editora penalux guaratinguetá, 2016 · Índices para catálogo sistemático: 1. literatura...
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Editora PenaluxGuaratinguetá, 2016
EDITORA PENALUX
Rua Marechal Floriano, 39 – CentroGuaratinguetá, SP | CEP: 12500-260
EDIÇÃO França & Gorj
REVISÃOOtacília Andrea Valadão de Sales
FOTOGRAFIA DA CAPANinil Goncalves
FINALIZAÇÃO E DIAGRAMAÇÃORicardo A. O. Paixão
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
R672A ROCHA, FERNANDO. 1981.
AFETOS / FERNANDO ROCHA. GUARATINGUETÁ, SP: PENALUX, 2016. 102 P. : 21 CM.
ISBN 978-85-5833-101-2
1. CONTOS I. TÍTULO
CDD.: B869.3
Índices para catálogo sistemático:
1. Literatura Brasileira
Todos os direitos reservados.A reprodução de qualquer parte desta obra só é permitida
mediante autorização expressa do autor e da Editora Penalux.
15Fernando Rocha
Passa quatro
Saio da cidade, mas confesso que a cidade demora a sair de mim... Seu ritmo sem vírgulas conduz minhas ações. Dificul-dade pra dormir, a cabeça não quer parar, mesmo quando o corpo deseja o descanso.
Nas ruas, pessoas de todas as idades andam de bicicleta sem a preocupação de serem atropeladas, as cabeças erguidas, prontas para um Olá! Bom dia! No comércio, além das vendas, há espaço para um bate-papo e observações sobre o cotidiano.
Um passeio de maria-fumaça, a humanidade cortada pe-los trilhos de ferro, sem se preocupar se conhece ou não aquelas cabeças nas janelas da locomotiva, os acenos constroem parte da paisagem.
Dentro do vagão, um violeiro, com modas divertidas, ou-tras sobre o beneficio da vida no campo. Uma passageira, dis-cretamente se emociona ao ouvir: De que me adianta viver na cidade se a felicidade não me acompanhar... Mas sem amargura como é comum o sentir tristeza da cidade.
16 Afetos
Árvores e montanhas infindáveis mostram que muitos passageiros por ali já passaram, mas elas se modificam e atraves-sam o tempo em melhores condições do que a condição humana.
Um cego na estação toca sua sanfona, não sei se ele é capaz de sentir pessoas se assanhando em danças ao seu redor, mas a energia que suas notas emanam, contagiam até as almas mais pacatas.
Ainda há animais, bois e vacas, cavalos e éguas pastam, cachorros livres e civilizados sem a necessidade da domestica-ção, circulam pela cidade, patos se apropriam de rios e lagos, mesmo que estejam dentro de propriedades privadas, aqui ainda são animais e não pets.
No caminho de volta, assisto a paisagem pela janela o ve-lho Braga me acompanha, porque mesmo o tendo deixado no quarto, ele estava comigo, despoluindo meu olhar urbano.
De volta à metrópole, sinto que sou outro, um eu, mas também outro.
17Fernando Rocha
A máquina de escrever escritores
O texto escrito no girar constante dos pneus capta fotogra-fias-móbiles estampadas nos vidros dos carros. Paradas com pes-soas e comidas abastecem a vontade de chegar onde se almeja.
O calor que incomoda um pouco e nos lembra de que ainda somos humanos e mais do que ideias, palavras, ou qualquer forma de arte, faz renascer em nós a obra finita do corpo-coisa-incômoda.
Leitura de placas confusas, caminhos encontrados en-quanto nos achamos perdidos, também fazem parte do percurso. Retomada do itinerário oficial: segurança. Ansiedade para ter em mãos o objeto desejado. Mais alguns quilômetros percorridos. No interfone a voz do outro anuncia que a viagem não foi em vão. Enfim, temos a posse de uma máquina de escrever! Ela che-gou depois das estórias...
Letras sobre hastes de metal socam a folha em branco como se quisessem trazer a obra na marra do seu recanto oculto. Teste feito, tudo funcionando direitinho. O objeto-bebê repousa no porta-malas, muito bem acondicionado.
18 Afetos
Na volta, paciência no engarrafamento. A serra que sus-pende as pessoas para a cidade cinza. Ela nos nina vagarosamen-te, porém nós, bebês rebeldes queremos acelerar, esquecendo que o caminho não pode ser feito só de velocidade.
Luzes no meio da noite transformam as paisagens conhe-cidas em beleza misteriosa. A visão começa a reconhecer o local que nos cerca e nós, andarilhos do destino, desviamos do cami-nho, porque é chato acertar de primeira, não é?
Em casa, o agradável encontro com os outros que também se tornaram nós ao longo do percurso.
19Fernando Rocha
Dedaleira
O vento que sopra móbiles incontáveis sobre a lagoa é o mesmo que sustenta os pássaros sob o céu, desenhando com as nuvens. Elas são o vazio do aparente azul, paisagens passageiras.
No meio do caminho, não há pedras, há máquinas seden-tas por imagens sem conseguirem captar, contudo, insistem em atirar seus flashes, luzes que não revelam nada.
A fonte do amor, este sentimento que ocupa os espaços existentes entre os humanos, não é algo estático. O que jorra da água, que é de verdade, não sei o que é. Só sei que não pode ser nomeado.
O sol rei-ilusório não esconde o frio, mas enfeita a parte-todo que nos envolve agora, na pequena cidade, espaço geográ-fico estranho, sob meus pés, que deslizam com auxílio das rodas de um ônibus. Elas me fazem sentir outra forma de ser no estar.
20 Afetos
A abertura do olhar
Mais um dia se inicia e o desejo novamente briga com a obrigação, a vida segue com sua receita: café da manhã, um pou-co de tevê, arrumar a marmita, banho, ônibus e finalmente a es-cola. Um cidadão não deve ser muito inteligente para escolher a escola como seu destino diário, pois se passa a vida inteira como aluno fazendo contagem regressiva para que terminem as séries, para mais tarde, passar muitos outros anos entrando e saindo pe-los portões escolares.
Aula... JEIF (grupo de estudos para professores)... Um pe-queno lanche vespertino e lá vou eu de novo, para a sala de aula, mas antes atento, em meio à paisagem que me cerca três crianças, acho que do primeiro ano, sentadas durante o intervalo, degustan-do sua merenda, trazida de casa, dentro de uma vasilha, cercada de carinho, não senhor leitor, eu não estou enganado, são três crianças e uma só vasilha de lanche, cuidado, sua lógica vai levá-lo à ruína!
O melhor é que elas espontaneamente comem um belo bolo de chocolate, com uma só colher, guiada pela desprendida
21Fernando Rocha
proprietária até a boca de suas duas companheiras, segui o meu caminho escada acima, mas algo em mim mudou: talvez, a es-perança adormecida tenha aberto os olhos para comunicar a sua não-morte.
