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SUS PRESENTE E FUTURO DO MAIOR SISTEMA DE SAÚDE DA AMÉRICA LATINA A REVISTA DOS LÍDERES DA SAÚDE DO BRASIL Gonzalo Vecina Neto Humberto Costa Darcísio Perondi Sérgio Côrtes Áquilas Mendes Saulo Levindo Coelho Hésio Albuquerque Carmen Teixeira Rosemary Gibson Luis Eugênio Portela 25 ANOS ASSINATURA EXEMPLAR DE VENDA PROIBIDA ANO IV | Nº 23 | SET/OUT 2013 | R$ 50,00 Impresso Especial 9912247598/2009-DR/BA CRIARMED

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SuSpresente e futuro Do

MAIor sIsteMA De sAÚDe DA AMÉrICA LAtInA

a Revista dos LídeRes da saúde do bRasiL

Gonzalo Vecina neto • Humberto Costa • Darcísio perondi sérgio Côrtes • Áquilas Mendes • saulo Levindo Coelho

Hésio Albuquerque • Carmen teixeira • rosemary Gibson Luis eugênio portela

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Impresso Especial9912247598/2009-DR/BA

CRIARMED

Líder em sistemas de gestão de saúde no país, a MV atende mais de 800 hospitais, operadoras de planos e unidades de saúde pública no Brasil, América Latina e África. Utilizadas por mais de 80 mil médicos e 250 mil profissionais, nossas soluções padronizam e integram processos, fornecem informações que auxiliam na tomada de decisões e otimizam o desempenho operacional. Mais qualidade na gestão, melhor atendimento para as pessoas.

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INDISPENSÁVEL ÉCUIDAR MELHORDAS PESSOAS.

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Líder em sistemas de gestão de saúde no país, a MV atende mais de 800 hospitais, operadoras de planos e unidades de saúde pública no Brasil, América Latina e África. Utilizadas por mais de 80 mil médicos e 250 mil profissionais, nossas soluções padronizam e integram processos, fornecem informações que auxiliam na tomada de decisões e otimizam o desempenho operacional. Mais qualidade na gestão, melhor atendimento para as pessoas.

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Líder em sistemas de gestão de saúde no país, a MV atende mais de 800 hospitais, operadoras de planos e unidades de saúde pública no Brasil, América Latina e África. Utilizadas por mais de 80 mil médicos e 250 mil profissionais, nossas soluções padronizam e integram processos, fornecem informações que auxiliam na tomada de decisões e otimizam o desempenho operacional. Mais qualidade na gestão, melhor atendimento para as pessoas.

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SUMÁRIO

08 ENTREVISTAAntônio Britto O presidente da Interfarma fala sobre o desperdício do potencial brasileiro em pesquisa e desenvolvimento

ARTIGOHwang e Christensen Autores defendem que a teoria da inovação disruptiva pode ajudar na acessibilidade dos gastos em saúde

ENSAIOLaura Schiesari Diretora da Anahp comenta os impactos sociais do envelhecimento populacional no Brasil

ARTIGOEduardo NajjarO ciclo de vida de uma empresa familiar inclui etapas que ajudam na transição entre as gerações

ENTREVISTAUwe BuddrusDiretor executivo da HIMSS Analytics Europe defende autonomia do setor de TI em saúde

ENTREVISTAPete MooneyNovo diretor executivo da área internacional de saúde da Deloitte analisa mercado global de saúde

ARTIGOPaulo LopesExecutivos devem planejar estrategicamente o tempo para ter mais eficácia em suas tarefas EMPREENDEDORISMOSabinAs sócias Janete Vaz e Sandra Costa administram rede de laboratórios entre as dez maiores do país

ARTIGORobert PearlRelação entre médicos e pacientes terminais deve ser fundamentada na verdade

CARO GESTOROsvino SouzaEspecialista explica como saber quando um negócio precisa de uma consultoria externa

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4608 ANTÔNIO BRITTO, pRESIDENTE DA INTERFARMA: impostos e burocracia são entraves para a inovação no país

Divulgação Interfarma

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84ARTIGO Fernando MachadoInovações, como a reengenharia do ser humano, afetarão a medicina preventiva e curativa

DIRETO AO PONTOJosé Luiz ToroPresidente do IBDSS defende o ressarcimento dos hospitais privados pelo SUS

ARTIGOMaisa DomenechInstrução Normativa-49 da ANS corre sérios riscos de se tornar uma regra sem efetividade

BOAS PRÁTICASMolly Gamble As lições do varejo, apesar de díspares, podem ajudar a tornar o mercado de saúde mais acessível SUS 25 ANOSGonzalo Vecina Neto A solução para a gestão do SUS não deve se limitar aos opostos privatização ou estatização

Carmen Teixeira O maior sistema público de saúde do mundo precisa ter seus valores republicanos resgatados

Hésio Albuquerque Em entrevista, um dos fundadores do SUS critica os flagelos do sistema público de saúde brasileiro

Rosemary Gibson Autora americana fala sobre os desafios éticos para uma oferta de saúde pública sustentável

Áquilas Mendes Problema de financiamento da saúde pública brasileira deve ser resolvido para melhorar o acesso

Saulo Levindo Centenária história das santas casas está diretamente ligada à filosofia do SUS

Perondi e CostaParlamentares do PT e do PMDB debatem as questões políticas da saúde pública brasileira

Luis Eugênio Portela Mudanças nas práticas de cuidado são necessárias para melhorar a qualidade do SUS

Sérgio Côrtes Modelo descentralizado das UPAs no Rio de Janeiro tem ajudado comunidades

SANDRA cOSTA E jANETE vAz, DO lABORATóRIO SABIN: juntas há 30 anos no comando de um dos dez maiores laboratório do país

58 SUS 25 ANOS: um sistema público de saúde universal, gratuito e de qualidade. Utopia?

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Alan Sampaio

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O termo República bem que poderia ser motivo de um debate en-tre nós, brasileiros. Afinal, para muitos, nunca o fomos, no sen-tido de um modelo político regido sob a égide do bem comum – para ficarmos na etimologia do termo. A política de mobilidade escolhida por cada brasileiro é emblemática sob esse aspecto: solução individual para um problema resolvido no mundo in-teiro, de forma republicana, no terreno da coletividade. Aliás,

a bandeira da luta do transporte público no país vem sendo hasteada, em larga medi-da, por conta de um cenário para lá de prosaico: a solução individual não deu certo. Brasileiros, de forma forçosa, decidiram lutar por mais metrô, ônibus e dignidade no transporte público. Na saúde, a compra de um seguro privado faz analogia à “indepen-dência” do carro. Se o SUS não funciona, basta ter um plano. Na educação, o paralelo é rigorosamente o mesmo.

Sobre o Sistema Único de Saúde, a questão é mais complexa. O que está em jogo é a defesa de um patrimônio de todos os brasileiros, que, mesmo sem saber, já foram usuários do sistema – seja no acesso a vacinas ou, de forma mais drástica, em “um deslize” do destino que faz de todos nós usuários em potencial de uma emergência pública. Do ponto de vista mercadológico ou institucional, a ninguém interessa um SUS fraco. Isso inclui hospitais privados e até mesmo operadoras de planos de saúde, atores que também fazem parte da solução para o SUS. Afinal, a ideologia de que o sistema vai se salvar através de um “Estado forte”, definitivamente, precisa ser se-pultada. No mundo inteiro, se há um único consenso de como equilibrar os gastos públicos com saúde – e conquistar a universalidade e a qualidade no atendimento prestado à população – é o de que o desafio não poderá ser vencido sozinho. Que o diga o NHS inglês e a forma como o Reino Unido vem buscando mais participação da saúde suplementar como alternativa a custos crescentes em saúde.

Para muitos especialistas, levar a classe média para o SUS é o primeiro passo para se mudar o destino do maior sistema de saúde da América Latina. Improvável? Segundo pesquisa do Datafolha, um em cada três beneficiários de planos de saúde, em São Paulo, usa o SUS por causa da demora ou negativa das operadoras. Outros milhares são curados, todos os anos – e por opção –, em hospitais universitários ou instituições públicas e filantrópicas de excelência que dispõem de recursos científicos e de pessoal únicos no país.

Por vias tortas, ou não, a defesa da saúde pública e de qualidade no Brasil é uma tendência para um país que está aprendendo na marra a ser republicano. Menos mal.

O SUS e a República do Brasil

A Revista Diagnóstico não se responsabiliza pelo conteúdo dos artigos assinados não refletem necessariamente a

opinião do veículo.

EDITORIAL

Reinaldo BragaCEO/Publisher

Diretor ExecutivoPublisher

Reinaldo Braga [email protected]

RepórteresBrasil

Eduardo César – [email protected] Oliveira – [email protected] dos Anjos - [email protected]

Estados UnidosRodrigo Sombra

InglaterraMara Rocha

Diretora ComercialVerônica Diniz – [email protected]

Financeiro Ana Cristina Sobral – [email protected]

FotógrafosRicardo BenichioRoberto AbreuAlan Sampaio

Diagramação e ArteCacá Ponte

IlustraçõesTúlio Carapiá

Revisão Calixto Sabatini

Tratamento de Imagens Roberto Abreu

Ilustração capaEditoria de Arte/Diagnóstico

Atendimento ao leitor [email protected]

(71) 3183-0360

Para Anunciar (71) 3183-0357

Comercial Partner

Impressão Gráfica Santa Bárbara

Distribuição DirigidaCorreios

Redação BrasilAv. Centenário, 2411,

Ed. Empresarial Centenário, 2º andarCEP: 40155-150 | Salvador-BA

Tel: 71 3183-0360

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[email protected]

Os meandros do poder central e a leido financiamento das campanhas no Brasil mostram que o modelo eleitoral vigente é ineficiente e pouco ético. Será que não chegou a hora de se discutir uma alternativa?Antônio G. Menezes, São Paulo-SP

CapafinanciamentO de campanhaSEquilibrada a abordagem feita pela Diagnóstico sobre o financiamento de campanhas no Brasil. A matéria mostrou com bastante isenção que a prática existe, é legal e pode estar, sim, a favor dos interes-ses da maiorias.Roque Almeida, Paulínia-SP

Os hospitais precisam se organizar para também fazer parte do jogo democrático. O nível de investimento em campanhas feito pelas opera-doras mostra que os parla-mentares conhecem apenas a versão de um lado da história. Onde está a Fenaess, a Anahp e a CNS? O.P., Rio de Janeiro-RJ

O brutal investimento no financiamento de campanhas feito pelas operadoras dá a medida da briga desleal do mercado de saúde brasileiro. Elas estão em todo lugar, Congresso, ANS e Executi-vo. Investem quantias cada vez maiores para eleger seus deputados, que, aos olhos da imprensa, dizem defender o SUS acima de tudo. Alguém acredita?M. A., Curitiba-PR

Congratulações à equipe da Diagnóstico por mais uma vez presentear seus leitores com um texto inteligente e reflexivo para o mercado de saúde. Por isso que essa excelente revista já se tornou leitura obrigatória para o executivo e empresário que busca análise e isenção.Cézar Augusto Dias,

Brasília-DF

EntrevistafLORentinO caRdOSOO presidente da AMB, Florentino Cardoso, expôs com clareza as principais mazelas do mercado de saúde brasileiro. O Programa Mais Médicos tem sim caráter político e, como se esperava, via ser a principal bandeira de campanha do atual ministro da Saúde, Alexandre Padi-lha, na disputa pelo Palácio Bandeirantes.Saulo Mesquita,

São Paulo-SP

Acho que a militância médica se perdeu ao defender a ban-deira contra o Mais Médicos. Primeiro, disseram que não faltavam médicos no Brasil, “a questão é a distribuição”. Depois, que os profissionais

de fora, sobretudo cubanos, eram incapacitados. Por último, decidiram sabotar o processo aberto pelo governo para selecionar profissionais de dentro e fora do Brasil. Perderam uma chance de ele-var um debate legítimo, por conta de um corporativismo sem estratégia.Gomes Rodrigues,

Rio de Janeiro-RJ

EnsaioViSõeS da améRicaAcompanho com muito pra-zer a série de artigos Visões da América, que vem sendo publicada com tanto esmero por esse prestigioso veículo. Trata-se de uma chance única de abrirmos o debate sobre gestão, quase sempre restrito ao monólogo de americanos e europeus.Jorge Vidal, São Paulo-SP

Finalmente estamos tendo a oportunidade de saber um pouco sobre nossos vizinhos latino-americanos. Quantas instituições de ponta temos no continente ansiosas por um benchmarking? Não somente de Brasil e Argentina vive o continente.T. Mendes, São Paulo-SP

ÁfricaajUda hUmanitáRiaSimplesmente comovente a reportagem publicada pela Diagnóstico sobre como a simplicidade e a benevolência estão ajudando comunidades remotas da África a recebe-rem ajuda humanitária. Usar bicicletas como ambulância e propiciar a chegada de ajuda médica a quem mais precisa é de fazer corar médicos brasileiros que não querem ganhar R$ 20 mil para ir para a Amazônia porque não “tem estrutura de trabalho”. Madela Silva,

Lisboa-Portugal

Direto ao PontoSUSana faLchiReveladora a entrevista feita pela consultora Susana Fal-chi sobre os bastidores das relações entre executivos e o mercado de saúde público e privado. É de estarrecer saber que grandes corpora-ções contratam esses profis-sionais simplesmente para fazer o jogo sujo na prática de cartéis e pagamento de propina junto a agentes pú-blicos. Até quando seremos o país da trapaça?Adalberto Vilas, Salvador-BA

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ENTREVISTAANTÔNIO BRITTO

‘EinstEin E sírio-libanês podEriam sEr mais inovadorEs’

Um dos maiores crí-ticos da desorgani-zação brasileira em P&D no setor far-macêutico, o pre-sidente executivo da Interfarma, An-

tônio Britto, divide a culpa pelo país ser apenas o 156º em atratividade de inova-ção. Segundo ele, o poder público – por onde já passou, como governador do Rio Grande do Sul, entre 1995 e 1998 –, a iniciativa privada e as instituições de en-sino fazem muito pouco para o país dei-xar de ser, em suas palavras, um membro permanente da Série C do campeonato da inovação. “O Brasil possui algumas ilhas de excelência, tanto em instituições públicas quanto privadas, como o Inca, o Einstein, o Sírio- Libanês e a Fiocruz”, pondera. “Mesmo nestes locais, con-tudo, poderia estar nascendo mais ino-vação. São ilhas cercadas de impostos, burocracia e desconectadas com a área privada”. Para ele, no Brasil sobram doutores e papéis, mas faltam patentes. “Do pau-brasil ao minério de ferro, nos contentamos em um rodízio entre ex-portação de commodities e a esperança no mercado interno”, frisa. “A inovação sempre foi vista como um complemen-

to”. Jornalista de formação, Britto foi também deputado federal e ministro da Previdência Social no governo de Itamar Franco – em uma carreira que começou a ser construída quando se tornou o porta--voz da agonia e morte do ex-presidente Tancredo Neves. A derrota na tentativa de reeleição ao governo do Rio Grande do Sul e, na sequência, à sucessão esta-dual gaúcha, em 2002, puseram fim à sua carreira política. “Não volto mais para a política. Encerrei esta etapa”, garante. Em 2009, a ida de Britto para a Interfar-ma, que reúne gigantes responsáveis por 80% dos medicamentos de referência no mercado e 34% dos genéricos, chegou a causar polêmica por conta da suspeita de que a já poderosa indústria farmacêuti-ca seria favorecida com uma influência política sem precedentes. “O meu caso é absolutamente diferente. Quando vim para a Interfarma estava fora do governo há 11 anos”, compara, ao ser questiona-do sobre o debate atual que envolve a participação de ex-executivos de merca-do nos quadros da ANS. Com voz pau-sada – a mesma de quando era repórter especial da Rede Globo – e eloquência típica de quem se acostumou a falar para multidões, Antônio Britto concedeu a se-guinte entrevista à Diagnóstico.

Diagnóstico – O senhor já disse que “inovar no Brasil parece pecado”, em relação aos ditames do atual ambiente regulatório. A quem interessa esse tipo entrave?Britto – Diante do desafio da inovação, alguns países, visando atrair a pesquisa, promovem programas agressivos, no sentido de diminuir a burocracia, reduzir tributação e coordenar ação dos gover-nos. Contudo, o Brasil está na contra-mão do mundo. A pesquisa aqui é quase pecado. Há uma burocracia que estabe-lece prazos três vezes maiores do que a média mundial. Isso mostra o ambiente de desperdício que o mundo acadêmico--científico passa no país. O Brasil já tem algumas ilhas de excelência, tanto em instituições públicas quanto privadas, como o Inca, o Einstein, o Sírio-Libanês, a Fiocruz. Mesmo nestes locais, contu-do, poderia estar nascendo mais ino-vação. São ilhas cercadas de impostos, burocracia e desconectadas com a área privada.

Diagnóstico – E como sair deste ciclo?Britto – O país como um todo terá que escolher uma opção, mais dia menos dia. Ou levará a sério o jogo da inova-ção ou se contentará com a Série B ou C

AdAlton dos Anjos

pRESIDENTE DA INTERFARMA, ANTÔNIO BRITTO: Brasil é o 156º em atratividade da inovação e o 19º em pesquisa clínica no mundo

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ENTREVISTAANTÔNIO BRITTO

do campeonato da inovação. Se o Brasil quiser tomar o caminho da inovação, te-mos três tarefas inadiáveis. A primeira é mudar a mentalidade dentro das univer-sidades, para que elas se aproximem do setor privado. Segundo, mudar a menta-lidade do setor privado para que ele se aproxime mais do risco na inovação e das academias. E terceiro, pedir que o governo não atrapalhe com burocracia, tributos e regulações absurdas. É preciso também melhorar a qualidade de nossa educação no campo das ciências exatas. É um projeto para 20 anos, mas, daqui até lá, vamos sair dessa posição em que produzimos muitos doutores, muitos pa-péis e poucas patentes. Outro caminho é continuar onde estamos. Somos o 19º país em pesquisa clínica no mundo, ao mesmo tempo em que estamos em 6º lu-gar no mercado farmacêutico. O país é o 156º em termos de atratividade da inova-ção. Apenas no campo farmacêutico, em um mercado de US$ 150 bilhões anuais em inovação, o Brasil está recebendo uma migalha de cerca de US$ 200 mi-lhões. Esta realidade resulta em impor-tação excessiva de tecnologia e insumos. Montamos uma indústria de genéricos no país e não lucramos, já que 86% des-te segmento é produzido com princípios ativos trazidos da Índia e China. Diagnóstico – Já é possível medir os efeitos da Resolução nº466/12? Qual o paralelo dessa legislação com as prá-ticas de pesquisas em nações mais de-senvolvidas?Britto – O efeito é uma barra de gelo na cabeça de qualquer cientista brasileiro. Havia uma expectativa de que o ministro da Saúde, [Alexandre] Padilha, conse-guisse conduzir as discussões no Con-selho Nacional de Saúde na direção de uma maior abertura dos normatizadores de pesquisa clínica. Não se previa, no entanto, a facilitação em termos éticos, e sim, a eliminação de burocracias e pre-conceitos. Infelizmente, a resolução não caminhou nessa direção. O mundo todo tende a fazer exigências éticas cada vez maiores em pesquisa, e o Brasil não deve ceder um milímetro nessa matéria. Mas, em nosso país, em nome da ética, come-ça-se a pendurar exigências burocráticas e retrabalho. Lá fora, o que demora dois ou três meses, aqui leva um ano. Desper-diçamos o potencial brasileiro em maté-ria de pesquisa e inovação.

Diagnóstico – Um projeto de governo, nos moldes do Inovar Auto, pode ser uma alternativa de estímulo à pesquisa local?Britto – Não sou especialista em setor au-tomobilístico. Ao contrário de outros seg-mentos, a inovação farmacêutica não se faz com terreno, nem com verba oficial, ou com medidas simplesmente de interfe-rência no mercado. A inovação se faz com a união de cérebros, a colocação destes pesquisadores em um ambiente adequado e a aproximação com a iniciativa priva-da. Foi assim que um bando de cabeludos transformou a Califórnia no quinto “país do mundo”, que alemães transformaram a Alemanha e a Suíça em potências quí-micas, e os asiáticos fizeram do Japão, da Coreia e agora da China vendedores de

tudo que tentamos comprar hoje em dia. Estes países não usaram programas “Pró--isso”, “Pró-aquilo”. Temos que lançar o “Pró-cérebro”.

Diagnóstico – O senhor está à frente de um movimento que defende redução de impostos para os produtos farmacêuti-cos. Como garantir que essa desonera-ção seja repassada para o mercado con-sumidor e para os hospitais?Britto – O que a Interfarma faz é parti-cipar e colaborar com muito entusiasmo com o debate de uma questão a nosso ver bastante simples: só existe um produto brasileiro com preço tabelado – os medi-camentos. Se o governo, às 16h, diminui o imposto de medicamentos, às 16h01, a indústria irá repassar a diferença no pre-

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os EUA, está acontecendo uma grande discussão em como ajudar a pesquisa para que ela e o preço inicial dos remédios se-jam mais baratos. Não se trata de zerar o imposto sobre a inovação, mas entrar com dinheiro para que o preço do resultado da inovação custe menos. É bom lembrar que o medicamento sempre tem sido reajusta-do abaixo da inflação, e que o valor inicial destes produtos no Brasil é definido numa regra em que ele será sempre mais bara-to que o preço de nove países escolhidos pelo governo. Não estou dizendo que re-médio é barato, mas acho que há esforços no país no sentido de reduzir as dimensões dessa questão. Acredito que estes esforços poderiam ser maiores se houvesse mudan-ças no ambiente da inovação, no campo tributário e na questão regulatória.

ço final para os consumidores. Temos um tributo que nenhum outro país do mundo cobra. Aqui no Brasil, remédio paga mais imposto que biquíni e urso de pelúcia. Isto vai na contramão da necessidade de ampliar o acesso.

Diagnóstico – O avanço da tecnologia e o consumo ascendente no setor farmacêu-tico nem sempre resultam em produtos mais acessíveis. Os custos do setor, aliás, nunca são discutidos de forma transpa-rente. De quem é a culpa?Britto – Existe um aspecto correto e outro não nesta afirmação. Temos uma inovação que é realmente cara. No entanto, o ciclo de vida dos medicamentos e o aumento da oferta reduzem consideravelmente os pre-ços. Diante deste cenário, em países como

TÉcNIcO EM lABORATóRIO DA FIOcRUz, NO RIO DE jANEIRO: desempenho das pesquisas no Brasil é prejudicado por impostos, burocracia e desconectividade com o setor privado

não vamos fazer as pessoas abandonarem a tomografia e voltarem para o raio-X, ou abrirem mão da medicação mais avançada e adotarem drogas de 30 anos atrás. Precisamos encontrar soluções que favoreçam hospitais, planos de saúde, indústria farmacêutica e governo

Diagnóstico – Para as operadoras de saú-de e demais agentes financiadores do setor, a evolução tecnológica na indús-tria farmacêutica é vista como um dos grandes vilões na elevação dos custos em saúde. O senhor pode comentar?Britto – Qualquer hospital é obrigado a oferecer infraestrutura física adequada, equipe qualificada, além de serviços, ins-talações, equipamentos, cuidados, diag-nósticos e medicamentos. Estes oito dife-rentes elementos mostram uma tendência mundial a um brutal agravamento dos custos de saúde. Estamos diante de uma equação que não se resolve andando para trás. Não vamos fazer as pessoas aban-donarem a tomografia e voltarem para o raio-X, ou abrirem mão da medicação mais avançada e adotarem drogas de 30 anos atrás. Precisamos encontrar soluções que favoreçam hospitais, operadoras, in-dústria farmacêutica e governo a traba-lharem em um ambiente onde se reduzam os preconceitos e se ampliem análises racionais de como o Brasil pode montar respostas para um problema que é grave em todo do mundo.

Diagnóstico – Qual o peso da circulação de medicamentos falsos no mercado far-macêutico brasileiro?Britto – Felizmente é pequeno. Vivemos

Peter Llicciev/Fiocruz

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ENTREVISTAANTÔNIO BRITTO

uma boa regulação sanitária determinada pela Anvisa. Neste ponto, o Brasil cami-nha para a frente. Os quatro bilhões de unidades anuais de medicamentos fabri-cados aqui vão sair das fábricas a partir de 2016 com uma impressão de dados em tecnologia 2D. Isso vai permitir que cada etapa de circulação passe se ser monito-rada remotamente. A qualquer tempo se poderá rastrear por onde e como transitou cada medicamento no país.

Diagnóstico – As PPPs são a melhor al-ternativa do governo para produção de medicamentos biológicos no Brasil?Britto – Não somos contra as PPPs. Mas achamos que elas deveriam ser mais transparentes. É preciso que haja uma brutal reorganização das condições de co-nexão entre a universidade, o governo e o setor privado.

Diagnóstico – A onda de fusões e aquisi-ções no setor farmacêutico já foi conso-lidada no país?Britto – Essa é uma consolidação que nunca termina, apesar do lapso, nos últi-mos dois ou três anos, em função da crise mundial. Mas o custo da inovação e a glo-balização do mercado indicam que neste setor a fusão e a concentração são tendên-cias irreversíveis.

Diagnóstico – Como as multinacionais estão vislumbrando o futuro do phar-merging? Há uma tendência de mudan-ça de estratégia para entrada nestes mercados? Britto – Existem países na África e no sul da Ásia onde são indispensáveis po-líticas imediatas de apoio e facilitação às condições de acesso, e, neste sentido, a indústria farmacêutica tem trabalhado em parceria principalmente com a Organiza-ção Mundial de Saúde. Há países como Turquia, México, Coreia, Brasil, Rússia, Índia e China que estão em condições de emergência em todos os campos e que tendem a ser tornar o polo dinâmico do mercado farmacêutico mundial. Há tam-bém os mercados maduros, como nos EUA, na Europa e no Japão, que tendem a perder importância relativa neste cenário. A atuação dessas multinacionais nesses mercados não significa uma mudança de estratégia, e sim a busca de novos enfo-ques. Se há um polo dinâmico em um lu-gar, elas direcionam seus esforços e aten-ção para aquele local.

Diagnóstico – Os escândalos de suborno da britânica GlaxoSmithKline na China resultaram numa grande queda na ven-da de medicamentos da farmacêutica que surpreendeu até analistas. O caso pode servir de paradigma para condutas mais éticas por parte da indústria?Britto – A indústria tem adotado global-mente condutas cada vez mais restritivas e afirmativas do seu compromisso ético. No Brasil, temos, com muito orgulho, um código de ética da Interfarma – uma iniciativa inédita na indústria nacional. O documento nos leva à permanente aten-ção junto aos nossos 53 associados, com requisitos éticos e punição de eventuais condutas. Todo este ambiente está conve-niado com instituições como o CFM e a AMB. O caminho é de uma prestação de serviços em um ambiente cada vez mais ético.

Diagnóstico – Segundo artigo publicado no Jama (jornal da Associação America-na de Medicina) em 2000, o ato de pagar uma viagem para um médico aumenta entre 4,5 e 10 vezes a possibilidade dele receitar as drogas produzidas pela pa-trocinadora. Esse marketing é legítimo?

Britto – O código de ética da Interfarma tem também a função de regular questões come essa. O documento estabelece, por exemplo, medidas extremamente rigoro-sas para impedir qualquer tipo de intera-ção (entre médico e indústria) que não te-nha como objetivo a troca de experiências científicas. No caso das viagens patroci-nadas, as condições são bastante especí-ficas quanto ao tipo de passagem, hotel e ao teor do evento. O código de ética da Interfarma está disponível em nosso site para qualquer cidadão brasileiro.

Diagnóstico – Como funciona o proces-so de fiscalização e punição para os que descumprem as regras do código?Britto – Temos uma comissão de ética que recebe e apura as denúncias, além de punir quando existe contrariedade ou desconformidade com as regras. Ele não é um integrante da nossa biblioteca e sim da nossa prática diária. As punições vão desde sanções financeiras, com a doação dos recursos a entidades sociais, até a ex-clusão da vida associativa.

Diagnóstico – Em recente entrevista à Diagnóstico, o ex-secretário de Saúde alemão, Franz Knieps, revelou que o governo germânico criou um comitê de notáveis para avaliar a eficácia de me-dicamentos tidos como revolucionários pela indústria farmacêutica e que serão custeados pelo poder público. A inten-ção é avaliar o custo/benefício de novas drogas, cujo impacto para os sistemas de saúde é cada vez mais crescente. Como a indústria avalia esse tipo de estratégia de “regulação branca”? Britto – Em alguns países, o governo é o principal comprador e, por isso, esta-belece regras para decidir incorporar ou não em sua lista de compras determina-dos medicamentos. O ponto principal é quais são estes critérios de avaliação, que podem ser construídos a partir do ponto de vista do paciente. O remédio é bom ou não? Acrescenta? O que médicos e pa-cientes dizem sobre o medicamento? Se a avaliação vem sendo feita nestes termos, ela é absolutamente positiva e necessária. Mas, em alguns outros lugares, e o Bra-sil tem tendência a cair nisso, as pessoas se reúnem e usam outro critério: ‘Tenho dinheiro para pagar?’ Portanto, a escolha acontece não com base no interesse do paciente, mas sim no orçamento da saúde e nos cofres do governo. Medicamentos

Se o governo, às 16h, diminui o imposto de medicamentos, às 16h01, a indústria irá repassar a diferença no preço final para os consumidores. Temos um tributo que nenhum outro país do mundo cobra. No Brasil, remédio paga mais imposto que biquíni. Isto vai na contramão da necessidade de acesso

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que poderiam ser muito importantes, do ponto de vista humanitário e social, são vetados não por razões relacionadas às questões científicas e sim estritamente financeiras e econômicas. Este não nos parece ser o melhor critério de avaliação.

Diagnóstico – O senhor pretende voltar para a política um dia?Britto – Não mais. Encerrei esta etapa em minha vida.

Diagnóstico – Por quê?Britto – Foi uma passagem importante em meu currículo que se encerrou. Pre-tendo concluir minha atividade profissio-

nal atuando apenas na iniciativa privada.

Diagnóstico – Na época, a sua decisão de aceitar o convite da Interfarma cau-sou polêmica, com a suspeita de que a indústria ganharia uma influência po-lítica sem precedentes no círculo do poder central. Atualmente, o debate é no caminho inverso, com a ANS sendo criticada por compor seus quadros com profissionais que já foram da iniciativa privada (operadoras). Há certa “esqui-zofrenia” sobre a questão?Britto – Meu caso é absolutamente di-ferente. Quando vim para a Interfarma estava fora de governo há 11 anos. Acho que, em outras situações, o fundamental é se estabelecer o princípio da quarentena, que já existe na legislação brasileira. No caso da ocupação de cargos no setor pú-blico, o mais importante é se promover a despartidarização. Não é possível que as agências se preencham com critérios ex-clusivamente partidários. Claro que qual-quer decisão no mundo terá um caráter

político. Ela só não pode é ser somente política.

Diagnóstico – Há algumas semanas, a revista Veja revelou gravações que supostamente citavam a Interfarma na compra de apoio no Congresso Na-cional. O caso envolvia especificamen-te o deputado federal Saraiva Felipe (PMDB). O que o senhor tem a dizer a respeito?Britto – O episódio foi totalmente escla-recido. Tratou-se, na verdade, de recursos para financiamento de campanhas, feito rigorosamente dentro da lei, no período eleitoral. As declarações do deputado, portanto, não correspondem à realidade que foi sugerida nas gravações. A Inter-farma cumpre as leis do país.

Diagnóstico – O senhor é a favor da re-gulamentação do lobby como atividade profissional?Britto – Evidente que sim. O ‘cinza’ é um inimigo em qualquer área de atuação.

REUNIÃO DO cONSElhO NAcIONAl DE SAúDE QUE ApROvOU A RESOlUçÃO Nº 466/12: a normatização das pesquisas com seres humanos tornou-se, na opinião da Interfarma, mais um entrave para a p&D no Brasil

Rafael Bicalho

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EFICIÊNCIA NA SAÚDEMERCADO

É quase uma exigência que todas as discus-sões sobre o futuro da saúde comecem com a referência do crescimento insusten-tável da taxa de gastos médicos nos EUA. Tabelas e gráficos expõem uma acele-ração da fatia do Produto Interno Bruto (PIB), representando uma fera voraz, que

ameaça engolir o pouco dinheiro que resta para outros serviços vitais. E apesar de as discussões sobre como frear esse cresci-mento sensível nos gastos serem predominantes e importantes, a questão muitas vezes tem se perdido em meio a estes debates.

Neste artigo, tentamos mostrar o outro lado da moeda. Em vez de questionar como podemos sustentar os gastos em saúde, perguntaremos como podemos torná-la mais acessível. Apre-sentaremos um quadro conceitual do mundo da administração que explica como outras indústrias cortaram custos com novos modelos de negócios para oferecer produtos e serviços cada vez mais inovadores. Chamamos esse processo que encami-nha a estes avanços de “disruption innovation” (em português “inovação disruptiva”) e acreditamos que ela é um componente necessário para promover alta performance e acessibilidade no sistema de saúde.

DEfininDo “inovação DisruPtiva”A teoria da inovação disruptiva ajuda a explicar como pro-

dutos e serviços caros e complexos são eventualmente conver-tidos em simples e acessíveis. O Quadro 1 (página ao lado) re-trata a performance de produtos ou serviços que gradualmente melhoram ao longo do tempo. Contudo, existem, na verdade, duas trajetórias diferentes para a melhoria de todo o mercado, representado no gráfico por linhas pontilhadas e sólidas.

As linhas sólidas representam a melhoria contínua do pro-duto ou serviço que é introduzido pelas empresas ao longo do tempo. Essas inovações podem ser pequenas e experimentais,

ou os avanços podem ser mais intensos. Optamos por chamá--los de “inovações sustentadoras”, porque elas sustentam uma trajetória existente de melhoria de performance. Inovações sus-tentadoras resultam em melhores produtos, que podem ser ven-didos com maiores lucros para os melhores clientes – mantra predominante do mundo dos negócios que oferece orientação prudente para empresas e setores inteiros por muitos anos.

Contudo, as linhas pontilhadas no Quadro 1 refletem uma trajetória diferente: a demanda dos clientes para o uso de produ-tos e serviços cada vez melhores. O espectro do desejo de clien-tes para a melhoria da performance é representado por várias linhas pontilhadas, mas o que é interessante é que essas linhas, começando com os clientes de camadas menos exigentes, even-tualmente intersecionam com a trajetória da melhoria dos pro-dutos. Estes pontos de cruzamento são a representação gráfica do fato de que as empresas atualizam as características dos seus produtos de forma muito mais rápida do que os clientes podem usá-los. E quando os produtos começam a ter mais funcionali-dades do que os clientes precisam ou desejam, um tipo diferente de inovação ocasionalmente emerge – a inovação disruptiva.

Em contraste com as inovações sustentadoras, um produto disruptivo não é tão bom quanto aquele que já está sendo usado pelos clientes, e, por isso, não se deve apelar para consumidores em um mercado existente. Porém, o fato de o novo produto ser mais simples, mais conveniente e mais acessível possibilita a participação de um novo conjunto de clientes que eram inicial-mente ignorados pelo mercado ou excluídos completamente. Como mostrado no quadro, não apenas este tipo de inovação cria raízes no mercado que é menos exigente e não consome nada, mas também tem como alvo clientes que são menos atra-tivos. Empresas com sucesso estabelecido quase sempre esco-lherão, em vez de se concentrarem em oferecer produtos susten-táveis para os seus melhores pagadores, uma boa performance para os clientes mais ávidos.

inovação disruptiva Em saúdE: inovação dE um modElo dE nEgócios

Em vez de questionar como podemos sustentar os gastos em saúde, devemos seguir outro caminho: como podemos torná-la mais acessível?

jAson HwAng e ClAyton M. CHristensen

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O fato de os produtos disruptivos não atraírem os clientes desejados pelas empresas dominantes, que pagam os maiores preços, faz com que eles sejam quase sempre introduzidos por um novo concorrente. Contudo, uma vez que os produtos dis-ruptivos vão se estabelecendo no mercado ao longo do tempo, um a um os consumidores vão descobrindo que suas necessi-dades podem ser satisfeitas pela inovação. Em pouco tempo, os líderes do mercado se encontram sem clientes.

impactos da inovação disruptiva A inovação disruptiva explica como as start-ups, no esforço

para a oferta mais acessível de soluções, são capazes de absor-ver empresas dominantes do mercado com alarmante regula-ridade. Geralmente antes de estas companhias e seus líderes perceberem que seus dias estão contados. A Canon fez isso com a Xerox quando trouxe um aparelho de fotocópias para o mer-cado mais lento, mas menos custoso. A Toyota fez isso com a General Motors quando introduziu modelos esteticamente mais simples e mais baratos, e agora as fábricas de automóveis na Coreia do Sul, China e Índia estão “quebrando” a Toyota da mesma forma.

Um dos nossos exemplos favoritos foi a ruptura do main-frame – os gabinetes centrais dos primeiros computadores, que ocupavam grandes espaços – pelo menos poderoso, mas mais acessível, computador pessoal (PC). Há algumas décadas, o acesso ao computador era muito caro, e o uso dos aparelhos era complicado. Para calcular, era preciso levar um grande volume dos cartões perfurados em código binário que serviam como memória, que eram incorporados ao gabinete central ou leva-dos para a universidade, onde os cientistas e técnicos ajudavam a processar a informação. Com a introdução do PC, no entanto, um maior número de pessoas pôde realizar cálculos em seus próprios escritórios e casas sem a intervenção de um especia-lista. Como os PCs se tornaram mais eficazes, menos pessoas e empresários precisaram do mainframe. E embora gastemos muito mais hoje em computadores que no passado, somos me-lhores hoje e dificilmente algum de nós jamais questionará so-bre o fato.

A ideia largamente difundida de que o aumento dos gastos em saúde, particularmente em novas tecnologias, é algo que deve ser reprimido mostra quanto nós temos tentado responder à pergunta errada. Quando incorporamos modelos de negócios

inovadores com capitalização no aumento da conveniência e acessibilidade, as novas tecnologias podem oferecer um gran-de valor. A seguir, abordaremos a etapa crítica da inovação de modelos de negócios que devem ser combinados com essas tecnologias.

tecnologias disruptivas e negócios inovadoresCom frequência, questionamos por que, com tantas tecno-

logias médicas sofisticadas introduzidas todos os anos, a área de saúde não tem sido significativamente inovada. A razão é que a tecnologia é quase sempre implementada de uma manei-ra sustentável na saúde – primeiramente para ajudar hospitais e médicos a solucionar os problemas mais complexos. Certa-mente, não há nada errado nisso, mas o fato contribui pouco para que os cuidados em saúde sejam mais baratos e acessíveis. Para entender por que isto acontece, devemos começar anali-sando o que constitui um modelo de negócios.

O ponto de partida para um modelo de negócios de sucesso é a sua proposta de valor: um produto ou serviço ajuda clien-tes a obter um trabalho de forma mais eficiente, conveniente e acessível (Quadro 2 – abaixo). Os administradores reunirão um conjunto de recursos – incluindo pessoas, materiais, proprie-

A ideiA lArgAmente difundidA de que o Aumento dos gAstos em sAúde – pArticulArmente em novAs tecnologiAs – é Algo que deve ser reprimido mostrA quAnto nós temos tentAdo responder À perguntA errAdA. quAndo incorporAmos modelos de negócios inovAdores, As novAs tecnologiAs podem oferecer um grAnde vAlor

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melhores clientes das empresas. Por outro lado, a IBM criou um modelo de negócios bastante diferente na Flórida, permi-tindo-lhe crescer autonomamente, apesar das vendas ferozes dos produtos mais rentáveis. A DEC foi superada quando fez exatamente o mesmo que todos os fabricantes de microcompu-tadores, enquanto o novo modelo de negócios da IBM, que ti-nha como essência o microprocessador, revolucionou o mundo.

Na área de saúde, a maioria dos facilitadores tecnológicos falhou em promover cortes de custos, melhor qualidade e maior acessibilidade. Acreditamos que este é o principal motivo para o atraso das inovações do modelo de negócios, por uma varie-dade de razões que postularemos no final desde artigo.

tiPologiaAntes de descrever o que pode ser necessário para ser feito

no setor de saúde, apresentaremos um método para a classifi-cação e análise de modelos de negócios inovadores. Em geral, os modelos de negócios podem ser categorizados em três tipos: soluções especializadas, valor agregado dos negócios e redes de usuários.

• Soluções especializadas – As soluções especializadas fo-ram criadas pelas empresas para construir um diagnóstico e so-lucionar problemas de falta de estrutura. Empresas de consul-toria, agências de publicidade, pesquisa e desenvolvimento de escritórios de advocacia empregam este tipo de modelo de ne-gócios. Ele fornece um valor principalmente por conta dos que empregam especialistas e recorrem à sua intuição e habilidade para resolver problemas complicados e recomendar soluções – e empresas bem sucedidas são aquelas que podem atrair os maiores talentos. O trabalho das soluções especializadas tende a ser único para cada cliente, que quase sempre está disposto a pagar maiores preços no retorno.

• Valor agregado dos negócios – Essas empresas transfor-mam a entrada de recursos, como pessoas, equipamentos, ma-teriais brutos, energia e capital, em resultados de maior valor. Esse modelo de negócios é construído para fazer isso em vários

EFICIÊNCIA NA SAÚDEMERCADO

dade intelectual, equipamentos e recursos – necessários para oferecer uma proposta de valor. Como colaboradores e outros recursos repetidamente trabalham juntos para gerar o produto, o processo surge e se torna parte do modelo de negócio. Final-mente, uma fórmula de lucros se materializa e define preços, custos de produção, margens bruta e líquida de lucros, retornos de ativos e volumes para cobrir os gastos com recursos e pro-cessos que são necessários ao entregar a proposta de valor.

Ao longo do tempo, um modelo de negócios estabelecido começa a determinar os tipos de propostas de valor que uma organização pode ou não oferecer. Em outras palavras, uma vez que as partes do modelo de negócios se unem para oferecer uma proposta de valor particular, os eventos casuais começam a funcionar de forma inversa – apenas uma valoração que cubra os recursos existentes, processos e a fórmula de lucros da or-ganização pode ser exposta ao mercado. Em nossas pesquisas sobre inovação disruptiva, os únicos exemplos de quando um líder de um mercado tradicional migra para se tornar um líder em um plano de competição pela inovação acontecem quando o novo personagem estabelece seus negócios de forma anônima e organizada. Portanto, essa empresa independente foi autorizada a criar sua própria fórmula de lucros, captar verbas em margens menores que as empresas concorrentes, enquanto os processos e recursos são também marcadamente diferentes porque eles foram adotados sob uma nova fórmula de lucros.

Muitas companhias na atualidade tiveram tecnologias ino-vadoras dentro de suas áreas, mas falharam em aliar essas novi-dades com um modelo de negócios adequado. Quando o mer-cado de PC estava aquecido, por exemplo, a Digital Equipment Corporation (DEC), líder na fabricação de minicomputadores, certamente tinha acesso aos microprocessadores. Na verdade, com a expertise e a experiência da empresa, foram feitos os melhores produtos. Mas o modelo de negócios não poderia ser lucrativo ao fabricar e vender os computadores por menos de US$ 50 mil. Um plano interno de negócios que destacou a base do microprocessador em computadores definhou a favor dos propósitos que ofereciam produtos mais sofisticados para os

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caminhos, de modo que as capacidades das organizações são mais incorporadas nos seus processos do que nos recursos. Em-bora o processo de valor agregado em negócios possa ser mais eficiente do que os outros, como um todo, eles focam sua aten-ção no processo de excelência, que pode oferecer uma melhor qualidade dos serviços e produtos em um custo menor. Além disso, eles são menos afetados que outros tipos de negócios, pela variedade de resultados quando dependem da intuição das pessoas. Geralmente, estes resultados podem ser garantidos ou

refeitos gratuitamente. O setor de varejo, restaurantes, fábricas de automóveis e refinaria de petróleo são exemplos deste tipo de modelo de negócios.

• Redes de usuários – São uma rede de empresas que ao mesmo tempo compram, vendem, entregam e recebem produ-tos e serviços entre si. Neste tipo de negócio, as companhias que agregam valor e arrecadam dinheiro são aquelas que fa-cilitam o funcionamento eficaz de suas operações de rede de usuários. Empresas de seguro mútuo são redes de usuários – os clientes depositam seus prêmios de seguro coletivamen-te, e eles reivindicam. Companhias de telecomunicação, que facilitam as comunicações e transferência de dados entre seus clientes, além dos leilões no eBay, bolsas de valores e muitas atividades bancárias fazem parte dos negócios.

moDElos DE nEgóCios Para a saúDEOs modelos de negócios dominantes em saúde – que em

geral hospitais e médicos praticam – são os especializados, que emergiram num momento em que todos os cuidados médicos se baseavam na intuição de profissionais altamente qualifica-dos. Mas, ao longo do tempo, essas instituições subordinaram aos seus guarda-chuvas organizacionais muitas atividades que talvez fossem melhor executadas em outros dois tipos de mo-delos de negócios – valor agregado ou rede de usuários. Os legados das instituições de saúde são formados por misturas desordenadas de múltiplos modelos de negócios que lutam para obter valor em meio ao caos, incorporando sistemas indecifrá-veis de contabilidade, com sobrecarga excessiva, subsídios cru-zados e um volume inaceitável de erros médicos.

Todavia, já existe exemplo de modelos de negócios em saú-

os legAdos dAs instituições de sAúde são formAdos por misturAs desordenAdAs de múltiplos modelos de negócios que lutAm pArA obter vAlor em meio Ao cAos, incorporAndo sistemAs indecifráveis de contAbilidAde, com sobrecArgA excessivA, subsídios cruzAdos e um volume inAceitável de erros médicos

pEDIATRA EM ATENDIMENTO NA UNIDADE DA MINUTE clINIc, NOS EUA: clínica de baixo custo funciona dentro de lojas de departamentos e até de farmácias

Fotos: Divulgação

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seus clientes. Usando um amplo conjunto de dados do paciente e da operadora de saúde, uma revolução na saúde está cons-truindo uma rede que permitirá aos usuários encontrar grupos combinados, compartilhar dados e aprender uns com os outros. A rede de usuários ajudará a mudar muito mais os cuidados de doenças crônicas do que a prática do cuidado dessas enfer-midades baseada no modelo intuitivo praticado por hospitais e consultórios médicos, cujos modelos de negócios são mal equi-pados para atender às necessidades das pessoas. Semelhante ao processo de valor agregado dos hospitais que podem executar procedimentos de alta qualidade e de custos muito mais baixos que os hospitais tradicionais, as empresas de redes de usuários também melhorarão sua qualidade e reduzirão custos em saúde que dependem do comportamento dos dependentes.

Esse modelo de negócios disruptivo transmite propostas de valor que são distintas daquelas praticada em hospitais e clí-nicas. Ao incorporar em seus modelos as tecnologias que têm

de cujos recursos, processos e fórmula de lucros correspondem apropriadamente a natureza dos seus valores propostos. Muitos procedimentos médicos, que vão desde uma enfermeira usar os resultados de um teste de diagnóstico para verificar a presença de faringite estreptocócica A ou a um médico prescrever uma cirurgia para retirada de uma hérnia e angioplastia, são valores agregados à atividade. Este tipo de trabalho é possível somente depois que um diagnóstico definitivo é feito primeiro, normal-mente por uma solução especializada. Mas quando os valores agregados aos procedimentos são organizacionalmente separa-dos a partir do trabalho das soluções especializadas, os preços fixos do valor agregado às atividades caem tão fortemente que os hospitais e clínicas podem oferecer serviços que são até 60% menores do que aqueles que praticam o modelo de negócios de valor agregado e soluções especializadas ao mesmo tempo. Instituições como a MinuteClinic, Shouldice Hospital, em On-tario, e alguns hospitais de cardiologia são exemplos de valor agregado nos negócios em saúde.

Ao mesmo tempo, apesar de as redes de usuários perma-necerem não estimulando o desenvolvimento e utilização do sistema de saúde, ele é o modelo ideal para o tratamento de muitas doenças crônicas. Alguns exemplos incluem o Weight Watchers (Vigilantes do Peso) e o Alcoólicos Anônimos (AA). A dLife, que criou uma rede para integrar diabéticos e familia-res, é outro exemplo deste tipo de modelo de negócio que faci-lita o intercâmbio de informações e conselhos em saúde entre

FÁBRIcA DA hYUNDAI EM pIRAcIcABA (INTERIOR DE SÃO pAUlO), ONDE É pRODUzIDO O cOMpAcTO hB20: os coreanos vêm usando a inovação disruptiva para vender no Brasil um produto de boa qualidade a preços competitivos

EFICIÊNCIA NA SAÚDEMERCADO

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Jason Hwang é médico, graduado pela Universidade de Michigan. Clayton Christensen é professor da Harvard Business School, em Boston. Ambos são cofundadores da Innosight Institute, empresa de consultoria de estratégia e inovação em saúde, sediada em Watertown, Massachussetts. Publicado com autorização. Todos os direitos reservados.

simplificado o trabalho que era realizado de forma mais com-plexa nas soluções especializadas, os inovadores ajustam seus recursos, processos e fórmulas de lucros de forma que os hospi-tais e médicos não podem combinar – nem devem esperar. Por conta desse foco disruptivo nos negócios, as partes baseadas em regras de cuidados de saúde podem oferecer serviços mais baratos e com uma qualidade maior que os modelos antigos po-deriam. Isso porque o processo tem uma variação tão previsível que o trabalho pode ser transferido de especialistas para gene-ralistas, de generalistas para enfermeiras e outros profissionais. E, em última instância, para os próprios pacientes. Justamente neste ponto, empresários da saúde e os autores de políticas pú-blicas da área devem concentrar suas energias se querem ver o mesmo grau de inovação que já transformou várias indústrias no setor.

DEsafios Fragmentação do cuidadoInstalações com estruturas específicas e rede de usuários

fora dos modelos de saúde integrados oferecidos hoje podem realmente gerar ganhos em eficiência e economia de recursos, mas elas também podem fragmentar a oferta de saúde. A coor-denação médica neste sistema é fundamental, bem como a im-portância das operações da tecnologia da informação em saúde, que não podem ser profundamente forçadas. O sistema de TI em saúde deve servir como um tecido que une várias peças da oferta de saúde em um método coerente que transmite seguran-ça e um bom relacionamento. O papel da coordenação médi-ca também pode ser realizado em uma variedade de graus por homecare, serviços por telefone, como o Revolution Health’s Nightingale, da On Star – companhia de seguros americana –, além de decisões tomadas através de softwares na web e gra-vações pessoais.

Falta de mercado A inovação disruptiva requer que um mercado de clien-

tes realize incentivos para consumir produtos e serviços que melhor satisfaçam suas necessidades. Isto tem sido motivo de crítica das terceirizações e das combinações com franquias, co--pagamentos e seguros. Os impostos em saúde, em combinação com um maior desconto dos planos, talvez melhorem as formas disponíveis hoje para incentivar decisões racionais sobre o con-sumo de serviços de saúde.

Contudo, é importante reconhecer que o sistema de saúde acolhe modelos de negócios altamente interdependentes e não permite a simples conexão de um novo componente. As taxas da saúde realmente criam incentivos adequados para compor-tamentos saudáveis, mas ao mesmo tempo em que a oferta do sistema de saúde continua dispendiosa e inconveniente, os consumidores, de forma racional, evitam gastar dinheiro nes-tes serviços. Em outras palavras, até encontrarmos modelos de negócios inovadores para a oferta de serviços de saúde em con-junção com as taxas, continuaremos a ver indivíduos parado-xalmente evitando comportamentos saudáveis que esses meios desejam incentivar.

Barreiras regulatóriasAs batalhas frequentes sobre o adiamento dos prazos de

pagamento de dívidas federais de hospitais de especialidades, as políticas de Estado para autorização das atividades e as res-

trições sobre a estrutura das instalações médicas fazem parte das discussões daqueles que defendem de forma apaixonada a ideia de que uma mudança disruptiva poderia comprometer a segurança pública em prol de maiores lucros. De forma interes-sante, todas as companhias e indústrias que foram inovadoras contaram com personagens que ao mesmo tempo fizeram lobby contra as mudanças e argumentaram que as empresas inovado-ras nunca poderiam oferecer mais que um desempenho padrão e uma qualidade inaceitável.

As empresas que cresceram e obtiveram sucesso por meio de condições regulatórias específicas posteriormente trabalha-ram intensamente para provar que aquelas condições continua-ram a seu favor. Não foi há muito tempo que a General Motors fez lobby para o aumento das tarifas dos produtos importados do Japão no Congresso americano. “O que é bom para a Gene-ral Motors é bom para os EUA”.

Contudo, apesar de geralmente escrito com boas intenções, esses regulamentos inevitavelmente tornam-se uma armadilha para os altos custos dos modelos de negócios para a saúde. Por exemplo, muitos estados não permitem que suas enfermeiras interpretem resultados simples de exames ou façam prescri-ções, deixando a oferta de serviços em saúde desempenhada pela equipe médica mais personalizada. Isto faz sentido para enfermidades mais complexas, que requerem a atuação de especialistas, mas este tipo de regra não deixa espaço para o processo de valor agregado ao negócio, como os enfermeiros das clínicas que podem oferecer melhores serviços com custos mais efetivos. Aqueles que elaboram as políticas de saúde de-vem identificar os custos ocultos de suportar e renovar as regras que inibem a inovação em longo prazo.

Ressarcimento Finalmente, retornaremos à nossa premissa inicial, que é o

erro em se concentrar apenas no corte de custos quando se tenta ajustar o sistema de saúde, regras e atenção direta aos contri-buintes para cortar os índices de reembolso e tentar forçar um modelo de negócios especializado para hospitais e clínicas que de alguma maneira encontram o caminho para se tornar mais eficientes e promover alguma melhoria na saúde. Com menos ressarcimentos, hospitais e clínicas lutam ainda mais para re-alizar suas propostas, fornecer serviços complexos, cuidados médicos mais caros, e eles se tornam ainda menos inclinados a deixar de fora o valor agregado ao processo empresarial.

Como tentamos enfatizar neste artigo, a solução apropriada é incentivar o desenvolvimento de modelos de negócios disrup-tivos que possam assumir uma maior parte da carga de trabalho – e não forçar modelos personalizados antigos em medicina, que tiveram sucesso em algum momento, para se conformar. A união entre avanços tecnológicos com uma escolha apropriada de um modelo de negócios inovador gerou acessibilidade para as indústrias da área de siderurgia e é a receita certa para o tratamento do sistema de saúde – um tratamento que é desespe-radamente necessário e há muito tempo esperado.

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O aumento do número de idosos deman-da soluções para os problemas que as instituições hospitalares já começa-ram a enfrentar e, sobretudo, um re-desenho dos sistemas de saúde, com mudanças importantes no cuidado prestado.

O ritmo acelerado do envelhecimento da população ilustra a magnitude deste desafio. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a expectativa de vida hoje é de 74 anos e será de 81 anos em 2050. No Brasil, a expectativa de vida aumentou de 43 para 75 anos de 1945 a 2013. A pirâmide populacio-nal encontra-se em transformação e sofrerá inversão, levando a predomínio de idosos em relação às crianças. Em 30 anos, o número de idosos quintuplicou e até 2050 será sete vezes maior. Em nosso país, a alteração da pirâmide etária ocorreu em um terço do tempo se comparado aos países desenvolvidos.

A transição epidemiológica acompanha a demográfica. Em nosso meio, a prevalência de doenças infecciosas e crônicas não transmissíveis demanda maiores recursos e arranjos pecu-liares do sistema de saúde.

Esta rápida evolução aumenta a importância e a necessi-dade de o país administrar e assimilar a inversão da pirâmide etária com maior rapidez do que os sistemas europeus, que en-riqueceram primeiro, para depois envelhecer. Em alguns seg-mentos, a população de beneficiários apresenta hoje a estrutura etária prevista para o ano de 2030. A faixa etária dos acima de 65 anos utiliza mais os serviços de saúde, sobretudo hospitais, as hospitalizações são mais longas, a mortalidade maior, bem como as admissões em unidades de terapia intensiva e a taxa de institucionalização.

Esta nova realidade aponta a urgência de remodelamento do sistema de saúde e de seu financiamento. Há necessidade de desenvolvimento de serviços voltados para atender à de-manda da população que envelhece rapidamente e em grande quantidade.

O cuidado O sistema de saúde não está preparado e não oferece assis-

tência adequada, uma vez que o modelo de atenção encontra--se ultrapassado, priorizando os casos agudos e de forma frag-mentada. Será necessário reorganizar a rede de atenção para acolher e cuidar da população idosa.

Há indícios de mudanças, com maior ênfase nas ações pre-ventivas e de promoção da saúde, com aumento da prática do autocuidado. O papel do hospital neste contexto precisa ser revisto, inclusive no que se refere à educação e preparo dos usuários, familiares e cuidadores. É necessária ainda a rear-ticulação dos hospitais, com o desenvolvimento de linhas de cuidado e estruturas de atendimento capazes de responder de maneira eficaz e eficiente às necessidades emergentes.

O plano de enfrentamento das doenças crônicas proposto pelo Sistema Único de Saúde (SUS) tem ganhado importância. Apesar disso, há necessidade de intensificação das políticas de atenção ao idoso, incentivo às ações de promoção da saúde, envelhecimento ativo, educação permanente, atenção domici-liar e segurança da pessoa idosa. O setor privado oferece ações pontuais, apesar das várias iniciativas de operadoras e organi-zações hospitalares no sentido de atender a esta nova demanda e desenvolver ações integradas e coordenadas. A mudança des-te cenário passa pela intensificação da sinergia entre os setores público e privado, revisão das posturas e reforço da articulação em rede, visando à integralidade das ações.

Intervenções de promoção da saúde poderão auxiliar a corrigir o declínio funcional, sendo a redução do nível de in-capacidade um grande ganho. O período de internação é de-terminante para resgatar a funcionalidade, pois vários fatores podem levar ao declínio funcional, tais como imobilização prolongada, privação sensorial, desorientação, ambiente não familiar, procedimentos invasivos, diminuição da ingesta de nutrientes etc.

Várias estratégias para a desospitalização podem ser uti-lizadas, como programas de medicina preventiva, monitora-mento do paciente de alto risco e de alto custo, gerenciamento de crônicos, redução do tempo médio de internação, melhor gerenciamento dos leitos, homecare, cuidados paliativos, rea-bilitação e serviços de longa permanência. Para que a desos-pitalização seja efetiva, a articulação entre os vários atores é

A revolução da longevidade está ocorrendo no Brasil de forma súbita e com grande impacto na sociedade, forjando mudanças sociais, políticas, econômicas e ambientais

LaURa SchIeSaRI*

EnvElhECimEnto PoPulaCional E as rEPErCussõEs na ativiDaDE hosPitalar E

na gEstão Da assistênCia

ensaios

Diagnóstico | set/out 2013 25

fundamental, bem como o trabalho educativo junto às famílias e pacientes, comissões de desospitalização e de gerenciamento de leitos, garantia de continuidade dos cuidados.

Os cuidados devem atender às necessidades dos idosos, familiares e cuidadores, e a assistência deve ser prestada em tempo adequado e com foco no paciente, com eficiência, equi-dade e efetividade. O cuidado deve ser integral, integrado, se-guro, multiprofissional, inter e transdisciplinar, com ênfase na reabilitação e reinserção pós-internação. O plano de cuidado com metas definidas pela equipe multiprofissional e o preparo para a alta são fundamentais.

Os profissionais de saúde têm grande responsabilidade na recuperação da saúde dos idosos durante a internação. No en-tanto, a formação e a educação continuada para cuidar do pa-ciente idoso carecem de aprimoramento. É preciso disseminar o conhecimento sobre o envelhecimento, valorizar os idosos, reconhecer suas demandas específicas e reforçar o trabalho em equipe.

Algumas reflexõesA revolução da longevidade está ocorrendo no Brasil de

forma súbita e com grande impacto na sociedade, forjando mudanças sociais, políticas, econômicas e ambientais.

Surge aos poucos um novo conceito, a gerontolescência ou a nova fase da vida, com duração de duas ou três décadas. Se tantos esforços foram dedicados à adolescência, fase mais curta e circunscrita, este longo período merece, no mínimo, atenção redobrada.

Envelhecer deve ser visto como um privilégio e não como um problema. Nosso desafio será tornar a sociedade e nos-sos serviços mais adaptados para este novo momento. Mãos à obra!

Laura Schiesari é médica especialista em administração hospitalar e diretora técnica da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp). *Este texto foi elaborado a partir da contribuição dos vários palestrantes do II Conahp, realizado entre os dias 2 e 4 de outubro de 2013, em São Paulo, e das sínteses realizadas pelos aprimorandos do Proahsa.

Esta nova realidade [do envelhecimento populacional] aponta a urgência de remodelamento do sistema de saúde e de seu financiamento. Há necessidade de desenvolvimento de serviços voltados para atender à demanda da população que envelhece rapidamente e em grande quantidade

Diagnóstico | set/out 201326

Eduardo Najjar é expert brasileiro em family business, consultor e palestrante associado da Empreenda, coordenador do GrandTour Family Business Inter-national, professor na ESPM e, além da Diagnóstico, é colunista do Blog do Management (Exame.com).

cipação no mercado, apresentando produtos e serviços no-vos e inovadores; expandindo sua operação para outras regi-ões; atraindo financiamentos para suportar seu crescimento. Caso o fundador consiga superar os problemas apresentados pelo próprio crescimento, pela expansão, o negócio continu-ará a crescer e se beneficiará da sinergia entre herdeiros e pais.

Quarta fase: governança/maturidade É a mudança do modelo de poder concentrado em uma só pes-soa, para aquele em que os herdeiros deverão trabalhar juntos, com sinergia, para tomar decisões que beneficiem a empresa e não apenas os seus interesses pessoais. Nesta fase, a governan-ça deve colocar ênfase em princípios como transparência, res-ponsabilidade e justiça. Caso estes princípios não sejam obser-vados, poderão surgir conflitos de difícil resolução, com grande chance de colocar em perigo a sobrevivência do negócio da fa-mília e, muito provavelmente, a harmonia e a unidade familiar.

Quinta fase: renovação A empresa cria o desejo de voltar a operar com um modelo “mais magro”, com menores custos. As equipes deverão promover a inovação, trabalhando com criatividade, que po-

derá ser obtida através da utilização de uma estrutura de tomada de decisão mais descentralizada.

Sexta fase: declínio A empresa entrará nesta fase caso predominem a política organi-zacional de busca do poder e caso os membros da família contro-ladora do negócio pressionem a gestão, mais preocupados com as metas pessoais do que com as metas da empresa. Em algumas em-presas familiares, a incapacidade de atender às demandas externas de uma fase anterior poderá levá-la a um período de declínio em que experimentará falta de lucro e perda de participação de mer-cado. Neste caso, o controle e o processo de tomada das principais decisões tendem a retornar a um punhado de pessoas, da mesma forma como o desejo por poder e influência nas fases anteriores corroeram a viabilidade do negócio.

Conclusão Fundadores bem sucedidos na criação e crescimento de seus ne-gócios devem desenvolver competências que serão necessárias à implementação de mudanças (sucessão, entre elas), para que con-sigam interpretar e agir sobre “o que virá a seguir”.

As estatísticas demonstram que a maioria das empresas familiares, em todo o mundo, não consegue atingir a transição para a terceira geração. Isso apesar de todas as vantagens competi-tivas que abrigam, como a alavancagem do nome de família, grande confiança entre os

seus integrantes e orientação de longo prazo (pela necessidade de garantir a perpetuação do patrimônio para as futuras gerações). Famílias empresárias e suas empresas podem ter um caminho sem entraves, através de um processo de constante renovação, des-de que sobrevivam aos desafios e se adaptem às mudanças, natu-rais a qualquer organização. É importante observar que os principais desafios e as mudanças podem ser previstos, desde que a família empresária entenda o ci-clo de vida do seus negócios. Uma empresa familiar de sucesso é aquela que trabalha em harmonia com os vários estágios de sua

evolução: empreendedorismo, sobrevivência, crescimento, gover-nança, renovação e declínio. Cada uma dessas fases tem seus próprios desafios e fatores diferen-ciadores que determinarão a viabilidade do negócio a longo prazo. É possível observar um roteiro, identificando transições organi-zacionais críticas, bem como as armadilhas do negócio, que cres-cem em tamanho e complexidade à medida que a empresa cresce.

Primeira fase: empreendedorismo Nesta fase inicial, o fundador declara que está explorando uma oportunidade de negócio e que está muito motivado para levá--lo adiante. O fundador vê a oportunidade onde muitas pessoas não veem. Seu foco é a viabilidade do negócio, ou seja, encontrar clientes suficientes para apoiar a existência da empresa. A família é, muitas vezes, o principal fornecedor de mão de obra da empresa.

Segunda fase: sobrevivência A empresa desenvolve um grau de formalização de sua estrutura e estabelece suas próprias competências distintivas. O principal objetivo, aqui, é gerar receita suficiente para continuar as opera-ções e financiar o crescimento suficiente para que o negócio man-tenha-se competitivo.

Terceira fase: crescimento Nesta fase a empresa se concentra em aumentar sua parti-

ciclo de vida da empresa familiar

famílias empresárias e suas empresas precisam passar por um processo constante de

renovação que auxilie a transição de gerações

ARTIGOEduardo Najjar

Divulgação

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Diagnóstico | set/out 201328

ENTREVISTAuWE BuDDRuS

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ção

O AlEMÃO UwE BUDDRUS, DIRETOR ExEcUTIvO DA hIMSS ANAlYTIcS EUROpE (hAE)

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AdAlton dos Anjos

O mHealth pode revolucionar o setor de saúde na Europa ajudando a poupar 18% dos gastos em saúde na União Eu-ropeia, segundo pesquisa da PwC. Como avalia esse prognóstico?Uwe Buddrus – É difícil estimar uma per-centagem da economia gerada sem uma clara definição sobre o que é mHealth e sobre o que se considera em termos de custos da saúde. Contudo, não há dúvi-das de que o uso das tecnologias móveis nesta área oferece um potencial significa-tivo. Isto começa pelo acesso remoto aos registros médicos eletrônicos (EMR) e a possibilidade de ver e documentar dados clínicos no ambiente do prestador de cui-dados, o que melhora o processo e reduz a possibilidade de erros médicos. É preci-so pontuar também o uso das tecnologias móveis pelos pacientes em suas casas, através da automonitorização ou das tele-consultas, o que abre um leque de opor-tunidades na gestão de doenças crônicas.

No Brasil, a adoção dos prontuários eletrônicos vem esbarrando em uma questão singela: a baixa aderência dos médicos ao sistema. Trata-se de um fe-nômeno local?Buddrus – A baixa disposição para o uso das tecnologias por parte dos médicos é uma barreira comum à adoção dos pron-tuários eletrônicos nos Estados Unidos e na Europa. As razões mais frequentes para a rejeição são a falta de planejamen-to na reestruturação dos processos e a não inclusão dos utilizadores, além das falhas de gestão na mudança organizacional e a ausência de diretrizes claras por parte da administração. Afinal de contas, se os lí-deres não forem impulsionadores no uso das tecnologias, por que razão deverá a equipe fazer uso delas?

Como evitar que os gigantes do setor de solução em TI da saúde utilizem o que

para muitos é visto como prática mono-polista, ao dificultar, por exemplo, que uma solução de prontuário eletrônico de um concorrente do setor seja incor-porada ao seu sistema?Buddrus – A maioria dos principais players do segmento de TI tem reputação de tornar a integração dos seus sistemas com os de empresas concorrentes um pro-cesso bastante difícil. Contudo, com uma demanda crescente por parte dos compra-dores em ver cases de integração bem su-cedidos, antes da assinatura do contrato, é preciso mudar as estratégias na oferta dos prontuários eletrônicos. Estas empresas têm que abrir suas soluções de software à interoperabilidade de forma a manter o seu sucesso. De que forma a crise econômica euro-peia de 2008 ainda repercute no merca-do de TI em saúde na região?Buddrus – Em 2010, uma larga percenta-gem dos hospitais afirmou sentir o impac-to da recessão econômica nos investimen-tos em TI – 71% dos hospitais espanhóis, 65% dos italianos, 29% dos franceses e 20% dos alemães. Surpreendentemente, esta tendência inicial não se encontra re-fletida nos investimentos dos últimos três anos. Espanha e Itália continuam a im-plementar sistemas de TI, especialmente sistemas clínicos. Somente o mercado alemão continua estagnado.

Quais as principais oportunidades na prestação de serviços em TI no mercado global? Buddrus – As oportunidades são diver-sas. Em primeiro lugar, existem os ser-viços de integração de sistemas, já que a maioria dos fornecedores de tecnologias têm softwares antigos. Há também o sof-tware como serviço (SaaS) ou modelos de hosting remoto – especialmente para soluções dedicadas, colaborativas, ditado

“a legislação é um grande obstáculo para troca de informação em saúde”Diretor executivo da HIMSS Analytics Europe (HAE) – mais respeitada associação do setor de TI em saúde do mundo –, o alemão Uwe Buddrus defende mais autonomia para o setor e revela que a difusão do prontuário eletrônico não é um problema apenas no Brasil

e reconhecimento de voz. Outras possibi-lidades são o suporte de usuários, desde a formação até a manutenção dos sistemas e a reengenharia de processos de TI para empresas.

Os níveis 6 e 7 do Emram – programa que traz um padrão de medida global para avaliar os níveis de aplicação do prontuário eletrônico em hospitais – são os mais difíceis de ser alcançados. O que esses escores traduzem em termos de eficiência?Buddrus – Os hospitais em estágio 6 e 7 do Emram são fortemente automatizados e atingiram um nível muito elevado de escopo funcional e de integração dos sis-temas de informação. Durante o processo de avaliação, é solicitado a estas institui-ções que demonstrem suas capacidades tendo por base o datawarehouse clínico. Procura-se assim verificar o uso destes dados na conexão das atividades clínicas com os resultados econômicos. É exigi-do que estas instituições comprovem que prestam cuidados de saúde de forma mais eficiente que outras em estágios mais bai-xos. Contudo, todo este processo é feito de uma forma mais implícita que explí-cita.

A legislação continua sendo o maior obstáculo ao avanço da TI na saúde?Buddrus – Sim, em especial, a legislação sobre segurança de dados, que restringe a troca de informação em saúde, com re-flexos no engajamento dos pacientes. Na Alemanha, por exemplo, a regulamenta-ção de produtos médicos determina que qualquer software que suporte diretamen-te o diagnóstico ou terapia é um produto médico e requer certificação. Assim sen-do, esta lei é uma séria barreira ao desen-volvimento e implementação de sistemas avançados de apoio a decisões que desen-volvam protocolos clínicos.

expertise e investimentos em tecnologia no setor de diagnóstico por imagem serão aplicados em novos serviços de tratamento do câncer na

Bahia e em outros estados do Nordeste

O investimento em equipamentos de ponta para a reno-vação do parque tecnológico está entre as ações do Grupo Delfin,

principal empresa de diagnóstico por imagem com atuação no Nor-deste, para aprimorar ainda mais os setores de bioimagem e medicina nuclear. O grupo adquiriu 13 novos equipamentos de ultrassom, três no-vas ressonâncias magnéticas, cinco aceleradores lineares e novos PET--CT inéditos no país, que serão distri-buídos na rede de medicina diagnós-tica, que conta com nove unidades na Bahia, duas em Natal (RN) e mais três clínicas que serão inauguradas na Região Nordeste.

Para o setor de radioterapia, dois aceleradores lineares já atendem

pacientes no complexo médico-hos-pitalar da Delfin (CMD), em Lauro de Freitas, Região Metropolitana de Sal-vador. Os demais aparelhos já foram instalados no Hospital Português e Hospital da Bahia, ambos na capital baiana, com o início das operações previsto para 2014.

De acordo com o coordenador da radioterapia do Grupo Delfin, Arthur Accioly Rosa, os aceleradores linea-res adquiridos pelo grupo são equi-pamentos de ponta que permitem a realização de tratamentos personali-zados e são capacitados para reali-zar procedimentos avançados, como a radiocirurgia – que utiliza lâminas de proteção de 0,25 cm, as menores do mercado –, além da radioterapia estereotáxica fracionada craniana e a extracraniana. “Outra tecnologia é a radioterapia de arco volumétrico, que permite uma entrega de dose

mais rápida, reduzindo o risco de perda com a mobilização involuntária do paciente”, acrescentou.

Além disso, a partir de 2014, todo o fluxo de informações será integrado através da digitalização e controle de todos os procedi-mentos. “Fizemos um investimen-to alto em dosimetria e controle de qualidade. Tudo agora é feito de forma digital”, completou Accioly. Pioneirismo – Referência em diag-nóstico por imagem, o Grupo Delfin parte agora para se consolidar nos serviços de terapia oncológica atra-vés da aquisição de seis aparelhos de PET-CT – modalidade de diagnós-tico por imagem que une recursos de medicina nuclear (PET) e radiologia (CT) e que permite avaliar funções importantes do corpo. “É uma tec-nologia que avança rapidamente e

informe publicitário

GRUpO DElFIN INvESTE EM pARQUE TEcNOlóGIcO

Adelina Sanches, coordenadora de medicina nuclear: “Estamos falando do que há de mais avançado em diagnóstico por imagem”

Fotos: Roberto Abreu

para se manter atualizado é preciso fazer uma renovação frequente dos equipamentos, principalmente para os exames mais sofisticados e mais completos”, explica Nestor Muller, di-retor médico do Grupo Delfin.

Adelina Sanches, diretora do se-tor de medicina nuclear do Grupo Delfin no Hospital Português, onde a renovação do parque tecnológico nos setores de bioimagem e onco-logia foi iniciada logo após a parce-ria da unidade com a Delfin, reforça as características de avanço das aquisições.“Juntos, os equipamen-tos oferecem mais precisão do que os exames convencionais”, informou. Ainda segundo a médica nuclear, o investimento inclui, até o final do ano, um novo equipamento de medicina nuclear e um aparelho de gama-câ-mara, para diagnóstico com imagens funcionais de diferentes tecidos, ava-liado em R$ 500 mil.

Adelina reforça o impacto em rela-ção à precisão dos exames de PET--CT, que direciona o paciente para o tratamento adequado, evitando que aqueles que têm a doença mais avançada sofram com procedimen-tos invasivos. Por outro lado, o pa-ciente com a doença em estado ini-cial terá uma chance de cura maior. “Estamos falando do que há de mais avançado em termos de diagnóstico por imagem no campo da oncologia”, completa. Um dos PET-CT já está em operação no setor de oncologia do Hospital Português há cerca de

um ano e meio. A próxima unidade com previsão de receber um apare-lho PET-CT é o complexo médico--hospitalar de Lauro de Freitas, que deve entrar em operação até feverei-ro de 2014.

Em vez do contraste, o PET-CT utiliza o biomarcador molecular FDG--18F (fludeoxyglucose), uma espécie de glicose radioativa que permite en-xergar lesões com maior precisão. “O investimento do Grupo Delfin in-clui todo o processo de produção do FDG”, destaca Adelina. Ela se refere à Delfin Fármacos, primeira unidade privada de produção do biomarcador molecular FDG-18F nas regiões Nor-te e Nordeste, em operação desde janeiro de 2012 e com investimen-tos da ordem de R$ 60 milhões. “O PET-CT é uma tendência de mer-cado de imagem porque o nível de precisão é muito alto e tem a chan-ce de entregar a resposta que se precisa em 90% dos casos”, avalia a especialista.

“O investimento na Delfin Fárma-cos é uma demonstração de lideran-ça de Delfin Gonzalez, porque o futu-ro da oncologia no país vai precisar cada vez mais desse tipo de tecnolo-gia”, completa o diretor Nestor Muller. O presidente do grupo, Delfin Gon-zalez, estima que, até 2020, a Delfin Fármacos deverá ser reconhecida como uma instituição de referência em toda a América Latina, devido às suas atividades de pesquisa e produ-ção de biomarcadores moleculares.

Modernização – Atento à demanda local, o Grupo Delfin também se des-tacou no primeiro semestre do ano com a chegada de novos aparelhos de ultrassonografia – aquisições que ampliaram a oferta de novos exames. O completo processo de moderniza-ção envolveu praticamente todas as unidades administradas pela rede, como a nova bioimagem e medicina nuclear do Hospital Português, que, afinada com a tradicional assistência do hospital, incorporou equipamen-tos avançados, como a ressonância magnética de 1,5 Tesla – up grade da 3,0 T – e o PET CT, ambos apa-relhos que permitem uma avaliação mais detalhada das estruturas anatô-micas do corpo humano. Já o setor de bioimagem do Hospital São Ra-fael (HSR), administrado pela Delfin desde 2007, também atravessou um completo processo de reforma e re-cebeu uma ressonância magnética de alto campo. “Um investimento em equipamentos de ponta que levou o serviço do HSR, juntamente com o Grupo Delfin, a ser reconhecido como o melhor serviço de bioima-gem do estado”, afirmou Paulo En-grácio, coordenador da Delfin Ima-gem no HSR.

Já na Clínica Delfin localizada no bairro do Itaigara, em Salvador, hou-ve a incorporação de mais uma nova ressonância e um tomógrafo com no-vos aplicativos para exames cardía-cos. Com essas aquisições, comple-tam-se sete novas ressonâncias de ponta apenas nesta que é conside-rada a unidade-mãe do Grupo Delfin. As unidades de Villas e do Hospital São Rafael também receberão, até o final do ano, novas ressonâncias magnéticas, com ampliação dos exa-mes oferecidos.

O investimento também uniu o Grupo Delfin Imagem e o Hospital da Bahia (HBA), através de uma nova clínica localizada na ala de bioima-gem do HBA. “O Grupo Delfin trouxe para a Bahia equipamentos de me-dicina nuclear de ponta, como nos grandes centros internacionais. E, para isso, o grupo também investe em profissionais com um nível de qualificação superior aos dos exa-mes mais comuns”, completou Nes-tor Muller.

Nova ressonância magnética na bioimagem e medicina nuclear do Hospital Português

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ENTREVISTApete mOONey

“os Eua vão continuar invEstindo no brasil”Em entrevista à Diagnóstico, o recém-nomeado diretor executivo da área internacional de saúde da Deloitte, o inglês Pete Mooney, faz uma análise do mercado global de saúde e diz que a consultoria não errou ao apostar nos BRICS

Divulgação

O ExEcUTIvO pETE MOONEY, DA DElOITTE: mercado global de saúde vai continuar aquecido

Diagnóstico | set/out 2013 33

O inglês Pete Moo-ney, que acabou de assumir o cargo de diretor executivo da Deloitte Center for Health Solutions – uma das mais re-

nomadas consultorias de negócios do mundo –, é um otimista quando o assun-to é mercado global de saúde. Segundo ele, as incertezas que rondam mercados importantes, como EUA, China e Brasil, não vão frear o ímpeto de uma indústria em plena expansão.“Um exemplo de que o mercado continua atrativo foi a compra, em 2012, da Amil pela United Health Care”, compara. “Esta é somen-te uma experiência de como as compa-nhias, neste caso nos EUA, estão vendo grandes oportunidades em países como o Brasil”. Mercados emergentes, aliás, são uma das expertises de Mooney, que sem-pre conciliou a carreira de consultoria com obras de caridade ao redor do mun-do. Membro da Health Opportunities for People Everywhere (HOPE), organiza-ção internacional voltada para soluções duradouras para problemas de saúde em cidades carentes do planeta, o executivo diz que esse tipo de experiência tem sido fundamental para sua compreensão sobre como melhorar os cuidados com a saúde de forma sustentável. “Tive a chance de trabalhar com diversos líderes de grupos, que trouxeram diferentes perspectivas sobre a dinâmica do setor”, enfatiza Mo-oney, que assumiu o cargo ocupado nos últimos seis anos pelo norte-americano Paul Keckley. Do escritório da Delloite, em Boston, o executivo concedeu a se-guinte entrevista à Diagnóstico.

Diagnóstico – Em julho de 2009, a capa da revista The Economist trazia como manchete: “Brazil takes off” (“Brasil decola”), mas, depois de quatro anos, a mesma publicação rescreveu a man-chete: “Has Brazil blow it?” (“O Brasil estragou tudo?”). A mesma frustração é estendida aos BRICS. Os consultores estavam errados em suas previsões?Pete Mooney – Era inevitável que o crescimento nos BRICS passaria a ser mais moderado com o passar do tempo. Os índices de crescimento do passado eram insustentáveis. Isto não significa que esses mercados não são atrativos ou que não serão daqui para frente, e sim que serão ajustados para um índice de

crescimento mais normal. A propósito, as questões que criaram um hipercresci-mento no Brasil demandarão um tempo para serem trabalhadas, já que o sistema conta com 40 milhões de pessoas que acabaram de entrar na classe média. Ou-tro ponto é como ofereceremos serviços de saúde para uma população que está se descobrindo e se mostra como gran-des oportunidades para as companhias. Um exemplo de que o mercado conti-nua atrativo seria a compra da Amil pela United Health Care [Em 2012]. Esta é somente uma experiência de como as companhias, neste caso nos EUA, estão enxergando grandes oportunidades no Brasil.

Diagnóstico – Nos EUA, os custos em saúde aumentarão 5,8% ao ano até 2020, segundo uma pesquisa divulgada pela Deloitte. Vocês tem uma solução para essa equação?Mooney – A estimativa dos 5,8% foi de uma pesquisa feita pelo Centers for Medicare and Medicaid Services. Existe uma necessidade de moderar o cresci-mento das taxas, mas, ao mesmo tem-po, não há como o sistema de saúde dos EUA oferecer um serviço a estes custos. Contudo, certamente existem formas de modificar isto – fazer com que as pesso-as sem planos de saúde obtenham uma cobertura ajudará a modificar as neces-sidades desses novos consumidores nos serviços de saúde. Eles terão menos de-mandas de cuidados críticos ou níveis de atendimento de emergência e se moverão mais para o cuidado preventivo. Além disso, a mudança na forma como ofere-cemos os serviços de saúde trará impac-tos de custos. Avanços tecnológicos, que talvez aumentem custos em um curto prazo, devem ter um impacto em cor-tes de gastos no futuro. Outros fatores, como o aumento contínuo da necessida-de de divisão de custos com as operado-ras de saúde e o lento crescimento dos programas de governo, também surtirão efeitos. Será necessário muito tempo e esforço para alcançarmos os resultados. Mas está claro que mudanças precisam ser feitas.

Diagnóstico – Os consultores falharam em prever o colapso do sistema de saú-de dos EUA?Mooney – Acho que é um pouco pre-maturo dizer que o sistema de saúde dos

EUA entrou em colapso. Direi que os EUA reconheceram que o sistema atual é insustentável e medidas têm que ser tomadas para resolver isto. Para uma grande porção da população norte-ame-ricana, o sistema de saúde trabalha muito bem. Mas alguns dos problemas que im-pactam o sistema de saúde nos EUA – condições preexistentes, pessoas sem se-guro saúde e coberturas limitadas – estão sendo tratados com a legislação recente.

Diagnóstico – Durante muitos anos, a telemedicina foi apontada por consul-torias como a solução dos problemas de cobertura e redução de custos em saúde em países continentais como o Brasil e os EUA. O que não deu certo?Mooney – Uma questão interessante so-bre a inovação tecnológica é a sua faci-lidade em prever para onde ela vai e, ao mesmo tempo, uma dificuldade em saber em que momento. Então, necessariamen-te, não diria que não deu certo, somente que o nível ou o tempo de adoção está sendo mais lento do que o esperado. As barreiras que precisam ser transpostas nos trabalhos em telemedicina são mui-to complexas. O Centre for Health So-lutions da Deloitte, no Reino Unido, fez um estudo em telemedicina e enfrentou algumas barreiras como custos, cultura, infraestrutura e questões legais. Muitas dessas barreiras têm sido mudadas len-tamente, com o objetivo de implantar plenamente a telemedicina. E não é so-mente a tecnologia, mas também como a tecnologia permite soluções em saúde. Portanto, uma vez que você encontre a solução, é preciso descobrir como apli-car telemedicina. Mesmo diante de tan-tos obstáculos, estou convencido de que esse tipo de tecnologia vai melhorar os cuidados em saúde e reduzirá custos a longo prazo.

Diagnóstico – Com a chegada da lei Affordable Care Act (ACA) no EUA, as empresas do mercado de planos de saúde estão prontas para atender uma nova demanda? Como impedir que as operadoras criem novas diferenças en-tre os públicos que já possuíam planos de saúde e os novos consumidores?Mooney – A questão fundamental em torno do ACT é menos sobre a criação de diferenciais nos planos de saúde e mais sobre descobrir como oferecer uma co-bertura para 40 milhões de pessoas nos

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ENTREVISTApete mOONey

EUA que não têm atualmente qualquer tipo de plano de saúde. Assim, o foco principal do programa é trazer pessoas para cobertura de saúde e nivelar este campo de jogo entre as que já têm planos de saúde – pagos através das empresas onde trabalham – e aqueles que histori-camente nunca tiveram cobertura. Trata--se de uma grande oportunidade para operadoras de saúde, que estão diante de um mercado absolutamente promissor.

Diagnóstico – Em vários setores, o avan-ço da tecnologia impactou diretamente a redução de custos para as empresas. Até quando o setor de saúde continua-rá fora desta tendência?Mooney – O setor de saúde claramente tem uma defasagem em relação a outras indústrias na adoção da tecnologia. Mas estamos testemunhando o avanço da tecnologia da informação e da automa-ção – com seus sistemas de informação em saúde e na área clínica – se espalhar ao redor do mundo. Achamos que essa promessa não apenas ajudará a reduzir custos, mas trará melhorias nos cuida-dos aos pacientes e resultados. A tecno-logia da informação será a interface que nos ajudará, por exemplo, a disseminar a medicina baseada em evidências e a medicina translacional – duas das maio-res apostas para a sustentabilidade do sistema. Obviamente levará tempo para que seja construída uma infraestrutura e capacidade analítica para que seja possí-vel trabalhar com uma vasta coleção de dados e vencer barreiras como a privaci-dade do paciente e a segurança.

Diagnóstico – O governo americano usou celebridades em campanhas pela internet para convencer os jovens a ter planos de saúde e compensar, assim, o aumento das despesas que as segura-doras têm com pacientes idosos. Apa-rentemente, a publicidade não funcio-nou. Como fazer com que o mercado de planos de saúde seja um bom negócio para todo mundo?Mooney – Você está certo. O grupo de pessoas abaixo dos 30 anos é crucial para o sucesso da ACA, já que uma nação com população sem cobertura em saúde é geralmente mais velha e doente que a população em geral. Se o mercado está inundado por consumidores de alto cus-to com poucas pessoas saudáveis para compensá-los, as mensalidades dos pla-

nos poderiam disparar. Existe a preocu-pação de que pessoas saudáveis, na faixa de 20 anos, optem por sair do sistema. Pode ser possível. Algumas pesquisas recentes mostram que a população mais jovem está confusa com a cobertura de saúde. Há, claramente, a necessidade de investimento em informação, que essa parcela de consumidores seja sensibili-zada. Mesmo assim, acredito que ques-tões como estas e, em menor extensão, as multas aplicadas para quem escolher sair do sistema acabarão por trazer essa faixa de público para a cobertura do ACA.

Diagnóstico – O presidente emérito da Ache, Thomas Dolan, disse – em recen-te entrevista à Diagnóstico – que em todas as nações os sistemas de saúde enfrentam os mesmos três desafios: acesso, qualidade e custo. É possível re-solver essa equação a curto prazo?Mooney – Acho que os comentários dele estão na pauta dos desafios da atualida-de. É possível fazer progressos em todos estes temas, mas, primeiramente, preci-samos definir quais são seus objetivos. O que é uma saúde de qualidade? Qual é

o nível de acesso que estamos tentando alcançar? O que é um custo adequado? Necessitamos definir esses pontos de partida. O que acho interessante é que há muito mais compartilhamento de in-formações e das melhores práticas sen-do feitos no mundo atual, já que todos, indistintamente, estão tentando resolver as mesmas mazelas: aumento dos custos, envelhecimento da população e aumento de doenças crônicas. A cooperação será muito mais necessária para resolver estes desafios.

Diagnóstico – Nem o NHS Inglês – que sempre foi um parâmetro para o mun-do de saúde pública de qualidade – re-sistiu à necessidade de reformas em seus sistemas. O governo britânico foi obrigado, inclusive, a buscar soluções na iniciativa privada para continuar prestando um serviço universal e gra-tuito aos súditos da rainha. Ninguém vai escapar dessa onda de reformas na saúde? Mooney – Todos os países do mundo e seus governantes estão tratando dos mesmos problemas que você listou aci-ma – crescimento dos custos em saúde, aumento das doenças crônicas e proble-mas de acesso em saúde. O que é inte-ressante é que os governos descobriram que não podem resolver estas questões sozinhos. Eles perceberam que as par-cerias público-privadas e o engajamento do setor privado, por exemplo, serão os caminhos para solucionar essas questões no futuro.

Diagnóstico – Em alguns países, os go-vernos têm feito um grande esforço para que a população adquira remé-dios genéricos. A Alemanha, onde a medicação é paga pelo Estado, quer reduzir custos. No Brasil, o objetivo é que os mais pobres não comprome-tam a sua renda com remédios. Como é possível equalizar essa conta e, ao mesmo tempo, preservar os interesses da indústria farmacêutica?Mooney – Os genéricos são bons porque eles são uma alternativa de baixo custo para a indústria de medicamentos, mas em algum ponto alguém tem que pagar pela inovação e pesquisa desses produ-tos. Se não inventarmos novas drogas, teremos somente o portfólio atual de genéricos. Então, a questão não é sobre se estamos dispostos a usar genéricos e

era inevitável que o crescimento nos BRICS passaria a ser mais moderado com o passar do tempo. Os índices de crescimento do passado eram insustentáveis. Isto não significa que esses mercados não são atrativos ou que não serão daqui para frente, e sim que serão ajustados para um índice de crescimento mais normal

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mais sobre se estamos dispostos a in-vestir em P&D e inovação. Portanto, alguém tem que pagar por isso ou não existirão novos medicamentos.

Diagnóstico – Quais os questionamen-tos que os líderes de empresas do setor de saúde norte-americanos devem se fazer ao tentar prever estratégias para os próximos dez anos?Mooney – Acesso à saúde, bem como a oferta de um serviço de qualidade e com custos razoáveis continuarão a ser os temas dominantes. Mas definir os ob-jetivos dos serviços de saúde será mais importante. Uma vez definidas metas, administrar meios que permitam alcan-çá-las será fundamental. Tecnologia, parcerias público-privadas e a medicina baseada em evidências são apenas algu-mas ferramentas para alcançar aqueles objetivos finais no futuro.

Diagnóstico – O senhor tem queixas do seu seguro saúde? Mooney – Sou um cidadão britânico. Já vivi no Reino Unido e em alguns lugares na Europa, além dos EUA. Fui usuário

do NHS e fiquei muito satisfeito com o tratamento que recebi. Tive a mesma sensação com os serviços em saúde nos EUA. Portanto, mesmo os sistemas dife-rentes – um no serviço público, outro no privado – mostram que existem muitas organizações que prestam serviços de saúde de qualidade ao redor do mundo.

Diagnóstico – O senhor está envolvido em várias obras de caridade ao redor do mundo e recentemente ajudou o Nelson Mandela Children’s Hospital Trust. Antes de te fazer uma pessoa melhor, isso te ajuda a se tornar um profissional melhor?Mooney – Como consultor da indústria da saúde, faz parte dos meus interesses melhorar a vida das pessoas ao redor do mundo. Ser capaz de colocar minha

experiência neste setor para trabalhar em iniciativas como Nelson Mande-la Children’s Hospital Trust ou Project HOPE (Health Opportunities for Peo-ple Everywhere) é muito gratificante e, acredito, uma importante forma de me-lhorar os cuidados em saúde ao redor do mundo. Além disso, tive a chance de tra-balhar com diversos líderes de grupos, que trouxeram diferentes perspectivas sobre a dinâmica do setor.

Diagnóstico – Quais são os desafios que espera em seu posto?Mooney – Este é um papel complexo e exigente, e a natureza global dos negó-cios requer uma quantidade significativa de viagens internacionais. Tenho que trabalhar com um grande grupo de clien-tes, ajudando-os a resolver problemas. Também tenho uma grande equipe de colegas na Deloitte e gosto muito de tra-balhar com eles. Sobre as desvantagens, as viagens constantes podem exigir, mas as conveniências do mundo moderno fa-zem com que seja mais fácil estar conec-tado com a família e amigos até mesmo quando estou na estrada.

IDOSA MORADORA DE RUA EM cIDADE BRASIlEIRA: Has Brazil blow it (O Brasil estragou tudo?), questionou a revista britânica The Economist, em matéria de capa sobre a expectativa frustrada de crescimento dos BRIcS

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Quem lê decide.Quem decide lê.

jOSÉ hENRIQUE DO pRADO FAY, SUpERINTENDENTE ExEcUTIvO DO hOSpITAl AlEMÃO OSwAlDO cRUz

Lenine Serejo

a Revista dos LídeRes da saúde do bRasiL

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Paulo Lopes é CEO do Grupo Organiza, headhunter, coach, palestrante e autor do livro Segredos de um Headhunter.

jetivos, metas e planos de ação, é fundamental a fixação de prioridades, que têm dois aspectos: importante e urgente.

As atividades importantes são aquelas que trazem resulta-dos efetivos. Já as urgentes são todas as tarefas que devem ser feitas imediatamente, que geram algum tipo de problema se não forem executadas. Uma tarefa urgente não tem prazo – ela tem que ser feita já!

Acreditamos que esse mundo globalizado que se instalou depende muito mais da urgência do que o que é importante.

A verdade é que a grande maioria dos executivos dedica muito mais tempo ao bloco de atividades urgentes e menos às importantes.

Alguns podem estar se perguntando qual seria o equilíbrio ideal. Somos adeptos de que o melhor equilíbrio é aquele a que dedicamos 70% do nosso tempo para os assuntos impor-tantes, 20% para os assuntos urgentes e 10% para as ativida-des circunstanciais. Esta distribuição permitirá uma melhor eficácia na sua atividade de executivo.

Na prática, encontramos alguns executivos que não sabem equacionar a disponibilidade do seu tempo quanto às ativida-des importantes, urgentes e circunstanciais. É importante que

sejam registradas diariamente essas disponibilidades para análise da distribuição do seu tempo, evitando “gastá-lo” na resolução de problemas considerados “urgentes” que surgem no dia-a-dia, mas que fogem ao que deveria ser uma rotina normal de trabalho.

É necessária uma autoa-nálise para verificar:

1. Essa tarefa foi urgente?2. Por quê?3. Como poderia ter previsto a urgência desta tarefa?4. Como posso planejar as tarefas para evitar essa urgên-

cia?5. É possível pedir a alguém para me ajudar com estas

atividades?6. Estou sabendo dizer não?Esses “insights” com certeza ajudarão a identificar inclu-

sive a importância do uso eficaz da delegação, o que trará o tempo necessário para se dedicar às tarefas importantes.

Recomendamos que esse assunto – administração do tem-po – seja tratado como prioritário e estratégico na sua vida, quer profissional, quer pessoal, pois “tempo não é dinheiro”; “tempo é vida”, e uma vez “gasto”, não volta nunca mais.

Sucesso e melhor utilização eficaz do seu tempo.

ARTIGOPaulo Lopes

Uma das principais funções do geren-ciamento do tempo do executivo é o planejamento. Planejar o dia, sema-na ou mês, em vez de permitir que transcorra de acordo com a demanda dos outros, é a peça-chave única do “quebra-cabeça” do gerenciamento

do tempo.Portanto, é estratégico que haja um processo que ajude a

torná-lo mais eficaz. Sugiro a realização das seguintes etapas:1. Fixe objetivos a longo prazo, e as metas e ações liga-

das a esses objetivos.2. Estabeleça prioridades entre esses objetivos, metas e

ações com base na sua importância em longo prazo e urgência em curto prazo.

3. Tente conhecer seu ciclo pessoal de energia e organi-ze um “dia ideal” com base em suas melhores horas produti-vas de trabalho.

4. Fixe um plano do dia e o escreva a partir de três blo-cos fundamentais:

Objetivos, prioridades, dia ideal.

Asseguramos que nada que você faça dentro de suas tenta-tivas para gerenciar melhor seu tempo poderá ser mais valioso do que seu planejamento formalmente escrito. Acreditamos que sem o planejamento você estará totalmente à mercê das demandas e exigências de terceiros sobre seu tempo. Com o plano você sabe o que fazer com as tarefas novas que surgem durante o dia e que invariavelmente aparecem aos “montes” e consequentemente aumentam suas interrupções diárias.

Temos ainda que ter cuidado quanto ao uso dos “objetivos” e “metas” alternadamente. Tecnicamente, eles são diferentes. Um objetivo é algo que é de longo prazo, e o seu período varia de acordo a situação individual de cada um. Já as metas são objetivos intermediários, com período de tempo menor.

É importante fixar seus objetivos anuais, metas trimestrais e ações mensais e que no desdobramento sejam programadas semanalmente as atividades necessárias, com detalhamento diário para ir em direção às metas e, consequentemente, atin-gir os objetivos anuais.

É importante esclarecer que, após a identificação dos ob-

Gerenciamento do tempo: o planejamento lhe

dá o controle

a hierarquização das atividades resultaem uma maior eficácia das tarefas realizadas pelos

executivos e, consequentemente, o ajudará a atingir

as metas e objetivos anuais

Roberto Abreu

Diagnóstico | set/out 2013 41

Gerenciamento do tempo: o planejamento lhe

dá o controle

Diagnóstico | set/out 201342

Diagnóstico | set/out 2013 43

SANDRA cOSTA E jANETE vAz: faturamento de R$ 217 milhões ao ano e plano de chegar a 70% dos estados brasileiros até 2020

EMPREENDEDORISMOSABIN

Alan Sampaio

Diagnóstico | set/out 2013 45

sócias ‘bEttEr half’A afinidade das empresárias Janete Vaz e Sandra Costa, juntas no comando do Laboratório Sabin há 30 anos, fez da sinergia entre ambas um ativo raro em um dos setores mais competitivos do mercado de saúde

Afoto ao lado das empresárias Sandra Costa e Janete Vaz, donas do Labora-tório Sabin, retrata um modelo de so-ciedade que bem

poderia ser personificado pela expressão “better half” – cara metade, do inglês usu-al. Afinal, quando se fala do Sabin – um dos dez maiores laboratórios do país –, a imagem associada é obrigatoriamente ao rosto de suas fundadoras, juntas no negó-cio há impressionantes 30 anos. E o sor-riso das empresárias, registro obrigatório e cada vez mais largo em suas aparições públicas, tem uma explicação. Sozinhas, elas fundaram o que para muitos já é um ponto crescente no radar competitivo de gigantes como DASA e Fleury. Com taxa de crescimento chinês – 30% ao ano – e faturamento de R$ 217 milhões anuais, o Sabin está presente em seis estados, além do Distrito Federal, possui 116 unidades e 1,8 mil colaboradores. A meta, depois de vencer o assédio de grandes consolidado-res, é chegar a 70% dos estados brasileiros até 2020, o que deve incluir São Paulo e Rio de Janeiro. “Foram tantas abordagens que ficamos com medo de estar deixan-do passar oportunidades”, revela Janete, goiana de nascimento.

O encontro que mudaria a vida das duas aconteceu na década de 1970, quan-do as bioquímicas recém-formadas se tornaram colegas em um pequeno labora-tório de Brasília – até hoje principal QG do Sabin. “Assim que nos conhecemos, Janete me convidou para abrir um labora-tório. Passaram-se quatro anos e pergun-tei a ela: ‘Aquela sua ideia ainda está de pé? Essa é a hora”’, contou Sandra, uma mineira low-profile, como ela própria se define, e jogadora de golfe nas horas va-gas. Não precisa nem dizer quem é a por-ção estratégica no negócio.

À Janete, entre outras atribuições, cabe ser a face institucional do negócio e que mais combina com o “Jeito Sabin

de Ser”, um resumo da cultura organiza-cional que fez do laboratório quase um patrimônio do brasiliense. Não é raro o depoimento espontâneo de clientes que costumam dizer que se sentem em casa quando vão ao laboratório realizar seus exames. Um diferencial e tanto para um negócio que quase sempre é visto como um commodity em que geralmente o que mais pesa na escolha do paciente é a dis-tância de sua casa para o laboratório mais próximo. Não por acaso, o Sabin é um papa-título do ranking “As Melhores Em-presas para se Trabalhar”, da Você S/A. Desde que começou a participar da dis-puta, em 2005, o Sabin lidera a lista entre as empresas de saúde presentes na classi-ficação. No arsenal de mimos oferecidos aos colaboradores, auxílios casamento, enxoval, escolar e até um carro de presen-te para quem completar 20 anos de casa.

no Divã – Crise? Elas existiram, como a que assolou o Brasil nos anos 1980, na década “perdida” que atingiu em cheio também o mercado de saúde. “Não desa-nimamos. Tivemos coragem, uma boa pi-tada de ousadia e humildade para levantar a cabeça e seguir em frente”, reconhece Sandra, que admite ter enfrentado, no início dos negócios, o preconceito velado por estarem em um ambiente predomi-nantemente masculino.

Na vida pessoal, casamento e filhos: meia dúzia – igualmente divididos entre elas (três cada uma). “Tinha preocupação de os meus filhos sentirem minha falta. Por isso, mais tarde, cheguei a buscar um psicólogo”, revela Janete. No divã, uma resposta freudiana, mas profética. “Ele me disse que eu seria um bom exemplo para eles, e que, um dia, meu filhos sen-tiriam orgulho da mãe. E foi verdade”, confidencia a empresária. Pensando na perenidade da rede de laboratórios, Ja-nete e Sandra preferiram não transferir a operação diretamente para os herdeiros, ainda que alguns deles estejam na área de saúde ou de finanças e tenham passado

pelo Sabin. Em 2013, elas adotaram um novo modelo de governança corporativa ao criar um conselho de administração. A equipe é formada por 17 gerentes e três superintendentes, que conhecem bem a instituição. O grupo tem como presidente executiva Lídia Abdala, que já trabalha há 14 anos na empresa. A nova CEO, esco-lhida pelos próprios colegas, tem a mis-são de conduzir o dia-a-dia da empresa com a diretoria executiva. A estrutura, além de permitir que qualquer um dos fi-lhos possa dar continuidade ao negócio, deu mais liberdade às empresárias para cuidar da ampliação da rede de laborató-rios. “Vamos enfrentar o desafio de viven-ciar o dia-a-dia do conselho de adminis-tração, observando novas possibilidades de mercado e desenhando estratégias de relacionamentos”, diz Janete. “Há mer-cados com enorme potencial no país”. O nível de excelência alcançado pelo Sabin as sócias fazem questão de creditar ao domínio dos processos, qualidade téc-nica, inovação, sustentabilidade e muita emoção no que fazem.

Na academia, foram buscar know--how em gestão. Sandra é mestra em Ciências Médicas pela Universidade de Brasília (UnB) e possui MBA em Gestão de Negócios na Fundação Dom Cabral (FDC). Janete é pós-graduada em Gestão Empresarial (Universidade Castelo Bran-co – RJ), além de ter MBA em Gestão Empresarial, também pela FDC. “Tudo o que construímos nos últimos 30 anos precisaremos construir nos próximos sete anos”, define Janete. Divergências elas admitem que existem, como em qualquer relação. Na religião, por exemplo, am-bas fizeram escolhas distintas. Sandra é católica praticante; Janete é evangélica. “Somos muito diferentes, mas iguais no respeito ao ponto de vista uma da outra”, salienta Sandra. “Seguimos na mesma di-retriz com grandes valores convergentes”, emenda Janete. Ter o céu como limite, ali-ás, é algo que sempre as uniu. O Sabin que o diga.

Diagnóstico | set/out 201346

ENSAIOéTICA MéDICA

‘falar ao paciente que ele vai morrer é doloroso. mas é preciso dizer a verdade’

robert PeArl

pAcIENTES TERMINAIS E OS MÉDIcOS: com muita frequência, profissionais de saúde não conseguem admitir que há pouco a ser feito

Diagnóstico | set/out 2013 47

Alguns médicos escolhem A conveniênciA de não fAlAr A verdAde pArA evitAr desApontAr seus pAcientes. Alguns fAzem isso somente pArA não perder o próprio tempo. muitos se justificAm prometendo o impossível, como se quisessem “preservAr A esperAnçA”

Escolhas impossíveis é o tema do último ro-mance de Khaled Hosseni, And The Moun-tains Echoed, publicado no Brasil com o tí-tulo O Silêncio das Montanhas, pela Editora Globo. Estudos mostram que muitos médicos se esforçam para ajudar seus pacientes em suas escolhas mais difíceis. Por mais difícil

que as decisões pareçam, a pior escolha é não tomá-las. Lendo este romance, pergunto-me quantos cenários foram inspirado-res a partir das experiências pessoais de Dr. Hosseini, um médi-co clínico. Todos os dias, nos EUA, pacientes e seus familiares são obrigados a tomar decisões médicas torturantes. A regra fundamental para estes profissionais é ajudá-los durante este processo difícil.

Algumas escolhas são doloridas, mas fáceis de tomar, como decidir sobre a retirada de um fígado canceroso para salvar a vida de uma criança. Muitas vezes, no entanto, os médicos de-vem apresentar opções e fazer recomendações sobre quando não há uma escolha “certa”. Médicos temem que pacientes não enfrentem a verdade. Com muita frequência, estes profissionais também não conseguem admitir que há pouco a ser feito.

Falar aos pacientes com câncer terminal que eles morrerão em pouco tempo é doloroso. Muitos médicos não fazem isto bem. Alguns chegam a esconder esta informação. De acordo com um estudo recente da New England Journal of Medicine, no mínimo dois terços dos pacientes com câncer em estado avançado acreditam que a quimioterapia os curará. Mas, exceto em tipos raros de tumor, a quimioterapia é administrada para minimizar os efeitos da metástase. Em outras palavras, não se pode curar.

Em algumas situações, um médico honesto pode desagradar um paciente. Mas a melhor medicina para todos os pacientes é a verdade. Como médicos, devemos fazer o melhor trabalho para explicar o que está acontecendo, mesmo quando as notí-cias são difíceis de ser ouvidas. Durante boa parte da vida, as pessoas não estão próximas da morte. Mas em algum momento a maioria de nós desenvolverá problemas de saúde. Quando a hora chega, queremos que os profissionais de saúde cuidem de nós e falem a verdade da forma que desejamos ouvir – com compaixão e respeito para as nossas decisões do fim da vida.

A verdade é que possibilita a um paciente entender a real situação. É o que o ajuda a fazer o que é necessário e importante enquanto ele tem tempo. Mas falar aos pacientes a verdade so-bre os riscos e benefícios de uma terapia agressiva tem sido di-ferente. Informar aos pacientes com doença avançada que eles estão próximos da morte tornou-se um debate político. Alguns confundem essa situação com o racionamento ou retenção dos cuidados médicos. Não é uma coisa nem outra. Falar aos pa-cientes a verdade sobre os problemas de saúde é o que a maioria de nós quer ouvir, e o que todos os pacientes têm o direito de saber.

Oito em cada dez pessoas nos EUA dizem que gostariam de conversar com seus médicos sobre o tratamento no fim da vida se estivessem seriamente doentes. No entanto, menos de uma em cada dez pessoas disseram fazer isso.

A exceção está em La Crosse, no estado de Wisconsin, con-dado localizado no centro-oeste dos EUA, que tem sido referido como “o melhor lugar para morrer”. Há mais de duas décadas, o Gundersen Lutheran Medical Center (hoje Gundersen Health

System) foi criado para sistematizar os planos de tratamento.Se você está morrendo no condado de La Crosse hoje, você

tem 90% de chances de ter seus desejos conhecidos. Você tem também 99% de chances de ter esses desejos atendidos. O ter-mo que eles usam para isso é “respecting choises” (“respeitando escolhas”). Não cometa erros. As conversações sobre o fim da vida são muito difíceis. Elas demandam tempo. Muito mais do que os cinco ou seis minutos que os médicos gastam em média discutindo diretivas de tratamento, segundo um estudo. Alguns médicos escolhem a conveniência de não falar a verdade para evitar desapontar seus pacientes. Alguns fazem isso somente para não perder o próprio tempo. Outros lutam para confrontar seus próprios limites enquanto médicos. Muitos se justificam prometendo o impossível (ou no mínimo o improvável), como se quisessem “preservar a esperança”. Seria uma atitude para promover a alegria do paciente. Uma pesquisa mostra o opos-to. Quando pacientes sabem a verdade sobre suas doenças – e quando eles têm a oportunidade de ter uma conversa franca sobre os objetivos do tratamento –, eles ficam mais felizes e vivem mais. Esta tendência se repete mesmo quando a escolha dos pacientes é por intervenções menos agressivas.

Setenta por cento dos pacientes querem passar seus últimos dias de vida com seus familiares em casa. A maioria deles gasta seus últimos dias em hospitais longe de onde gostariam. Alguns pacientes com doenças terminais escolhem tratamentos radi-cais, com a esperança de alguns dias a mais de vida ou uma em 100 chances de ser curado. Mas este não é o caso de muitos pa-cientes. E quando médicos não são honestos, eles desrespeitam seus próprios pacientes e a dignidade deles.

A maioria dos doentes é mais forte do que muitos médicos imaginam. Estes profissionais devem aos seus próprios pacien-tes a verdade, ainda mais no final de suas vidas. A despeito de todos os avanços na área de cuidados de saúde e das práticas médicas, nós, como médicos, temos muito a aprender sobre a admissão das nossas limitações. Mesmo quando há pouco a ser feito, podemos oferecer aos nossos pacientes, através do tra-tamento médico, duas das nossas mais poderosas ferramentas terapêuticas: a verdade e a compaixão.

Robert Pearl é médico formado pela Escola de Medicina da Universidade de Yale, com residência em cirurgia plástica e reconstrutiva na Universidade de Stanford, onde ensina Estratégia, Liderança e Tecnologia. É colunista da revista Forbes.

Diagnóstico | set/out 2013

carogestor

Sou estrangeiro e fui transferido para o Brasil a serviço de uma grande multinacional do setor de saúde, que tem no governo um dos seus prin-cipais clientes. Não raro, recebemos propostas de servidores públicos interessados em vender faci-lidades em licitações. Eles sempre dizem que, se não aceitarmos, a concorrência o fará. Em nossas filiais na china e Rússia, a realidade é a mesma. Sinceramente, não me acho capaz de mudar essa realidade.

AnônimoVou ter de deixar de ser técnico por algumas linhas, me

desculpem, e vou emitir uma opinião, já que a pergunta não é técnica. Os leitores desta seção já devem ter notado o quanto fico incomodado quando trato de questões referentes à ética. A razão deste incômodo me parece óbvia para qualquer cida-dão de bem, de boa índole. Este incômodo toma uma dimen-são ainda maior quando se trata da área da saúde e também do setor público. Têm sido tantos os escândalos que temos acom-panhado nos últimos tempos pela mídia, envolvendo os seto-res público e privado, que ficamos estarrecidos, boquiabertos e até perdidos, inertes. Neste momento, enquanto escrevo esta

resposta, acabei de acompanhar notícias dos últimos passos do julgamento do tão propalado Mensalão. Quantos outros “men-salões” precisariam existir para que este país se tornasse um país confiável, para que nossas instituições fossem confiáveis, para que nossas empresas fossem confiáveis, para que nossos empresários fossem confiáveis, para que nós, cidadãos, fosse-mos confiáveis. Não que este seja um problema só brasileiro, muito pelo contrário, mas o que me preocupa neste momento é cuidar de minha tão querida casa, meu Brasil. Sou um digno cidadão brasileiro e não abro mão de minha honestidade, nos mínimos detalhes, custe o que custar. No campo profissional, dos negócios, já perdi, perco e continuarei perdendo negó-cios, por ser honesto e não aceitar qualquer proposta ou situa-ção que possa, em qualquer dimensão, arranhar meus valores, minha reputação ou os da organização para a qual trabalho. Acredito sinceramente que o caminho para mudar os costumes de um país, seja ele os EUA, a França, a China, a Rússia ou o Brasil, é mudando a atitude, o comportamento de seus cidadãos, desde o mais alto dos seus representantes ao mais simples deles, com base em valores humanos e éticos verdadeiros. Espero ter, de alguma forma, respondido à sua pergunta.

como saber quando um negócio está precisan-

OSVINO SOUZa

48 Diagnóstico | set/out 2013

Osvino Souza é professor da Fundação Dom Cabral (FDC) nas áreas de Comportamento e Desenvolvimento Organizacional.

49 Diagnóstico | set/out 2013

do de uma consultoria externa? vivo um bom mo-mento em meu negócio – uma rede de clínicas de hemodiálise –, mas não queria ser pego de surpre-sa com uma mudança repentina de cenário.

h. porto, porto Alegre (RS)Não é fácil responder à sua pergunta sem conhecer sua or-

ganização e os recursos de gestão de que você dispõe. Um bom passo seria fazer uma análise estratégica detalhada, que envol-va uma análise de cenários futuros do seu negócio. Em outras palavras, um planejamento estratégico. Mas isto já pode exigir uma consultoria externa. Uma das ferramentas mais simples que podem ser utilizadas, mas que também já pode requerer a con-tratação de uma consultoria externa, é a análise Swot. Por meio dela, você identificará as oportunidades (o – opportunities), as ameaças (t – threats) do ambiente externo e as forças (s –streng-ths) e fraquezas (w – weaknesses) do ambiente interno de sua organização. Partindo dessas informações, você identificará os fatores-chave de sucesso (FCS) que sua empresa precisa “ata-car”, por meio de projetos estratégicos, para continuar competi-tiva. A ferramenta é simples, mas precisa ser bem aplicada para que leve a bom resultado. A análise Swot precisa ser feita sis-tematicamente. Os líderes da organização têm de estar atentos para os movimentos do ambiente externo (mercado, concorrên-cia, órgãos reguladores etc.), particularmente daqueles stakehol-ders que afetam mais diretamente positiva ou negativamente a empresa, e quando algum movimento importante for observado, uma nova análise precisa ser feita para identificar a eventual ne-cessidade de revisão dos planos da empresa. Igualmente é preci-so ficar atento para o ambiente interno, pois as forças e fraque-zas da empresa são, muitas vezes, relativas ao ambiente externo. A definição por contratar ou não uma consultoria externa deverá estar fundamentada na sua capacidade de desenvolver e realizar com qualidade os projetos estratégicos, com sua própria força trabalho, e isto exige bom senso e humildade. Ressalto a dife-rença na capacidade de planejar e de realizar. Muitas vezes as organizações são muito competentes e criativas no planejamen-to, mas têm grandes dificuldades e carecem de disciplina na exe-cução dos planos e ficam desapontadas com os resultados pífios obtidos, responsabilizando o planejamento estratégico por isso.

perdi, no ano passado, um dos meus melhores executivos. Ele foi trabalhar em uma empresa con-corrente, mas não se adaptou ao novo desafio e

quer voltar. Não temos uma política de Rh clara sobre a questão. Qual a desvantagem desse tipo de recontratação?

AnônimoA questão central na contratação de qualquer profissional,

mas particularmente de um executivo, é a confiança. Qual a confiança que tenho nele? Qual a confiança que ele me inspira? O ideal, nem sempre possível, é que se conheça a pessoa a ser contratada deste ponto de vista. Quase sempre, já que o ser hu-mano é “uma caixinha de surpresas”, é preciso fazer algum tipo de aposta e confiar, “depositar” confiança em alguém e esperar que ele corresponda à nossa aposta depois de algum tempo. Mas não me parece que seja este o seu caso, já que você já conhece a pessoa de outros tempos. Simplificando, por questões de espa-ço, podemos dizer que a confiança tem dois fundamentos, o pri-meiro, que digo ser default, diz respeito à honestidade, aos prin-cípios, à ética, aos valores pessoais e profissionais, que devem corresponder a aqueles esperados pela organização. O segundo diz respeito à competência para realizar (entregar) os resultados esperados da função para a qual está sendo contratado. Se con-fiamos ou depositamos confiança em alguém e o autorizamos a ocupar uma posição (executiva), neste momento, estamos assu-mindo a responsabilidade pelas consequências disso e não nos cabe mais reclamar. Estamos compartilhando com o contratado o risco do sucesso e do insucesso. Mas é preciso deixar claro para o contratado a responsabilidade que ele está assumindo a partir daquele momento e fazer um bom contrato de trabalho (não me refiro ao jurídico), de forma que ele sinta o significado da relação entre a aposta que fizemos, a autoridade que lhe con-ferimos e os resultados que dele esperamos, sinalizando o nível de autonomia que ele terá crescentemente na medida em que corresponder de forma equilibrada e positiva a estes elementos do contrato de trabalho. Dialogando frequentemente, podemos ajustar eventuais desajustes neste processo e corrigir desvios. Correndo tudo bem, teremos um excelente executivo, autocon-fiante e motivado. Se não, será preciso substituição. Veja, não é preciso uma política de RH para isto, ou a política de RH pode-ria ser simples assim.

Diagnóstico | set/out 2013

Fernando M. Machado é mestre em Administração pela Univesidade de Aston (Inglaterra) e presidente da Focototal Ltda. Foi diretor de Tecnologia das Nações Unidas entre os anos de 1981 e 2006.

este programa possibilitará alavancar investimentos representa-tivos nas inovações descritas acima e se alinhará com o objeti-vo de catapultar a recuperação econômica do país com foco no crescimento acelerado e global do seu sistema de saúde. Dois aspectos específicos desse programa deveriam pôr as barbas de outros países no molho. O primeiro se refere à obrigatoriedade de participação de todos os cidadãos americanos. Há inclusive a pre-visão de multa para os que não o façam, independentemente das liberdades individuais garantidas pela Constituição deste país. O segundo diz respeito a uma das principais fontes de financiamen-to do Obamacare, o aumento da taxação das empresas farmacêu-ticas e a redução dos custos dos equipamentos. Nos EUA, uma reposição de quadril tem um custo de manufatura de US$ 350, o preço de venda do fabricante é de US$ 13 mil, e o custo estabele-cido pelas seguradoras está entre US$ 20 e 30 mil.

Ao racionalizar e pressionar as margens de lucro dos fabri-cantes de produtos e presta-dores de serviços do sistema de saúde desse país – preci-samente os que estão na fron-teira das inovações biológicas e robóticas descritas acima, o que lhes permite se diferenciar de fabricantes de outros países e apresentar maior competiti-vidade –, a tendência natural

dessas empresas dos EUA seria buscar repor margens no exterior, no bojo da exportação de produtos, equipamentos e serviços de saúde. Por coincidência, este assalto global permitiria também acelerar o crescimento econômico requerido para dar solução ao monumental déficit fiscal dos EUA, o coração dos problemas econômicos deste país.

Seja por estratégia, tendência natural ou coincidência, a ma-terialização deste possível cenário teria como possível consequ-ência uma catástrofe econômica e social para outros países me-nos inovadores e competitivos no setor, como o Brasil. Não só a demanda pela qualidade na saúde é imparável, como atestam as recentes manifestações populares no país, como diferenças na capacidade de reengenharia dos seres humanos trariam consequ-ências éticas e sociais funestas, incluindo sociedades estratifica-das funcional e biologicamente, fazendo ressurgir o fantasma da eugenia diferenciada. Face ao exposto, como devem ser modifi-cados os modelos de negócios na área de saúde – muitos deles fundamentados exclusivamente na medicina curativa e na fideli-zação do paciente – para enfrentar e tirar partido competitivo des-sas inovações radicais que afetam, de modo crescente, o setor?

A nova realidade biológica da raça humana está sendo formatada principalmente pela engenharia genética e pelas aplicações de TICs, já refletidas na genômica compu-tacional, na identificação e incorporação dos genes responsáveis pelas extraordi-nárias capacidades dos novos savants, si-

nestésicos e de outras mutações genéticas humanas já registradas e consideradas como de valor agregado.

Da mesma forma, a engenharia de tecidos a partir de células epiteliais modificadas para gerar órgãos humanos, como o fíga-do artificial desenvolvido por cientistas japoneses neste ano, e a fusão de espécies geneticamente divergentes num só organismo coerente abrem portas para a geração de órgãos humanos artifi-ciais ou desenvolvidos em espécies animais.

Uma vertente transformacional adicional, competitiva e com-

plementar à transformação biológica do ser humano, é aquela re-presentada pelas inovações baseadas na inteligência artificial, na robótica e suas variações. Órgãos artificiais não biológicos como membros, olhos, ouvidos e corações não são novidade, mas a re-volução tecnológica das TICs, incluindo a inteligência artificial e novos materiais, está gerando possibilidades exponenciais para embarcá-los com sucesso no corpo humano.

Diferentemente das atividades científicas, as inovações tecno-lógicas demandam sempre um contexto econômico e social que justifique os investimentos. O setor saúde evolui para a reenge-nharia do ser humano e será o grande motor do desenvolvimento econômico e social no futuro próximo, capaz de solucionar as crises econômicas mundiais da atualidade, incluindo a dos EUA.

Os negócios atuais do sistema de saúde dos EUA correspon-dem a um valor equivalente à quinta potência econômica do mun-do, superior ao PIB da França. Se a isto se soma a economia re-presentada pelas inovações na inteligência artificial e na robótica, cada vez mais indissociáveis do setor, o sistema de saúde norte--americano passaria a corresponder à terceira ou quarta economia do planeta. A atual revolução do Affordable Care Act, conhecido como Obamacare, tem como um dos seus objetivos assegurar todos os cidadãos desse país, e, neste sentido, irá ampliar ainda mais o significado econômico desse sistema.

Além dos benefícios humanos do Obamacare, tudo indica que

no futuro, a reengenharia do ser humano será o grande motor de desenvolvimento social para

a saúde e solucionará crises econômicas mundiais

da atualidade

ARTIGOFernando M. Machado

Divulgação

a competitividade dos serviços privados de saúde no Brasil - ameaças e oportunidades na porta da frente (parte 2)

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Diagnóstico | set/out 201352

Diagnóstico | set/out 2013 53

um enriquecimento sem causa do Esta-do. Tal situação não é ética, e o Direito não pode prestigiar tal comportamento, mesmo que inexista lei. Aplico, analo-gicamente, a figura do ressarcimento ao SUS, de forma reversa. Penso que as entidades que representam os hospi-tais deveriam abraçar esta causa. O SeNhOr Sempre defeNdeu OS iNtereSSeS dAS OperAdO-rAS e mANtém umA pOSturA AtuANte NO SetOr, iNcluSive cOm cONtriBuiçõeS NA eSfe-rA NOrmAtivA. há AvANçOS NA legiSlAçãO BrASileirA pArA O SetOr? ONde é preciSO AvANçAr?A Lei n. 9.656, de 1998, representa um avanço para toda a sociedade. Na re-alidade, como dizia Kennedy, somos todos consumidores e beneficiários de planos de saúde. Porém, o remédio em excesso pode representar um veneno. E matar o paciente. A excessiva con-centração do mercado não interessa aos consumidores e nem aos prestado-res de serviços. Necessitamos que a le-gislação tenha um equilíbrio, e que os magistrados também sejam sensíveis aos aspectos econômicos e atuariais que norteiam esse tipo especial de con-tratação.

“Os magistrados precisam ser mais sensíveis ao julgar as operadoras”

Divulgação

O ADvOGADO jOSÉ lUIz TORO, pRESIDENTE DO INSTITUTO BRASIlEIRO DE DIREITO DA SAúDE SUplEMENTAR (IBDSS)

JOSé LUIZ TORO diretoaoponto

O Instituto Brasileiro de Direito da Saúde Suplementar (Ibdss) é uma referência quando o assunto é a defesa dos interesses das operadoras de saúde no Brasil. A entidade, criada em 2001, surgiu com o objetivo de ser um organismo de “fomento ao estudo do direito”, focado, de forma particular, nos imbróglios envolvendo planos de saúde e a regulação da atividade. “Necessitamos que a legislação tenha um equilíbrio e que os magistrados também sejam sensíveis aos aspectos econômicos e atuariais que norteiam esse tipo de contratação”, defende o advogado José Luiz Toro, fundador e atual presidente do Ibdss. Militante da causa – é consultor jurídico da Unidas –, Toro é conhecido também pela defesa de teses polêmicas, como o ressarcimento por via reversa, que prevê a compensação do SUS aos hospitais privados obrigados a atender pacientes do Sistema Único de Saúde. “Penso que as entidades que representam os hospitais deveriam abraçar esta causa”, defende ele, que falou à Diagnóstico.

A teSe de iNcONStituciONAli-dAde dA lei 9.656/98, que ver-SA SOBre O reSSArcimeNtO AO SuS, Sempre fOi rejeitAdA pelA juStiçA BrASileirA. O SeNhOr, iNcluSive, Admite que A cAuSA é perdidA. O que hOuve de er-rAdO NA eStrAtégiA?No início, alguns magistrados reconhe-ciam a inconstitucionalidade da cobran-ça. Posteriormente, houve uma mudança significativa de tal posição, apesar de o STF ainda não ter se pronunciado ex-pressamente sobre o assunto. No final das contas, ficou claro que não houve um debate aprofundado com a sociedade so-bre o tema.

quAl é A AtuAl BANdeirA dAS OperAdOrAS SOBre A queS-tãO? De que é preciso mudar a lei. O que to-dos querem é que, quando um plano de saúde nega indevidamente um atendi-mento, obrigando o consumidor a procu-rar o SUS, o plano seja condenado – e tão somente nesses casos – a efetuar o ressarcimento. Uma decisão do STJ, que foi relatada pelo então ministro Luiz Fux, reconhece, inclusive, a legalidade do ressarcimento ao SUS nessa circuns-tância. Há unanimidade das operadoras sobre esse ponto de vista. Atualmente,

o consumidor acaba pagando a conta três vezes: primeiro, para o governo, através dos impostos e da contribuição previden-ciária; segundo, para o plano, em face de sua contraprestação pecuniária, e terceiro, novamente para o plano, em razão do re-passe de eventuais sinistralidades, princi-palmente nos planos coletivos.

quAiS OS pONtOS de mAiOr di-vergêNciA NA cOBrANçA feitA pelA ANS?Prescrição, ilegalidade da cobrança atra-vés da Tunep (até 31/12/2007) ou IVR – pois não se trata de um ressarcimento, haja vista que é cobrado um valor supe-rior àquele que serve de remuneração dos hospitais conveniados ao SUS. Há tam-bém incorreções no processo administra-tivo – não reconhecimento de carência, cobertura parcial temporária, atendimen-to não previsto no rol da ANS, entre ou-tras incongruências.

O SeNhOr defeNde O reSSAr-cimeNtO pOr viA reverSA – quANdO um pAcieNte dO SuS é AteNdidO pOr um hOSpitAl pAr-ticulAr. há AmpArO legAl SO-Bre A queStãO?Ainda não. Porém, entendo que é possível o Judiciário reconhecer casos de situação concreta. Afinal, o que está ocorrendo é

Diagnóstico | set/out 201354

Maisa Domenech é engenheira civil, pós-graduada em Administração Hospita-lar, consultora da ADM Consultoria em Saúde e representante técnica da Febase no Departamento de Saúde Suplementar da CNS.

Próximo à expiração da última data de prorrogação acima citada, os prestadores de serviços médico-hospitalares recebe-ram contratos/aditivos através das operadoras de planos de saúde (santa distorção !), e a não conformidade com a IN-49 passou a ser regra. Diversos abusos e condições esdrúxulas foram consta-tadas em tais instrumentos, tais como exigência de apresentação de planilhas de custos, apresentação de dados referentes a vo-lume de atendimentos como condição para maior ou menor re-ajuste, reajuste condicionado à sinistralidade, fracionamento de índices públicos, dentre outros, não só invertendo os objetivos da instrução supracitada, mas minimizando ou anulando o reajuste preconizado.

Mais uma vez, o prazo venceu. Mais uma vez, nenhuma ação efetiva por parte da ANS para garantir o cumprimento da-quilo que legisla aconteceu, apesar de ter tomado conhecimento formal sobre o não implemento da norma em questão. Porém, numa atitude bastante criativa quando o assunto é legislar, mais uma novela global se inicia: o monitoramento da contratualiza-ção pela ANS, que tem como objetivo a consolidação da regula-mentação existente e ampliação do seu escopo e será objeto de mais uma proposta de normativo que estabelecerá os parâmetros gerais para formalização do relacionamento entre as OPS e os prestadores de serviços de assistência à saúde. No referido mo-nitoramento, dito monitoramento ativo, está prevista a obrigação de envio pelas OPS à ANS de relatório de conformidade contra-tual (RCC). O RCC consiste em detalhamento analítico elabora-

do por empresa de auditoria independente, contratada pelas OPS, para avaliação da adequação às disposições gerais nos instru-mentos jurídicos firmados entre as partes.

Será esta ação o prenúncio das cinzas da IN-49? Na condição de órgão regulador do setor, não está a ANS se omitindo ante à sua atribuição de fiscalizar o mercado? Não está a ANS se omitindo ante à sua atribuição de coibir distorções como essas, que compro-metem a saúde financeira das instituições de

saúde e, por tabela, prejudicam a qualidade dos serviços presta-dos? À ANS cabe sim promover a defesa e higidez do mercado de saúde suplementar. Ser estruturada para o exercício efetivo do seu papel, certamente muito além da execução de leis, garan-tirá a coexistência harmônica e pacífica de todos os atores que compõem este mercado. Quem sabe se, com a ampliação do seu escopo de atuação rumo à fiscalização e controle da cadeia de saúde como um todo, em estruturação pelo Ministério da Saúde, a ANS não conseguirá atentar para as necessidades dos provedo-res de serviços.

Por enquanto, aos provedores de serviços médico-hospitala-res não restam escolhas diante dos relatos de dificuldades cada vez maiores de sobrevivência no mercado de saúde suplementar. Somente a força mobilizadora da união, somente a conjugação de esforços traduzidos em posicionamentos e ações concretas pode-rá fazer com que a IN-49/2012 seja cumprida na sua integralidade e com que mais uma norma publicada não seja inócua e transfor-mada a referida instrução normativa em invenção para nada.

ARTIGOMaisa Domenech

Em artigo publicado na revista Diagnóstico de set/out 2012, comentamos sobre os pro-blemas que, infelizmente, ainda perduram no processo de contratualização entre ope-radoras de planos de saúde (OPS) e pres-tadores de serviços médico-hospitalares. Fizemos referência, naquele contexto, à

Instrução Normativa-49 da ANS, tão festejada pelos referidos prestadores, mas tão contestada pelas OPS.

Enquanto prestadores de serviços, desejamos acreditar, ao longo do tempo, que a Instrução Normativa 49 da ANS, de 17 de maio de 2012, tinha sido criada com o propósito de minimi-zar o cenário de fragilidade dos provedores de serviços médico--hospitalares, consequência do grave desequilíbrio de poder eco-nômico entre eles e os financiadores deste sistema. Através desta IN, tivemos definidos e detalhados com clareza os conceitos para atendimento ao disposto nas normas de contratualização RN-42/2003, RN-54/2003 e RN-71/2004, e regulamentada a forma e a periodicidade do reajuste entre as partes contratantes.

Porém, após se aproximar o prazo limite para início de vigên-cia (180 dias da sua publicação), tomamos conhecimento, atra-vés da ANS, da sua prorrogação, por duas vezes, para cumpri-mento da referida instrução normativa. Inicialmente, prorrogada por seis meses – conforme deliberado pela Dicol em sua 356ª Reunião Ordinária, realizada em 7 de novembro de 2012 – e, em seguida, a partir de 12/5/2013, por mais 120 dias. Tais ações con-tribuíram com o importante retardo na reposição dos custos dos serviços médico-hospitalares prestados, e consequente prejuízo do equilíbrio econômico-financeiro dos provedores de serviços de saúde.

in-49 da anS: instrução normativa ou invenção para nada?

Vários abusos foram constatados nos contratos e aditivos através das operadoras de planos de saúde e a não conformidade passou a ser regra

Roberto Abreu

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Diagnóstico | set/out 201356

and Women’s Hospital, em Boston, e colunista do The New Yorker, surpreendeu a todos quando comparou a oferta em saúde atual com o The Cheesecake Factory, elogiando a qualidade dos alimentos da cadeia de restaurantes, a experiência previsível e preços razoáveis, e encontrando falhas com versões de saúde nos três. “Podemos levantar ideias existentes na produção de massa, com sua homogeneidade, previsibilidade e na constante subordi-nação ao custo-benefício”, escreveu o Dr. Gawande. “Então você passa uma noite ruim em um ‘pitoresco’ alojamento que revela ter um maníaco, um gerente com halitose e que não consegue manter a água quente. É hora de voltar para o Hyatt [marca inter-nacional de hotéis]”.

Afable diz que as estratégias da grande medicina – enquanto ganham reconhecimento – não generalizam e não são uma so-lução conclusiva. Ele sustenta que os prestadores de serviços em saúde precisam dominar dois tipos de tratamentos: como em uma fábrica, com eficiência para procedimentos previsíveis, e na coordenação da personalização dos cuidados em casos especí-ficos. Por exemplo, um paciente relativamente saudável de 65 anos, que precisa de um tratamento no joelho, tem diferentes ne-cessidades de um paciente de 85 anos que vive em casa com um enfermeiro, possui certo nível de demência, cardiopatia, diabetes e não tem familiares por perto. Os prestadores de saúde devem conhecer essas diferenças enquanto equilibram as demandas

A reforma no setor de saúde está levando esta indústria para um território inexplorado. Os profissionais devem tomar decisões sem precedentes, e os consumidores estão mais exigentes do que nunca. Essas mudanças monumentais não podem ser alcançadas no vazio ou em uma abordagem fora de contex-

to. Como resultado, a saúde está tomando emprestado lições e modelos de negócios concebidos e implementados em outros se-tores: hoteleiro, automobilístico, midiático, varejista, prestadores de serviços e instituições financeiras. Apesar de aparentemente díspares, restaurantes, varejo e hospitais dividem o conceito mais antigo de mercado: oferta e demanda.

Richard Afable, professor universitário, presidente e CEO do Hoag Memorial Hospital Presbyterian, em Newport Beach, na Califórnia, leva em conta perspectivas básicas quando compara o sistema de saúde com outros setores. “É quase primitivo”, diz. “As regras de oferta, demanda e consumo são quase como a gra-vidade. Sempre vencerão um dia. O que está mudando a saúde é a demanda. O que pessoas, profissionais, o governo e grupos de aposentados querem é mudança. Isto é o que estamos pensando daqui para a frente. Não estamos tentando pensar sobre como melhor adaptar a reforma de saúde”. O que hospitais, restauran-tes e bancos têm em comum? Mais do que você pode pensar. A seguir, três lições para o setor de saúde ganhar mais performance e que têm ajudado outros mercados a se tornarem mais competi-tivos em suas áreas de atuação.

ExistEm DEmanDas simultânEas Para uniformização E PErsonalização, E as Duas DEvEm sEr alCançaDas. ExEmPlos: rEstaurantE E hotElaria

A redução dos reembolsos está forçando hospitais e outros prestadores a “fazer mais com menos”, reforçando a necessida-de de produtividade e eficiência. A saúde tem sido caracterizada como um dos setores mais ineficientes na economia, e muitos economistas estão procurando no varejo – restaurantes e o se-tor hoteleiro – modelos para mudar esta realidade. Algumas das mentes mais brilhantes da indústria estão explorando as conota-ções por trás da “grande medicina”, sugerindo que ela não tem que ficar na oposição do cuidado central do paciente. A grande medicina é um termo usado para descrever a uniformização dos serviços de saúde, muitas vezes em grandes sistemas de saúde integrados com médicos empregados de hospitais.

Atul Gawande, professor universitário, cirurgião no Brigham

boasprÁticas LIçõeS dO VaReJO paRa TORNaR O MeRcadO de Saúde MaIS cOMpeTITIVO3

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Molly gAMble

ApESAR DE ApARENTEMENTE DíSpARES, RESTAURANTES, BANcOS E hOSpITAIS DIvIDEM O cONcEITO MAIS ANTIGO DE MERcADO: OFERTA E DEMANDA

Diagnóstico | set/out 2013 57

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de cuidados de saúde alternativo, como telemedicina. Uma com-panhia chamada HealthSpot está lançando uma combinação de cuidados de varejo e telemedicina em suas Care4Stations, que têm sido descritas como “caixas eletrônicos para a saúde”.

Os pacientes têm mais escolhas de como, quando e onde re-ceberão os cuidados. Eles também estão preparados para se afas-tar dos hospitais que não atendem suas expectativas, incluindo a conveniência. Em uma recente pesquisa da PwC, 34% dos con-sumidores dizem que mudariam seus hábitos baseados em suas experiências em saúde.

ConsumiDorEs EsPEram gEstão DE risCos E inovaçõEs Em sEgurança na ofErta DE novas Plataformas. ExEmPlo: inDústria finanCEira

A informação compartilhada em bancos e no sistema de saú-de tem muitas similaridades. Ambos lidam com informações al-tamente confidenciais. Por isso, os hábitos de clientes de bancos são sugestivos às demandas em tecnologia da informação na área de saúde. Os consumidores estão começando a esperar que suas experiências em tratamentos de saúde sejam parecidas com as dos bancos: eles esperam ter alta segurança e gestão de riscos.

Os caixas eletrônicos – o primeiro começou a ser usado nos anos 1970 – são para o banco o que os prontuários eletrônicos dos pacientes (PEP) são para a saúde. Agora, mais consumidores estão satisfeitos ao fazerem transações online e através do celular. Um estudo, em 2011, descobriu que a satisfação por poder reali-zar serviços bancários online é de 83%. Contudo, a confiança e a satisfação dos norte-americanos com os PEP não progrediram ao mesmo tempo. Em 2012, uma pesquisa conduzida pela Harris Interactive descobriu que 85% dos norte-americanos têm aflição pelos PEP, e metade deles está preocupada que seus dados em saúde possam ser perdidos, corrompidos ou danificados. Esses receios não são infundados, já que outro dado revela que os seis primeiros casos de dados violados, em 2011, tinham envolvimen-to de organizações do setor de saúde. No futuro, os consumidores desejarão ter acesso eletrônico aos dados em saúde, exatamente como eles fazem com as informações financeiras, mas esta de-manda não pode ser cumprida a menos que as questões de segu-rança sejam solucionadas. Outro exemplo de como os pacientes esperam experiências similares em saúde como as que têm em bancos é a forma como estes clientes esperam a gestão de riscos na oferta individual de serviços em saúde. Os benchmarkings e os dados comparativos são especialmente valiosos como os presta-dores de serviços em saúde, que são demandados a colocar mais ênfase nos riscos potenciais. Por exemplo, os pacientes querem saber mais sobre os números de sua pressão arterial; eles querem saber sobre como estes valores se comparam com pessoas da sua mesma faixa etária. “No passado, nos perguntavam sobre nosso patrimônio líquido. Hoje, nós podemos ser perguntados sobre nosso fico score [medida de risco de crédito]”, diz D’Alessandro. “Existem linhas de comparação [em saúde] nos levando de vol-ta para o setor financeiro, e os consumidores estão dizendo: ‘As transações bancárias estão me ajudando a entender os meus ris-cos – por que você não está?’”.

para o aumento da eficiência e uniformização. “Um tratamento do joelho é um exemplo perfeito de [serviço] em que a criação de um produto consistente, previsível e com custo acessível é o melhor tratamento possível. Existem muitas coisas em saúde que vão por este caminho”, diz Afable.

ConsumiDorEs muDam hÁbitos Em um PisCar DE olhos quanDo rECEbEm sErviços E ProDutos DE qualiDaDE E DE forma ConvEniEntE. ExEmPlo: sEtor DE varEjo

Os setores de saúde e varejo estão cada vez mais entrelaça-dos, mas particularmente com um boom nos centros de urgência e emergência e clínicas de varejo. O fato de a Mayo Clinic estar analisando a configuração da oferta em saúde dentro do Mall of America, em Bloomington, shopping center localizado em Min-nesota, é uma analogia clara da intersecção das duas indústrias.

Alguns dos mais notáveis hospitais norte-americanos estão se expandindo em direção aos shoppings nos subúrbios e farmá-cias, e por uma boa razão: o número de pacientes visitando clíni-cas de varejo disparou de 1,48 milhão em 2006 para 5,97 milhões em 2009. O número cresceu mais do que quatro vezes. Com as clínicas de varejo, os pacientes reconhecem o valor na prestação * Molly Gamble é editora da revista Becker’s Hospital Review

Shutterstock/Editorial de Arte

Diagnóstico | set/out 201358

SUS25 ANOS

Oferecimento:Oferecimento:

Caderno especialA GESTÃO DO SUS: PRIVATIZAR OU ESTATIZAR? GONZALO VECINA NETO (Superintendente corporativo do Hospital Sírio-Libanês e docente da FSP/USP) SUS: Um SISTEmA DE SAúDE PúblIcO UnIVERSAl, GRATUITO E DE qUAlIDADE. UmA UTOPIA? CARMEN TEIXEIRA (Doutora em saúde pública e professora da UFBA)

EnTREVISTA HéSIO ALBUqUERqUE(Médico Sanitarista e um dos fundadores do SUS)

A éTIcA nA SAúDE: UmA qUESTÃO DE DEfESA DA VIDAROSEMARY GIBSON (Consultora sênior na Hastings Center e autora do livro Treatment Trap - A Armadilha do Tratamento)

O fInAncIAmEnTO DO SUS E A SOlUçÃO PARA UmA DIfícIl EqUAçÃO ÁqUILAS MENDES (Doutor em economia, professor livre-docente de Economia da Saúde da FSP/USP e da PUC-SP)

A hISTóRIA DO SUS E AS SAnTAS cASAS SAULO LEVINDO COELHO (presidente da Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas do Brasil - CMB)

EnTREVISTA SENADOR E EX-MINISTRO DA SAúDE HUMBERTO COSTA (PT/PE) / DEPUTADO FEDERAL DARCÍSIO PERONDI (PMDB/RS) hUmAnISmO E PADRÃO TEcnOlóGIcO DE ATEnçÃO À SAúDELUIS EUGÊNIO PORTELA (Presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva - Abrasco - e professor da UFBA)

UnIDADES DE PROnTO ATEnDImEnTO (UPAS) E O SUS: DEScEnTRAlIZAçÃO DO AcESSO SéRGIO CÔRTES (secretário de Estado da Saúde do Rio de Janeiro)

Fotos: Shutterstock

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pRÉDIO DE EScRITóRIOS DA BUROcRAcIA púBlIcA, EM BRASílIA: um Estado mais gestor e menos executivo

Diagnóstico | set/out 2013 61

A GESTÃO DO SUS: PRIVATIZAR OU ESTATIZAR? Limitar a discussão da gestão do SUS aos opostos privatização e estatização impede enxergar uma nova direção: como tornar a gestão dos serviços estatais de saúde mais eficiente? Como, subordinados à eficácia e à segurança, produzir mais com os recursos disponíveis, que são sempre escassos?

GONZALO VECINA NETO

Diagnóstico | set/out 201362

Desde muito tempo o setor de saúde vem procu-rando dar respostas à questão da eficiência. Uma das primeiras iniciativas remonta à década de 40, quando foi criada a Funda-ção Serviços Especiais de Saúde Pública (FSESP). O objetivo era, usando as regras da administração privada, levar assistência à saúde para as regiões afastadas do centro-sul do país. Como concursar e licitar? Como manter a estabilidade de servidores? A fundação foi a resposta. Dotada de autonomia gerencial, ela po-deria atender às necessidades assistenciais de comunidades que habitavam grotões de um Brasil esquecido.

Mais tarde, na década de 50, da Fundação SESP nasceram os serviços sociais autônomos com a missão de gerir serviços de fornecimento de água tratada. Como cobrar pelo fornecimento de água e garantir a continuidade desses sistemas nos pequenos municípios? Desta necessidade nasceu a personalidade jurídica chamada de Serviço Social Autônomo, que deu origem aos ser-viços autônomos de Água e Esgoto (SAAE), que posteriormente formaram o chamado Sistema “S” – Sesc, Sesi, Senai, Sebrae – e que, na década de 90, foi a saída escolhida pela Fundação das Pioneiras Sociais para fugir da armadilha constitucional da au-tarquização de fundações estatais de direito privado.

As fundações estatais de caráter privado também contribu-íram de maneira relevante para um grande conjunto de ações. Como, por exemplo, na melhoria da gestão de secretarias estadu-ais de saúde – Fundação Caetano Munhoz da Rocha, no Paraná; Fundação de Saúde do Ceará; Fundação Hospitalar de Minas Gerais; Fundação para o Remédio Popular, de São Paulo. Outro exemplo é a rede do sangue e suas fundações voltadas para agi-lizar sua gestão. Aliás, não teríamos um sistema hemoterápico com a qualidade que temos hoje sem as fundações que gerencia-ram a construção deste sistema.

Também é necessário lembrar a Fundação das Pioneiras So-ciais do DF e a Rede Sara (esta, como citado, pós-CF de 1988, foi transformada em serviço social autônomo). Outras experiên-cias foram mais ousadas, como a da criação do Hospital de Clí-nicas da FMUFRGS, uma empresa pública fundada em 1970 e que tem funcionado bem até hoje. Mais uma vez, o que se estava buscando era eficiência na área da saúde.

Considerando a perspectiva histórica, constata-se que a busca

GONZALO VECINA NETOSuperintendente corporativo do Hospital Sírio-Libanês e docente da FSP/USP

da eficiência não começou agora. E não é um movimento que vem do nada. É, sim, uma resposta às mudanças sociais e tec-nológicas. Na década de 40, precisávamos de instrumentos mais ágeis de gerenciamento para atingir os grotões. Na década de 70, já vivíamos outra revolução. Primeiro, gerencial. Computadores de grande porte foram introduzidos, ao mesmo tempo em que, no campo das ideias, havia uma mudança de mentalidade. A che-gada do pensamento estratégico na gestão juntou funções meio e fim nas unidades de negócio, abrindo novas perspectivas de pro-duzir resultados. Outro aspecto importante foi o crescimento da oferta de tecnologia médica, que gerou um impacto significativo nos custos e na complexidade da gestão dos recursos. Ao mes-mo tempo, o Brasil vivia um intenso fluxo migratório norte-sul e rural-urbano. Isto transformou os municípios em polos reais de exercício da cidadania e, portanto, de lutas pela cobertura de necessidades sociais e sanitárias.

A década de 70 também assistiu à tentativa de usar autarquias como instrumento de busca pela eficiência. É desse momento a transformação do Hospital das Clínicas da USP em autarquia e a adoção dessa personalidade jurídica pelas universidades do esta-do de São Paulo. Se bem que, neste caso, com uma excepciona-lidade que lhes concedeu uma enorme autonomia. Foram criadas como autarquias especiais, com autonomia universitária e um sistema de financiamento vinculado à arrecadação de impostos. Outros estados também criaram autarquias em suas secretarias de saúde, como Espírito Santo e Goiás. Estas soluções se mostraram adequadas durante um bom tempo, porém, após a Constituição Federal de 1988, todas sofreram um processo de esclerosamento porque os múltiplos controles externos implementados acabaram por lhes tirar a autonomia.

No início dos anos 80, a necessidade de oferecer produtos hemoterápicos com qualidade levou à criação de um sistema di-nâmico e eficiente. Eram fundações estatais de direito privado. Foi também nesta época que surgiram as primeiras fundações de apoio instituídas por pessoas físicas, porém com o único objetivo de apoiar uma entidade estatal (o exemplo mais emblemático é a Fundação Zerbini). Mas existem outros importantes exemplos, como a Fundação Ary Frauzino, do Instituto Nacional do Cân-cer (Inca), a Fiotec, da Fundação Oswaldo Cruz, e todas as exis-tentes para apoio ao funcionamento dos hospitais universitários. Trinta anos depois, estas fundações começam a ser substituídas por uma empresa pública, a Ebserh. No caso da rede hemote-rápica, após a promulgação da Constituição, muitas fundações criaram fundações de apoio para conseguir manter a eficiência perdida pela autarquização das fundações estatais.

Mas continuemos nossa volta no tempo. No final dos 80, o Brasil conseguiu dar seu mais importante passo rumo à democra-tização – promulgou sua lei maior a partir de um processo muito participativo. A CF de 1988 trouxe uma nova realidade para o campo dos direitos e criou um novo pacto social. Mas, ao mes-mo tempo, diminuiu a capacidade do Estado de executar ações de gerenciamento. Autarquizou as fundações estatais de direito privado e tornou toda a legislação da área de pessoal muito en-gessada, além de estabelecer regras complexas para licitações.

Foi um movimento pendular em resposta à centralização e à autonomia gerencial do Estado ditatorial, mas com graves pre-juízos para a eficiência gerencial no momento seguinte. A este-rilização da capacidade de gestão foi muito pouco analisada e percebida, mas teve consequências muito danosas para a ação do

MODELO POLÍTICO

Divulgação

Diagnóstico | set/out 2013 63

Estado. O fim das fundações estatais de direito privado; a trans-formação dos celetistas dessas organizações em servidores públi-cos, dentro do chamado regime jurídico único; o recrudescimen-to das condições para licitar, através da edição da Lei 8666/93; e ainda a mudança do papel dos tribunais de conta, que passaram a agir ex-ante, tornaram a administração pública extremamente morosa.

o WinDoWs E o susTalvez parte da confusão entre estatal e privado seja devido a esse período em que estatizar significava “democratizar”. Até se che-gou a propor que as fundações estatais de direito privado fossem instituídas por força da lei, quando o ministro da Saúde era José Temporão. Mas o Conselho Nacional de Saúde se manifestou contra as estatais de direito privado, e o Congresso não aprovou a lei que propunha a criação desta entidade.

Na década de 90, o mundo passou por um violento processo de globalização, e o aparecimento dos computadores pessoais com softwares muito amigáveis (Windows) causou uma revolu-ção. Logo em seguida apareceu a rede mundial de computadores – web – e uma nova revolução gerencial ocorreu. O momento era de descentralizar e empoderar o trabalhador no ponto de atendi-mento, até porque o cliente também queria ter as suas vontades atendidas de maneira mais individualizada.

É a partir do início desta década que se extinguem o Inamps, a FSESP e a Sucam e se inicia de fato a implantação do SUS. Mas, ao mesmo tempo, vive-se uma profunda crise econômica, devido à galopante inflação, que só foi freada em 1994. Faltavam recursos para a saúde, pois o Fundo da Previdência e Assistência Social deixou de destinar os recursos que historicamente eram re-passados à área da saúde. O conjunto de medidas constitucionais que tiraram autonomia da gestão pública, somado à questão do financiamento, criou um dos piores momentos que a saúde públi-ca brasileira já enfrentou. A gestão estatal brasileira regrediu à era pós-Segunda Grande Guerra.

Era preciso fazer algo para introduzir o país em um mundo transformado pela globalização, lutar contra as crescentes dife-renças de renda e exclusão social, altas taxas de desemprego e imenso endividamento externo. De forma errática, o governo conseguiu estabilizar a moeda, ao mesmo tempo em que promo-veu a privatização de um conjunto de serviços tradicionalmente realizados com muito baixa eficiência pelo Estado (telecomuni-cações, fornecimento de energia, petróleo etc.).

Conhecida como reforma Bresser, a EC-19 implementou uma reforma administrativa parcial que fez alterações constitucionais e criou, entre outras coisas, as agências regulatórias (e as funções a elas agregadas), as organizações sociais (OS) e as organizações sociais civis de interesse público (OSCIP), para serem entidades que cooperam e que atuam em áreas que não são exclusivas do Estado, mas que, mesmo assim, são de interesse estatal. A emen-da também permitiu novamente a criação de fundações instituí-das pelo Estado, mas de direito privado.

Esses movimentos jurídicos eram uma busca por alternativas para aumentar a eficiência de gestão do Estado. Ainda neste perí-odo, começaram a aparecer as primeiras fundações estatais de di-reito privado (a Bahia e o Rio de Janeiro foram estados pioneiros neste movimento), mas elas eram muito tímidas e com poucas inovações na área de gestão de pessoas.

A reforma Bresser foi o último movimento do Brasil na tenta-

tiva de colocar o país no mesmo compasso do mundo. Paramos aí enquanto outros países caminham em direção a um Estado cada vez mais responsável pela “entrega” e menos focado no “fazer”. Um Estado preocupado com a eficiência e a diminuição da exclu-são social. Um Estado mais público. Exemplos aparecem na In-glaterra, no Canadá, na Espanha, no Chile e em Portugal. Nestes países, o Estado começa a deixar de fazer, mas continua sendo o definidor de políticas e o regulador de entregas.

A discussão que quero complementarmente travar pode ser sobre qualquer serviço estatal. Porém, até para ser emblemático, vou me limitar ao setor saúde. Até porque, em praticamente to-das as outras áreas de atuação estatal, o tema da privatização já realizou seus estragos.

São quatro os ângulos que quero analisar: lucro, essencialida-de, a oposição: fazer ou regular e a segurança jurídica.

As organizações existem para cumprir os objetivos para os quais foram criadas. Este é o princípio. Assim, a eficiência e a eficácia não podem ser atributos secundarizados. O “o quê” (ob-jetivos) e “o como” (estratégias) devem presidir o olhar sobre esta discussão e não uma visão principesca de que os produtores de serviços de saúde devem ser necessariamente estatais.

Este viés é um dos maiores entraves para que seja encontrada uma alternativa realmente efetiva para a gestão eficiente de servi-ços de saúde no Brasil.

A primeira questão a ser debatida é a do lucro. A operação de serviços públicos de saúde pode ser realizada por terceiros que tenham como objetivo o lucro? É lícito que, com dinheiro público, se financiem ganhos de terceiros? A resposta na ponta da língua é que isto deve ser evitado. Mas a Constituição não se opõe à presença do setor privado na saúde. E a reforma Bresser propôs, através da concessão, por exemplo, a possibilidade de uma parceria público-privada mediada pelo lucro.

fazEr ou rEgular?A questão do lucro, quando se abordam as terceirizações mais clássicas, como limpeza, segurança, manutenção, é essencial-mente diferente? Provavelmente não. No entanto, a tendência, mesmo em uma sociedade tão excludente como a nossa, é consi-derar que o vilão de plantão é o lucro. Na verdade, o lucro não é o problema. O componente mais crítico é a busca da acumulação e a falta de políticas públicas que permitam a distribuição da rique-za. Não é o lucro e, sim, a forma como ele se realiza na sociedade.

No entanto, o lucro continua a ser um importante balizador da eficiência. A função do Estado deve ser a de regular as rela-ções entre os produtores e os cidadãos, garantindo o acesso aos serviços, independentemente do lucro. Um bom exemplo disso é a parceria público-privada da Bahia (a primeira no setor saúde no Brasil) efetivada em 2010 e que vem dando excelentes resul-tados assistenciais para a população atendida pelo Hospital do Subúrbio, gerenciado por uma entidade privada com finalidade lucrativa escolhida em uma licitação.

E a essencialidade? Primeiro deve-se dizer que essencial é o que a Constituição define como direito da cidadania e dever do Estado em prover. Creio que este estatuto fica intocado nesta discussão. Privatizar, para usar provocativamente um termo bas-tante desgastado, não significa não prover ou deixar de escolher a quem prover. De novo, depende de como forem fixadas as regras e de como elas serão fiscalizadas. O direito à saúde não é viola-do quando o Estado deixa de fazer diretamente um determinado

MODELO POLÍTICO

serviço, por mais essencial que este possa ser. O terceiro ponto, a seguir, irá elucidar esta questão.

Fazer ou regular? Primeiro, por que fazer? É possível gerar uma ação estatal eficiente quando quem faz é o Estado? A res-posta é, pasmem, sim, é possível. Quanto mais típica e quanto mais fiscalizada for a ação, mais possível será que ela seja execu-tada com eficiência e eficácia.

A distribuição da justiça, a segurança pública e a arrecadação de impostos são atividades típicas do Estado. Tem-se muita ine-ficiência nestas áreas, mas não se falará em transferir estas ações para o setor privado.

É possível comparar os resultados da ação do Estado e da iniciativa privada quando ambos fazem o mesmo trabalho? Os dados disponíveis de pesquisas realizadas (ver ROSÁRIO DA COSTA, Nilson, Estudo Comparativo do Desempenho das OSs--Estado de SP, e FORGIA, Gerard, Desempenho Hospitalar no Brasil) mostram que, quando o Estado opera diretamente, ele é mais ineficiente. Os estudos analisam a eficiência do Estado e de diferentes formas de manifestação do privado, seja através da ação do Estado via figuras do direito privado ou de organizações privadas como entes de cooperação. E pode ser bastante compa-rável à administração privada quando o Estado opera através de personalidades jurídicas de direito privado (fundações estatais de direito privado, empresas públicas). O fundamental é a autono-mia conferida ao gestor para mobilizar recursos que levarão ao atingimento dos resultados desejados. As eficiências só podem ser comparáveis dependendo da autonomia e do controle.

No entanto, o esforço político para conseguir estas condi-ções tem que ser imenso dentro da organização estatal. O apare-lhamento do Estado para contratar, comprar e para comandar é muito deficiente. Além de sempre acabar por buscar estender os controles típicos da administração direta para a indireta. A busca da isonomia é atávica. É desse modo que diversas soluções fica-ram esclerosadas (como citado anteriormente, as autarquias e as fundações). Em grande medida, o Estado fracassa devido ao seu tamanho, à descontinuidade administrativa, ao clientelismo e à falta de capacidade de definir, no espaço do trabalho, os objetivos que devem ser atingidos.

Ademais, o Estado deve buscar cobrir direitos e não neces-sariamente fazer. Nos dias de hoje, a defesa do fazer estatal só se explica por corporativismo e ou por uma visão arcaica.

Aí se coloca a questão da regulação. Mas o que é regulação? É um conjunto de atividades desenvolvidas pelo Estado no sen-tido de garantir que os direitos sejam cobertos. É garantir que a entrega do serviço ocorra. É nesta atividade substantiva que o Estado deve se concentrar e dar condições para que a sociedade acompanhe estas ações.

Acredito que aqui o grande desafio é a transparência. Em um Estado voltado para a reprodução das condições que perpetuam as iniquidades presentes, o grande desafio é o de se mostrar e, ao fazê-lo, permitir que os cidadãos percebam que modelo de socie-dade está sendo construído. Ter uma ação estatal transparente é que deve ser o objetivo a ser perseguido e com certeza é o maior desafio da sociedade brasileira. A transparência é uma condição sine qua non para construção de justiça social.

A discussão sobre a transparência traz à baila a discussão da segurança jurídica. Pela falta de uma real reforma administrativa e devido a um julgamento suspenso no STF de uma ação direta de inconstitucionalidade sobre as OS, paira sobre estas experiên-

cias um manto de incerteza. Que consequências terá uma decisão que as considere ilegais?

A discussão entre o que é particular e o que é privado deve ser levada adiante. O que não é admissível é a interpretação in-gênua dos esquerdistas que confundem público com estatal. Um discurso demagógico que paralisa as ações, deixando, paradoxal-mente, o que funciona na mão da iniciativa privada e a sociedade à mercê de um Estado privatizado.

Pois bem, se este é o caminho a ser trilhado, quais as ações a serem encetadas?

A primeira é gerar um arcabouço jurídico que crie condições de dar legalidade para esta proposta. Nesse sentido, a experiência das OSs do estado de São Paulo deve ser observada mais de per-to. É preciso criar segurança jurídica para os prestadores. Não é a presença do Estado na gestão que dará transparência. Portanto, deve ser claro que a atividade regulatória pressupõe a definição das políticas que antecedem a contratação e a presidem o tempo todo. E a construção da transparência deve ser tarefa do Estado e do ente regulado.

Outra questão mais difícil é a da discricionariedade do ges-tor para escolher as parcerias. Na medida em que o modelo não aceita entidades lucrativas, o critério deve ser mais elástico. O mecanismo deve ser aperfeiçoado, mas não se deve criar buro-cratizações desnecessárias, como tem sido proposto, que essa escolha seja realizada por processo licitatório.

inEfiCiênCia PúbliCa A regulação propriamente dita, imbricada com as questões do controle social e da transparência, é a outra faceta desse proble-ma. Muitas das questões que aqui se colocam só serão resolvi-das no caminhar. No entanto, é possível desenhar um modelo de controle social que hoje é inexistente e criar alguns mecanismos que deem transparência para o processo. Como, por exemplo, a apresentação pública e periódica dos resultados da operação da entidade gestora, bem como a discussão pública do processo de contratualização. Na verdade, tem-se realizado um enorme esforço para melhorar a entrega dos serviços, mas isto não tem conseguido alterar os resultados. Exemplos desse esforço não faltam, como a criação das autarquias municipais em São Paulo, em 2002, para gerenciar a rede de hospitais do município. Mas em vez de melhorar, a ineficiência aumentou. Este é um tópico que merece ser aprofundado.

O ordenamento jurídico se sobrepõe, na administração públi-ca, ao fato organizacional. Reconheço que esta afirmação é grave e tem outras leituras, mas a tese é que o ordenamento jurídico não é o fim, mas sim o instrumento através do qual a adminis-tração pública demonstra que é proba, econômica, isonômica, etc. Ou seja, o objeto da ação pública, embora não possa se dar fora do espaço da legalidade, não é a legalidade seu fim último e sim o público. Não se trata de discutir cartesianamente qual é a hierarquia. Não se pode ser ilegal, mas não há razão de existir se não for para um fim – o objetivo. Ou seja, as organizações na nossa sociedade existem em função dos seus fins: o serviço a ser prestado para o cidadão.

Assim, se o objetivo do legislador é o público, a lei determi-na o espaço dentro do qual o administrador atua. O gestor deve procurar alternativas para atingir o objetivo da organização – ou seja, atender ao público. A leitura deve ser sistêmica e não posi-tivista.

Manifestantes britânicos protestam contra a privatização do NHS (SUS inglês)Tentativa de ampliar a participação privada no renomado sistema de saúde pública da Inglaterra tem acendido o

debate sobre o público e o privado na saúde inglesa: discussão deve seguir por uma terceira via, defende Vecina Neto

Nesse sentido não se pode tergiversar – o marco legal deve ser reformado para se tornar contemporâneo. Aliás, deve ser notado que, fora uns remendos recentes e algumas mudanças na Constituição de 88, os marcos, os pilares da administração pública brasileira ainda remontam aos momentos de supressão explicita das liberdades, a ditadura. O Decreto-Lei 200/67 e a criação do DASP no final da ditadura Vargas são os marcos mais identificáveis da administração pública brasileira, e é por eles que o corporativismo briga. Controles ex-ante deveriam ser ex--post, porém mais próximos de onde a ação ocorre. Vedações nacionais deveriam constituir-se em códigos locais. As relações com a força de trabalho deveriam ganhar a flexibilidade exigida pela tecnologia embutida na organização.

Tem-se, e o momento já passou, de voltar o foco no público. Para ser mais compreensível, isto significa incorporar como re-gra de ouro a noção de cidadão prenhe de direitos e de sua sobe-rania sobre todas as outras coisas. Existe dormindo no Congres-so uma proposta de reforma administrativa fruto da comissão de juristas constituída pela Portaria 426 de 6/12/2007, do Minis-

tério do Planejamento, Orçamento e Gestão, coordenada pelo professor da FGV Carlos Ari Sundfeld. É hora de ressuscitá-la e discuti-la com a sociedade.

Brevemente, coloquei em linhas gerais as minhas ideias so-bre a questão da gestão de serviços na área da saúde. Quero realçar que temos que construir uma alternativa ao que aí está. Temos que ter esse compromisso de construir algo que realmen-te esteja a serviço de melhorar as condições de vida de nossa população.

Mas, na sociedade brasileira, ainda existe um conjunto de xenófobos que atavicamente se prendem ao fato que quem tem que fazer é o Estado. Para eles, não interessa se o Estado é ou não eficiente. A eficiência, dizem os ignorantes, é o gerencialis-mo a serviço da reprodução do capitalismo.

Por isso, eu tenho certeza que a discussão não é entre o Esta-do e o privado, e, sim, sobre a capacidade de o Estado, em nome do pacto social presente na Constituição, construir o espaço pú-blico. A sociedade brasileira tem que enfrentar essa discussão e não se permitir ser manietada por esse discurso atrasado.

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SUS: Um SISTEmA DE SAúDE PúblIcO UnIVERSAl, GRATUITO E DE qUAlIDADE.UmA UTOPIA? O SUS precisa ser entendido como um projeto de sociedade que preserve e fortaleça os valores republicanos e fundamente a ação do Estado no princípio da solidariedade social

CARMEN TEIXEIRA

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Atualmente, pode--se afirmar que todo e qualquer brasileiro, em algum momento de sua vida, já teve contato com o Sistema Único de Saúde (SUS), independentemente do conhecimento que tenha sobre sua história, suas bases concei-tuais, jurídicas e políticas, sua organização e funcionamento e mesmo à revelia de eventual indiferença, desprezo e posições abertamente contrárias à sua existência.

A imensa maioria dos brasileiros depende exclusivamente do SUS para ter acesso a ações e serviços necessários à proteção, manutenção e assistência à saúde. Mesmo os que pensam não “depender” do SUS, na medida em que pagam direta ou indire-tamente sua assistência médico-hospitalar através dos planos de saúde privados, beneficiam-se de ações e serviços de vigilância sanitária, epidemiológica e ambiental, bem como de ações de promoção e proteção da saúde desenvolvidas no SUS.

Da vacina ao transplante, passando pelas ações de controle da qualidade da água, do solo e do ar; ações de vigilância e con-trole de epidemias e endemias; ações e serviços de controle de doenças crônicas, acidentes e violências, abuso de álcool e dou-tras drogas, os números relativos à produção de ações e serviços de saúde pelo SUS contam-se em termos de bilhões, milhões e milhares. Por isso se diz que o SUS é o maior sistema público do mundo, o que possui a mais extensa rede de serviços e a maior cobertura populacional, embora o Brasil gaste menos, percentu-almente, do que vários outros países.

Apesar da magnitude dos números, existe uma discrepância entre o que o SUS é e a forma como ele é percebido pela maioria da população, por conta da multiplicidade de experiências nega-tivas vivenciadas por usuários que sofrem com a insuficiência de recursos, falta de coordenação e/ou má qualidade dos servi-ços prestados em muitos municípios do país. Essa percepção é agravada pela forma como estes problemas são abordados pelos meios de comunicação, reforçando certo senso comum que tende a desvalorizar o que é público, entendido como intrinsecamente “inferior”, destinado aos que não podem pagar por alguma coisa “melhor”. Nessa perspectiva, o SUS tende a ser pensado como um “SUS para pobres” e imaginar algo mais que isso seria situar--se no terreno da utopia.

Compreender o SUS para além dessa visão de senso comum,

impregnada de uma ideologia mercantilista que somente atribui valor ao que se apresenta como uma mercadoria, implica reco-nhecê-lo como resultado de uma luta política que fundamentou a adoção do direito à saúde na Constituição de 1988, continuou ao longo dos últimos 25 anos e permanece hoje.

Constituição CiDaDãO SUS é uma proposta e um projeto construído pelas forças so-ciais que lutaram pela democracia e se organizaram no movi-mento pela Reforma Sanitária Brasileira (RSB), desencadeando mudanças no âmbito jurídico, político, institucional, organizati-vo e operacional do sistema de saúde. A RSB fundamenta-se em uma concepção ampliada de saúde, entendida não apenas como “ausência de doença”, senão como “bem-estar físico, mental e social”, decorrente de condições de vida saudáveis, isto é, de em-prego, renda e acesso adequado à alimentação, habitação, educa-ção, transporte, lazer, segurança e serviços de saúde.

As propostas da RSB foram apresentadas e aprovadas na 8a. Conferência Nacional de Saúde (1986), em Brasília, cujo rela-tório subsidiou o debate na Assembleia Nacional Constituinte responsável pela elaboração e aprovação da nova Constituição Federal do país, a “Constituição cidadã”, que reconhece a saúde como “direito de cidadania e dever do Estado” e incorpora a pro-posta de criação do SUS.

O SUS, portanto, é uma conquista histórica do povo brasilei-ro, expressão de uma política de Estado que se fundamenta em uma concepção ampliada de saúde e em uma perspectiva uni-versalista do direito à saúde, traduzida em princípios (valores), diretrizes (políticas e organizativas) e dispositivos jurídicos (leis e normas) que orientam e definem o curso das ações governa-mentais. Assume os princípios da universalidade, igualdade e integralidade da atenção à saúde e tem como diretrizes a descen-tralização, a regionalização, a hierarquização e a participação so-cial, incorporadas na legislação orgânica da saúde (Lei 8080/90 e Lei 8142/90), aprovada pelo Congresso Nacional.

O reconhecimento do direito à saúde e a aprovação dos prin-cípios e diretrizes do SUS na CF e nas leis 8080 e 8142 foram os primeiros passos para o desencadeamento da construção do SUS. Durante os anos 1990, isso se deu através da municipalização de ações e serviços de saúde, respaldada em normas operacio-nais básicas do SUS (01/91; 01/93; 01/96) e posteriormente na Norma Operacional da Assistência em Saúde (2001-2002), que resgatou o princípio da regionalização dos serviços de saúde, contrapondo-se à excessiva fragmentação provocada pela mu-nicipalização. Durante esse período, especialmente a partir de 1994, foi desencadeada a reorganização da atenção básica, atra-vés da estratégia de saúde da família, com expansão gradativa do número de equipes e de unidades de saúde em todo o país, com efeitos positivos na saúde da população, especialmente na saúde materno-infantil.

A partir de 2003, a gestão do SUS passou a ser pautada pela crítica à opção normativa adotada na década anterior, processo que resultou na aprovação do Pacto da Saúde (2006), reforçan-do-se a diretriz da regionalização dos serviços e convocando-se os gestores das diversas esferas de governo (federal, estadual e municipal) a estabelecerem acordos solidários para viabilizar a reorganização dos serviços em bases territoriais. Nesse contexto, além de se dar continuidade à implantação da estratégia de saú-de da família, desencadeou-se a reorientação da assistência pré-

CARMEN TEIXEIRAMédica, doutora em Saúde Pública e professora da Universidade Federal da Bahia

SUSTENTABILIDADE

Divulgação

-hospitalar (SAMU 192) e hospitalar, bem como se priorizou a intervenção em áreas críticas, como a saúde mental, saúde bucal e assistência farmacêutica, e na organização de redes integradas de serviços de saúde.

A análise da experiência acumulada no SUS revela uma ten-dência à diversificação das estratégias utilizadas pelos dirigen-tes do sistema em cada conjuntura, em um processo contínuo de ajuste das propostas aos constrangimentos decorrentes da negociação com os atores políticos envolvidos, sejam os que atuam internamente no sistema, como gestores, profissionais e trabalhadores de saúde, sejam os que pressionam o sistema desde fora, buscando com que as decisões adotadas atendam às suas demandas e necessidades. Estas podem ser muitas vezes contra-ditórias e até mesmo antagônicas, a exemplo das pressões exer-cidas por fornecedores de insumos, prestadores de serviços ao SUS, empresas médicas contratadas e conveniadas, corporações profissionais vinculadas ao processo de reprodução do modelo de atenção médico-assistencial, enfim, pelo conjunto heterogê-neo de atores envolvidos, direta ou indiretamente, na gestão e na prestação de serviços de saúde. Com isso, o SUS se apre-senta como uma arena permanente de conflitos, enfrentamentos, negociações, pactos, com os quais se tenta administrar crises e introduzir reformas em sua estrutura organizacional e político--gerencial, algumas das quais caminham na direção da “imagem--objetivo” pretendida no marco jurídico constitucional, e outras se afastam dessa imagem, quando não a desfiguram.

ProblEmas E DEsafiosO maior problema do SUS é político, ou seja, refere-se às difi-culdades de mobilização da sociedade em prol de um sistema universal e igualitário. Daí decorrem outros, com destaque para o subfinanciamento, em função da prioridade dada às políticas de ajuste fiscal e de crescimento econômico.

O subfinanciamento do SUS é evidenciado pela compara-ção entre os gastos per capita do setor público e da saúde suple-mentar. Em 2009, por exemplo, no sistema público, houve um gasto de R$ 449,93 por pessoa, ao passo que a assistência médi-ca supletiva despendeu R$ 1.512,00 por beneficiário. Apesar da regulamentação da EC 29, não há garantia de estabilidade dos recursos necessários para o SUS.

Mesmo quando havia a CPMF, a saúde só recebeu 40% dos recursos arrecadados em 2006. A despesa federal com saúde tem crescido apenas em termos nominais, reduzindo-se quan-do corrigida pela inflação. A queda da participação relativa do governo federal na despesa pública da saúde vem sendo com-pensada precariamente pelo aumento das contribuições dos municípios e estados.

Embora 8,4% do produto interno bruto gasto com saúde em 2007 represente um valor razoável, quase 60% desse gasto era privado. Assim, o que chama a atenção é a baixa proporção da participação pública na estrutura de gastos de saúde (41%). A manutenção da Desvinculação de Receitas da União (DRU) compromete os recursos financeiros para a saúde, pois retira

Fila de idosos em busca de atendimento médico em hospital público de São PauloInsatisfação da população em decorrência das dificuldades de acesso aos serviços tem provocado um

aumento vertiginoso de processos judiciais para garantir ao cidadão assistência médica e farmacêutica

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20% do orçamento do Ministério da Saúde. Não parece plau-sível uma alteração neste cenário no curto prazo, inclusive por conta da provável repercussão da crise econômica internacional na economia brasileira, apesar de o movimento Saúde + 10 ter conseguido coletar mais de 2 milhões de assinaturas ao projeto que propõe o aumento do volume de recursos para a saúde, ora tramitando no Congresso Nacional.

No que tange à gestão, destaca-se a vulnerabilidade do sistema às mudanças de governos, gestores e partidos, o que gera descontinuidades administrativas pela alta rotatividade das equipes, “engessamento” burocrático e por vezes intercor-rências desastrosas em função das ideologias e estilos de diri-gentes despreparados ou “mal-intencionados”, em função dos compromissos político-partidários ou interesses particulares. Uma gestão fatiada por partidos e refém do clientelismo e do fisiologismo, cuja moeda de troca tem sido o preenchimento dos cargos de confiança por afilhados, não é compatível com o mérito, a eficiência, o profissionalismo e a competência técnica.

No que diz respeito à infraestrutura, cabe ressaltar a insufi-ciência e má distribuição de estabelecimentos, serviços, equipa-mentos e de pessoal de saúde, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, o que dificulta o acesso da população ao SUS, pre-judicando a sua credibilidade. Ademais, registre-se a despro-porção entre os serviços da rede própria (estatal) e os serviços da rede contratada e conveniada, expressando uma grande de-pendência do SUS do setor privado, principalmente no que diz respeito aos leitos hospitalares e aos serviços de apoio diagnós-tico. Enquanto as unidades de atenção básica e de emergência são predominantemente públicas, 69% dos hospitais e a maioria dos serviços de apoio diagnóstico e terapêutico (SADT) são pri-vados. Apenas 6,4% dos SADT, em 2010, e 35,4% dos leitos eram públicos.

Entre os leitos do setor privado somente 38,7% estão dispo-níveis para os usuários do SUS, enquanto 28,4% dos mamógra-fos, 24,1% dos tomógrafos e 13,4% dos aparelhos de ressonân-cia magnética são públicos. Verifica-se, também, uma redução do número de leitos por habitantes, de 3,3 leitos por 1.000 habi-tantes em 2003, para 1,9 em 2009.

Quanto à organização, o nó crítico é a incipiência na orga-nização de redes regionalizadas e hierarquizadas de serviços de saúde e a baixa efetividade da atenção básica, com aumento da tensão entre os níveis de complexidade da atenção, impli-cando a persistência de mecanismos de seletividade e iniqui-dade social. Além disso, o crescimento desordenado dos pla-nos privados de saúde integrantes do Sistema de Assistência Médica Supletiva (SAMS), em desarticulação com o SUS, tem consolidado a segmentação e o aparecimento de múltiplas portas de entrada no sistema, comprometendo a acessibilidade dos usuários do SUS e aumentando o sofrimento de pacien-tes e familiares. Assim, a organização e a regulação do SUS sofrem influências de grupos de interesse e constrangimentos burocráticos, de modo que os mecanismos adotados têm sido insuficientes para promover mudanças significativas. O decre-to presidencial 7.508, de 28 de junho de 2011, como tentativa de regulamentação da Lei 8080/90, reforça a diretriz de regio-nalização e propõe a Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde (Renases), sendo mais uma medida racionalizadora que indica os impasses enfrentados.

Tudo isso repercute na atenção à saúde prestada à popula-

ção. Ao lado da insuficiência das ações de promoção da saúde e da insuficiência do processo de descentralização das ações de vigilância epidemiológica, sanitária e ambiental, constata-se a dificuldade de consolidação da estratégia de saúde da família, principalmente nos grandes centros urbanos, onde a proposta compete com o modelo tradicional de oferta da atenção básica e com a desarticulação das redes assistenciais. Propostas racio-nalizadoras, como vigilância da saúde, acolhimento, gestão de riscos, regulação, avaliação tecnológica em saúde, protocolos assistenciais, reformas da educação do pessoal de saúde, edu-cação permanente, qualificação de gestores e criação de carrei-ras para os servidores do SUS, ainda não conseguiram superar o modelo médico hegemônico.

Um indicador do grau de insatisfação da população em de-corrência das dificuldades de acesso aos serviços é a “judicia-lização da saúde”, decorrente do aumento vertiginoso de pro-cessos judiciais através dos quais os cidadãos mais informados tentam garantir a assistência médica e farmacêutica, respalda-dos no reconhecimento do direito à saúde.

PEla sustEntabiliDaDE PolítiCa Do susApesar de todas as dificuldades, a luta pelo SUS representa, hoje, o “coração” de um projeto de sociedade que preserve e fortaleça os valores republicanos, democráticos e fundamen-te a ação do Estado no princípio da solidariedade social. As manifestações populares de junho-julho de 2013 revelam a in-satisfação popular em várias frentes, inclusive com a política de saúde, colocando na agenda governamental a necessidade de respostas aos problemas e demandas nesta área. Medidas emergenciais como o Programa Mais Médicos, apesar de limi-tações intrínsecas, contribuem para dar visibilidade aos proble-mas enfrentados cotidianamente pelos gestores do SUS e esti-mulam a reflexão sobre a educação superior na área de saúde, espaço de reprodução de concepções e práticas incompatíveis com a busca de universalidade, equidade, humanização e efeti-vidade da atenção à saúde.

Cada vez fica mais evidente a disputa entre um projeto mer-cantilista, privatizante, subordinado aos interesses do capital na área de saúde e o projeto político da Reforma Sanitária, ge-neroso, inclusivo, fundado nos ideais de justiça social e na pro-moção de condições de vida saudáveis para toda a população brasileira. Para que esse projeto deixe de ser uma utopia e se torne realidade é necessário garantir sua sustentabilidade polí-tica, o que requer a construção de certo bloco histórico espe-cífico, reunindo um feixe de forças que atravesse a sociedade civil e o Estado, envolvendo entidades que integram o Fórum da Reforma Sanitária Brasileira, como a Abrasco, a APSP, o Cebes, o Conasems, a Rede Unida e a SBMFC, o Ministério Público, o ministério e as secretarias estaduais e municipais de Saúde, Conass, o Parlamento, entre outros, em defesa do SUS e da RSB.

Além disso, a sustentabilidade política do SUS demanda a ampliação da consciência social acerca dos direitos e a perma-nente mobilização em torno da ampliação de suas bases sociais de apoio e legitimação. Em outras palavras, pressupõe que o SUS venha a se tornar de fato uma conquista popular, uma política e um sistema que cada brasileiro considere seu, parte da herança que lhe foi legada pela geração precedente, a ser preservado, aperfeiçoado e valorizado.

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ENTREVISTA | HÉSIO ALBUQUERQUE

1979 e que, até hoje, é considerado o em-brião do SUS. O que mais lhe frustrou em todos esses anos?Hésio Albuquerque – A proposta foi im-portante no sentido de dar base ao SUS e servir de início de uma diretriz nacional envolvendo entidades médicas, sindicatos e departamentos de medicina social das faculdades em favor do sistema de saúde. O que frustrou foram as dificuldades de acessibilidade, da melhoria da qualidade e da educação continuada dos profissionais. São essas, justamente, as maiores carên-cias do atual sistema de saúde pública brasileiro.

Diagnóstico – O NHS inglês, que sempre foi referência para o SUS brasileiro, pas-sa por um momento de reestruturação, comandado por um governo que vem recorrendo cada vez mais à iniciativa privada para garantir um sistema uni-versal e gratuito. Há contradição nesse processo?Albuquerque – Acho que não. Faz parte do ajustamento das realidades nacionais. No caso brasileiro, a proposta feita na 8ª Convenção de Saúde, e que alguns setores defendiam, era a estatização completa do setor de saúde. No entanto, a tese se pro-

Conside-rado um dos pais do SUS, o professor e médico sanitarista Hésio Albuquerque admite que as difi-culdades de acessibilidade e o déficit de qualidade do sistema público de saúde brasileiro foram o que mais lhe frustrou, passados exatos 25 anos da criação do Sistema Único de Saúde. Ex-presidente do extinto Inamps e atualmente dedicado ao ensino e à pesquisa acadêmica, Albu-querque acredita que a questão só será re-solvida com a vinda da classe média para o SUS, aliada a uma melhor regulação da prática médica no setor público. “A acre-ditação é uma ação muito pouco divulga-da em nosso meio, mas é uma forma de fazer com que a prática das instituições de saúde seja baseada em propostas interna-cionais de qualidade”, sentencia. Desde a divulgação do documento A questão de-mocrática da saúde, elaborado por ele, junto com o cientista social José Luis Fiori e o epidemiólogo Reinaldo Guima-rães, em 1979, o país passou por uma sé-rie de discussões sobre o futuro da saúde pública. “Foram passos importantes, que ajudaram a construir as bases do SUS atual”, resume Albuquerque. Em 1986, depois de vários encontros e seminários regionais, foi realizada a 8ª Conferência Nacional de Saúde, a primeira com a participação de usuários dos serviços de saúde, além de profissionais da área. As propostas discutidas naquele encontro foram importantes para compor trechos da Constituição Federal de 1988 e as leis orgânicas de saúde nº 8.080/90 e nº 8.142/90 – marco oficial da criação do SUS. “A má gestão não só repercute na matemática do SUS, mas, principalmen-te, na qualidade do atendimento à popu-lação”, comenta Albuquerque, ao falar de outro flagelo do SUS. Da capital carioca, onde reside, o sanitarista concedeu a se-guinte entrevista à Diagnóstico.

Revista Diagnóstico – A saúde pública brasileira mudou muito desde a publi-cação do documento “A questão demo-crática da saúde”, elaborado pelo senhor

vou inviável. O setor privado no Brasil é muito forte, diferentemente da Inglaterra. Ainda que tenhamos procedimentos mais complexos, que acabam absorvidos pelo setor público. Para nós, contudo, o mais importante é o que está fundamentado na Constituição Federal de 1988, cujo texto definiu o setor público e o filantrópico como prioridade no provimento da saúde de todos os brasileiros. E, como tal, de-vem ser apoiados intensamente.

Diagnóstico – Mesmo países prósperos, como a Alemanha, que tem um modelo de saúde considerado de referência, so-frem com o aumento dos custos e a pres-são pela busca de mais recursos para financiar seus sistemas. Trata-se de um paradigma ainda sem solução?Albuquerque – A medicina adota custos muito elevados pelas tecnologias que uti-liza. Por isso mesmo, a questão central é dar ênfase à atenção primária da saúde, que resolve 80% dos problemas básicos, e destinar para alta complexidade os ou-tros 20%. Enquanto não fizermos isso, os custos vão ser crescentes no Brasil e em qualquer lugar do mundo.

Diagnóstico – O senhor acredita que o

Médico sanitarista Hésio Albuquerque, considerado o pai do Sistema Único de Saúde brasileiro

Baixa qualidade e dificuldade de acessibilidade continuam sendo os maiores gargalos do SUS

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SUS brasileiro pode chegar à eficiência plena sem o apoio da iniciativa privada?Albuquerque – Acho que deve haver um equilíbrio. A maior resistência do setor público é com a parcimônia da iniciati-va privada. Ela é importante, faz parte da realidade brasileira. Não é para transferir tarefas, mas para regular e adotar a inicia-tiva privada como uma espécie de com-plemento do SUS e não o contrário – o SUS completando a iniciativa privada.

Diagnóstico – Quais as consequências mais temerosas desta distorção?Albuquerque – Há uma excessiva utiliza-ção da iniciativa privada até em procedi-mentos básicos. Deve haver um equilíbrio entre o setor privado e o público no senti-do de ter a continuidade no atendimento à saúde, especialmente o mais complexo. O que se vê é que, frequentemente, o setor

público acaba drenando os procedimentos mais complexos, com hemodiálise, cirur-gias cardíacas e transplantes, enquanto a iniciativa privada fica com a parte do “filé mignon” – o que é mais lucrativo e não representa, necessariamente, grandes vo-lumes de investimento e complexidade no atendimento.

Diagnóstico – É possível ter um sistema de saúde republicano em um país que nunca foi uma República, na essência do termo?Albuquerque – O Brasil precisa ter um paradigma de República mais extenso. Algo que é necessário e, ao mesmo tem-po, possível. Mas se trata de uma constru-ção que deve ser feita em termos políticos e que faz parte da constituição do sistema de saúde. As duas coisas caminham juntas e devem ser enfrentadas pela sociedade como um todo.

Diagnóstico – Há muita corrupção no SUS?Albuquerque – Ela está presente no SUS, é fato, mas também em vários setores da máquina pública. Não se trata de um mal

apenas da saúde. É uma prática social no Brasil e na maioria dos países do mundo. Sem fiscalização e regulação, não é pos-sível combater essa distorção com efici-ência.

Diagnóstico – O senhor enfrentou até greve de médicos quando era diretor do Inamps e propôs a descentralização dos repasses da saúde. O governo atual passa por uma crise semelhante com o Programa Mais Médicos. Por que os mé-dicos são tão resistentes às mudanças?Albuquerque – Acredito que há uma vi-são muito corporativa nos interesses da saúde no país por parte dos médicos. A corporação médica é muito arredia às mu-danças, especialmente à sua prática. Essa questão vai ser superada com uma melhor remuneração dos médicos, de enfermei-ros e de todos os profissionais de saúde

no setor público. Eles devem ser apoiados no sentido de exercerem uma educação permanente. Essa resistência, entretanto, só será superada com educação e não com repressão. Diagnóstico – Segundo pesquisa do Da-tafolha, um em cada três beneficiários de planos de saúde, em São Paulo, usam o SUS por causa da demora ou negativa das operadoras. A vinda da classe média para o SUS pode ajudar e melhorar o sistema?Albuquerque – Certamente. Não só a vin-da da classe média para o SUS, como uma melhor regulação da prática médica no se-tor privado e público, especialmente com o estímulo à qualidade do atendimento e a questão da acreditação do serviço de saú-de. A acreditação é uma ação muito pouco divulgada em nosso meio, mas é uma for-ma de fazer com que a prática das institui-ções de saúde seja baseada em propostas internacionais de qualidade.

Diagnóstico – Nos últimos 12 anos, o or-çamento federal da saúde aumentou de R$ 22,7 bi para R$ 91 bi (cerca de 400%)

– mesmo com o índice oficial de inflação (IPCA) em 125%. Ainda assim, a conta não fecha. Qual o peso da má gestão na matemática do SUS? Albuquerque – A má gestão não só reper-cute na matemática do SUS, mas, princi-palmente, na qualidade do atendimento à população. Uma população atendida com baixa qualidade no sistema de saúde não é uma população sadia. Essa questão do gasto em saúde deve ser analisada com base na repercussão da eficiência da uti-lização do serviço e da qualidade de aten-dimento.

Diagnóstico – Já se fala na volta de um novo imposto para a saúde, nos moldes da CPMF. O senhor é a favor desse tipo de alternativa para o financiamento da saúde?Albuquerque – Sou. Há uma série de ini-

ciativas, como esta questão do pré-sal. É importante que o destino dos recursos seja nos moldes de um novo CPMF, desde que não haja corrupção e que eles sejam bem utilizados em benefício da população.

Diagnóstico – O senhor critica o fato de o tema saúde da família ter chegado tarde ao sistema, somente em 1994. Pode comentar?Albuquerque – A implantação de um pro-grama de saúde da família no Brasil tem um histórico de tentativas que remonta à extinta Fundação SESP, mas somen-te implementada nos anos 90. Acho, de fato, que demorou muito para ser adota-do – mas ainda bem que o foi. A evolução qualitativa do atendimento e prevenção na saúde tem um caminho a ser seguido pelo SUS, através da estratégia da saúde da família, que não é uma solução, mas um complemento importante. Justamente por isso, ela precisa estar integrada para atender casos de pacientes que necessitam de atendimentos mais complexos. Não por acaso, aliar os recursos de tecnologia de ponta ao programa tem sido um grande desafio para o SUS.

“A má gestão não repercute somente na matemática do SUS, mas, principalmente, na qualidade do atendimento à população

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ROSEMARY GIBSON É cONSUlTORA SêNIOR DA hASTINGS cENTER E AUTORA DE “TREATMENT TRAp” (A ARMADIlhA DO TRATAMENTO) – AINDA SEM TRADUçÃO NO BRASIl

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ção

Uma das ten-dências mais significativas do sistema de saúde global é que ele se tornou um grande negócio para as economias nacionais de vários países. Assim, a cadeia produtiva do setor vem fornecendo capitais de investimento va-liosos que permite a manufatura e a distribuição de produtos e serviços para salvar vidas. Mas, por trás dessa dinâmica, há uma série de consequências não intencionais que podem ocorrer e in-viabilizar o objetivo fim de médicos, hospitais e indústria: a cura.

Uma das consequências não intencionais nos EUA – e que vem atingindo praticamente todas as nações do mundo, inclusive o Brasil – é que as pessoas estão correndo alto risco de tratamen-to excessivo. O Institute of Medicine of the National Academy of Sciences define o supertratamento quando o potencial dano de um serviço de saúde supera o possível benefício. Como resul-tado, estes danos em saúde têm se tornado a principal causa de mortalidade nos EUA.

As investigações conduzidas pelo Congresso norte-america-no, por exemplo, confirmaram casos em que os médicos reali-zaram cirurgias cardíacas em pacientes que não tinham cardio-patias. A apuração revelou acordos de benefícios mútuos entre médicos e companhias que fabricam os stents usados no proce-dimento. Além disso, o hospital se beneficiou com o aumento da receita. Após as denúncias de um paciente para autoridades fede-rais e a realização de uma investigação, um médico perdeu sua

licença e o hospital teve que pagar uma multa multimilionária.Enquanto o tratamento excessivo é comum, a acusação é algo

raro. A capacidade dos funcionários do governo de se prevenir e reprimir fraudes é sobrecarregada pela sua grandeza, segundo relatado no livro Medicare Meltdown.

Uma pesquisa realizada pela American College of Physician Executives, cujos membros estão em cargos de liderança em hos-pitais e grupos médicos, revela que o supertratamento é generali-zado. Oitenta por cento dos entrevistados disseram que estavam muito ou moderadamente preocupados sobre o tratamento ex-cessivo oferecido pelos seus colegas aos pacientes para aumentar suas rendas. Quando perguntados se seus colegas estavam admi-tindo inapropriadamente pacientes para aumentar as receitas dos hospitais, 54% dos entrevistados disseram que estavam muito ou moderadamente preocupados com esta prática. Infelizmente, os funcionários do governo têm sido tão enfraquecidos pelo poder político da indústria de saúde que não têm autoridade e recursos para ser proativos, evitar fraudes e para agir, mesmo em casos óbvios e com provas incontestáveis. Consequentemente, muitas pessoas são prejudicadas com o tratamento médico excessivo, conhecido pelo termo em inglês overuse: cirurgias do coração desnecessárias, cirurgias de coluna, histerectomia e prostatecto-mia; remédios desnecessários incluindo antibióticos, antidepres-sivos e antipsicóticos, exposições desnecessárias à radiação para exames de tomografia computadorizada e ressonância nuclear.

Os jornalistas e a mídia têm realizado um serviço público va-lioso ao publicar regularmente reportagens investigativas sobre o overuse e os erros médicos nas primeiras páginas dos maiores jornais e portais de notícias, incluindo o The New York Times, Wall Street Journal, USA Today, Bloomberg e ProPublica. Cen-tenas e até mesmo milhares de leitores respondem aos comentá-rios online, geralmente dividindo suas próprias histórias sobre o tratamento excessivo. Até os médicos e enfermeiros comparti-lham suas experiências.

No entanto, pouco tem sido feito para conter o supertrata-mento. O motivo é que as autoridades do governo esperaram

A éTIcA nA SAúDE: UmA qUESTÃO DE DEfESA DA VIDAA criação de uma instituição de defesa do interesse público para que o governo reporte as informações sobre onde os recursos da saúde foram gastos, quem os recebeu e o que eles estão fazendo com a verba é um grande passo para combater as fraudes no sistema

ROSEMARY GIBSON, DE WASHINGTON (EUA) – ESPECIAL PARA A DIAGNÓSTICO

NÃO CONFORMIDADE

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NÃO CONFORMIDADE

muito para agir. O Institute of Medicine estimou que 30% dos gastos na área nos EUA, equivalente a US$ 750 bilhões anual-mente, não agregam valor à saúde das pessoas e são usados em tratamentos excessivos, ineficiências e fraudes.

Por outro lado, este desperdício aparece como receita nos ba-lanços das pequenas e grandes empresas, que são dependentes. Elas são programadas para mantê-lo – e para obter mais do mes-mo. Quando o primeiro programa de seguro de saúde dos EUA, Medicare, foi estabelecido, em 1965, não existiam companhias de saúde no top 100 da Forbes. Agora existem 15. Os acionistas demandam maiores, melhores e mais rápidos retornos dos CEOs das companhias de saúde. Isso explica porque os hospitais e to-das as outras contas das divisões de saúde das companhias são muito maiores do que poderiam ser. É por isso que a saúde é tão cara. A demanda pelo crescimento das receitas está em curso de colisão com a necessidade do país de um financiamento susten-tável no sistema de saúde. Está em colisão direta também com a necessidade das famílias pela acessibilidade a estes serviços.

Os recursos são desviados das pessoas que realmente preci-sam de tratamento médico, mas que sofrem com a inacessibili-dade e necessidades prementes, como a educação, especialmente a materna, que está diretamente ligada ao estado de saúde e nível educacional das crianças.

aPoio aos PaCiEntEsA raiz do tratamento excessivo foi semeada quando os progra-mas foram planejados décadas atrás. Os funcionários do governo se comprometeram com a indústria de saúde ao garantir que não haveria controle sobre o quanto poderiam faturar. Eles deram as chaves do tesouro público para o setor de saúde nascente. Des-ta forma, a área cresceu, assim como as contribuições para as campanhas políticas dos eleitos em ambos os partidos. A relação entre eles tornou-se cada vez mais enraizada. A checagem e os balanços são poucos. O interesse público foi perdido. A solução para este problema será em longo prazo. As seguintes medidas podem ser tomadas:

1. Criação de uma instituição de defesa do interesse público para que o governo reporte as informações sobre onde os recur-sos da saúde foram gastos, quem os recebeu e o que eles estão fazendo com a verba.

Os relatórios devem destacar os hospitais e médicos que realizaram de forma desordenada um grande número de proce-dimentos conhecidos como overuse, desproporcional às neces-sidades esperadas da população de pacientes das comunidades do entorno. Estes valores discrepantes devem ser auditados por médicos respeitados e independentes, que avaliarão se os servi-ços médicos foram realmente garantidos.

2. Incentivo aos jornalistas para se informarem e se qualifi-carem sobre as informações em saúde. Eles relatarão as situa-ções de tratamento excessivo e trabalharão com médicos respei-tados para identificar os padrões de abuso.

3. Apoio aos pacientes que sofreram danos por conta do supertratamento ou de erros médicos e infecções para que eles possam organizar e criar uma consciência pública sobre os efei-tos nocivos do tratamento excessivo. Muitas instituições de defesa dos pacientes nos EUA e em outros países estão com-promissadas e com pessoas altamente experientes que sofreram danos e não receberam dinheiro do setor de saúde. Elas mantêm o assunto vivo e nas primeiras páginas dos jornais. Trabalham

com médicos conscientes e líderes da saúde para estimular o sistema a priorizar o interesse do público e não ganhos privados.

4. Faça a pergunta: “o que podemos fazer para realizar um maior número de melhorias na saúde para o nosso povo com os recursos que temos?”

A resposta não pode ser comprar o tomógrafo mais deslum-brante ou a última versão de um antidepressivo. Em vez disso, provavelmente será o básico: acesso à água e ar limpos e um abastecimento seguro de alimentos; eficácia na saúde materna e infantil; imunização para prevenção de doenças e regulação de produtos como o tabaco para a redução de uma das principais causas de enfermidades e mortalidade.

A alocação de recursos deve ser guiada por estas priorida-des, não por lobby de interesses empresariais cuja obrigação primordial é os acionistas e não a saúde pública ou a saúde dos pacientes.

5. Dê prioridade aos cuidados básicos e não às especiali-dades. Eles permitem o melhor tratamento para a maioria das pessoas. A ênfase é na prevenção e saúde, em vez da realização de exames e procedimentos. Os EUA têm apenas 30% de médi-cos que trabalham em cuidados básicos, enquanto outros países dão muito mais ênfase a esta modalidade. Estes médicos podem evitar exames desnecessários, remédios e cirurgias. Cada siste-ma é deliberadamente planejado para alcançar os resultados que obtém. O setor se beneficia quando existem mais especialistas que prescrevem mais remédios, pedem mais exames e realizam mais cirurgias.

6. Os órgãos fiscalizadores dos setores público e privado de-vem fechar as lacunas que permitem o abuso.

7. Criação de um orçamento com limites do crescimento anual.

Os EUA cometeram um erro ao não impor limites sobre o valor gasto em saúde pelos governos federal e estaduais, além dos cidadãos. Qualquer sistema sem limite vai girar fora de con-trole. Os outros países deveriam não cometer o mesmo erro.

A indústria da saúde será contrária a quaisquer limites e tentará convencer o público que o governo está racionando os gastos em saúde. O público mais esclarecido perceberá que o setor está defendendo as próprias receitas e não sua saúde ou bem estar.

8. Ensino prioritário de educação em saúde nos primeiros anos. Assim, crianças e adultos podem aprender como se man-ter saudáveis, ingerindo alimentos nutritivos, evitando ativida-des que são conhecidas por oferecer riscos à saúde e doenças e cuidando de si mesmas quando estão doentes. Nós mesmos devemos ser nossos próprios “médicos” e fazer o que é melhor para nossa saúde.

9. Estar ciente de que muito cuidado não é sempre o melhor. A medicina do século XXI pode fazer muita coisa boa, mas ela também pode causar muitos danos. Os benefícios são geralmen-te muito comentados. Os malefícios são varridos para debaixo do tapete.

10. É importante que o paciente seja orientado a respeitar a sabedoria do tempo e não acreditar em qualquer coisa simples-mente porque ouviu falar.

A partir da adoção dessas modestas sugestões, acredito que poderemos dar um passo importante para a construção de um sistema de saúde pública mais justo, ético e mais sustentável. No Brasil, nos EUA, seja onde for.

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pRÉDIO DO cONGRESSO NAcIONAl, EM BRASílIA: SUSTENTABIlIDADE FINANcEIRA DO SUS pASSA pOR UM NOvO MARcO TRIBUTÁRIO

Diagnóstico | set/out 2013 79 Diagnóstico | set/out 2013

O fInAncIAmEnTO DO SUS E A SOlUçÃO PARA UmA DIfícIl EqUAçÃOAs possibilidades de valorização dos direitos universais à saúde, por meio da prioridade ao financiamento do SUS, podem ser alcançadas por outros percursos. Taxar as grandes fortunas e as remessas de lucros e dividendos realizadas pelas empresas multinacionais – atualmente isentas na legislação – é uma alternativa

ÁQUILAS MENDESDoutor em Economia, professor livre-docente de Economia da Saúde da FSP/USP e da PUC-SP

FINANÇAS

A história do SUS é marcada pelos problemas de fi-nanciamento. Os recursos públicos envolvidos sempre foram in-suficientes para garantir uma saúde pública, universal, integral e de qualidade. Em 2011, o gasto público brasileiro em saúde (União, estados e municípios) foi de 3,84% do PIB, enquanto que a média dos países europeus com sistemas universais foi de 8,3% do PIB, o que evidencia a dificuldade de recursos do SUS para realizar suas ações e serviços.

O projeto de iniciativa popular conhecido como Saúde +10, que tramita no Congresso, assinado por mais de 2 milhões de brasileiros, contempla defesa histórica na área da saúde por ampliação dos recursos públicos, especialmente por parte da União, indicando que esse nível de governo aplique 10%, no mínimo, da sua receita corrente bruta (RCB). Se aprovado o projeto, o SUS contará com um acréscimo para o orçamento do Ministério da Saúde de 2013 em cerca de R$ 40 bilhões, sendo 0,8% do PIB. Esse projeto é importante para a sobrevivência do SUS, mas temos consciência de que não resolve por completo o subfinanciamento histórico da saúde pública no Brasil. Esse foi problemático desde a criação do orçamento da seguridade social na Constituição de 1988, que indicava 30% dos recursos desse orçamento (impostos e contribuições sobre a folha de salários,

Divulgação

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a saúde, porém com indefinições sobre quais despesas deveriam ser consideradas como ações e serviços de saúde e o que não poderia ser enquadrado nesse âmbito, além de dispor de méto-do conflitante de cálculo para aplicação dos recursos da União, isto é, o valor apurado no ano anterior corrigido pela variação nominal do PIB e, ainda, não esclarecer a origem dos recursos no tocante à seguridade social, ignorando o intenso embate por seus recursos;

v) permanência da insuficiência de recursos para o financia-mento do SUS na regulamentação da EC-29 (Lei Complementar nº 141/2012), que manteve o método de cálculo da participação do governo federal – o valor apurado no ano anterior corrigido pela variação nominal do PIB –, rejeitando o projeto de regu-lamentação que se encontrava no Senado (PLS 127/2007) que definia uma aplicação da União de 10%, no mínimo, da receita corrente bruta (RCB).

Iniciamos a década de 2010 sem resolver esses grandes con-flitos no financiamento, na medida em que a Lei 141/2012 (re-gulamentação da Emenda Constitucional 29), indicando a parti-cipação das três esferas de governo no SUS, manteve o cálculo anterior da participação do governo, não tendo sido aprovada a introdução de um percentual de 10% sobre a receita corrente bruta (RCB), conforme defendido há anos pelas entidades asso-ciadas à luta por uma saúde universal e pelo Movimento Saúde + 10 mais recentemente. Em 1995, o governo federal gastou com ações e serviços de saúde o equivalente a 1,75% do PIB; passados 17 anos (2012), essa proporção praticamente se man-teve. Os gastos federais com ações e serviços públicos de saúde diminuíram em relação à receita corrente bruta da União. Em 1995, representavam 11,7% dessa receita, e em 2011, registra-vam apenas 7,5% da mesma base. O montante de recursos per-didos durante os anos 2000 registra aproximadamente R$ 180

Sessão plenária no Congresso Nacional, em BrasíliaEm 1995, o governo federal gastou com ações e serviços de saúde o equivalente a 1,75% do PIB.

Passados 17 anos (2012), essa proporção praticamente se manteve

FINANÇAS

lucro e faturamento à saúde, previdência e assistência social) ao gasto federal do SUS para 1989, estabelecido no Art. 198 da CF e nas disposições transitórias deste artigo. Para os outros anos, a definição desse percentual ficaria para a LDO. Na prática, a saúde nunca contou com esses recursos.

Para se ter uma ideia da perda de recursos desde então, em 2012, o orçamento da seguridade social foi de R$ 590,5 bilhões, sendo que, se destinados 30% à saúde, considerando os gastos do governo federal, corresponderiam a R$ 177,2 bilhões, bem superiores aos gastos dos três níveis de governo (incluindo es-tados e municípios) que, em 2011, registraram R$ 154 bilhões.

Ao longo dos 25 anos de existência do SUS, várias foram as restrições no âmbito do financiamento desse sistema.

Vejamos alguns dos aspectos desse quadro, de forma resu-mida:

i) a partir de 1993, a Previdência deixou de repassar recursos para o SUS (regulamentado na reforma previdenciária do gover-no Fernando Henrique Cardoso);

ii) a criação do Fundo Social de Emergência, em 1994, que posteriormente denominou-se Fundo de Estabilização Fiscal e, a partir de 2000, intitula-se Desvinculação das Receitas da União (DRU) (denominação até o momento mantida), definindo, en-tre outros aspectos, que 20% da arrecadação das contribuições sociais seriam desvinculadas de sua finalidade e estariam dispo-níveis para uso do governo federal, longe de seu objeto de vin-culação: a seguridade social. Esse mecanismo vem provocando perdas de recursos para a seguridade social;

iii) aprovação da CPMF, em 1997, como fonte exclusiva para a saúde, mas a retirada de parte das outras fontes desse se-tor, não contribuindo assim para o acréscimo de recursos que se esperava;

iv) aprovação da EC-29, em 2000, vinculando recursos para

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bilhões, quando comparados entre a indexação à receita corrente bruta e à variação do PIB nominal.

Sabe-se que o governo federal fez de tudo para que a base de cálculo de 10% da RCB não fosse aprovada. Tudo em nome de que não possui uma fonte específica para isso. Embora é conhe-cido que o orçamento da seguridade social (saúde, previdência e assistência social) vem há anos evidenciando superávits. Mas grande parte é direcionada ao pagamento de juros da dívida, a fim de manter superávit primário – uma política econômica res-tritiva em termos de cortes dos gastos sociais. Esse direciona-mento tem nome: Desvinculação das Receitas da União (DRU). Esse mecanismo vem provocando perdas de recursos para a se-guridade social de cerca de R$ 578 bilhões, entre 1995 e 2012, tendo sua continuidade assegurada até 2015.

saúDE não É PrioriDaDE Apesar dessas evidências sobre fontes de recursos disponíveis, o governo federal retorna com os mesmos argumentos para o projeto de iniciativa popular do Movimento Saúde +10. Primei-ro, afirma que aumentou o investimento em saúde entre 2003 e 2011, passando de um gasto per capita de R$ 244,80 para R$ 407,00, correspondendo a um acréscimo de 66%. Contudo, não esclarece que no primeiro ano do governo Lula, em 2003, o gas-to per capita com saúde foi o menor entre os anos de 1995 e 2011. Segundo, o governo federal insiste em comentar o seu quadro de rigidez orçamentária. Do total do seu orçamento para 2013 (R$ 2,2 trilhões), 46% estão comprometidos com as des-pesas financeiras, sendo o pagamento de amortização e juros da dívida. Interessante é que aqui não fica explicitado que se trata de uma escolha prioritária há anos. Os demais 54% do orça-mento está comprometido com as despesas primárias, incluindo as despesas obrigatórias e despesas discricionárias (com áreas protegidas – educação, saúde, Brasil Sem Miséria, PAC e ino-vação –, com as demais obrigatórias – benefícios dos servidores –, com cortes efetuados e todas as demais áreas). Nesse qua-dro, o governo afirma que o correspondente aos 10% da RCB da União para a saúde em 2013 (R$ 40 bilhões) ultrapassaria o total das áreas não protegidas (R$ 36 bilhões). Bem, todos esses números servem ao seu argumento de rigidez orçamentá-ria, reforçando a sua defesa de que, para ampliar recursos para a saúde, é preciso conseguir nova fonte de financiamento. Em nenhum momento o governo questiona as suas prioridades de gasto, que, como vimos, distanciam-se dos pleitos das manifes-tações de junho/2013.

Além disso, o argumento do governo é pela inviabilidade da receita corrente bruta como base de cálculo para aplicação na saúde. Diz o governo que a União tem que descontar dos recursos da RCB aqueles que já estão pré-definidos, como as transferências constitucionais para estados e municípios (FPM, FPE), o Fundeb, os royalties, o salário educação, as contribui-ções previdenciárias e outros. Porém, não está definido no proje-to de iniciativa popular que os 10% devem ser retirados de cada uma das fontes, mas sim o correspondente ao “montante igual ou superior a 10% da RCB”. A base RCB busca distanciar-se, de forma mais direta, das variações cíclicas da economia, men-suradas pelo PIB, que não vem crescendo no mesmo patamar que o esforço de arrecadação da União (impostos e contribui-ções). Trata-se de valorizar que o investimento da saúde seja correspondente à capacidade de arrecadação do governo federal

(RCB), que cresceu, entre 2000 e 2012, 65,5%, enquanto o PIB aumentou apenas 5,9% (valores deflacionados pela média anual a preços de dezembro de 2012, conforme o IGP-DI/FGV). Por sua vez, a receita corrente líquida da União – base de cálculo defendida pelo governo – teve um incremento inferior à RCB, sendo 56,6%, nesse mesmo período.

O Movimento Saúde + 10 está ciente de que a RCB constitui base de cálculo que contribui para a busca de uma sustentabili-dade financeira para o SUS, recuperando em parte os recursos perdidos ao longo dos seus 25 anos de existência. Entende o movimento, também, que a metodologia de aplicação da União deve ficar compatível com as bases de cálculo de aplicação dos estados e municípios, à medida que essas últimas correspondem ao total das receitas de impostos, compreendidas as transferên-cias constitucionais, o que significa o esforço próprio de arreca-dação. Assim, a utilização de percentual da RCB da União visa assegurar a isonomia no trato do financiamento da saúde nas três esferas de governo.

Cabe lembrar que a defesa pelo valor correspondente à RCB decorre de sua visibilidade nas contas públicas federais e de di-fícil manipulação, como seria o caso da receita corrente líqui-da – com diferentes conceitos. Além disso, trata-se de dado de menor possibilidade de interpretação, o que levaria a menores questionamentos jurídicos. É conhecida a celeuma em torno dos quase dez anos, após a EC 29, sobre o que deveriam ou não ser consideradas como despesas com ações e serviços de saúde. Por fim, a defesa da RCB tem o apoio de 2 milhões de assinaturas dos brasileiros, o que justifica a sua não alteração por todos os que desejam ouvir as manifestações das ruas e há muito tempo vêm defendendo a saúde universal no país, criada pelo SUS.

Ainda, no caso do financiamento público brasileiro, é signi-ficativo considerar, também, o incentivo concedido pelo gover-no federal à saúde privada, na forma de redução de imposto de renda a pagar da pessoa física ou jurídica, o que é aplicado sobre despesas com plano de saúde e/ou médicas e similares. Além disso, há que acrescentar as renúncias fiscais que experimentam as entidades sem fins lucrativos e a indústria farmacêutica, por meio de seus medicamentos. Nota-se que o total desses benefí-cios tributários à saúde privada vem crescendo de forma con-siderada. Registre-se: R$ 4,6 bilhões, em 2004; passando para R$ 20,0 bilhões, em 2012 (estimativas da Secretaria da Receita Federal). Sem dúvida, essa situação nos remete à problemática relação entre o mercado privado e o padrão de financiamento público da saúde universal e, ao mesmo tempo, suas consequ-ências em relação à temática da equidade, tão importante para a sobrevivência do SUS.

Na busca pela valorização da construção da universalidade são sugeridas as seguintes propostas: 1) a ampliação da alíquota da CSLL para instituições financeiras (atual 9%) para 18% (pro-jeto já existente no Congresso Nacional); 2) o aprofundamento dos mecanismos de tributação para a esfera financeira, mediante a criação de um imposto geral sobre a movimentação financei-ra (IGMF) e a tributação das remessas de lucros e dividendos realizadas pelas empresas multinacionais, atualmente isentas na legislação, destinadas ao orçamento da seguridade social; 3) o es-tabelecimento da contribuição sobre grandes fortunas, com des-tinação para a seguridade social (projetos existentes na Câmara Federal); 4) rejeição da DRU, como forma de não prejudicar a “saúde” financeira do orçamento da seguridade social.

Diagnóstico | set/out 201382

A hISTóRIA DO SUS E AS SAnTAS cASASEmbrião do SUS, as santas casas de misericórdia fazem parte do presente e do futuro de um sistema de saúde que clama pela sustentabilidade

pRÉDIO DE cASA DE cARIDADE, EM lISBOA, pORTUGAl: modelo de assistência é anterior ao descobrimento do Brasil

Diagnóstico | set/out 2013 83

porém, precisa de mais recursos financeiros, inclusive porque seu orçamento estabelece um quantum por pessoa inferior aos dos sis-temas de saúde dos países desenvolvidos. Por outro lado, os valo-res dos procedimentos médicos pagos pelo sistema às santas ca-sas e demais filantrópicas são inferiores aos seus custos efetivos. Esta é uma das razões dos sucessivos déficits das cerca de 2.100 santas casas e associações congêneres, que pleiteiam reajuste nos 100 principais procedimentos, o que não acontece desde 2008. Implantado o sistema, esses estabelecimentos a ele se integraram decisivamente, tanto que mais da metade dos leitos destinados presentemente ao SUS pertence à sua rede, mesmo enfrentando uma gama imensa de obstáculos, começando pela baixa remune-ração e complexa tramitação burocrática. Apelos têm sido formu-lados incessantemente pelas entidades representativas do setor, no Congresso Nacional e nas assembleias estaduais, visando aparar arestas detectadas e evoluir ao aperfeiçoamento.

ProblEmas E DEsafios Nos 25 anos de SUS, essas instituições foram as mais prejudi-cadas pelo subfinanciamento do setor, mas também por aqueles que entendem que saúde pública tem de ser oferecida só pelos prestadores públicos. À pertinácia de quantos veem nesse seg-mento uma colaboração vigorosa e imprescindível ao governo e à sociedade deve-se o êxito de algumas propostas. Este é o caso da sanção do projeto de lei que institui o programa de fortalecimento das entidades privadas filantrópicas e das sem fins lucrativos atu-antes na área e que participam complementarmente do Sistema Único de Saúde. O Prosus, recém-aprovado, permite moratória de 15 anos das dívidas tributárias e previdenciárias, desde que pagos rigorosamente em dia os tributos correntes. É um passo à frente, mas não a solução final e definitiva, porque falta equacio-nar as dívidas bancárias, que são vultosas, mas que deverão ter agora horizontes de solução. Transposta uma etapa, a que criou o Prosus, compete também dar sequência às providências preconi-zadas, inclusive no que tange ao equacionamento do pagamento da dívida tributária, essencial ao sucesso da iniciativa. Para tanto, é imprescindível um incremento no custeio dos serviços de média complexidade, da ordem de 100%, e o incremento médio de 54% para a alta complexidade.

Aguarda-se ainda que se efetive o programa de incorporação de recursos no financiamento da cobertura dos serviços de mé-dia complexidade, mediante ampliação do IAC, nos termos do Programa Mais Santas Casas. Este definiu um amplo pacto de melhoria do atendimento aos usuários do SUS que prevê sanear, reestruturar e aperfeiçoar suas ações assistenciais, como proposto pela Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas. Constitui, ademais, uma linha de con-duta e atuação da Frente Parlamentar das Santas Casas, núcleo de defesa e de condução política dessas beneméritas instituições.

Bem se observou alhures: as recentes disposições foram um alívio, mas não a recuperação plena. Saiu-se da UTI e se passou a respirar sem aparelhos. Amenizou-se a crise, mas ela não foi superada. O que virá a partir de agora, e a comunidade filan-trópica brasileira aguarda, com ansiedade, é parte essencial. Daí o interesse e o extremo cuidado com que o segmento encara a questão. Não se há de admitir que o crescimento do atendimento ao SUS, que dá um prejuízo de 40% ao segmento, também volte a aumentar sem as devidas compensações. Seria um inadmissível desastre.

Desembarcando, na primeira metade do século XVI, em terra descoberta por Cabral, as mi-sericórdias começaram a prestar cristã assistência, gratuita, aos enfermos, às crianças deixadas em suas rodas, e outros serviços fundamentais à população que aqui se estabelecia. Primeiramente em Olinda e Santos, cuidavam também dos pobres, de socorrer as viúvas, os órfãos e necessitados, além de defender as causas dos encarcerados, de enterrar os mortos e de executar outras obras e missões de misericórdia.

Com adoção das medidas de solidariedade propostas por Le-onor de Lancastre, regente e depois rainha de Portugal, a colô-nia, nascida a partir da viagem do almirante luso, começou sob os melhores augúrios. A primeira constatação é, portanto, de que esse tipo de assistência antecedeu à própria organização jurídica do Estado brasileiro, abrindo vias para a posterior implantação de santas casas e hospitais filantrópicos em todo o território.

O ideal da soberana encontrou solo fértil na terra que se cha-maria Brasil. Quando D. Leonor faleceu, em 1524, estavam ins-taladas em Portugal muitas casas de caridade, que permitiriam a criação de cursos de medicina e de enfermagem. Em nosso país, o pioneirismo e o devotamento às nobres causas sociais e da saúde se consolidaram no decorrer do tempo e, assim, se fundaram esses templos de solidariedade, fiéis ao compromisso fraterno da ma-triz em Lisboa. Nos séculos seguintes ao Descobrimento, a ação benfazeja das santas casas se estendeu às capitais e alcançou o interior, sendo, em muitas cidades, a única referência à assistência aos carentes ou desamparados.

O surgimento do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1988, se deu como um compromisso com os direitos do cidadão e dever do Estado, baseado na premissa de universalidade do acesso à saúde e nos termos da Constituição. Transcorridos cinco lustros de existência do sistema, já se permite uma avaliação bastante segura dos seus serviços, seus avanços e insucessos, o que foi atingindo e o que resta alcançar. Verifica-se a necessidade de mais amparo financeiro e maior adequação nas relações entre o poder público e o privado, no caso, preponderantemente, as santas casas e hospitais filantrópicos, para que o SUS atinja plenamente seus objetivos programáticos.

O SUS foi criado para atender em saúde todos os milhões de brasileiros, sem quaisquer diferenças e discriminação. O sistema,

SAULO LEVINDO COELHO Presidente da Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas do Brasil (CMB)

HISTÓRIA

Divulgação

Diagnóstico | set/out 2013

O que o mundo esperade seu hospital?

Diagnóstico | set/out 2013 85

cAdeRNO especiAl

Hospitais Sustentáveis

Diagnóstico | set/out 201386

As ruas reprovaram os serviços públicos na saúde, na educação e na segurança pública. Exigiram decência na política. Governo e Parlamento não entenderam o recadoDEPUTADO DARCÍSIO PERONDI (PMDB/RS), PRESIDENTE DA FRENTE PARLAMENTAR DA SAÚDE“

Senador e ex-ministro da saúde, Humberto Costa (PT/PE)Debate sobre SUS tem feito do Congresso Nacional um dos principais alvos de críticas da sociedade

brasileira sobre o futuro da saúde pública no país

Diagnóstico | set/out 2013 87

O d e p u t a -do federal Darcísio Perondi (PMDB/RS) – presidente da Frente Parlamentar de Saúde – e o senador e ex-ministro da Saúde do governo Lula, Humberto Costa (PT/PE), são as vozes mais ouvidas no país quando o assunto é o rumo da saúde pública no Congres-so Nacional, em Brasília. Principais articuladores políticos das duas casas (Senado e Câmara), e com estilos bem diferen-tes, eles aceitaram o convite para um embate, no terreno das ideias, proposto pela revista Diagnóstico. “As pessoas vão viver mais. Haverá mais velhos e menos jovens e crianças. Mesmo assim, o governo atual não está preparando o Brasil para o futuro”, avalia Perondi, em uma reflexão sobre os im-pactos na saúde de um país cada vez mais idoso. Para o se-nador Humberto Costa, o Brasil vive um momento oportuno para avançar na melhoria da saúde pública a partir do poder central. “Recuperamos aquela forma de atuação suprapartidá-ria, pela defesa dos direitos do SUS, que todos os parlamen-tares e militantes da área da saúde tinham”, salienta. “Espero que essa experiência continue”.

Revista Diagnóstico – Em toda a sua existência, o SUS fa-lhou em sua principal missão: levar a saúde universal e de qualidade para todos os brasileiros. O que deu errado?Darcísio Perondi – Somente no ano passado, o SUS fez mais de quatro bilhões de procedimentos. Não existe um sistema similar em nenhum país com mais de 100 milhões de habi-tantes. O SUS faz milagre com pouco dinheiro público. O que precisamos é ter humildade para fazer uma revisão do SUS. Dá para melhorar a gestão, mas o SUS é um sucesso por fazer muito com pouco dinheiro.Humberto Costa – Poucos países no mundo fazem com qua-lidade o número de transplantes como fazemos, garantem tratamento de doenças graves como garantimos ou possuem um sistema de atendimento de urgência pré-hospitalar como o SAMU. O SUS procurou levar atendimento à saúde a toda

Vivemos um presidencialismo de coalizações, em que é preciso fazer vários tipos de compromissos com partidos que estiveram muitas vezes em lados opostos na eleiçãoSENADOR HUMBERTO COSTA (PT/PE)“

ENTREVISTA | Darcísio Perondi/Humberto Costa

reinAldo brAgA

Divulgação

Diagnóstico | set/out 201388

ENTREVISTA | Darcísio Perondi/Humberto Costa

população brasileira. Temos problemas? Sim. Mas estão lo-calizados em pontos bem específicos, como o atendimento em áreas de média complexidade ou especializado. Não te-mos a quantidade de recursos para fazer o SUS como ele foi pensado.

Diagnóstico – Os senhores fazem parte de linhagens par-tidárias distintas, ainda que lutem pela mesma causa. É possível imaginar que teremos um futuro para a saúde dos brasileiros discutido de forma mais isenta, suprapartidária? O que ainda podemos evoluir sob esse aspecto?Perondi – Como vivemos num sistema democrático, as políti-cas públicas passam pelos partidos, que precisam ter posição. Estamos no governo, mas estamos discutindo dentro e fora uma proposta para resolver definitivamente o problema de fi-nanciamento da saúde. Nós, líderes da base, enfrentamos a equipe econômica. O patrulhamento é muito forte.Costa – Com o Movimento Saúde + 10 recuperamos aquela forma de atuação suprapartidária, pela defesa dos direitos do SUS, que todos os parlamentares e militantes da área da saúde tinham. Espero que essa experiência continue.

Diagnóstico – Os senhores já foram em algum momento usuários do SUS? Como foi essa experiência?Perondi – Nunca fui usuário do SUS, mas fui médico da rede pública na minha cidade durante anos. Passei pela enferma-ria do Hospital de Caridade de Ijuí e também fui provedor de um dos maiores hospitais filantrópicos do Rio Grande do Sul, grande parceiro do SUS. Já perdi paciente porque não ti-nha aparelho suficiente. Tive que fazer “escolha de Sofia” em uma UTI. Um caso marcante foi a visita que fiz recentemente ao Hospital Geral de Aracaju (SE). Um verdadeiro campo de guerra na emergência. Pacientes amontados à espera de aten-dimento. Presenciei a mesma cena na emergência do Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre, que é público. Costa – Sim, em várias oportunidades. Desde o acesso às va-cinas até atendimento de urgência. Em todas estas oportuni-dades não tive do que reclamar. É verdade que são áreas onde não estão os gargalos do sistema. Mas, mesmo assim, na parte de urgência, já tive atendimento a contento.

Diagnóstico – A bandeira de mais recursos para o SUS vai continuar sendo o norte do mandato dos senhores? Perondi – Enquanto eu for político, vou defender o SUS de forma intransigente, mesmo sabendo que a prioridade no país não é a saúde. Mas não podemos desistir. A sociedade está esperando de nós um comportamento firme pelos interesses da saúde da nação.Costa – Sim. Será um dos nortes. A saúde será sempre o prin-cipal norte do meu mandato. Sem dúvida, a busca por mais financiamento para área continuará sendo um luta central de todos nós. No entanto, outros temas também são importantes: a responsabilidade sanitária, a instituição de carreiras nacio-nais para os profissionais de saúde e tantas outras bandeiras essenciais.

Diagnóstico – Nos próximos 25 anos a estimativa é a de que o Brasil já será considerado um país de idosos. O Parla-mento brasileiro está preparado para se antecipar às ques-

tões sobre o futuro da saúde brasileira com mais gastos e menos receita? O que está sendo feito?Perondi – Considero que o governo atual não está preparando o Brasil para o futuro. Um exemplo é a paralisação da reforma da previdência. Quando o governo gasta menos que R$ 2 por dia por cada brasileiro na saúde, menos que o valor de um picolé ou de um bombom, deixa claro que não está se prepa-rando para a maior longevidade do brasileiro, para as doenças degenerativas que vão se impor. As pessoas vão viver mais. Haverá mais velhos e menos jovens e crianças. A janela de-mográfica, que hoje tem mais crianças e jovens para entrar no mercado de trabalho, daqui a 30 anos será diferente. O gover-no precisa ter riqueza para enfrentar os gastos da previdência e da saúde. Como o Brasil é um dos últimos países do mundo em gasto público na saúde – perdemos até para a média dos países africanos –, fica claro que o país não está preparado. Costa – Tratamos esta discussão quando houve o debate sobre a destinação dos recursos do pré-sal. Apesar da parte destinada à saúde ser bem menor do que a que ficou com a educação, abriu-se uma discussão mais estratégica sobre o financiamen-to da saúde. E esse é o principal tema. Estamos debatendo o financiamento, e este assunto não vai se esgotar. Certamente, em 2015, vamos retomá-lo e debater a necessidade ou não de instituição de alguma nova fonte de financiamento. Creio que, na medida em que estamos preocupados com o financiamento,

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Deputado federal Darcísio Perondi (PMDB/RS)

Ex-médico do SUS, parlamentar admite que já escolheu paciente que iria morrer por falta de

equipamento

estamos pensando no sistema de saúde do amanhã.

Diagnóstico – Muitos dos jovens brasileiros que foram às ruas exigir saúde pública de qualidade para o país prova-velmente já terão filhos nos próximos 25 anos. Que país essa geração vai encontrar?Perondi – Se for mantido o mesmo modelo de aposta no consumo, com baixa produtividade, educação precária e con-tinuarmos perdendo janelas de oportunidades para crescer, sou pessimista. Não aposto no pré-sal como salvação. O que resolve é educação. Em se mantendo o atual modelo de de-senvolvimento, sou pessimista quanto ao nosso futuro.Costa – Espero que seja um país cada vez mais justo, mais democrático, mais livre. Um país que tenha as políticas pú-blicas como a principal prioridade e, principalmente, que tenhamos uma saúde de qualidade. Se conseguirmos os re-cursos necessários para o funcionamento do sistema, tenho certeza de que vamos ter um sistema de saúde bem melhor.

Diagnóstico – Os senhores costumam fazer críticas contu-mazes sobre a gestão do poder no país, que vem impondo ao Parlamento uma função supletiva no processo decisório sobre o futuro do Brasil. Vivemos uma crise de poder?Perondi – A Constituição foi feita dando poderes extraordi-nários para o presidente da República. É um sistema presi-

dencialista forte. Inventou a medida provisória sonhando que poderíamos implantar um parlamentarismo – sistema que es-timula a corresponsabilidade entre o Executivo e o Parlamen-to. Mas as ruas deixaram um recado muito claro em junho. Reprovaram os serviços públicos na saúde, na educação e na segurança pública. Exigiram decência na política. Governo e o Parlamento não entenderam o recado. Costa – Temos alguns problemas concretos. Um país como o nosso, em que o sistema político eleitoral jamais permite que o partido que elege o presidente da República faça a maioria das vagas também para o Congresso Nacional, obriga essa situação esdrúxula chamada de presidencialismo de coaliza-ções. Apesar de se ter o presidente, é preciso fazer vários tipos de compromissos com partidos que estiveram muitas vezes em lados opostos na eleição. Enquanto não fizermos uma reforma política para fortalecer os partidos e garantir participação em condições de igualdade, não vamos conse-guir mudar este cenário.

Diagnóstico – Os senhores se sentem responsáveis pelo atu-al estágio da saúde brasileira?Perondi – Estou aqui há quase 20 anos. Fui um dos prota-gonistas da Emenda Constitucional 29, que estabeleceu gas-tos mínimos em saúde nos orçamentos da União, estados e municípios. Foi um avanço. Só não conseguimos colocar um percentual mínimo para a União. Indexamos pelo PIB nominal. O país não cresceu, mas aumentou a arrecadação. Infelizmente, a prioridade ainda é o PAC – obra, cimento, ferro, ponte, belíssimos santuários esportivos – e o estímulo poderoso ao consumo à custa do endividamento do Tesouro Nacional. Costa – De certa forma, sim. Na medida em que fui minis-tro e, na minha gestão, pelos menos três grandes programas nacionais foram implantados: o SAMU, que é o sistema de atendimento de urgência pré-hospitalar; o Programa Brasil Sorridente, que incluiu milhões de brasileiros numa política de atendimento à saúde bucal; e a Farmácia Popular, que tem garantido medicamentos a preços gratuitos ou muito baixos à população brasileira.

Diagnóstico – Como serão os próximos 25 anos do Sistema Único de Saúde?Perondi – Daqui a 25 anos poderemos não ter riquezas para pagar as despesas da previdência e da saúde. Fico ainda mais preocupado quando vejo um governo que fortaleceu a rede de proteção social, que aumentou a renda do brasileiro, tra-balhando para incinerar um movimento maravilhoso, o Saúde + 10, que levou ao Parlamento um projeto de lei de iniciati-va popular com as assinaturas de 2,2 milhões de brasileiros, exigindo mais recursos federais para o SUS. Fiquei triste e mais desconfiado com nosso futuro. Mas ainda dá tempo de o governo atual mudar sua postura e fazer a parte que lhe cabe na construção de uma saúde melhor para os brasileiros.. Costa – Espero que sejam anos de desenvolvimento e de avanço. Estamos lutando para isso. A população brasileira despertou para a importância que a política de saúde tem para o nosso futuro, para os nossos filhos e netos. Acredito que ha-verá um movimento social forte demandando melhorias nas condições de saúde da população.

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Uma das ten-dências mais significativas no sis-tema de saúde no mundo é que ele se tornou um grande negó-cio a nível global para as economias nacionais de vários países.As empresas de negócios fornecem capitais de inves-timento valiosos que permitem a produção e distri-buição de produtos e serviços para salvar vidas. Sem verificações e balanços, todavia, consequências não inten-cionais podem ocorrer e inviabilizar a melhor das intenções.Uma das consequências não-intencionais nos EUA é que as pes-soas estão correndo alto risco de tratamento excessivo. O Institute of Medicine of the National Academy of Sciences define o super-tratamento como quando o potencial dano de um serviço de saú-de supera o possível benefício. Como resultado, estes danos em saúde têm se tornado a principal causa de mortalidade nos EUA.As investigações conduzidas pelo Congresso norte-americano, por exemplo, confirmou casos em que os médicos realizaram ci-rurgias cardíacas em pacientes que não tinham cardiopatias. A apuração revelou acordos de benefícios mútuos entre médicos e companhias que fabricam os stents usados no procedimento. Além disso, o hospital se beneficiou com o aumento da recei-ta. Após as denúncias de um paciente para autoridades federais e a realização de uma investigação, um médico perdeu sua li-cença e o hospital teve que pagar uma multa multimilionária.Enquanto o tratamento excessivo é comum, a acusação é algo raro. A capacidade dos funcionários do governo de se prevenir e reprimir fraudes é sobrecarregada pela sua gran-deza, segundo relatado no livro, Medicare Meltdown.Uma pesquisa realizada pela American College of Physician Executives, cujos membros estão em cargos de liderança em hospitais e grupos médicos, revela que o supertratamento é generalizado. 80% dos entrevistados disseram que estavam muito ou moderadamente preocupados sobre o tratamento ex-cessivo oferecido pelos seus colegas aos pacientes para aumen-tar suas rendas. Quando perguntados se seus colegas estavam admitindo inapropriadamente pacientes para aumentar as re-ceitas dos hospitais, 54% dos entrevistados disseram que esta-vam muito ou moderadamente preocupados com esta prática.Infelizmente, os funcionários do governo têm sido tão enfra-quecidos pelo poder político da indústria de saúde que não têm autoridade e recursos para ser proativos, evitar fraudes e para agir, mesmo em casos óbvios e com provas incontestáveis.Consequentemente, muitas pessoas são prejudicadas com o tratamento médico excessivo, conhecido pelo termo em in-glês overuse: cirurgias do coração desnecessárias, cirurgias de coluna, histerectomia e prostatectomia; remédios des-necessários incluindo antibióticos, anti-depressivos e anti--psicóticos, exposições desnecessárias a radiação para exa-mes de tomografia computadorizada e ressonância nuclear. Os jornalistas e a mídia têm realizado um serviço público valioso ao publicar regularmente reportagens investigati-

vas sobre o overuse e os erros médicos nas primeiras pági-nas dos maiores jornais e portais de notícias incluindo o The New York Times, Wall Street Journal, USA Today, Bloom-berg e ProPublica. Centenas e até mesmo milhares de leito-res respondem aos comentários online, geralmente dividin-do suas próprias histórias sobre o tratamento excessivo. Até os médicos e enfermeiros compartilham suas experiências.No entanto, pouco tem sido feito para conter o supertrata-mento. O motivo é que as autoridades do governo espera-ram muito para agir. O Institute of Medicine estimou que 30% dos gastos na área nos EUA, equivalente a U$750 bi-lhões anualmente, não agregam valor a saúde das pessoas e são usados em tratamentos excessivos, ineficiências e fraudes.Por outro lado, este desperdício aparece como receita nos balan-ços das pequenas e grandes empresas, que são dependentes. Elas são programadas para mantê-lo – e para obter mais do mesmo.Quando o primeiro programa de seguro de saúde dos EUA, Medicare, foi estabelecido em 1965, não existiam compa-nhias de saúde no top 100 da Forbes. Agora existem 15.Os acionistas demandam maiores, melhores e mais rápi-dos retornos dos CEOs das companhias de saúde. Isso ex-plica porque os hospitais e todas as outras contas das di-visões de saúde das companhias são muito maiores do que poderiam ser. É por isso que a saúde é tão cara.A demanda pelo crescimento das receitas está em curso de co-lisão com a necessidade do país de um financiamento susten-tável no sistema de saúde. Está em colisão direta também com a necessidade das famílias pela acessibilidade a estes serviços.Os recursos são desviados das pessoas que realmen-te precisam de tratamento médico, mas que sofrem com a inacessibilidade e necessidades prementes, como a edu-cação, especialmente a materna, que está diretamente li-gada ao estado de saúde e nível educacional das crianças.A raiz do tratamento excessivo foi semeada quando os progra-mas foram planejados décadas atrás. Os funcionários do go-verno se comprometeram com a indústria de saúde ao garantir que não haveria controle sobre o quanto poderiam faturar. Eles deram as chaves do tesouro público para o setor de saúde nas-cente. Desta forma, a área cresceu, assim como as contribuições para as campanhas políticas dos eleitos em ambos os partidos. A relação entre eles tornou-se cada vez mais enraizada. A checa-gem e os balanços são poucos. O interesse público foi perdido.A solução para este problema será em lon-go prazo. As seguintes medidas podem ser tomadas:1. Criação de uma instituição de defesa do inte-resse público para que o governo reporte as informa-ções sobre onde os recursos foram saúde foram gastos, quem os recebeu e o que eles estão fazendo com a verba.Os relatórios devem destacar os hospitais e médicos que re-alizaram de forma desordenada um grande número de pro-cedimentos conhecidos como overused, desproporcional às necessidades esperadas da população de pacientes das co-munidades do entorno. Estes valores discrepantes devem ser auditados por médicos respeitados e independentes que ava-liarão se os serviços médicos foram realmente garantidos.2. Incentivo aos jornalistas para se informarem e se qualificarem sobre as informações em saúde. Eles relata-rão as situações de tratamento excessivo, e trabalharão com médicos respeitados para identificar os padrões de abuso.

3. Apoio aos pacientes que sofreram danos por con-ta do supertratamento ou de erros médicos e infecções para que eles possam organizar e criar uma consciência pú-

hUmAnISmOE PADRÃO TEcnOlóGIcO DE ATEnçÃO À SAúDEMais recursos e melhor gestão não serão suficientes para assegurar a universalidade, a igualdade e a integralidade da atenção à saúde. É preciso mudar as práticas de cuidado que conformam o modelo de atenção dominante

cENA DO FIlME “TEMpOS MODERNOS”, DE chAplIN, E SUA cRíTIcA AO MERcANTIlISMO pREDATóRIO: que valores e interesses têm orientado o desenvolvimento das tecnologias de saúde?

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Os serviços de saúde conformam sistemas comple-xos, cujos componentes podem ser classificados em cinco cate-gorias: infraestrutura, organização, gestão, financiamento e pres-tação de serviços. Este último se refere ao cuidado, à assistência, às ações finalísticas do sistema, enquanto os demais representam o arcabouço e as atividades-meio. Vale dizer que o cumprimento da missão de um sistema de saúde exige que todos os componen-tes funcionem bem e de modo coordenado.

No debate público sobre o SUS, no entanto, tem-se falado muito de financiamento e gestão, mas pouca atenção tem sido dada à sua finalidade: a prestação de serviços.

O campo da saúde coletiva tem produzido reflexões e expe-rimentações sobre o tema do cuidado, o que não tem sido su-ficiente para que, no âmbito dos serviços, sejam desenvolvidas ações mais efetivas, eficientes ou humanizadas. Ao contrário, observa-se o predomínio de práticas assistenciais fragmenta-das, que enfatizam os tratamentos sintomáticos, desvalorizam as abordagens preventivas, estimulam o consumismo de produtos e serviços diagnósticos e terapêuticos e promovem, ao invés da hu-manização, uma participação passiva e subordinada dos usuários.

Ora, esse modelo de atenção individualista, biologicista, curativista e mercantilista é um grande obstáculo à efetivação do SUS. E o é, em primeiro lugar, por impedir o alcance da integra-lidade, ao negligenciar as ações de promoção da saúde e as inter-venções sobre os seus determinantes sociais. Em segundo lugar, por conformar um padrão de assistência baseado no consumo de procedimentos que ampliam a dependência dos usuários aos ser-viços de saúde. E em terceiro lugar, é um obstáculo pelo fato de estar elevando os custos sem melhorar as condições de saúde das pessoas ou, o que é pior, acentuando os efeitos iatrogênicos da prática médico-hospitalar.

Coloca-se, então, um desafio crucial para o SUS: mais recur-sos e melhor gestão não serão suficientes para assegurar a uni-versalidade, a igualdade e a integralidade da atenção à saúde. É preciso mudar as práticas de cuidado que conformam o modelo de atenção dominante.

Se está claro que a viabilização do SUS universal e de quali-dade requer essa mudança, resta saber como promovê-la.

Responder a essa questão exige, de início, que se explique o

LUIS EUGÊNIO PORTELAPresidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e professor da UFBA

HUMANIZAÇÃO

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HUMANIZAÇÃO

predomínio desse modelo de atenção. E não é difícil perceber que decorre, em grande parte, dos interesses econômicos dos con-glomerados industriais e financeiros das áreas de medicamentos, vacinas, equipamentos e demais materiais médico-hospitalares.

Um dado simples, fornecido pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar, demonstra bem a força dessa indústria: em 2012, o Índice de Variação do Custo Médico e Hospitalar foi de 15,4% no ano, três vezes a inflação medida pelo Índice Nacio-nal de Preços ao Consumidor Amplo, sendo a alta de materiais usados em internações a principal responsável por esse aumento.

Trata-se, claramente, de agentes poderosos não apenas eco-nomicamente, mas também politicamente, haja vista, por exem-plo, o investimento que fazem no financiamento de campanhas eleitorais em diversos países.

Em todo o mundo, questiona-se o poder desses grupos eco-nômicos. Torna-se evidente a impossibilidade de manutenção da brutal transferência de renda de quase todos os setores da socie-dade para os grandes acionistas da indústria de insumos para os serviços de saúde. Não deixa de ser sintomático da gravidade da situação que uma professora da Harvard University, ex-editora do New England Journal of Medicina1, venha a público afirmar que é preciso salvar a indústria farmacêutica dos seus atuais di-rigentes. No Brasil, a preocupação com o complexo produtivo da saúde começa a ser incluída nas políticas de saúde, com estí-mulos à produção nacional de insumos indispensáveis ao atendi-mento das necessidades de saúde dos brasileiros.

Contudo, a questão é mais complexa: não se trata apenas de controlar os excessos da indústria farmacêutica ou nacionalizar a produção de insumos. No fundo, o modelo de atenção à saúde re-flete o padrão tecnológico da sociedade contemporânea. Não só na assistência à saúde, mas em todos os aspectos da vida social, as tecnologias assumiram uma posição dominante. Basta pensar nas cidades tomadas pelos carros ou nos campos encharcados de agrotóxicos.

Para compreender como se chegou a essa situação e como superá-la, vale a pena recorrer às reflexões do filósofo americano Andrew Feenberg2, que identifica duas grandes abordagens teó-ricas sobre as tecnologias: a instrumental e a substantiva.

A teoria instrumental concebe as tecnologias como neutras, do ponto de vista de valores éticos e interesses sociais, e con-troladas pelos seres humanos quanto ao seu desenvolvimento e ao seu uso. Esta concepção é hegemônica, inclusive no senso comum, quando se diz, por exemplo, que a energia nuclear não é boa nem má, mas seu uso é que pode se destinar ao bem ou ao mal (o que é uma meia verdade, pois a manipulação da energia nuclear não teria ocorrido se não houvesse o objetivo e o con-sequente investimento no desenvolvimento da bomba atômica). Assim, a criação e a evolução das tecnologias decorreriam ape-nas de opções técnicas, feitas pelos inventores, relativas aos seus mecanismos próprios de funcionamento.

A teoria substantiva, ao contrário, afirma que as tecnologias encarnam valores éticos e são moldadas por interesses sociais, mas não são controladas pelos seres humanos, no sentido de que seu uso e seu desenvolvimento decorrem exclusivamente da bus-ca da melhoria da eficiência, como lógica intrínseca à técnica. Embora estranha ao senso comum, essa concepção tem defenso-res do porte do filósofo alemão Martin Heidegger, que destacava o fato de as relações sociais estarem estruturadas pela tecnologia, notadamente na sociedade moderna, a ponto de produzir uma

desumanização irreversível da sociedade. Feenberg, por um lado, identifica-se com a teoria substantiva

ao considerar que, de fato, as tecnologias não são neutras quanto a valores e interesses, mas são permeadas pelas relações sociais e expressam opções éticas e propósitos sociais. Por outro lado, compartilha com a teoria instrumental a ideia de que o desen-volvimento tecnológico é guiado pela ação humana consciente, não tendo nem a busca da eficiência nem qualquer outra lógica inerente ao seu funcionamento que escape ao controle das pesso-as. Assim, pode tomar rumos diferentes a depender dos valores e dos propósitos buscados.

O filósofo americano dá o nome de teoria crítica à sua posição, pois entende que a civilização industrial não só precisa ser supe-rada – dado que promove valores e interesses econômicos par-ticulares em detrimento da preservação ambiental, da igualdade social e do desenvolvimento humano –, como pode ser superada, visto que depende de escolhas feitas pela sociedade. Ressalte-se que se trata de construir uma nova civilização industrial e não de retornar a uma era pré-industrial, como sugeria Heidegger. DEsirability E afforDabilityAo refletir sobre o cuidado da saúde, a teoria crítica faz vir à mente as seguintes questões: que valores e interesses têm orien-tado o desenvolvimento das tecnologias de saúde? E que valores e interesses estão incorporados às atuais tecnologias?

Essas questões têm sido objeto de pesquisas empíricas, algu-mas das quais foram revisadas, sistematizadas e conduzidas por Pascale Lehoux3, pesquisadora canadense do campo da saúde pública.

Em suas pesquisas, Lehoux encontrou um padrão relativa-mente constante de tomada de decisão sobre o investimento em tecnologias de saúde. Em geral, médicos e outros profissionais de saúde, engenheiros e analistas de mercado, trabalhando em empresas produtoras de tecnologias médico-hospitalares ou em órgãos públicos de fomento à pesquisa e à inovação na área da saúde, buscam identificar necessidades e possibilidades de novas tecnologias ou de melhorias nas tecnologias existentes, imagi-nando o que poderia interessar aos usuários de tecnologias (so-bretudo os médicos, mas também os pacientes) e estimando os preços que seriam capazes de pagar para ter acesso a uma nova tecnologia.

Dessa forma, os critérios centrais do processo de decisão sobre o investimento no desenvolvimento de novas tecnologias são dois: desirability e affordability, nos termos sugeridos pela professora canadense. Vale notar que esses dois critérios obede-cem, perfeitamente, à lógica do lucro, que rege toda a atividade econômica contemporânea, incluindo o setor da saúde.

A indústria da saúde é muito poderosa, movimenta cerca de 10% do PIB mundial. Tem uma estrutura oligopolizada, com poucas e grandes empresas controlando o mercado, no qual a concorrência se baseia, largamente, na geração de inovações. As-sim, a pressão dos interesses econômicos pela produção de novas tecnologias é imensa e é o que explica as significativas inversões em pesquisa e desenvolvimento tecnológico.

É fácil perceber, portanto, que a lógica econômica capitalis-ta tem sido o mais forte determinante dos rumos do desenvol-vimento tecnológico também na área da saúde. Pode-se, então, afirmar que são, fundamentalmente, os interesses e os valores da grande indústria da saúde que estão incorporados aos insumos

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1 Marcia Angell. A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos. São Paulo: Record, 2007.2 Andrew Feenberg. Transforming Technology: A Critical Theory Revisited. Oxford University Press, 2002. 3 Pascale Lehoux. The problem of health technology. Its policy implications for modern health care systems. New York: Routledge, 2006.

médico-hospitalares e que estão orientando o desenvolvimento de novas tecnologias.

O predomínio dessa lógica mercantil é um problema para todos (incluindo os acionistas das empresas, já que também pre-cisam de cuidados de saúde), porque o processo de inovação sob sua égide submete todos os outros valores ao da competitivida-de, o que tem acentuado os efeitos negativos das tecnologias: iatrogenia, dependência dos usuários, elevação dos custos dos sistemas de saúde e desumanização da prática médica. Por que continua, então, predominante?

A resposta óbvia remete ao poderio econômico da indústria da saúde, capaz de convencer o público geral, através de suas estratégias de marketing, mas também os profissionais de saúde, a mídia, os parlamentares, os governantes etc., por meio de estra-tégias tão diversas quanto eficazes.

A resposta menos óbvia e mais importante, todavia, é que há efetividade real e simbólica nas atuais tecnologias. Com efeito, como negar que os anti-inflamatórios que produzem hemorragia digestiva controlam, de fato, as inflamações? Ou como negar que as ultrassonografias obstétricas representam também “fotogra-fias” do bebê vistas como expressão de carinho e afeto?

Observando bem, pode-se ver que é a alusão à efetividade de algumas tecnologias que torna eficazes as estratégias de con-vencimento usadas pela indústria da saúde. É preciso lembrar, contudo, que é comum ao marketing a extensão (ilegítima) das qualidades de alguns casos à totalidade dos casos – de algumas tecnologias a todas as tecnologias.

ComuniDaDE tomaDora DE DECisõEs O que a teoria crítica da tecnologia permite entender é que essa efetividade, quando é real, está limitada e tolhida pelos interesses econômicos. Há potencialidades nas tecnologias existentes que não se transformam em realidade, pois são reprimidas para que prevaleçam os valores mercantis.

Sendo assim, as questões que se colocam são: como livrar o desenvolvimento tecnológico das amarras dos propósitos comer-ciais? Como aproveitar as potencialidades das tecnologias para torná-las mais seguras, mais humanas e de melhor relação custo--efetividade?

A primeira e mais relevante estratégia é ampliar a comuni-dade de designers, ou seja, o rol de pessoas e grupos implicados nas decisões sobre as linhas de pesquisa e de desenvolvimento tecnológico merecedoras de investimentos.

No caso das tecnologias de saúde, além de bem conceitua-dos médicos, farmacêuticos, enfermeiros, engenheiros, econo-mistas, analistas de mercados e dirigentes e técnicos de órgãos de fomento à pesquisa e à inovação, é necessário envolver entre os participantes das decisões os usuários, os consumidores e os cidadãos, através de representações da sociedade, inclusive aquelas mais distantes dos temas da saúde nas suas preocupa-ções quotidianas.

Vale ressaltar que um processo de tomada de decisão parti-cipativo é coerente com o fato de que as tecnologias são frutos de pesquisas financiadas publicamente: a destinação de recursos que vêm de toda a sociedade deve e pode ser definida em instân-cias que contemplem a participação não apenas de especialistas, mas também dos contribuintes.

Uma comunidade de tomadores de decisões assim ampliada pode valorizar como ponto de partida o perfil epidemiológico da

população como um todo (e não apenas dos que podem pagar caro) e orientar os investimentos para a produção de conheci-mentos e o desenvolvimento de tecnologias voltados para os problemas de saúde mais prevalentes ou mais incapacitantes ou mais letais.

Pode também considerar a saúde, na sua dimensão positiva, e não apenas a doença como objeto das tecnologias, ou seja, pode pensar em desenvolver tecnologias de promoção e de pro-teção da saúde, além daquelas voltadas para a recuperação e a reabilitação da saúde.

A segunda estratégia para promover um desenvolvimento tecnológico mais adequado às necessidades de saúde e menos limitado pelos interesses econômicos é formada por uma série de medidas concretas para restringir o poder da grande indústria da saúde. São sugestões da já citada professora Angell: (a) exigir que as inovações acrescentem de fato algo de útil, acabando com as imitações; (b) não permitir que os laboratórios controlem os ensaios clínicos, exigindo que sejam conduzidos por pesquisado-res independentes; (c) reduzir o tempo de patentes, começando a contar a partir da entrada no mercado; (d) impedir a participação da indústria da saúde na educação médica; (e) proibir a propa-ganda direta ao consumidor; e (f) controlar os preços das tec-nologias, abrindo a caixa-preta da contabilidade das empresas, dado que o governo é o maior comprador.

Se essa segunda estratégia pode se viabilizar, aparentemente, sem mudanças estruturais na sociedade, a primeira requer, evi-dentemente, uma significativa transformação social. Ou, mais especificamente, para que a ampliação da comunidade de desig-ners ocorra e favoreça o desenvolvimento tecnológico de caráter humanista, três mudanças nas fundações da ordem social são re-queridas, como assinala Feenberg: a extensão da ação do poder público de modo a fortalecer o planejamento frente ao mercado; o aprofundamento da democracia com a redução significativa das desigualdades sociais; e um modelo de inovação voltado para superar a separação entre trabalho manual e intelectual, por meio da expansão e da intensificação da educação permanente.

Essas mudanças estruturais, se vierem a acontecer, serão consequência da mobilização e da participação cidadã. O mal--estar que parece tomar conta da civilização contemporânea, provocado pelo aumento da violência, das desigualdades e da pobreza de muitos em prol da riqueza material de cada vez me-nos pessoas, mesmo nos países mais ricos do mundo, pode ser o alimento dessa mobilização e o prelúdio de grandes transfor-mações.

É curioso notar que, se a consolidação do SUS universal e igualitário depende dessas transformações na ordem social, os esforços atuais para implantá-lo, incluindo a busca de mais re-cursos financeiros, a melhoria da gestão e a experimentação de práticas de cuidado integral e humanizado, compõem as estraté-gias para provocar as mudanças estruturais.

Enfim, um SUS que assegure a atenção integral à saúde é, simultaneamente, consequência e estratégia do avanço de um processo civilizatório, que afaste os seres humanos do reino das necessidades e os aproxime do reino das liberdades.

Diagnóstico | set/out 201394

cOMUNIDADE DA ROcINhA, NA cIDADE DO RIO DE jANEIRO: GESTÃO cOMpARTIlhADA DA SAúDE E DEScENTRAlIzAçÃO DOS SERvIçOS TORNARAM O ESTADO UMA REFERêNcIA EM ATENçÃO à SAúDE

Diagnóstico | set/out 2013 95

UnIDADES DE PROnTO ATEnDImEnTO (UPAs) E O SUS: DEScEnTRAlIZAçÃO DO AcESSOModelo de assistência adotado pelo governo federal e criado no Rio de Janeiro tem ajudado as comunidades pobres do país a ter acesso à saúde de qualidade em tempo integral

SÉRGIO CÔRTES

Diagnóstico | set/out 201396

O maior desa-fio que enfrentamos no Sistema Único de Saúde (SUS) é conseguir proporcionar aos usuários serviços com bom padrão técnico, com profissionais qualifica-dos e equipados adequadamente, de acordo com o tipo de aten-ção que oferecem, além de oferecer à população a mesma qua-lidade que se encontra nas unidades de saúde de alto padrão. Ou seja, construir um sistema que garanta o binômio qualidade e ampliação do acesso para o usuário.

Para nós, que ajudamos a gerir o Sistema Único de Saúde, essa missão é ainda mais desafiadora. Desde 1988, com a nova Constituição Federal, estabeleceu-se que o Estado brasileiro passasse a oferecer a todos os cidadãos o direito à seguridade social (saúde, previdência e assistência) mediante políticas eco-nômicas e sociais de acesso universal e igualitário.

Tornar esse acesso amplo, ágil, com acolhimento de qua-lidade e garantir a continuidade do atendimento é, de fato, um grande desafio para todos, especialmente por se tratar de um país com números tão grandiosos como o nosso. Somos o úni-co país do mundo com mais de 100 milhões de habitantes que oferece um sistema de saúde universal e gratuito.

Para tornar esse acesso universal e com qualidade, temos posto em prática nos últimos anos diversas ações e usado fer-ramentas até então inéditas da rede estadual de saúde do es-tado. Uma importante decisão foi a implementação da gestão compartilhada e da parceria com organizações sociais, que vem permitindo a viabilização de diversos projetos. Essas novas for-mas de administrar possibilitaram a criação nos últimos anos de unidades de referência em suas áreas, como o Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, os hospitais estaduais da Criança, da Mulher Heloneida Studart, da Mãe, de Traumato-Ortopedia Dona Lindu, e serviços fundamentais para a melhoria da saúde da população fluminense como o Centro de Trauma do Idoso, o Centro Estadual de Transplante, o Rio Imagem, maternidades e UTIs de alguns dos principais hospitais de emergência da rede, entre outros. E muitas outras unidades e serviços ainda estão por vir dentro desses modelos de gestão, que vêm tornando possível resolver a equação de aumento de produtividade com maior economia do dinheiro público.

Mas só investir não é o suficiente. É preciso planejar. A criação das UPAs 24 horas é um marco e expressa o mode-lo de gestão adotado pelo governo do estado, em 2007, para desafogar as emergências dos grandes hospitais, superlotadas por receberem pacientes que poderiam ser encaminhados para serviços de pronto atendimento que funcionassem em horário integral. Prova de que o modelo assistencial vem dando certo é que ele serviu de referência para que o governo federal ex-pandisse a ideia para todo o país e ultrapassou fronteiras, sendo reproduzido pelo governo argentino, que inaugurou unidades similares em Buenos Aires.

A UPA organiza a rede, amplia o acesso e desafoga a emer-gência das unidades hospitalares. É importante ressaltar que o modelo não foi pensado para substituir nada e sim para com-por, junto a outras unidades, uma rede organizada de saúde. Hoje está mais do que provado que essas unidades são eficazes na redefinição dos fluxos. Nas 52 UPAs do estado, a taxa de transferência é de 0,46%, ou seja, mais de 99,5% dos casos que chegaram a essas unidades foram resolvidos, provando o alto poder de resolutividade do serviço. O número de pacientes atendidos nesses seis anos de existência das unidades também mostra que a população adotou e confia no modelo: 19.382.848

SÉRGIO CÔRTESSecretário de Estado da Saúde do Rio de Janeiro e médico cirurgião ortopédico

POLÍTICA PÚBLICA

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atendimentos realizados desde a inauguração da primeira UPA, no Complexo da Maré.

Outro importante marco de nossa gestão da saúde no Rio de Janeiro é a regionalização dos serviços. Ao longo dos anos, ganhou força uma ideia equivocada de que todos os municí-pios deveriam oferecer serviços de saúde em todas as espe-cialidades. A criação dos serviços móveis de tomografia com-putadorizada e ressonância magnética é um grande exemplo da política que adotamos de levar serviços especializados para o interior do estado. Instalados em carretas especiais, os dois serviços de tomografia computadorizada beneficiaram até agora cerca de 60 mil pacientes, realizando mais de 79 mil exames. A ressonância magnética atendeu cerca de 21,6 mil pacientes e realizou mais de 26 mil exames. Ainda este ano, a população vai ganhar o mamógrafo móvel, criado nos mesmos moldes dos outros serviços móveis e que vai rodar todo o es-tado, realizando também ultrassonografias e biópsias, quando houver indicação. A previsão é beneficiar cerca de 2 mil mu-lheres por mês.

Cirurgia bariÁtriCaAinda dentro da política de regionalização dos serviços, cria-

mos o Programa de Apoio aos Hospitais do Interior (PAHI), que visa fortalecer a saúde nas regiões através do repasse de verba para os hospitais do interior do estado, UTIs e sa-las de estabilização, reunindo investimentos de cerca de R$ 96.525.000 por ano.

Programas altamente especializados também estiveram no nosso foco nos últimos anos. Pioneirismo, ineditismo e alta re-solutividade são marcas de alguns deles. Inaugurado em 2010, o Programa Estadual de Cirurgia Bariátrica, que funciona no Hospital Estadual Carlos Chagas, vem ajudando a zerar a fila de pacientes que procuram pelo procedimento. De lá para cá, foram realizadas mais de 600 cirurgias sem nenhuma inter-corrência. Esse é o único projeto público de cirurgias bariátri-cas do país com 100% dos procedimentos feitos por videola-paroscopia, técnica que diminui os riscos de complicações e também o tempo de recuperação do paciente, que volta mais rápido à sua rotina.

Outro programa de sucesso e pioneiro no país é o SOS Reimplante, que atende vítimas de amputações no Hospital Estadual Adão Pereira Nunes desde 2009. Até hoje, foram fei-tas 360 cirurgias de reimplante, com cerca de 80% de sucesso.

Voltado para o atendimento de pacientes acima de 60 anos com fraturas de fêmur proximal – tipo mais comum entre ido-sos e uma das que podem apresentar mais complicações, in-clusive letais, quando não tratadas em tempo hábil –, o Centro Estadual de Trauma do Idoso (CETI) completou um ano de funcionamento em setembro último, realizando, nesse perío-do, 1.123 cirurgias e 1.721 consultas ambulatoriais. O serviço, que funciona no Hospital São Francisco de Assis, é inédito no país e foi elaborado com base em pesquisas científicas inter-nacionais que constataram que, se operado em até 48 horas, o idoso vítima de trauma tem mais chances de voltar a ter uma vida normal, com sua locomoção mantida.

Para ajudar a resolver o problema dos pacientes que espe-ram por transplantes no estado, criamos o Centro Estadual de Transplantes, também localizado no Hospital São Francisco de Assis. A unidade, inaugurada em fevereiro deste ano, já reali-zou mais de 150 procedimentos, sendo 102 transplantes de rim e 53 de fígado e já é a segunda maior transplantadora hepática no país. O serviço vem ao encontro do crescimento que o es-tado do Rio registrou nos últimos três anos na área de doação de órgãos, subindo da lanterna do ranking nacional para a atual terceira posição.

Apesar de todos os investimentos que fizemos na cons-trução de novas unidades e implementação de tecnologia de ponta, para fazer a roda girar é crucial que a gestão seja bem executada, desde que os olhos estejam voltados para nosso bem mais valioso: as pessoas. Sejam clientes ou colaborado-res, todo o material humano envolvido no sistema precisa ser prioridade, servindo sempre de leme para nos guiar na busca em oferecer saúde com qualidade.

Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em Mesquita, Rio de Janeiro

Mais de 99,5% dos casos que chegam a essas unida-des são resolvidos (taxa média de transferência

é de 0,46%) – segundo números oficiais

Divulgação

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O Oscarda saúde

edIÇÃO 2013

2013Prêmio Benchmarking

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Marcelo Santana

valter Furlan, diretor médico do hospital Totalcor (Sp)

Francisco Souto, diretor executivo do hospital e Maternidade vitória (Sp)

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estante&Resenhas

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