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2 Edílson Santana Gonçalves Filho

Edílson Santana Gonçalves Filho

A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS - SUA VINCULAÇÃO ÀS

RELAÇÕES ENTRE PARTICULARES

FORTALEZA/2009

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A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS - SUA VINCULAÇÃO ÀS

RELAÇÕES ENTRE PARTICULARES

FORTALEZA/2009

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Copyright© 2009 – Edílson Santana Gonçalves Filho

Conselho editorial: Eduardo Porto Soares / Alice Maria Pinto Soares /

Raimundo Carneiro Leite / Francisco Dirceu Barros / Prf. Valdeci Cunha

Edição: 2009

DINCE - Edições Técnicas

Central de atendimento: Tel.: 85 3231.6298 / 3254.7701

Rua Barão do Rio Branco, 1.620 – Centro – Fortaleza/CE

Revisão: Autor

Capa e Diagramação: Irissena Gomes (85) 8833.6429

GONÇALVES FILHO, Edilson Santana

A eficácia horizontal dos direitos fundamentais - sua vinculação às

relações entre particulares / Edílson Santana Gonçalves Filho –

Fortaleza/CE

DIN.CE EDIÇÕES TÉCNICAS 2009 – 111p

ISBN: 978-85-7872-059-9

CDD:

1. Direito I. Direitos Fundamentais

Todos os direitos reservados. Nenhum excerto desta obra pode ser

reproduzido ou transmitido, por qualquer forma ou meio, ou arquivado em

sistema ou banco de dados, sem a autorização dos autores.

NOTA DA EDITORA

As ideias e opiniões apresentadas nesta obra são de inteira

responsabilidade dos seus autores.

A Editora DIN.CE responsabiliza-se apenas pelos vícios do produto no que

se refere à sua edição, considerando a impressão e apresentação. Vícios de

atualização, opiniões, revisão, citações, referências ou textos compilados

são de responsabilidade de seus idealizadores.

Impresso no Brasil

Impressão gráfica: DIN.CE

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SOBRE O AUTOR E A OBRA

O presente livro é resultado de monografia apresentada pelo autor – Edílson Santana G. Filho - na Universidade de Fortaleza – UNIFOR, sob o título “A Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais – sua vinculação às relações privadas”, obtendo aprovação com louvor e alcançando nota máxima, sob orientação do professor doutor Francisco Lisboa Rodrigues, a quem se presta justa homenagem.

O autor é advogado com atuação nas áreas de direito público e privado. É também co-autor da obra “Dicionário de Ministério Público”, no prelo da editora Juspodivm.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................. 10

Capítulo I

1 DIREITOS FUNDAMENTAIS ....................................................... 14

1.1 Conceito ................................................................................ 14

1.2 Histórico ................................................................................. 16

1.3 Natureza e Características .................................................... 21

1.4 Classificação dos direitos fundamentais ............................... 23

1.5 A distinção entre princípios e regras ..................................... 24

1.6 Terminologia .......................................................................... 27

Capitulo II

2 EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................. 30

2.1 A constitucionalização do direito ........................................... 30

2.2 Negação dos efeitos – “state action” ..................................... 34

2.2.1 Autonomia privada ......................................................... 36

2.3 Eficácia mediata .................................................................... 40

2.4 Eficácia Imediata ................................................................... 42

2.5 Outras teorias ........................................................................ 46

Capítulo II

3 PREVISÃO DA VINCULAÇÃO DOS PARTICULARES NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL .................................................. 50

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................. 58

REFERÊNCIAS ............................................................................... 62

ANEXO – RECAPITULAÇÃO SUGESTIVA .................................... 66

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INTRODUÇÃO

O debate referente à eficácia horizontal dos direitos fundamentais no âmbito das relações jurídico-privadas teve início nos anos cinqüenta e primórdios da década de sessenta, na Alemanaha. Também nos Estados Unidos o tema foi enfrentado, tempos após, marcando o debate doutrinário daquele país, sob o título de State Action.

Quando se trata da incidência horizontal das normas essenciais, se pretende demonstrar que a vinculação de tais garantias não se dá apenas nas relações de poder que se estabelecem entre o Estado e o cidadão (o que constitui relação do tipo vertical), mas igualmente, naquelas estabelecidas entre pessoas, e entidades, que se encontram em posições, pelo menos teóricas, de igualdade, ou seja, entre particulares somente.

A doutrina tradicional entende os direitos fundamentais como normas destinadas a proteger o indivíduo contra eventuais violações causadas pelo Estado, quando abusa de seu poder, não possuindo maior relevância no que se refere às relações particulares.

Referido entendimento, segundo o qual as normas de cunho essencial atuam exclusivamente na relação entre o cidadão e o Estado, vem se apresentando ultrapassada. Esse pensamento, na realidade, acaba por legitimar a idéia de que haveria, para a pessoa civil, sempre um espaço imune a qualquer ingerência estatal, o que suscita uma problemática de difícil solução, tanto no plano teórico, como no campo prático.

Sem embargo, a existência de forças sociais, como os conglomerados econômicos, sindicatos, grandes empresas multinacionais, associações patronais, entre outras, exige que se reconheça a aplicação dos direitos fundamentais, também, em face de pessoas e entes privados, tendo em vista o poder que concentram em suas mãos, os quais, incontáveis vezes, oprimem e abusam do cidadão, parte mais frágil, desvirtuando o interesse social na consecução de interesses particulares.

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É deste modo que a própria idéia de poder, anteriormente ligada unicamente ao Estado, sofre rupturas, quando se passa a perceber a desigualdade material existente entre os indivíduos, admitindo-se que o poder exercido nas esferas privadas também pode causar danos irreparáveis, mediante a imposição da vontade de um particular sobre o outro.

Com efeito, desde a concepção do Estado o ser humano já prescindia de proteção a direitos considerados fundamentais, inicialmente aqueles referentes à liberdade e a igualdade, logo após as normas sociais. Se em seus primórdios as regras essenciais funcionavam como barreiras limitadoras da atuação estatal, hodiernamente, mais que isso, exigem por muitas vezes uma intervenção positiva daquele.

Destarte, na aplicação tradicional dos direitos em questão, existe uma relação do tipo “Estado-cidadão”, em que apenas o último é detentor de tais garantias. Em contrapartida, nas relações entre privados (com interesses antagônicos) existe a detenção das prerrogativas em apreço por ambos os pólos, que se encontram em posições de igualdade de poder, daí a expressão “aplicação horizontal”.

O fato é que no mundo contemporâneo a discussão em torno da dimensão e do sentido dos direitos humanos é cada vez mais acentuada. Surge, daí, o paradoxo que envolve os limites da autonomia privada em um Estado que, mesmo evidentemente capitalista e neoliberal, deve garantir o imperativo constitucional de uma sociedade justa, livre e igualitária.

Imprescindível, portanto, hodiernamente, um estudo sobre a aplicação das normas de cunho fundamental nas relações privadas, especialmente no que diz respeito à maneira em que se dará sua incidência. A dificuldade surge, exatamente, quando se leva em conta, como já dito alhures, que em uma relação do tipo “particular-particular” os dois pólos são detentores dos direitos em comento, diferente do que ocorre nas relações “Estado-cidadão”. Ademais, não se pode negar que, mesmo admitindo a irradiação dos efeitos nas relações particulares, a mesma possui peculiaridades que devem ser analisadas com particular relevância.

No que tange a abordagem teórica, o tema acerca da aplicação horizontal vem ganhando cada vez mais espaço na

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doutrina constitucional nacional, apesar de serem ainda poucas as obras escritas por brasileiros que tratam com profundidade o tema. No geral, encontramos em publicações estrangeiras explanações com maior substância, em especial no que se refere a estudos alemães, tendo em vista a forma precursora com que esses trataram a questão, reconhecendo sua real importância dentro do mundo jurídico.

Em desfavor da irradiação dos efeitos horizontais surge o princípio da autonomia das relações privadas como principal argumento, o qual se aplica precisamente para indicar a faculdade que possui determinada pessoa ou instituição, em traçar as normas de sua conduta, sem que sinta imposições restritivas de ordem estranha.” (SILVA, 1993, p.251). Significa, assim, a possibilidade de regência independente, expressando a capacidade de “autogoverno de sua esfera jurídica”, conforme expressão formulada por Carlos Alberto Mota Pinto, representando componente essencial a liberdade.

Contudo, aquela não é absoluta, pois deve conviver com o direito de outras pessoas e com valores igualmente importantes, sendo, portanto, inevitável que o Estado intervenha em certos casos, em face de abusos a liberdade dos outros ou ao bem comum, o que acaba por reconciliar a idéia de liberdade, agora em um sentido mais amplo. Desta feita, poderia ser necessária uma ponderação, de acordo com as especificidades de cada caso, sopesando a autonomia com o direito possivelmente violado pela conduta particular.

Desta maneira é que sob uma análise à luz do direito constitucional, levando em consideração, sempre que possível, o direito comparado e demais referenciais

1 pertinentes à matéria,

buscou-se, neste estudo, analisar a possibilidade da aplicação dos Direitos Fundamentais nas relações privadas, mais especificamente naquelas em que figuram particulares nos dois pólos da relação, averiguando de que maneira poderia se dar a irradiação das Garantias Essenciais nas relações privadas, e investigando até que ponto a autonomia privada prevalece sobre os direitos fundamentais, na busca do significado hodierno dessas normas,

1 Leis ordinárias, Jurisprudência, Artigos, etc.

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tendo em vista a possibilidade de sua incidência nas relações entre particulares.

No capítulo inicial objetivou-se estudar de maneira preliminar os direitos fundamentais, definindo seu conceito, desenvolvimento e características peculiares. Ademais, distinguiu-se princípio de regra, o que se faz sobremaneira relevante para o desenvolvimento da idéia defendida.

Em seguida, no capítulo subseqüente, superada a fase inicial, procurou-se demonstrar de que forma, e por que, as normas essenciais incidem nas relações inter-privados. Enquanto no terceiro capítulo, trouxemos à baila decisões do Supremo Tribunal Federal referentes à matéria, comentando-as.

Na conclusão tecemos considerações finais sobre o estudo ora em desenvolvimento, com supedâneo em tudo explanado anteriormente no desenvolvimento.

Quanto à metodologia, a pesquisa utilizou-se de estudo descritivo-analítico, bibliográfica: através de livros, revistas, publicações especializadas, artigos e dados oficiais publicados na Internet, utilizando os resultados de forma pura, à medida que possuiu como único fim a ampliação dos conhecimentos. Abordou-se o tema de maneira qualitativa, à medida que se aprofundou na compreensão das ações e relações humanas e nas condições e freqüências de determinadas situações sociais.

Foi, ainda, Descritiva quanto aos objetivos, posto que se buscou descrever, explicar, classificar, esclarecer e interpretar o fenômeno observado e exploratória, objetivando aprimorar as idéias através de informações sobre o tema em foco.

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CAPÍTULO I

1. DIREITOS FUNDAMENTAIS

É imprescindível, antes de adentrar no tema central do

presente trabalho , tecer algumas considerações preliminares acerca dos direitos fundamentais, com o intuito de facilitar o entendimento do estudo atual, o que se dará nos tópicos subseqüentes.

1.1 Conceito

A expressão Direitos Fundamentais surgiu na França, por volta de 1770, como fruto do movimento deflagrador da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, vindo a alcançar, tempos após, lugar imprescindível nas Cartas Constitucionais de todo o mundo.

Formular um conceito fechado, sintético, e preciso definindo o que são direitos fundamentais não é tarefa das mais simples. Antes de tudo, em virtude de sua transformação ao longo da evolução histórica. Aumenta essa dificuldade o fato de se utilizarem várias expressões quando nos referimos aos mesmos, como direitos humanos, direitos naturais, direitos individuais do homem e do cidadão etc., o que acaba por gerar uma confusão entre tais institutos, que, em verdade, encontram-se entrelaçados de forma quase que indissociável.

Oscar Vilhena Vieira (1999, p.36) conceitua, de maneira bastante didática, “Direitos Fundamentais” como sendo “a denominação comumente empregada por constitucionalistas para designar o conjunto de direitos da pessoa humana expressa ou implicitamente

2 reconhecidos por uma determinada ordem

constitucional.” Chama atenção para o fato de que estes encontram-

2 Os §§ 2° e 3° do art. 5° da CF/88 apontam claramente para uma abertura do texto

em relação a outros direitos fundamentais não reconhecidos explicitamente pelo seu

texto.

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se positivados e servem de veículo para a incorporação dos direitos da pessoa humana pelo Direito.

Destarte, Direitos, ou Princípios Constitucionais, Fundamentais são normas essenciais, as quais conferem sistematicidade à Constituição, servindo de parâmetros para todas as demais regras trazidas à baila pelo ordenamento jurídico, minimizando possíveis conflitos de leis, através de uma interpretação conforme os preceitos fundamentais, e garantindo o mínimo necessário ao homem-cidadão. Augusto Zimmermann (2002, p. 188) bem expõe essa idéia:

Porque, para a verificação da lógica inteireza do ordenamento jurídico, estes princípios atuam como autêntica força catalisadora, servindo como critério de interpretação das normas constitucionais, na medida em que dispõem acerca de valores considerados como fundamentais pelo legislador constituinte.

Ocupam, assim, o mais alto grau na escala normativa, identificando-se com os mais supremos valores humanos, culturais, filosóficos, políticos, traduzindo o melhor da vontade de toda a humanidade para o desenvolvimento de uma sociedade justa. Possuem em seu âmago ligação direta com o universo moral dos direitos da pessoa humana.

São, deste modo, um parâmetro estabelecido do que se busca pela sociedade, de modo que o interesse por ele protegido deve prevalecer sobre outros de cunho não fundamental. Por sua importância, possuem aplicação imediata, ou seja, não podem ter sua aplicabilidade retardada pela inexistência de leis regulamentadoras.

Por fim, vale recitar a conceituação formulada pela professora Ana Maria D´Ávila Lopes (2001; p.35): Os direitos fundamentais podem ser definidos como os princípios jurídica e positivamente vigentes em uma ordem constitucional que traduzem a concepção de dignidade humana de uma sociedade e legitimam o sistema jurídico estatal.

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Expostos estes conceitos, cumpre agora fazer uma breve análise histórica, buscando as raízes dos direitos em comento, tarefa não menos árdua que a tratada no presente tópico.

1.2 Histórico

Modernamente os direitos fundamentais apresentam-se como garantias de primeira, de segunda e de terceira dimensões

3,

segundo a evolução histórica em que passaram a ser, cronologicamente, reconhecidos. Referida divisão nos remete ao lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.

Importante frisar que não existe hierarquia ou grau de importância entre referidas dimensões, motivo pelo qual alguns doutrinadores preferem a utilização do vocábulo dimensão dos direitos fundamentais em detrimento da expressão geração, que daria uma idéia de que cada nova geração adviria em substituição à anterior. Entendo correta a utilização de ambas, deixando claro que um direito fundamental nunca surge excluindo outro que o antecedeu.

Desta feita, correspondem, os direitos de primeira geração as liberdades clássicas ou formais (direitos civis e políticos), os de segunda identificam-se com as liberdades positivas ou concretas (direitos sociais, econômicos), enquanto os direitos de terceira geração materializem-se nas titularidades coletivas (atribuídos genericamente a todos os indivíduos ou cidadãos), consagrando o princípio da solidariedade. O professor Oscar Vilhena Vieira (2006, p. 39) nos mostra de forma sintética essa evolução:

Fala-se em direitos fundamentais de primeira, segunda, terceira e quarta gerações, buscando repercutir a evolução dos direitos na história européia. Em primeiro lugar teriam surgido os direitos civis, de não sermos molestados pelo

3 O professor Paulo Bonavides defende a existência de uma quarta geração dos

direitos fundamentais, os quais se introduzem através globalização política na esfera

da normatividade jurídica, o que corresponde à derradeira fase de institucionalização

do Estado social.

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Estado, direito de termos nossa integridade, nossa propriedade, além de nossa liberdade, a salvo das investidas arbitrarias do Poder Público. Esse grupo de direitos demarcaria os limites de atuação do Estado Liberal. Uma segunda geração de direitos estaria vinculada à participação política, ou direitos políticos. Partindo do pressuposto de que as pessoas são dotadas de igual valor, a todos deve ser dado o direito de participar em igual medida do processo político. Esses direitos são constitutivos dos regimes democráticos. Uma terceira geração de direitos, decorrente da implementação dos regimes democráticos e da incorporação do povo ao processo de decisão política, seria o reconhecimento pelo Estado de responsabilidades em relação ao bem-estar das pessoas – logo, de deveres correlatos aos direitos sociais estabelecidos pela ordem legal. São esses os direitos que caracterizam as democracias sociais. Por fim, fala-se num quarto conjunto de direitos relativos ao bem-estar da comunidade como um todo, como os relativos ao meio ambiente, ou de comunidades específicas, como o direito à cultura.

Já na antiguidade, o Código de Hammurabi (1690 a.C.) pode ser apontado como um dos primeiros diplomas legais a prever direitos comuns a todos os cidadãos

4, como o direito a vida e a

propriedade, assim como a supremacia da lei em relação aos governantes.

Na “Grécia filosófica” desenvolvia-se o pensamento de um direito válido, incessante, para todos os seres humanos. O professor José Luiz Quadros de Magalhães (2000, p.10), em brilhante opúsculo intitulado “Direitos Humanos, sua história, sua garantia e a questão da indivisibilidade”, versa sobre o tema: Será, portanto,

4 Definir de maneira exata o surgimento das garantias fundamentais pode ser uma

armadilha, tendo em vista a falta de documentos históricos idôneos a comprovar

indubitavelmente tal questão.

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também no pensamento Grego, que encontraremos a idéia da existência de um Direito, baseado no mais íntimo da natureza humana, como ser individual ou coletivo.

Em Roma, desenvolveu-se um mecanismo que visava tutelar direitos individuais em relação aos arbítrios estatais, os chamados interditos. A Lei das doze Tábuas é importante referência quando se busca as origens dos direitos consagradores da liberdade, da propriedade e da proteção dos cidadãos.

Durante a idade média podem ser encontrados diversos documentos jurídicos que reconheciam a existência de direitos humanos, limitando o poder estatal, mesmo tendo em vista a rígida separação de classes proveniente do regime feudal.

Contudo, é a Inglaterra o marco mais importante quando se fala em antecedentes históricos dos direitos fundamentais. Já no século XIII (em 15/06/1215), outorgada por João Sem-terra, surge a Magna Charta Libertatum

5, a qual estabelecia, dentre outras

garantias, a liberdade da Igreja da Inglaterra, restrições tributárias, proporcionalidade entre a gravidade do delito e a sanção, a previsão do devido processo legal, o livre acesso a justiça etc.

Alguns séculos depois aparecem a Petition of Right (1628), a qual previa, entre outras coisas, que nenhum homem livre ficasse sob prisão ou detido ilegalmente; o Habeas Corpus Act (1679), onde se regulamentou tal instituto, anteriormente reconhecido apenas pela common law; dez anos mais tarde a Bill of Rights (1689), trazendo em seu bojo enorme restrição ao poder estatal, impedindo que o rei pudesse suspender leis sem o consentimento do parlamento, a convocação permanente do parlamento, a criação do direito de petição e a vedação de penas cruéis.

Posteriormente, o Act of Seattlemente (12.06.1701) previu a possibilidade do impeachment, configurando-se como um ato reafirmador da legalidade e responsabilização política dos governantes.

Logo após, com idêntica importância, encontram-se nos Estados Unidos da América contribuições imprescindíveis ao desenvolvimento dos direitos em questão. Podem ser citados como

5 Tratava-se, na verdade, de imposição imposta pelos Barões proprietários de terras

ao Rei João, o que acabou por gerar uma ampla garantia dos direitos de todo o povo.

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de preponderante valor a Declaração de Direitos da Virginía, onde foram expressamente previstos diversos direitos humanos fundamentais, tais como o princípio da igualdade e o princípio do juiz natural e imparcial; a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, possuindo como seu principal articulador Thomas Jefferson, e a Constituição dos Estados Unidos da América e suas dez primeiras emendas (que continham o chamado “Bill of Rights”), as quais tiveram como aspecto primordial a limitação do poder estatal, estabelecendo vários direitos fundamentais.

Considera-se que se deu em França a consagração “juríco-positiva” dos direitos de índole fundamental, com a Declaração dos Direitos Fundamentais do Homem e do Cidadão (26.08.1789) e com as Constituições de 1791 e 1793, cujo preâmbulo assim exaltava:

O povo francês, convencido de que o esquecimento e o desprezo dos direitos naturais do homem são as causas das desgraças do mundo, resolveu expor, numa declaração solene, esses direitos sagrados e inalienáveis, a fim de que todos os cidadãos, podendo comparar sem cessar os atos do governo com a finalidade de toda a instituição social, nunca se deixem oprimir ou aviltar pela tirania; a fim de que o povo tenha sempre perante os olhos as bases da sua liberdade e da sua felicidade, o magistrado a regra dos seus deveres, o legislador o objeto da sua missão. Por conseqüência, proclama, na presença do Ser Supremo, a seguinte declaração dos direitos do homem e do cidadão.

No século XIX a efetivação dos direitos fundamentais continuou durante o constitucionalismo liberal, fazendo nascer diplomas como a Constituição Espanhola (19.03.1812)

6, a

Constituição Portuguesa (23.09.1822), a Constituição Belga (01.02.1831) e, mais uma vez em França, a Declaração Francesa de

6 A Constituição Espanhola de 1812 é comumente conhecida como Constituição de

Cádis.

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1848, a qual esboçou uma ampliação dos direitos humanos fundamentais, posteriormente adotados definitivamente pelos “Constituições” modernas.

O século XX trouxe consigo um forte traço social, com diplomas comprometidos com preocupações sociais. A Constituição mexicana (1917), por exemplo, passou a garantir direitos como trabalhistas (art. 5º) e relativos à efetivação da educação (art. 3º, VI e VII). A Constituição de Weimar previu Direitos e Deveres fundamentais dos Alemães, como a inviolabilidade das correspondências (art. 117), a liberdade de pensamento (art. 118), igualdade entre os sexos (art. 119), direitos direcionados especificamente a juventude (arts. 120 a 122), liberdade de culto (art. 135), sistema de seguridade social (art. 160) etc.

A Declaração Soviética dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de 1918 e, posteriormente, a Lei Fundamental Soviética do mesmo ano, não obstante em determinadas normas ter sido considerada retrógrada e ditatorial, proclamou o princípio da igualdade, independentemente de raça ou nacionalidade, aboliu o direito de propriedade privada, sendo as terras divididas entre os trabalhadores de forma igualitária em usufruto, passando a ser de propriedade estatal.

Até mesmo na Itália fascista houve grande avanço em relação aos direitos sociais dos trabalhadores, quando da proclamação da Carta do Trabalho de 1927.

No nosso país, a Constituição Política do Império do Brasil de 1824 previa, em título específico, extenso rol de direitos fundamentais do homem. Tal característica repetiu-se em todas as constituições brasileiras, as quais sempre trouxeram em seu bojo extensa enumeração desses direitos.

O professor Raul Machado Horta (1983, p. 147-148) assim dispõe acerca da evolução dos direitos essenciais humanos:

A recepção dos diretos individuais no ordenamento jurídico pressupõe o percurso de longa trajetória, que mergulha suas raízes no pensamento e na arquitetura política do mundo helênico, trajetória que prosseguiu vacilante na Roma imperial e republicana, para retomar seu

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vigor nas idéias que alimentaram o cristianismo emergente, os teólogos medievais, o Protestantismo, o Renascimento e, afinal, corporificar-se na brilhante floração das idéias políticas e filosóficas das correntes do pensamento dos séculos XVII e XVIII. Nesse conjunto, temos fontes espirituais e ideológicas da concepção, que afirma a precedência dos direitos individuais inatos, naturais, imprescritíveis e inalienáveis do homem.

Assim, é que sob as influências condicionadas pelos diversos períodos históricos através dos quais se desenvolveram, os direitos fundamentais chegaram a atualidade como preceitos imprescindíveis a um Estado Democrático de Direito, dotados de características peculiares, conforme passa-se a expor no tópico seguinte.

1.3 Natureza e características

Acerca do tópico presente, vale repisar os ensinamentos do professor José Afonso da Silva, um dos mais conceituados constitucionalistas do nosso tempo.

Segundo esse renomado doutrinador (2000, p.183), “a expressão direitos fundamentais do homem são situações jurídicas, objetivas ou subjetivas, definidas no direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana.”

Ainda segundo referido mestre, desde que tais garantias assumiram caráter concreto de normas positivas na Carta Magna, passou sua natureza a ser constitucional, o que já constava de maneira expressa nas Declarações dos Direitos do Homem e do Cidadão, mais especificamente em seu art. 16, o qual previa que a adoção das garantias de cunho fundamental seriam elementos essenciais ao próprio conceito de constituição.

Ressalta, o mesmo, que direitos fundamentais não são normas de valor supra-constitucional, ou supra-estatal, como defendem Duguit e Pontes de Miranda, embora possuam, cada vez

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mais, dimensão internacional, sendo, portanto, de natureza constitucional, na medida em que se inserem no texto da Suprema Carta do ordenamento ou constam de declarações solenes, estabelecidos pelo poder constituinte. São, portanto, direitos nascidos e fundamentados na vontade soberana popular.

Quanto às características, traz à baila quatro elementos tipicamente inerentes aqueles direitos, afirmando serem históricos, inalienáveis, imprescritíveis e irrenunciáveis.

São históricos, pois desenvolveram-se ao longo do tempo. Trazem em seu conteúdo idéias construídas durante séculos, as quais continuam em constante mudança, tendo como objetivo a busca da perfeição, ressaltados sempre pelos traços marcantes do pensamento social de determinada época;

Inalienáveis na medida em que são intransferíveis, inegociáveis, não sendo, portanto de natureza econômico-patrimonial;

A imprescritibilidade refere-se ao fato de não se verificarem requisitos que importem na sua prescrição;

Fala-se em irrenunciabilidade em razão de que podem até não ser exercidos, mas jamais admite-se sejam renunciados. Mesmo que um direito fundamental nunca seja exercitado, não se pode inferir que houve renúncia.

Imprescindível, neste ponto, tecer algumas considerações acerca dessa última característica dos direitos em comento.

Quando se fala em renúncia, tem-se em mente, num primeiro momento, a abdicação a um direito de forma definitiva e irreversível. Em certos casos, entretanto é possível observar que a irrenunciabilidade dos direitos fundamentais, e também sua imprescritibilidade e inalienabilidade, são colocadas em xeque. O professor Virgílio Afonso da Silva (2005; p. 62/63) aponta os seguintes exemplos:

1. Aquele que, após a prolação da uma sentença de primeiro grau em um processo, aceita não recorrer à instância superior diante de uma proposta em dinheiro da parte contrária, negocia seu direito fundamental ao duplo grau de jurisdição.

2. Aquele que, diante das câmeras de TV, exibe sua cédula na cabina de votação, renuncia ao sigilo do voto.

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3. Quando um homem entra para um seminário na igreja católica, com o intuito de se tornar padre, ou uma mulher, com o intuito de se tornar freira, renunciam eles a seu direito de constituir família.

4. Aquele que é aprovado em concurso público e aceita o cargo de juiz, renuncia a seu direito fundamental do art. 5º, XIII, referente ao livre exercício de qualquer trabalho, pois somente poderá exercer uma atividade de magistério.

5. Todo aquele que celebra um contrato, renuncia a uma parcela de sua liberdade.

Tais exemplos serviriam para demonstrar a falta de força explicativa da classificação acima mencionada, especialmente quando se entende ser ela absoluta, não comportando nenhuma exceção.

Alguns autores fazem uma distinção entre a renúncia a um direito e a renúncia ao seu exercício. Em um dos exemplos dados acima, teria ocorrido renúncia apenas ao exercício do direito de sigilo ao voto. Isso não quer dizer que, em uma próxima eleição, não possa o mesmo indivíduo ter garantido, e exercitável, esse direito.

Destarte, quando se faz menção a renúncia a direitos fundamentais ou qualquer tipo de transação que os envolva, não se deve sustentar a idéia de que seja possível, por declaração de vontade, abdicar ao direito de forma geral, ou seja, a qualquer possibilidade de exercê-lo futuramente. O que pode existir é a possibilidade de renunciar, em uma dada relação, ao exercício daquele direito naquela situação, ou negociá-lo naquele caso específico. Os efeitos, desse modo, são válidos para aquela circunstância determinada.

1.4 Classificação dos Direitos Fundamentais

Com base na Constituição Federal de 1988 podemos classificar os fundamentais em seis grupos:

1. Direitos individuais, sendo aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo iniciativa e independência aos cidadãos, diante dos demais indivíduos da sociedade e do Estado, previstos no artigo 5º daquele diploma.

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2. Direitos coletivos, ou seja, direitos fundamentais do homem-membro de uma coletividade, apostos no mesmo art. 5º, os quais são pertencentes a um grupo de pessoas, e não ao cidadão considerado individualmente.

3. Direitos sociais, os quais se consubstanciam nas garantias asseguradas ao homem em suas relações sociais e culturais, encontrados nos artigos 6º, 193 e subseqüentes da CF.

4. Direitos à nacionalidade, os que possuem como substrato a nacionalidade, em seu exercício e faculdades, encontrados no artigo. 12 da CF/88.

5. Direitos políticos, chamados também de direitos democráticos ou de participação política, previstos expressamente nos arts. 14 a 17 da Carta Maior.

6. Direitos Econômicos, fundados nas relações econômicas, estabelecidos nos arts. 170 a 192 da Constituição, quando trata da ordem econômica e financeira.

Importante realçar que a classificação aqui relacionada não esgota o tema, apresentando, apenas, uma organização geral, tendo em vista a existências de diversas outras classificações, comportando subclasses, as quais não são de maior relevância ao estudo atual.

1.5 A distinção entre princípios e regras

A distinção entre princípios e regras faz-se de especial importância no presente estudo, tendo em vista que tal diferenciação transmuta-se indispensável à análise dos efeitos dos direitos fundamentais.

Comumente, as teorias que versam sobre a distinção dos institutos em apreço dividem-se em três correntes de pensamento. Basicamente, há aqueles que defendem uma total distinção, onde princípios e regras possuiriam estruturas lógicas diversas, tendo, desse modo, forma de aplicação distinta; Outros que propõem uma distinção tênue, onde a diferença existente entre ambos não seria tão evidente, havendo, assim, apenas uma diferenciação de grau; E por fim, existem os defensores da impossibilidade de se distinguir

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princípios de regras, os quais afirmam ser o grau de semelhança tão forte que seria impossível diferençá-los de maneira definitiva.

Imprescindível, no presente trabalho, entender o conceito de “mandamento de otimização”, formulado por Robert Alexy (1997). Os mandamentos de otimização exigem que algo seja exercitado na maior medida possível. Segundo insigne estudioso tanto as regras como os princípios são normas, motivo pelo qual ambos trazem em seu bojo mandamentos deônticos de permissão ou proibição. A diferença reside no fato de que os princípios podem variar em seu grau de aplicação, devendo, entretanto, “serem realizados na maior medida do possível”, ao passo que as regras ou são realizadas por completo ou não se aplicam. Princípios são, portanto, mandamentos de otimização.

O grau de cumprimento dos princípios, desta forma, pode se dar de forma distinta, onde a medida imposta de execução varia conforme as condições fáticas e jurídicas específicas de cada caso.

Onde se pode observar com maior nitidez a diferenciação entre regras e princípios é ao redor das possibilidades do conflito entre regras e da colisão entre princípios.

No primeiro caso, tem-se a situação em que duas regras entram em conflito. Isso pode ser resolvido de duas formas.

A primeira solução se desenvolve através de uma cláusula de exceção, ou seja, aquele que disponha sobre casos excepcionais em que a regra deixará de ser aplicada, em benefício do cumprimento doutra. Nesse caso, uma regra aplica-se em detrimento da outra.

Exemplo é o caso em que funcionários de uma empresa são proibidos por regra interna de se ausentarem do local de trabalho durante o expediente. Outra regra do mesmo estabelecimento, entretanto, impõe que os mesmos saiam rapidamente do local caso seja acionado o alarme de incêndio. Há aí um conflito parcial, pois o disposto nos mandamentos é incompatível. A segunda regra – sair rapidamente da sala – não é compatível com a proibição aposta na primeira norma. Nesse caso, a segunda regra será aplicada em detrimento da primeira, quando da ocorrência da situação hipotética nela presente, tendo em vista que só ocorrerá em situação específica.

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Contudo, nem sempre isso é possível. Pode ocorre que regras prevejam conseqüências jurídicas inconciliáveis para a mesma situação fática. Nesse caso, a única saída se dá através da verificação de invalidade de uma delas. Isso ocorre pelo seguinte motivo: no conflito entre regras a questão refere-se exclusivamente a um problema de validade, em que não há possibilidade de graduação, assim, ou uma regra é válida, ou não. Em resumo, duas regras que prevêem conseqüências jurídicas distintas para o mesmo fato não podem subsistir no mesmo sistema jurídico, sendo uma delas inválida.

O professor Virgílio Afonso da Silva (2005, p.33) aponta duas máximas utilizadas na solução de antinomias: “lex posterior derogat legi priori e lex superior derogat legi inferior.”

Exemplo disso é o caso de uma regra que proíbe e outra que permite o fumo em ambiente fechado. Não há, aí, possibilidade de aplicar-se cláusula de exceção, tendo em vista que as circunstâncias excluem-se totalmente entre si. De forma inevitável, terá que ser declarada a invalidade de uma das normas.

Com relação aos princípios, no caso de conflito entre esses, a solução não requer a declaração de invalidade de nenhum deles, tampouco há possibilidade de aplicação por exceção de um princípio em relação a outro.

Como mandamentos de otimização, conforme já citado acima, exige-se que se realizem na maior medida do possível, levando-se sempre em consideração as realidades fáticas e jurídicas do caso concreto.

Dessarte, no caso em que colidam dois ou mais princípios existe a possibilidade de que estes tenham sua capacidade de incidência limitada na situação real. Pode, assim, haver realização de forma parcial ou total.

Assim, se algo é vedado por um princípio, mas permitido por outro, um deles deve recuar, o que não significa que deva ser declarado nulo o princípio do qual se abdica, nem que seja utilizada uma cláusula de exceção. Em certas circunstâncias, pode um princípio ceder em favor da aplicação de outro que, em situações outras a questão prevaleceria de forma contrária.

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Pode se dizer, a grosso modo, que os princípios tem um peso diferente em relação a cada caso concreto, predominando o de maior peso. Não existe, desta forma, princípios absolutos, ou seja, aqueles que prevalecem sobre todos os outros em caso de colisão.

Necessário se faz a ocorrência de um sopesamento entre os princípios colidentes, para que se defina qual deles prevalecerá, e em que intensidade, dentro das condições de fato e de direito peculiares da situação a ser resolvida.

Princípio, portanto, deve ser entendido como mandamento nuclear ou disposição fundamental, o qual em sua aplicação obedece ao conceito de mandamento de otimização.

1.6 Terminologia

O problema referente à incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas recebeu diversas definição na doutrina como “eficácia externa”, “eficácia horizontal”, “eficácia entre terceiros”, “eficácia frente aos particulares” etc.

Na Alemanha, por exemplo, consagrou-se o uso da expressão “eficácia entre terceiros dos direitos fundamentais”. No contexto anglo-saxão, tornou-se comum a expressão “privatização dos direitos humanos”. Já no panorama Germânico, consolidou-se a utilização da definição “eficácia horizontal dos direitos fundamentais”, a qual inspirou o título desde trabalho.

Quando se fala em eficácia horizontal, quer-se exprimir o fato de que os direitos fundamentais não se aplicam apenas às relações verticais de poder, entendidas estas como as que se compõem na existência de um conflito de interesses formado entre o Estado em face do cidadão.

7 Desse modo, incide também sobre

relações formadas somente por particulares, os quais se encontram hipoteticamente em igualdade.

7 Nas relações do tipo Estado-Cidadão, subtende-se que o Estado, em virtude da

concentração de poder que possui, encontra-se sempre em situação de vantagem em

face do indivíduo. Daí a necessidade de tutela através da aplicação dos direitos

fundamentais, na tentativa de equilibrar a relação.

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Sem embargo, na invocação dos direitos fundamentais na esfera privada, a igualdade, ou horizontalidade, é fictícia, pois, na imensa maioria dos casos, sempre haverá uma assimetria entre as partes, onde uma mais forte encontra-se em oposição à outra manifestadamente inferior, seja em maior ou menor escala.

A ameaça gerada pelas grandes corporações em relação ao indivíduo-cidadão foi o primeiro passo para a superação do pensamento tradicional de que somente o Estado poderia ameaçar os direitos essenciais. Referidas corporações, ainda que privadas, encontram-se em uma situação de dominação, sobretudo em razão do poder econômico que detém, o que lhes confere um enorme poder de decisão em suas relações com os indivíduos, posicionando-se sempre em uma situação de supremacia em relação a esses, o que acaba por ameaçar os direitos fundamentais dos particulares.

Com efeito, as normas fundamentais foram concebidas como diretos cujos efeitos repercutem na relação entre o Estado e os particulares. Esse limitada visão provou-se errônea na medida em que percebeu-se que nem sempre é o Estado que representa a ameaça ao particular, mas outro dessa mesma espécie, sobretudo quando dotados de poder financeiro.

Hodiernamente, quando se fala em vinculação do particular aos direitos de cunho fundamental, estão incluindo-se todos os particulares em todas as relações entre si. Assim, sempre que houver desequilíbrio entre particulares, e sempre existirá, haverá ameaça, mesmo que em menor escala; e quanto maior o desequilíbrio maior deverá ser a incidência dos direitos fundamentais.

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Destarte, quando se fala em relação do tipo vertical, estamos nos referindo à relação formada pelo Estado, em um pólo, e o indivíduo particular, na outra face, onde apenas o segundo é titular de direitos fundamentais; e quando nos referirmos a relações do tipo horizontal diz-se aquela composta por dois particulares, em ambos os lados da demanda, sendo os dois acobertados pelos citados direitos.

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CAPÍTULO II

2 EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Uma das principais mudanças de paradigma que, no âmbito do direito constitucional, foi responsável pela constitucionalização do direito, refere-se a quebra do arcaico pensamento, ainda hoje arraigado em alguns ordenamentos, de que os direitos fundamentais possuem aplicação apenas nas relações do tipo “Estado-cidadão”.

Sabe-se hoje que não é somente o Estado que pode ameaçar as garantias essenciais do cidadão, mas também outros particulares.

2.1 A constitucionalização do direito

Embora hoje nos pareça óbvio, a idéia de Constituição como norma de caráter jurídico, dotada de coercibilidade e imperatividade, demorou algum tempo para ser concebida . No panorama liberal, a Constituição não interferia no campo das relações particulares, as quais eram disciplinadas pela legislação ordinária, especialmente no Código Civil, centro das projeções dos interesses sociais da classe burguesa dominante. Apenas com o surgimento do Estado Social a Carta Magna passou a prever, de maneira geral, a economia, o mercado, e direitos oponíveis a atores privados, como os trabalhistas, projetando-se, assim, na ordem civil.

Um dos principais obstáculos para o reconhecimento da Constituição como centro de valores de um ordenamento transmudava-se na concepção de que as normas apostas nos textos constitucionais, referentes à esfera jurídico-privada, eram meramente programáticas, desvestidas de eficácia imediata, necessitando sempre da atividade do legislador infra-constitucional para produzirem seus efeitos, isso por diversos motivos. Como ressalta Daniel Sarmento (2004, p. 72):

É verdade que a negativa de eficácia a certas partes da Constituição não resulta apenas de resistência

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ideológica. A esta se ajuntam razões jurídicas ponderáveis, como o grau de indeterminação semântica de algumas normas, assim como o fato de que a aplicação de outras depende da utilização de recursos escassos, bem como da formulação de políticas públicas, e não de um mero comportamento absenteísta do Estado.

Desta forma, a falta de efetividade das normas constitucionais contribuíam, e ainda contribuem, para gerar um enfraquecimento da credibilidade da Constituição, impedindo a formação de um sentimento patriótico-constitucional entre o povo, transformando o texto supremo em meras promessas sem nenhuma eficácia social. A Carta Maior passa a ser vista como um calhamaço de utopias de pouca, ou nenhuma, validade prática.

Quando se fala em constitucionalização do direito deve-se ter em vista a idéia de irradiação dos efeitos das normas constitucionais nos demais ramos do ordenamento, através de um processo lento, o qual pode se dá de diversas maneiras, sobretudo na reforma legislativa. Gunnar Folke Schuppert e Christian Bumke apontam esta como a mais efetiva e menos problemática forma de constitucionalização, realizando-se por meio de reformas gerais ou pontuais na legislação infraconstitucional, adaptando-a às prescrições apostas na Carta Maior. Desse modo, o principal papel do poder legislativo como constitucionalizador do direito se desenvolve na sua função de adequar a legislação ordinária aos preceitos constitucionais. Ainda segundo citados autores, dão impulso ao processo o judiciário, na atividade de aplicar as normas fundamentais, e a doutrina, responsável pela formação imprescindível do alicerce teórico para o desenvolvimento do tema.

A Constitucionalização, portanto, é um processo pelo qual as normas constitucionais penetram nos demais ramos do ordenamento, já que trazem em seu bojo o norte essencial ao desenvolvimento de um ordenamento jurídico unitário e coeso. Assim, obedecendo aos parâmetros traçados constitucionalmente as demais leis infraconstitucionais se embebedam nas proposições de justiça apostas pelo legislador constitucional, as quais nada mais são que a vontade do povo.

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Daniel Sarmento (2004), um dos pioneiros no que se refere ao estudo doutrinário da aplicação dos direitos fundamentais em relações privadas no Brasil, aponta para uma Dimensão Objetiva dos direitos fundamentais. A idéia prende-se ao reconhecimento de que nos direitos de natureza fundamental estão contidos os valores mais importantes da comunidade, os quais, através dos princípios constitucionais que consagram, penetram nos demais ramos ordenamento jurídico, modelando suas leis e institutos.

Conforme já se afirmou em capítulo anterior, os direitos fundamentais passam a exigir uma atuação do Estado em sua defesa. Ocorre que, num ponto de vista liberal, tais direitos eram visualizados exclusivamente nesta perspectiva, ou seja, cuidava-se apenas de identificar em que situações o indivíduo poderia exigir a atuação estatal em razão de um direito positivado na ordem jurídica.

A dimensão objetiva reconhece que referidos direitos consagram os valores mais importantes em uma sociedade política, além de imporem certas prestações aos poderes estatais, constituindo-se nas bases de um ordenamento jurídico da coletividade. Dessa feita, os direitos fundamentais passam a ser vistos do ponto de vista da comunidade, como valores ou fins que esta se propõe a perseguir. Assim, seus efeitos não podem se esgotar na limitação do poder estatal, de modo que se espalham por todos os campos do ordenamento, impulsionando e ordenando a atividade dos três poderes.

Sob esta ótica, não basta que o Estado se abstenha de violar os direitos em comento, sendo necessário que, através de uma formatação de seus órgãos e procedimentos, propiciem aos mesmos efetivação e proteção ativa, da forma mais ampla possível. Na mesma linha de raciocínio é que se afirma que deve existir uma expansão dos direitos fundamentais para o âmbito das relações privadas, permitindo que trespassem a linha divisória do domínio das relações entre o indivíduo e o Estado.

Destarte, as normas de cunho fundamental, no mínimo, produzirão efeitos hermenêuticos, condicionando a interpretação e integração do sistema jurídico, vinculando o legislador, servindo de base para a criação de leis em conformidade com os seus preceitos e, ainda, para a decretação da inconstitucionalidade daqueles já existentes em desconformidade com suas previsões.

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A doutrina contemporânea reconhece a existência de uma dupla dimensão dos direitos fundamentais, onde são, concomitantemente, bases fundamentais da ordem jurídica, as quais se expandem através do ordenamento como um todo, e, ainda, direitos subjetivos passiveis de serem reclamados em juízo, de modo que o reconhecimento de uma dimensão objetiva não representa uma desconsideração da existência de sua dimensão subjetiva, mas, ao inverso, seria um reforço a esta última.

Parte-se, mais uma vez, da idéia de irradiação dos efeitos dos direitos fundamentais. A eficácia irradiante concretiza preceito fundamental dentro do processo de constitucionalização das normas infra-constitucionais. Significa que os valores imiscuídos nas normas essenciais alastram-se por todo ordenamento, condicionando a interpretação das demais leis aos valores da dignidade da pessoa humana e da justiça social, impressas na teia constitucional, fixando diretrizes de atuação dos membros do legislativo, executivo e judiciário.

Com efeito, referida irradiação possui na interpretação em conformidade com a Carta Constitucional um dos seus mais importantes instrumentos, impondo ao operador do direito que, diante de várias interpretações possíveis de determinada disposição legal, opte pela exegese compatível com o preceito previsto na Constituição. Como bem dispõe Daniel Sarmento (2004, p.158), “Trata-se do fenômeno de filtragem constitucional, que exige do aplicador do direito uma nova postura, voltada para a promoção dos valores constitucionais em todos os quadrantes do direito positivo”.

Sem embargo, baseando-se na premissa de que as normas de cunho fundamental configuram o centro valorativo de um ordenamento jurídico, a eficácia irradiante propõe uma nova leitura de toda a ordem positiva. Conseqüentemente, os direitos fundamentais abandonam a concepção de meros limites para o ordenamento e passam a representar o norte do direito positivo, tornando-se o epicentro no qual este se apóia.

Na prática, a eficácia irradiante consubstancia-se, sobretudo, em relação à interpretação das normas gerais do direito privado e nos seus conceitos indeterminados, tais como a definição de boa-fé, interesse público, bons costumes, dentre outros, através

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da qual geram uma verdadeira constitucionalização do direito, edificada à luz dos direitos fundamentais.

É por isso que se diz tratar-se a Constitucionalização de um movimento necessário para pautar as relações privadas em parâmetros mais justos, onde se concebe a Constituição como o topo hermenêutico direcionador da interpretação do restante do ordenamento, para com isso, conformar o direito infraconstitucional nos valores da Lei Maior.

2.2 Negação dos efeitos – “state action”

Nos Estados Unidos a tese da não vinculação dos particulares aos direitos fundamentais é ponto quase universalmente aceito por parte dos doutrinadores daquele país. A idéia de que essas normas, previstas na Bill of Rights, impõem limitações apenas ao Estado, é quase pacífica. Os defensores da tese invocam, como argumento teórico, dentro outros, o pacto federativo

8 e, sobretudo, a autonomia privada.

Entretanto, mesmo que a doutrina americana encare os Direitos Fundamentais como oponíveis somente aos Entes Públicos, não é difícil encontrar decisões em sentido contrário. Não é incomum localizar, na prática jurisprudencial daquela nação, em especial da Suprema Corte, o reconhecimento da aplicação dos direitos fundamentais à relações inter-privados, baseando-se no instituto conhecido por State Action (Ação Estatal). Aconselhável, portanto, distinguir aquilo que é, em parte, defendida pela doutrina norte-americana e o que, deveras, condiz com a realidade da jurisprudência da Corte Maior.

Com efeito, a doutrina da Ação Estatal visa definir quando um ato privado que fira direitos fundamentais possa ser objeto de Ação Judicial, determinando, assim, quais as situações em que a conduta particular vincula-se às disposições fundamentais. Ao invés de reconhecer referida vinculação, a doutrina americana mantém a

8 Nos Estados Unidos compete aos Estados legislar sobre Direito Privado, em

detrimento da competência da União, exceto quando se tratar de matéria envolvendo

comércio interestadual ou internacional. Visa-se, assim, garantir a autonomia dos

Estados, garantindo plena competência para regular o comportamento privado.

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posição de que são os direitos fundamentais aplicáveis somente nas relações em que o Estado é partícipe, só podendo haver violação dos mesmos através de uma Ação Estatal.

Contudo, a Suprema Corte norte-americana, em grande parte dos casos de incidência horizontal, vem encontrando alguma maneira de igualar o ato privado em questão na lide um ato estatal, podendo então, através dessa manobra jurídica, coibir a violação aos direitos essenciais. O caso shelley v. Kramer, citado anteriormente em nota introdutória deste estudo, ilustra bem o que se quer expor. Na ocasião, os proprietários de imóveis de um determinado loteamento haviam se comprometido contratualmente a não vender os imóveis a indivíduos de cor negra. Um deles, desrespeitando a cláusula, aliena seu imóvel a um comprador de raça negra, vindo os demais a ajuizarem ação em face dele, a qual foi julgada procedente na jurisdição de primeiro grau. A Suprema corte, ao contrário, decidiu pela nulidade do artigo e pela validade da venda.

Tal anulação, contudo, não se baseou na violação da igualdade de direitos (emenda constitucional XIV), mas sim tratou-se de uma Ação Estatal, sendo essa a própria decisão da jurisdição inferior a favor da discriminação. Parte do pressuposto de que a discriminação infra-constitucional surge com a tutela no juízo inferior que, ao julgar daquele modo, estaria utilizando seu poder coercitivo em favor de uma discriminação contrária à Constituição. Por este artifício, reconheceu-se a presença da State Action no caso, protegendo, de maneira indireta, a incidência dos direitos fundamentais.

Outro exemplo ocorreu no julgamento do caso Marsh v. Alabama, citado por Virgílio (2005), onde se discutia se uma empresa privada, a qual era possuidora de terrenos nos quais se localizavam ruas, residências, estabelecimentos comerciais etc., poderia proibir Testemunhas de Jeová de pregarem no interior de sua propriedade. A Suprema Corte declarou inválida a referida proibição, tendo por fundamento que ao manter uma “cidade privada”, a empresa equiparava-se ao Estado e sujeitava-se a liberdade de culto, assegurada pela 1ª Emenda Constitucional norte-americana.

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Diante dessas, e tantas outras decisões, a jurisprudência norte-americana tem apontado para o reconhecimento de que a State Action só promove realmente a liberdade quando considera que a violação à Constituição é sempre mais grave do que os direitos individuais que são infringidos.

2.2.1 Autonomia Privada

No Brasil, um dos principais óbices ao reconhecimento da aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas refere-se à autonomia conferida constitucionalmente ao particular no tocante a realização de seus atos. A corrente tende a desmistificar uma posição hierárquica do direito privado inferior em relação à Constituição, e, conseqüentemente, as normas essenciais.

Em sentido amplo, autonomia privada é entendida como a capacidade do indivíduo determinar seu próprio comportamento. Difere da Autonomia Pública no sentido de que, nesta, os poderes públicos estão condicionados ao princípio da legalidade de forma que somente podem fazer o que a lei determina ou autoriza, enquanto naquela podem os cidadãos exercer todos os atos que não estejam expressamente proibidos por lei.

Dessa maneira, a idéia central é que não cabe ao Estado, ou qualquer instituição, estabelecer os valores e crenças que cada pessoa deve seguir, o modo como orienta sua vida, os caminhos que deve percorrer. Reconhece-se, assim, a cada pessoa, o poder de auto-regulamentação sobre sua própria vida, desde que não importe lesão a direitos de terceiros.

Representa, deste modo, um dos componentes essenciais da liberdade, pressuposto da democracia, estando indissociavelmente ligada à proteção da dignidade da pessoa humana.

Referida autonomia, contudo, não pode se dar de maneira absoluta. Em primeiro lugar, limita-se pelo direito do outro, pois parte do pressuposto de que todos possuem uma cota idêntica de liberdade. Destarte, os direitos dos cidadãos devem ser conciliados de modo que sobrevivam concomitantemente, sob pena de desaparecimento da próprio Estado de Direito, o que acarretaria em

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vivermos num Estado em que prevaleceria sempre a vontade do mais poderoso. É por isso que se diz que todo direito de liberdade encontra seus limites no direito de liberdade dos demais, em benefício da subsistência de uma comunidade erigida sobre um ideal de justiça.

Inevitável, portanto, que o Estado intervenha em certos casos, seja para proteger a liberdade de outrem, seja para garantir o interesse social. Tal interferência, no entanto, encontra raiz na própria autonomia privada, já que possui como substrato jurídico as próprias leis

9, as quais nada mais são que a própria vontade do

povo, editada através de seus representantes.

Por outro lado, existem dimensões da autonomia privada tão importantes que se torna necessário protegê-las até mesmo do legislador, representante da vontade das maiorias, como, por exemplo, as liberdades de religião, de expressão, de associação etc. Contudo, mesmo sendo de fundamental importância ao ser humano, essas liberdades não se revestem de caráter absoluto. É possível que em sua aplicação seja ferido outro direito fundamental, quando então deve haver uma ponderação de interesses, seguindo o modelo de mandamento de otimização já explicitado em tópico anterior.

Para que a autonomia privada não se converta em mera liberdade incondicional, em abusividade, necessário se faz atentar sempre para a existência de condições de que assegurem o seu efetivo exercício, principalmente quando se trata de questões envolvendo partes em disparidade material de poder. É o caso da proteção dada ao consumidor, onde se reconhece sua hipossuficiência perante contratos pactuados abusivamente; ou do trabalhador que, na celebração de seu contrato de trabalho, abriu mão de direitos inafastáveis, na ânsia por um emprego que possibilite a mantença de sua família. Assim, quando há ingerência, através da atividade estatal de criar e aplicar as normas, nestas relações de desigualdade, ditando regras de ordem pública em favor da parte mais fraca, não se está a afastar a autonomia privada dos indivíduos.

9 Como dito acima, ao Estado só é permitido fazer o que a lei determina ou permite.

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Em verdade, o instituto jurídico em questão, pressupõe uma situação de igualdade, ou desigualdade mínima, entre os participantes da relação, onde a falta de tal pressuposto representa que a autonomia privada de um, conduz a falta de liberdade do outro. Não havendo equilíbrio de poderes, deve então ser, o mesmo, buscado por outra via, qual seja, a ingerência do Estado que conceba equidade ao relacionamento.

O reconhecimento da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais não representa que tais garantias sejam aplicadas nestas relações da mesma forma que são naquelas entre o Estado e o cidadão. Levando em conta que a autonomia privada seja um princípio, ainda que formal, deve ela também ser realizada na maior medida do possível, levando-se em conta as condições fáticas e jurídicas de cada caso concreto. Por isso, tem-se entendido que a limitação da incidência dos direitos fundamentais nas relações inter-privados encontra solução na ponderação desses com a autonomia privada, a qual deve se realizar, primordialmente, através da atividade legislativa, e, na falta de norma específica, pelos juízes na pacificação dos litígios. Nas palavras de Daniel Sarmento(2004, p.303):

...quanto maior for a desigualdade, mais intensa será a proteção ao direito fundamental em jogo, e menor a tutela da autonomia privada. Ao inverso, numa situação de tendencial igualdade entre as partes, a autonomia privada vai receber uma proteção mais intensa, abrindo espaço para restrições mais profundas ao direito fundamental com ela em conflito.

Conforme já explicitado anteriormente, a concepção liberal restringia o alcance dos direitos fundamentais às relações verticais (Estado x cidadão), em face de ali se vislumbrar uma disparidade de poder entre as partes que sujeitava o individuo às vontades das autoridades públicas. Entendia-se que nas relações do tipo privada existia igualdade (ainda que formal), encontrando-se todas as pessoas numa situação de paridade, motivo pelo qual seria desnecessário estender a este ramo os direitos fundamentais. O

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reconhecimento de uma desigualdade material, real, ampliou o âmbito de proteção concedida pelas normas de cunho essenciais à esfera privada, por que se parte da premissa de que a assimetria entre as partes é prejudicial ao exercício da autonomia privada, pois quando o ordenamento deixa livres o forte e fraco somente o primeiro goza efetivamente de liberdade.

No Brasil, diante da enorme desigualdade social aqui existente, a questão se torna ainda mais clara. A enorme vunerabilidade da grande maioria da população necessita de uma proteção reforçada dos seus direitos fundamentais quando participantes das relações travadas com outros particulares mais poderosos, como empregadores ou fornecedores.

Por fim, cumpre salientar que, no nosso ordenamento constitucional, a tutela da autonomia privada é muito mais intensa quando conferida a questões de caráter existencial da pessoa humana do que quando se refere a demandas de cunho econômico-patrimonial. Exemplo disso é o caso citado pelo professor Daniel Samento (2004, p. 309), onde num contrato de locação as partes ajustam “cláusula estipulando a possibilidade de rescisão do pacto com a retomada do imóvel, caso o locatário passasse a receber em sua casa pessoas negras”. Nesse caso, a autonomia contratual não deve assumir peso relevante, em face de uma colisão com o direito fundamental do inquilino de se tornar amigo de pessoa de qualquer cor.

Destarte, o peso da autonomia privada varia de acordo com as especificações fáticas e jurídicas de cada caso, aí incluídas, também, a natureza da questão examinada. Quando tratar-se de natureza econômico-processual, a autonomia privada terá menor importância, sobretudo quando confronta-se com um bem inerente à vida humana.

Com efeito, se admitirmos os direitos fundamentais como premissas que protegem os bens jurídicos mais relevantes da pessoa humana, não existe razão para recusar-se uma proteção constitucional integral a estes bens. Assim, mesmo em relações privadas paritárias e equilibradas, a livre atividade volitiva da pessoa não legitima lesões aos seus direitos fundamentais e sua dignidade humana, os quais são irrenunciáveis.

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2.3 Eficácia mediata

Em um contexto de Estado Social, onde os poderes privados representam enorme ameaça para a liberdade dos cidadãos, se torna imprescindível vinculá-los aos direitos fundamentais e à Constituição. Admitida tal incidência, surge o questionamento referente à maneira que se dará tal aplicação.

O aspecto fundamental para o entendimento da tese da aplicação mediata dos direitos fundamentais consubstancia-se no reconhecimento de uma liberdade que impede que as normas essenciais tenham reflexos diretos nas relações privadas, o que resultaria em um domínio do ramo constitucional sobre o civil. Com isso, quer-se dizer que, nas relações particulares, esses direitos devem ser relativizados em favor da autonomia privada, podendo os indivíduos decidirem livremente entre si.

Contudo, segundo a idéia, a liberdade dos cidadãos e a autonomia do direito privado não seriam absolutas. Para que houvesse uma conciliação das normas fundamentais com o ordenamento privado deveria haver uma influência das primeiras no último, a qual se daria através do próprio material normativo civil. Essa harmonização, por meio da produção indireta dos efeitos, pressupõe a existência da Constituição como um sistema de valores, centrada especialmente no princípio da dignidade da pessoa humana, os quais se irradiam no âmbito das relações particulares por intermédio de suas cláusulas gerais, comumente denominadas de portas de entrada.

10

Sem embargo, admitem, os defensores da corrente, a necessidade de existência de pontes que liguem o Direito Privado à Constituição, para submeter o primeiro aos valores constitucionais, o que se concretiza pelas portas de entrada referidas alhures. Cabe, assim, antes de tudo ao legislador privado a tarefa de mediar a aplicação dos direitos fundamentais sobre os particulares, estabelecendo uma ponte que torne os valores constitucionais compatíveis com às relações privadas. Ao judiciário, portanto,

10 Esse sistema de valores não pode ser confundido com a idéia de mera declaração

de princípios, os quais pressupõem uma simples declaração de intenções do poder

constituinte em relação à atividade legislativa, sem qualquer valor vinculante.

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restaria a função de preencher as cláusulas indeterminadas criadas pelo legislador e, apenas em casos excepcionais, quando houvessem lacunas no ordenamento privado e inexistisse cláusula geral ou de conceito indeterminado, é que se permitiria ao juiz a aplicação direta das normas essenciais nas lides entre privados.

Trata-se, deste modo, de uma construção intermediária entre as idéias de negação total da vinculação das garantias fundamentais e de incidência direta dos mesmos. Para a teoria da eficácia de efeitos indiretos essas normas não ingressam no âmbito privado como direitos subjetivos, mas apenas através de uma ordem de valores, que penetram por meio das portas de entradas (cláusulas gerais e conceitos indeterminados) abertas pelo próprio legislador civil.

O principal elo, portando, seriam as chamadas cláusulas gerais, ou seja, conceitos abertos, cujo conteúdo deverá ser definido por uma valoração do aplicador do direito, se baseando sempre no sistema de valores consagrados pela Carta Maior. Exemplo disso é o artigo 187 do Código Civil, quando dispõe que “ comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico e social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Assim, através dessas cláusulas, os direitos fundamentais se infiltram no ordenamento privado e produzem seus efeitos, mantendo a independência do sistema civil, ficando este protegido em face de uma possível dominação por parte dos dispositivos constitucionais.

Entretanto, uma forte crítica ao modelo baseia-se exatamente na possibilidade de ineficácia da proteção dos direitos fundamentais nessas relações se seus efeitos puderem a elas chegar somente por meio das cláusulas gerais. O provável é que estas se mostrem insuficientes, e, diante de um grande número de situações em que seja desejável a aplicação das normas essenciais, não exista nenhuma abertura para dar vazão a essa vinculação.

À guise de conclusão nota-se: os defensores da teoria em debate sustentam que os direitos fundamentais são protegidos no campo privado, contudo, não através dos instrumentos do Direito Constitucional, e sim através de mecanismos do próprio Direito Civil. A eficácia vincularia apenas de forma indireta, através da atuação

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do legislador privado, conforme destaca Vieira Andrade (1987, p. 276-277):

...quando muito, os preceitos constitucionais serviriam como princípios de interpretação das cláusulas gerais e conceitos indeterminados suscetíveis de concretização, clarificando-os (Wertverdeutlichung), acentuando ou desacentuando determinados elementos do seu conteúdo (Wertakzentuierung, Wertverschärfung), ou, em casos extremos, colmatando as lacunas (Wetschutzlückenschliessung), mas sempre dentro do espírito do Direito Privado.

Com efeito, o principal argumento utilizado pelos defensores da corrente para negar uma aplicação direta concretiza-se na idéia de que uma vinculação imediata acabaria por exterminar a autonomia da vontade, desfigurando o direito privado, convertendo-o em mera concretização Constitucional. Ademais, outorgar-se-ia um poder desmesurado ao Judiciário, tendo em vista o grau de indeterminação que caracteriza as normas constitucionais fundamentais, o que acabaria por comprometer sobremaneira a liberdade individual, que ficaria a mercê da discrição dos juízes. Assim é que sustentam a tese de que a Constituição não investe os particulares em direitos subjetivos fundamentais, mas que ela apenas contém normas objetivas, cuja os efeitos dependem de sua irradiação, impregnando as leis civis por esses valores.

2.4 Eficácia imediata

Quando se fala em aplicabilidade direta, ou imediata, dos direitos fundamentais nas relações entre particulares quer-se expressar que, da mesma maneira como são aplicáveis nas relações do tipo Estado-cidadão, o são também naquelas envolvendo somente particulares, sem que seja necessária nenhuma ação intermediária. O professor Virgílio Afonso da Silva

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(2005, p.86) cita o seguinte exemplo para melhor explanar o conceito:

Quando se fala em liberdade de reunião (CF, art. 5º, XVI) como mera liberdade pública, entende com isso que o Estado não deve restringir a liberdade de reunião dos cidadãos. Mas poderia alguém ou um grupo de pessoas perturbar uma manifestação pacífica de forma tal que essa manifestação não tenha como ser exercida de forma plena? Se a liberdade de reunião for encarada meramente como direito de defesa contra a ação ilegítima do Estado e se, ao mesmo tempo, não houver nenhum dispositivo legal que vede a perturbação de reuniões pacíficas por meio de entes privados, o caso seria difícil de ser solucionado sem um recurso direto ao direito fundamental garantido pelo art. 5º, XVI da Constituição.

O problema, em consonância com o dito inicialmente, deveria ter o mesmo tratamento que seria dado caso o ente perturbador fosse o Estado, numa perspectiva de aplicação imediata das normas fundamentais. Assim, o direito de reunião seria considerado uma garantia do indivíduo não só em face do poder estatal, mas, também, contra outros particulares.

A principal diferença entre os modelos de vinculação direta e indireta reside na desnecessidade de mediação legislativa para que as garantias essenciais produzam efeitos nas relações entre privados. Pode-se dizer, assim, que seus efeitos são imediatos e diretos, pois incidem diretamente na situação em concreto. É deste modo que, mesmo sem que haja norma de direito privado, os direitos fundamentais asseguram, de forma direta, garantias subjetivas aos participantes da relação, sem que seja necessário artimanhas interpretativas para que produzam efeitos.

Destarte, não necessitam da existência de cláusulas gerais, ou qualquer outra “porta de entrada” para se irradiar no ordenamento civil. Sendo o ordenamento uma unidade, e a Constituição sua Lei Maior, todas as demais normas somente são

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válidas com base nessa, e dentro dos limites por ela impostos, inclusive o Código Civil. Dessa maneira, as normas constitucionais não necessitam de “pontos de infiltração”, sendo, portanto, aplicáveis de forma direta a todas as relações, inclusive particulares, podendo os cidadãos recorrerem aos seus direitos de cunho fundamental para fazê-los valer contra todos, seja em face do Estado, pessoas físicas ou jurídicas privadas.

Isso não quer dizer, contudo, que a vinculação por meio de efeitos diretos implica que todo o direito fundamental impreterivelmente seja aplicável a tais relações. A verificação dessa aplicabilidade deve ser individualizada, estando adstrita as peculiaridades de cada norma de cunho fundamental. Ademais, não se nega a existência de especificidades nesta incidência, nem mesmo a necessidade de ponderá-los com a autonomia privada dos envolvidos. Nesse sentido, o modelo de aplicação direta defende que, quando o direito essencial for aplicável, então essa incidência se dará de forma direta.

Praticamente todos os defensores da tese em questão reconhecem o dito no parágrafo supra, sobretudo a necessidade de ponderação dos direitos em jogo com a autonomia privada da pessoa cujo comportamento se cogita restringir. Dentre eles podemos citar J. J. Gomes Canotilho (1992), o qual, de forma pioneira, acenou para a criação de soluções diferenciadas para harmonizar a tutela de direitos fundamentais com a proteção conferida a liberdade particular. Outro defensor é Ingo Wolfgang Sarlet (1998), autor brasileiro do mais minucioso estudo publicado sobre a matéria, onde manifesta sua preferência pela eficácia direta. Referido estudioso defende que “a forma de positivação e a função exercida pelos direitos fundamentais se encontram umbilicalmente ligadas à sua eficácia e aplicabilidade” (1998, p. 248), e que “ a graduação da carga eficacial dos direitos fundamentais depende, em última análise, de sua densidade normativa, por sua vez igualmente vinculada a forma de proclamação no texto e à função precípua de cada direito fundamental” (1998, p. 248), motivo pelo qual divide os direitos essenciais em vários grupos, realizando uma análise distinta com relação a aplicação de cada um deles, tendo sempre como premissa o postulado da otimização máxima.

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Impende salientar que, na vinculação direta, não se afasta, também, a atividade do legislador. Não se questiona o fato de que há um espaço para que esse pondere a autonomia privada com as normas fundamentais, qual seja, o momento da atividade legislativa. Por isso, a prioridade na concretização das normas essenciais acaba sendo, de fato, do legislador, o que não quer dizer que não seja possível a aplicação imediata quando não houver regra ordinária específica tratando da matéria, ou até mesmo versando em descompasso.

A Constituição brasileira de 1988 favorece sobremaneira a interpretações que aprofundam a incidência direta dos direitos fundamentais na esfera privada, com a previsão de vários direitos voltados contra o particular, como, por exemplo, todos os direitos trabalhistas esculpidos no seu artigo 7º, além de que, caracteriza-se, evidentemente, pelo seu caráter de socialidade. Desse modo, quando o próprio constituinte originário optou por se imiscuir na esfera das relações privadas, não há qualquer razão que justifique excluir a aplicação da plena eficácia das normas fundamentais, mesmo quando seus comandos dirigem-se ao Estado. No nosso país, inclusive, a constitucionalização do Direito Privado já foi iniciada pelo próprio constituinte, o qual disciplinou em linhas gerais diversos institutos eminentemente privados, como a família e a propriedade, etc.

Ademais, o direito não pode ser encarado de uma forma fechada, feito de regras prontas e mecânicas, o que, diga-se de passagem, já se provou ultrapassado. Hodiernamente, preza-se por uma juridicidade dos princípios, levando-os a uma exegese e aplicação mais dinâmicas, elásticas e ricas axiologicamente. Isso não só em relação aos direitos fundamentais, mas à todos ramos do conhecimento jurídico.

Daniel Sarmento (2004, p.289) ratifica esse entendimento da seguinte forma:

Ademais, a compreensão de que o princípio da dignidade da pessoa humana representa o centro de gravidade da ordem jurídica, que legitima, condiciona e modela o direito positivado, impõe, no nosso entendimento, a adoção da teoria da eficácia direta dos direitos

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fundamentais nas relações entre particulares. De fato, sendo os direitos fundamentais concretizações ou exteriorizações daquele princípio, é preciso expandir para todas as esferas da vida humana a incidência dos mesmos, pois, do contrário, a proteção à dignidade da pessoa humana - principal objetivo de uma ordem constitucional democrática – permaneceria incompleta. Condicionar a garantia da dignidade do ser humano nas suas relações privadas à vontade do legislador, ou limitar o alcance das concretizações daquele princípio à interpretação das cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados do Direito Privado, significa abrir espaço para que, diante da omissão do poder legislativo, ou da ausência de cláusulas gerais apropriadas, fique irremediavelmente comprometida uma proteção, que, de acordo com a axiologia constitucional, deveria ser completa e cabal.

Outras teorias, entretanto, propõem soluções diferenciadas para a questão da incidência dos direitos fundamentais, distanciando-se, pelo menos em parte, das idéias do imediatismo e mediatismo na aplicação, o que será pormenorizado na seqüência deste opúsculo.

2.5 Outras Teorias

Na Alemanha, mais recentemente, uma corrente, na qual figuram autores como Joseph Isensee e Klaus Stern, vem defendendo a idéia de que a doutrina dos “Deveres de Proteção do Estado” em relação aos direitos fundamentais é a melhor solução para a questão da incidência desses nas relações entre privados.

Na verdade, a tese aproxima-se por demais da teoria da eficácia mediata. Assim, do mesmo modo, defendem que as normas essenciais vinculam apenas, diretamente, o Estado, mantendo a autonomia privada fora de riscos decorrentes da sujeição dos particulares aquelas. Com efeito, caberia ao legislador disciplinar os

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comportamentos dos indivíduos através da edição de normas que evitassem lesões aos direitos fundamentais.

Dessa forma, os atos privados não teriam que se adaptar aos mandamentos fundamentais, mas aos parâmetros criados pelo legislador no exercício da função de proteção daqueles direitos, o qual poderia imiscuir nas regras de direito privado alto grau de valores fundamentais, ou optar pela criação de cláusulas gerais.

A teoria dos deveres de proteção, na verdade, encontra substrato central na idéia de que a cabe ao legislador, e não ao judiciário, conciliar os direitos fundamentais com a autonomia privada, resguardando a intervenção do último apenas nos casos de controle de constitucionalidade das normas, quando na atividade legislativa não fossem protegidas adequadamente as garantias constitucionais em jogo.

Outra teoria alternativa, a qual rejeita tanto a tese da eficácia “imediata e direta”, quando a “indireta e mediata”, é a “Teoria da Convergência Estadista”, desenvolvida por Jügen Schwabe. Segundo o mesmo, citado por Virgílio (2005), em última análise, o Estado é sempre responsável pela violação aos direitos fundamentais, mesmo que tenham origem nas relações privadas.

Para melhor entender imagine um particular que no exercício de um direito fundamental viole uma garantia essencial de outro, sendo que a ação praticada pelo primeiro não era disciplinada por lei infraconstitucional, sendo, portanto, permitida pelo Estado. No caso, não tendo outros meios de reparar o dano sofrido, em face da inexistência de norma para a situação, o cidadão que teve seu direito violado deverá imputar tal violação ao Poder Público, o qual será responsável, pelo fato de não ter agido, infraconstitucionalmente, no sentido de protegê-lo.

Destarte, ao particular violador não poderá ser imputada nenhuma responsabilidade pelo ato que não é legalmente vedado, a qual deve ser atribuída ao Estado, em virtude de sua omissão de não criar nenhuma vedação legal contra tal comportamento.

Assim, segundo a teoria de Schwabe, não existe equiparação entre ato do Estado e ato privado. O comportamento particular não deixa de ser tratado como tal, porém, a responsabilidade pelos seus efeitos é entendida como se estatal fosse. Desta feita, sempre que o Poder Público não exercer sua

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função de legislar, violações de direitos fundamentais por pessoas privadas serão por ele permitidas, e somente a este poderá ser imputada a responsabilidade.

Por último, cumpre aqui tecer algumas consideração acerca da posição sustentada por Robert Alexy (1997), o qual propôs “Um Modelo em Três Níveis”

11, onde tentou conciliar as teorias da

eficácia direta, da aplicação indireta e a doutrina dos deveres de proteção do Estado, citada anteriormente.

Parte-se do raciocínio de que as três propostas reconhecem que a gradação da eficácia do direito fundamental na relação inter-privada decorre de uma ponderação de interesses.

Assim, encontrar-se-ia no primeiro nível a teoria do efeito mediato. Os juízes, como órgãos do Estado, encontram-se obrigados a considerar os direitos fundamentais em suas decisões, como valores objetivos, quando da interpretação e aplicação das normas de cunho privado.

No segundo nível, estaria a tese dos deveres de proteção. Nada obstante, quando o judiciário não levasse em conta os direitos fundamentais na solução dos conflitos, estaria assim violando um direito essencial do cidadão oponível em face do Estado. Enquanto que em um terceiro nível, posicionar-se-ia a teoria da eficácia imediata, admitindo a projeção de efeitos diretos sobre as relações privadas.

Sem embargo, a teoria da eficácia imediata não seria incompatível com os efeitos emanados pelas demais teses. Admitir-se-ia, apenas, que não obstante a irradiação provenientes dessas últimas, a vinculação direita também ocorreria, independente de mediação do legislador, ou de atividade de qualquer outro poder estatal.

Ademais, a teoria da vinculação direta dos efeitos, não pretenderia tornar absoluta a incidência das normas fundamentais na esfera civil, admitindo sempre a necessidade de ponderação quando se deparasse com a autonomia privada.

11 O nível dos deveres do Estado; o nível dos deveres frente ao Estado; e o nível da

relação entre sujeitos privados.

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O certo é que a opção por um outro nível depende, em especial, do material normativo disponível ou não. Dessarte, na grande maioria dos casos, a escolha por efeitos indiretos ou por uma incidência direta está sujeita à existência de mediação legislativa anterior, disciplinado a convivência de um direito de natureza fundamental e o âmbito das relações privadas.

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CAPÍTULO III

3.PREVISÃO DA VINCULAÇÃO DOS PARTICULARES NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

No Recurso Extraordinário 201.819-8-RJ12

, a segunda turma do Supremo Tribunal, por votação majoritária, reconheceu a vinculação direta dos direitos fundamentais em face dos poderes privados.

A lide, cuja o julgamento data de 11 de novembro de 2005, versou sobre R.E. interposto de acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, pela União Brasileira de Compositores – UBC, tendo em vista que o decisum da instância de origem entendeu aplicável o direito fundamental da ampla defesa e do contraditório, previstos constitucionalmente, aos processos internos da associação de caráter privada.

Com efeito, tratou-se da exclusão de sócio sem que fossem respeitados os princípios da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, incisos LIV e LV, CF/88), alegando descumprimento de resoluções internas e a propositura de ações judiciais que acarretavam em prejuízos morais e financeiros para a entidade, por parte do associado. Confrontaram-se, assim, à autonomia privada da associação civil e o direito essencial ao devido processo legal, já que não foi dada oportunidade de defesa e apresentação de provas ao acusado.

Melhor explicitando, a entidade associativa, através de seu órgão deliberativo, designou uma comissão especial para apurar possíveis infrações estatutárias atribuídas a um de seus sócios. Referida comissão deixou de observar os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, não ensejando ao excluído oportunidade de se defender e apresentar provas em seu benefício.

12 Recomenda-se a leitura do inteiro teor dos votos dos ministros Gilmar Mendes e

Ellen Gracie.

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Em sua defesa, a associação alegou a impossibilidade de aplicação do princípio da ampla defesa ao caso vertente, tendo em vista não se tratar de órgão da administração pública, mas de entidade de direito privado, dotada de estatutos e regimentos próprios.

A relatora, Ministra Ellen Grace, sustentou em seu voto a prevalência da liberdade que possuem associações privadas para se organizarem e estabelecer normas de funcionamento entre os sócios, nos seguintes termos:

A controvérsia envolvendo a exclusão de um sócio de entidade privada resolve-se a partir das regras do estatuto social e da legislação civil em vigor. Não tem, portanto, o aporte constitucional atribuído pela instância de origem, sendo totalmente descabida a invocação do disposto no art. 5º, LV da Constituição para agasalhar a pretensão do recorrido de reingressar nos quadros da UBC.

Obedecido o procedimento fixado no estatuto da recorrente para a exclusão do recorrido, não há ofensa ao princípio da ampla defesa, cuja aplicação à hipótese dos autos revelou-se equivocada, o que justifica o provimento do recurso. (Recurso Extraordinário nº 201.819-8-RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, Acórdão. p. 581.)

De fato, o estatuto da associação previa em seu artigo 16 que “a diretoria nomeará comissão de inquérito composta de três sócios, a fim de apurar indícios, atos ou fatos que tornem necessária a aplicação de penalidades aos sócios que contrariarem os deveres prescritos no capítulo IV destes Estatutos”.

Sem embargo, a regra estabelecida fora obedecida, contudo, em sua aplicação afastou-se o princípio da ampla defesa e do contraditório.

Em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes, após se deter em minuciosas considerações acadêmicas sobre a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, diverge da relatora, concluindo

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ser indiscutível a existência de normas essenciais que incidem sobre relações entre particulares.

Para elaborar sua opinião, aquele trás à lume a necessidade de se analisar as peculiaridades do caso em questão. Chama atenção para o fato de que a vedação das garantias constitucionais de defesa pode acabar por comprometer a própria autonomia privada, no caso a liberdade de exercício da profissão, logo, a exclusão imposta como penalidade extrapolaria a liberdade da associação em definir a quem deve permanecer filiada.

Ademais, conclama o caráter público da atividade desempenhada pela entidade, concluindo sua decisão desta forma:

...afigura-se-me decisivo no caso em apreço, tal como destacado, a singular situação da entidade associativa, integrante do sistema ECAD, que, como se viu na ADI nº 2.054-DF, exerce uma atividade essencial na cobrança de direitos autorais, que poderia até configurar um serviço público por delegação legislativa.

Esse caráter público e geral da atividade parece decisivo aqui para legitimar a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa... (Recurso Extraordinário nº 201.819-8-RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, Acórdão. p. 612.)

Na mesma linha de raciocínio posicionaram-se os Ministros Joaquim Barbosa e Celso de Mello. Dentre os fatores levantados na formação de tal pensamento apontaram o “rompimento das barreiras que, até então, separavam o direito público do privado”, “a constitucionalização do direito civil” e “a necessidade de limitar-se a autonomia privada em razão das garantias fundamentais de terceiros”. Vale aqui transcrever passagem da decisão proferida pelo último:

Não é por outro motivo que o novo Código Civil brasileiro, em alguns de seus preceitos (arts. 57 e 1.085, parágrafo único, p. ex.),

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expressamente proclama a necessária submissão das entidades civis às normas que compõem o estatuto constitucional das liberdades e garantias fundamentais (o direito à plenitude de defesa, dentre eles), considerada a vinculação imediata dos indivíduos, em suas relações de ordem privada, aos direitos básicos assegurados pela Carta Política. (Recurso Extraordinário nº 201.819-8-RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, Acódão. p. 648.)

Bastante expressiva, inclusive, no que se refere às relações privadas, é a regra esculpida no artigo 57 do Código Civil em vigência, a qual prevê em sua redação, dada pela Lei nº 11.127/2005, claro propósito de adequar a atividade legislativa aos preceitos fundamentais previstos constitucionalmente sobre a matéria, quando dispõe que “a exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto.”

Destarte, a Turma, por votação majoritária, conheceu e negou provimento ao recurso, reconhecendo a eficácia horizontal dos direitos fundamentais em uma relação jurídico-privada.

Impende salientar que a visão ora exposta no decisum acima em comento, apontando para uma vinculação horizontal, tem se repetido na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como resta claro de decisões nas quais essa corte superior preferiu a propósito da incidência dos direitos essenciais em relações particulares.

Uma delas refere-se ao Recurso Extraordinário nº 161.243-DF, no qual o Tribunal decidiu não poder haver discriminação entre empregados, com base na autonomia da empresa para conceder vantagens a nacionais, em desvantagens ao empregado estrangeiro, na percepção de benefícios constantes no seu estatuto:

CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. TRABALHADOR BRASILEIRO EMPREGADO DE EMPRESA

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ESTRANGEIRA: ESTATUTOS DO PESSOAL DESTA: APLICABILIDADE AO TRABALHADOR ESTRANGEIRO E AO TRABALHADOR BRASILEIRO. C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput. I. - Ao recorrente, por não ser francês, não obstante trabalhar para a empresa francesa, no Brasil, não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da Empresa, que concede vantagens aos empregados, cuja aplicabilidade seria restrita ao empregado de nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio da igualdade: C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput). II. - A discriminação que se baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ou extrínseca do indivíduo, como o sexo, a raça, a nacionalidade, o credo religioso, etc., é inconstitucional. Precedente do STF: Ag 110.846(AgRg)-PR, Célio Borja, RTJ 119/465. III. - Fatores que autorizariam a desigualização não ocorrentes no caso. IV. - R.E. conhecido e provido." (RE n° 161.243-DF, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 19/12/1997)

Noutro julgado, se discutiu se uma industria de “lingeries” que exige de suas empregadas que as mesmas, obrigadas por cláusula constantes nos contratos de trabalho, submetam-se a revistas intimas, sob a ameaça de dispensa, cometeria crime de constragimento ilegal:

I. Recurso extraordinário: legitimação da ofendida - ainda que equivocadamente arrolada como testemunha -, não habilitada anteriormente, o que, porém, não a inibe de interpor o recurso, nos quinze dias seguintes ao término do prazo do Ministério Público, (STF, Sums. 210 e 448). II. Constrangimento ilegal: submissão das operárias de indústria de vestuário a revista íntima, sob ameaça de dispensa; sentença condenatória de primeiro grau fundada na garantia constitucional da

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intimidade e acórdão absolutório do Tribunal de Justica, porque o constrangimento questionado a intimidade das trabalhadoras, embora existente, fora admitido por sua adesão ao contrato de trabalho: questão que, malgrado a sua relevância constitucional, já não pode ser solvida neste processo, dada a prescrição superveniente, contada desde a sentença de primeira instância e jamais interrompida, desde então." (RE n° 160.222-RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 01/09/1995)

Vale ainda, finalmente, trazer à baila julgado do STF referente ao caráter absoluto dos direitos fundamentais:

OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros. (Mandado de Segurança nº 23452-RJ, Rel. Min. Celso de

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Mello. Diário da Justiça da União. Brasília, DF, 12 maio 1999)

É possível concluir, por fim, que, mesmo sem, muitas vezes, entrar no mérito da discussão acerca da forma de incidência horizontal dos direitos de natureza fundamental, o Supremo Tribunal Federal já possui um histórico capaz de identificar o reconhecimento da vinculação dos particulares àquelas normas, quando em relações privadas, apontando, inclusive, para uma eficácia direta dos efeitos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme foi analisado durante todo o desenvolvimento do presente estudo, o Ordenamento Jurídico compõe-se de uma unidade, sistematicamente organizada, possuindo como epicentro o princípio da dignidade da pessoa humana, concretizado nas normas de cunho fundamental.

Não se pode negar a existência de fatores que exigem a extensão da proteção outorgada pelos direitos essenciais às relações entre particulares, em face da desigualdade gritante, da opressão e da injustiça que são inerentes a tais relações.

Se admitirmos, como premissas, que as garantias fundamentais salvaguardam os bens jurídicos mais relevantes da pessoa humana, não há razão para recusar-se uma proteção constitucional a estes bens, independente de onde provier a ameaça ou agressão.

É notável, contudo, ao amadurecer do tempo e das idéias, o desenvolvimento de uma tendência direcionada para o abandono de posições radicais, cujo o teor ou negam qualquer espécie de vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, ou defendem uma sujeição extrema, onde os atores privados vinculam-se do mesmo modo que o Estado.

Algumas Constituições, sobretudo aquelas editadas nas últimas décadas, trazem em seu bojo previsões expressas da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. Exemplo disso é a Carta Maior definitiva da África do Sul (1997), que entrou em vigor no ano de 1997, trazendo o seguinte preceito esculpido em seu corpo: “As normas sobre direitos fundamentais vinculam as pessoas físicas ou jurídicas, se, e na medida em que, ela seja aplicável, considerado a natureza do direito e a natureza da obrigação imposta por ele”.

A tese da não aceitação da eficácia dos direitos fundamentais, nas relações do tipo privadas, revela a subsistência de uma visão historicamente superada desses direitos como regras de cunho públicos subjetivos, voltadas apenas contra o Estado.

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Ademais, a visão da Constituição como norma jurídica consagradora das mais importantes valores sociais exige a vinculação em comento.

Sem embargo, os efeitos gerados na aplicação das normas fundamentais, ao contrário do que ocorre no âmbito das relações entre o Estado e os indivíduos, não são e nem podem ser sempre diretos, ou, do mesmo modo, indiretos, apesar de que, a jurisprudência brasileira, especialmente do Supremo Tribunal Federal, vem, em um número muito grande de casos, aplicando diretamente os direitos essenciais nos litígios privados. Isso se explica pela tendência generalizadora e absolutizante daquele tribunal que, não raras vezes, pretende em seus julgados, de uma só vez, resolver todas as questões referentes a determinado assunto.

Com feito, não se pode negar a necessidade de delinear alguns parâmetros objetivos na aplicação de direitos fundamentais nas relações privadas, com o fim de conferir maior previsibilidade e reduzir as margens de arbítrio na ponderação judicial. Entretanto, igualmente, não é recomendável afastar uma análise tópica, voltada para as peculiaridades de cada caso. A heterogeneidade existente entre os diferentes espaços privados impede que se formule um modelo geral de incidência destes valores em todas as relações formadas por particulares.

Dentre os parâmetros, merece destaque a necessidade de sempre atentar-se para o grau de desigualdade fática entre as partes envolvidas na relação jurídica. Quanto mais a relação for assimétrica, maior o comprometimento do exercício da autonomia privada. Por isso, a vinculação aos direitos fundamentais é diretamente proporcional à disparidade vivente, e em sentido inverso se dará à tutela da liberdade dos particulares.

Outro fator relevante refere-se à natureza questão. Naquelas onde predominam valores existenciais da pessoa, a proteção à autonomia deve ser maior. Ao inverso, em casos onde a liberdade do sujeito de direito encontra-se ligada a fatores de cunho puramente econômicos ou patrimoniais, mais intensa se exibirá a tutela ao direito fundamental em contraposição.

Por fim, cumpre não olvidar, que uma democracia plena nunca será atingida enquanto se limitar à relações públicas,

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encontrando seu fim nas relações formadas entre o Estado, sempre, e o cidadão. Necessário se faz estende-la para outras instâncias, onde possa equacionar os litígios privados, manifestando-se em demais áreas onde o poder, igualmente, também se manifesta, e isso passa, indubitavelmente, pela extensão dos direitos de natureza fundamental a esses ramos.

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ANEXO

RESUMO ESTRUTURADO

1 A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS – sua vinculação às relações privadas.

EFICÁCIA VERTICAL x EFICÁCIA HORIZONTAL (tentativa de equilibrar a relação com os Direitos Fundamentais)

2 HISTÓRICO

- Surgem como proteção do indivíduo contra eventuais abusos do poder estatal, tendo em vista a disparidade.

- Existe uma barreira limitadora onde o Estado não pode interferir. Ex: direito à vida; à liberdade de locomoção.

- Passam a exigir também uma intervenção, sobretudo, para garantir sua aplicação.

- Inglaterra, século XIII (15.06.1215) – Magna Charta Libertatum, outorgada pelo rei João Sem-terra: estabelecia garantias como a liberdade da Igreja, proporcionalidade entre a gravidade do delito e a sanção e a previsão do devido processo legal.

- Consagram-se jurídico-positivamente em França: Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (26.08.1789) e com as Constituições de 1791 e 1793.

- Nos séculos seguintes: diplomas em todo o mundo com a previsão de direitos fundamentais:

Const. Espanhola de 1812

Const. Portuguesa de 1822

Const. De Weimar

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Até mesmo na Itália fascista houve avanço em relação aos direitos sociais dos trabalhadores, quando da proclamação da Carta do Trabalho de 1927.

- Brasil: caracteriza-se por trazer sempre em suas constituições extenso rol de direitos fundamentais, desde sua primeira Constituição (Constituição Política Imperial do Brasil de 1824 e subseqüentes).

- Hodiernamente: representam preceitos imprescindíveis a um Estado Democrático de Direito, possuindo como características:

- CARACTERÍSTICAS: Inalienáveis

Imprescritíveis

Irrenunciáveis

Históricos

- CONCEITO: “a expressão direitos fundamentais do homem são situações jurídicas, objetivas ou subjetivas, definidas no direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana” (José Afonso da Silva).

“denominação comumente empregada por constitucionalistas para designar o conjunto de direitos da pessoa humana expressa ou implicitamente reconhecidos por uma determinada ordem constitucional” (Oscar Vilhena Vieira)

“princípios jurídica e positivamente vigentes em uma ordem constitucional que traduzem a concepção de dignidade humana de uma sociedade e legitimam o sistema jurídico estatal” (Ana Maria D`Ávila Lopes)

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- São deste modo normas essenciais, as quais conferem sistematicidade à Constituição, servindo de parâmetros para todas as demais regras do Ordenamento jurídico, servindo para minimizar possíveis conflitos (solução de conflitos) através de uma interpretação conforme os preceitos fundamentais e garantindo o mínimo necessário ao homem-cidadão digno.

3 PRINCÍPIOS x REGRAS

- No estudo da incidência dos Direitos Fundamentais nas Relações Privadas faz-se necessário distinguir princípios de regras, tendo em vista a análise dos efeitos dessas normas.

- Para isso adoto o conceito de MANDAMENTO DE OTIMIZAÇÃO, formulado por Robert Alexy:

a diferença reside no fato de que os princípios podem variar em seu grau de aplicação, devendo ser realizados “na maior medida do possível”. Ao passo que as regras ou são realizadas por completo ou não se aplicam. O que pode se observar através de:

- CONFLITO ENTRE REGRAS

2 soluções: Cláusula de exceção (ex: alarme de incêndio).

Invalidade de uma das normas (ex: proibição de fumar).

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- COLISÃO ENTRE PRINCÍPIOS

Pode um princípio ceder em relação à aplicação de outro, que em certas situações prevaleceria de forma inversa; Não sendo necessário que um desses seja declarado inválido; Bastando para isso que sejam aplicados na maior medida do possível, sempre levando-se em conta a ponderação de sua aplicação, baseada nas realidades fáticas do caso.

4 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO

- Um dos principais motivos para o surgimento do debate acerca da eficácia horizontal refere-se à Constitucionalização do Direito.

- Possui fundamento central na idéia de IRRADIAÇÃO DOS EFEITOS DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS (os valores imiscuídos nas normas essenciais alastram-se pelo ordenamento, condicionando os demais ramos do direito aos seus preceitos, sobretudo através da reforma legislativa, adaptando as normas infraconstitucionais à Constituição, e através de uma interpretação conforme a constituição.

- Visa tornar a Constituição o centro do Ordenamento Jurídico.

- Dão impulso ao processo o Judiciário (na atividade de aplicação dos Direitos Fundamentais) a doutrina (responsável pela formação do alicerce teórico para o desenvolvimento do tema), e, sobretudo, o Legislativo (com a função de adequar a legislação ordinária aos preceitos constitucionais.

- Pretende reconhecer que nos direitos de natureza fundamental estão contidos os valores mais importantes da comunidade, motivo pelo qual devem penetrar nos demais ramos do ordenamento jurídico, modelando suas leis e institutos.

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- Assim, sendo os Direitos Fundamentais os valores mais importantes de uma sociedade (como norte do direito positivo), deve existir uma expansão dos mesmos para o campo das relações privadas.

- Atualmente: Dupla Dimensão dos direitos fundamentais

*Bases fundamentais da Ordem Jurídica (orientando a interpretação e criação das leis infraconstitucionais de acordo com o previsto nos parâmetros constitucionais)

*Direitos (subjetivos) passíveis de serem reclamados em juízo.

5 NEGAÇÃO DOS EFEITOS

-STATE ACTION (AÇÃO ESTATAL)

- Nos EUA a questão da eficácia horizontal é praticamente negada de forma incontroversa por parte da doutrina.

- sendo tratado sob o rótulo de “state action”

- contudo, é exatamente baseando-se nessa teoria que a Suprema Corte vem reconhecendo de alguma forma a aplicação dos Direitos Fundamentais nas relações privadas.

- A doutrina americana mantém a posição de que são os Direitos Fundamentais aplicáveis somente em face do Estado (só podem ser violados por meio de uma Ação Estatal).

- A Suprema Corte, em grande parte dos seus julgados acerca do tema, encontra um meio para igualar o ato privado a uma ação do estado

- Ex: Caso Shelley v. Kramer

Os proprietários de imóveis de um determinado loteamento haviam se comprometido contratualmente a não vender seus

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imóveis à pessoa de cor negra. Um deles, desrespeitando a cláusula, aliena seu imóvel a um comprador de raça negra, vindo os demais ajuizarem ação em face dele, a qual foi julgada procedente na jurisdição de 1º grau. A suprema corte, contudo, decidiu pela nulidade do artigo e pela validade da venda.

Porém, a decisão não se baseou no princípio da igualdade, como pode parecer em um primeiro momento. Mas, em uma ação estatal violadora, sendo esta a própria decisão da jurisdição inferior, ou seja, considerou-se que a discriminação surge com a tutela no juízo inferior, que ao julgar daquele modo, estaria utilizando seu poder contra a Constituição.

- Através de manobras jurídicas como estas reconhece-se a presença da “state action” no caso, para, proteger, a incidência dos Direitos Fundamentais.

6 AUTONOMIA PRIVADA

- No Brasil é um dos principais óbices ao reconhecimento da Eficácia Horizontal

- capacidade do indivíduo de determinar seus próprios atos e comportamentos

- Não caberia ao Estado interferir nas relações entre particulares, os quais devem ter o poder de auto-regulamentar suas próprias relações.

- Sendo, portanto, um dos componentes essenciais da liberdade, é um Direito Fundamental.

- Não pode ser exercida de maneira absoluta.

- Possui limitações nos direitos dos outros.

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- Deve o Estado intervir em certos casos para que esse direitos sobrevivam concomitantemente, sob pena de destruição do próprio Estado Democrático de Direito. Ex: Relações consumeristas; relações de trabalho.

- Para que a autonomia não se converta em mera liberdade incondicional, em abusividade, necessário ponderá-la na sua aplicação, sobretudo quando em conflito com outros direitos fundamentais, levando em conta o próprio conceito de mandamento de otimização

- Na verdade o instituto da autonomia privada pressupõe que existe igualdade entre as partes, as quais estão livres e em pé de igualdade para negociar. O que ocorre muitas vezes é a verificação de uma disparidade de poder entre as partes, onde deve então haver ingerência estatal para equilibrar a relação.

- Quanto maior for a desigualdade, mais intensa a proteção ao direito fundamental em jogo (Daniel Sarmento).

Reconhecida a necessidade de eficácia horizontal, deve-se partir para como se dará a aplicação.

7 EFICÁCIA MEDIATA

- A influência das normas fundamentais nas relações particulares se daria de forma indireta, através do próprio material normativo infraconstitucional.

- A Constituição como um sistema de valores, os quais se irradiam pelo âmbito das relações particulares através de cláusulas gerais e conceitos indeterminados (portas de entrada) apostos no ordenamento.

Pontes que ligam o direito privado à Constituição;

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Estabelecidas pelo legislador, restando ao judiciário a tarefa de preencher os conceitos indeterminados criados pelo legislador;

Apenas quando houvesse lacunas ou inexistissem cláusulas gerais ou conceitos indeterminados é que se permitiria ao judiciário a aplicação das Normas Fundamentais de forma direta.

Quando muito, os preceitos constitucionais serviriam como princípios de interpretação das cláusulas gerais e conceitos indeterminados suscetíveis de concretização, clarificando-os, acentuando ou desacentuando determinados elementos do seu conteúdo, ou, em casos extremos, colmatando as lacunas, mas sempre dentro do espírito do Direito Privado (Vieira Andrade).

- Trata-se de construção intermediária entre a negação total da vinculação e a teoria da vinculação direta.

- As normas ingressam no ordenamento como ordem de valores, e nunca como direitos subjetivos, através das portas de entrada criadas pelo legislador. Ex: artigo 187 do Código Civil.

- Principal argumento para negar a eficácia direta concretiza-se na idéia de que uma vinculação imediata acabaria por exterminar o instituto da autonomia privada.

- Contudo, uma forte crítica ao modelo baseia-se na impossibilidade de existência de cláusulas gerais suficientes para o mínimo de situações em que se necessitem da aplicação de uma norma fundamental, o que geraria uma proteção por demais débil.

Condicionar a garantia da dignidade do ser humano nas suas relações privadas à vontade do legislador, ou limitar o alcance das concretizações daquele princípio à intervenção das cláusulas gerais

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e conceitos jurídicos indeterminados do Direito Privado, significa abrir espaço para que, diante da omissão do poder legislativo, ou da ausência de cláusulas gerais apropriadas, fique irremediavelmente comprometida uma proteção, que, de acordo com a axiologia constitucional, deveria ser completa e cabal. (Daniel Sarmento)

8 EFICÁCIA IMEDIATA

- Aplicação em relações privadas da mesma forma como ocorre em face do Estado (diretamente). Ex: Quando se fala em liberdade de reunião (CF, art. 5º, XVI) como mera liberdade pública, entende-se com isso que o Estado não deve restringir a liberdade de reunião dos cidadãos. Mas poderia alguém ou um grupo de pessoas perturbar uma manifestação pacífica de forma tal que essa manifestação não tenha como ser exercida de forma plena? Se a liberdade de reunião for encarada meramente como direito de defesa contra a ação ilegítima do Estado e se, ao mesmo tempo, não houver nenhum dispositivo legal que vede a perturbação de reuniões pacíficas por meio de entes privados, o caso seria difícil de ser solucionado sem um recurso direto ao direito fundamental garantido pelo art. 5º, XVI da Constituição.

-Principal diferença entre imediata x mediata: desnecessidade de mediação legislativa. Mesmo que não haja norma de direito privado os direitos fundamentais aplicam-se ao caso concreto, como direito subjetivos, sem a necessidade de artimanhas interpretativas, ou “portas de entradas”.

- Impende realçar que mesmo na aplicação direita não se pode afastar a necessidade de ponderação (com a autonomia privada), de acordo com a observância das peculiaridades do caso.

- Mas uma vez o que se deve observar é o postulado da otimização máxima.

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- Não afasta a atividade do legislador, o qual deve ter sempre como parâmetro os preceitos fundamentais na criação das leis. Contudo, os direitos são aplicados mesmo que não tenha ocorrido atividade legisladora específica, ou até mesmo quando alguma regra infraconstitucional vá de encontro a um preceito fundamental, quando deve ser tida por inconstitucional.

- A Constituição Brasileira, inclusive, favorece sobremaneira a interpretações que aprofundam a incidência direta dos Direitos Fundamentais, tendo em vista se imiscuir em diversos institutos do direito privado, como a família, a propriedade, com a previsão dos direitos trabalhistas esculpidos no seu art. 7º, além de seu caráter eminentemente social.

9 OUTRAS TEORIAS

Deveres de Proteção do Estado

- Apontado na Alemanha como a melhor solução para o caso.

- Aproxima-se por demais da Teoria da eficácia mediata.

-As Normas Fundamentais vinculam diretamente apenas o Estado.

- Cabe ao legislador criar normas com alto grau de valores preceituados pelos direitos fundamentais ou cláusulas gerais, para, assim, garantir a eficácia.

- Ressalvado a intervenção do judiciário apenas no controle de constitucionalidade, quando na atividade legislativa não fossem protegidos adequadamente as garantias constitucionais.

TEORIA DA CONVERGÊNCIA ESTADISTA (Jügen Schwabe)

- Em última análise o Estado é sempre responsável pela violação dos Direitos Fundamentais, mesmo que tenha origem em relações privadas.

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EX: Para melhor entender imagine um particular que no exercício de um direito fundamental viole uma garantia essencial de outro, sendo que a ação praticada pelo primeiro não era disciplinada por lei infraconstitucional, sendo, portanto, permitida pelo Estado. No caso, não tendo outros meios de reparar o dano sofrido, em face da inexistência de norma para a situação, o cidadão que teve seu direito violado deverá imputar tal violação ao Poder Público, o qual será responsável, pelo fato de não ter agido, infraconstitucionalmente, no sentido de protegê-lo.

- Ao particular violador não poderá ser imputada nenhuma responsabilidade, já que seu ato não era legalmente vedado, e como se sabe, ao particular, tudo que não é vedado expressamente por lei é permitido.

- A responsabilidade é do Estado que não criou nenhuma (função do legislativa) vedação legal contra tal comportamento.

- Não há equiparação entre o ato estatal e o privado, como na “State Action”. A responsabilidade pelo ato particular violador é entendida como estatal.

- Sempre que o poder público não exercer sua função de legislar, violações cometidas a direitos fundamentais por particulares serão por ele permitidas, e somente aquele poderá ser imputada a responsabilidade.

UM MODELO EM TRÊS NÍVEIS (Roberty Alexy)

- Tentativa de conciliar as teorias da eficácia direta, indireta e dos deveres de proteção do Estado.

- Parte-se do raciocínio de que as três propostas reconhecem que a gradação da eficácia decorre de uma ponderação de interesses.

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A eficácia horizontal dos direitos fundamentais - sua vinculação às relações entre particulares 77

- No 1º nível: Teoria do Efeito Mediato, através da aplicação dos diretos fundamentais.

-No 2º nível: Teoria dos Deveres de Proteção.

- No 3º nível: Teoria da Eficácia Mediata.