguma arteconvencer tal pessoa? Ao contrário, seria impossível convencê-la de que,embora sua construção se mantenha firme, cada pedra dela se desfaz no arquando se quer agarrá-la.”

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paro frente ao Outro. Coloco isto por entender que, frente à instituição e aos“mestres”, estes fenômenos psíquicos tendem a se reproduzir, tendo emvista remeter à relação do sujeito com seu Outro.

Na Ata de Fundação da APPOA, é explicitado que “a peça chave daformação do analista é sua análise pessoal (...), que ele seja interrogadopela experiência analítica”, e que essa análise possa permitir “as condiçõesmínimas de um desprendimento subjetivo, necessário para a escuta de umanalisante” o que implicaria numa “desmontagem das identificações imagi-nárias, uma redução das instâncias persecutórias do Outro ao significante(...)”.

Num primeiro instante, podemos considerar que o que se busca juntoa uma instituição seja tanto um lugar em que seja possível apropriar-se deum saber a partir do ensino dos mestres - cujos lugares de mestria, segundoJerusalinsky, tendem a ser atribuídos àqueles que se vêem convocados a“produzir uma circunscrição ao redor do buraco de ignorância que organizacada instituição”, cujo trabalho produz transferência – assim como um lugarde reconhecimento. De certa forma, uma instituição (não somente a psica-nalítica) oportuniza espaço para isso.

Ao pensarmos em nossa constituição subjetiva, por um lado, a psica-nálise nos ensina que é preciso o reconhecimento do Outro, é o “és tu” damãe que permitirá um “sou eu”, constituindo-se uma imagem de si a partir doolhar que nos é dirigido pelo Outro; trata-se da alienação imaginária, masfundante, cujo objeto imaginariamente perdido nos remete a esta busca in-cessante de completude junto a nossos semelhantes, a quem supomos umsaber sobre nosso desejo (de saber, inclusive).É como se pudéssemos ab-sorver, por osmose, seu agalma (por nós atribuído).

O que quero dizer com isso é que uma busca de reconhecimento quese fundamente neste princípio (narcísico), embora constitutivo, corre o riscode encaminhar o sujeito a uma relação narcísica e alienante com a institui-ção. Talvez deste prisma parta a idéia de uma “hierarquia” e que seja precisogalgar os degraus, num permanente oferecimento ao (gozo) Outro, para bemde se “chegar lá”. Imagino que, de certa forma, corremos este risco constan-temente e não é sem propósito que num processo de formação a angústia,

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tarde: “Qual o meu lugar na APPOA, se participo de alguns espaços deensino, mas não sou associado?” “Em que posso ou em que não possoparticipar?” “O que é preciso para ser associado?” Ou, ainda: “Quais asvantagens de ser associado?” “Será o de ter desconto de 50% nos eventos?”E “Quais as responsabilidades?”

Disso, podemos levantar uma série de perguntas, tais como: O queseria “ser associado?” O que é isso que faz laço com a instituição e quesustenta uma transferência, apesar de “não se ser associado”? Da mesmaforma, o que é mesmo que se busca numa instituição, pois um cartel nãopoderia, muito bem, funcionar em qualquer outro lugar? A propósito, o quecaracterizaria um cartel e qual seu papel numa formação psicanalítica? Se-ria possível afirmar que um cartel se pretende “de formação” sem antes darmostras de seus efeitos? E, pensando na instituição, que aspectos estariamem jogo ao considerarmos as diferentes categorias de associados: tratar-se-ia,simplesmente, de uma “hierarquia”, onde a experiência e o saber supostoaos mestres colocassem os “candidatos a analistas” numa condição de eter-nos principiantes / aprendizes? Isso não nos remeteria ao dispositivo daIPA? Afinal, qual o segredo para se “chegar lá” (expressão bastante usadaem nossos dias, que pode nos conduzir a uma série de questões sobre odiscurso social vigente)? Outro ponto, não menos importante, mas bastantereferido, comumente, em pequenos grupos: trata-se das inibições e cons-trangimentos produzidos, ao menos durante algum tempo, pela convivência,em muitas circunstâncias, de analisantes e seus analistas, nas diversasatividades da instituição, uma vez que, com frequência, as análises pesso-ais ocorrem paralelamente com busca da instituição para viabilizar aspectosda formação, o que evidencia uma série de implicações transferenciais àespera (ou em busca?) de uma resolução. É importante lembrar, como nosensinou Freud, que a transferência também está a serviço da resistência,quer dizer que, mesmo sendo a transferência a via que possibilita ao sujeitoa produção / (re)invenção de algo novo, também permite, neuroticamente,pela repetição, a evocação de seu fantasma, colocando-se numa condição,por vezes, de intensa angústia, uma vez que a procura incessante do objetoperdido e da miragem de uma (im)possível completude, deixa-o em desam-

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na transmissão da psicanálise” nos lembra que cada analista produz, nasua análise, significantes que o orientam, portanto, não há como herdar osignificante, mas sim, uma falta, uma vez que uma herança se inscreve pelavia da castração. Isto nos lança à questão da diferença, à medida que umainscrição junto à instituição se faz singularmente, assim como um percursode formação.

Outro ponto a destacar trata do fato de que a condição de saber queconstitui, a princípio, um motivo para a participação na instituição, que issopossa ser entendido como sendo apenas parte. Lúcia Pereira coloca que sebusca, principalmente, um lugar no qual falar e agir em nome da Psicanálise,não na perspectiva de saber, mas que cada um possa se inserir dentro deum agir que sustente esta prática.

Talvez não seja sem propósito que, com freqüência, utilize-se o termo“filiação” para caracterizar essa aproximação à instituição, pois falar em nomeda Psicanálise nos leva à idéia de falar em nome do pai, em nome de umfundador. Não pretendo, aqui, desenvolver esse assunto, sem dúvida de rele-vante importância. Todavia, parece necessário evidenciar o risco que Chemamanos aponta de se tomar a Psicanálise como uma filiação e atribuir à institui-ção, de certa maneira, uma demanda de nomeação. Maria Ângela Brasil, notexto “O porquê da instituição” fala que “A questão à qual o analista deveestar atento é que, ele analisou sua alienação aos significantes da demandafamiliar, ele não está imune quanto ao retorno da alienação sob a forma deuma instituição. Talvez, por isso, Lacan teria dito que ele não cessava depassar o passe, que o trabalho de passe, como o de separação, nunca éfeito de uma vez por todas. (...) Daí, que o pedido feito a uma instituiçãopsicanalítica seja de reconhecimento de uma filiação, só cabe no que dizrespeito a uma doutrina (...). Mas, enquanto pedido de reconhecimento depsicanalista (...) continua vigente o ‘autorizar-se’”.

Outra questão que surge, partindo destas considerações: o que pode-ria servir como “garantia” para que a relação transferencial com a instituiçãopudesse permitir a produção de um trabalho que representasse uma conse-qüência tanto dos laços transferenciais quanto (e principalmente) da tarefa à

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em muitos momentos, nos acompanhe com tanta fidelidade, uma vez quenos vejamos confrontados com o desejo do Outro – deste Outro outorgadotransferencialmente como sujeito suposto saber – frente ao qual é precisooperar uma separação – e não uma eliminação, caso contrário cai-se naautonomia – para que algo do desejo de cada um possa advir. Como nos dizRobson de F. Pereira, em seu trabalho “O que é um psicanalista, ou observa-ções a respeito da instituição como terceiro”, “esse lugar terceiro que a ins-tituição assume tenta fazer sair da relação especular, virtual. Abrindo a pos-sibilidade de que um sujeito possa estar responsabilizado, sem ter alguém aquem ele possa atribuir a origem da responsabilidade”.

Tomando um fragmento do Banquete, de Platão, Alcibíades apresen-ta-se como amante (erástes) a Sócrates, escolhido como objeto de amor(erômenos) – aquele que tem atributos. Este, no seu discurso, denunciaque, no jogo do amor, ou no engano da transferência, o que ele (Alcibíades)busca é ser amado e, com isso, receber de Sócrates seus atributos.

Dentre as muitas observações que Lacan faz ao trabalhar o conceitode transferência em seu seminário, a partir dos discursos proferidos sobre oamor e dos diálogos entre os personagens centrais deste texto, podemosenfatizar a frase de Sócrates frente à demanda (de amor) de Alcibíades:“Aqui onde você vê alguma coisa, eu nada sou”. Sócrates responde a partirde um lugar faltante, denuncia o lugar vazio, a falta do ser e sua posiçãoindaga Alcibíades sobre o seu desejo.

O que isso poderia nos interrogar a respeito dos laços transferenciaisestabelecidos dentro da instituição? De que maneira um laço desta ordemse sustentaria de forma a permitir que cada um encontre um espaço parasuas palavras?

Um aspecto a ser tomado talvez seja, por um lado, a importância doreconhecimento da falta no Outro e da impossibilidade da produção de umsaber que dê conta da verdade - há uma disjunção entre saber e verdade,conforme nos lembra Lúcia S. Pereira, em recente encontro com o cartel - oque convoca a instituição a resguardar o lugar da falta, que permite novasproduções. Por outro lado, Chemama, em sua conferência “O pai e o mestre

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o próprio do sujeito? Que implicações teria reconhecer-se numa filiaçãofrente à questão do desejo? Ou, indo um pouco mais adiante, o que seria o“autorizar-se” a ocupar um lugar – de filho, de pai, de piloto, de psicanalis-ta... e a se responsabilizar por esta escolha – entendendo-se, aqui, algo daordem do inconsciente?

Esses aspectos levantados servem para pensar um pouco a participa-ção na instituição psicanalítica, à medida que parece de particular importân-cia que essa inscrição – e os efeitos de formação que possam se produzir –represente o reconhecimento em uma “filiação” à história do movimento psi-canalítico, encontrando-se a instituição, de certa forma, num papel de man-ter atualizada essa causa. Só que a clínica nos ensina que a dívida simbóli-ca para com nossa filiação – que nos permite advir como sujeitos – nosconvoca, de alguma forma, a pagá-la.

Lacan, em seu seminário sobre a Transferência, ao abordar a questãoda afânise, coloca que a “quitação” da dívida simbólica implicaria a extinçãodo desejo.

Não basta ser filho para gozar dos “direitos” de uma herança, é preci-so o reconhecimento do próprio desejo, inscrito a partir de uma falta. Porém,todo saber que se produza para dar conta dessa falta remete a uma outrafalta, o que leva a crer que uma dívida desta ordem não pode ser “quitada”,mas reinscrita.

Mário Fleig, num texto: “Violência: lixo atômico não-reciclável”, aofalar sobre o impossível da relação sexual, do desencontro que produz restodiante do desejo do sujeito de formar um homogeneidade com o semelhante,efeito da operação de castração pela marca do significante Nome-do-Pai,que produz falta, coloca que o melhor recurso que podemos ter para lidar-mos com este resíduo é a palavra empenhada, a palavra comprometida, talqual acontece com o sujeito na clínica psicanalítica: “Ele não fala qualquercoisa, mesmo que fale qualquer coisa, mas ele não fala mais qualquer coisaporque está empenhado no que diz...” E aponta isto como chance mínimapara tentarmos dar conta dos “resíduos” que atravessam gerações.

Ao considerarmos a inserção dos sujeitos junto à instituição psicana-

QUINTÃO, D. T. da R. Transferência em transferência.SEÇÃO TEMÁTICA

cuja causa poderia remeter?Para tentar responder a isso, vou valer-me do caso de uma pessoa

que tive a oportunidade de escutar numa situação de trabalho, porém, não nocontexto da clínica. Tratava-se de uma moça que buscava um parecer psico-lógico que atestasse sua aptidão psicotécnica para o exercício da atividadede piloto comercial, por ser este o requisito para realizar o curso e o treina-mento necessários para isso. Esta relata ser filha de um piloto agrícola, comquem compartilhava desde pequena o gosto pela aviação; sobrinha de umpiloto comercial de linha aérea e jovem esposa de uma rapaz, também pilotocomercial, proprietário de uma escola aérea de acrobacias. Desempenhava,naquele momento, a atividade de instrutora de ultraleves e já havia realizadoo curso de piloto privado; porém, somente como piloto comercial poderiatransportar passageiros, recebendo apoio dos “pilotos” da família, com apromessa de emprego “garantido”, era só se formar. Conta que o pai ficaraabalado com sua decisão pelo casamento (aos 20 anos), pois a tinha comosua sucessora. Porém, viu-se diante de um impasse: ou casava, ou acabariao resto da vida ao lado do pai, referindo que tudo aconteceu muito rapida-mente. Todavia, na avaliação realizada, foi constatado que a moça não aten-dia a alguns critérios fundamentais para a habilitação que pretendia. Possi-velmente, o resultado desfavorável, naquele momento, representava a primei-ra barreira para a concretização de seus objetivos, assim como denunciavauma falta com a qual precisaria haver-se. Curiosamente, ao ser comunicadado resultado e questionada sobre o que pensava disso, responde: “A doutoraestudou para isso e deve saber se posso ou não passar.” É o Outro quemsabe sobre o seu desejo. Evidentemente, de algum efeito de uma possívelvivência de castração, que este acontecimento possa ter lhe produzido, nãose teve notícias.

Este caso, de certa maneira, levou-me a considerar que não basta serfilho(a) para que se tenha assegurado o usufruto de uma herança, assimcomo a questão do desejo também é demarcada, pois, para essa moça, olugar a priori garantido pelo discurso do Outro, não permite sustentar seupróprio discurso. Aí, a questão: o que é o desejo do Outro e o que poderia ser

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33C. da APPOA, Porto Alegre, n. 75, dez. 199932 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 75, dez. 1999

FELIZ ANIVERSÁRIO E SONHE COM OS ANJOS, FREUD!1

CONTARDO CALLIGARIS

É o aniversário da “Interpretação dos sonhos”, a obra de Freud que inaugurou a psicanálise: 100 anos neste mês.

Na imprensa americana, o evento é celebrado. Os artigos revisama literatura neurológica dos últimos vinte anos para tentar fornecer ao leitorum veredicto: Freud tinha razão ou não?

“New York Times”, ”Boston Globe”, ”Newsweek” e outros argumentamda seguinte forma: Freud dizia que os sonhos são a realização de desejos,ou seja, que neles se expressam, por vias tortas, desejos reprimidos, incons-cientes.Ora, será que os sonhos são isso mesmo?

Até o ano passado, nesta matéria, reinavam os trabalhos de AllanHobson, psiquiatra americano segundo o qual Freud era todo pseudociência.Para Hobson, os sonhos seria uma escória da atividade cerebral durante osono REM. O REM (“Rapid Eye Movement”, ”Movimento Rápido dos Olhos”)é aquele tempo do sono durante o qual fica bem ativa a parte do cérebro quecomanda funções biológicas profundas.

Nós sonharíamos no sono REM porque, nesta fase, o cérebro dispa-raria neurônios ao acaso, como para se purgar dos engarrafamentos do dia.Os sonhos, portanto, seriam apenas a aparição explícita e direta de emo-ções elementares e desconexas. Evidentemente, essa conclusão não colamuito com nossa experiência de sonhadores.

Mas tanto faz, pois fomos liberados dessas idéias. Desde o ano pas-sado, Mark Solms, neurologista inglês,vem demolindo a versão Hobson. Porum lado, Solms mostrou que os sonhos não dependem do sono REM.Poroutro, ele verificou que não conseguem mais sonhar sujeitos que sofremdanos cerebrais que comprometam uma parte dos lobos frontais do cére-

1 Texto originalmente publicado na Folha de São Paulo de 11 de novembro de 1999.

CALLIGARIS, C. Feliz aniversário e sonhe...SEÇÃO TEMÁTICA

lítica, de modo particular, o ato de “associar-se”, isto implica que o psicana-lista busque compartilhar sua produção e sua prática junto aos outros, apartir de uma ética que, por um lado, possui referência aos mestres – Freud,Lacan – e ao legado de sua obra e, por outro, pode se permitir a criação dealgo novo.

Que o pai seja reconhecido em sua função de piloto, é uma questão -considerando-se os desdobramentos possíveis, quer seja pelo significantepai, quer pelo significante piloto - mas que o interesse de realizar outros vôos- ainda que seja o de ser piloto - implique o sujeito na responsabilidade deseu próprio desejo.

BIBLIOGRAFIAATA DE FUNDAÇÃO DA APPOA de 17/12/1989.BRASIL, Maria Ângela. O porquê da instituição. Boletim da APPOA, nº 3/4.CHEMAMA, Roland. O pai e o mestre na transmissão da psicanálise. Palestra

realizada na APPOA em 17/08/1999.JERUSALINSKY, Alfredo. Está lotado. Conferência realizada na Jornada de Aber-

tura da APPOA de 1998 - referências apresentadas por Luzimar Stricher naSeção Debates do Correio da APPOA de maio/1998.

LACAN, Jacques. Seminário 8 - A Transferência.PEREIRA, Robson de Freitas . O que é um psicanalista, ou observações a respei-

to da instituição como terceiro. Revista da APPOA, Ato e Interpretação, nº 14.

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35C. da APPOA, Porto Alegre, n. 75, dez. 199934 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 75, dez. 1999

nossa presença no mundo, o tempo também do desespero pela falta quefazem os sentidos tradicionais, este tempo está acabando.

Para substituir as angústias de uma procura de sentido que cansou atodos, o século celebra seu fim com uma bebedeira de descrições que sãotão corretas quanto parciais e que, sorrateiramente, vêm modificando a qua-lidade de nossa experiência cotidiana. Não por má vontade, só por cansaço.

Por exemplo, nossa maneira de descrever os sonhos modifica nossaexperiência de sonhadores. Já pensamos que os sonhos vinham dos deu-ses: podíamos acordar e tentar escrutar a vontade divina. Já pensamos queeles vinham dos mortos e, com Freud, pensamos que vinham de zonas si-lenciosas dentro de nós mesmos. Aprendemos a interrogá-los com curiosi-dade e desconfiança: o que é isso ainda – perguntávamos – que pareço de-sejar e na verdade não quero de jeito nenhum?

Agora, parece que Freud tinha razão, mas receio que o verdadeirotriunfo seja o da descrição neurológica, reconhecida no debate como lugarem que se decide o que é verdade. Receio, em suma, acordar amanhã ator-mentado com um sonho e responder a minha mulher, que poderia me olharpreocupada: ”Nada, são só neurônios que dispararam errado”.

CALLIGARIS, C. Feliz aniversário e sonhe...SEÇÃO DEBATES

bro, que transmite a dopamina. Essa parte do cérebro – e a própria dopamina–são cruciais para a motivação, diretamente relacionadas com a premênciados desejos. Conclusão: os sonhos parecem ser produzidos por desejos.Não esta provado que estes desejos sejam reprimidos, como pensava Freud.Mesmo assim, é um ponto para psicanálise, logo no aniversário de sua obrafundadora. E deu manchete – Freud tinha razão, ou quase.

Eu deveria ficar satisfeito com isso, mas lendo esses artigos todos,surge um vago mal-estar. Freud tinha ambições neurológicas e estaria felizde se ver hoje vindicado contra o Seu Hobson. Mas a “Interpretação dossonhos” não é uma tentativa de descrever o processo neuronial do sonhar

O livro abre com uma revisão da imensa literatura que a humanidadeconsagrou aos sonhos e à tentativa de interpretá-los. Os sonhos sempreforam o pretexto de uma interrogação. São mensagens dos deuses? Seráque nos falam do nosso futuro? Será que neles as sombras dos mortos nosvisitam? E com Freud? Será que com eles podemos aprender sobre nossopróprio desejo, algo dele que, quando acordamos, não gostaríamos de sa-ber?

Por isso, no limiar do século, o livro se ergue como uma espécie de“Carón demônio”: “Entrem, estão condenados a se perguntar o que tudo issosignifica, a começar por vocês, que nem sabem direito o que querem. En-trem para este século: as significações estabelecidas da vida e do mundo jáse foram de vez, agora inventem”.

A “Interpretação dos sonhos” não fornece interpretação nenhuma: su-gere um método e promete que, se vocês interrogarem seus sonhos, comose eles contivessem alguma mensagem sobre desejos inauditos, quem sabe,com este exercício, vocês consigam mudar algo em suas vidas.

Assim, a unânime celebração neurológica do aniversário se parecemais com um enterro. O veredicto embora favorável a Freud, é o sintoma deuma época em que o sujeito gostaria, sobre tudo, de se aposentar da tarefade descobrir sentidos para sua vida. Bem venha, parecemos dizer, qualquermigalha de uma explicação do mundo que nos permita descansar. O tempodas interrogações, da construção de narrativas com as quais dar sentido a

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37C. da APPOA, Porto Alegre, n. 75, dez. 199936 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 75, dez. 1999

RIBEIRO, M. H. de M. “Isso não impede de existir”...

da oposição, intelectuais americanos identificados sob a rubrica de revisio-nistas – corrente de pensamento que critica a psicanálise freudiana comoultrapassada, ao indicar que a modernidade exige resultados rápidos –, pre-paravam um abaixo-assinado encabeçado pelo historiador Peter Swales, so-licitando o cancelamento da exposição, por considerá-la apologética. Con-seqüência disso ou não, a exposição foi adiada outras duas vezes.

Freud não era ingênuo e tampouco condescendente, sabia que a “dis-seminação da peste” comportaria a dimensão do fascínio e do horror, masapostava que um dos efeitos da psicanálise fosse justamente a saída dessaimobilizante posição de dupla face. Produzir efeitos na cultura, resistir àtirania do pensamento hegemônico, subvertendo-o, era outro dos efeitos es-perados. Ultrapassar as resistências, portanto, permitiria o acesso à resis-tência, essa forma de subversão ao apelo totalizador.

As tentativas de negar o legado freudiano, expressas pelas manifesta-ções que buscavam impedir a exposição, nos fazem voltar à frase de Charcot,ouvida por Freud há quase um século: apesar das resistências e do ceticis-mo, “isso não impede de existir” a psicanálise como fato da cultura de nossotempo e seus efeitos.

Talvez, haja lugar para isso, enquanto houver resistência.

SEÇÃO DEBATES

“ISSO NÃO IMPEDE DE EXISTIR1”A EXPOSIÇÃO SOBRE FREUD TRÊS ANOS DEPOIS

Marcia Helena de Menezes Ribeiro

Em 23 de setembro último, fez 60 anos que Freud nos deixou. Suasproposições teóricas, seu legado conceitual, continuam produzindoefeitos transferenciais e, consequentemente, resistências.

De outubro de 1998 a janeiro de 1999, foi realizada a exposição Freud:Conflito & Cultura, na Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. Suapassagem está prevista por outros museus americanos, pela Europa e, peloBrasil em setembro de 2000, no MASP.

A exposição é composta não só de objetos pessoais, fotos e manus-critos de Freud, que estiveram guardados na Library of Congress of Wa-shington, mas, também, de filmes que foram produzidos sob os efeitos dapsicanálise.

Estava prevista, inicialmente, para acontecer em 1995, em comemo-ração ao centenário da psicanálise. Entretanto, de sua concepção até suaconsecução, passaram-se três anos de controvérsias, debates acirrados nomeio intelectual americano, ouvindo-se, no Brasil, através da imprensa, asduas vertentes da discussão.

Na mesma época em que a exposição era suspensa pela primeiravez, a APA realizava um colóquio cujo título – Há um lugar para a psicanálisena cultura contemporânea? – era, no mínimo, irônico. Do outro lado, do lado

1 Freud, em seu texto Um estudo autobiográfico (1924), lembra que, quando era ainda umjovem médico, dirigiu-se à Salpêtrière para estudar com Charcot, participando das apresen-tações de pacientes. Em uma das aulas, ouviu do mestre francês uma frase que, muitosanos depois, ainda produzia efeitos: “Muitas das demonstrações de Charcot começarampor provocar em mim e em outros visitantes um sentimento de assombro e uma inclinaçãopara o ceticismo, que tentávamos justificar recorrendo a uma das teorias da época. Ele semostrava sempre amistoso e paciente ao lidar com tais dúvidas, mas era também muitoresoluto; foi numa dessas discussões que (falando da teoria) ele observou: ‘Ça n’empêchepas de exister’, um mot que deixou indelével marca em meu espírito” (p. 24).

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RESENHAS

nha-se fundamentalmente em torno de três eixos, que serão a base dasquestões deste livro: o primeiro refere-se ao lugar desde onde ela é construídaou, de uma maneira mais ampla, o contexto tanto relacional como histórico,o que resulta numa indissociabilidade entre tempo e lugar. O segundo eixodiz respeito ao argumento, isto é, à relevância de uma ficção ou história,onde o lugar é tematizado; portanto, esses dois eixos se cruzam com con-seqüências mútuas na atividade interpretante. O terceiro eixo refere-se aoato resultante.

Torna-se importante lembrar, nessa altura, que os elementos concei-tuais trazidos de outros campos à psicanálise, são totalmente subvertidosna referência ao inconsciente, a começar pela diferença de abordagem dosujeito nos diferentes campos de saber.

Paralelamente aos três eixos, a autora coloca a referência estruturalbaseada nos três tempos lógicos que Lacan aborda em “O tempo lógico e aasserção da certeza antecipada’’ (Escritos). São eles, respectivamente: Ins-tante de ver - tempo referido à possibilidade de um código sem sujeito, reme-tendo, também a um tempo de fascinação e uma posição de passividade; oTempo de compreender - tempo de construção do lugar do eu, o qual, porsua divisão, necessita do constante suporte do Outro, portanto, tempo ondeacontece propriamente a transferência na análise; o terceiro tempo surgecomo o Momento de concluir, onde se verifica o retorno à estrutura de umsujeito indeterminado, saber sem eu, mas, ao mesmo tempo, será um tem-po de atividade, havendo um encontro entre o ato e o eu, daí a denominaçãode atividade interpretante. Estes três tempos irão corresponder às três par-tes do livro.

No primeiro capítulo, denominado Temporalidade e Dissimetria, AnaMaria, preocupada com a produção de uma interpretação qualquer, ressaltaque esta está firmemente ligada ao lugar desde onde é construída, lugarorganizado, principalmente, a partir de uma função temporal. Além disso,apesar de que a definição de lugar possa ser pensada sob o ângulo dasreferências geográficas e históricas, determinantes das diferenças inter-pretativas, assinala a importância do elemento relacional, isto é, do lugar decada um em relação a seus semelhantes.

RESENHAS

A FICÇÃO DO SI MESMOINTERPRETAÇÃO E ATO

EM PSICANÁLISE

COSTA, Ana Maria Medeiros da. A ficção do si mesmo:interpretação e ato em psicanálise. Rio de Janeiro: Com-panhia de Freud, 1998. 136 p.

“Toma-se a palavra,antes que o Outro nos emudeça.” Ana M. M. da Costa

O livro inicia com três dedicatórias mui- to especiais em que o significante tempo aparece nas expressões

“...porque sempre é preciso futuro”, ”...que me ajudaram a não temer opassado”, “que me permitiu viajar no tempo”.

Com esta poesia em prosa, Ana Maria consegue dizer ao leitor sobreo fio temático que corre nos subterrâneos de sua obra a qual, iniciando porquestões relativas à temporalidade, vai, com esta, abrangendo os camposda ficção e da história, até culminar no estudo do ato e autorização.

Este trabalho é resultado de sua tese de doutorado realizada na PUCde São Paulo. Os temas que aí aborda, há muito vem sendo motivo, porCosta, de estudo e investigação no campo da psicanálise, e conhecidosatravés de seu ensino e dos múltiplos e instigantes escritos que apresenta.

Sua interrogação inicial com a clínica traz esta pergunta: “Como seorganiza uma atividade interpretante?” (p.12), ou seja, o que levaria o analis-ta a uma atividade, a uma intervenção qualquer durante as sessões? A res-posta vem por uma espécie de “saber operativo”, diferente de outros “sabe-res”, pois que “sabe” mais que o eu; a autora descarta, porém, aqueles “sa-beres” que na análise possam levar a uma produção de fascínio, valorizandoaquele que não sabe antecipadamente muita coisa, organizando-se como osujeito do inconsciente, num tempo de posterioridade.

Para tanto, propõe que uma atividade interpretante qualquer dispo-

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RESENHAS

cena da infância, e um saber se constitui como recalcado, estabelecendouma disjunção entre o sujeito interpretante e a atividade sexual, ou seja,entre ato e interpretação. É o retorno do recalcado, ato sintomatizado. Econclui: “o ato é a própria memória reconhecida a posteriori”.

No item “A sexualidade infantil questionada”, Ana discute o termo“infantil”, analisando as questões que envolvem as teorias sexuais infantis,mostrando, inclusive, a implicação recíproca existente entre a mãe e o bebê.À pergunta: “de onde vêm os bebês”, surge uma certa descrição do sexomaterno apoiada nos orifícios corporais, levando a criança a produzir umafantasia de sobreposição de seu corpo ao da mãe. Assinala aí um certoencontro do individual com o coletivo. Porque o corpo compartilhado é deambos, da mãe e da criança, corpo do incesto, impossível, existente somen-te na ficção.

Se, para Freud, o filho é o substituto do falo materno, espécie de“sexo” da mãe, como é possível, diz a autora, que a sexualidade da mãe nãoesteja em questão na resposta produzida do lado da criança?

Nesta seqüência, vão surgindo questões sobre o masoquismo, sobreos gozos, repetição, o a posteriori, da antecipação, do corpo social, sobre ocoletivo e sua relação com o sujeito do inconsciente.

Ao voltar a trabalhar os tempos lógicos, ao final deste capítulo, retomao problema da tensão constante existente entre o sujeito e o Outro, que lheé antecipado, tensão responsável por uma diferença de lugares, umadissimetria, e que vai ocasionar a necessidade de uma versão, onde o sujei-to será construído.

O que é mesmo próprio, individual, e o que é do outro, do coletivo? “Arelação com o outro sempre engaja cada um de uma forma peculiar, a pontode produzir a dúvida”, escreve. Pensando, então, o tempo de compreender,reporta-se às aulas de Lacan sobre Hamlet, citando o “ser ou não ser” comoexpressão da dúvida que mantém o ato – da vingança da morte de seu pai -em suspenso. Não se pode deixar de lembrar a frase de Hamlet: “o pecadodo pai é minha herança”, mas, nesse caso, o pecado fica sendo de quemmesmo?

Pensa, então, na possibilidade de aproximação entre lugar e sujeito,(diferente de indivíduo), ao estar representado, nesse sujeito, uma lógica docoletivo.

Depois desses pressupostos, a autora passa a trabalhar a questão doTempo e Distribuição de Lugares. Para tanto, dedica-se a fazer uma revisãodos conceitos psicanalíticos mais ligados ao tema de seu estudo, abrindo-os e arejando-os com suas interrogações pertinentes e pontuais. Começacom os conceitos de prematuridade e a organização ativo - passivo.

Mostra que, para Freud, a temporalidade é totalmente acessível aoconceito de recalque. A ele se ligam não só os conceitos de prematuridade,de posterioridade, como também essa memória que chamamos de retornodo recalcado. Pretende destacar conceitos que ainda possam ter importân-cia na clínica atual, sem levar em conta o momento de seu aparecimento ouda valoração dada pelos psicanalistas.

A autora discorre longamente sobre a teoria do recalque, apresentan-do questões interessantes e inteligentes, que o “tempo e lugar” nos impe-dem de colocar. Fica para o leitor. Entretanto, pode-se pinçar seus comentá-rios sobre o caso Emma (Freud, 1895), com referência à prematuração dosentido sexual, num tempo da infância que parece não se referir à paciente.Freud dirá que o que traumatiza é a lembrança, quando a posteriori adquiresignificação sexual. Assim, o que traumatiza é o “vislumbre de um gozoonde o sujeito estava como objeto do sentido sexual proposto pelo adulto”(p.21). Desses dois elementos dependerá o retorno do recalcado.

Costa, então, situa o conceito de recalque na direção da sexualidadee tempo, em função da defasagem de tempo entre o sentido sexual (a crian-ça como objeto de manipulação) e o aparecimento de um sujeito interpretante,no início da adolescência. Por isso, o sentido sexual viria sempre investidode prematuridade, e, ainda mais, o lugar ativo da adolescência seria o lugardo outro que o teria tomado como objeto, como passivo, e ter, o sujeito,gozado dessa posição. Firma-se, aí, o lugar masoquista que Freud proporácomo masoquismo primário erógeno.

No momento em que vê o sorriso dos lojistas, Emma interpreta a

RESENHAS

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RESENHAS

niu para o chiste.A terceira e última parte intitula-se “Ato e Autorização’’ e refere-se ao

terceiro tempo lógico, “momento de concluir”. “Seria possível pensar a cons-trução de uma ficção do si mesmo, que não passasse pela via sintomática?”pergunta-se Ana Maria, que dedica-se, neste capítulo, a abrir questões, lem-brando que os psicanalistas trabalham, às vezes, com noções por demaisestabelecidas.

Surge a interrogação: “O que se faz com o pai?”, e sua resposta ante-cipada: “Com o pai se faz sintoma”. Trabalha, então, os sonhos de Freud quese relacionam com a morte e enterro do pai, e que produzem o aparecimentodo dever e indulgência ao pai, assim como assinalam a dúvida, lugar dodesejo. “Seria o édipo necessário?”.

Atravessa um longo e importante estudo sobre conceitos psicanalíti-cos que incluem desejo e lei, desejo e as diversas formas de ato, e estende-se sobre o sintoma: “Todas as produções humanas são resultantes do sinto-ma”.

“A problemática da versão, ou da constituição de uma ficção do ‘simesmo’, está na necessidade de uma autorização, ou seja, na necessidadede inclusão numa circulação fálica. É na dependência dessa inclusão que osignificante se torna sintoma, quer dizer, na tentativa de transformação deum singular (representante do sujeito) em universal (ordem fálica)”.

Gostaria de continuar, já que nessa leitura revisa-se, aprende-se, seprende, pergunta-se, mas estamos no “momento de concluir”. A autora apre-senta pensamento condensado, preciso, o livro demanda uma leitura cuida-dosa, concentrada em função das sutilezas das pequenas diferenças quepropõe. A escrita, pontual e profunda, vai deslizando “no tempo” e num per-curso onde vai-se visitando conceitos e colocações psicanalíticas, tomadosem atenção sempre por algo novo que surge em sua apresentação.

Por sua contribuição à teoria e clínica psicanalítica, é uma obra quedeve ser incluída na bibliografia de estudos e de trabalhos de pesquisa.

Maria Auxiliadora P. Sudbrack

Na segunda parte do livro, “Entre Ficção e História”, Costa retoma asquestões anteriores, desenvolvendo-as sob outra face. Aponta a necessida-de de um argumento (tempo de compreender), onde o eu possa fazer-serepresentar e, dessa forma, proporcionar alguma separação de um códigoabsoluto, lugar do Outro.

Retoma, pois, a constante pergunta, nunca totalmente respondida: “Oque é o inconsciente para a clínica psicanalítica?” Para tanto, começa apre-sentando a ficção como um modo de transpor os obstáculos que as referên-cias do inconsciente provocam.

“Seguindo Freud, fantasia e desejo vão produzir uma nova versão darealidade. Os atos não precisam ser realizados para que se cumpra o desejoe desejar passa a ser a verdade que substitui a realidade”, escreve a autora.Surge, então, a divisão, isto é, princípio de prazer e princípio de realidade,transformando-se este último na ficção criada pelo princípio do prazer.

Na clínica, a ficção constrói a figura do Outro que, além de sua face delinguagem, irá apresentar-se numa presença, num corpo, mesmo que sejaum recorte ficcional. Assim, a figuração da mãe, primeira ficção que se cons-trói, é um corpo ficcional - mentira organizada na relação mãe-filho, produtodo engano mútuo entre ambos.

Interligada à mãe, a figuração do pai, traz elementos de aliança, delaço, onde se encontram tanto formas de submissão ou domínio, quanto detraços de referências relacionais, ou seja, de identificações. A tematizaçãogira em torno da demanda de amor, e daí, a conseqüente possibilidade deamor e ódio, com a mesma violência da falta que diz que o pai está morto.

No paradoxo do ato – assassinato do pai, saída do gozo absoluto esua substituição por uma identificação – encontra-se o UM (o traço), forman-do um coletivo, e a conseqüente substituição do ato por uma identidade. Se,então, a dicotomia e a dúvida permeiam o sujeito moderno, sob que forma deexpressão humana seria possível encontrar uma saída? A autora pensa naironia como expressão possível do inconsciente, viabilizadora de certa condi-ção equívoca do lugar interpretante, capaz de produzir um ato criativo, um atodo sujeito. Aproxima-se, inclusive, da própria organização que Freud defi-

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44 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 75, dez. 1999

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AGENDA

DEZEMBRO - 1999

Dia Hora Local Atividade

0408

08

0909 e 2313 e 2013 e 2723

Cartel do InteriorSeminário “A topologia fundamental de Jac-ques Lacan” - Responsável: Ligia VíctoraCartel Brasil 500 anos com a presença da his-toriadora Sandra PesaventoReunião da Mesa DiretivaReunião da Comissão de BibliotecaReunião da Comissão do Correio da APPOAReunião do FórumReunião da Mesa Diretiva aberta aos membrosda APPOACartel do EnvelhecimentoRelendo Freud - Análise Finita e Infinita

Sede da APPOASede da APPOA

Sede da APPOA

Sede da APPOASede da APPOASede da APPOASede da APPOASede da APPOA

Sede da APPOASede da APPOA

14h30min18h

20h30min

21h20h20h30min20h30min21h

PRÓXIMO NÚMERO

O OUTRO DO MILÊNIO

A confirmarA confirmar

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S U M Á R I O

EDITORIAL 1

NOTÍCIAS 3

SEÇÃO TEMÁTICA 8

A CONSTRUÇÃO DE UMAA CONSTRUÇÃO DE UMAPSICANÁLISE PLURALPSICANÁLISE PLURALAna Maria GageiroAna Maria Gageiro 9 9

CRÔNICA DE UMA HISTÓRIACRÔNICA DE UMA HISTÓRIASEM TRAÇADOSSEM TRAÇADOSRodolpho RuffinoRodolpho Ruffino 1414

O MILLERIANISMOO MILLERIANISMODomingos Paulo InfanteDomingos Paulo Infante 1717

TRANSFERÊNCIATRANSFERÊNCIAEM TRANSFERÊNCIAEM TRANSFERÊNCIADenise T. da Rosa QuintãoDenise T. da Rosa Quintão 2525

SEÇÃO DEBATES 33

FELIZ ANIVERSÁRIOFELIZ ANIVERSÁRIOE SONHE COM OS ANJOS, FREUD!E SONHE COM OS ANJOS, FREUD!Contardo CalligarisContardo Calligaris 3333

“ISSO NÃO IMPEDE DE EXISTIR”“ISSO NÃO IMPEDE DE EXISTIR”A EXPOSIÇÃO SOBRE FREUDA EXPOSIÇÃO SOBRE FREUDTRÊS ANOS DEPOISTRÊS ANOS DEPOISMárcia H. de Menezes RibeiroMárcia H. de Menezes Ribeiro 3636

RESENHAS 38“A FICÇÃO DO SI MESMO”“A FICÇÃO DO SI MESMO” 3838

AGENDA 44

N° 75N° 75 – ANO VII DEZEMBRO– ANO VII DEZEMBRO – 1999– 1999

APPOA 10 ANOSAPPOA 10 ANOS

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Capa: Manuscrito de Freud (The Diary of Sigmund Freud 1929-1939. A chronicle of events in the last decade. London, Hogarth, 1992.)Criação da capa: Flávio Wild - Macchina

ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGREGESTÃO 1999/2000

Presidência - Alfredo Néstor Jerusalinsky1a. Vice-Presidência - Lucia Serrano Pereira2a. Vice-Presidência - Maria Ângela Brasil1o. Tesoureiro - Carlos Henrique Kessler2a. Tesoureira - Simone Moschen Rickes

1o. Secretário - Jaime Alberto Betts2a.Secretária - Marta Pedó

MESA DIRETIVAAna Maria Gageiro, Ana Maria Medeiros da Costa, Ana Marta Goelzer Meira,

Cristian Giles, Edson Luiz André de Sousa,Gladys Wechsler Carnos, Ieda Prates da Silva, Ligia Gomes Víctora, Liz Nunes Ramos,

Maria Auxiliadora Pastor Sudbrack, Mario Fleig, Robson de Freitas Pereira, e Valéria Machado Rilho.

EXPEDIENTEÓrgão informativo da APPOA - Associação Psicanalítica de Porto Alegre

Rua Faria Santos, 258 CEP 90670-150 Porto Alegre - RSTel: (51) 333 2140 - Fax: (51) 333 7922

e-mail: [email protected] - home-page: www.appoa.com.brJornalista responsável: Jussara Porto - Reg. n0 3956

Impressão: Metrópole Indústria Gráfica Ltda.Av. Eng. Ludolfo Boehl, 729 CEP 91720-150 Porto Alegre - RS - Tel: (051) 318 6355

Comissão do CorreioCoordenação: Maria Ângela Brasil e Robson de Freitas Pereira

Integrantes: Francisco Settineri, Gerson Smiech Pinho, Henriete Karam,Liz Nunes Ramos, Luzimar Stricher, Marcia Helena Ribeiro, Maria Aparecida Loss,

Maria Lúcia Müller Stein e Marta Pedó