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360 EDIÇÃO 14 • OUTUBRO DE 2017 Aumento de cursos de medicina é medida inócua para resolver gargalos da saúde Quanto mais melhor Para Arnaldo Hossepian, em muitos casos, a judicialização no setor é criminosa Marco Bobbio desembarca no Brasil trazendo o debate sobre slow medicine ao Conecta Saúde ?

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360EDIÇÃO 14 • OUTUBRO DE 2017

Aumento de cursos de medicina é medida inócua para resolver gargalos da saúde

Quanto mais

melhor

Para Arnaldo Hossepian, em muitos casos, a judicialização no setor é criminosa

Marco Bobbio desembarca no Brasil trazendo o debate sobre slow medicine ao Conecta Saúde

?

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Em tempos de crise,errar não é uma opção

Conheça. O IN$TRUIR tem como objetivo orientar nossos contribuintes e associados sobre as principais atividades das áreas contábil, fiscal, societária, e tributária.

Atendimento. Uma vez por semana, um profissional fica à disposição por telefone, Skype ou pessoalmente, na sede da FEHOESP. O IN$truir conta também com suporte on-line, que pode ser feito a qualquer dia e horário pelo e-mail: [email protected]

Saiba mais: www.fehoesp360.org.br

Em tempos de crise,errar não é uma opção

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EDITORIAL

Neste mês de outubro, inevitável falar sobre os médicos. Eles são celebrados no dia 18, lembrança justa e merecida a um profissional que é essencial para a melhoria dos cuidados em saúde da nossa população. Aproveitamos o gancho para trazer, na matéria de capa, um assunto que tem alfinetado a sociedade: afinal, temos poucos médicos? Precisamos de mais escolas?

Há menos de dois meses, o Ministério da Educação (MEC) anunciou a abertura de 710 vagas, em 11 cursos de medici-na nas regiões Sul e Sudeste do país. Nos planos do governo estão a abertura de 2.305 vagas pelo Brasil. Mas, os números falam por si: temos 443.371 médicos e 207.981.911 brasilei-ros, o que dá uma média de 2,13 médicos por mil habitan-tes. De 1907 até 2015, o aumento da população de médicos foi de 633%. Estimativas apontam que teremos quatro mé-dicos por mil habitantes, em breve, enquanto as recomen-dações da Organização Mundial da Saúde (OMS) são de um para mil.

Um dado chama a atenção: a maioria das escolas de me-dicina no país, inclusive as que anunciaram novas vagas, são privadas. O acesso ao estudo em medicina ainda é elitizado, caro e com baixa qualidade. Em contrapartida, a maioria das escolas de ensino básico, no Brasil, são públicas, cuja estru-tura ainda é extremamente deficitária. E engana-se quem

Uma questão de

cidadaniapensa que o problema fica restrito às precárias salas de aula de nossas crianças: segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), mais da metade das escolas não tem rede de esgoto, um terço não possui rede de água e um quarto não conta com coleta de lixo. Por outro lado, cinco milhões de crianças bra-sileiras abaixo dos cinco anos de idade ainda apresentam algum grau de desnutrição, na proporção de uma em cada três (dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE). Para muitas, a refeição feita na escola é a principal do dia.

A equação do ensino no Brasil é líquida e certa: desigual-dade, mais formação deficitária do ponto de vista da cidada-nia. Resultado: um país de contrastes, que forma mais e mais médicos para tratar de uma população que adoece desde a infância, porque fundamentalmente é desnutrida, ou obesa. É uma conta que não fecha. O investimento brasileiro em educação não é baixo, mas precisamos direcionar mais re-cursos financeiros e humanos para os ensinos fundamental e médio. É na infância que conseguiremos formar cidadãos saudáveis e preparados para os desafios que os esperam.

Yussif Ali Mere JrPresidente

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ÍNDICE Representantes da saúde opinam sobre a revista e o destaque do Portal FEHOESP 360

Veja a agenda de cursos do IEPAS para novembro

Na seção de notas, os principais eventos do setor

FEHOESP propõe marco legal sobre vontade do paciente no fim da vida

Marco Bobbio chega ao Brasil defendendo mais anamnese e menos tecnologia

Arnaldo Hossepian comenta afalta de critérios na judicialização da saúde, a indústria de liminares e a atuação do Judiciário

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Mais cursos de medicina não suprem as necessidades

da saúde no Brasil

CAPA 16

Saúde suplementar precisa de eficiência para garantir o futuro

Reforma trabalhista mobiliza empresas

Resenha: os mandamentos para o Brasil que queremos

Rima Farah fala sobre a importância da voz do paciente em seus cuidados

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PAINEL DO LEITOR ONLINE

Confira, na edição digital, os conteúdos exclusivos da

Revista FEHOESP 360 em seu smartphone,

tablet ou computador.

360

ENTREVISTAAssista ao bate-papo com o

procurador Arnaldo Hossepian e veja sua opinião sobre a

infraestrutura da segurança pública e a prisão de condenados

em segunda instância.

CAPAOuça os especialistas

sobre a formação dos médicos e a acreditação de

cursos de medicina.

RelevanteParabenizo pelo aniversário de um ano da Revista FEHOESP 360. É de fundamental importância e relevância podermos contar com um veí-culo de informação atualizado e renovador na área da saúde para nos nortear, fundamentar e embasar com respaldo científico, legal e ético.

Feliz pontuação na edição nº 12, de agosto deste ano, ao falar sobre longevidade, um tema de saúde pública mundial, e mostrar a opção de um serviço diferenciado no contexto dos pacientes de longa per-manência é, sem sombra de dúvidas, uma bela alternativa para o setor. Parabéns a equipe.

SUZANA VIEIRA BARBIERI, ENFERMEIRA AUDITORA RESPONSÁVEL TÉCNICA DA

CLÍNICA DE RETAGUARDA HOSPITALAR MOEMA

Moderna e objetivaA Revista FEHOESP 360 cumpre o seu papel de informar e repercutir as temáticas da saúde, desde as mudanças regulatórias e processos de gestão até as inovações e tendências que delineiam o futuro. São exemplos e visões de profissionais e instituições consideradas referên-cias no setor retratadas de maneira moderna, com linguagem objetiva e qualidade dentro desse amplo e importante universo.

DESTAQUE DO PORTAL

O portal www.fehoesp360.org.br trouxe, entre as notícias mais aces-sadas do último mês, o artigo assinado pelo presidente da FEHOESP, Yussif Ali Mere Junior, a respeito da tributação na área da saúde e a pos-sibilidade de o governo ajustar, em breve, o PIS e a Cofins, simplificando e aumentando a alíquota para muitos setores, inclusive o de serviços.

O texto demonstra a preocupação da Federação e outras entidades com a possível mudança, o que geraria impacto imediato em todas as atividades da cadeia da saúde. “O setor de saúde traz esses alertas vi-sando contribuir para qualificar o debate sobre o tema”, destaca um trecho. Assinam também o artigo os presidentes da Abramed, Abram-ge, Anahp e SBPC/ML.

Outro destaque do portal foi o evento realizado pela FEHOESP em agosto, que discutiu a vontade do paciente no fim da vida e as diretivas legais que garantem essa escolha, como o testamento vital (leia mais na pág. 8).

JOSÉ ROBERTO ARAÚJO, DIRETOR DE NEGÓCIOS B2B DO GRUPO FLEURY

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Workshop sobre terceirização após a reforma trabalhista

28 de novembro 9h às 12hSão Paulo

Atualização em preenchimento de guias

TISS na versão atual

21 de outubro9h às 17h

Santos Gerenciamento de custos para a área da saúde

21 de novembro 9h às 17hAraçatuba

Atendimento diferenciado

26 de outubro 9h às 17h

Santo André

Como reduzir custos e aumentar a

receita da sua instituição de saúde

9 de novembro 9h às 17h

Franca

Gestão de operações, processos e sistemas

25 de outubro9h às 17h

Presidente Prudente

Prepare seu RH para a implementação

do eSocial

17 de novembro 8h30 às 17h30

São José dos Campos

#AgendaCompletawww.iepas.org.br

*As datas podem estar sujeitas a alterações

Atendimento presencial e telefônico

23 de outubro 9h às 17hAraçatuba

Formação e aperfeiçoamento das

lideranças em gestão estratégica de operações de serviços

8 de novembro 9h às 17hCampinas

06

CURSOS & EVENTOS

#iepas

Segurança do paciente

1° de novembro 9h às 17h

Bauru

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Alteração nas regras do PIS/Cofins preocupa setor Atentos a um possível aumento de carga tributária decor-rente da reforma do PIS/Cofins, representantes do setor de serviços reuniram-se, em 23 de agosto, com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em Brasília. O grupo alertou para o risco de o governo encaminhar ao Congresso uma medida provisória (MP) mudando a forma de cobrança das contribuições e, com isso, elevar o peso dos impostos sobre o setor de serviços em até 6%. Isso

Durante debate realizado na capital paulista, em 11 de se-tembro, para autoridades, CEOs, presidentes e outras lide-ranças corporativas, Fernando Henrique Cardoso afirmou que “é preciso reestabelecer a confiança da sociedade e re-organizar as finanças públicas para a volta do crescimento econômico brasileiro”.

No evento, que também contou com a presença do governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, do prefeito da capital paulista, João Doria, e do presidente da Assembleia Legislativa do Estado, Cauê Macris (PSDB), FHC comentou sobre a importância do fortalecimento das insti-tuições brasileiras. “Tivemos uma má condução das políti-cas econômicas nos últimos anos e o reflexo dessas deci-sões foi sentido. O cenário econômico já apresenta sinais de melhora, mas é preciso ter uma gestão mais eficiente das instituições brasileiras. Além disso, é necessário combater a corrupção e deixarmos essa visão de utopia regressiva que vivemos, que acredita que as soluções do passado podem ser a salvação no presente, para tornar o Brasil mais con-temporâneo, integrado e dar rumo à economia.”

Segundo o ex-presidente, a crise da democracia repre-sentativa só será resolvida com ideias que tenham um sim-

FHC afirma que é preciso reestabelecer a confiança da sociedade

poderia provocar aumentos de preços e demissões. “Seria insuportável tudo isso, daria quebradeira e desempregaria também pessoas”, afirmou o diretor da FEHOESP, Luiz Fer-nando Ferrari Neto, que participou do encontro.

O setor de serviços representa 73% do PIB e um milhão e meio de empresas que empregam 20 milhões de pessoas no comércio, escolas, universidades, hospitais, nas áreas de limpeza e de telefonia, entre outras.

bolismo de esperança, com lideranças que queiram fazer a diferença e que abracem a causa. "A embriaguez do nosso processo histórico nos deu a ideia de que o governo resol-veria os problemas com estímulo ao consumo e atuando de maneira protecionista", disse, referindo-se à política ado-tada nos últimos anos. A saída, segundo ele, começa a ser desenhada com reformas importantes sendo aprovadas. “O que é preciso, agora, é reconquistar a confiança na institui-ção política.”

07

#iepas NOTAS

Yussif participou do debate com o

prefeito João Doria e com o governador

Geraldo Alckmin

Div

ulga

ção

Evento reúne lideranças da saúdeA Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) realizou, em 25 de agosto, em São Paulo, seu 2° Congresso Internacional de Gestão em Saúde, reunindo as principais lideranças da saúde e representantes das empresas que atuam nas áreas de análises clínicas, anatomia patológica, radiologia e diagnóstico por imagem, para debater temas re-levantes para o setor e discutir sobre o seu desenvolvimen-

to. "O objetivo foi proporcionar reflexão sobre os desafios e estimular ações que possam beneficiar o sistema de saúde”, afirmou Claudia Cohn, presidente do Conselho da Abramed.

Durante o evento, foram abordados desde a sustentabili-dade do segmento, a incorporação tecnológica, compliance até as perspectivas para o cenário político e econômico do país em 2018.

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beira do leito hospitalar o familiar recebe, do médico, a informação sobre a existência de um documento, escrito pelo paciente, que proíbe determinadas intervenções em seu estado de saúde, que é gravíssimo. O doente escolheu como gostaria de morrer e cabe aos parentes e aos doutores fazerem valer sua vontade ou não. A situação descrita pode parecer surreal, mas tem se tornado cada vez mais comum.

Desde o início do ano, a FEHOESP pôs-se à frente para auxiliar na elaboração de um projeto de lei (PL) que trate do direito à morte digna no país, garantindo a vontade inalie-nável do paciente de definir o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados, sobre cuidados e tratamen-tos que quer ou não receber no momento em que estiver seriamente doente e incapacitado de expressar livre e auto-nomamente sua vontade.

A ideia da Federação é reunir na Comissão de Saúde do Congresso Nacional representações da sociedade civil, in-cluindo hospitais, médicos, profissionais e pacientes, para debater o tema e definir uma lei que garanta claramente os deveres e direitos de todos os envolvidos. Em maio, uma proposta inicial foi entregue pela entidade ao ministro da Saúde, Ricardo Barros, e aos secretários estadual e munici-pal de Saúde de São Paulo, David Uip e Wilson Pollara.

À Segundo Yussif Ali Mere Junior, presidente da FEHOESP, a questão da morte é um tabu no Brasil. "É arraigada em nossa cultura a não aceitação da morte. Essa dificuldade de falar e discutir o tema atinge a população e se estende a médicos, profissionais da saúde, pacientes e seus familiares", constata.

Há cinco anos, o Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou a resolução 1.995/13, que reconhece o direito do paciente de manifestar sua vontade sobre tratamentos mé-dicos e designar representante para tal fim. No país, dois documentos foram criados para o registro das vontades do doente: o testamento vital e as diretivas antecipadas de von-tade (DAV). No entanto, a ausência de uma regulamentação legislativa gera desconfiança por parte dos profissionais e da população que, muitas vezes, não têm conhecimento de seus direitos na hora da morte, como explica a fundadora do portal www.testamentovital.com.br e doutora em Ciên-cias da Saúde pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Luciana Dadalto. “A reso-lução não diz qual é o conteúdo válido, quem é que pode fazer, quais são os critérios formais, se precisa ou não de testemunhas, deve-se ou não efetuar o registro em cartório. Essa falta de especificações torna o documento frágil. Antes de fazer a declaração recomendo consultar um médico e um

ASSISTÊNCIA À SAÚDE

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FEHOESP propõe marco legal que considere a vontade do paciente antes de morrer

As escolhas do fim da vida

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advogado de confiança, pois eles auxiliarão o interessado no momento da definição dos tratamentos, procedimentos e cuidados os quais estará disposto ou não a ser submetido. Já o jurista analisa a validade do pedido e, caso deseje, o paciente nomeia um procurador que fica responsável pela tomada de decisões quando o doente já não reúne condi-ções de se manifestar.”

Na prática, a indefinição sobre a questão provoca po-lêmica nos hospitais quando um paciente está à beira da morte. São médicos que não sabem como proceder diante do pedido do doente, hospitais que não sabem exatamente como lidar com o testamento vital ou familiares que prefe-rem que os profissionais de saúde "tentem de tudo" para salvar a vida do parente, mesmo que as possibilidades de sobrevivência não existam. Em agosto, um evento na sede da FEHOESP reuniu médicos, advogados e gestores em saúde com o objetivo de debater o assunto. A discussão foi embasada em experiências da Europa, América Latina e dos Estados Unidos que, desde 1991, conta com a lei Pa-tient Self-Determination Act, que prevê o direito individual à morte.

Nise Yamaguchi, médica e diretora institucional do Ins-tituto Avanços em Medicina do Hospital Israelita Albert Einstein, destaca a sinergia do ambiente hospitalar e dos profissionais de saúde com o paciente e seus familiares no momento de escolha dos tratamentos adequados à doen-ça. Para ela, as relações humanas devem prevalecer sob qualquer aspecto físico. “A objetividade impessoal é um re-médio ineficaz.”

Para Yussif, a morte é inevitável, mas o sofrimento não. “Precisamos ter um marco legal para atuar profissional-mente e com nossos familiares para respeitar o que o pa-ciente quer quando vive uma situação tão definitiva como esta”, explica.

Ele cita dados americanos que apontam que 80% dos gastos com a saúde são apenas nos últimos 18 meses antes da morte do paciente. “Custo é um problema sério em todo o setor da saúde. Com o envelhecimento da população, va-mos ter cada vez mais casos de doenças crônico-degenera-tivas e essas enfermidades devem ser tratadas de maneira adequada, sem sofrimento e gastos que nem a família e nem a cadeia produtiva têm como arcar.”

De mesma opinião, Dadalto acredita que a maior parte dos gastos são gerados desnecessariamente por pacientes que ocupam leitos em hospitais, mas que deveriam estar sob cuidados paliativos. “Se houvesse uma abordagem maior sobre a morte digna, certamente os benefícios esten-deriam-se não somente ao doente, mas, também, ao siste-ma de saúde como um todo.”

09

Vontade respeitada

É dentro de seu congelador que a economista e especialista em gerontologia e envelhecimento, Elca Rubinstein, guarda seu testamento vital. Um local inusitado, mas de fácil acesso a ela e aos outros às suas vontades de pré-morte. “Isso é o meu empoderamento, é o que eu quero deixar. Desejo que as pessoas conheçam a minha vontade para que não haja dúvidas para ninguém. Nos Estados Unidos é muito comum as pessoas deixarem o testamento vital no congelador, en-tão, caso eu tenha algum acidente e vá ao hospital em emer-gência, todo mundo já sabe como agir”, explica.

Ela analisa suas escolhas anualmente, a cada aniversá-rio. Senta com seu procurador e com dois de seus três filhos para revisar cada diretiva, permitida ou não. A economista também acionou a Justiça para que a conversa sobre o tes-tamento vital seja levada a todas as instâncias.

Pesquisa

Durante o evento realizado em agosto, os participantes pu-deram responder a um questionário interativo e apontar um panorama preliminar de opiniões sobre testamento vi-tal e diretivas antecipadas do paciente. Para 53,7% dos en-trevistados é necessária uma lei que aborde claramente a morte digna; 45% dizem que o documento não precisaria de procuradores e/ou testemunhas caso fosse obrigatório um registro em cartório; e 82% são a favor da prevalência da vontade do paciente acima de qualquer vontade médica.

A FEHOESP disponibiliza o mesmo questionário, aberto a todo o público, em seu portal (www.fehoesp360.org.br). (Por Rebeca Salgado)

Luciana Dadalto, fundadora do portal

sobre testamento vital

Nise Yamaguchi, diretora do Instituto Avanços

do Hospital Albert Einstein

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É nesta tecla que bate incessantemente o ita-liano Marco Bobbio: “Temos exames demais, con-versa de menos”, afirma. Defensor da bandeira do slow medicine, ele diz que sempre foi, mesmo antes de conhecer o conceito, um médico “sem pressa”. O cardiologista, que desembarca no Bra-sil neste mês de outubro para participar da se-gunda edição do Conecta Saúde – Criando Valor, falou à Revista FEHOESP 360.

Saiba mais sobre o Conecta Saúde no site www.iepas.org.br.

FEHOESP 360: Como médico, quando o senhor descobriu ou começou a praticar o conceito da medicina sem pressa com seus pacientes?Marco Bobbio: Eu acho que sempre fui um mé-dico sem pressa, bem antes da expressão ser adotada. Depois da faculdade de medicina, es-pecializei-me em cardiologia e, em seguida, em estatísticas médicas. Esta última me deu a opor-tunidade de ler estudos científicos de maneira cuidadosa e entender os resultados das pesqui-sas clínicas para além de uma interpretação co-mum. Passei dois anos como fellow de pesquisa

nos Estados Unidos para estudar a validade de testes diagnósticos, entendendo a falácia de mui-tas interpretações feitas acerca de testes e raciocí-nios clínicos. Pessoalmente não faço a linha ofen-siva e, como médico, sempre procurei tratar meus pacientes evitando cirurgias ou procedimentos invasivos quando possível. Como cardiologista, sei perfeitamente que, em muitas situações, um médico tem de atuar de maneira rápida e eficaz. Mas muitas decisões requerem uma cuidadosa avaliação, integrando evidência científica, neces-sidades e expectativas do paciente. Eu sempre passo um longo tempo tentando entender as necessidades do paciente ao invés de sugerir um tratamento ou um procedimento de diagnóstico.

360: É possível aplicar a medicina sem pressa num ambiente cirúrgico?MB: A medicina sem pressa deve se tornar um modo de pensar dos cirurgiões, não durante a intervenção, mas quando eles decidem se vão operar um paciente, que tipo de procedimen-to aquele enfermo prefere, qual cirurgia sugerir. Um cirurgião sem pressa é um médico que está

POR ALINE MOURA

COLÓQUIO

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Muita tecnologia, pouca anamnese

PUC-

RS

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consciente dos limites da cirur-gia e de seu próprio modo de operar, que não ganha dinheiro com o número ou com a com-plexidade dos procedimentos executados e que está ciente dos riscos do seu próprio ego – quando ele enxerga sua pró-pria performance melhor do que mostram as estatísticas ou outro alguém. Para qualquer profissional da saúde, a prática sem pressa começa com a honestidade intelectu-al: uma interpretação sem viés e incondicional de seu próprio trabalho.

360: Qual a sua percepção sobre o ensino da me-dicina sem pressa nas escolas médicas? MB: Muitas escolas médicas são tecnológicas e não se voltam para o paciente. Elas orientam os estudantes a contar muito mais com os testes do que com a habilidade de interpretar dados, de tomar decisões e de se comunicar com pacien-tes e seus pares. Durante os últimos anos, tenho sido convidado, inúmeras vezes, para dar pales-tras para estudantes de medicina. Geralmente, os mais jovens estão interessados em medicina sem pressa, eles gostam de se envolver na discussão e eles estão ansiosos para entender os limites da profissão que eles estão abraçando. Por outro lado, os estudantes mais ve-lhos desprezam a filosofia da medicina sem pressa, como se ela estivesse fora de moda e incapaz de levar em conta a inovação e os avanços. Duran-te os anos, o pensamento dos estudantes é moldado para o foco na competitividade e na eficiência, desconsiderando a reflexão introspectiva, o diálo-go, o entendimento humano, a consciência crítica, a cultura da humildade e a empatia.

360: Em seu novo livro, “Trop-pa Medicina” (ainda sem tra-dução), tem um capítulo que menciona Steve Jobs e Tiziano

Terzani. O que essas persona-lidades têm em comum? O se-nhor pode antecipar esses deta-lhes aos leitores brasileiros?MB: Embora Steve Jobs e Ti-ziano Terzani tenham histórias pessoais diferentes (o primei-ro foi um inventor conhecido mundialmente, empresário e um designer industrial; o segun-do foi um jornalista e escritor italiano), ambos decidiram evi-

tar terapias médicas quando tomaram ciência de que a medicina não garantiria a prolongação de suas vidas, ainda sob o custo de sofrimento cau-sado por longos tratamentos. Ambos tiveram uma boa educação, estavam totalmente informados e tinham dinheiro suficiente para escolher e obter o melhor tratamento disponível no mundo. Mesmo assim, eles preferiram não serem tratados. Como foi dito por Dean Ornish, médico de Jobs: “Ste-ve era uma pessoa muito ponderada. Antes de decidir por não fazer uma cirurgia de maior por-te, ele gastou alguns meses se consultando com médicos e cientistas do mundo todo, bem como sua equipe de supermédicos. Foi sua decisão agir assim. […] Ninguém poderia ter sido mais pon-derado e inteligente para decidir sobre isso”. Já Terzani descreveu sua decisão e experiência em seu último livro (“One More Ride on the Merry-go-

-round”, disponível apenas em inglês), quando ele decidiu via-jar por diferentes culturas para descobrir a maneira como cada uma delas encara as doenças e os tratamentos, e moldar a sua própria visão de vida. “O objetivo da minha jornada – ele escreveu – não foi a cura para o meu câncer, mas para a doença que afeta a todos nós: a mor-talidade”. Terzani passou mui-tos meses em isolamento nas montanhas do Himalaia para meditar e trabalhar em seus últimos livros. Depois, retornou para casa, um vilarejo na Itália, para passar seus últimos meses de vida com mulher e filhos.

Sempre passo um

longo tempo

tentando entender

as necessidades do

paciente ao invés

de sugerir um

tratamento

ou procedimento"

A medicina sem

pressa deve se tornar

um modo de pensar

dos cirurgiões"

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Para o procurador do Ministério Público de São Paulo

há 31 anos, Arnaldo Hossepian, a judicialização

na saúde é, em muitos casos, criminosa

POR REBECA SALGADO

Constituição de 1988 instituiu uma gama de direitos sociais em prol do povo brasileiro, e compete ao Poder Executivo estabelecer as políticas públi-cas de modo a garantir esses direitos. Quando o governo não consegue ga-rantir o que a legislação vigente estabe-lece, o Poder Judiciário entra em cena.

Na saúde, não é diferente. A integra-lidade e a universalidade de um siste-ma falho levam ao aumento constante dos casos de judicialização, o que one-ra o setor como um todo. Nesse con-texto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do Fórum Nacional da Saúde, tem se manifestado de modo a

diminuir a quantidade de ações e deci-sões que, em pouco ou nada, auxiliam a melhora deste cenário.

O procurador do Ministério Públi-co Estadual de São Paulo (MPSP) há 31 anos, Arnaldo Hossepian Salles Lima Junior, recebeu a reportagem da Revista FEHOESP 360 para comentar

A

ENTREVISTA

Justiça é utilizada de

modo predatório

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o assunto e afirmou que há quem use o Judiciário de forma criminosa, além de destacar a indústria de liminares no Brasil. Reconduzido em setembro para um segundo mandato como conselhei-ro no CNJ, o magistrado atua também como supervisor do Fórum Nacional de Saúde, por meio da Comissão Per-manente de Acesso à Justiça e Cidada-nia do conselho. Foi, ainda, secretário--adjunto da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo entre 2010 e 2011. Confira:

Revista FEHOESP 360: Como é pos-sível garantir a universalidade e a in-tegralidade sem onerar e judicializar o sistema de saúde brasileiro?Arnaldo Hossepian: A judicialização de fato é um problema que cresce de forma intensa e exponencial, principal-mente na área de saúde pública. Não que na saúde suplementar não seja algo complexo, mas é diferente por-que transita em questões contratuais e direito do consumidor. No setor pú-blico, a saúde é algo direto, como rege a Constituição. Desde 2009, o CNJ se debruça nessa questão e concluiu que

é importante, de alguma forma, trazer qualidade para esse debate porque o juiz de direito conhece o Direito, mas não conhece questões relacionadas à saúde, não entende o que é ou não procedente. De fato, ele faz valer o pedido médico. No CNJ pensamos em um trabalho que pudesse qua-lificar a judicialização, construir algo que desse ao juiz a possibilidade de, diante de uma demanda, saber o que é ou não devido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Se é devido e o Estado não consegue oferecer, não há alternativa, o juiz vai judicializar.

360: E como dar esse respaldo ao magistrado?AH: Em setembro de 2016, foi cria-do um termo de cooperação com o Ministério da Saúde, onde propomos a criação de uma rede técnica virtual: o Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJus) – sistema presente em 20 Estados e que promove a inte-gração entre os tribunais de Justiça por meio de um banco de dados de pare-ceres e decisões, acessado somente pelo juiz de direito.

Para ter informações precisas, um dos hospitais de excelência no Brasil, o Sírio-Libanês, foi trazido para essa equação. No sistema, cada solicitação se transforma em uma nota técnica que forma o banco de dados de pare-ceres e estudos sobre uma determi-nada demanda. Quando o juiz recebe um requerimento, ele entra no sistema e consulta as decisões tomadas. Se o caso dele não tiver um estudo, pode ser pedido ao hospital de excelência

que o ajude na questão. Para um uso a- dequado, capacitamos periodicamen-te os magistrados em cursos a distân-cia. Cada tribunal tem um comitê com assento obrigatório de representantes da Secretaria Estadual de Saúde, do Conselho de Saúde do Estado, dos conselhos municipais, ordem dos Ad-vogados do Brasil (OAB), Ministério Pú-blico, magistrados, usuários do sistema público e privado de saúde e, quando possível, do Ministério da Saúde.

360: É exigido do juiz utilizar os parece-res desse banco de dados?AH: Nada é imperativo, é importante frisar isso: ninguém manda no juiz, fe-lizmente, porque vivemos um Estado Democrático de Direito. Não somos como os países vizinhos ou longín-quos que operam um sistema nada democrático e que o Judiciário fica submetido à vontade do governante de plantão. Felizmente, aqui isso não acontece e nem é missão do CNJ inter-ferir no exercício da jurisdição. O con-selho quer dar ao juiz a possibilidade de aferir se aquilo que foi pedido de fato é algo adequado para salvar ou melhorar a qualidade de vida de al-guém, ou se não há nenhuma evidên-cia científica, o que torna o processo fruto de uma manobra fraudulenta e criminosa. Temos notícias em grande escala a respeito disso.

Se é devido e

o Estado não

consegue oferecer,

não há alternativa, o

juiz vai judicializar"

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ENTREVISTA

todos esses protocolos precisam ser observados, mas questões como essas não chegam ao juiz. Agora, um con-traponto, se você identifica que numa região, como o Vale do Ribeira em São Paulo, onde em determinadas cidades há falta de dipirona, procura-se resol-ver pela via negociada, esvaziando o Judiciário daquelas demandas que são propostas de forma individualiza-da e não resolvem o problema de for-ma estruturante.

360: Em maio deste ano, o Supremo Tri-bunal de Justiça (STJ) suspendeu todos os processos judiciais em tramitação no país que pedem o fornecimento de re-médios que não estão na lista oficial do SUS. Por outro lado, há uma certa moro-sidade por parte da Comissão Nacional de Incorporação de Novas Tecnologias (Conitec) na incorporação de novos me-dicamentos. Isso contribui para as judi-cializações?AH: Não se deve criticar a Conitec in-devidamente, porque desde quando ela surgiu (2011) até hoje já incorporou 64% dos procedimentos e medica-mentos propostos. O serviço de saúde mais desenvolvido do mundo, que é o inglês (Nice, fundado em 1951), in-corporou cerca de 83%. Ainda que a comissão não tenha tempo hábil para aferir a evidência científica de um de-terminado medicamento, é possível

que experts tenham uma informação precisa de que aquele remédio que está fora do SUS tem sim uma capaci-dade terapêutica maior dos que os que já estão incorporados e, aí, definitiva-mente, sem falsa modéstia, o NATJus torna-se uma ferramenta ideal para solucionar esse caso. Mesmo que não incorporado, se algo é importante para salvar uma vida, o Estado vai dar e deve dar. Essa é a judicialização estruturan-te, a boa judicialização.

360: Leva-se em média 12 anos para se concluir uma ação jurídi-ca, segundo o CNJ. A Justiça tardia também é injusta? AH: O sistema recursal ainda é muito rebuscado. Para que haja mudanças, todos os operadores do sistema de Justiça devem es-tar dispostos. Evidentemente que o número de processos cresceu de modo exponencial nos últimos 30 anos. Com a possibilidade de discutir o mesmo tema em quatro esferas, não há como ser diferente.

Para operar numa lógica mais racional, todos precisam estar envolvidos na diminuição das taxas de congestiona-mento nos tribunais.

360: O senhor é a favor dos altos salá-rios do Judiciário?AH: Primeiro que não há altos salários, essa é uma mistificação brutal. A remu-neração máxima no Poder Judiciário, a título de salário, é de aproximada-mente R$ 33 mil, que é o salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Como procurador de Justiça ga-nho, como salário, 90,25% desse valor mais uma verba de gabinete e auxílio moradia, o que me possibilita chegar próximo a esse teto. É importante que se diga porque é cansativo ouvir esse tipo de alegação. Há também os gran-des pagamentos, como o caso de um juiz do Mato Grosso que recebeu R$

360: O Ministério da Saúde divulgou re-centemente um gasto anual de R$ 7 bi-lhões em decorrência de ações judiciais no âmbito da União, Estados e municí-pios. O senhor acredita que haja uma indústria de liminares na saúde?AH: O que existe é quem use a Justiça de modo predatório, de forma crimi-nosa mesmo. Há demandas onde as receitas subscritas pelo médico sequer observam a legislação vigente. É claro que o médico pode escolher o nome do medicamento, mas ele deve co-locar a nomenclatura ordinária na-cional ou internacional, inclusive o elemento ativo daquele fármaco que está prescrito para que se sai-ba se não há um similar no sistema de saúde. Investigações criminais revelam que há uma indústria de liminares e há quem use o Judici-ário até mesmo para desenvolver medicamentos em determinados locais do país. Se chega ao juiz um laudo médico que se ele não apro-var o medicamento X o paciente sucumbirá e o magistrado não tem informação contrária, ora, é razoável que ele confira o direito ao uso desse medicamento. Nós precisamos com-bater isso.

360: Não seria mais fácil incorporar, principalmente no âmbito do SUS, os procedimentos e remédios que mais são judicializados?AH: Eu não posso obrigar a incorpora-ção porque ela segue alguns protoco-los, mas, judicialmente, posso dizer, com base em evidências, que se algo se revela bom para determinada cau-sa vou deferir. Há medicamentos que necessitam de refrigeração e aplicação adequada, e a pura e simples entre-ga desse remédio de altíssimo custo ao paciente não vai melhorar a saúde dele, porque o fármaco vai se deterio-rar rapidamente, ou pode ser admi-nistrado de forma equivocada, então

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Ninguém manda

no juiz, felizmente,

porque vivemos um

Estado Democrático

de Direito"

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500 mil. Em um determinado momen-to histórico o Estado ficou devendo para ele e os tribunais de Justiça têm autonomia para efetuar o pagamen-to dos passivos de acordo com a sua responsabilidade orçamentária. Eu di- ria que é inadequado pagar esse valor diante da crise que estamos, mas é direito, é devido, então, paga-se. Uma pessoa, no seu emprego na iniciativa privada, se for demandar na Justiça do Trabalho e tiver um passivo a receber, vai receber ou abrir mão disso? É claro que vai receber. O importante é des-mistificar essa conversa e aquilo que é inadequado, deve ser corrigido.

360: Mas como explicar tantos benefí-cios e auxílios?AH: O auxílio moradia está previsto desde 1979 na Lei Orgânica da Magis-tratura. Eticamente é reprovável? Sim, da maneira que está posto constrange o juiz, o promotor. Só que quando o au-xílio moradia surge por meio de liminar e como uma forma de confortar o juiz de Direito e o promotor de Justiça, que se tivesse recebido à luz do artigo 37 da Constituição Federal todas as atualiza-ções salariais de sua remuneração, de-veria estar ganhando hoje cerca de R$ 47 mil, deu-se o auxílio moradia como uma forma de contemplar os magistra-dos e membros do Ministério Público na ativa.

360: O senhor já atuou como secretá-rio-adjunto de Segurança Pública em São Paulo. Acredita que o proble-ma da cracolândia é de seguran-ça pública ou deveria ser tratado como uma questão de saúde?AH: Ambos. É um problema que guarda também uma relação com estrutura familiar. Quan-do falo de internação com-pulsória preciso pensar na internação e na ressociali-zação do indivíduo na so-

ciedade, para que ele tenha uma sen-sação de pertencimento. Sem isso é difícil uma solução. É ainda uma ques-tão de polícia porque temos traficantes que se aproveitam da vulnerabilidade das vítimas.

360: Tendo em vista o aumento dos casos de feminicídio e violência con-tra mulher, como o senhor vê a porta-ria n° 54/2016, que trata da tramita-ção prioritária de medidas protetivas? Como isso funciona atualmente?AH: O CNJ tem um protagonismo importante nisso, com um trabalho ativo no sentido de sensibilizar o juiz que esse é um tema que deve ser cada vez mais exercitado e divulga-do, porque passa por uma questão

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Se algo é importante

para salvar uma vida,

o Estado deve dar.

Essa é a boa

judicialização"

cultural da nossa sociedade. Há de se ter mudanças de lei, pois o juiz fica pre-so numa vulnerabilidade técnica em questão do que é o estupro, por exem-plo. A legislação é fraca quanto a isso. É odioso e absolutamente reprovável.

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Númerosque não resolvem

Quantidade de cursos de medicina aumenta, mas não é a solução

para a saúde no Brasil

POR ELENI TRINDADE

Respeito e admiração são qualificações associadas aos médicos, afinal é nas mãos desses profissio-nais que as pessoas entregam suas vidas. Mas essa profissão, fundamental para a sociedade, corre o risco de ter seu desenvolvimento e sua confiança abalados por falta de planejamento en-quanto o governo federal continuar autorizando novos cursos de medicina. O poder público vem ignorando a opinião de especialistas que defen-dem que o Brasil precisa muito mais de gestão e distribuição dos recursos humanos que já exis-tem do que de uma geração numerosa de médi-cos formados sem o devido cuidado.

A mais recente leva foi anunciada no início de agosto, com a abertura 710 vagas em 11 cursos de medicina nas cidades de Campo Mourão e Pato Branco (PR); Angra dos Reis (RJ); Novo Hamburgo e São Leopoldo (RS); e Araras, Guarulhos, Mauá, Osasco, Rio Claro e São Bernardo do Campo (SP). Esse número é apenas parte de um total de 2.305 vagas que ainda serão abertas em todo o país. De acordo com o Ministério da Educação (MEC), em breve outro edital será lançado para contemplar as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Todas essas vagas estão determinadas em 36 autorizações previstas no 1º Ato de Credencia-mento e Autorização dos Cursos de Medicina, do edital nº 6/2014. No anúncio da medida, o ministro da Educação, Mendonça Filho, afirmou

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que “existe uma demanda para que profissionais médicos sejam formados nas mais distantes regi-ões do Brasil”. Segundo ele, a existência de mais cursos de medicina “possibilitará a ampliação do atendimento e a melhoria no acesso da popula-ção à saúde”.

Porém, líderes diretamente ligados ao dia a dia do ofício médico são contra a ideia de que novos cursos de medicina podem significar uma solu-ção para o quadro brasileiro da saúde. “A grande questão é a forma como se abrem esses cursos no Brasil. Toda faculdade é bem-vinda, desde que tenha professores e currículos gabaritados, forneçam campo de estágio e tenham hospitais--escola”, afirma Yussif Ali Mere Junior, médico e presidente da FEHOESP.

Para Lucio Flavio Gonzaga, coordenador da Câmara Técnica de Ensino Médico do Conselho Federal de Medicina (CFM), a criação de novas faculdades é um diagnóstico equivocado que o governo faz da realidade do país. O primeiro erro, segundo ele, é acreditar que faltam médicos. De acordo com o estudo Demografia Médica 2015, maior pesquisa brasileira sobre o tema, em ou-tubro daquele ano, época de seu lançamento, tínhamos 399.692 médicos e uma população de 204.411.281, o que correspondia a 1,95 médicos por mil pessoas, acima, portanto, do que é pre-conizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A entidade diz que é adequado que exista um médico para cada grupo de mil habitantes.

Hoje, segundo dados disponíveis na seção de Estatística do site do CFM e na página principal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que há um total de 443.371 mé-dicos para 207.981.911 brasileiros. Dessa forma, atualmente são, aproximadamente, 2,13 médi-cos por mil habitantes.

A tendência de aumento no número de profis-sionais de medicina vem se mantendo ao longo dos anos: de 1970 até 2015 o incremento foi de 633%. No mesmo período, a população cresceu 116%. O CFM calcula que essa razão em poucos anos passará a ser de quatro médicos por mil ha-bitantes devido à proliferação de cursos.

“A importância de existir um número maior de médicos é inquestionável, mas à medida que há mais profissionais sem estrutura, essa iniciativa torna-se inócua porque o médico não trabalha

sozinho. Ele precisa de uma equipe multidiscipli-nar e de equipamentos”, destaca Yussif.

Cuidado com a formaçãoNa análise de Paulo Carrara, diretor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, o aumento de vagas pode até ser bom para au-xiliar o Brasil a ter uma densidade maior de mé-dicos, próxima à de países desenvolvidos. Mas, segundo ele, há ressalvas. “É preciso tratar de dois outros aspectos sem os quais esse aumen-to de profissionais pode ser ineficaz: o mercado de trabalho, principalmente do Sistema Único de Saúde (SUS), e a qualidade do ensino que lhes foi proporcionada.”

Para ele, o cuidado com a formação é impres-cindível. “Não há, efetivamente, a quantidade de docentes qualificados necessária para garantir a boa formação dos alunos. A consequência, sem dúvida, será observada após a graduação dos es-tudantes e na sua atuação dentro dos serviços”, ressalta.

Crer que a faculdade de medicina é capaz de fixar o médico na cidade onde ela vai ser criada é um segundo equívoco. “Exis-te um problema de distribuição ge-ográfica dos médicos, que estão mais concentrados nas grandes cidades e não vão para locais mais distantes”, diz Gonzaga. Dados divulgados pelo Fórum

Paulo Carrara, diretor da Faculdade de Medicina da Santa Casa de SP

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Mineiro para Elaboração do Código de Ética dos Estudantes de Medicina, em fevereiro deste ano, mostram essa realidade: em 39 cidades com mais de 500 mil habitantes estão 30% da população brasileira e 60% dos médicos. Além disso, 4.932 municípios brasileiros somam 31.500 profissio-nais de medicina, enquanto em apenas uma ci-dade, São Paulo, existem 55 mil médicos.

O coeficiente brasileiro relativo à razão médi-co por mil habitantes, levantado pelo estudo De-mografia Médica, mostra mais claramente ainda essa má distribuição dos profissionais pelo país. No Norte, que tem a menor média, a razão é de 1,09 médicos/mil habitantes, e no Nordeste, 1,3. No Sudeste a média é 2,75, seguida pelo Centro--Oeste, com 2,20, e pelo Sul com 2,18.

As unidades federativas com maior densidade de profissionais de medicina são o Distrito Fede-ral (4,28), Rio de Janeiro (3,75) e São Paulo (2,7). O Maranhão é o Estado com a menor razão mé-dico/mil habitantes: 1,14. “Basicamente é como se o Brasil quisesse fazer viagens interplanetárias e formasse astronautas em escolas em um de-terminado local, esperando que, a partir apenas daquela ação, surgisse uma estação interplane-tária naquele lugar e as viagens acontecessem. É um equívoco brutal”, afirma José Luiz Gomes do Amaral, recém-eleito presidente da Associação Paulista de Medicina (APM).

Proliferação acelerada O Brasil tem hoje 294 escolas médicas, 57% de-las privadas, de acordo com dados da Associa-ção Brasileira de Educação Médica (Abem). Em São Paulo, com 55 escolas, a proporção de ins-

tituições privadas é mais acentuada, totalizando 70%. O CFM projeta que até 2018 o Brasil terá 303 escolas.

Para o bom funcionamento de uma faculda-de de medicina devem ser seguidas as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina do MEC. No entanto, com a proli-feração rápida de universidades, surgem muitas dúvidas sobre a qualidade dessa formação. Entre as diretrizes está, por exemplo, que a estrutura do curso deverá “inserir o aluno precocemente em atividades práticas relevantes para a sua futura vida profissional”.

Em seu site, o MEC diz que os estudantes “de-verão prezar pela adoção de diferentes cenários de ensino-aprendizagem”. Afirmação essa que entra em conflito com as diretrizes que estabele-cem que é o curso o responsável por essa inser-ção. “Muitas das novas vagas não preenchem os requisitos estabelecidos pelo próprio MEC. Várias estão em municípios muito pequenos, que não têm hospital adequado para assistência, e sem condições para formar bem os profissionais”, sa-lienta Lucio Flavio Gonzaga.

Ainda há muito mais exemplos sobre os pro-blemas que o excesso de cursos pode trazer. De acordo com o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), alguns pontos da lei federal n° 12.871/2013, criada pela porta-ria nº 982, de 25 de agosto de 2016, que institui o Programa Mais Médicos e estipula critérios na criação de novas vagas, acabam não sendo cum-pridos, como a existência de redes de atenção à saúde pelo SUS. Segundo o CFM, dos 42 municí-pios que receberam escolas médicas de janeiro de 2013 a julho de 2015, 60% não atenderam à

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Florentino Cardoso, presidente da AMB

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AMB

previsão legal de cinco leitos do SUS para cada aluno de medicina matriculado. O Cremesp, in-clusive, constatou, em fiscalizações feitas em 2015, que escolas já existentes não têm a estrutu-ra mínima necessária para o ensino apropriado, porque não têm hospitais-escola para a prática médica, nem um corpo docente qualificado e em número adequado.

Enquanto o governo repete que a abertura de cursos é uma solução, deixa de lado medidas que poderiam mudar a situação da saúde no Brasil. Em todos os países em que a razão de médicos é semelhante à brasileira, de acordo com o CFM, “há um conjunto de ações que coloca a saúde como prioridade dentre as políticas de Estado, com maior financiamento público, investimento em infraestrutura e recursos humanos e gestão moderna, eficiente e transparente”.

Questão de qualidade O mecanismo criado para verificar a qualidade do ensino e da preparação que as faculdades de medicina proporcionam aos estudantes é a Avaliação Nacional Seriada dos Estudantes de Medicina (Anasem). Prevista na lei n° 12.871, ela tem como objetivo “avaliar os estudantes de gra-duação em medicina, do segundo, quarto e sexto anos, por meio de instrumentos e métodos que considerem os conhecimentos, as habilidades e as atitudes previstas nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina”.

Após a prova, os estudantes recebem seus re-sultados individuais posicionados em uma escala de proficiência. A interpretação do desempenho fica situada em um dos três níveis estabelecidos: básico, adequado e avançado. O participante recebe a média de desempenho da sua turma e

a média nacional dos estudantes que fizeram a avaliação no mesmo período. Na primeira e mais recente edição da prova, de caráter obrigatório e feita no fim do ano passado, aproximadamente 91% dos estudantes que participaram foram clas-sificados no nível adequado de proficiência; 6,9% ficaram no básico e 1,9% no avançado.

Embora concorde com o formato da Anasem, Florentino Cardoso, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), ressalta que ele preci-sa ser melhorado. “A avaliação realmente deve ser seriada, como está sendo praticada, porque o estudo de medicina é dividido em ciclos, mas as escolas que são mal avaliadas não sofrem ne-nhuma consequência. Elas simplesmente preen-chem uma papelada garantindo que vão melho-rar, mas, no ano seguinte, apresentam o mesmo desempenho fraco”, critica. “Temos visto médicos formados inadequadamente e cada vez mais te-mos problemas nos conselhos regionais relacio-nados à pratica médica.”

De acordo com o MEC, as instituições autori-zadas a criar novas vagas de medicina “passaram por rigorosas fases de habilitação e classificação, nas quais foram averiguadas a habilitação da mantenedora, análise da experiência regulatória da mantenedora e da mantida e análise e clas-sificação das propostas”. Além disso, segundo a pasta, todos os novos cursos recém-lançados serão monitorados nos próximos três anos, com visitas anuais para aferir a qualidade e a entrega dos compro-missos firmados com o MEC para formação discente e a capaci-dade de cada instituição.

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Para autorizar a abertura, o MEC informa que consultou o Ministério da Saúde para “identificar os municípios aptos a receber os novos cursos de medicina. Entre os critérios, baseados na lei nº 12.781, estão a necessidade da região, a infraes-trutura da instituição de ensino e a relação de nú-mero médico/habitante. O município precisa ter um hospital com mais de 80 leitos no SUS e com potencial para hospital de ensino”.

Mas isso não tem sido o suficiente para ga-rantir a qualidade do ensino médico. Ainda será necessário avançar muito mais nesse campo para melhorar a qualificação da formação desses pro-fissionais. “A avaliação precisa ser feita em múlti-plas dimensões, analisando desde as instalações físicas, equipamentos, professores, aprendiza-gem até se está vinculado a uma instituição de saúde própria ou conveniada capaz de oferecer cenário adequado de treinamento para esses alu-nos”, enumera José Luiz Gomes do Amaral, para quem uma avaliação não pode constatar uma insuficiência e simplesmente deixar as pessoas saírem para vida profissional com defasagem. “É inadmissível que se permita que médicos repro-vados em exames da categoria possam exercer a profissão”, critica.

O problema da má formação se estende, ain-da, para uma das etapas preponderantes da vida acadêmica do médico: a residência. Mesmo con-siderando um fato positivo que a lei 12.871/2013 tenha trazido a possibilidade de formar mais mé-dicos, levando muitos desses profissionais a lu-gares onde eles não chegavam, o vice-presidente da Abem, Geraldo Cunha Cury, destaca que pre-cisa haver um limite. “Para que o médico se fixe em um determinado local, a residência é muito mais eficaz do que o curso de medicina. Só que para existir residência são necessários hospitais adequados. Coisa que, infelizmente, em muitos lugares do Brasil não existe”, lamenta.

“Essa questão ainda está longe de uma solução porque, além da má formação na escola de medicina, dificil-

mente os estudantes terão acesso ao treinamen-to único proporcionado pela residência, porque as vagas são em número muito menor do que a quantidade de estudantes, que só aumenta a cada ano”, alerta Yussif.

A residência médica foi instituída pelo decreto nº 80.281, de 5 de setembro de 1977, como uma modalidade de ensino de pós-graduação para os médicos, sob a forma de curso de especiali-zação. Funciona em instituições de saúde, sob a orientação de profissionais médicos, sendo considerada o “padrão ouro” da especialização. O mesmo decreto criou a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM). O Programa de Resi-dência Médica, se cumprido integralmente em uma determinada especialidade, dá ao médico residente o título de especialista. A expressão “residência médica” só pode ser empregada para programas que sejam credenciados pela CNRM. “Esse ciclo, além de acarretar a má qualidade na assistência médica, afeta a sustentabilidade da saúde porque o médico malformado com menos condições técnicas de fazer diagnósticos começa a usar mais recursos terapêuticos e de diagnose do que é necessário, o que eleva os custos, geran-do a insustentabilidade do nosso já combalido sistema”, conclui Yussif.

Para Yussif, "é preciso estrutura e qualidade na formação médica"

APM

José Luiz Gomes do Amaral, presidente da APM

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Para onde vamos?

A ssim como vários setores produtivos bra-sileiros, o de saúde suplementar também sofreu severas consequências nos últimos dois anos, devido à crise político-econômica. Entre setem-bro de 2015 e o mesmo mês de 2016, a queda no número de beneficiários foi de 1,33%. Nos últi-mos 18 meses, 1,9 milhão de pessoas saíram dos planos de assistência médica. As razões são diver-sas, desde o aumento do desemprego à queda na renda das famílias brasileiras. “O desempenho do setor tem sido preocupante. Se continuar assim, ele não se sustentará daqui dez anos e o acesso à saúde suplementar será para poucos”, declarou o presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Reinaldo Scheibe, durante evento realizado em agosto, em São Paulo.

Para ele, a aparente recuperação do país é lenta, mas importante, e este é o momento para se pensar no futuro e como o setor chegará lá. “O ciclo recessivo do país atingiu a todos e severa-mente o segmento privado da saúde. É preciso um debate nacional em torno de medidas a se-

rem tomadas diante deste cenário. A busca por resultado e qualidade tem de ser constante e esse é um dos desafios e compromissos do setor ao oferecer um produto tão desejado à população.”

O combate ao desperdício, às fraudes e à judi-cialização e a busca pela eficiência e sustentabili-dade são outros obstáculos a serem enfrentados. “Este setor é formador de opinião, pela sua re-presentatividade no produto interno bruto (PIB), pela geração de empregos. A cadeia da saúde suplementar emprega aproximadamente 3,3 mi-lhões de pessoas, o que representa 7,6% da força de trabalho no Brasil, em 2016. E, principalmente, pela significância do que trata: a vida humana”, declarou o CEO do Bradesco Saúde, Manoel Pe-res, que lembrou ainda que “crises econômicas fazem com que a escolha de investimento fique mais difícil”.

Então, como tomar as melhores decisões em saúde com os recursos disponíveis, conside-rando tempo e dimensão? “Fazendo escolhas coletivas e exigindo a responsabilidade de cada

Ciclo recessivo do país atinge a saúde suplementar, que precisa ser mais eficiente

POR FABIANE DE SÁ

GESTÃO

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agente e usuário dos serviços”, ponderou Lean-dro Fonseca, diretor-presidente substituto da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), para quem muito se fala dos problemas do setor e que isso é bom para corrigir os rumos. “É bom lembrarmos que a saúde faturou o ano passado R$ 161 bilhões, porém, a cada R$ 100, R$ 85 des-tinam-se às despesas assistenciais. Foram mais de um bilhão de atendimentos entre consultas, exames e internações.”

Entre os diversos desafios, ele ressaltou ser responsabilidade de todos os atores do sistema a eficácia do setor. “Saúde é um tema que pode e deve envolver outros players, chamar atenção do governo e da sociedade. Todos precisam se engajar, pensar para frente para o que precisa ser feito.”

Atenção redobrada

Na opinião de Helton Freitas, presidente da Segu-ros Unimed, a saúde suplementar precisa ser vis-ta com mais cuidado, pois alivia a pressão sobre o acesso e o cuidado secundário na saúde pública. Entretanto, nem o setor público, nem o privado têm atendido às expectativas da população. “No Brasil, os custos estão altos e há muita ineficiên-cia. Não alocamos recursos onde teria mais im-pacto para a sociedade.”

Para ele, o modelo assistencial atual é fragmen-tado e depende de tecnologias caras, levando ao mau uso, desperdício, fraudes, excesso de prescri-ções que resultam em judicialização. "Se o atual modelo não for repensado logo, a situação tende a se agravar ainda mais graças ao envelhecimento da população e ao pacto geracional”, comentou.

Em 2030, segundo Freitas, os beneficiários com idade acima de 60 anos responderão por quase metade de todo o custo do setor. Para o executi-vo, este é o ponto nevrálgico da saúde suplemen-tar brasileira. “Os idosos representarão 20,5% da carteira da saúde suplementar e responderão por 47,2% do custo total projetado para o segmento. O gasto para essa faixa etária deve ser de R$ 78,2 bilhões, com crescimento esperado de 126% na comparação com o apurado em 2014. Na compo-sição dos gastos assistenciais, o item com maior crescimento em 13 anos deve ser a internação hospitalar.”

E como o sistema se sustenta a partir de uma base coletiva de pagantes que financia o uso por poucos, é importante que haja entre os benefici-ários uma grande parcela das faixas etárias mais jovens. “É isso que garante o custeio global e as mensalidades praticadas para as faixas mais al-tas, que são as que mais consomem assistência”, relatou Freitas.

Mas como oxigenar o setor se, com as dificul-dades econômicas e o desemprego, os planos de saúde têm perdido beneficiários, e são justa-mente os mais saudáveis os primeiros a abando-nar o plano?

Para Claudio Lottenberg, presidente da United- Health Group Brasil, existem algumas mudan-ças urgentes a serem feitas, como a ineficiência técnica (desperdícios), produtiva e de alocação (cálculo errado de demanda) e compra errada de recursos. “A transformação deve ser pensada em longo prazo, aumentando a eficiência dos servi-ços prestados, diminuindo os desperdícios e pen-sando na saúde como investimento.”

Como solução, o médico defende flexibilizar a segmentação assistencial, reestruturando o modelo de acesso conforme disponibilização de infraestrutura, rever os modelos de remuneração da prestação de serviços, assim como prazos de atendimento, dar transparência a preços de in-sumos, além de introduzir novos esquemas de fi-nanciamento da saúde. “Nosso sistema de saúde atualmente não consegue cumprir suas funções, por isso é tão importante a mudança. Modifica-ções devem ser feitas para a sustentabilidade do setor. Tudo isso levando em conta o papel de cada um na cadeia da saúde suplementar, o que é fundamental na transição, evolução e sustentabilidade do mercado”, concluiu.

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Helton Freitas, presidente da Seguros Unimed

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Claudio Lottenberg, presidente da UnitedHealth Group Brasil

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Por uma nova

relação trabalhista

Às vésperas de entrar em vigor, a nova legis-lação trabalhista brasileira vem exigindo aten-ção especial por parte das empresas e gerando expectativas em relação às mudanças, especial-mente para o setor prestador de serviços em saú-de e suas muitas particularidades.

A lei nº 13.467, sancionada em 13 de julho pelo presidente Michel Temer e publicada no dia se-guinte no Diário Oficial da União (DOU), começa a valer de fato no dia 11 de novembro. Enquanto isso não acontece, os gestores devem se adaptar ao novo cenário, além de ficar atentos aos próxi-mos passos do governo, já que até lá alterações ainda podem ocorrer por meio de medida provi-sória (MP).

“Esse tema trabalhista vem sendo discutido há muito tempo no país, sem que nunca tenha sido tomada medida alguma para melhorar a si-tuação. E essa atitude foi tomada agora, só que nós precisamos saber exatamente quais as suas implicações”, afirma o presidente da FEHOESP, Yussif Ali Mere Junior. A opinião do dirigente reve-la, na verdade, a cautela de todo um setor empre-

sarial, já acostumado com as dificuldades históri-cas nessas relações.

De acordo com Marlos Augusto Melek, juiz fe-deral do Trabalho do Tribunal Regional do Traba-lho do Paraná (TRT9), e que fez parte da equipe de redação final da reforma trabalhista, em Brasília, a nova lei é uma conquista para o país. “Nós fo-mos plurais, redigimos uma legislação que é hoje a mais moderna do mundo para regulamentar as relações de capital e trabalho, em relação ao que conseguimos mudar. Muitos percalços ainda permaneceram, porque nem tudo pôde ser feito, mas eu posso assegurar que é uma legislação ex-tremamente moderna”, defende.

O juiz, que participou em agos-to de um evento promovido pela FEHOESP para discu-tir os possíveis impactos da nova reforma para o país, lembra que são

Reforma promovida pelo governo mobiliza empresas

POR RICARDO BALEGO

LEGISLAÇÃO

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Marlos Melek, juiz federal do Trabalho

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diversos os avanços na área. “A antiga lei traba-lhista é uma norma de 1943, que trata desiguais de forma igual. Mas a nova medida prestigia a meritocracia, a liberdade, a simplificação e a se-gurança jurídica”, aponta.

Segundo o ex-ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e atual diretor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Pedro Paulo Teixeira Manus, que também participou do encontro, “todos os seto-res, tanto os que são favoráveis à reforma, quanto os que já se manifestaram contrários, aguarda-vam a nova lei, porque todos nós sabemos da necessidade de mudança e atualização da legis-lação do trabalho”.

Judicializando relações

Fazendo um paralelo com a judicialização na saú-de, outro problema do setor, o presidente da Fe-deração lembra que, antes mesmo disso, temos uma judicialização das relações do trabalho no Brasil. “Somos o país que tem 80% das reclama-ções trabalhistas do mundo e isso não pode ser normal”, afirma Yussif.

Melek concorda, destacando que “o Direito do Trabalho é apenas a ponta do iceberg da hostili-dade pela qual o Estado brasileiro trata qualquer empreendedor”. Segundo o magistrado, o Brasil tem 11 mil novas ações trabalhistas por dia, e, nesse sentido, a reforma pode ajudar a diminuir a quantidade de processos. “Existe hoje uma in-dústria de ações trabalhistas no Brasil, que não é republicana e, muitas vezes, é imoral. E a nova lei trabalhista fratura esse sistema", denuncia. Além disso, existe atualmente uma taxa de congestio-namento e não solução dos processos de 86,6% dos casos. “O Judiciário custa R$ 80 bilhões por ano, em todas as suas áreas, para resolver apenas 14% de tudo que entra”, argumenta o juiz.

Para Pedro Manus, o tema ainda deve ser ana-lisado à parte de posições políticas e ideológicas. “A legislação, como está posta até hoje, não aten-de absolutamente à multiplicidade de situações que a relação patrão e empregado oferece. O problema é que nós não conseguimos nos des-prender de posições pessoais, políticas e partidá-rias para avaliar qualquer fenômeno. E isso é um problema em desfavor do trabalhador”, pondera.

Principais pontos

A reforma trabalhista traz importantes mudanças na relação entre capital e trabalho no país. Den-tre elas, pode ser destacada a figura do negocia-do em relação ao legislado, onde as convenções ou acordos coletivos firmados terão prioridade. “Apostamos que os sindicatos, de forma dinâmi-ca e de tempos em tempos, podem renovar as condições de trabalho e prever os reajustes das categorias”, justifica Marlos Melek.

A terceirização da atividade-fim também pas-sa a ser permitida, o que significa poder contratar mão de obra por meio de uma empresa que ofe-rece o serviço, desde que a mesma tenha regis-tro no Ministério do Trabalho. “O que não pode é ‘pejotizar’, transformar o trabalhador em uma empresa para pagar a nota fiscal. Isso não é aceito pela lei atual e nem será aceito pela norma nova.”

Há a regulamentação do teletrabalho, onde o pagamento vai depender de negociação entre as partes, e a jurisdição voluntária, que dispensa que o trabalhador desligado faça a homologação do Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho (TRTC) em seu sindicato.

Existem ainda mudanças importantes com re-lação a trabalho a tempo parcial, banco de horas, simplificação de rescisão contratual, contribui-ção sindical, férias, intervalos intrajornada e equi-paração salarial, entre outras. Acesse o site www.fehoesp360.org.br e confira as principais mudan-ças nas relações de trabalho com a refor-ma trabalhista destacadas pelo depar-tamento Jurídico da FEHOESP.

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“Temos 80% das reclamações trabalhistas do mundo e isso não pode ser normal”, afirma Yussif

Pedro Paulo Manus, ex-ministro do TST

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10 Mandamentos: do país que somos para o Brasil que queremosEditora Topbooks 199 páginas1ª edição – 2017R$ 32,93

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Brasil vive uma das piores crises da sua his-tória. O Estado está quebrado, há uma descon-fiança geral da população com a classe política e até as instituições democráticas estão com a credibilidade afetada. A corrupção transformou--se em um mal crônico. A máquina pública foi do-minada por um cartel de políticos e empresários ladrões. O “petrolão” é o retrato mais expressivo dessa realidade. Em 2010, a Petrobras era uma das maiores empresas de petróleo do mundo. Seu valor de mercado beirava os US$ 300 bilhões. Hoje, tornou-se uma das companhias mais en-dividadas do planeta e passou a valer menos de US$ 40 bilhões.

Foi no governo de Dilma Rousseff que o Brasil registrou a maior crise político-econômica desde a redemocratização, em 1985. O tripé da política monetária – superávit primário, meta de inflação e câmbio flutuante – foi substituído pela conta-bilidade criativa do governo para maquiar a rápi-da deterioração das contas públicas e reeleger a presidente. Resultados (além do impeachment):

O o superávit primário desapareceu, a inflação dis-parou e rompeu o teto dos 10%, o déficit público triplicou em cinco anos, o desemprego atingiu níveis estratosféricos e registrou-se o mais baixo crescimento do produto interno bruto (PIB) des-de a independência, em 1822.

Atualmente, os brasileiros sentem na pele, e na falta de empregos e oportunidades, o custo de um Estado lento, ineficiente e caro, que taxa 44% do PIB e tem um dos piores índices de desenvol-vimento humano (IDH) quando comparado a pa-íses semelhantes, como México (que taxa 19% do PIB) e Chile (20% do PIB). Além disso, esse Estado oferece a seus cidadãos um dos piores serviços públicos do mundo, destinando apenas 1% do que arrecada para investimentos. O restante ser-ve apenas para financiar os gastos públicos.

As crises de cidadania, gestão pública e de liderança política que o Brasil atravessa são mi-nuciosamente detalhadas na obra recém-lança-da “10 Mandamentos: do país que somos para o Brasil que queremos”, de autoria do cientista po-lítico Luiz Felipe D’Avila. Além de um diagnóstico preciso dos problemas atuais, o autor atribui ao presidencialismo – e ao populismo em especial – uma das principais causas da falência nacional.

Dos 128 anos de regime republicano no país, 80 deles foram governados por populis-

tas e demagogos, que utilizaram as instituições democráticas como

instrumentos para legitimar o mando pessoal. Nesse processo, bons projetos públicos foram in-terrompidos. Os erros e acertos,

que deveriam servir para apri-morar, melhorar e propor novas

políticas públicas, foram descarta-dos e o funcionamento da livre inicia-

tiva e do mercado foi deturpado. O sucesso

As escolhas certas para o

Brasil que queremos

POR ANA PAULA BARBULHO

RESENHA

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dos populistas nas urnas acontece por dois fato-res, segundo D’Avila: ignorância da população e por oportunismo da elite, guiada pela “Lei de Ger-son”, ou seja, incapaz de agir sem receber alguma vantagem ou benefício público.

O Estado corporativista e patrimonialista, po-rém, faliu. A Constituição de 1988 criou um país garantidor de privilégios, benefícios e reservas de mercado. E esse Estado é inviável financeira-mente e economicamente, problema agravado com o envelhecimento populacional que avança a passos largos. A conta não fecha. O Brasil fez es-colhas erradas e vai precisar se adaptar à nova re-alidade, onde as estruturas hierarquizadas estão perdendo relevância e poder. E é nesse contexto e nas visões históricas contrastantes do Brasil que o autor propõe soluções, ou dez mandamentos, como intitulou.

D’Avila defende a transformação do Estado assistencialista que temos para um prestador de serviços. Para reduzir o tamanho desse Estado e dar mecanismos para que a população possa avaliar melhor o desempenho dos governantes, a descentralização do poder e a delegação de mais recursos e autonomia para Estados e municípios são colocadas na obra como pontos importantes na nova governança estatal.

Cabe à nova geração a missão de desintoxicar o Brasil do pensamento antiliberal, para livrar o país do capitalismo de Estado, que beneficia pou-cos, prejudica muitos e contribui para o aumento da desigualdade social. Um exemplo citado no livro é o do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), criado pelo popu-lista Getúlio Vargas. O banco empresta dinheiro a

uma taxa de 6% ao ano e toma recursos no mer-cado a uma taxa anual de 13%. Essa diferença entre o que é emprestado e o que é captado pelo BNDES já causou um rombo de R$ 400 bilhões entre 2008 e 2016. E essa conta é paga pelo con-tribuinte. Para acabar com esse ciclo, D’Avila pro-põe que o país se abra para o mundo, adotando a economia de mercado e transformando-se em uma nação exportadora de produtos de alto valor agregado, afinal, o Brasil é a nona economia do mundo, mas representa apenas 1% do comércio internacional.

O autor defende o parlamentarismo, o voto distrital, a adoção de um sistema de accountabili-ty e a democracia liberal, para que as relações ins-titucionais se sobreponham às relações pessoais. Como não se constrói uma nação sem educação, a obra traz um retrato crítico sobre o atual mode-lo educacional brasileiro. O país investe 6% do PIB na área, mas o dinheiro não chega até a sala de aula e não colabora para a melhoria do apren-dizado. Com as universidades públicas, o Brasil gasta seis vezes mais do que os países emergen-tes. Os problemas centrais da educação brasileira estão na ausência de um sistema de governança e na coragem para enfrentar o corporativismo.

Apesar das dificuldades e da seriedade da cri-se, o autor acredita na capacidade que a socie-dade tem de fazer as escolhas certas e de lutar por mudanças de crenças e de atitudes que hoje impedem o progresso do país. Essa esperança permeia todas as páginas do livro e faz o leitor realmente acreditar que é possível resgatar a ci-dadania nacional, a credibilidade do Estado e a virtude da política.

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ditação, que é um sistema de revisão por pares para determinar o cumprimento de um conjunto de normas ou padrões de qualidade e segurança. Sustentabilidade, responsabilidade ética e social fazem parte deste processo, e tem motivado as instituições de saúde na busca por resultados que atendam a todos os envolvidos: pacientes, profis-sionais de saúde, comunidade e meio ambiente.

Padrões de qualidade devem envolver edu-cação do paciente e familiares e seus direitos e deveres. O cuidado centrado no paciente é fundamental para a melhoria da qualidade e da segurança da assistência. Uma cultura de segu-rança significa comportamentos organizacionais e individuais alinhados com a segurança e a qua-lidade dos serviços prestados, onde a responsabi-lidade pela segurança é compartilhada por todos os profissionais de saúde, independentemente

POR RIMA FARAH

ARTIGO

egundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), apenas a ausência de enfermidade não é suficiente para definir saúde, pois dela fazem parte também o bem-estar físico, mental e social. Isso significa que todos nós, em algum momento da vida, passaremos por uma fase de doença.

Quando estamos doentes, encontramo-nos fragilizados, precisando de ajuda, sem saber exatamente o que nos espera. É nesse momen-to que os pacientes mais precisam dos serviços e instituições de saúde, não somente em relação a assistência clínica, mas, também, em relação a credibilidade. No entanto, frequentemente, a imprensa tem noticiado situações envolvendo incidentes como cirurgias em pacientes errados, erros de administração de medicamentos, infec-ções hospitalares adquiridas durante o tratamen-to e até mesmo morte prematura em decorrência de falhas no sistema de saúde. São os chamados eventos adversos, que causam lesões ou danos temporários ou permanentes às pessoas, geran-do grande impacto negativo para pacientes e ins-tituições. A boa notícia é que grande parte dessas falhas pode ser evitada.

Para enfrentar esse desafio, muitas institui-ções de saúde têm adotado o processo de acre-

O cuidado centrado

no paciente é

fundamental para

a melhoria da

qualidade e

da segurança

da assistência"

A voz do paciente: razões para interagir

em seus cuidados

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do cargo, e inclui a participação do paciente e seus familiares nas decisões sobre seus cuidados.

A prática educativa é o processo mais impor-tante para engajar pacientes e familiares no seu cuidado de saúde, transformando conhecimento, percepções e habilidades em comportamento ativo. O processo para empoderamento respeita cada paciente e sua família como únicos, com va-lores culturais, psicossociais e espirituais próprios que devem ser protegidos. A baixa literacia ou alfabetização em saúde (capacidade de compre-ender a informação de saúde e usá-la para tomar as melhores decisões sobre sua saúde e cuidados médicos) afeta a forma com que as informações são compartilhadas. Sendo assim, os direitos e responsabilidades devem ser apresentados de uma maneira e linguagem que todos possam compreender. Os profissionais de saúde devem ser treinados nas políticas e procedimentos e na sua função de apoio aos direitos dos pacientes e familiares para participar nos processos de cui-dados. Pacientes com conhecimento, aptidões e confiança tendem a adotar comportamentos de saúde positivos e com melhores resultados.

A educação eficaz considera a avaliação das necessidades de aprendizagem do paciente e família: o que precisam aprender, qual a melhor forma, considerando valores religiosos e cultu-rais, informação barreiras linguísticas, cognitivas, vontade de aprender e qual material de apoio pode ser útil.

Dentre as estratégias de envolvimento do pa-ciente, o consentimento informado é uma das mais importantes, pois une educação sobre direi-tos e responsabilidades e educação para a saúde. Para consentir na realização de seu tratamento, o paciente deve ser informado sobre sua condi-ção atual de saúde, os tratamentos propostos, o nome do médico responsável pelo seu trata-mento, os benefícios e riscos em potencial deste tratamento, quais possíveis alternativas, qual a probabilidade de sucesso, os possíveis proble-mas relativos à recuperação e resultados da falta de tratamento.

A educação eficaz do paciente e da família precisa estar disponível em vários formatos para atender às necessidades educacionais da popu-lação de pacientes. A mobilização institucional por meio de metas e campanhas internacionais

também deve incluir o paciente como ator deste processo de segurança, por exemplo, observando a prática correta de higienização das mãos entre visitantes do paciente e profissionais de saúde. Uma educação eficaz proporciona o empodera-mento do enfermo, dando a ele a oportunidade e o direito de contribuir para que a cultura de segurança da instituição seja continuamente me-lhorada. A voz do paciente pode contribuir para a redução de eventos adversos evitáveis, como in-fecções relacionadas à assistência à saúde, erros de administração de medicamentos, quedas de pacientes, desenvolvimento de lesões por pres-são e realização de cirurgia errada, em paciente ou em local errado.

O apoio e o suporte para seu autoconheci-mento, o respeito às suas crenças e valores, aos seus limites físicos, econômicos, psicológicos e emocionais, o fornecimento de educação sobre sua condição atual de saúde e doença, sobre os problemas e benefícios dos tratamentos propos-tos, sobre os riscos de não tratar, aumentam a confiança no processo de cuidado e nos profis-sionais de saúde que o atendem, proporcionam segurança para a tomada de decisão sobre seu tratamento, encorajando os pacientes a adotar um papel mais colaborativo na gestão da sua saú-de, sem medo de interagir em seu cuidado.

* Rima Farah é enfermeira e supervisora de Proje-tos do Consórcio Brasileiro de Acreditação (CBA), associado à Joint Commission International (JCI)

A prática educativa

é o processo mais

importante para

engajar pacientes e

familiares"

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CHARGE

A Revista FEHOESP 360 é uma publicação da FEHOESP, SINDHOSP,

SINDHOSPRU, SINDJUNDIAÍ, SINDMOGI-DASCRUZES, SINDRIBEIRÃO, SINDSUZANO e IEPAS

Tiragem: 15.500 exemplares

Periodicidade: mensal

Correspondência: Rua 24 de Maio, 208, 9º andar - República - São Paulo - SP - [email protected]

Coordenadora de Comunicação Aline Moura

Editora responsávelFabiane de Sá (MTB 27806)

RedaçãoEleni Trindade, Rebeca Salgado e Ricardo Balego (Colaborou: Ana Paula Barbulho)

Projeto gráfico/diagramação - Thiago Alexandre

Fotografia - Leandro Godoi

Publicidade: [email protected]

Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da revista.

Diretoria FEHOESP

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3º Vice-Presidente - Flávio Isaias Rodrigues

1º Diretor Secretário - Rodrigo de Freitas Nóbrega

2º Diretor Secretário - Paulo Fernando Moraes Nicolau

1º Diretor Tesoureiro - Luiz Fernando Fer-rari Neto

2º Diretor Tesoureiro - José Carlos Barbério

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Conselheiros Fiscais Suplentes - Maria Helena Cerávolo Lemos e Fernando Henri-ques Pinto Junior

Delegado Representante junto à CNS efetivo - Yussif Ali Mere Junior

Delegado Representante junto à CNS suplente - Marcelo Soares de Camargo

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