edgar rice burroughs - o regresso de tarzan

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  • 8/4/2019 Edgar Rice Burroughs - O Regresso de Tarzan

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    Reviso: Lancelot [email protected]

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    O REGRESSO DE TARZAN

    EDGAR RICE BOROUGHS

    Tarzan, que quer dizer macaco branco, criado por E. R. B. num dos seus sonhos -ele no transportou para a sua literatura a sua experincia de vida, que era vasta eprofunda - procurava apenas ser uma coisa diferente, como coisas diferentes seriam asaventuras que ERB escreveu com John Carter sobre Marte. ERB trazia no esprito asleituras de Jlio Verne, o inslito prendia-o e fascinava-o. Por isso Tarzan foi um herirefeito diversas vezes.

    O seu primeiro romance fechava o ciclo da vida: ali comeava e acabava. Mas oxito f-lo regressar escrita. E ento ERB procurou dar-lhe uma formao inglesa,tentando enquadr-lo dentro do absurdo homem selvagem, aristocrata ingls -, o mesmo dizer, de um plo ao outro da civilizao.

    Mas logo se cansou disso, e nos romances seguintes, a partir do quarto, eleencontraria de novo o Tarzan das primeiras pginas e, quase libertando-o da mulher e dofilho - Jane esquecida na maioria dos seus livros -, faz dele o homem que rompebarreiras com a civilizao padro para se consagrar vida natural, quela que se lhe dpouco quanto a conforto, d-lhe muito quanto a solues de personalidade e luta, que aqui onde o homem tem de encontrar-se. Por isso mesmo Tarzan um heri queencontrou justificativa sobretudo em duas pocas: em 1929 quando da depressoeconmica da Amrica do Norte - foi em 1929 que ele surgiu pela primeira vez em bandadesenhada pela mo de Hal Foster e agora, nesta segunda metade do sculo em quevivemos, onde o tecnicismo impera j a nveis de invadir o esprito humano, e sujeit-lo mquina.

    Resultado? Num perodo de to grande avano tcnico, onde a nossa atual

    civilizao quase se engalfinha em proporcionar ao ser humano conforto sobre todos ospontos de vista, distraes nunca sonhadas (e cmodas), requintes a todos os nveis queele faz na sua grande maioria? Pois bem, consultem-se as estatsticas, e se verificar quenunca como agora se praticou tanto campismo nem tanto caravanismo, nem se desfrutoude tantos fins-de-semana. Isto sem contar com as legies que se limitam a refugiar, porimpossibilidade do tempo, um dia que seja no pinhal ou no campo! Porqu? A tcnica, emque todos vivemos, dentro de casa, c fora, no emprego, e mais tarde que vimos nateleviso, no cinema e nos jornais, provoca uma espcie de intoxicao que leva ohomem tentando reencontrar-se na verdade pura da sua essncia.

    Ento, perante tanta mquina que o envolve e o controla, passar o tempo emcontacto com a natureza como o sinnimo da libertao, que ele sente que o dignifica.Aqui volta a surgir Tarzan, como smbolo, pois ele o homem que tendo sido criado na

    selva, conhece um dia a civilizao e, por a conhecer, compreende que s voltando vidanatural pode encontrar aquela felicidade a que se julga com direito.Tarzan aparece, desta maneira, como resposta a todos aqueles que, encafuados

    nas cidades, aproveitam todos os momentos de se livrarem dela. E retoma o xito quealcanou em 1929 quando a depresso trouxera aos homens conscincia de que viverbem no viver opulentamente, mas viver de acordo consigo prprio. - Nota de R. P.

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    ndice

    CAPTULO 1 - A BORDO DO TRANSATLNTICOCAPTULO 2 - ELOS DE DIOCAPTULO 3 - O QUE ACONTECEU NA RUA MAULECAPTULO 4 - A CONDESSA EXPLICACAPTULO 5 - O PLANO QUE FALHACAPTULO 6 - UM DUELOCAPTULO 7 - A BAILARINA DE SIDI AISSACAPTULO 8 - A LUTA NO DESERTOCAPTULO 9 - NUMA EL ADREACAPTULO 10 - ATRAVS DO VALE DAS SOMBRAS.CAPTULO 11 - JOHN CALDWELL, LONDRESCAPTULO 12 - NAVIOS QUE PASSAM

    CAPTULO 13 - O NAUFRGIO DO LADY ALICECAPTULO 14 - REGRESSO AOS PRIMITIVOSCAPTULO 15 - DE MACACO A SELVAGEMCAPTULO 16 - OS LADRES DE MARFIMCAPTULO 17 - O CHEFE BRANCO DOS WAZIRISCAPTULO 18 - A LOTERIA DA MORTECAPTULO 19 - A CIDADE DE OUROCAPTULO 20 - LACAPTULO 21 - OS NUFRAGOSCAPTULO 22 - O TESOURO DE OPARCAPTULO 23 - CINQUENTA HOMENS ASSUSTADORESCAPTULO 24 - DE COMO TARZAN VOLTA A OPAR .

    CAPTULO 25 - ATRAVS DA FLORESTA PRIMITIVACAPTULO 26 - PASSOU O FILHO DA SELVA

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    CAPTULO 1

    A bordo do Transatlntico

    - Magnifique!... - exclamou a condessa de Coude, a meia voz.- Como?... - perguntou o conde, voltando-se para a sua jovem mulher. - O que

    magnfico?...E o conde olhou em torno, procurando a causa da admirao dela.- Ah! Nada, meu caro... - respondeu a condessa, corando ligeiramente. - Estava

    recordando com admirao, esses esplndidos arranha-cus, como lhes chamam emNova Iorque...

    E a bela condessa instalou-se mais confortavelmente na sua cadeira de convs,retomando a revista que o tal nada a fizera deixar cair no regao.

    O conde remergulhou no seu livro, no sem um certo espanto de que trs dias

    depois de haverem sado de Nova Iorque, a sua linda condessa considerasse magnficosos mesmos edifcios que na semana anterior classificava de horrveis. Acabou por pousaro livro, dizendo:

    - Isto muito aborrecido, Olga: Creio que vou procurar outros passageiros toaborrecidos como eu, para um jogo de cartas.

    - muito pouco galante, senhor meu marido... respondeu ela, sorrindo - ... masestou tambm to aborrecida que posso compreend-lo. V jogar essas inspidaspartidas, se quiser...

    Quando o conde partiu, ela voltou a olhar, discretamente, para o vulto de umjovem alto, estendido preguiosamente numa cadeira no muito distante.

    - Magnifique!... - murmurou de novo.A condessa Olga de Coude tinha vinte anos, e o marido quarenta. Era uma esposa

    fiel e dedicada, mas como no tivera nada a ver com a escolha do marido, nada deestranho havia em que no estivesse positivamente apaixonada por aquele que o destino,e o aristocrata russo que era seu pai, haviam escolhido para ela. No entanto, apenas porter deixado escapar uma breve exclamao admirativa ao ver aquele jovem e belodesconhecido, no podemos deduzir que nos seus pensamentos se houvesse insinuadoqualquer idia de infidelidade. Apenas admirava, como teria admirado um especialmentebelo animal de qualquer espcie. E sem dvida que o jovem era agradvel de ver.

    Quando o olhar furtivo da condessa analisava o seu perfil, ele levantou-se para seafastar. A condessa de Coude fez sinal a um criado que passava.

    - Quem esse senhor?... - perguntou.- Reservou o camarote em nome de sr. Tarzan, de frica.- Uma vasta propriedade... - pensou a condessa, sentindo aumentar o seu

    interesse.

    Enquanto Tarzan se encaminhava vagarosamente para o salo de fumo, quasechocou com dois homens que, porta, falavam em voz baixa, excitadamente. No lhesteria dedicado a menor ateno, se um deles no o tivesse olhado de relance, com umaexpresso de culpa. Tinham um aspecto que lembrou a Tarzan o dos melodramticosviles que vira nos teatros, em Paris.

    Ambos eram morenos, de cabelos escuros, e as suas atitudes acentuavam asemelhana.

    Tarzan entrou no salo de fumo e procurou uma cadeira um tanto afastada dasoutras pessoas que ali se encontravam. No se sentia disposio para conversar, eenquanto bebia a pequenos sorvos o seu absinto, deixava vaguear o pensamento, com

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    tristeza, pelas semanas anteriores. Por vrias vezes havia conjecturado sobre se teriaagido bem ao renunciar aos seus direitos de nascimento, a favor de um homem a quemnada devia.

    Decerto simpatizava com Clayton... mas a questo no era essa. No fora porcausa de William Cecil Clayton, Lorde Greystoke, que negara a sua verdadeira origem...Havia sido por causa da mulher a quem ambos amavam... e que um estranho capricho dasorte entregara a Clayton e no a ele...

    O fato de ela o amar tornava a situao duplamente difcil de suportar... e noentanto Tarzan sabia que nunca poderia fazer menos do que fizera naquela noite, napequena estao de caminho de ferro dos distantes bosques de Wisconsin. Para ele, afelicidade de Jane estava acima de tudo, e a sua breve experincia com a civilizao ecom os homens civilizados, ensinara-lhe que sem dinheiro e posio... a vida da maioriadeles era insuportvel.

    Jane Porter nascera para ter ambas as coisas, e se Tarzan privasse delas o seufuturo marido... sem dvida a condenaria a uma vida de misria e de angstia. A idia de

    que Jane repeliria Clayton no caso de ele perder o ttulo e fortuna, nem sequer ocorreu aTarzan - pois atribua aos outros a mesma honesta lealdade que era uma qualidade natanele prprio. E, neste caso, no se enganava. Se alguma coisa pudesse tornar ainda maisforte a promessa de Jane a Clayton, seria seguramente o fato de tal desventura cair sobreele.

    Os pensamentos de Tarzan deslizaram do passado para o futuro... Tentou encararcom uma sensao de prazer o seu regresso selva onde nascera e onde tinha vivido... aselva feroz e cruel, na qual passara vinte dos seus vinte e dois anos de vida. Mas quem,ou o qu, nos milhares de existncias multiformes que se agitavam na floresta, lhe dariaas boas-vindas? Nem uma, sequer. Apenas Tantor, o elefante, podia ser considerado umamigo. Os outros o perseguiriam ou fugiriam dele, como sempre havia sido. Nem mesmoos macacos da sua tribo lhe dariam acolhida amiga.

    Se a civilizao nada mais tivesse dado a Tarzan, de certa maneira lhe dera odesejo da companhia, de criaturas da sua espcie, o desejo de amizade e deentendimento fraternal. E, nas mesmas propores, lhe tornara odiosa qualquer outraespcie de vida. Era-lhe difcil conceber o mundo sem um amigo ou sem uma criatura vivacom quem pudesse falar as lnguas novas que apreciava tanto. E, assim, Tarzanencarava sem prazer o futuro que traara para si mesmo. Sentado, tendo entre os dedosum cigarro de onde subia um tnue fio de fumo azul, os seus olhos pousaram-se numespelho que refletia uma das mesas, onde quatro homens jogavam as cartas. Nessemomento um dos homens ergueu-se, para se afastar... e outro homem aproximou-se e,cortesmente, ofereceu-se para ocupar o lugar vago, para que o jogo no seinterrompesse. Era o mais baixo dos dois que Tarzan vira porta, falando em segredo...efoi isso o que despertou o interesse dele.

    Enquanto a sua imaginao tentava percorrer os caminhos do futuro, iaobservando, no espelho, os quatro indivduos sentados atrs. Alm daquele que se haviasentado em ltimo lugar, Tarzan conhecia apenas o nome de um dos outros jogadores,exatamente o que estava do lado oposto. Era o conde Raul de Coude. Um criado solcitoindicara-o a Tarzan como um dos passageiros importantes, algum que pertencia aogrupo familiar do ministro da guerra francs.

    De repente, a ateno de Tarzan fixou-se no espelho. O outro homem que Tarzanvira porta, tinha se aproximado tambm e estava de p atrs do conde. Tarzan viu-oolhar furtivamente em volta, sem todavia reparar no espelho. Discretamente, o homemtirou qualquer coisa do bolso, tapando-a com a mo. Curvou-se de leve, e Tarzan viu-ometer num dos bolsos do conde o que tirara do seu prprio bolso. Depois disto o homemcontinuou onde estava, observando as cartas do conde de Coude.

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    Tarzan sentia-se intrigado, mas agora os seus olhos seguiam tudo com umaateno concentrada.

    O jogo continuou, durante alguns minutos, at que o conde ganhou uma soma

    relativamente considervel, perdida pelo ltimo jogador que se sentara. Tarzan viu que ohomem colocado atrs do conde fazia um leve sinal ao outro... e no mesmo instante estelevantou-se e apontou um dedo para o conde.

    - Se eu soubesse que este senhor era um trapaceiro profissional, no me teriaapressado a tomar parte no jogo...- disse ele.

    Instantaneamente, o conde e os outros dois jogadores levantaram-se. De Coudeempalideceu.

    - Que significa isso, sir?... - exclamou. - Sabe com quem est falando?- Sei que falo, pela ltima vez, a algum que trapaceia no jogo!... - replicou o outro.O conde debruou-se e bateu na cara do homem, com a mo aberta. Os outros

    jogadores apressaram-se a separ-los. Um destes exclamou:- Trata-se de um engano, senhores! Este senhor o conde de Coude!

    - Se estou enganado apresentarei desculpas... Mas antes disso exijo que o condeexplique a presena de cartas extras que o vi meter no bolso!Nesse momento o homem que Tarzan vira meter qualquer coisa no bolso do

    conde, encaminhou-se para a porta... mas verificou, contrariado, que um desconhecido,alto e de olhos cinzentos, lhe cortava o caminho.

    - Com licena!... - disse, bruscamente, tentando passar por um dos lados.- Espere... - respondeu Tarzan.- Mas porqu, senhor?.. - quase gritou o outro, agressivo. - Afaste-se! Quero

    passar!- Espere... - repetiu Tarzan. - H aqui um assunto que o senhor pode esclarecer!O homem, corpulento, teve um impulso de fria e, praguejando entre dentes,

    tentou afastar Tarzan. Este sorriu, agarrou o pela gola e levou-o at perto da mesa, sem

    se importar com as inteis tentativas que fazia para se libertar. Foi a primeira experinciade Nikolas Rokoff... com os msculos que haviam derrotado vrias vezes Numa, o leo, eTerkoz, o gorila.

    O sujeito que acusara o conde, e os dois outros jogadores, olhavam para deCoude, numa atitude de expectativa.

    - Este homem doido!.. - bradou o conde. - Peo que um dos senhores mereviste.

    - A acusao ridcula... - comentou uma voz.- Basta que algum meta a mo no bolso lateral do casaco do conde, para verificar

    que a acusao sria... - insistiu o acusador... - e, vendo que os outros hesitavam,acrescentou: - Eu prprio o revistarei, se ningum mais o faz!

    - No!... - retorquiu o conde. - S a um gentleman consentirei que me reviste!

    - desnecessrio revistar o conde... As cartas esto no bolso dele. Eu vi quandoas colocaram l.Todos se voltaram, surpreendidos, para quem tinha falado.Era um jovem alto, de aparncia atltica, que se aproximava da mesa trazendo,

    seguro pela gola, um homem que se debatia inutilmente.- Isto uma conspirao... - disse de Coude, colrico. - No tenho quaisquer

    cartas e... - meteu a mo no bolso e ficou subitamente lvido, enquanto, sob os olharesespantados de todos os presentes, a retirava trazendo trs cartas.

    O conde de Coude ficou olhando para as cartas, e agora a sua facecongestionava-se. Nos circunstantes havia expresses de piedade e de desprezo.Supunham estar assistindo morte da honra de um homem.

    - de fato uma conspirao, senhor... - interveio o jovem alto, de olhos cinzentos.

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    E continuou: - Meus senhores, o sr. conde de Coude no sabia que tinha essas cartas nobolso. Foram colocadas ali sem o seu conhecimento, enquanto estava jogando. Do pontoonde eu estava, nessa cadeira, vi tudo atravs do espelho. Quem meteu as cartas no

    bolso do sr. Conde foi este homem que eu agarrei quando tentava sair da sala.O olhar do conde passou de Tarzan para o sujeito ingls, que se debatia.- Mon Dieu!... - exclamou ele. - Voc, Nikolas?... - voltou-se ento para o outro e

    olhou-o atentamente, acrescentando: - E voc, Paulvitch... No o reconheci, sem abarba... Compreendo agora tudo senhores.

    - Que faremos com eles, senhor?... - perguntou Tarzan.- Entregamo-os aocapito?

    - No, meu amigo...- respondeu apressadamente o conde.- um assunto pessoale peo-lhe que o deixe ficar como est. suficiente que eu tenha sido ilibado daacusao. Quanto menos tivermos a ver com esses sujeitos, melhor. Mas, senhor, comopoderei eu agradecer-lhe a sua grande bondade? Permita-me que lhe d o meu carto, ese surgir alguma oportunidade em que eu possa ser-lhe til, lembre-se de que estarei

    incondicionalmente s suas ordens.Tarzan largara Rokoff, e este, em companhia do seu cmplice Paulvitch,apressara-se a sair do salo de fumo - no sem antes se ter voltado para Tarzan com umolhar de dio, dizendo entre dentes:

    - Ter ocasio de lamentar a sua interferncia nos assuntos alheios...Tarzan limitara-se a sorrir. Depois, com um cumprimento, entregou o seu carto

    ao conde, que leu:Jean C. Tarzan- Sr. Tarzan... - disse o conde - ... talvez venha a lamentar o favor que me fez...

    porque atraiu a inimizade de dois dos mais rematados patifes de toda a Europa... Evite-os, de todas as maneiras.

    - J tive inimigos muito mais perigosos, meu caro conde... - respondeu Tarzan,

    com o seu calmo sorriso - ... e no entanto continuo vivo e despreocupado. Creio quenenhum desses dois encontrar maneira de me fazer mal.- Esperemos que assim seja... - respondeu o Conde, gravemente. - Mas creio que

    no perder nada em estar alerta... e por saber que fez hoje um inimigo, pelo menos, quenunca esquece e nunca perdoa, um homem cuja mente est sempre imaginandoatrocidades contra os que o humilharam ou ofenderam. Dizer que Nikolas Rokoff diablico, seria avali-lo modestamente.

    Nessa noite, quando Tarzan entrou no seu camarote, viu no cho, dobrado, umpapel que tinha evidentemente sido introduzido sob a porta. Leu:

    Mr. Tarzan, Suponho que no compreendeu a gravidade da sua ofensa, pois docontrrio no teria feito o que fez. Estou disposto a acreditar que agiu por ignorncia esem inteno. Por esta razo receberei as suas desculpas e a sua garantia de no voltar

    a imiscuir-se em assuntos que no lhe dizem respeito. Assim, deixarei morrer o assunto.De outro modo... Mas tenho certeza de que entender a sensatez de fazer o que digo.Respeitosamente Nikolas RokoffTarzan sorriu sombriamente, mas logo, esquecendo o caso, se preparou para

    dormir.Num camarote prximo, a condessa de Coude falava com o seu marido.- Porqu um ar to grave, Raul?... - perguntou. Esteve sombrio durante toda a

    noite. O que o preocupa?- Olga... sabe que Nikolas est a bordo?- Nikolas!... - exclamou ela. - Mas... impossvel! Nikolas est preso, na

    Alemanha.- Tambm acreditava nisso at encontr-lo, hoje... e esse outro patife, Paulvitch.

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    Olga, no posso suportar por muito mais tempo esta perseguio. Nem mesmo por suacausa. Mais cedo ou mais tarde, os entregarei s autoridades. Estou mesmo pensandoem contar tudo ao capito, antes de chegarmos. Num Transatlntico, seria fcil acabar de

    vez com essa caa...- Oh, no, Raul!... - exclamou a condessa, ajoelhando diante do marido que sedeixara cair sobre um div. - No faa isso! Lembre-se da sua promessa! Diga-me queno far isso! Nem sequer o ameace...

    O conde tomou as mos da mulher entre as suas, fitando-a por algum tempo antesde falar. Parecia procurar nos belos olhos a verdadeira razo que a levava a proteger omiservel.

    - Seja como quer, Olga... - disse ele por fim. - Mas no consigo compreender.Esse homem anulou qualquer direito sua estima, sua lealdade e ao seu respeito. uma ameaa para a sua vida e honra...E para a vida e honra do seu marido. Espero queno venha a arrepender-se de defend-lo.

    - Eu no o defendo, Raul... - retorquiu ela, agitada. O meu dio por ele no

    inferior ao seu... esse homem do meu sangue...- Gostaria de ver a consistncia do sangue dele... disse de Coude,sombriamente. - Esses dois miserveis tentaram promover a minha desonra... - e o condecontou o que se passara no salo de fumo. - Sem a interveno desse estranho, teriamconseguido... Quem aceitaria a minha palavra contra a prova evidente dessas malditascartas metidas no meu bolso? Eu prprio comeava a sentir-me aturdido quando esse sr.Tarzan arrastou o precioso Nikolas e explicou a infame conspirao.

    - O sr. Tarzan?... - perguntou a condessa, com evidente surpresa.- Sim. Conhece-o, Olga?- Eu o vi. Um dos criados o indicou.- No sabia que ele era uma celebridade... - disse o conde.Olga de Coude desviou o assunto. Compreendeu bruscamente que lhe seria difcil

    explicar por que razo o criado lhe falara no belo sr. Tarzan. Talvez corasse de leve, poiso conde a olhava ligeiramente intrigado... Uma conscincia culpada torna-se sempresuspeita...

    CAPTULO 2

    Elos de dio

    At o fim da tarde seguinte, Tarzan no voltou a ver os seus companheiros de

    viagem... em cujos negcios se envolvera por causa do seu esprito de lealdade. E sento se encontrou inesperadamente com Rokoff e Paulvitch, num momento em que eles,decerto, desejariam no v-lo.

    Estavam ambos no convs, num ponto acidentalmente deserto, e quando Tarzanse aproximou discutiam acaloradamente com uma mulher. Tarzan notou que a mulherestava ricamente vestida, e que o seu vulto esbelto e bem formado indicava juventude.Mas no podia distinguir-lhe as feies, por causa do espesso vu que ela usava.

    Os homens estavam um de cada lado dela, de costas voltadas para Tarzan. Noperceberam da presena dele. Rokoff parecia ameaar, e a mulher implorava. Masfalavam numa lngua estranha, que Tarzan no compreendia, e s a atitude dela traduziao seu medo. Quanto a Rokoff, parecia to perto de exercer uma ao violenta... queTarzan parou, pressentindo perigo. Quase no mesmo instante Rokoff agarrou o pulso da

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    mulher e torceu-o brutalmente, como se quisesse conseguir qualquer coisa por meio detortura fsica. O que teria acontecido se Rokoff pudesse prosseguir, no sai do domniodas conjecturas. Imediatamente uns dedos de ao seguraram o bandido por um ombro,

    obrigando-o a voltar-se... e, ao ver os olhos cinzentos e frios do homem que na vspera ohavia humilhado.- Maldio!... - exclamou o furioso Rokoff. - Que quer voc? bastante doido para

    voltar a insultar Nikolas Rokoff?- Esta a minha resposta sua nota... - disse Tarzan, entre dentes, empurrando-o

    com tal fora que Rokoff foi se chocar a dez passos de distncia, com a amurada.- Pelos infernos!... - ganiu Rokoff. - Vai morrer por isto!Levantando-se, precipitou-se sobre Tarzan, ao mesmo tempo que diligenciava

    empunhar um revlver. A jovem soltou um grito:- Nikolas No... no faa isso! Depressa, senhor, fuja ou ele o matar!Mas Tarzan, em vez de fugir, avanou ao encontro do outro, dizendo friamente:- No seja mais imbecil do que ...

    Rokoff, doido de raiva, conseguiu finalmente empunhar a arma. Parando, apontoupara o peito de Tarzan e apertou o gatilho... mas o co caiu sobre uma cpsula vazia. Nomesmo instante a mo de Tarzan estendera-se, com a rapidez de um raio... e um violentopuxo arrancou a arma da mo de Rokoff e a fez cair no mar. Por instantes os doishomens ficaram diante um do outro... mas Rokoff recomps-se e foi o primeiro a falar:

    - a segunda vez que se mete em assuntos que no lhe dizem respeito... e asegunda vez que humilha Nikolas Rokoff! Da primeira supus que agisse por ignorncia...mas agora no...No sabe quem eu sou, mas garanto-lhe que vir a ter razes para selembrar de mim!

    - Sei que um miservel e um covarde... - respondeu Tarzan, imperturbvel. - Issome basta!

    Voltou-se para onde tinha ficado a jovem, mas esta havia desaparecido. Ento,

    sem um s olhar para Rokoff ou para o seu companheiro, afastou-se tranqilamente.Tarzan no podia deixar de imaginar qual seria a inteno dos dois homens.O vulto de mulher parecera-lhe vagamente familiar, mas como no tinha podido

    ver-lhe o rosto, no tinha certeza de t-la encontrado antes. S notara um anel de feitioespecial, na mo que Rokoff tinha agarrado, e pensou que observaria os dedos daspassageiras que encontrasse, para descobrir a identidade da dama a quem Rokoff haviaameaado, e saber se o patife teria continuado a incomod-la.

    Tarzan foi sentar-se na sua cadeira de convs, meditando sobre a crueldade e oegosmo das criaturas humanas que havia encontrado desde que, quatro anos antes, naselva, avistara pela primeira vez algum semelhante a ele prprio - o negro Kulonga cujalana pusera fim vida de Kala, a macaca... a nica me que Tarzan conhecera.

    Recordou-se do assassnio de King, pelo cara-de-rato que se chamava Snipes, e o

    abandono do professor Porter e do seu grupo... pelos amotinados do Arrow. Recordou acrueldade dos guerreiros e das mulheres negras de Mbonga, em relao aos prisioneiros.Evocou as pequenas intrigas dos civis e militares que encontrara na Costa Oeste... e quelhe tinham dado uma primeira perspectiva sobre a vida.- Meu Deus... - murmurou. - So todos semelhantes... Assassinos, mentirosos,trapaceiros... lutando por uma coisa que as feras desprezariam - o ouro para adquiriremos efeminados prazeres das criaturas fracas. E todavia escravos dos tolos hbitos de umavida absurda... mas julgando-se os senhores de todas as criaturas e os nicos a gozaremos verdadeiros prazeres da existncia. Na selva, nenhum animal ficaria idiotamentesentado enquanto outro levasse a sua companheira. um mundo estpido, tolo, e fiz malem renunciar felicidade e liberdade da selva, para entrar neste mundo...

    Nesse momento Tarzan sentiu que algum o fitava, atrs dele, e o instinto

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    poderoso do animal da selva fez estalar o tnue verniz da civilizao. Voltou-se com talrapidez que os olhos da jovem que o fitava no tiveram tempo para se desviar dos olhoscinzentos e penetrantes. Tarzan notou o rubor que cobrira bruscamente a bonita face.

    Sorriu consigo mesmo ao verificar o resultado da sua brusca ao, pois nodesviara os seus olhos ao fitar os dela. Era muito jovem e bonita. Havia nela qualquercoisa de familiar que fez com que Tarzan pensasse onde a teria visto antes. Voltou suaposio anterior e sentiu que a jovem se levantava e se afastava. Quando ela passou,olhou-a novamente, curioso.

    A sua curiosidade no foi inteiramente perdida, Pois, enquanto se afastava, a jovem levantou uma das mos para compor o cabelo na nuca - um gesto tipicamentefeminino que trai a impresso de que algum observa admirativamente e Tarzan viu oestranho anel que notara pouco antes na vtima de Rokoff.

    Era portanto aquela mulher bela e jovem, a que Rokoff perseguia. Tarzan pensouvagamente em quem seria ela... e que relaes poderia ter com o russo barbudo e brutal.

    Na noite seguinte, depois de jantar, Tarzan voltou a sentar-se no convs e deixou-

    se ficar at depois de escurecer, em conversa com o imediato do navio.Como os seus deveres chamaram o oficial, Tarzan encostou-se amurada,olhando preguiosamente os reflexos do luar sobre as ondas. Estava meio escondidopelos turcos de um escaler, de modo que os dois homens que se aproximavam ao longodo convs no o viram - mas Tarzan ouviu o suficiente da conversa entre ambos, para osseguir e tentar ver o que eles iam fazer. Tinha reconhecido a voz de Rokoff, e que ocompanheiro deste era Paulvitch.

    Tarzan ouvira apenas umas quantas palavras: "- E se ela gritar, bata at que..."Mas estas palavras haviam bastado para que ele no perdesse os dois homens de

    vista. Viu-os aproximarem-se da entrada do salo de fumo, mas pararem apenas ummomento, como para se assegurarem da presena de algum, ali, Depois encaminharam-se diretamente para os corredores dos camarotes de primeira classe. Tarzan teve

    dificuldade em segui-los sem ser visto, pois os corredores estavam desertos, masconseguiu-o. Quando eles pararam diante de uma das portas, Tarzan escondeu-se nasombra de um corredor lateral, a curta distncia.

    Bateram porta e uma voz de mulher perguntou:- Quem ?

    - Sou eu, Olga... Nikolas... - disse o barbudo russo, na sua voz gutural. - Possoentrar?- Por que no para de me perseguir, Nikolas? - respondeu a voz de mulher. - Nunca te fizmal...

    - Vamos, vamos, Olga.., - disse o russo, persuasivo. Quero apenas falar contigo,no farei nada... No posso conversar atravs da porta. Abra... Nem sequer entrarei...

    Tarzan ouviu correr o ferrolho interior... e disps-se a intervir se fosse necessrio.

    No esquecera as palavras que tinha ouvido de Nikolas, momentos antes. Rokoff parouno limiar da porta, enquanto Paulvitch se escondia na parede, perto dele. Tarzan ouviu orusso falar em voz baixa com a mulher, e logo a voz dela, num tom normal mas bastanteclaro.

    - No, Nikolas... - dizia ela. - Se quiser, mas nunca aceitarei as suas exigncias.V embora, por favor! No tem qualquer direito em estar aqui, e prometeu no entrar...

    - Muito bem, Olga... No entrarei, mas antes de eu ter acabado com isto voc vaidesejar mil vezes no ter recusado o simples favor que te peo. No fim vencerei, sejacomo for, portanto poderia poupar-me incomodos e poupar desgraas para voc e para oseu...

    - Nunca! Nikolas... - interrompeu-o a mulher.Tarzan viu Rokoff voltar-se e fazer um sinal a Paulvitch. Este ento precipitou-se

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    para a porta que o outro mantinha aberta, e entrou de roldo. Nikolas recuouapressadamente e a porta fechou-se.

    Tarzan ouviu de novo o rudo do ferrolho interior, decerto fechado por Paulvitch.

    Rokoff ficou do lado de fora, encostado ao batente, escuta. Um sorriso crispava-lhe oslbios que a barba quase cobria.Tarzan ouviu a voz da mulher, ordenando ao homem que sasse:- Chamarei o meu marido, e ele no ter piedade!Atravs do batente veio a voz de Paulvitch, sarcstico..- O comissrio ir chamar o seu marido... De certo, o comissrio j sabe que voc

    recebe um homem no seu camarote, na ausncia do conde com a porta fechada.- O meu marido saber quem !- Decerto que sim... mas o comissrio no o saber... Nem ele nem os jornalistas

    que de certa misteriosa maneira sero informados assim que desembarcarmos.Consideraro que se trata de uma boa histria, e o mesmo pensaro todos os seusamigos quando lerem os jornais no caf da manh em... vejamos... hoje tera-feira...

    sim, quando lerem a notcia na sexta-feira pela manh... E o interesse no ser diminudoquando souberem que o homem, a quem a condessa de Coude dedica as suas atenes, um criado russo... de fato o criado de seu prprio irmo...

    - Alexis Paulvitch... - redargiu a voz da mulher, friamente e sem medo - ... voc um covarde! - quando eu lhe disser um nome ao ouvido... pensar antes de fazerexigncias e ameaas... e sair daqui para no voltar a molestar-me!

    Houve um momento de silncio, durante o qual imaginou a jovem murmurando noouvido do patife o nome que anunciara.

    Um instante apenas... Depois uma praga abafada, um rumor de ps... um grito demulher... e novamente silncio. Mas, mal soara o grito, Tarzan tinha saltado do seuesconderijo. Rokoff lanou-se em corrida, mas o filho da selva agarrou-o pelo pescoo epuxou-o para trs. Nenhum deles falou. Ambos pensavam que estava sendo cometido um

    crime dentro daquele camarote...Tarzan supunha que Rokoff no teria desejado que o seu cmplice fosse tolonge... adivinhava que as intenes do miservel eram mais profundas e ainda maissinistras do que um crime brutal cometido a sangue-frio.

    Sem hesitao, Tarzan apoiou o ombro porta e a fechadura saltou. O homem daselva entrou de rompante no camarote, arrastando Rokoff... e viu a jovem derrubadasobre a cama enquanto Paulvitch lhe apertava o pescoo muito branco... sem se importarcom os esforos que ela fazia para se defender.

    O rudo fez com que Paulvitch deixasse a sua vtima e saltasse para o cho,olhando ameaadoramente para Tarzan. A jovem levantou-se tambm ofegante, muitoplida... Era a mesma que Tarzan surpreendera olhando para ele no convs, horas antes.

    - Que significa isto?... - exclamou Tarzan olhando para Rokoff, o instigador de tudo

    aquilo. O homem encolheu-se, rosnando, e Tarzan continuou dirigindo-se agora jovem: -Toque a campainha., vamos chamar um dos oficiais de bordo. Isto j foi demasiado longe.- No, no.. - exclamou ela, endireitando-se imediatamente. - Tenho... tenho

    certeza de que este homem no queria realmente fazer-me mal..: Eu... sei e... e creio queele perdeu a cabea. Alm disso... no desejo que isto v adiante...

    Havia um tal tom de splica na voz dela que Tarzan se sentiu impedido de fazer oque tencionava, agora tendo a sensao ntida de que o assunto no ia ser levado aoconhecimento das autoridades.

    - No quer que eu faa nada, ento?... - perguntou ele.- Nada, por favor...- Aceita que estes dois patifes continuem a persegui-la?Ela parecia no atinar com a resposta a dar... Estava flagrantemente perturbada e

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    angustiada. Tarzan notou um malvolo sorriso de triunfo na face de Rokoff. Era evidenteque a jovem tinha medo daqueles dois homens... e no ousava falar diante deles.

    - Ento... - disse Tarzan -... agirei por minha prpria iniciativa... - voltou-se para

    Rokoff e continuou: - A voc e ao seu cmplice direi que desde este momento at ao fimda viagem no os perderei de vista. Se souber que tentam molestar esta senhora, mesmoremotamente, eu lhes pedirei contas imediatamente... e garanto-lhes que ser umadesagradvel experincia para ambos. Agora saiam daqui!Agarrou Rokoff e Paulvitch, pelo pescoo, e empurrou-os para o corredor...acrescentando o impulso, desferiu-lhes dois tremendos pontaps. E ento voltou-se paraa jovem, que o olhava com profundo espanto.

    - Quanto a si, senhora, me far um grande favor se me informar, caso estespatifes voltarem a incomod-la.

    - Ah, monsieur... - disse ela - ... espero que no venha a sofrer as conseqnciasda sua boa ao. Fez um inimigo ardiloso e muito perigoso, que no hesitar diante doque for para satisfazer o seu dio. Dever ter muito cuidado, realmente, senhor.

    - Desculpe-me... o meu nome Tarzan...- Sr. Tarzan..-. E por eu no ter querido que comunicasse o que se passou sautoridades de bordo... no pense que estou menos grata pela sua corajosa proteo.Boa-noite, sr. Tarzan... Nunca esquecerei a dvida que contra para consigo...

    E, com um lindo sorriso, a jovem cumprimentou Tarzan, que se despediuencaminhando-se para o convs. Intrigava-o profundamente o fato de existirem a bordoduas pessoas - aquela jovem e o conde Coude - que suportavam ofensas de Rokoff e doseu companheiro... e no entanto se recusavam a apresentar queixa contra eles, demaneira a que a justia lhes pedisse contas. Antes de adormecer, nessa noite, pensoumuitas vezes na bela jovem em cuja evidentemente complicada teia de vida o destino aenrespondeu. Lembrou-se ento de que nem sequer sabia o nome dela... A aliana, queusava na mo esquerda, provava que era casada. Involuntariamente, ps-se a conjecturar

    sobre quem seria o feliz marido de to bonita criatura.Tarzan no voltou sabendo de qualquer dos personagens do pequeno drama depercebera fugazmente, seno ao fim da tarde do ltimo dia de viagem. Viu a jovem,quando ambos se aproximavam das respectivas cadeiras de convs, vindos de lugaresdiferentes. Ela cumprimentou-o, com um sorriso, e quase imediatamente falou do que sepassara no seu camarote, duas noites antes. Parecia preocupada pela idia de que ele a

    julgasse em conseqncia das suas aparentes relaes com os dois miserveis.- Confio... - disse ela - ... que no ficasse com uma idia m a meu respeito, por

    causa dos acontecimentos de tera-feira. Tenho sofrido muito por causa disso... e desdeento a primeira vez que saio do meu camarote. Tenho... tido vergonha... - concluiu,com simplicidade.

    - No se julga a gazela pelos lees que a atacam respondeu Tarzan: - Vi esses

    homens em ao, no salo de fumo, na vspera da noite em que a atacaram.Conhecendo os mtodos deles, estou convencido de que a animosidade que tenhamcontra algum s pode provar a integridade desse algum. Homens como esses sonaturalmente vis, e odeiam o que nobre e bom.

    - bondade sua pr assim a questo... - Murmurou a jovem, sorrindo. - Eu jsabia do que havia acontecido no salo de fumo. Meu marido contou-me e falou-me emespecial da fora e da coragem do sr. Tarzan, por quem sente uma profunda gratido...

    - Seu marido?- Sim, eu sou a condessa de Coude...- Sinto-me amplamente recompensado por saber que pude prestar um servio

    esposa do conde de Coude.- Por minha parte, senhor, devo-lhe tanto que nunca poderei pagar a minha

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    dvida...A jovem condessa acompanhou estas palavras com um sorriso... e Tarzan pensou

    que qualquer homem faria grandes proezas por essa nica recompensa. No voltou a v-

    la nesse dia, nem na manh seguinte, durante a agitao do desembarque. Masrecordou-se da expresso dela, quase saudosa, quando tinha falado das sbitasamizades que se fazem durante uma viagem... e que cessam quando a viagem chega aofim...

    Possivelmente no voltaria a ver a linda condessa...

    CAPTULO 3

    O que aconteceu na Rua Maule

    Ao chegar a Paris, Tarzan dirigiu-se diretamente ao apartamento do seu velhoamigo DArnot . e o tenente censurou-o abertamente pela sua deciso de renunciar aottulo e fortuna que legitimamente lhe pertencia como herdeiro do falecido John Clayton,Lorde Greystoke.

    - Voc deve estar doido, meu amigo... - declarou DArnot - ... para to facilmenteabrir mo da sua posio e da sua fortuna... alm da oportunidade de poder provar quenas suas veias corre o sangue das mais nobres casas inglesas - e no o sangue de umamacaca. inacreditvel que tenham podido acreditar em tal coisa, especialmente missPorter. Eu nunca acreditei, nem mesmo quando nos encontramos na selva da sua frica...e voc comia carne crua, rasgando-a com os dentes, como um animal selvagem, elimpando as mos s pernas. Mesmo ento sem a mais leve prova em contrrio, eu sabia

    que ela no podia ser sua me.- Agora, com o dirio em que seu pai contou a terrvel existncia que, com suame, teve de suportar no isolamento daquela praia... com a narrativa do seu nascimentoe, finalmente, com a prova obtida pelas suas impresses digitais, espantoso que queiracontinuar sendo uma espcie de vagabundo sem fortuna e sem nome.

    - No preciso de outro nome alm de Tarzan...- Respondeu o homem da selva - ...e no tenciono ser vagabundo sem dinheiro. Na verdade, eu espero que seja o ltimoapelo que fao sua amizade, pedindo-lhe que me arranje um emprego qualquer.- Ah!... - respondeu DArnot . - Sabe perfeitamente que no me referia a isso. J lhe dissemuitas vezes que sou rico bastante para dois, ou para vinte, metade do que eu tenho lhepertence. Ainda que lhe desse tudo, isso no representaria a dcima parte do valor queatribuo sua amizade, Tarzan. Conseguirei alguma vez pagar-lhe o que fez por mim na

    frica? No esqueo, meu amigo, que sem a sua ajuda e espantosa coragem eu teriamorrido amarrado no poste na aldeia de Mbonga... para ser devorado pelos negros. Nemesqueo que lhe devo o milagre de ter podido restabelecer-me das terrveis feridas queme fizeram... Descobri, mais tarde, o que significou para voc estar a meu lado... quandoo seu corao o impelia para voltar. E Quando, finalmente, chegamos barracadescobrimos que miss Porter e o seu grupo haviam partido, foi quando compreendi aenormidade do favor que voc havia feito a um desconhecido. No estou tentando pagar-lhe com dinheiro, Tarzan. Acontece apenas que, neste momento, o dinheiro lhe necessrio. Se oferecer-lhe significasse alguma espcie de sacrifcio para mim, seria omesmo... a minha amizade e a minha admirao lhe pertenceriam sempre. Nisso eu noposso seno obedecer ao que sinto mas do dinheiro posso livremente dispor, e assimfarei.

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    - Bem... - riu Tarzan - ... no vamos discutir a respeito de dinheiro. Tenho de viver, eportanto preciso dele... mas ficaria mais satisfeito tendo alguma coisa para fazer. Vocno tem forma mais convincente de me demonstrar a sua amizade do que arrajando-me

    trabalho... A inatividade daria cabo de mim em pouco tempo. Quanto aos meus direitos denascimento, esto em boas mos. Clayton no me roubou fosse o que fosse. Acreditaque na verdade Lorde Greystoke... e sem dvida ser melhor, como Lorde, do que umhomem que nasceu e foi criado na selva africana. Voc bem sabe que eu sou apenasmeio civilizado, mesmo agora. Basta-me um acesso de fria para que todos os instintosdo animal selvagem, que realmente sou, faam desaparecer o pouco que tenho de culturae moderao e, por outro lado, se eu dissesse a verdade, privaria a mulher a quem amoda riqueza e posio que o seu casamento com Clayton lhe garante. No podia fazer talcoisa, no verdade, Paul? O nascimento, quero dizer, as condies do nascimento notm importncia para mim... criado como fui, no reconheo valor, em homem ou fera,que no lhe pertena intrinsecamente pela sua fora mental ou fsica. Assim, sou to felizconsiderando Kala como minha me... como seria tentando imaginar a jovem inglesa que

    morreu um ano depois de eu nascer. Kala foi sempre boa para mim, sua maneira.Quando minha me morreu... era Kala quem me amamentava. Lutou em minha defesacontra todos os outros habitantes da floresta e contra os membros da prpria tribo... comferocidade de um amor verdadeiramente maternal. - Por minha parte, Paul, eu amava-a.S compreendi bem at que ponto... quando a flecha envenenada de Kulonga a levou. Euera ainda uma criana, ento... e chorei a minha angstia como qualquer criana chorariapor morte de sua me. Para si, meu amigo, ela teria parecido uma criatura terrivelmentefeia... mas para mim era bela... de certo modo o amor transfigura. Assim, sinto-mecontente por continuar sendo o filho de Kala, a macaca.

    - No o admiro menos pela sua lealdade... - respondeu DArnot - ... mas chegaro momento em que voc ter de reclamar o que lhe pertence. Lembre-se do que lhedigo... e esperemos que ento seja to fcil como seria agora. No se esquea de que o

    professor Porter e o sr. Philander so as nicas criaturas vivas com possibilidade de jurarque o pequeno esqueleto, encontrado na barraca, com os de seu pai e sua me, era o deuma cria de macaco antropide, e no o do filho de Lorde e lady Greystoke. Essetestemunho muito importante. So ambos velhos, podem no viver muito mais tempo.Mais ainda... Voc nunca pensou que, se miss Porter conhecesse a verdade, quebraria oseu compromisso com Clayton? Podia facilmente ter o seu ttulo, a sua fortuna e a mulhera quem ama, Tarzan! Pensou nisso?

    - Voc no a conhece... - respondeu Tarzan abanando a cabea. - Nada aprenderia mais ao seu compromisso do que qualquer desventura que casse sobreClayton. um corao leal.

    Tarzan ocupou as duas semanas seguintes completando o seu breveconhecimento anterior com Paris. Durante o dia percorria bibliotecas e museus. Tornara-

    se um leitor ecltico, e o mundo de possibilidades que se abria diante dele, neste terrenoda cultura, fazia-o pasmar ao pensar nas migalhas de saber humano que um indivduopode adquirir, mesmo ao cabo de uma vida de estudo e de pesquisa. Mas aprendia o quelhe era possvel, durante os dias, e durante as noites procurava descansar e divertir-se.Tambm sob este aspecto Paris era campo frtil.

    Se fumava demasiados cigarros, e bebia absinto em demasia, era porque aceitavaa civilizao tal como a encontrava, e fazia as coisas que via fazer aos seus semelhantescivilizados. Aquela era uma vida diferente e empolgante... e alm disso ele trazia consigoum vazio que sabia nunca mais poder preencher. Assim, procurava no estudo e nadissipao - dois extremos - o esquecimento do passado e do descaso do futuro.

    Certa noite, estava num music hall, bebendo o seu absinto e admirando a arte deum famoso bailarino russo, quando notou de relance dois olhos malvolos que o fitavam.

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    O homem voltou-se e perdeu-se entre a multido antes que Tarzan pudesse v-lo bem -mas Tarzan ficou com a impresso de que j vira antes aqueles olhos, e de que no erapor acaso que os havia encontrado ali. Tinha tido a impresso de estar sendo observado,

    e por instinto voltara-se rapidamente e surpreendera o homem.Antes de sair do music hall j tinha esquecido o assunto... e no notou o vulto querecuou para as sombras de um portal em frente, no momento em que ele saa. Sem queTarzan o soubesse, fora seguido outras vezes, mas raramente estando s. Naquela noite,porm, DArnot no tinha podido acompanh-lo. Quando seguiu na direo do seuapartamento, que ficava em outro ponto da cidade, o vulto escondido no portal saiu deonde estava e caminhou apressadamente, em frente.Tarzan atravessava freqentemente a Rua Maule, seu trajeto para casa. Era uma ruaescura e deserta... que de algum modo lhe lembrava a sua selva. A Rua Maule, todavia,era uma daquelas que a polcia aconselhava a evitar depois do escurecer.

    Nessa noite, Tarzan percorrera cerca de dois quarteires atravs da escurido, aolongo dos velhos edifcios srdidos da Rua Maule... quando ouviu gritos de socorro que

    pareciam vir do terceiro andar de um prdio em frente. Eram gritos de mulher... no haviadesaparecido ainda o eco e j Tarzan subia em corrida a escada estreita e sem luz. Aofundo de um corredor do terceiro andar havia uma porta entreaberta... de onde veio umnovo grito igual aos anteriores. No instante seguinte o filho da selva estava no meio de umquarto escassamente iluminado. Um candeeiro de petrleo, colocado sobre uma velhacmoda, permitia distinguir vagamente uma dzia de vultos repulsivos... dos quais umapenas era mulher... Uma mulher de cerca de trinta anos, que devia ter sido bela... mascuja face estava fundamente marcada por todos os vcios. Estava encostada a umaparede, com as mos no peito.

    - Socorro, senhor... - disse ela, num tom estranhamente baixo. - Querem matar-me!

    Tarzan encarou os homens e viu as faces astutas e malvolas de criminosos

    habituais. Estranhou que nenhum deles fizesse qualquer tentativa para fugir... ummovimento furtivo, atrs dele, f-lo voltar-se e notar de relance duas coisas... um homemsaa sorrateiramente... e Tarzan reconheceu Rokoff... mas a segunda coisa era semdvida digna de mais imediato interesse: um tipo corpulento aproximava-setraioeiramente, brandindo um curto cacete. Quando esse e os outros viram que asurpresa j no era possvel, atacaram bruscamente Tarzan, por todos os lados. Algunsempunhavam facas... outros tinham agarrado cadeiras, e o homem do cacete disps-se avibrar um golpe que talvez tivesse sido fatal... se chegasse ao seu destino.

    Mas o crebro, a agilidade e os msculos que haviam vencido Terkoz e Numa nocorao da selva, no eram a presa fcil que os rufies tinham imaginado. Escolhendo oseu mais perigoso adversrio, o homem do cacete, Tarzan saltou sobre ele, evitando apancada e aplicando, na ponta do queixo do patife, um soco to forte que o prostrou no

    mesmo instante. Ento o homem da selva voltou-se para os outros, sentindo a alegria daluta e o prazer selvagem da violncia. A ligeira camada de verniz, dos recentes hbitos decivilizao, estalou e caiu...

    E os rufies encontraram-se fechados num quarto com uma verdadeira fera,contra cujos msculos de ao a sua mesquinha fora nada podia. Fora do quarto, aofundo do corredor, Rokoff espiava o resultado da luta... queria ter certeza de que Tarzanmorreria ali... mas nos seus planos no entrava a idia de tomar parte no assassnio. Amulher continuava no mesmo ponto onde Tarzan a vira entrar... mas a sua expressomodificara-se vrias vezes. falsa crispao de angstia cedera lugar um esgar demaldade e de astcia... para logo se transformar em apavorado espanto. O elegantegentleman, que os seus gritos haviam atrado... era afinal um gigante furioso e bravio.

    - Meu Deus!.. - gritou a criatura. - uma fera!

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    Tarzan lutava como aprendera a lutar na selva, e os seus dentes cravaram-seferozmente na garganta de um adversrio. Saltava, voava, parecia estar em toda a parteao mesmo tempo, com o impulso e a fora de uma pantera... ora um pulso se quebrava

    sob os seus dedos de ao, ora um ombro estalava quando o osso de um brao saa doseu lugar.Com uivos de pavor, os homens corriam para o corredor escuro, sangrando... mas

    mesmo antes de o primeiro ter fugido Rokoff j compreendera que Tarzan no ia ser ovencido na luta. E assim o russo tinha corrido ao telefone mais prximo, avisando apolcia de que andava um assassino solta no terceiro andar do n.o 27 da Rua Maule.

    Quando os polcias chegaram, encontraram trs homens cados no cho,gemendo, e uma mulher apavorada, estendida sobre uma cama suja e com a caraescondida entre os braos. No meio do quarto, um gentleman bem vestido pareciaesperar... neste ltimo ponto os polcias enganavam-se, porque era na verdade uma feraque os fitava com olhos cinzentos e duros, por entre as plpebras semicerradas. Com ocheiro do sangue, todos os vestgios de civilizao haviam desaparecido... e naquele

    momento Tarzan era como um leo encurralado, disposto matar e a morrer.- Que aconteceu aqui... - perguntou um dos polcias.Tarzan explicou, em poucas palavras, mas quando se voltou para a mulher, a fim

    de que ela confirmasse, pasmou ao ouvi-la gritar:- mentira! Ele entrou no meu quarto quando estava sozinha, e no trazia boas

    intenes. Quando eu o repeli, teria me assassinado se os meus gritos no tivessematrado estes senhores que estavam passando. um demnio, senhor guarda! Poucofaltou para matar dez homens, com as mos e os dentes..

    Tarzan ficou to espantado que, por momentos, no soube o que dizer. Ospolcias olharam para a mulher, incrdulos... porque a conheciam e conheciam ossenhores amigos dela. Mas eram polcias no juzes. Resolveram prender todos osenvolvidos...no dia seguinte um juiz distinguiria os culpados e inocentes. No tardaram a

    compreender, porm, que uma coisa era dizer quele jovem elegante que estava sobpriso... e outra coisa era prend-lo de fato.- No sou culpado de coisa nenhuma... - explicou Tarzan, ainda dominando-se. -

    Limitei-me a defender-me. No sei que razo leva essa mulher a dizer o que diz. Nopode ser por inimizade, porque nunca a vi antes de entrar neste quarto em conseqnciados seus gritos.

    - Vamos, vamos... - disse um dos guardas. - H juzes para ouvirem isso...Adiantou-se e pousou uma das mos sobre um ombro de Tarzan mas no mesmo

    instante foi atirado, feito num novelo, para um canto do quarto. Os outros tentaramdominar o homem da selva... e tiveram uma amostra do que os rufies haviam sofridopouco antes. To dura e rpida foi a reao de Tarzan que os polcias nem sequertiveram tempo para empunhar os revlveres.

    Durante a breve luta Tarzan notara, em frente da janela aberta, um tronco dervore - ou talvez um poste telegrfico. Quando o ltimo polcia caiu, um dos outrosconseguiu empunhar a arma e disparar...

    A bala errou o alvo, e antes que o guarda pudesse disparar segunda vez, Tarzanvarreu o candeeiro e deixou o quarto mergulhado em escurido. A ltima coisa que ospolcias viram foi um vulto que saltava da janela para o poste colocado beira do passeio.

    Quando todos conseguiram recompor-se e chegar rua, o jovem bem vestidodesaparecera por completo.

    A mulher e os homens que estavam no quarto no foram conduzidos esquadracom qualquer espcie de gentileza. Os polcias sentiam-se furiosos e humilhados... Eramuito desagradvel ter de dizer, num relatrio, que um homem sem armas os derrubara,desaparecendo depois. O guarda que havia ficado na rua jurou que no vira ningum sair

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    do prdio, pela janela ou pela porta, e isso ainda complicava mais as coisas, embora osoutros no acreditassem nele. De qualquer modo, a mulher e os homens feridos tinhamsido apanhados... e estavam em maus lenis.

    Ao saltar para o poste, Tarzan olhara instintivamente para baixo... e ao ver opolcia resolvera subir em vez de descer. Um salto - fcil para algum treinadopercorrendo quilmetros pulando de rvore em rvore - deixou-o num telhado vizinho.Desse telhado passou para outro, trepando ou saltando, at atingir uma ruelatransversal... onde outro poste lhe permitiu alcanar prontamente o cho. Tarzan correuao longo da ruela, na distncia de trs quarteires, e chegou em uma avenida onde haviaum caf aberto toda a noite. Nos lavabos do caf moveu, das mos e da roupa, osvestgios do seu passeio noturno sobre os telhados de Paris. Quando terminou, uns dezminutos depois, encaminhou-se vagarosamente para o seu apartamento. A curtos metrosda porta, quando ia atravessar um boulevard brilhantemente iluminado, parou porinstantes junto de um candeeiro pblico, a fim de esperar a passagem de um luxuoso

    automvel que se aproximava. Foi nesse instante que ouviu o seu nome, pronunciado poruma voz feminina.. e viu, dentro do carro e fitando-o, os belos olhos sorridentes de Olgade Coude. Cumprimentou. O carro seguiu...

    - Rokoff e a condessa de Coude, ambos na mesma noite... - murmurou Tarzan,falando consigo mesmo. - Afinal, Paris no assim to grande...

    CAPTULO 4

    A condessa explica

    - A sua Paris mais perigosa do que a minha selva, Paul... - concluiu Tarzan, namanh seguinte, depois de contar ao amigo as peripcias da noite movimentada. - Porque razo me atrairiam ali? Teriam fome?

    DArnot fingiu horrorizar-se, mas riu francamente ao ouvir a estranha pergunta.- difcil esquecer as reaes prprias da selva e raciocinar maneira das

    pessoas civilizadas... No assim, amigo?- Civilizada coisa nenhuma... - protestou Tarzan. - Na selva no existem

    atrocidades cometidas ao acaso, a esmo. A matamos para defender a vida, ou paracomer, ou para conquistar uma companheira, ou para proteger as crias... sempre deacordo com as leis da natureza. Mas aqui no... Os seus homens civilizados so mais

    brutais que os brutos. Matam sem razo e, pior do que isso, utilizam um nobresentimento, o da fraternidade humana, para atrair as vtimas ao seu covil. No conseguicompreender que uma mulher pudesse descer to baixo, em depravao moral, a pontode atrair a uma ratoeira de morte algum que se dispunha a socorr-la. Mas foi assim... Aatitude da mulher, depois, e a presena de Rokoff, tornaram possvel encarar o caso soboutro aspecto - Rokoff devia saber que eu passava freqentemente pela Rua Maule.Preparou todos os pormenores da armadilha...mesmo a histria que a mulher deveriacontar na hiptese de falhar, o golpe, como aconteceu. Isto perfeitamente claro.

    - Bem... - respondeu DArnot - ... pelo menos o incidente ensinou-lhe o que eu noconsegui faz-lo compreender... que a Rua Maule um lugar para evitar depois doanoitecer.

    - Pelo contrrio... - replicou Tarzan, sorrindo... - convenceu-me de que a rua

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    mais interessante da sua Paris. No mais perderei a oportunidade de por l passar... vistoque encontrei o primeiro divertimento verdadeiro que tive desde que vim da frica.

    - Talvez a Rua Maule lhe d mais do que voc quer, mesmo sem voltar l... -

    declarou DArnot . - No se esquea que no est ainda livre da polcia. Conheobastante bem a polcia de Paris, para lhe afirmar que eles no esquecero o que lhes fez.Mais cedo ou mais tarde o apanharo, meu caro Tarzan, e poro o homem da selva atrsdas grades. Que lhe parece isto?

    - Nunca me poro atrs das grades... - respondeu Tarzan, sombriamente.Na voz dele havia qualquer coisa que fez com que DArnot o olhasse

    atentamente. O que o jovem francs viu na expresso dos olhos cinzentos do amigo,deixou-o apreensivo. Na verdade Tarzan era ainda uma criana grande... que noreconhecia qualquer como mais forte do que a sua fora. DArnot compreendeu que eranecessrio fazer qualquer coisa para arrumar o caso entre Tarzan e a polcia, antes quese verificasse outro choque.

    - Voc tem ainda muito que aprender, Tarzan... disse DArnot , gravemente. - A

    lei tem de ser respeitada, quer nos agrade, quer no. Se persistir em desafiar a polcia,da s podem resultar complicaes para voc e para os seus amigos. Posso explicar-lhes a situao, e farei isso hoje mesmo, mas preciso que voc obedea lei. Vou falarcom o meu velho amigo que pertence aos servios da polcia, e arrumaremos o caso daRua Maule. Venha.

    Entraram ambos meia hora depois, no gabinete do oficial amigo de DArnot . Ooficial mostrou-se amvel. Lembrava-se de Tarzan, com quem muitas vezes falara mesesantes a respeito do assunto das impresses digitais.

    Quando DArnot concluiu a narrativa dos acontecimentos da noite anterior, ooficial teve um sorriso breve. Apertou um boto sobre a secretria e, enquanto esperava achegada de um dos seus ajudantes, procurou um papel entre outros que tinha na suafrente.

    - Joubon... - disse, quando o ajudante chegou. - Chame os agentes que assinaram esterelatrio. Diga-lhes que preciso deles sem demora... - voltou-se para Tarzan, quando oajudante saiu, e continuou, com uma gravidade amvel: - Cometeu um delito grave, meucaro, e sem a explicao dada pelo nosso comum e bom amigo DArnot ... me sentiriainclinado a julg-lo severamente. No entanto vou agir de um modo que no temprecedentes. Mandei chamar os guardas a quem maltratou a noite passada. Ouviro ahistria do tenente DArnot ... e eu deixarei nas mos deles a deciso quanto aoprocedimento a seguir. Tem ainda muito que aprender, quanto s formas da vidacivilizada. Coisas que lhe parecem estranhas, ou desnecessrias... ter de aceit-las atpoder ajuizar dos motivos que as determinam. Os agentes a quem maltratou ontem...estavam cumprindo o seu dever. No tinham poderes para decidir. Todos os dias esseshomens arriscam a vida para proteger a vida e a propriedade alheias. Fariam o mesmo

    por si. So homens corajosos e sentem-se humilhados pelo fato de terem sido batidos porum homem s e sem armas. Ser difcil, para eles, esquecer essa humilhao. Tenhocerteza de que o senhor um homem de enorme coragem... e os homens assim sohabitualmente magnnimos.

    A conversa foi interrompida pela entrada dos quatro agentes. Quando viramTarzan, nenhum deles escondeu a sua surpresa.

    - Meus senhores... - disse o oficial - ... aqui est o gentleman que encontraram anoite passada, na Rua Maule. Veio apresentar-se voluntariamente. Desejo que escutemcom ateno o que o tenente DArnot vai contar-lhes... sobre uma parte da vida do sr.Tarzan. Isso explicar a atitude dele, assim o julgo. Tenente, por favor...DArnot falou durante cerca de meia hora, contando aos quatro polcias uma parte davida de Tarzan na selva africana. Explicou-lhes o que essa vida significara... como treino

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    para combater como uma fera, em defesa prpria. Os guardas, surpreendidos einteressados, compreenderam facilmente que Tarzan agira por instinto e no por intenomalvola, ao atac-los. Simplesmente no os diferenara bastante bem das outras

    criaturas - pois que na selva no existiam mais do que inimigos.- O seu orgulho ficou magoado... - disse DArnot , concluindo - ... pelo fato de ums homem os ter vencido. Mas nisso no h vergonha. No sentiriam qualquerhumilhao se tivessem sido derrotados por um leo africano, ou por um grande gorila daselva. Pois bem, acontece que enfrentaram algum cujos msculos se opuseram muitasvezes, e sempre vitoriosamente, aos maiores desses terrores do continente negro. No vergonha para ningum ser dominado pela fora sobre-humana de Tarzan dos Macacos.

    E ento, quando os quatro homens olhavam, hesitantes, para o seu superior epara Tarzan, este teve um gesto que apagou de vez qualquer resto de animosidade.Avanou para eles, de mo estendida.

    - Lamento o meu erro, senhores... - disse ele, simplesmente. - Sejamos amigos...E esse gesto encerrou o caso - mas Tarzan passou a ser assunto de muitas

    conversas entre os guardas, e quatro homens corajosos alinharam decididamente nonmero dos seus amigos mais sinceros.Quando voltaram ao apartamento de DArnot , este encontrou uma carta de

    William Cecil Clayton, com quem mantinha correspondncia desde que o conhecera porocasio da malfadada expedio em busca de Jane Porter, raptada por Terkoz. Leu-a ecomentou apenas, em voz alta:

    - Eles vo casar em Londres, dentro de dois meses...Tarzan no precisava que o amigo lhe dissesse quem eram eles. No

    respondeu, mas ficou calado e pensativo durante o resto do dia, noite foram pera,mas a mente de Tarzan estava ainda ocupada com sombrios pensamentos. Pouca, ounenhuma, ateno prestou msica e ao que se passava no palco. Pensavaconstantemente na bela jovem americana que lhe confessara o seu amor... e ia casar

    com outro.Sacudiu a cabea, como para se libertar dos seus pensamentos tristes... e nomesmo instante sentiu que algum o fitava. Com o poderoso instinto da sua vida, naselva, voltou-se e olhou. Viu a bela face e o sorriso de Olga de Coude, que estava numcamarote. No intervalo seguinte foi cumpriment-la.

    - Tenho desejado tanto v-lo... - disse ela. - Tornou-se obsessiva a idia de que,depois do que fez por meu marido e por mim, nenhuma explicao lhe tivesse sido dada.Deve supor-nos ingratos... e pode decerto compreender a razo por que nada fizemospara evitar futuros ataques desses dois homens, contra ns.

    - Engana-se... - afirmou Tarzan. - Os meus pensamentos a respeito de si e de seumarido no poderiam deixar de ser agradveis. No deve sentir-se na obrigao de meexplicar seja o que for. Esses homens voltaram a molest-la?

    - Nunca deixam de o fazer... - disse a condessa, com tristeza. - Preciso contartudo a algum, ningum tem mais direitos sabendo do que o senhor. Permita-me que ofaa. Pode ser at vantajoso e, at porque conheo bem Nikolas Rokoff, e posso afirmar-lhe que voltar a ter notcias dele. Nikolas procurar todos os meios para se vingar... e oque quero dizer-lhe talvez o ajude a combater qualquer plano dele... No posso falar-lheaqui... mas amanh, pelas cinco da tarde, estarei em casa para receb-lo.

    - O tempo vai ser demasiadamente vagaroso... at amanh s cinco da tarde... -respondeu Tarzan, despedindo-se.

    De um canto da platia, Rokoff e Paulvitch viram Tarzan no camarote da condessaDe Coude. Ambos sorriram.

    s quatro e meia da tarde seguinte, um homem moreno e de barbas bateu porta

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    de servio do palacete dos condes de Coude. O criado que veio abrir teve um gesto desurpresa ao reconhecer o visitante, com o qual travou uma conversa em voz baixa. Aprincpio o criado mostrou-se renitente ante a proposta que lhe fazia o outro... mas

    alguma coisa passou das mos do homem barbudo para as dele. Ento o criado conduziuo visitante, ao longo de corredores desviados, at uma alcova oculta por cortinados,contgua ao pequeno salo onde a condessa mandara servir o ch cerca das cinco horas.

    Meia hora depois Tarzan entrou nessa mesma saleta e foi recebido pela belacondessa que lhe estendeu ambas as mos, sorrindo.

    - Estou to contente por ter vindo... - disse ela.- Nada poderia impedir-me de vir... - respondeu Tarzan.

    Durante momentos falaram da pera e dos assuntos mais em voga na cidade. Disseramdo prazer que ambos tinham em renovar um conhecimento iniciado em to estranhascircunstncias... e isso levou-os ao assunto que mais diretamente os preocupava.- Deve ter feito conjecturas sobre os motivos da estranha perseguio que nos movidapor Nikolas Rokoff. simples, no entanto... O conde est ao corrente de muitos dos mais

    importantes segredos do Ministrio da Guerra. Por vezes tem em seu poder documentosque algumas potncias estrangeiras fariam tudo para possuir - segredos de Estado, queos governantes dessas potncias desejariam obter mesmo custa de crimes...ou de piorainda. - Neste momento o conde tem em seu poder documentos que fariam a fama e afortuna de qualquer agente russo que pudesse comunic-los ao seu governo. Rokoff ePaulvitch so espies russos... e no hesitaro diante seja do que for para se apoderaremdo que pretendem. O caso acontecido a bordo do transatlntico - refiro-me ao jogo decartas - tinha por fim permitir-lhes arrancar, por chantagem, os segredos que procuram,Se tivesse sido demonstrado que meu marido fizera trapaa, a sua carreira ficariaarruinada, e ele teria de deixar o Ministrio... alm de que seria repelido da sociedade.Era essa ameaa que os dois esperavam poder brandir... e o preo de uma declarao,ilibando o conde, seria exatamente a fuga desses segredos. O senhor impediu-os de

    levarem a cabo o seu intento. Ento planejaram outra maneira de agir... na qual o preoseria a minha reputao e no a do conde. Quando Paulvitch entrou no camarote, disse-me. Se eu obtivesse as informaes que eles queriam, tudo terminaria ali. De outro modoo comissrio de bordo seria prevenido por Rokoff de que eu tinha recebido no meucamarote, com a porta fechada, um homem que no era o meu marido. Diria isso a toda agente, no navio, e ao desembarcar informaria os jornalistas.

    - No era horrvel? Mas acontece que eu sei alguma coisa, a respeito de Paulvitch,que o levaria ao patbulo, na Rssia, se fosse conhecida pela polcia de So Petersburgo.Ameacei-o com isso... e no mesmo instante ele saltou sobre mim e apertou-me agarganta. Sem a sua interveno, me teria assassinado... esta a verdade...

    - Os patifes... - murmurou Tarzan.- So piores do que patifes, meu amigo. So demnios. Receio por si, visto que

    atraiu o dio deles. Tem de estar constantemente em guarda... Peo-lhe por mim...porque nunca perdoaria a mim prpria se algum mal lhe acontecesse em conseqnciada sua ajuda.

    - No os receio... - disse Tarzan. - Sobrevivi a ataques de inimigos muito maisperigosos do que Rokoff e Paulvitch. Mas por que no os denuncia?

    Tarzan viu que a condessa nada sabia do caso da Rua Maule, e no falou a talrespeito para no aumentar ainda a angstia dela. Mas a pergunta surgiu naturalmente. Acondessa hesitou por um instante, antes de responder.

    - H duas razes... - disse, finalmente. - Uma delas a que impede o conde defazer isso mesmo. A outra, a verdadeira razo pela qual receio denunci-lo... nunca adisse a ningum... apenas Rokoff e eu a conhecemos. Na verdade espanta-me que... - ea condessa interrompeu-se bruscamente, olhando para Tarzan.

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    - Posso saber o que a espanta assim?... - sorriu ele.- Espanta-me que queira dizer-lhe o que nunca me atrevi a dizer a meu marido.

    Mas penso que compreender e me indicar o caminho a seguir... E acredito que no me

    julgar com excessiva severidade.- Eu seria mau juiz, minha senhora... - respondeu Tarzan - ... porque se asoubesse culpada de assassnio... diria que a vtima se consideraria decerto feliz pormorrer s suas mos.- Oh, o caso no to grave assim... - protestou a condessa. - Mas primeiro deixe-medizer-lhe a razo que impede o conde de agir contra esses homens. Depois, se tivercoragem... lhe direi a razo por que no me atrevo a agir. A primeira razo a de queNikolas Rokoff meu irmo. Somos ambos russos... e Nikolas foi sempre um homemmau, desde que eu me lembro. Era capito do exrcito russo, mas foi expulso... Houveum escndalo, que pouco a pouco se atenuou em parte... e meu pai conseguiu, para ele,um lugar nos servios secretos. H muitos crimes, terrveis, que so atribudos a Nikolas,mas ele tem conseguido sempre escapar ao castigo. Ultimamente conseguiu-o fabricando

    provas de que as suas vtimas eram traidores ao imperador, e a polcia russa, semprepronta a aceitar tais acusaes seja contra quem for, ilibou-o de culpa.- Mas os crimes, ou as tentativas de crimes feitas por ele, em relao a si e a seu

    marido, no anulam quaisquer direitos que os laos de parentesco pudessem garantir-lhe?... - perguntou Tarzan. - O fato de ser seu irmo no o impediu de tentar macular asua honra. No lhe deve qualquer lealdade, minha senhora!

    - Sim... mas h a outra razo. No lhe devo lealdade por ser meu irmo... masreceio-o em conseqncia de certo episdio da minha vida... que ele conhece. Voucontar-lhe tudo... porque sei que o meu corao exige que lhe conte, mais cedo ou maistarde. Fui educada num convento... e enquanto estava l conheci um homem que supusser um gentleman. Eu nada sabia a respeito dos homens... e menos ainda a respeito doamor. - Convenci-me tolamente de que amava esse homem... e a insistncias dele

    consenti em fugirmos ambos... para irmos casar...- Estive na companhia dele durante trs horas... sempre de dia e em lugares pblicos...em estaes de caminho de ferro e num comboio. Quando chegamos ao lugar ondedevamos casar-nos, dois polcias agarraram o meu companheiro, sada do comboio, eprenderam-no. Levaram-me tambm, mas quando contei a minha histria deixaram-meem liberdade... mandando-me sob vigilncia para o convento de onde havia sado. Ohomem a quem eu julgara amar no era na verdade um gentleman... mas sim umdesertor do exrcito e um fugitivo da justia civil. Tinha cadastro em quase todos ospases da Europa.

    O assunto foi abafado pelas superioras do convento, e nem sequer meus paistiveram conhecimento do que se havia passado. Mas Nikolas conheceu esse homem,mais tarde, e ficou sabendo de toda a histria. Agora ameaa-me de contar tudo ao

    conde, se eu no fizer o que ele exige de mim...- ainda uma menina pequena, na verdade... - disse Tarzan, rindo. - O que mecontou no pode, seja como for, prejudicar a sua reputao... e se no fosse de fato umamenina, saberia isso. V ter com seu marido, esta noite, e conte-lhe tudo, como mecontou agora. Ou me engano muito ou ele rir dos seus receios e tomar imediatasprovidncias para meter esse seu precioso irmo na cadeia onde j deveria estar.

    - S queria ter coragem para isso... mas tenho medo... Durante toda a minha vidareceei os homens... meu pai... meu irmo... os professores. Quase todas as minhasamigas receiam os maridos... Porque no devo recear o meu?- No me parece justo que as mulheres tenham medo dos homens... - respondeu Tarzan,intrigado. - Conheo melhor os habitantes da selva, decerto, e a o contrrio queacontece, exceto entre os negros. Mas, para mim, esses esto muito abaixo das feras, em

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    muitos aspectos. No... no entendo que uma mulher civilizada deva ter medo doshomens... que na verdade foram criados para as proteger. Eu detestaria pensar quequalquer mulher tivesse medo de mim.

    - No h qualquer mulher a quem acontea isso...- murmurou Olga de Coude,brandamente. - Conheo-o pouco... e embora parea tolice dizer isto... o nico homemde quem eu nunca teria medo... O que tanto mais estranho quanto se trata de umhomem espantosamente forte. Maravilhou-me a facilidade com que disps de Nikolas ede Paulvitch, naquela noite... no meu camarote. Maravilhou-me realmente...

    Quando Tarzan saiu, pouco depois, ia um tanto intrigado pela presso da mo dacondessa, ao despedir-se.... e pela firme insistncia com que ela Lhe exigira a promessade a visitar de novo, no dia seguinte. A recordao dos lbios dela, sorrindo, e do olharvelado dos lindos olhos que o haviam fitado docemente, na despedida, ficou com eledurante o resto do dia.

    Olga de Coude era uma linda mulher, e Tarzan dos Macacos um jovem muitosolitrio... com um corao magoado e precisado dos carinhos que s uma mulher lhe

    poderia dar.Quando a condessa voltou para a saleta, depois da partida de Tarzan, encontrou-se cara a cara com Nikolas Rokoff.

    - H quanto tempo ests a?... - exclamou ela, recuando.- Desde antes da chegada do teu amante... - respondeu o miservel, sarcstico.

    - Como se atreve a dizer tal coisa da sua irm? - Exclamou a condessa.- Bem, minha querida Olga... Se no o seu amante, aceite as minhas

    desculpas... mas se realmente no , a culpa no te cabe. Se ele tivesse a mnima partedo meu conhecimento das mulheres, estaria agora nos seus braos. Mas esse homem um estpido e um tolo. Cada palavra e cada gesto seu, eram um convite aberto... s queele no teve a clarividncia necessria para compreender.

    A condessa tapou os ouvidos.

    - No quero ouvi-lo mais! um homem mau!... Apesar do que diz, sabe que souuma criatura honesta. Mas agora no me ameaar mais, porque vou contar toda averdade a Raul. Ele compreender... e ento ter de ter cuidado contigo, Nikolas!

    - No lhe dir coisa nenhuma... - retorquiu Rokoff. Agora tenho conhecimentodeste caso... com a ajuda de um dos seus criados, no qual confio, nada faltar histriaquando os pormenores, devidamente testemunhados, chegarem aos ouvidos do seumarido. O outro caso serviu quando foi necessrio... mas agora tenho um assunto maisclaro para trabalhar, Olga. Um verdadeiro caso... e voc uma mulher casada... Quevergonha, Olga... - continuou o diablico homem, rindo.

    E assim a condessa nada contou ao marido, e as coisas ficaram pior do queestavam antes. De um vago receio... a condessa passara para um medo tangvel... etalvez a sua prpria conscincia a ajudasse a aumentar as propores desse medo,

    ampliando-o sem razo...

    CAPTULO 5

    O plano que falha

    Durante um ms, Tarzan foi um visitante assduo da bela condessa de Coude. Erafreqente encontrar outros membros do escolhido grupo que aparecia tarde, para och... mas mais freqentemente a condessa arranjava maneira de ficar sozinha com ele.

    Durante algum tempo ela tinha ficado assustada pelo que Nikolas insinuara.

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    Nunca havia pensado em Tarzan seno como num amigo... mas a sugesto maldosa doirmo levara-a a conjecturar sobre a estranha fora que parecia atra-la para aquele belo

    jovem de olhos cinzentos. Todavia no queria am-lo, nem desejava o amor dele.

    Era muito mais nova do que o marido, e sem o compreender totalmente haviadesejado a amizade de algum mais perto da sua idade. Os vinte anos de uma mulherso por vezes tmidos em confiar-se aos quarenta anos de um homem. Tarzan tinhaapenas mais dois anos do que a condessa, e ela sentia que ele poderia compreend-la.Era um homem decente, honesto e cavalheiresco. No o temia... Sentira, desde aprimeira hora, que podia confiar nele.

    Rokoff observara, distncia e com malvola satisfao, o evoluir da intimidadeentre a irm e o belo rapaz.

    Desde que ouvira Olga dizer a Tarzan que ele, Rokoff, era um espio russo, aoseu dio juntara-se o receio de que Tarzan o denunciasse, agora esperava apenas omomento de poder desferir um dos seus golpes. Queria ver-se definitivamente livre deTarzan, e ao mesmo tempo vingar-se das humilhaes e derrotas que sofrera.

    Quanto a Tarzan, estava mais perto de sentir-se satisfeito do que nunca estiveradesde que a paz da sua selva fora perturbada pela apario do grupo do Professor Porter.As suas relaes sociais com os amigos de Olga davam-lhe prazer, e a amizade dacondessa era-lhe grata. Dispersando os seus pensamentos sombrios, era como umblsamo para o seu corao magoado.

    Por vezes DArnot acompanhava-o nas suas visitas ao palacete dos de Coude,pois havia muito tempo que conhecia a condessa e o conde. Ocasionalmente o condeaparecia tambm nessas reunies, mas os mltiplos encargos da sua situao oficialretinham-no com freqncia at bastante tarde.Rokoff espiava Tarzan quase constantemente, esperando a ocasio de v-lo entrar denoite no palcio... mas essa espera foi decepcionante para ele. Em vrias ocasiesTarzan acompanhou a condessa a casa, depois da pera, mas invariavelmente despedia-

    se porta, com grande desgosto do devotado irmo de Olga. Verificando que lhe eraimpossvel armar a sua ratoeira por meio de qualquer ao voluntria de Tarzan, Rokoff ePaulvitch combinaram um plano destinado a apanhar o homem da selva numa situaocomprometedora... com o apoio de provas circunstanciais. Durante dias Nikolas leuatentamente os jornais, seguindo os movimentos de de Coude e de Tarzan, ao mesmotempo. E por fim encontrou o que buscava. Um jornal da manh trouxe a notcia de umareunio de carter poltico que teria lugar na noite seguinte, promovida pelo embaixadoralemo. O nome do conde de Coude figurava entre os dos convidados... e secomparecesse isso significaria que estaria fora de casa at depois da meia-noite.

    Na noite do banquete, Paulvitch esperou beira do passeio, diante da residnciado ministro alemo, num ponto de onde podia ver todos os convidados que chegavam.No tardou a ver de Coude apear-se do seu automvel... e ento apressou-se a voltar

    para onde Rokoff o esperava. Cerca das onze horas, Paulvitch pegou no telefone e ligouum nmero.- do apartamento do senhor tenente DArnot ?... perguntou o patife, quando

    obteve a ligao. - Tenho um recado para o sr. Tarzan, se ele quiser ter a bondade de virao telefone.

    Houve um momento de espera.- O sr. Tarzan? Sim, monsieur... Fala Franois, um criado da senhora condessa deCoude... Possivelmente o sr. Tarzan lembra-se de mim... o que uma honra...Exatamente... tenho um recado da senhora condessa... Sim, ela pede para visit-laimediatamente... Sim, imediatamente... Est... em dificuldades... No, sr. Tarzan... no seide que se trata... Posso dizer senhora condessa que o sr. Tarzan ir?... Fico muitograto...

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    Paulvitch desligou e olhou para Rokoff, com um sorriso mau. Este disse:- Ele precisar de trinta minutos para l chegar.:. Se voc chegar a casa do

    ministro alemo dentro de um quarto de hora, de Coude poder estar em sua casa em

    quarenta e cinco minutos. Tudo depende desse idiota se demorar um quarto de hora,depois de descobrir que no foi chamado e se trata de um truque. Mas, ou me enganomuito, ou Olga no gostar de que ele se demore to pouco. Aqui est o papel para deCoude. Apresse-se!

    Um quarto de hora depois Paulvitch estava na residncia do embaixador alemo eentregava a nota a um criado, dizendo:

    - Isto para o conde de Coude. muito urgente. Veja se lhe faz chegar s moseste papel, sem demora...

    Entregou umas moedas de prata ao criado e regressou mais uma vez aoapartamento de Rokoff. Um momento depois o conde de Coude recebia o papel e pedialicena ao seu anfitrio para tomar conhecimento do recado. Rasgou o sobrescrito e leu,empalidecendo progressivamente:

    Senhor Conde de Coude

    Algum que quer salvar a honra do seu nome serve-se deste meio para avis-loque a respeitabilidade do seu lar corre perigo neste momento. Um certo indivduo quedesde h tempos visita a sua casa, durante a sua ausncia, est agora em companhia desua mulher. Se for imediatamente o encontrar no boudoir da condessa.

    Um Amigo.

    Vinte minutos depois de Paulvitch ter telefonado para Tarzan, Rokoff fez umachamada para o telefone particular da condessa. Respondeu-lhe a criada de quarto de

    Olga. - A senhora j se retirou... - objetou a criada, perante a insistncia de Rokoff.- Trata-se de um recado importante e urgente, que s posso transmitir diretamente

    condessa. Pea-lhe que se levante e atenda o telefone. Voltarei a ligar dentro de cincominutos...

    Rokoff desligou, e um minuto depois chegou Paulvitch.- O conde tem o recado?- Deve estar a caminho de casa... - respondeu Paulvitch.

    - Excelente! Olga deve estar sentada no seu boudoir, bastante sumariamente vestida...talvez com um roupo sobre a camisa de noite... Muito sugestivo quando vir aparecer o talsr. Tarzan... ficar surpreendida, mas no desagradada. Se esse homem tiver sangue nasveias... o conde encontrar uma linda cena de amor... dentro de quinze minutos. Creio

    que planejamos tudo da melhor maneira, Alexis. Vamos beber o timo absinto do velhoPlancon, sade do sr. Tarzan... sem esquecer que o conde de Coude um dosmelhores espadachins de Paris... e o melhor atirador de Frana.

    Quando Tarzan chegou ao palacete, Jacques estava espera dele, porta.- Por aqui, Monsieur... - disse ele, conduzindo o visitante para a larga escadaria

    de mrmore. Um instante depois abriu uma porta, fez uma vnia, afastou um pesadocortinado e desapareceu... deixando Tarzan num compartimento frouxamente iluminado.

    Tarzan viu Olga sentada diante de uma pequena secretria onde estava otelefone. Tamborilava nervosamente com os dedos, sobre o tampo polido da secretria, eno o ouviu entrar.

    - Que se passa, Olga?... - perguntou ele.

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    A condessa voltou-se, com um leve grito de espanto.- Jean! Que faz aqui? Quem lhe abriu a porta? Que significa isto?Tarzan ficou estupefato, mas no mesmo instante compreendeu uma parte da

    verdade.- Nesse caso no me chamou, Olga?- Cham-lo, a esta hora da noite? Meu Deus! Julga-me completamente doida,

    Jean?- Franois telefonou-me para vir imediatamente. Que estava em dificuldades e

    precisava de mim.- Franois? Mas quem Franois?- Disse que era um dos seus criados... e falou-me como se eu devesse conhec-

    lo.- No tenho nenhum criado chamado Franois. Algum quis brincar consigo,

    Jean... - disse Olga,- Receio que se trate de uma brincadeira sinistra, Olga... Isto no apenas

    humor...- Que quer dizer? No pensa que...- Onde est o conde?... - interrompeu Tarzan.- Na residncia do embaixador alemo.- Isto outra habilidade do seu estimvel irmo. Amanh o conde ouvir falar do

    caso, interrogar os criados...: Tudo parecer confirmar... o que Rokoff deseja que oconde pense.

    - O miservel!... - exclamou Olga. Tinha-se levantado e aproximara-se de Tarzan,fitando-o. Estava muito assustada, tinha a expresso de uma pobre cora ferida. Tremia...e apoiou as mos nos largos ombros dele. - Que faremos, Jean? Amanh toda Parissaber... Nikolas tratar de que a notcia se espalhe.

    A atitude dela, o olhar, as palavras, tudo significava o milenar apelo da mulher

    para o seu protetor natural, o homem. Tarzan tomou na sua uma das mos dela. Foi umgesto involuntrio, to impensado como quando, logo depois, passou um brao sobre osombros trmulos de Olga.

    Mas o resultado foi uma espcie de choque eltrico. Nunca tinha estado to pertoda condessa, Fitaram-se, com um sobressaltado sentimento de culpa... e, em vez de semostrar forte, Olga tornou-se mais fraca e chegou-se mais para ele, envolvendo-lhe opescoo com os braos. Tarzan beijou-a...

    Raul de Coude tinha apresentado apressadas desculpas ao dono da casa...depois de ler o papel. Nunca saberia quais desculpas... assim como nunca poderialembrar-se exatamente do que se passou at ao momento de entrar no seu palacete. Sa recuperou uma espcie de domnio dos nervos, tornou-se frio e cauteloso. Por qualquer

    razo inexplicada, Jacques, criado, abriu a porta antes do conde subir os poucos degrausdo prtico. De Coude no estranhou isso, no momento, embora mais tarde se recordasse.Sem rumor, de Coude subiu a escada de mrmore e percorreu o corredor que conduziaao boudoir de sua mulher. Levava na mo uma pesada bengala e no corao um furiosodesejo de matar. Olga foi a primeira a v-lo. Com um pequeno grito apavorado arrancou-se aos braos de Tarzan...

    Este voltou-se exatamente a tempo de desviar com o brao a tremenda pancadaque lhe era dirigida cabea. Duas, trs vezes, a pesada bengala se abateu... e cadapancada apressava a transformao de Tarzan numa fera da selva. Com o grunhidorouco do gorila, saltou sobre o francs. A bengala foi arrancada das mos de de Coude epartida em duas... como se fosse um pau de fsforo. Tarzan atirou-a ao cho e atacou.

    Olga de Coude olhava, apavorada, a cena que se desenrolava diante dela. Por

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    momentos ficou paralisada...Correu para onde Tarzan estrangulava o conde sacudindo-o como um co

    sacudiria um rato... Agarrou as grandes mos do jovem, gritando:

    - Vai mat-lo! Vai mat-lo! Oh, Jean! Vai matar o meu marido!Tarzan estava surdo pela fria. De repente, atirou ao cho o corpo inerte do conde, ps-lhe um p sobre o peito e soltou o terrvel grito de vitria dos grandes antropides. De umextremo ao outro do palacete o grito ecoou, apavorando os criados, deixando-os plidos etrmulos. A condessa ajoelhou-se, junto do corpo do marido.

    Lentamente, a nuvem vermelha dissipou-se, ante os olhos de Tarzan. Tudoretomava forma, o homem civilizado voltava a dominar.

    - Olga... - murmurou.Ela levantou a cabea, esperando ver a expresso de fria assassina no olhar

    dele. Viu apenas uma expresso de arrependimento e de tristeza.- Oh, Jean! Veja o que fez... Ele era meu marido... eu amava-o... e est morto...Suavemente, Tarzan ergueu o corpo inerte e estendeu-o sobre um div. Depois

    encostou o ouvido ao peito do conde.- Um pouco de brandy, Olga... - disse.Ela trouxe o brandy, e conseguiram que de Coude engolisse algumas gotas. Um

    leve suspiro escapou dos lbios brancos. Depois um gemido...- No morrer... - murmurou Tarzan. - Deus seja louvado...- Por que fez isto, Jean?

    - No sei... Ele me bateu e eu perdi a cabea... Nunca lhe contei a minha histria, Olga...e foi pena, porque isto no teria acontecido. A nica me que conheci foi uma macaca... eat aos quinze anos nunca vi uma criatura humana. S aos vinte encontrei pela primeiravez um homem branco. H pouco mais de um ano eu era uma fera na selva... E aspessoas fazem isto... No me julgue muito severamente... Dois anos muito pouco tempopara recuperar sculos de civilizao...

    - No o julgo, Jean. A culpa foi minha... V embora... preciso que ele no o vejaquando voltar a si... Adeus!Tarzan saiu, de cabea baixa... mas pouco a pouco os seus pensamentos

    tomaram um caminho definido.Vinte minutos depois entrava numa esquadra de polcia, no muito longe da Rua

    Maule. A encontrou um dos agentes que conhecera, em condies bastante estranhas,vrias semanas antes. O policial mostrou-se contente ao v-lo, e aps um momento deconversa, Tarzan perguntou-lhe se ele j tinha ouvido falar de Nikolas Rokoff e AlexisPaul.

    - Muitas vezes, de fato... - respondeu o agente... Ambos tm cadastro, e emborapresentemente no haja nada contra eles, tratamos sempre de saber onde que podemser encontrados se a ocasio surgir. Por que pergunta, senhor?

    - Conheo-os, e gostaria de falar ao sr. Rokoff... um assunto de negcios. Sepuder dizer-me onde eles vivem, lhe ficarei grato.Minutos depois Tarzan despedia-se do polcia, levando no bolso uma tira de papel

    com um endereo referente a um bairro quase respeitvel. Chamou um txi quepassava...Rokoff e Paulvitch estavam outra vez no seu apartamento, conversando sobre aspossveis conseqncias dos acontecimentos da noite. Tinham telefonado para a redaode um jornal da manh, e esperavam a chegada de um reprter a quem forneceriam, emprimeira mo, o relato do escndalo que agitaria a alta sociedade parisiense na manhseguinte.

    Ouviram passos na escada e Rokoff exclamou:- Esses reprteres so rpidos! Abra a porta, Alexis!

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    Alexis abriu a porta e recuou precipitadamente...enquanto Rokoff olhava,espantado, para o jovem alto, de olhos cinzentos, que surgia diante deles.

    - "Nom de nom"!... - gritou, levantando-se de um salto. - Que quer daqui?

    - Sente-se... - respondeu Tarzan, em voz baixa, mas num tom que obrigou os doishomens a sentarem-se. - Sabem o que me traz aqui... - continuou, sem levantar a voz. Devia mat-los, a ambos... mas o fato de Rokoff ser irmo de Olga de Coude impede-meque o faa... agora. Lhes darei uma oportunidade de viverem. Paulvitch no conta, notem importncia... apenas um estpido instrumento, e por isso no o matarei enquantopermitir que voc viva, Rokoff, mas, antes que eu saia deste quarto,, deixando-os vivos,tero de fazer duas coisas. Rokoff comear por escrever uma confisso completa dainfmia que organizou esta noite... e assin-la. Depois ter de me prometer, sob pena demorte, que este caso no ser comunicado aos jornais. Se no fizer ambas as coisas,Rokoff, nenhum dos dois ficar vivo quando eu sair. Compreende? Vamos, apresse-se!Tem tinta, papel e uma caneta, sobre essa mesa...

    Rokoff tomou uma atitude beligerante, tentando demonstrar que no o assustavam

    as ameaas... mas no mesmo instante sentiu-se agarrado pela garganta, com dedos deao. Paulvitch, que tentou intervir, foi levantado no ar e atirado contra uma parede, juntoda qual caiu sem sentidos. Quando a face de Rokoff comeou a tornar-se negra, Tarzanlargou-o, empurrando-o para a cadeira. Paulvitch, que comeou a erguer-se, afundou-setambm numa cadeira, a uma ordem de Tarzan.

    - Agora escreva... - Disse o homem da selva. Se for necessrio agarr-lo outravez, no o largarei depressa. No omita um s pormenor... nem um s.

    Rokoff pegou a caneta e comeou a escrever... quase no mesmo instante bateram porta.

    - Entre... - disse Tarzan.- Eu sou reprter do Matin... - declarou o visitante, um rapaz novo e de olhar vivo. -

    Creio que o sr. Rokoff tem uma histria para mim...

    - Nesse caso engana-se, meu amigo... - atalhou Tarzan. - Voc no tem qualquerhistria para os jornais... no , meu caro Nikolas?- No... No tenho qualquer histria... agora... - rosnou o russo.- Nem agora nem nunca, meu caro Nikolas... insistiu Tarzan, com um olhar que o

    russo compreendeu e o reprter nem sequer notou.- Hem?- Nem nunca... - apressou-se a afirmar Rokoff.- Foi pena ter incomodado este senhor... - disse Tarzan. - Desejo-lhe muito boa-

    noite...O reprter saiu e Tarzan fechou a porta.

    Uma hora depois, levando no bolso um manuscrito de algumas pginas, Tarzan

    encaminhou-se tambm para a porta, dizendo antes de sair:- No seu caso, Rokoff, eu partiria de Frana... porque cedo ou tarde encontrareium prete