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/ Boletim Informativo Produzindo ciência, gerando desenvolvimento Nº 13 Dez/2016 - Jan/201 7 Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo da UFRGS Av. Bento Gonçalves, 7712 – CEP 91540-000 – Porto Alegre, RS, Brasil http://ufrgs.br/agronomia/joomla/index. php/ensino/pos-graduacao/pg-em-ciencia-do-solo /ppgcienciadosoloufrgs [email protected] Edição especial de aniversário A valoração do recurso solo e o papel do cientista como agente dentro da sociedade Jessica Souza de Oliveira Engenheira Agrônoma, Mestre em Ciência do Solo e atual Doutoranda do PPGCS/UFRGS No último dia 5 de dezembro comemo- ramos o Dia Mundial do Solo. A comemo- ração da data, que também é fomentada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), teve seu início em 2002 pela União Internacio- nal de Ciências do Solo (IUSS) com o intui- to de celebrar a importância do solo e cha- mar a atenção da sociedade para a impor- tância ambiental, econômica e social desse bem finito do qual a humanidade vem se beneficiando. Segundo a literatura, o solo apresenta múltiplas funções, tais como: ser o meio para o desenvolvimento das plantas, con- servar a biodiversidade, proteger águas subterrâneas e possibilitar o ciclo hidrológi- co, suportar os ciclos biogeoquímicos, sus- tentar construções, entre outras. Autores citam que os solos constituem, portanto, um dos bens mais valiosos e merecedores de proteção pela humanidade. Hillel (1991) cita que “o nome bíblico "Adão" está rela- cionado com 'adamah', que, em hebreu, significa terra ou solo”, expressando na Bí- blia uma “íntima ligação da humanidade com o solo, ao qual estamos relacionados durante toda a vida e ao qual retornaremos após o término desta jornada”. Porém, estamos valorizando o solo da maneira correta? Seríamos nós, engenhei- ros agrônomos, geólogos, biólogos, entre outros cientistas do solo, os únicos respon- sáveis por chamar atenção e engrandecer essa porção de terra que tanto nos susten- ta? Os dados atuais da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (SBCS) sugerem que o Brasil perde milhões de toneladas de solo anualmente nos diversos sistemas de uso, sendo visualmente perceptível em rios im- pregnados de sedimentos. A necessidade de crescimento e desenvolvimento econô- mico via agronegócio tem forçado a expan- são sobre áreas de biomas e florestas na- turais sem pensar, na maioria dos casos, na proteção dos bens naturais. No Rio Grande do Sul, a realidade não é muito diferente. As condições naturais de nossos solos aliadas às técnicas de cultivo herdadas de nossos antecessores imigran- tes europeus, como revolvimento em sub- superfície, queima de restos culturais para limpeza da área e pousio nas entressafras que faziam sentido no clima do hemisfério norte, foram implantadas em nossas áreas desde o final do século XIX e levaram ao esgotamento das terras. Ou seja, foi uma questão cultural que veio sendo transfor- mada desde o início da Operação Tatu na década de 70, sendo a atividade de exten- são rural que visava conscientizar os agri- cultores para a educação em solos e assim mudar os sistemas de produção, aliando preservação de recursos e melhorias sócio- econômicas. Não podemos negar nossa responsabili- dade sobre o futuro da qualidade do solo, mas devemos alertar que ela está sobre os ombros de todos, e que ações conjuntas entre comunidade científica e agricultores ainda são se extrema importância, pois es- tas possibilitam a troca de informações e necessidades que poderão gerar alternati- vas ambientais e economicamente viáveis para estagnar a destruição do solo. Nessa edição especial em que come- moramos um ano de publicações do Boletim

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Boletim InformativoProduzindo ciência, gerando desenvolvimento

Nº 13

Dez/2016-

Jan/2017

Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo da UFRGS

Av. Bento Gonçalves, 7712 – CEP 91540-000 – Porto Alegre, RS, Brasil http://ufrgs.br/agronomia/joomla/index.php/ensino/pos-graduacao/pg-em-ciencia-do-solo

/ppgcienciadosoloufrgs

[email protected]

Edição especial de aniversário

A valoração do recurso solo e o papel do cientista

como agente dentro da sociedade

Jessica Souza de Oliveira

Engenheira Agrônoma, Mestre em Ciência do Solo e atual Doutoranda do PPGCS/UFRGS

No último dia 5 de dezembro comemo-ramos o Dia Mundial do Solo. A comemo-ração da data, que também é fomentadapela Organização das Nações Unidas paraa Alimentação e Agricultura (FAO), teveseu início em 2002 pela União Internacio-nal de Ciências do Solo (IUSS) com o intui-to de celebrar a importância do solo e cha-mar a atenção da sociedade para a impor-tância ambiental, econômica e social dessebem finito do qual a humanidade vem sebeneficiando.

Segundo a literatura, o solo apresentamúltiplas funções, tais como: ser o meiopara o desenvolvimento das plantas, con-servar a biodiversidade, proteger águassubterrâneas e possibilitar o ciclo hidrológi-co, suportar os ciclos biogeoquímicos, sus-tentar construções, entre outras. Autorescitam que os solos constituem, portanto,um dos bens mais valiosos e merecedoresde proteção pela humanidade. Hillel (1991)cita que “o nome bíblico "Adão" está rela-cionado com 'adamah', que, em hebreu,significa terra ou solo”, expressando na Bí-blia uma “íntima ligação da humanidadecom o solo, ao qual estamos relacionadosdurante toda a vida e ao qual retornaremosapós o término desta jornada”.

Porém, estamos valorizando o solo damaneira correta? Seríamos nós, engenhei-ros agrônomos, geólogos, biólogos, entreoutros cientistas do solo, os únicos respon-sáveis por chamar atenção e engrandeceressa porção de terra que tanto nos susten-ta?

Os dados atuais da Sociedade Brasileirade Ciência do Solo (SBCS) sugerem que oBrasil perde milhões de toneladas de solo

anualmente nos diversos sistemas de uso,sendo visualmente perceptível em rios im-pregnados de sedimentos. A necessidadede crescimento e desenvolvimento econô-mico via agronegócio tem forçado a expan-são sobre áreas de biomas e florestas na-turais sem pensar, na maioria dos casos,na proteção dos bens naturais.

No Rio Grande do Sul, a realidade nãoé muito diferente. As condições naturais denossos solos aliadas às técnicas de cultivoherdadas de nossos antecessores imigran-tes europeus, como revolvimento em sub-superfície, queima de restos culturais paralimpeza da área e pousio nas entressafrasque faziam sentido no clima do hemisférionorte, foram implantadas em nossas áreasdesde o final do século XIX e levaram aoesgotamento das terras. Ou seja, foi umaquestão cultural que veio sendo transfor-mada desde o início da Operação Tatu nadécada de 70, sendo a atividade de exten-são rural que visava conscientizar os agri-cultores para a educação em solos e assimmudar os sistemas de produção, aliandopreservação de recursos e melhorias sócio-econômicas.

Não podemos negar nossa responsabili-dade sobre o futuro da qualidade do solo,mas devemos alertar que ela está sobre osombros de todos, e que ações conjuntasentre comunidade científica e agricultoresainda são se extrema importância, pois es-tas possibilitam a troca de informações enecessidades que poderão gerar alternati-vas ambientais e economicamente viáveispara estagnar a destruição do solo.

Nessa edição especial em que come-moramos um ano de publicações do Boletim

1Pág. 2Boletim Informativo do PPGCS da UFRGS – Nº 13 – Dezembro/2016-Janeiro/2017

Informativo “Produzindo ciência, gerando de-senvolvimento” do PPGCS/UFRGS, esperamoster contribuído positivamente de alguma for-ma naquilo que é uma de nossas metas: di-vulgar para a sociedade os resultados de tra-balhos de pesquisa realizados por professorese alunos de pós-graduação.

Temos muito carinho e orgulho dessa pu-blicação! Esperamos ter alcançado grandeparte das pessoas envolvidas na Ciência doSolo e tê-las tornado elo de comunicação

com aqueles que ainda não tem acesso aosmesmos meios informativos que nós. Ficaapenas nosso agradecimento – em especial,dos estudantes da pós-graduação – pelo re-conhecimento recebido ao longo de nossatrajetória científica e o comprometimento deque, em meio a tantos empecilhos de ordempolítica e econômica, honraremos nossa res-ponsabilidade em fazer sempre o melhor pos-sível para garantir ciência de ponta ao alcan-ce da população que dela necessite.

Qual a representatividade dos teores pseudo-totais na

disponibilidade de micronutrientes para a solução do solo

em um sistema orgânico de produção?

Fernanda Canez-Marcon1 & Egon José Meurer2

1Bióloga, Mestre em Ciência do Solo e atual Doutoranda pelo PPGCS/UFRGS2Professor Doutor do Departamento de Solos da UFRGS

Sistemas orgânicos de produção têm afinalidade de reaproveitar insumos com po-tencial nutritivo na adubação de culturas.Em um sistema de cultivo orgânico de tan-gerinas são utilizados como fertilizantes or-gânicos compostos produzidos a partir derejeitos da agroindústria, como resíduos decaldeiras, de frigoríficos, de laticínios, daindustrialização de frutas cítricas, resíduosde lixo urbano, entre outros. No entanto,do total dos micronutrientes adicionadosao solo via adubação orgânica, qual seria opotencial de disponibilidade desses na so-lução do solo?

Para responder essa questão, em 2007foi instalado um experimento em um po-mar de tangerineiras em um Argissolo Ver-melho Distrófico espessarênico no municí-pio de Montenegro, RS, com o objetivo deavaliar a influência desses adubos no apor-te de micronutrientes ao solo (cobre, man-ganês e zinco) e sua disponibilidade na so-lução do solo.

Foram avaliados três tratamentos: 1)cobertura vegetal; 2) adubação com 100m3 ha-1 de composto sólido + 100 m3 ha-1

de biofertilizante líquido, em anos alterna-dos; e 3) 200 m3 ha-1 de composto sólido, acada dois anos. Foram determinados osteores de cobre (Cu2+), manganês (Mn2+) e

zinco (Zn2+) em solução, que são pronta-mente disponíveis para absorção pelasplantas. Também, determinaram-se os teo-res pseudo-totais de Cu2+, Mn2+ e Zn2+ queindicam a soma desses elementos nas fra-ções minerais e orgânicas presentes no so-lo.

A comparação dos resultados com a á-rea de referência, onde não foi realizadaqualquer adubação, mostrou que os teorespseudo-totais de Cu2+, Mn2+ e Zn2+ aumen-taram após a aplicação dos adubos orgâni-cos. Os gráficos apresentados na Figura 1mostram que em relação à área de refe-rência (testemunha) os teores pseudo-to-tais de cobre, manganês e zinco aumenta-ram acentuadamente em todos os trata-mentos. Os teores de cobre em soluçãoaumentaram na solução, mas em valoresnão suficientes para a nutrição das tangeri-neiras. Os teores de manganês e zinco emsolução diminuíram acentuadamente com aaplicação dos adubos orgânicos, também,em teores insuficientes para a nutrição dosvegetais.

Assim, constata-se que a adição de a-dubos orgânicos contendo altas concentra-ções de cobre, manganês e zinco nãorepresentaram a disponibilidade desses mi-cronutrientes para a solução do solo e, con-

Pág. 3Boletim Informativo do PPGCS da UFRGS – Nº 13 – Dezembro/2016-Janeiro/2017

cutivamente, para as plantas. Ainda, atributosquímicos como valor de pH, teores de carbo-no orgânico e compostos inorgânicos devem

ser considerados para estimar o potencial nu-tritivo dos resíduos orgânicos.

Figura 1 - A adubação orgânica aumenta os teores pseudo-totais de Cu (A), Mn (B) e Zn (C) no solo, mas não se relacionam com os teores desses elementos na solução.

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Teores de manganês no solo

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Área de referência Adubação verde Composto sólido + biofertilizante

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Teores de zinco no solo

Pseudo-total Em solução

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Na maior parte das grandes cidades,encontramos vários seios de desenvolvi-mento impulsionando a economia e revolu-cionando as tendências de consumo da so-ciedade, o que vem trazendo grandes ino-vações e avanços em tecnologias. Em con-trapartida, vêm gerando cada vez mais a-glomerados de resíduos, dito por alguns,como subprodutos “problemas”, como osresíduos sólidos urbanos, lixo urbano (LU)e lodo de esgoto (LE).

A abordagem desse estudo analisou osriscos e os benefícios desse “problemão”do século XXI, dando uma visão geral doque podemos esperar destes resíduos. Pre-viamente, sabe-se que todo progresso exi-ge um custo muito alto, com uma “conta aser paga”. Nesse caso, quem geralmente“paga a conta” somos nós e o meio am-biente, principalmente quando ocorremdescartes desses resíduos em locais ina-propriados, como lixões. Para evitar esseproblema, existem alternativas que vêmsendo utilizadas pela gestão pública de al-guns munícipios, como disposição dos resí-duos em aterros sanitários, disposiçãooceânica, incineração e reciclagem do lixocoletado. O que a longo prazo, exceto areciclagem, não são alternativas viáveis esustentáveis, visto o desperdício energéticoenvolvido, o custo financeiro e os riscos depoluição ao ecossistema.

Deste modo, uma “nova” opção vemganhando cada vez mais força e que-brando tabus na sociedade conservadora:a utilização de resíduos urbanos em áreasagrícolas como fonte alternativa aos insu-mos químicos tradicionais. O uso dessesresíduos vem sendo avaliado há algumtempo e tem ganhado notoriedade, vistoque os resultados de ensaios de campo ede casa de vegetação são promissores,pois têm evidenciado melhorias de ordemna física do solo, sobretudo na porosidadee densidade do solo, na agregação e naretenção de água; melhorias nas condiçõesquímicas, através do aporte de matéria or-gânica e nutrientes; e melhorias nas con-dições biológicas, pela promoção do au-

mento da biodiversidade de microrganis-mos e da ciclagem de compostos.

Importante salientar que o LU para seraproveitado no solo precisa passar peloprocesso de compostagem, transforman-do-se em composto de lixo (CL), quandoestabilizado. Já o LE para ser utilizado emáreas agrícolas precisa estar classificadocomo no mínimo Lodo Classe B (densidadede coliformes fecais do mesmo for inferiora 2 x 106 NMP/g ST). Ambos os resíduosse não bem manejados, ou se aplicados aosolo sem as devidas precauções legais,também podem oferecer riscos de conta-minar o meio ambiente e a população, vis-to que estes materiais atraem roedores, in-setos, vetores de doenças e são tambémfontes potenciais de organismos patogêni-cos e metais pesados, como, arsênio,chumbo, níquel, cádmio, cobre, zinco,mercúrio, etc. Por isso é importante conhe-cer a procedência do material.

No nosso estado ainda são poucos ostrabalhos de longa duração com estes resí-duos. Por isso, realizou-se um estudo delongo prazo conduzido em casa de vegeta-ção com a aplicação desses resíduos emdois diferentes solos sob cultivo de plantasde interesse comercial em diferentes épo-cas do ano. Algumas considerações desteestudo estão apresentadas brevemente aseguir.

Atributos químicos do solo, como com-teúdo de carbono e CTC, têm grande im-portância no estudo da dinâmica de resídu-os no solo, pois permitem subsidiar as in-terpretações para os estoques e disponibi-lidade dos nutrientes ao longo do perfil. Osresíduos urbanos (CL e LE) apresentarampadrões bem diferenciados ao longo dotempo, evidenciando um comportamentode liberação mais rápida de nutrientes e demineralização dos compostos orgânicospara o LE, logo após a sua aplicação; emcontra partida, o CL apresentou menor ca-pacidade de pronta liberação de nutrientesapós as aplicações no solo, contudo pro-porcionou maior capacidade de liberaçãode nutrientes ao longo dos anos.

Resíduos urbanos: problema ou alternativa?

Gabriel Furtado Garcia

Engenheiro Agrônomo, Mestre em Ciência do Solo e atual Doutorando do PPGCS/UFRGS

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Deste modo, o uso de resíduos urbanosna agricultura já é uma realidade e, para quese tenha maior proveito dos seus benefícios acurto e longo prazo, é importante que os ex-perimentos de longo prazo se mantenham,

especialmente em condições de campo, o quecorrobora os investimentos feitos em pes-quisa. Isso traz para a sociedade uma “nova”e eficiente alternativa para o que antes eravisto como problema.

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