Princpios tericos e metodologias para a Educao em Direitos Humanos

No se pode separar a prtica de educao em direitos humanos de sua natureza essencialmente histrico-social, crtica da prpria da educao, compromissada com a orientao da formao de sujeitos de direitos e com a defesa de direitos individuais e coletivos de toda a humanidade, transformadora de mentalidades e prticas sociais e institucionais, sendo portanto multidimensional e transdisciplinar, aparecendo como um produto de conhecimentos e prticas produzidas pelas diferentes reas do saber ao mesmo tempo que as permeia, dando conta das dimenses do educar em direitos humanos. portanto incoerente dissociar a questo das metodologias para a educao em direitos humanos de um sentido de se educar em direitos humanos em certo contexto histrico-social concreto de determinada sociedade e de seu carter inegavelmente poltico, seguindo a tnica de Dornelles ao afirmar ser a educao em direitos humanos

uma atividade crtica assumidamente poltica, que sofre muitas resistncias tanto dos modelos polticos repressivos, quanto dos sistemas educacionais repressivos e manipuladores, vigentes em muitas sociedades democrticas (DORNELLES apud ZENAIDE, 2005, p. 342).

Nesse sentido, as estratgias metodolgicas e pedaggicas voltadas para a educao em direitos humanos no podem configurar um fim em si mesmas, sendo sempre um meio, um instrumento a favor dos objetivos e finalidades almejados, fundamentados um certo horizonte de sentido, em certos princpios norteadores.

Os objetivos gerais da educao em direitos humanos so delineados em mecanismos de proteo de garantias e direitos fundamentais, bem como outros instrumentos mais especficos, como aqueles que visam a erradicao de certas discriminaes ou aqueles que se constituem em programas de educao em direitos humanos, tanto no mbito internacional quanto no mbito nacional. preciso, no entanto, que estes se concretizem nas representaes e significaes que pessoas concretas lhes do em suas vidas cotidianas. De maneira sinttica e de forma alguma exaustiva, afirma-se que a educao em direitos humanos visa a formao de uma cultura de paz e tolerncia, de pluralidade cultural e de afirmao de identidades, de formao de uma conscincia social para busca de uma cidadania plena e da defesa da justia social, de transformaes de atitudes e comportamentos pautados em valores como respeito, responsabilidade e solidariedade, configurando base para a prtica da defesa dos direitos humanos, contra a ideia de normalidade e naturalidade das violaes aos mesmos.

Zenaide (2005) aponta para as diferentes porm articuladas dimenses que emergem da prtica da educao em direitos humanos como ao que penetra as diferentes prticas sociais , sendo estas: a educativo-cultural, a tico-social, a poltico-educativa e a jurdico-educativa. A primeira refere-se educao em direitos humanos como formao de pessoas como agentes culturais, na medida em que um processo educativo-comunicativo intercultural que critica hbitos e costumes, renovando as atitudes, formando uma conscincia de cidadania e de valores. A segunda dimenso, qual seja, a tico-social, refere-se sensibilizao para com o outro, para o social, ensejando uma tica do pblico guiada por ideias democrticas, libertrias e igualitrias. A dimenso poltico-educativa da EDH reside no seu carter de incitao ao questionamento, de comprometimento dos sujeitos com uma posio de protagonismo em relao a processos de mudana poltica, abrindo possibilidades para atitudes coletivas mobilizadoras. E finalmente a dimenso jurdico-educativa consiste no fato de a EDH ensinar a usar os dispositivos legais como forma de proteo de ideais de grupos e sobretudo de minorias, de acordo com seus anseios.

A partir da anlise de contedo de texto doutrinrio na rea, Zenaide (2005) compila uma srie de princpios tericos e metodolgicos da educao em direitos humanos, que pode-se dizer serem consensuais. Primeiramente, a autora afirma que a educao em direitos humanos incorpora a viso crtica e poltica da educao, submetida a permanentes tenses por parte de modelos polticos repressivos e prticas educacionais conservadoras e verticalizadas. Em seguida, qualifica a EDH como promotora de uma tica e cultura democrtica, fomentadora de novos modos de pensar, agir e relacionar-se individual e coletivamente. Em consonncia com a concepo contempornea de direitos humanos marcada pela universalidade, interdependncia e inter-relao entre si, Zenaide afirma que a educao em direitos humanos se fundamenta na universalidade, indivisibilidade e interdependncia dos direitos polticos, civis, econmicos e culturais, bem como na sua inviolabilidade. Atendo-se a aspectos mais pedaggicos, a autora explicita a EDH como criadora de multiplicidades de possibilidades e metodologias de ao, levando em conta a problematizao da relao entre teoria e prtica, entre realidade social e educacional, ressaltando que as metodologias devem ser globalizadoras e realistas, envolvendo a prtica e a vivncia cotidianas. De maneira semelhante, afirma a autora que a EDH atravessa os contedos e as prticas sociais e institucionais, ressignificando-os, o que significa dizer que a educao em direitos humanos no pode se limitar a aes pontuais e desarticuladas ou a disciplinas isoladamente ministradas na educao formal, devendo antes constituir um dos eixos norteadores dos Projetos Poltico-Pedaggicos das escolas (CANDAU, 2008, p. 296). Ou ainda segundo sugesto de Melo Neto:

Nas disciplinas como Histria, contedos de direitos humanos podem ser

introduzidos a partir de anlises de documentos como Constituio,

Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado (1789, Frana), [] e

outras cartas voltadas aos direitos. O trato com textos de figuras histricas

que lutaram pelos direitos humanos como Nelson Mandela (frica do Sul),

[] Mahatma Gandhi (ndia). [] Na Geografia, as discusses sobre

espaos no campo e na cidade ea situao de pobreza e a degradao do

meio ambiente afetam os direitos humanos. ([ca. 2007], p. 9)

Ainda sobre os princpios tericos e metodolgicos da educao em direitos humanos, Zenaide (2005) enfatiza ser a EDH atravessada por relaes de poder, sobre esta questo afirma-se:

[] gera tenso entre falar e calar sobre a prpria histria pessoal e coletiva

como necessidade de trabalhar a capacidade de recuperar a narrativa das

histrias na tica dos direitos humanos. (CANDAU apud ZENAIDE, 2005,

p. 353)

Com relao ao tema, afirma Candau (2008) que um das dimenses fundamentais do processo educativo nos direitos humanos diz respeito ao resgate da memria histrica, com objetivo de educar para o nunca mais, quebrando o silncio e repudiando a impunidade em relao a injustias cometidas no passado. Ainda nesse sentido, Zenaide (2005) enumera como princpios o fato de a educao em direitos humanos permear e atuar no cotidiano, fazendo uma ponte entre passado e presente, fundindo teoria e prtica, discurso e ao; o fato de a mesma possuir um potencial crtico e transformador da realidade pedaggica, social e institucional, capaz de fomentar mudanas condizentes com seus objetivos; como tambm o fato de a EDH integralizar as concepes historicamente construdas, fazendo relaes entre o social e o institucional, o individual e o coletivo. Dessa forma, resta inegvel que a prtica da EDH contribui para a formao de novos hbitos, valores e atitudes.

Outro princpio da EDH, seguindo a compilao de Zenaide (2005), a noo de que a mesma se desenvolve de modo desigual de acordo com a construo diferenciada do processo de democratizao em cada sociedade, significando que a EDH uma forma de passar a limpo o processo de democratizao da democracia do continente (DORNELLES apud ZENAIDE, 2005, p. 354).

Mais metodologicamente, Zenaide (2005) trata do princpio que se traduz na adoo, por parte da educao em direitos humanos, de princpios metodolgicos da educao popular, vendo o processo educativo como ambiente dialgico, desenvolvida por mtodo participativo e centrada no sujeito e nas suas experincias de vida, com uma abertura para o cultural e para o informal. Na mesma tnica versa outro dos princpios elencados, quando afirma que a EDH flexibiliza a inter-relao entre temas e contedos e promove o dilogo intercultural, porquanto trata de desigualdades sociais e introduz formas crticas de conhecimento onde o outro passa de mero objeto a sujeito do processo, ao mesmo tempo que possibilita a profcua integrao de problemticas diversas.

Finalmente, dois princpios que esto intimamente relacionados fecham o rol de princpios listados por Zenaide (2005), so eles: a noo de que a EDH promove a educao para a justia social e a paz, gerando uma cultura tica de reconhecimento dos direitos alheios, em prol da vida e da preservao da espcie humana; e por fim, a noo de que a EDH possibilita a construo e formao de sujeitos de direitos, situando-se em posio ativa a respeito de seus prprios destinos, a este respeito:

Os processos de educao em direitos humanos devem comear por favorecer

processos de formao de sujeitos de direito na esfera pessoal e coletiva, que

articulem dimenses ticas, poltico-social e as prticas cotidianas e concretas

(CANDAU, 2008, p. 289).

Candau (2008) confere ainda especial ateno a outro elemento fundamental da educao em direitos humanos, que apesar de no ter sido explicitamente contemplado por Zenaide (2005), est intrinsecamente relacionado aos princpios acima mencionados, trata-se do favorecimento do processo de empoderamento daqueles que historicamente tiveram menos poder na sociedade, e portanto tiveram menos voz de deciso e atuao nos processos coletivos. O empoderamento visa o reconhecimento de tais grupos sociais, culturais ou tnicos discriminados, favorecendo seu fortalecimento por meio de construes identitrias e chamando-os para a participao ativa nos processos sociais e polticos da sociedade civil.

Tendo em vista as mltiplas e abrangentes dimenses da educao em direitos humanos, levando em conta suas pretenses crticas, interativas e construtivas de sujeitos vistos como atores e resultado das prprias prticas, onde a relao entre histria e cotidiano, local e universal etc. se faz mandatria, mister que as estratgias metodolgicas que por ventura vieram a ser adotadas sejam coerentes com a concepo e os princpios apresentados sobre a educao em direitos humanos. So necessrios processos metodolgicos que cubram os diversos aspectos da relao do sujeito com valores, da ligao entre histria pessoal e contextual, da relao entre teoria e prtica etc. Frei Betto, em defesa da metodologia participativa pontua:

A educao em direitos humanos deve ser dialgica, adotando o educador

posturas que levem colaborao, unio, organizao, sntese cultural e

reconstruo do conhecimento. [] A metodologia adequada educao em

direitos humanos a da educao popular inspirada no mtodo Paulo Freire. Ela

considera o educando o centro do processo educativo e, indutiva, vai da prtica

teoria para retomar e melhor qualificar a prtica. Parte de casos concretos e

utiliza recursos como dramatizao, simulao de casos, papelgrafo, desenhos,

jogos, pesquisas e, sobretudo, valoriza a narrativa oral e existencial dos

educandos. (1993)

J Candau (2008), em proposta metodolgica, afirma que preciso trabalhar em grupos pequenos, onde os temas abordados devem ser do interesse dos participantes de cada grupo, sempre trazendo para o cotidiano as questes tratadas num contexto social amplo, bem como tecendo relaes entre os temas e as problemticas centrais e conceitos fundamentais dos direitos humanos. Alm disso a autora afirma a importncia de determinadas etapas nesse processo pedaggico, quais sejam, ver, saber, celebrar, sistematizar, comprometer-se e socializar.

O ver refere-se a anlise da realidade, o saber aos conhecimentos especficos

relacionados ao tema desenvolvido, o celebrar apropriao do trabalho

utilizando-se diferentes linguagens, como simulaes, dramatizaes, msicas,

elaboraes de vdeos, etc. A sistematizao supe a construo coletiva, que

sintetiza os aspectos mais significativos assumidos por todo o grupo e o

comprometer-se a identificao de atitudes e aes a serem realizadas. A

socializao da experincia vivida, no contexto em que se atua, constitui etapa

final do processo. Em todo processo o papel do dinamizador/a fundamental

(CANDAU, 2008, p. 292).

A proposta da autora gira em torno de metodologias participativas e ativas, promovendo o dilogo entre os participantes e os saberes durante todo o processo educativo, centrado no contexto social em que se insere bem como nas experincias dos participantes, por onde se faz muito rica a discusso em torno dos relatos de histrias de vida concernentes a vivncias de violao ou de defesa dos direitos humanos. Candau (2008) d especial importncia a uma estratgia metodolgica denominada oficina pedaggica, que so espaos de construo intercambial de um saber, de confronto de experincias, de observao da realidade, oportunizando o exerccio concreto dos direitos humanos, por meio de sociodramas, de confrontos interculturais, da utilizao de diversas linguagens, configurando um espao nico propcio ao vnculo social e afetivo.

Olguin, em relao a educao em direitos humanos no mbito formal, enfatiza a necessidade de metodologias que estimulem a participao dos estudantes, oportunizando o debate, a reflexo, a contradio, levando o discurso terico a vises mais prticas e realistas. Em oposio a prticas meramente declaratrias dos direitos humanos, conclui:

A informao necessria no relativa aos direitos humanos, mas concernente

aos objetos ou situaes em que este se pem em vigncia. Portanto, desta

perspectiva no necessria somente a incluso de um contedo especial sobre

os Direitos Humanos, mas deve se efetuar uma mudana de enfoque ([1995], p.

2).

Sumarizando, para que a EDH, enquanto prtica que visa a construo de uma cultura de defesa dos direitos humanos e da democracia, direcionada a transformaes sociais e culturais, logre cumprir seus objetivos, metodologias que coloquem o sujeito como centro do processo educacional e que no desarticule a educao das outras esferas de atuao so as mais adequadas. Nessa relao interativa entre atores sociais e institucionais, em diferentes lugares e espaos, permeando mltiplos mbitos de ao, algumas atividades devem ser construdas, a exemplo: dialogar com as diferenas e conflitos; contextualizar os saberes ressignificando as experincias; reconhecer a igualdade e a interdependncia entre povos e naes; rejeitar discriminaes e reconhecer identidades; exercitar a autonomia e a defesa de seus prprios direitos.

Referncias:

BETTO, Frei. Educao em direitos humanos. 1993. Disponvel em: < http://www.dhnet.org.br /educar/redeedh/bib/betto.htm>. Acesso em: 25 junho 2010.

CANDAU, Vera Maria Ferro. Educao em direitos humanos: questes pedaggicas. In: BITTAR, Eduardo C. B. (Coord.). Educao e metodologia para os direitos humanos. So Paulo: Quartier Latin, 2008.

MELO NETO, Jos Francisco de. Metodologias participativas em educao para os direitos humanos. [ca. 2007]. Disponvel em: . Acesso em: 25 junho 2010.

OLGUIN, Letcia. Enfoques metodolgicos no ensino e aprendizagem dos direitos humanos. [1995]. Disponvel em: Acesso em: 25 junho 2010.

ZENAIDE, Maria de Nazar Tavares. A educao em direitos humanos. In: TOSI, Giuseppe. (Org.). Direitos Humanos: histria, teoria e prtica. Joo Pessoa: Universitria/UFPB, 2005.

PIOVESAN, Flvia. Direitos Humanos: Desafios da Ordem Internacional Contempornea. In: PIOVESAN, Flvia (Coord.). Direitos Humanos. 1. ed. Curitiba: Juru, 2009. Volume I. p. 18