economia chinesa – transformações, rumos e necessidade de rebalanceamento do modelo econômico

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Apresenta o modelo de crescimento econômico chinês, suas reformas e atuais transformações, tendo em vista a relação estratégica Brasil x China.

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Roberto Dumas Damas

Transformações, rumos e necessidade de rebalanceamento do modelo econômico da China

ECONOMIA CHINESA

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Sumário

Prefácio ............................................................................................................................................................. 9

Introdução ..................................................................................................................................................... 13

CAPÍTULO 1

Economia chinesa antes de 1949 .................................................................................................... 25

1.1 Avanço europeu antes do século 19 e as guerras com potências estrangeiras ............... 25

1.2 A restauração Meiji no Japão e a invasão japonesa .............................................................. 27

1.3 A Rebelião dos Boxers e a queda do Império Chinês ............................................................ 32

1.4 O início da industrialização, novas invasões japonesas e guerra civil ............................... 33

1.5 Quais foram os fatores domésticos e externos que levaram à perda da importância da economia chinesa no contexto global de 1800 a 1949? ................... 38

CAPÍTULO 2

Era Mao Tsé ‑Tung e transição para uma economia central planificada ...................... 45

2.1 Transição gradual chinesa: a única alternativa viável dadas as suas forças de produção ........................................................................................................48

2.2 O Grande Salto à Frente e o abandono da estratégia gradualista ...................................... 51

2.3 Estratégia de desenvolvimento voltada à indústria pesada ................................................. 57

2.4 Desempenho econômico durante a Era Maoista e instabilidade política .........................64

2.5 A terceira frente de industrialização .........................................................................................68

2.6 O fim da Era Maoista e a ruptura com a ortodoxia marxista ............................................... 69

CAPÍTULO 3

As reformas de Deng Xiaoping e a abertura da China .......................................................... 73

3.1 Debate ideológico, mas suaves críticas às ideias do “grande timoneiro” ......................... 73

3.2 Reforma incremental gradualista e abertura ao exterior ...................................................... 78

3.3 Ascensão das Townships and Villages Enterprises (TVEs) ................................................... 82

3.4 Desempenho da agricultura e produtividade pós-reformas ................................................. 85

3.5 O verdadeiro protagonista do crescimento do país da década de 1980 não veio de fora ............................................................................................................ 87

3.6 Problemas com as reformas .......................................................................................................90

3.7 O interlúdio da Praça da Paz Celestial ..................................................................................... 93

3.8 Reação conservadora no partido e o grande acordo de Deng Xiaoping ............................ 97

3.9 Impactos de longa duração após o incidente de 4 de junho ............................................... 99

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CAPÍTULO 4

Modelo de crescimento econômico chinês e necessidadede rebalanceamento .............................................................................................................................. 105

4.1 Modelo de crescimento econômico chinês – Análises por diferentes abordagens ....... 108

4.2 Excesso de investimentos e menor eficiência de alocação ............................................... 128

4.3 O indicador de vendas ao varejo não representa consumo das famílias ......................... 134

CAPÍTULO 5

Regime cambial chinês, política monetária e trindade impossível ............................... 137

5.1 Regime cambial chinês: desenvolvimento histórico ............................................................ 139

5.2 Política monetária e administração da liquidez .................................................................... 143

5.3 Quão independente é a política monetária da China? ......................................................... 149

5.4 Flexibilização do regime cambial chinês: desafios e devaneios ....................................... 164

CAPÍTULO 6

Sistema financeiro chinês ................................................................................................................... 177

6.1 Regulamentação .......................................................................................................................... 180

6.2 Sistema bancário ........................................................................................................................ 182

6.3 Mercado de dívida (bonds) ........................................................................................................ 196

6.4 Mercado acionário (bolsas de valores).................................................................................... 199

6.5 Shadow banking na China ......................................................................................................... 205

CAPÍTULO 7

Crise de 2008, China, Estados Unidos e terceiros mercados: uma nova ordem econômica mundial? .............................................................................................................................. 217

7.1 Desequilíbrios nas contas externas dos Estados Unidos: Era Reagan, Clinton e George W. Bush .................................................................................. 219

7.2 Análise alternativa: hipótese dos saving gluts ....................................................................... 229

7.3 Os Estados Unidos dependem mais ou menos dos chineses para financiarem seus déficits? ......................................................................................................... 244

CAPÍTULO 8

Terceiros mercados, onda de investimentos chineses no Brasil –riscos e oportunidades ......................................................................................................................... 249

8.1 Mudança do modelo chinês e implicações para o Brasil ................................................... 251

8.2 Investimentos brasileiros e estrangeiros na China e estratégia de atuação ................... 254

Referências ................................................................................................................................................. 261

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Prefácio 9

Prefácio

Conheci Roberto Dumas logo que cheguei a Pequim no final de 2008. Na ocasião, ele era o representante do Banco Itaú BBA em Xangai e o coordenador do Foro Brasil, uma organização que congregava a maioria das empresas brasileiras com atuação na China. Desde meus primeiros contatos com Roberto Dumas, chamou minha atenção seu interesse em analisar e compreender a China, sua economia e suas relações com o Brasil. Ao longo do meu período como embaixador em Pequim, tive muitas oportu‑nidades para dialogar e participar de eventos e seminários com ele e sempre apreciei sua capacidade de análise e exposição e sua consciência da crescente importância das relações entre o Brasil e a China e da necessidade de melhor entendimento no Brasil das transformações em curso na China.

Dumas retornou ao Brasil antes de mim e foi um renovado prazer reencontrá‑lo após meu retorno e retomar nossas discussões sobre a China. Fiquei feliz e honrado quando fui por ele convidado para escrever o prefácio do seu livro Economia chinesa – Transfor-mações, rumos e necessidade de rebalanceamento do modelo econômico da China. Tinha certeza de que o texto seria de alta qualidade e uma importante contribuição para a compreensão das transformações ocorrentes na China, hoje a segunda maior economia do mundo e um parceiro estratégico para o Brasil.

Minha atenta leitura do texto confirmou minhas impressões iniciais. O livro, na verdade, tem uma abordagem mais ampla que a de um estudo sobre a economia chinesa ao examinar, em seus capítulos iniciais, o período pré‑revolucionário na China, a vitória de Mao e o período maoista. Além da qualidade das observações sobre os traços fundamentais desses dois períodos, o livro explora em seu primeiro capítulo um tema de grande relevância: as causas da perda de importância da economia chinesa. A análise examina as causas inter‑nas e externas da decadência chinesa e a compara com a ascensão japonesa.

No capítulo sobre o período maoista, são apresentados os traços fundamentais da política econômica do período e sua evolução, em obediência às diretrizes do grande timoneiro e rumo a uma crescente coletivização e a um planejamento centralizado. Esse capítulo é importante para contrastar o período maoista com as reformas de Deng Xiaoping e o processo de reforma e abertura da economia chinesa, que junto com a estabilidade e o pragmatismo, segue orientando a política chinesa e as transformações em sua economia, como mostra Dumas em seu livro.

O terceiro capítulo, sobre as reformas de Deng, abre a discussão da fase recente da evolu‑ção econômica chinesa. Ao longo de sua exposição, Dumas mostra como muitas das

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questões relevantes hoje, e das diretrizes seguidas pelas gerações posteriores, encontram sua origem nas reformas de Deng. Com grande propriedade, a análise estuda as trans‑formações no campo chinês com o sistema de responsabilidade familiar e a criação das empresas locais no campo, duas das mudanças fundamentais que abriram as portas para a expansão da economia de mercado e para a modernização chinesa.

É a partir do capítulo quarto, contudo, que o livro ganha dimensão pela qualidade e profundidade das observações de Roberto Dumas sobre o modelo de crescimento chinês. Analisando os vários componentes do PIB chinês, ele coloca com grande clareza e precisão a questão da queda da participação do consumo das famílias e a utilização de políticas para favorecer o investimento e a produção, que levaram ao desbalancea‑mento da economia chinesa, e ao tema que hoje domina o debate sobre os rumos da China: o rebalanceamento. Sua análise mostra como se articulam as diferentes políticas (monetária, fiscal, cambial, industrial) para concentrar recursos na produção em detri‑mento do consumo. Manejando com grande conhecimento a literatura recente sobre essa questão, a análise de Dumas é uma excelente contribuição para um melhor enten‑dimento do que está por trás da necessidade de rebalanceamento da economia com a transformação do consumo das famílias no motor do crescimento em substituição aos investimentos e às exportações.

Nos capítulos seguintes, essa análise é aprofundada em relação à estrutura e ao funcio‑namento do setor financeiro chinês. Com razão, Dumas identifica na operação das políticas cambial e monetárias elos fundamentais da cadeia de transferência de recur‑sos do consumo para o investimento. Ao fazê‑lo, deixa também claros os interesses constituídos dentro do partido, das estatais, do setor financeiro e das autoridades locais em preservar essas cadeias de transmissão de recursos. Sua análise é uma contribuição fundamental para a compreensão dos mecanismos vigentes no setor financeiro chinês e na operação dos controles da conta capital do balanço de pagamentos. Esse estudo mostra claramente as dificuldades no caminho do rebalanceamento da economia e identifica as transformações que terão de ser feitas na estrutura e no funcionamento do setor financeiro na China para abrir caminho para a continuidade do crescimento chinês. Seu exame sobre os riscos do setor financeiro da China e sobre as estruturas paralelas de financiamento e suas formas de operação é uma contribuição imprescindível para todos que desejam entender melhor os meandros do socialismo com características chinesas e a real forma de funcionamento da segunda economia do mundo.

No penúltimo capítulo, Dumas procura colocar a China no contexto da crise atual da economia mundial. Sua discussão sobre as reais causas da crise e sobre a teoria do excesso de poupança asiática como causadora dela é especialmente valiosa.

Por fim, o último capítulo contém uma discussão da fase recente das relações econômicas entre o Brasil e a China, quando o país asiático tornou‑se o principal parceiro comercial do Brasil e um crescente investidor, inicialmente nas áreas de matérias‑primas e recursos

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Prefácio 11

naturais, mas com uma presença cada vez maior na área industrial e de infraestrutura. Esse capítulo coloca a economia chinesa em um contexto mais amplo e mostra alguns dos traços importantes da relação econômica entre o Brasil e a China.

O livro de Roberto Dumas traz ao público brasileiro uma contribuição fundamental para melhor entendimento da economia chinesa e das tão comentadas reformas ora sendo implementadas pela quinta geração, liderada por Xi Jinping e Li Keqiang. Por tratar‑se da segunda economia do mundo e de um país cada vez mais importante para a economia brasileira, compreender os rumos da China é indispensável. Esta obra reflete a experiência e o aprendizado de um brasileiro e excelente economista que viveu na China e procurou entender sua realidade. Sua leitura contribuirá decisivamente para que saibamos orientar nossas relações com a China com clareza sobre as características do seu modelo econômico.

Clodoaldo Hugueney Ex-embaixador do Brasil na China

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Capítulo 1 | Economia chinesa antes de 1949 25

Capítulo 1

Economia chinesa antes de 1949

Um dos mais acirrados debates acerca da economia chinesa refere ‑se ao desempenho econômico e social desse país antes de 1949. Como analisar a economia da China antes de 1949 não é apenas uma questão de cunho histórico com dados factuais, mas revela sua importância na interpretação das reformas de Deng Xiaoping, em 1978, e o próprio maoismo, iniciado em 1949. Entender se a economia chinesa de fato estava em um rumo correto, utilizando ‑se de suas vantagens comparativas e de seus natural endownments para o seu próprio desenvolvimento, mostra a importância de tentarmos identificar o verdadeiro ponto de inflexão do dinamismo da economia chinesa. Será que a Revolução Nacionalista (1911) e a queda da última Dinastia Qing (1644 ‑1911) ou o maoismo foram realmente necessários, do ponto de vista do desenvolvimento econômico, para lançar as bases do desenvolvimento econômico chinês observado no século 20 com as reformas de Deng Xiaoping? Ou a economia chinesa antes de 1911 estava pronta para “decolar” de tal sorte que o maoismo e a Revolução Nacionalista foram absolutamente desneces‑sários do ponto de vista macroeconômico ou, pior, um atraso fatal ao rumo de ascensão no qual estava inserida a economia chinesa naquela época? (BRAMALL, 2009, p. 45).

Não existe a intenção de avaliarmos dados factuais minuciosos sobre a história da China antes de 1911 ou mais precisamente desde 1800, mas para termos uma clara avaliação da relevância ou não das reformas e mudanças subsequentes, precisamos examinar a evolu‑ção dos acontecimentos que eventualmente pavimentaram ou retardaram o sucesso do crescimento econômico da China.

1.1 Avanço europeu antes do século 19 e as guerras com potências estrangeiras

Antes do século 19, o Império Chinês poderia ser considerado hegemônico na Ásia, mas a partir do século 18 muitas nações europeias estenderam seus domínios e construíram estados fortes, economicamente baseados no comércio marítimo em várias partes da Ásia, como na Índia, Indonésia, Vietnã, no século 19, e no Império Czarista no norte da China (Manchúria).

Não havia o reconhecimento pelo próprio Império Chinês de que a nação não ocupava mais o “centro do mundo”. A China tinha como inconcebível a ideia de que novas nações emergiam e já detinham poderes bélicos para exercer forte influência ou pressões mercantilistas ao Império Chinês, dada a natureza do pensamento de hegemonia

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absoluta mundial naquela época. Até o final do século 18, todas as transações de comér‑cio exterior eram feitas no porto de Cantão e sob o controle total do Império Qing. Na realidade não havia interesse do Império Chinês em abrir ‑se para o mundo, em que pese o crescente nível de exportações de chá, porcelana e seda que a China fazia para diversos países da Europa. Como quase nada era adquirido pelos chineses, esse comércio era liquidado em taéis de prata (1 tael = 1 grama). Com o aumento das compras de mercadorias chinesas por nações europeias, principalmente Inglaterra e França, e o desequilíbrio na balança comercial com a China, esses países passaram a se preocupar com o crescente declínio do estoque de prata local e consequentemente com o enxuga‑mento de suas ofertas monetárias. Para tentar reverter essa tendência, a Coroa Britânica, sob o mandado do Rei George III, enviou o emissário Lorde Macartney à China com o objetivo de persuadir o Império Chinês a se abrir para o mercado internacional. Talvez o comércio exterior pudesse não representar uma fonte de desenvolvimento econômico para o Império Chinês, mas para as nações europeias a expansão de sua importância econômica repousava nas relações mercantis com outros países. O então imperador Qianlong (1735 ‑1796)1 ao receber as demandas da Coroa Britânica para um maior equilíbrio no comércio entre ambas nações, e eventualmente alheio ao fato de que o Império Chinês não detinha uma posição superior a outras nações, recusou os clames do emissário Macartney afirmando que as mercadorias vindas de seu país em nada interessavam ao Império Chinês. Fracassado o objetivo inicial de tentar rebalancear o comércio internacional com a China, o Império Britânico então passou a vender uma mercadoria, para a qual existia uma crescente demanda na China: o ópio.

O ópio que chegava à China não vinha diretamente da Inglaterra, mas de uma empresa britânica localizada na Índia chamada British East India Company. A venda de ópio proveniente da Índia (colônia britânica) crescia substancialmente na China, apesar de sua proibição nesse país, levando a um problema social cada vez mais grave entre a população, que passou a consumir cada vez mais a droga vinda do exterior. Alheio aos apelos do próprio imperador quanto à ilegalidade da venda de ópio pelos britânicos aos chineses, em 1839, sob ordem do então imperador Daoguang (1820 ‑1850), 20 mil caixas da droga, que correspondiam a quase todo o comércio anual e que estavam estacionadas no porto de Cantão, foram confiscadas e destruídas (TREVISAN, 2009, p. 189 ‑190). No mês seguinte o Império Britânico declararia guerra ao Império Chinês, dando início à primeira Guerra do Ópio, com a rendição absoluta dos chineses ao poderio militar britânico, em 1842.

Com a humilhante derrota, a China foi obrigada a assinar o Tratado de Nanquim, passando para o controle do Império Britânico a Ilha de Hong Kong, a qual foi devolvida a ela apenas no ano de 1997, ou 155 anos após a assinatura do tratado, além de ter de aceitar diver‑sas e pesadas indenizações de guerra bem como a imposição de tarifas de importação,

1 Período de reinado.

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artificialmente baixas, de apenas 5%. Esse foi o primeiro de vários outros tratados desiguais impostos à China. Além do generoso imposto incidente sobre os bens importados, o  tratado garantia também aos estrangeiros o benefício da “extraterritorialidade” (estendido também aos franceses), o qual desobrigava as empresas estrangeiras estabe‑lecidas na China de qualquer imposto, ou taxa adicional aos 5%, referente à importação bem como desobrigava os estrangeiros, então localizados em solo chinês, o respeito às leis e às regulamentações chinesas.

Em 1854, sob pretexto de revisar o Tratado de Nanquim e ampliar ainda mais os benefí‑cios e privilégios dos britânicos na China, como garantir acesso comercial dos mercadores britânicos a todos os rios da China, legalizar o comércio de ópio e criar uma embaixada britânica em Pequim, o Império Britânico mais uma vez declararia guerra à China, impondo pesadas perdas ao regime Qing em termos financeiros, além de provocar reações populares cada vez mais contrárias ao regime do Império Qing. Em 1870, o ópio repre‑sentava 43% de toda a pauta de exportações da China, perdendo apenas para o algodão, que representava 31%. Até 1910, o ópio era o terceiro bem mais relevante importado pelos chineses, representando aproximadamente 12% de todas as compras feitas no exterior.

1.2 A restauração Meiji no Japão e a invasão japonesa

Interessante notar como a história do Japão e sua abertura para o ocidente em muito se compara com a da China, tanto no que se refere ao aspecto de seu isolamento durante o período feudal, chamado período Edo ou Xogunato Tokugawa (1603 – 1868) quanto a imposição de “tratados desiguais” por nações estrangeiras e a abertura forçada de seus portos. No entanto, apesar das semelhanças históricas entre ambas as nações quanto a imposição de “tratados desiguais” e invasões estrangeiras, por que então o Japão triunfou economicamente e militarmente logo após a Restauração Meiji (1868 ‑1912), e a China não teve o mesmo êxito, passando a sofrer com as invasões dos próprios japoneses em 1895 e posteriormente em 1937?

Como a China, o Japão, durante o período de 1603 a 1868, era um país fechado e isolado das influências externas, tendo a sua sociedade estritamente dividida em três diferentes classes:

� Daymio (senhores da terra) e Shoguns (responsáveis pela segurança nacional)

� Samurais ou soldados da aristocracia

� Fazendeiros e artesãos

Assim como na China, a partir do século 19 o Japão passou também a sofrer pressões de várias nações estrangeiras, principalmente dos Estados Unidos, do Império Britânico e da Rússia, para que o governo de Edo abrisse os portos de seu país para o comércio inter‑nacional, mas ele se manteve firme. Mais especificamente em julho de 1853, o governo norte ‑americano, por meio de seu comandante naval Matthew C. Perry, enviou uma frota de navios à baía de Tóquio para que uma carta do presidente dos Estados Unidos fosse

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entregue ao governo de Tokugawa. Após a entrega, a frota comandada por Matthew Perry se deslocou até Okinawa com a promessa de que retornaria no próximo ano à espera de uma resposta positiva às demandas do governo dos Estados Unidos sobre a abertura dos portos. Considerando a superioridade militar dos Estados Unidos, o governo de Edo não teve outra escolha senão assinar o tratado, abrindo dois portos para o governo dos Estados Unidos (Shimoda e Hakodate), permitindo o comércio exterior de determi‑nadas mercadorias. No tratado ficava estipulado também que qualquer nova concessão dada ao governo de alguma nação ocidental automaticamente se estenderia ao governo dos Estados Unidos, uma clara semelhança aos tratados desiguais também impostos à China. Em dois anos, o governo de Edo foi forçado a assinar semelhantes tratados com os governos britânico, russo e holandês. O tratado com a Rússia adicionava o porto de Nagasaki e incluía outro elemento semelhante aos tratados desiguais da China: extra‑territorialidade, ou o direito de residentes de nações ocidentais localizados no Japão serem regulados pelas leis de seus próprios países. Os britânicos, russos, holandeses e franceses seguiram os passos dos Estados Unidos e em 1866 adicionaram nos tratados os 5% de imposto máximo que o governo japonês poderia impor a produtos importados. Obviamente a nação japonesa fora jogada em um cenário de total colapso de sua política isolacionista e do próprio governo de Edo, tornando ‑se um país semicolonial em razão da incapacidade de se defender das invasões dos estrangeiros (REISCHAUER, 1989, p.  97 ‑98).

O crescente descontentamento público com os tratados desiguais, a crescente presença dos estrangeiros e a incapacidade do governo de Edo de lidar com a nova situação levaram os daimyos e o imperador a firmarem uma aliança no final do século 19, pondo fim ao xogunato e estabelecendo a Restauração Meiji (1868 ‑1912). Assim como na China, era evidente o sentimento de humilhação que os tratados desiguais e a presença forçada das nações estrangeiras em solo japonês, gozando de privilégios tributários e legais, suscitava na população local. Evidente também era a incapacidade atual de “expulsar os bárbaros”, objetivo esse que deveria esperar. Para isso, a nova administração baseava ‑se em alguns alicerces:

� expulsão dos bárbaros – objetivo que não seria atingível momentaneamente;

� regime baseado na figura do imperador (autoridade central que tomava todas as decisões em seu nome);

� mudanças norteadas sempre com o objetivo central de “um país rico e militar‑mente forte”, pois somente assim seriam capazes de expulsar os bárbaros;

� Charter Oath ou Carta de Juramento do Imperador, por meio da qual ele se comprometia a abandonar antigos costumes em favor de novas experiências trazidas pelo ocidente, como forma de se tornar um grande império e aproveitar a modernização oferecida por elas;

� eliminação das divisões de classes hierarquizadas, que dificultavam a moder‑nização do governo, da economia e do poderio militar.

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O novo governo Meiji tomou diversas ações com o objetivo de ocidentalizar o Japão:

� desenvolveu a infraestrutura de comunicação e um poderio militar robusto, com o objetivo de expulsar os bárbaros;

� possibilitou o crescimento do subsídio do governo central ao surgimento das indústrias;

� construiu ferrovias e estabeleceu serviços postais para melhorar a comunicação;

� estabeleceu o sistema legal semelhante ao francês e alemão como forma de convencimento das nações ocidentais a relaxarem a cláusula de extraterrito‑rialidade existente nos tratados desiguais;

� implantou sistema de educação sobre assuntos do mundo ocidental, o qual possibilitou que diversos estudantes japoneses fossem enviados à Inglaterra para estudar Engenharia Naval, à Alemanha para estudar Engenharia Militar e Medicina, à França para aprender Direito e aos Estados Unidos para dominar métodos de Administração e Gestão.

Já em 1880 tornava ‑se claro que o Japão havia obtido êxito em transformar sua economia feudal em uma nação moderna, forte o suficiente para se defender de novas invasões, politicamente estável, tendo a figura do imperador como autoridade central e legítima, e em se tornar economicamente seguro.

Ao final do século 19, o Japão estava pronto para mostrar sua força ao testá ‑la com seus vizinhos asiáticos. Em 1876, o governo Meiji despachou para a Coreia uma força naval com o objetivo de forçar o governo daquele país a assinar um tratado comercial, semelhante aos impostos à China e aos que o comandante Naval Matthew C. Perry impôs ao Japão há 32 anos. Em 1885, ambos os países, China e Japão, haviam estabelecido um tratado determinando que a Coreia fosse um país coprotetorado, mas uma década mais tarde as hostilidades entre eles começaram a se escalar em relação ao controle sobre a Coreia e, em 1894, o Japão declararia guerra à China. Após seis semanas do início da guerra, não apenas Pyongyang (maior cidade da Coreia do Norte atualmente) fora capturada pelos japoneses, mas toda a frota de navios de guerra chineses do norte do país, destruída. O Império Qing, mais uma vez humilhado por uma nação estrangeira, é forçado a assinar o Tratado de Shimonoseki, o qual estipulava aos japoneses o pagamento de 5,670 toneladas de prata como reparações de guerra, bem como ceder ao Japão a Ilha de Taiwan (Formosa), Pescadores e a região de Liaodong, na Manchúria. Essa foi a primeira guerra sino ‑japonesa. Aos poucos o Japão passa a ocupar o espaço de outras nações como agressor e invasor da China (CHANG, 1997, p. 23 ‑24; TREVISAN, 2009, p. 192).

As diversas ações que nortearam as políticas do governo Meiji e que objetivavam expulsar os bárbaros, construindo um país economicamente robusto e um exército forte, podem ser evidenciadas pela invasão da Coreia e pela declaração de guerra contra a China.

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Mas agora o Japão queria ir além, alcançar maior expansão de suas fronteiras, tornando ‑se um verdadeiro império coroado de conquistas e domínios territoriais, o que passou a ser uma necessidade de sobrevivência econômica e política para o país e para o imperador. Não apenas o sentimento de unificação, centrada na figura do imperador, de autoestima de um povo homogêneo pavimentou ideias nacionalistas e imperialistas no Japão, mas a própria necessidade macroeconômica, dada a escassez de recursos naturais para uma crescente população. Desde a Restauração Meiji, em 1868, até 1930, esta cresceu de 30 para 65 milhões de habitantes, tornando extremamente difícil a obtenção de alimentos e recursos naturais para atender a essa crescente demanda. Aos japoneses existiam apenas três saídas como forma de evitar as diversas pressões advindas de uma população maior:

� imigração

� expansão para outros mercados

� expansão territorial

A primeira porta estava praticamente fechada, devido ao sentimento anti ‑Japão que passava a reinar em outras nações por causa das invasões. Expansão para outros mercados se mostraria igualmente ardiloso em um cenário de barreiras alfandegárias e tratados comerciais. Restava, portanto, apenas a expansão territorial. Nesse contexto, a China, com seu grande território, fraca e descentralizada politicamente, reunia as condições ideais para sua conquista, o objetivo imperialista de seu vizinho.

Com a primeira guerra sino ‑japonesa de 1895 e a queda do Regime Imperial Qing com a Revolução Nacionalista em 1911, a China passou por um período de relativo êxito em sua tarefa de unificação do país, tendo o líder do Partido Kuomintang (nacionalistas) engendrado esforços para combater os senhores da guerra do norte da China e unificar o país, com o objetivo de transformá ‑lo em uma verdadeira nação republicana. Por esse prisma, tornava ‑se mais que urgente para o Japão agir rápido se quisesse se expandir territorialmente, antes que seu alvo se fortalecesse, tornando o seu ímpeto imperialista e expansionista cada vez mais difícil e custoso quanto a recursos despendidos e vidas.

Após um incidente incitado pelos próprios japoneses em setembro de 1931, no Sul da Manchúria, o Japão lança uma invasão não declarada contra a China, dominando por completo a Manchúria, colocando como governante local seu preposto Pu Yi, ou o último imperador da dinastia Qing. Desejoso por retornar às suas tradições imperiais Manchu (berço da dinastia Qing), Pu Yi aceita a nomeação para comandar o Estado de Manchukuo (renomeado pelos japoneses após o domínio).

No verão de 1937, finalmente o Japão inicia uma guerra de larga escala contra a China após o incidente na ponte de Marco Polo, em Pequim. Essa guerra ganhou ampla notoriedade com a invasão de Nanquim, que deixou entre 200.000 e 350.000 chineses mortos, civis e militares, em um período de apenas seis semanas.

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Saint Paul EditoraConhecimento em Administração, Contabilidade e Economia

Acesse: www.saintpaul.com.br/editora(11) 3513-6930 | [email protected]

Autores: Roberto Dumas Damas

Número de páginas: 272

Edição: 1.ª | Ano: 2014

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