ecp trabalhomaquiavel dez2011
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PREFÁCIO
Este trabalho foi elaborado pelos alunos Alexandra Benites Custódio, António
Praxedes Correia e Carolina Costa Reis, da turma 1N1 do 1º ano de
licenciatura do curso de Ciência Politica e Relações Internacionais da
Faculdade de Ciência Política, Lusofonia e Relações Internacionais da
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias para a disciplina de
Epistemetodologia da Ciência Política, no 1.º semestre do ano letivo de
2011/2012, lecionada pelas Senhoras Professoras Ângela Montalvão Machado
e Sónia Leal Martins, tendo como tema Nicolau Maquiavel.
Na qualidade de aprendizes de cientistas políticos não pretendemos opinar se
é ou não lícito que OS FINS JUSTIFICAM OS MEIOS PARA ALCANÇAR E
MANTER O PODER, esse papel será deixado para mais tarde, no debate que
vai acontecer a seguir à presente apresentação.
Mas com a ajuda dos escritos nos livros de António Marques Bessa & Jaime
Nogueira Pinto, de John Morrow, de Marcel Prélot & George Lescuyer e do
Professor Freitas do Amaral que estão mencionados na bibliografia, o que se
pretende é fazer um retrato de natureza política de um homem a quem o
epitáfio inventado para o túmulo de Santa Croce pretendeu resumir assim:
«Nicolau Maquiavel: não há elogio que possa igualar este nome»
INTRODUÇÃO
A partir de meados do seculo XV, entra-se numa nova fase da história da
Europa – a fase do renascimento, que dá início à chamada idade Moderna, dá-
se uma atenuação muito forte do espírito religioso global que marcou a Idade
Média e uma clara acentuação do humanismo e dos valores profanos. Tudo o
que é humano passa a ser mais importante que o divino.
Assiste-se à afirmação da supremacia do poder civil sobre as autoridades
religiosas, e ao fortalecimento do poder real.
No plano político e administrativo, é o fim do feudalismo, acaba a pulverização
dos poderes senhoriais, corporativos, eclesiásticos e municipais, dá-se a
centralização do poder real e a afirmação do estado soberano.
É neste período, que nascem as grandes monarquias europeias.
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Começam-se a afirmar as nacionalidades, passa-se da Cidade-Estado para
Estado-Nação.
Assiste-se à ascensão do absolutismo real: o monarca desliga-se cada vez
mais dos vínculos de caracter religioso, para se guiar sobretudo por motivações
puramente políticas, ou seja, pela razão do estado.
Dão-se início aos descobrimentos, tudo vai conhecer um surto enorme, com
maiores consequências do ponto de vista cultural, económico e social, dando
início ao capitalismo moderno, a generalização e abertura do comercio, que
deixa de ser puramente local e requer controle e proteção de âmbito nacional,
também contribui para acentuar a necessidade do reforço de um poder real
centralizado.
É durante esta fase que se produz esse grande terramoto da história europeia
que é a Reforma Protestante, depois seguida da Contra-Reforma Católica,
acontecimentos que dividem a europa cristã em países católicos e
protestantes, com inevitáveis implicações políticas.
VIDA E OBRA DE MAQUIAVEL
Maquiavel nasceu em 1469 e morreu em 1527, com 58 anos, era natural de
Florença. É importante ter presente que ao tempo não existia a Itália como país
unificado, existiam várias cidades independentes. As maiores além de Roma (o
Papado), eram Veneza, Milão, Nápoles e Florença, foi nesta que viveu
Maquiavel.
Maquiavel pertencia à classe média, era filho de um licenciado em direito.
Em 1498 foi nomeado secretário da segunda chancelaria de Florença, cargo
que ocupou até 1512, não foi nunca um governante, mas um alto funcionário
público, tendo também sido encarregado de várias embaixadas.
Sempre se identificou como «SECRETÁRIO FLORENTINO»
A dada altura caiu em desgraça, retirando-se da vida pública para uma
modesta casa de campo em San Casciano, foi então aí que redigiu a sua obra
mais conhecida e mais célebre – O Príncipe, escrita em 1513-1514, mas
publicada em 1531, quatro anos após a sua morte.
Este livro foi oferecido a Lourenzo de Medicis, ou Lourenço, o Magnifico, de
quem o autor queria obter o favor de um emprego.
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A sua obra foi bastante contestada, designadamente pela igreja católica, em
cujo Index de livros proibidos esteve colocado «O Príncipe» até 1850.
Outros livros e traduções escreveu Maquiavel, mas os mais importantes, além
do Príncipe, foram os “Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio” (1517);
“A Arte da Guerra” (1519-1520) e “Discurso sobre a Reforma do Estado em
Florença” (1520).
PENSAMENTO POLITICO DE MAQUIAVEL
Maquiavel já tinha escrito os “Discursos sobre a Primeira Década de Titio Lívio”
e aí tivera oportunidade de proclamar os seus ideais republicanos.
A República, seria preferível à Monarquia.
Mas depois, caído em desgraça, saudoso das proximidades do poder, pretende
reconquistar um cargo público pela mercê do monarca, dedica-se à redação de
“O Príncipe” e confessa que o seu objetivo é obter um favor de um príncipe”,
resolve oferecer a Lourenço, o Magnifico, aquilo que pensa possuir de mais
valioso “o conhecimento das ações dos grandes homens, adquirido numa longa
experiencia de coisas modernas e numa continuada leitura das antigas”.
O livro está redigido sobre a forma de recomendações a um príncipe,
Maquiavel receia que se tome por presunção o facto de um individuo de baixa
condição discorrer sobre a atuação dos príncipes, mas logo se justifica que
“para conhecer a natureza dos povos é necessário ser-se príncipe, e para
conhecer a natureza dos príncipes tem de se ser popular”.
O grande objetivo do livro é aconselhar o Príncipe, sobre o modo de
adquirir o poder e sobre o modo de o conservar, quando recentemente
adquirido, este é o único fim político que Maquiavel toma em conta e
considera – conquistar e manter o poder, tudo o resto para ele é
secundário.
A grande originalidade de «O Príncipe» está em que quebra com a tradição do
pensamento político que o precedeu, quebra com a tradição greco-latina
clássica (Platão, Aristóteles e Cícero) na medida em que opta pelo realismo
político contra o idealismo ético.
E quebra com a tradição medieval cristã (Santo Agostinho e São Tomás de
Aquino), porque para além de omitir referências à lei natural, nunca fala
em Deus, aconselha muitas vezes a prática de atos imorais dos governantes e 3
se fala em religião é para afirmar que é útil ao estado porque ajuda a
convencer os povos a obedecer às leis.
Maquiavel é assim um inovador, é o primeiro «analista moderno do
poder», pois descobre o mundo da política como ela é, e não como
deveria ser.
«O Príncipe» é um guia prático, é um manual com recomendações sobre a
arte de governar.
A NOÇÃO DE ESTADO
Maquiavel é o primeiro autor a utilizar a palavra «Estado» com o sentido que
ela assume atualmente, isto coincide com a época da história europeia em que
o estado moderno dá os primeiros passos.
É a época do Renascimento, terminou a Idade Média, extinguiu-se o
Feudalismo, nasceram os primeiros Estados Nacionais, o poder real conseguiu
monopolizar o emprego da força pública ao serviço do bem comum:
Nasceu o Estado Moderno.
Pois é justamente nesta época que Maquiavel utiliza pela primeira vez a
palavra «Estado», é neste contexto com três séculos de antecipação, que
defende a unificação política de Itália.
CLASSIFICAÇÃO DOS REGIMES POLITICOS
Maquiavel apresenta pela primeira vez uma classificação bipartida e que, na
base do critério que adota, nunca mais será abandonada até aos nossos dias.
É a classificação em «Repúblicas» e «Principados» ou, como hoje diríamos em
«República» e «Monarquia».
Maquiavel tinha-se ocupado já das «repúblicas» na sua obra anterior, os
«Discursos sobre a primeira Década de Tito Lívio».
Para Maquiavel todos os regimes políticos são legítimos, não há formas de
governo ilegítimas, o que há é umas mais convenientes do que outras,
conforme as circunstâncias, não faz juízos morais, o príncipe é bom ou mau,
não em função dos critérios éticos, mas em função do êxito politico.
Bom é o Príncipe capaz de conquistar o poder e de o manter por muitos anos,
é mau aquele que não chega a possuir o poder ou que o perde em pouco
tempo.4
Não importa se os príncipes usam ou não a crueldade: o que conta é se a
crueldade foi bem usada e teve êxito, ou se foi mal usada e fracassou.
A MELHOR FORMA DE GOVERNO
Como regra geral Maquiavel prefere a República, vê-se isso, permanentemente
ao longo dos «Discorsi».
Para o florentino, há duas modalidades – A república aristocrática, governada
pelos nobres e a Republica democrática, governada pelo povo, no entanto
reconhece que há casos em que o governo forte de um só homem (monarquia)
é absolutamente necessário, nos casos seguintes:
A fundação de um novo Estado;
A reforma integral das instituições de um estado já existente;
Grave perigo público
Nos dois primeiros casos, a monarquia é preferível e o príncipe pode usar
todos os meios, mesmos violentos, para atingir os seus fins.
No terceiro caso, é a de haver circunstâncias extraordinárias de grave perigo
público que levem os órgãos constitucionais normalmente competentes a
confiar a salvação da Pátria a um homem providencial por um período
determinado, durante o qual ele fica legalmente autorizado a usar os plenos
poderes para restabelecer a normalidade da vida coletiva.
A POLITICA COMO CIÊNCIA
Maquiavel é sem dúvida o segundo grande politólogo (ou cientista da politica)
da história, logo a seguir a Aristóteles. Porque adota um método cientifico de
observação da realidade politica, porque purifica o método com que a politica é
analisada e porque procura estabelecer as leis da politica, ou seja, as leis que
retratam a forma como os fenómenos políticos acontecem e as razões porque
acontecem, em lugar de procurar deduzir os deveres morais impostos aos
governantes pela Religião, pela Ética ou pelo Direito Natural.
O ponto essencial do método de Maquiavel é o da observação da realidade.
Maquiavel, reivindica a autonomia do fenómeno político, bem como autonomia
do estudo da política em relação a outros fenómenos sociais, e em relação a
outras disciplinas do pensamento.
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Quando Maquiavel entende que os políticos são julgados, não pela
bondade ou maldade das suas ações, mas pelo êxito ou fracasso da sua
luta pelo poder, é a única coisa que conta em política , está efetivamente a
colocar-se num campo totalmente novo da politica como setor à parte, com as
suas exigências e regras próprias, e com os seus particulares critérios de
apreciação e julgamento.
Mas Maquiavel não se limita a observar e classificar a realidade, procura
descobrir as “leis da política”.
FORMULAÇÃO DAS LEIS DA POLÍTICA
Sem a formulação de leis que expliquem a causalidade de fenómenos políticos,
a política não pode ser considerada como ciência.
Maquiavel procura estabelecer algumas leis da política, segundo um esquema
lógico «quando acontece X, acontecerá necessariamente Y», ou «se se quiser
que suceda Y, é necessário praticar X»
NACIONALISMO
Maquiavel foi um nacionalista. Nesse tempo, não havia na Itália um Estado
nacional unificado, havia apenas cidades-estados, num contexto geral de
pulverização política, o que tornava a Itália constantemente sujeita a invasões
estrangeiras. Maquiavel considerava que nisso tinha grandes culpas o
Papado e que este era o grande obstáculo á unidade italiana, pois era
demasiado fraco para a assegurar, e demasiado forte para a tolerar.
Torna-se o arauto de uma «Itália unida, armada e despadrada», afirmando
mesmo: «amo a minha Pátria mais que a minha alma».
E para isso Maquiavel retorna ao ponto central da sua obra: para que a Itália
seja unida e forte, é necessário um príncipe.
A AMORALIDADE POLÍTICA
Maquiavel afirma textualmente:
«Nas ações dos homens, e sobretudo nas dos príncipes – onde não há tribunal
para quem reclamar -, apenas se olha ao fim. Faça então o príncipe para
vencer e manter o Estado, que os meios serão sempre julgados honrosos, e
louvados por todos».6
Ou seja: os fins justificam os meios. É esta a essência do maquiavelismo:
desde que se aceite um determinado fim a prosseguir, todos os meios são
bons para o alcançar, mesmo que constituam atos imorais ou até crimes.
O mal, segundo Maquiavel, não consiste em cometer um crime, consiste em
cometer um erro político.
Eis a verdadeira essência da doutrina de Maquiavel e daquilo que ficou
conhecido como o “maquiavelismo”: em política, deve-se praticar o bem quanto
possível, mas fazer o mal sempre que necessário.
CONCLUSÃO
Em primeiro lugar, Maquiavel aparece-nos como um nacionalista italiano,
muito antes da unificação da Itália – um homem que se bateu por uma causa
que havia de triunfar, e que portanto viu certo e viu longe.
Em segundo lugar, maquiavel surge-nos com a grande estatura de um
politólogo, um cultor da ciência politica, aspeto em que atinge a sua maior
dimensão: delimita e purifica o objeto e o método da ciência politica, baseia a
análise no estudo da realidade e não se limita a explicá-la e a classificá-la, vai
mais longe, procurando formular certas leis da política.
A terceira dimensão é a que ficou a ser conhecido como «maquiavelismo»,
ou seja, a «razão de Estado», a adoção de uma moral diferente para julgar a
ação política, a absolvição dos comportamentos eticamente reprováveis dos
governantes por terem em vista os interesses superiores da coletividade.
BIBLIOGRAFIA
Amaral, Diogo Fretas do, (2011), Histórias das Ideias Políticas Vol. I, Coimbra,
Edições Almedina
Prélot, Marcel & Lescuyer, George (2000), História das Ideias Políticas Vol. I,
Lisboa, Editorial Presença
Morrow, John (2007), História do Pensamento Político Ocidental, Mem Martins,
Publicações Europa-América, Lda
Bessa, António Marques & Pinto, Jaime Nogueira (2009), Introdução à Política
– O Poder na História, Lisboa/S. Paulo, Editorial Verbo
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DEBATE
No século XX, todos os grandes líderes de movimentos totalitários leram e
apreciaram «O Príncipe», é o caso de Lenine e Staline, de um lado, e de
Mussolini e Hitler, do outro.
Maquiavel diz que o fim justifica os meios, que o êxito politico desculpa os
crimes cometidos para o atingir, que o príncipe deve praticar o bem quando
possível e o mal sempre que necessário.
Os manuais de história dedicam muitas páginas a chefes políticos bem-
sucedidos que basearam o seu êxito no crime, na violência e na má-fé.
Estará a política isenta do juízo ético?
Há uma moral para os particulares em geral e outra para os políticos?
O critério do julgamento dos governantes é o do êxito?
O que pensar de tudo isto?
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