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Edição e distribuição

EDITORA EMECaixa Postal 1820 – CEP 13360 ‑000 – Capivari‑SP

Telefones: (19) 3491 ‑7000 | 3491 ‑5449Vivo (19) 99983‑2575 | Claro (19) 99317‑2800 | Tim (19) 98335‑4094

[email protected] – www.editoraeme.com.br

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Capivari ‑SP– 2016 –

Dineu De Paula

Espírito Padre José Maria

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Ficha catalográfica

Maria, Padre José, (Espírito) Confissões de um sacerdote / pelo espírito Padre José Maria: [psicografado por] Dineu de Paula – 1ª ed. set. 2016 – Capivari, SP | Editora EME. 528 p.

ISBN 978‑85‑66805‑89‑5

1. Romance mediúnico 2. França, século 18. 3. Reencarnação missionária 4. Lei de ação e reaçãoI. TÍTULO.

CDD 133.9

CAPA | André StenicoPROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO | Marco MeloREVISÃO | Rubens Toledo

1ª edição – setembro/2016 – 5.000 exemplares

© 2016 Dineu de Paula

Os direitos autorais desta obra são de exclusividade do autor.

A Editora EME mantém o Centro Espírita “Mensagem de Esperança” e patrocina, junto com outras empresas, a Central de Educação e Atendimento da Criança (Casa da Criança), em Capivari ‑SP.

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Sumário

Prefácio ....................................................................................................................9Prólogo ...................................................................................................................11Primeiros anos ......................................................................................................15Anjo tutelar ...........................................................................................................23Do Além.................................................................................................................35Genoveva ...............................................................................................................55Doralice ..................................................................................................................67Dom Nicolau .........................................................................................................79Matrimônio ...........................................................................................................87Emerenciana retorna ..........................................................................................101Provações à vista ................................................................................................109Cícero de N. ........................................................................................................117Entre o bem e mal...............................................................................................131Arquimedes.........................................................................................................145Dona Quitéria .....................................................................................................159Doralice ................................................................................................................175Desobsessão ........................................................................................................195Com os carmelitas ..............................................................................................207Na luz do perdão ...............................................................................................221De volta ao lar .....................................................................................................237Pedro e Genoveva ..............................................................................................251Rumo a Paris .......................................................................................................265Caminhos cruzados ...........................................................................................279Ruth ......................................................................................................................299Enferma ...............................................................................................................309Um adeus ............................................................................................................327Pedras no caminho .............................................................................................335

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Reconciliação e dor ............................................................................................351Noivado ...............................................................................................................381Plano diabólico ...................................................................................................393Luto e mistério ....................................................................................................409Perigo à espreita .................................................................................................421Vingança ..............................................................................................................435No colo maternal ................................................................................................453Fábio .....................................................................................................................471Sombras que se atraem ......................................................................................485Ligados pelo ódio ...............................................................................................497Júlia e Guilhermina ............................................................................................515Últimos anos .......................................................................................................521

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Confissões De uM saCerDote | 7

Para Ilda Garcia, com gratidão, por seu inestimável auxílio na elaboração deste livro

e por ter partilhado todas as emoções e dores que ela ensejou.

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Prefácio

Após a morte do corpo físico, padre José Maria deu‑se conta de que a vida continuava de forma semelhante à vida carnal. Também compreendeu as razões pelas quais era tão profundamente li‑gado a uma família de paroquianos que tinha em seu seio uma garota de coração puro e conduta ir‑repreensível, a qual lhe tocava o coração de forma tão especial.

Ana Maria, espírito elevado, tinha a missão de zelar pelos demais membros da família. Esta tinha um pai esforçado e uma mãe com curta passagem pela vida terrestre, cuja tarefa fora trazer os filhos ao mundo e deixá‑los aos cuidados da filha mais ve‑lha, Ana Maria.

Então, o padre José Maria decidiu acompanhá‑‑los durante aquela existência, procurando, por meio da intuição, auxiliá‑los sempre que provas mais difíceis se apresentavam. Viu com resignação muitas vezes sucumbirem a antigos vícios e com alí‑vio superarem outros tantos.

Sentia‑se grato ao Céu pela oportunidade de presenciar na intimidade a forma amorosa com que Ana Maria cumpria a missão de orientar, apoiar e consolar os irmãos naquela passagem pela vida cor‑poral. Também por saber que esse espírito abnega‑do acompanharia os membros daquela família em

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encarnações futuras, a fim de auxiliá‑los, sem interferir no livre‑arbítrio, até que conseguissem superar suas maiores fraquezas e vícios.

Ana Maria ainda hoje segue incansável na missão de acompanhar, orien‑tar, consolar e motivar aqueles espíritos, com o coração em festa pelos que superaram seus problemas e perseverante na tarefa de intuir os demais até atingirem o patamar esperado.

Este romance é a história de Ana Maria e sua família.

Espírito Irmão Justus, pela médium Ilda Garcia Kolling.

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Prólogo

Este relato é sobre Ana Maria, nascida em Lyon1, França, em meados do século 18. Trata de sua vida e das de várias almas cujos destinos se entrelaçaram ao dela. Foi um período crítico, a envolver guerras e paixões, no qual a determi‑nação e a bondade foram colocadas à prova em grande intensidade.

Ainda hoje, vejo com piedade muitas dessas al‑mas a se debaterem no mundo. Lutam como podem para se libertar de certas emoções e tendências que permitiram se acrisolassem nesse período.

Poderia ter sido um momento de transcendência para o grupo como um todo. Momento de perdão, tolerância, devoção ao bem e ao próximo de forma desinteressada. Infelizmente, para muitos não foi assim. Todos sofreram, em alguma medida, mas poucos sofreram bem. A maioria, contudo, e isso eu lamento profundamente, permitiu que velhas tendências do passado, dos tempos do primitivis‑mo mesmo, eclodissem com força, desarvorassem e adoecessem seus psiquismos.

Ah, a guerra e suas lamentáveis consequências! Sem dúvida, permite alguns avanços e importantes acertos, para quem consegue viver com dignidade

1 Lyon, ou Lião (em português), é a cidade de nascimento de Allan Kardec, codificador do espiritismo. Respeitando a forma mais conhecida e o desejo do espírito autor, manteremos a forma Lyon. Nota do Revisor

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momentos de dor atroz. Mas, para a imensa maioria dos envolvidos no rela‑to, a redenção não se deu.

A experiência por certo não foi vã. Ela serviu de combustível do pro‑gresso, na medida em que a dor fez crescer e refinar a sensibilidade. O que então viveram e tiveram de viver na sequência despertou em vários os dons psíquicos. Outros tomaram horror da violência física.

Enfim, embora mais atroz do que o necessário, a evolução se fez. Hoje já vejo neles o prenúncio da redenção. Apesar de algumas dificuldades, vivem o ideal do bem.

Desde pequena, Ana Maria sentia uma grande apreensão quanto à guer‑ra. Sempre que se via na iminência de uma rebelião, uma briga de bairros mesmo, ou uma dificuldade diplomática qualquer, a menina sofria. Preocu‑pações muito estranhas em uma menina de tenra idade. Ela me tomava por partícipe de suas angústias infantojuvenis.

No começo, eu sorria despreocupado, dizendo‑a um tanto exagerada. Sempre de forma carinhosa, tomava suas preocupações juvenis por peque‑nos delírios. Por vezes, pensava que ela queria chamar a atenção. Recomen‑dava que cuidasse de seus estudos e de suas bonecas. Mas com o tempo percebi a gravidade de suas preocupações.

Então, lançava mão comigo do único recurso capaz de acalmar seu cora‑ção: longas orações aos pés do altar, com os olhos voltados para o Crucifica‑do. Eu percebia que realmente ela sofria com a iminência de uma guerra que na verdade nada parecia anunciar. Mas, em seu coração, parecia intuir que sua vida seria determinada ao influxo de um conflito bélico.

Ignorava, contudo, o quanto isso seria pujante, como tudo seria impac‑tante. Não podia saber, ainda, o impacto que uma batalha distante teria em vidas preciosas para ela. Isso em um sentido muito mais amplo do que o de corpos que são destruídos ou enfermam. Tratava‑se de uma grave progra‑mação de reajuste a ser colocada em prática.

Ah, em seu coração, ela sentia e temia pelo malogro do grave projeto! Estranhamente, não pensava na morte. Não temia morrer ou mesmo que outros simplesmente morressem. O que não conseguia precisar, nem para si mesma, era o temor da crueldade que degrada o cruel, da dor que desespera e tira a dignidade de quem não consegue ter força bastante para enfrentá‑la. Temia a indiferença que enregela o coração. Temia, enfim, sem o saber, a derrocada moral de seus amores.

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A infância deve ser um período de deleite e repouso para o espírito. As obrigações infantis, cingidas ao estudo e ao desempenho de pequenas atividades domésticas, nada têm de inquietante. Deve ser assim para que o espírito possa tomar contato gradualmente com a matéria, suas aflições e limitações.

Por entre lições, folguedos, cuidados e carinhos, em situação ideal a alma se assenhoreia de seu novo instrumento. A princípio, ela pertence mais ao plano espiritual do que ao material. Gradualmente, a polaridade se inverte, ela vai perdendo algumas sensibilidades e deixa de ter variadas percepções, mergulhando, por assim dizer, de modo definitivo na carne.

Muitas desencarnações em tenra idade decorrem de dificuldade de adap‑tação. Dores muito pronunciadas, abandono afetivo, inseguranças engen‑dradas por situações penosas causam indesejável e profundo impacto nos pequeninos. Assim, sua frágil ligação com seus corpos tende a se romper. Por isso, nunca será demais bem cuidar da infância, poupá‑la de dores e es‑tremecimentos morais desnecessários.

Tal não significa mimar os petizes, insuflar neles egoísmo e vaidade. Precisam ser educados e orientados na vida, por certo, mas com amorosa firmeza. Não há razão para produzir choques desnecessários em sensibili‑dades delicadas.

Fora casos de todo excepcionais, o retorno à carne constitui operação me‑lindrosa, envolta em apreensões e dúvidas. Muito se coloca em jogo, mesmo no caso de almas com importantes conquistas evolutivas. Estas não temem propriamente quedas morais, uma vez que ninguém degenera. Mas receiam não cumprir todo o programa trazido, fragilizadas por laços afetivos com amores ainda hesitantes e retardatários na senda do progresso. Elas temem não exemplificar o bastante, não ser convincentes o suficiente. Receiam não conseguir emocionar, impulsionar o grupo espiritual ao qual se vinculam e que com elas se projeta na carne.

Não se trata de falta de fé em Deus ou de alguma insegurança crônica nas próprias possibilidades. Mas de reconhecimento da magnitude e da gra‑vidade da tarefa, assim como da fragilidade, quiçá até da dureza dos que pretendem impulsionar rumo à redenção.

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Primeiros anos

Ana Maria nasceu em um belo dia de inverno, sem neve nem chuva, mas com um céu azul olímpico, que doía de tão belo. Era esperada para dali a al‑gumas semanas, mas parecia ter pressa em vir ao mundo. Da mesma forma que no dia em que che‑gou ao mundo, ela não tardou a demonstrar nas fei‑ções uma beleza tocante.

Por certo, não deveria ser feia, pois sua mãe sempre fora uma bela mulher. Mesmo após dar à luz vários filhos, seguia vistosa. Seu pai era menos impressionante, mas ainda assim fazia boa figura. Demasiado sério também, com um semblante no qual se percebia certa frieza.

A menina impressionava à primeira vista. Com cútis rosada, sem exagero, belos e fartos cabelos lou‑ros, bem‑feita desde sempre, olhos azuis grandes e límpidos. O conjunto agradava, sem dúvida, mas havia algo de diferente na menina. À parte certa gravidade, de todo inesperada em pessoa tão jovem, havia nela um toque de doçura e de melancolia.

Desde pequena, era sempre muito ocupada com seus pequenos deveres. Conscienciosa ao extremo, sem degenerar para a neurose, estava sempre atenta aos pequenos serviços que podia desempenhar. Passava as horas de folga na cozi‑nha, na horta ou no jardim, a auxiliar os serviçais da casa. Curiosa a mais não poder, tudo queria

Capítulo

1

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aprender. Indagava desde receitas a períodos de plantio e floração de árvores e hortaliças.

Possuía uma característica especial, que era a atenção com os semelhan‑tes. Mesmo muito jovem, quando há em regra certa inconsciência, tinha o hábito da percuciente observação das ocorrências à sua volta. Parecia ter es‑pecial habilidade para identificar os problemas alheios e ardia de vontade de ajudar.

Poderia ser considerada enfadonha com tantas peculiaridades, mas não o era. A rigor, encantadora demais, meiga e generosa demais para desafiar punições e malquerenças. Era difícil resistir àqueles formosos olhos azuis, imensos e límpidos, a indagar como podia ajudar.

Quando a conheci, foi pelas mãos de sua mãe, que a trouxe à igreja para iniciar os estudos do catecismo. Fiquei impressionado com o charme da me‑nina e imaginei quanta dor poderia causar aos outros, com sua beleza. Mas logo, a breve tempo de convivência, cessei de temer pelos outros.

Eventuais apaixonados não correspondidos – eles seriam inúmeros, eu poderia apostar – sofreriam sem que ela fosse a causadora de qualquer mal‑‑entendido ou perfídia. Ao percebê‑la pura e querida em demasia para cau‑sar qualquer dor deliberada, passei a temer por ela.

A beleza deve ser boa, por ser um dos requintes da criação. Por meio dela, o Senhor da Vida mostra seus talentos de artista consumado. Contudo, a beleza rematada, que foge ao padrão, não será um peso para quem a porta? Essa dúvida inusitada surgiu em minha mente ao começar a educar e a cris‑tianizar Ana Maria. Nada temia dela, mas por ela, sem saber direito a razão.

No princípio, incluía‑a na aula coletiva comunal, mas não tardei a perceber o desperdício, pois a menina era evidentemente mais rápida de raciocínio, no que se referia à interpretação evangélica, do que as demais crianças. Não que‑ria nela insuflar o pecado da vaidade, mas me enamorei da ideia de lhe confe‑rir educação cristã especial. Porém, como fazer isso sem despertar antipatia na paróquia, sob a justificativa de preferir uma criança em detrimento das outras?

Talvez egoisticamente, resolvi a coisa do modo mais cômodo para mim. Combinei de ministrar aulas privadas em duas tardes da semana, sem que ela deixasse de comparecer à aula coletiva dominical. Um problema se re‑solveu – minha vontade de cuidar melhor de uma flor de virtude que se anunciava – mas outro se aprofundou: ela se adiantava muito em relação aos colegas.

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A solução foi fácil, porém: convenci‑a a também deixar os demais meni‑nos e meninas responderem às questões. Salientei‑lhe as virtudes da modés‑tia e da renúncia e aquiesceu com gosto. Havia algo de surpreendentemente maduro em Ana Maria.

Com isso, os tempos passaram e ela crescia em graça e beleza. A saúde de sua mãe, contudo, em decorrência de um parto malsucedido, começou a definhar. Além disso, outro problema se anunciou inesperado: a pobre crian‑ça começou a dar sinais de delírios. Inicialmente, temi por sua saúde mental, até cogitei de algum desejo de brilhar, mas não era isso.

A menina parecia ter um inusitado pavor: tratava‑se da guerra. Qualquer notícia sobre conflito, ainda que pífio, a transtornava. Nunca antes havia vis‑to pessoa tão jovem e tão torturada por questões a ela estranhas. A guerra era uma ocorrência tão distante, que a menina inferia a partir das menores notícias e dos mais improváveis sinais.

Sinceramente, eu não sabia como acalmá‑la nem como interpretar tudo aquilo. Parecia‑me tão exagerado, tão sem propósito que uma menina, re‑cém‑saída da primeira infância, apresentasse temores tão profundos. Inda‑guei‑lhe se temia morrer, ou que seu pai morresse. Fiz‑lhe ver que dificilmen‑te nossa cidade seria atingida por qualquer ameaça bélica. Demonstrei‑lhe racionalmente que seu pai era muito adentrado em anos para ser convocado e que seus irmãos eram muito jovens.

O medo dela era difuso, indefinido, não temia que ninguém em específi‑co morresse, nem que ela própria perecesse. Algo de inacreditável, talvez até de místico, ali se passava.

Meio desesperado também eu, por não saber como acalmar a menina de meu coração, sugeri‑lhe que rezássemos ambos pela paz. Surpreendente‑mente – talvez nem tanto, pelo histórico de fervor de Ana Maria, o recurso se revelou produtivo. Tomávamos do terço, ajoelhávamo‑nos em frente ao altar e deixávamos passassem as horas. Isso tinha certo encanto pungente, embora por vezes me perguntasse se não estava também eu um pouco louco por me deixar impressionar assim pelos delírios de uma criança.

Havia algo de tocante em seus olhos marejados de lágrimas a fitar a fi‑gura do Cristo. O rosário era mais propício para ser orado em frente à ima‑gem da Virgem, mas ela gostava mais de utilizá‑lo em longas orações em frente ao Crucificado. Quem era eu para interferir no método que estava dando resultado?

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De repente, rápida como vinha, a preocupação ia‑se embora, e a paz vol‑tava ao coração. Esse era um problema interessante e volta e meia eu me via envolto nele. Mas, com o remédio já conhecido, não me causava mais muito transtorno. No fundo, apreciava tais horas de oração e desejava que não ter‑minassem, embora meus joelhos já velhos dessem logo sinal de sua existência.

Entre o júbilo da alma, envolta em doce contemplação e em misteriosa alegria, e o pesar do corpo idoso, eu me decidia por suportar a dor física e seguir com a alma repleta. Hoje, vendo tudo em retrospectiva, percebo que tomei a decisão mais certa. Aquelas tardes de orações são a lembrança mais doce de minha passada existência.

Outro problema logo se fez presente: a enfermidade de dona Constância. Ela nunca se recuperou por completo do parto de seu último filho e logo os achaques se tornaram mais e mais frequentes. Cedo ficou visível que o qua‑dro complicaria, por entre dores, febres e outros sintomas a mim estranhos. Minha condição de celibatário tornava‑me um confidente pouco provável desses problemas femininos. Aliás, eu preferia deles não me inteirar: pudor de corpo e alma.

A casa, sempre algo austera, em decorrência da personalidade do senhor Filipe, a pouco e pouco tomou o aspecto de enfermaria desolada. As crian‑ças, abandonadas aos cuidados das servas, pareciam sentir que algo de terrí‑vel pairava sobre seus destinos.

Ana Maria, na qualidade de segunda filha, com seus 12 anos, viu‑se na obrigação de substituir a mãe que definhava. Passou a tutelar a educação dos irmãos mais jovens e também a incomodar o mais velho, a fim de que não causasse preocupações aos outros. Fábio tinha uma personalidade mui‑to avessa a admoestações. Não gostava de ser repreendido, parecia ter al‑gum profundo sentimento de inferioridade e sempre reclamava de qualquer observação. Detestava ser questionado em seus atos e opções. Tudo que não era elogioso configurava uma afronta, um desrespeito.

Quando o cristianizei, tentei enfatizar ao pequeno o máximo que eu pude a importância da virtude da modéstia. Lembrei‑lhe do Senhor Jesus fazen‑do‑se de servo, lavando os pés dos apóstolos. Fábio me lançava olhares es‑candalizados quando eu defendia a necessidade de servir o semelhante, de pensar as feridas dos outros, de aceitar críticas sem se ofender.

Parecia sentir que o mundo tudo lhe devia e que os outros muito lhe pre‑tendiam tomar. Personalidade complicada, que a mãe não conseguiu con‑

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duzir a contento e que o pai abandonou por completo, na medida em que só prestava atenção em seus labores mercantis. Assim fazendo, assegurava conforto para a família, mas se arriscava a perder os filhos para os vícios.

Filipe nem deve ter notado quão pesada ficou a vida de sua filha mais velha, quando a esposa passou a ficar mais no leito, a delirar entre febres, a reclamar de dores atrozes. Parecia encontrar as mais estranhas desculpas para se ausentar do lar. Talvez temesse os gemidos da companheira, como a lhe lembrar do amor que via lentamente sumir em direção à lápide do tú‑mulo. O seu maior problema mesmo, embora ele nem o desconfiasse, residia em Fábio, com seu temperamento arredio, desconfiado, egoísta e agressivo.

Surpreendentemente, Fábio parecia se sujeitar, por alguma razão miste‑riosa, à influência da irmã, que era um ano e poucos meses mais jovem do que ele. Não chegava a prestar atenção de verdade nos argumentos dela, mas de vez em quando lhe acedia a algum desejo. Parava de atormentar os mais jovens, cessava de criticar os servos, de torturar os pequenos cachorros, quando Ana lhe rogava, muitas vezes com os olhos nublados de lágrimas.

Estabelecia‑se entre eles uma estranha troca de olhares. Era como se Fá‑bio tivesse sentimentos dúbios em relação a ela. Estimava‑a, não conseguia ignorá‑la, mas também se agastava que estivesse sempre entre ele e seus projetos; entre ele e seus maus instintos, diria eu, se isso não parecesse pou‑co cristão.

O tempo passava, e dona Constância ficava cada dia pior. Chegou uma época em que se tornou evidente que não viveria muito. Ela pareceu tomar consciência de que não podia mais focar toda a atenção em sua dor, com esquecimento de seus deveres maternos e conjugais. Convocou o marido a que se fizesse presente para o jantar todas as noites. Por entre dores e dificul‑dades, tornou a reunir a família em volta da mesa.

Nessas ocasiões, inspirada pelos bons anjos do Senhor, adotou o hábito de ler o Evangelho posteriormente à refeição. Lia‑o muitas vezes com voz arquejante, com o semblante tisnado de dor, mas o fazia. Sugeria o tema e pedia comentários. Todas as crianças tinham a oportunidade de interpretar as passagens.

Por muitas vezes, eu fui convidado a me fazer presente nesses serões evangélicos e o fiz com gosto. Feliz, reparei que o tempo por mim gasto com Ana Maria tinha surtido resultados. Com delicadeza, sem parecer uma sabe‑‑tudo, fazia comentários pertinentes e interessantes, que colocavam as pala‑

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vras do Evangelho sob uma luz nova, muito confortadora. Chegava a ficar inquieto por notar em tais interpretações algumas nuances que eu não havia ensinado, nem sabia se com elas concordava. Mas como não tinha nada de objetivo para criticar, eu me calava, algo incomodado por não ter pensa‑do naquilo antes e porque alguns argumentos colocavam em xeque muitas das minhas convicções. De onde tirava a mocinha aquelas interpretações? Como sabia ela, ao que parece intuitivamente, o contexto dos relatos evangé‑licos? Por que enfatizava tanto a importância da comunhão entre os grupos de pessoas?

Não cessava de comparar o colégio apostolar com as famílias e de dizer que o Cristo deveria sempre ser o fator de união entre todos e suas palavras consideradas o norte, em qualquer situação. Que as dissensões se extinguiam entre aqueles que levavam a sério a mensagem evangélica e se compenetra‑vam da importância de fazer a vontade de Deus. Raciocínios interessantes, embora com certo viés um tanto revolucionário, senão condenável, como a ideia de que todos podiam e deviam se conectar diretamente com Deus, como o fazia Jesus. A prosperar essa tese, as igrejas seriam abandonadas, pensava eu.

Entre perplexidades e dores, aquela fase passou, e em uma noite de ou‑tono dona Constância faleceu. Ah, noite de grandes dores para o pequeno grupo familiar! Avisado por Moacir, o garoto de recados do senhor Filipe, dirigi‑me ao local pouco depois da meia‑noite.

A casa estava às claras, os vizinhos começavam a se ajuntar para os servi‑ços de orações, tudo estava em um estranho movimento. Meu coração ficou pequeno ao ver o semblante desolado das crianças mais velhas, pois as pe‑quenas, mercê de Deus, persistiam a dormir.

Não é um milagre o sono dos pequeninos? Com o passar do tempo, esse sono tão pesado, genuína comunhão com o lado ignorado da vida, torna‑‑se leve e parece nos abandonar, salvo em algumas noites abençoadas em que a meninice se afigura retornar, apenas para deixar saudade e se reti‑rar novamente.

Os três filhos mais velhos lá se encontravam: Ana Maria, Fábio e Dorali‑ce. Quanta dor em seus semblantes! Fábio tentava disfarçar, fazendo‑se de forte, aparentemente irritado por mostrar alguma fraqueza, a contragosto. A dor nele assumia um ar de revolta.

Doralice, frágil como sempre, delicada à semelhança de uma flor, parecia

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se ressentir da ausência emocional do pai. Visivelmente desejava o colo pa‑terno, um abraço, que lhe dissesse que tudo ficaria bem, que a vida seguiria normalmente e ela seria sempre cuidada e amada. Esses gestos preciosos faltaram da parte do senhor Filipe, ensimesmado, frio, distante, a receber os que chegavam com uma formalidade espantosa, que a partir daquela noite mais e mais se afirmaria em sua personalidade. Pobre homem, este sinali‑zava começar a morrer em vida, sem notar que os filhos careciam profun‑damente de seu afeto. Por certo os alimentaria; aliás, já tinha dinheiro para alimentar a todos por várias vidas. Era visível que se lançaria cada vez mais em questões objetivas, com esquecimento de sua família, dos petizes que Deus lhe confiara.

Já Ana Maria, semblante devastado pela dor, percebia as dificuldades de todos. Acalentava Doralice, confortava‑a como podia, com seus recursos de pessoa calorosa e muito jovem. Ouvi‑a lembrando à irmã do amor de Jesus, que jamais as desampararia, de que o pai era um homem forte e corajoso e sempre as protegeria. Com rara delicadeza, mencionou que a mãezinha não estava perdida, apenas se antecipara na ida para o Céu, e que mais tarde todos a reencontrariam.

No correr da noite, vi que tentou recurso semelhante com o taciturno Fábio, com menos sucesso. Este, já preocupado em parecer homem, e tendo por modelo alguém frio e distante, fez pouco caso das palavras e dos esfor‑ços da irmã. A certa altura, afastou‑a inclusive com certa grosseria, quando o tentava confortar. Contudo, logo se apercebeu do que fizera e, coisa rara, demonstrou arrependimento, abraçou‑a e choraram ambos.

Nunca imaginei que veria Fábio chorar, em seus esforços para nada de‑monstrar, e mesmo em sua dureza de coração, tantas vezes manifestada. Ali compreendi que o rapazinho tinha uma personalidade mais complexa do que parecia. Era possivelmente alguém torturado por algo de terrível, que não podia deixar à mostra. Esforçava‑se para parecer inalcançável, mesmo seu gosto por infligir dor podia ser disso resultado: de seus medos e desas‑sossegos secretos. Quais seriam eles, Deus meu? Ao longo de sua vida, tal‑vez o soubéssemos, pensei na ocasião.

O tempo para tais divagações era escasso nessa noite de dor, pois precisei assumir meu papel de padre e pastor, de condutor de almas. Minha presença devia tornar o evento sóbrio e respeitoso, impedir as piadinhas infames, as conversas demasiado alegres. E realmente não economizei olhares de desa‑

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22 |Dineu De Paula | PaDre José Maria (esPírito)

grado ao menor sinal de alacridade inconveniente. Por várias vezes tomei a palavra e convoquei todos, inclusive alguns nominalmente, para que orás‑semos em conjunto. O rosário correu solto, noite adentro, sob minha severa tutela, para desconforto de muitos. O dia amanheceu, rumou para a tarde e o enterro se fez.