eco_dizer quase a mesma coisa
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7/29/2019 ECO_Dizer Quase a Mesma Coisa
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DIZERQUASEAMESMA COISA
Sobre a traducao~
Traduyao de
Jose Colayo Barreiros
.JDIFEL
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Titulo original: DIRE QUASI LA STESSA COSA. Esperienze di traduzione
2003, Bompiani R.C.S. Libri S.p.A. - Milao
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Capa: C1emel7lina Cabral
Revisao Tipogr:itica: 10ao Vidigal
Pre-impressao: VHM-Prodllf;oes Gnificas. Lda.
Impressao e acabamenlo: Tipografi a Guerra - vlsell
Deposito Legal n 221 056105
ISBN 972-29-0729-8/Fevereiro de 2005
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l.
Os sinonimos do Altavista
Parece que nao e facil definir a tradw;:ao.No Vocabolario dellalingua italiana editado pelaTreccani encontro aaCyao,aoperayao ou
a actividade de traduzir de uma lingua para outra urn texto escrito
ou mesmo oral, definiyao urn tanto tautol6gica que nao se revela
mais perspicua se passar ao lexema tradurre, traduzir: verter para
outralingua, diferente da de origem, urntexto escrito ou oral. Como
naentrada volgere (
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comoya. Estes codigos podem ser usados ate por urntransliterador que,
nao sabendo ale~ao, translitera uma mensagem alema emMorse, por
urn revisor deprovas que, mesmo sem saber russo, conheya as regras
de uso dos sinais diacriticos - e em ultima analise os processos de
translitera
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Limitemo-nos a considerar 0caso (l). 0 Altavista tinha cenamente
em mente (se e que 0Altavista tern uma mente) definiyoes dicionariais,
porque e verdade que em ingles a palavra work pode ser traduzida em
italiano por impianti eo Italiano impianti pode ser traduzido em I ngles
par plants ou systems. Mas entao somos obrigados a renunciar a ideia
de que traduzir significa apenas transferir ou verter de urn conjunto
de simbolos para outro pOI'que - salvo em casos de simples translite-
rayao entre alfabetos - uma certa palavra numa lingua natural Alfa
tern com frequencia mais de urn termo correspondente numa lingua
nahLral Beta. Para alem do mais, pondo de parte os problemas de tra-
dUyao, 0problema tambem se poe so ao [alante ingles. 0 que significa
work na sua lingua? 0 Webster diz que urn work pode ser uma activi-
dade, urn task, urn duty, 0resultado dessa actividade (como no caso
de uma obra de arte), uma estrutura de engenharia (como no caso de
urn forte, de uma ponte ou de urn tunel), urn lugar onde se exerce urn
trabalho industrial (como uma oficina ou uma fabrica), e muitas outras
coisas. Assim, mesmo que aceitemos a ideia de uma equivalencia em
significado, deveremos dizer que a palavra work e sinonimo e equiva-
lente em significado tanto de literary masterpiece como. deJ actory.
Mas quando uma (mica palavra exprime duas coisas diferentes, ja
nao falamos de sinonimia mas sim de homonimia. Existe realmente
sinonimia quando duas palavras diferentes exprimem a mesma coisa,
mas homonimia quando a mesma palavra exprime duas coisas dife-
rentes.
Se no lexico de uma lingua Alfa houvesse apenas sinonimos (e a
sinonimia nao fosse urn conceito tao ambiguo), esta lingua seria riquis-
sima e permitiF-nos-ia diversas formulayoes do mesmo conceito; por
exemplo, 0ingles tem frequentemente para a mesma coisa ou con-
ceito quer uma palavra com base no etimo latino quer outra com base
po etimo anglo-saxonico (como por exemplo to catch e to capture,jlaw
e defect) - e passemos por cima do facto de 0uso deum sinonimo em
vez do outro poder porem conotar diferente educayao e extracyao
social de modo que, num romance, atribuir a uma persona gem urn uso
em vez do outro pode contribuir para trayar 0seu perfil intelectual, e
portanto incidiria sobre 0senti do ou 0significado global da historia
contada. Por isso, se existissem termos sinonimos entre uma lingua e
outia, ja seria possivel a traduyao, ate para 0Altavista.
Em contrapartida, seria bem pobre uma lingua feita de muitos ho-
monimos, em que por exemplo variadissimos objectos se chamassem
todos0
coiso. Po is bern, dos poucos exemplos que acabamos de exa-minar, resulta que muitas vezes, para identificar dois termos sinonimos
na comparayao entre uma lingua e outra, e precise antes desfazer a
ambiguidade, como faz 0falante nativo, dos homonimos dentro da
lingua de que se devera traduzir. E 0Altavista parece nao ser capaz de
o fazer. Em contrapartida, consegue faze-lo urn fa!ante Ingles quando
decide como entender work em relayao ao contexto verbal em que
surge ou a situayao extern a em que seja pronunciada a palavra.As palavras assumem significados diferentes conforn1e 0contexto.
Para nos remetermos a urn exemplo celebre, bachelor pode ser tradu-
zido como solteiro, scapolo, celibataire num contexto humano possivel-
mente ligado a quest6es tendo a ver com 0matrimonio. Num contexto
universitario e profissional pode ser uma pessoa que recebeu um BA *
e num contexto medieval 0pajem de urn cavaleiro. Em contexto
zoologico, e urn animal macho, como uma foca, que fica sem com-
panheira durante a epoca do cio.
Agora compreende-se porque e que 0Altavista esta condenado ao
fracasso em qualquer dos casos: 0Altavista nao tern urn dicionario que
contenha as que em semantica se chamam selecy6es contextuais
(efr. Eco 1975, 2.11). Ou enta~ deveria ter recebido a instruyao deque works em literatura significa uma serie de textos e em contexto
tecnologico significa pelo cODtrario uma serie de instala
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Experimentemos agora assumir que aquilo a que chamamos 0
significado de uma palavra corresponde a tudo 0que num diciomirio
(ou numa enciclopedia) est
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beginning nao como substantivo mas como adjectivo pOl'quenao esta
munido de informac;:aobiblico-teoI6gica, e nao ve diferenc;:assubstan-
ciais entre urndeus queesta no comec;:oeurndeus que esta acomeyar
qualquer coisa. Por outro lado, mesmo do ponto devista teol6gico e
cosmog6nico, este Deus que comec;:avatoma-seentemecedor econ-
vincente. Pelo que sabemos, era realmente a primeira vez que criavaurnmundo, etalvez isto explique muitas imperfeic;:6esdo universo em
que vivemos, incluindo a dificuldade da traduc;:ao.
Isto faz-nos suspeitar que uma traduc;:aonao depende s6 do con-
texto linguistico, mas tambem de algo que esta fora do texto, e a que
iremos chamar infonnayao acerca do mundo, ou informayao enciclo-
pedica.Ora 0Altavista parece nao estar fomecido de uma rica informa-
c;:aoacerca do mundo, e paciencia, mas tambemparece desprovido das
mais 6bvias selecr;oes contextuais, porque demonstra nao saber que apalavra spirit adquire sentidos diferentes conforme seja pronunciada
numa igreja ou num bar.Quando pedi ao Altavista que retraduzisse 0trecho espanhol para
ingles, obtive os seguintes resultados:
In the God that began created the sky and the Earth and the Earth was
without form, and emptiness; and the dark was on the face of the deep
one. And the alcohol of the God moved on the face of waters. There and
the God said, let be light: and there was light. And the God saw the light,that that was good: and the God divided the light of the dark. And the
God called the slight day; and the dark that it called to Night. And afternoon
and the morning was the first day. And the God said, there it let be firma-
ment in means ofwaters, and it Jet divide it waters of waters. And the God
did firmament, and divided the waters that were under tirmarnent of the
waters that were on firmament. And it was so.
de que nao existem waters of waters. Mas este problema remediou-o
a sucessiva traduyao para alemao:
1mGatt, der anting, stellte den Himmel und die Masse und die Masse war
ohne Formular und emptiness her; und die Dunkelheit war aufdem Gesicht
vom tiefen. Und der Spiritus des Gottes vershob sich auf dem Gesicht des
Wassers. Dart und der Gatt sagte, lassend Sie, Licht su sein: und es gabLicht. Und der Gatt sah das Licht, das, das gut war: und der Gatt teilte das
Licht der Dunkelheit. Und der Gatt be~annte den geringftigigen Tag und die
Dunkelheit, die sie zur Nacht benannte. Und Nachmittag und der Morgen
waren der erstte Tag. Und der Gott sagte, dort lie6 er firmament in den
lVIitteln des Wassers sein, und er lie13es teilen wassert vom Wasser. Und der
Gatt tat firmament und teilte das Wasser, das unter firmament des Wassers
waren, das auf firmament waren. Und es war so.
o alemao recupera a ideia de urnDeus que comec;:a,mas traduzEarth por l'vlasse eform par formular, repete os eITOSanteriores se-
g~ndoosquais 0mundo esemformaesemvacuo, e0dialeve; 0alcool
divino transforma-se justamente em Spiritus, e 0that that toma-se
obviamente das das. Para traduziF created 0Altavista acha 0verbo
alemao herstellen, sabe que sedeve conjugar comIch stelle her ou Ich
stellte her, por alguma regra sintactica que possui sabe que deve por
her no fim da trase, nao repara que a frase acaba com Himmel e vai
pOl' 0 her demasiado a frente. Alem disso, a prop6sito de waters of
waters, entende 0primeiro termo como urnverba e 0segundo comosubstantivo. Nao resisti a tentac;:aodepedir aoAltavista que traduzisse
o texto alemao de novo para ingles, e eis 0resultado:
Estetexto emais ou menos vitima dos eITOSdoanterior, salvo que
traduz 0espanhol media por means, eITOlexical desculpavel, mas tam-bemde las aguas par ofwaters, faltando-lhe.ainformayaoenciclopedica
In the God, which began, placed the sky and the mass and the mass was
without form and emptiness ago; and the darkness was on the face of the
deep. And the white spirits of the God shifted on the face of tbe water.
There and the God said, leaving you, to be light: and there was light. And the
God saw the light, which, which was good: and the God divided the light
of the darkness. A nd the God designated the slight day and the darkness,
which designated it to the night. And afternoon and the morning were thefirst day and the God said, there let it in the means of the water be firma-
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ment, and it left it divides waesselt from the water. And the God did fir-
mament and divided the water, which firmament under tbe water was,
which were on'firmament. And it was like that.
poderao objectar que 0serviyo de traduyao do Altavista, sendo
rrratuito, e urn simples gadget oferecido aos navegadores da Internet,
;em excessivas pretensoes. Mas acontece que tenho nas maos a ultima
tr dudio italiana de lvIoby Dick (Milano: Frassinelli, 2001) onde 0tra-a ,dutor, Bernardo Draghi, se deu ao diveliimento de submeter 0inicio do
capitulo 110 ao que ele indica como urn conhecido software de tra-duyao, actualmente vendido ao prey? de cerca de um milhao de liras.
Eis 0original, a traduyao Draghi e a traduyao de um milhao:
E interessante que perante 0alemao stellte ... her 0Altavista nao
reconheya (e com uma certa razao) um verbo composto, que entendaher tornado singulannente como ago e produza um belo placed ... ago
(em compensayao permanecem em ingles outras constmyoes alemas com
o verbo no fim). 0Spiritus volta a converter-se numa coisa alco61ica,
e naturalmente 0Altavista nao consegue traduzir wassert.
Finalmente, e j a que tinha perdido a vergonha toda, pedi que
traduzisse este ultimo texto ingles para italiano, e eis 0 que me foi
devolvido:
Nel dio. che ha cominciato, disposto il cielo e la massa e la massa era senza
fOl1l1aed il emptiness fa; e lanerezza era sulla faccia del profondo. E Ieacqua
ragia del dio hanno spostato suJla faccia dell'acqua. La ed il dio ha detto,
lasciandoli, per essere luce: e ci era Iuce. Ed il dio ha visto la luee, ehe; che
buono: ed iI dio ha diviso la luce della nerezza. Ed il dio ha indicato il
giomo leggero e la nerezza, ehe la ha indicatta alia notte. Ed il pomeriggio e
la mattina erano iJ primo giomo ed il dio detto, la lascia nei mezzi dell'acqua
e tirmament ed a sinistra esso divide il waessert dalI'acqua. Ed il dio ha fatto
il firmament ed ha diviso !'acqua, che il firmament sotto l'acqua era, che erano
sui tirmament. Ed era come quello. *
Upon searching, it was found that the casks last struck into the hold were
perfectly sound, and that the leak must be further off. So, it being calm
weather, they broke out deeper and deeper, disturbing the slumbers of the
huge ground-tier butts; and from that black midnight sending those gigantic
moles into the daylight above. So deep did they go, and so ancient, and cor-
roded, and weedy the aspect of the lowermost puncheons, that you almost
looked next for some mouldy corner-stone cask containing coins of Captain
Noah, with copies of the posted placards, vainly warning the infatuated old
world from the flood.
TRAD. DRAGH1: A una prima ispe
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d'erbacce J 'aspetto del puncheons del pili basso che Lei cerco pressoche
seguente delbariJ e delJ'angolo-pietra ammutTito che contiene monete di
Capitano Noah, con copie degJi affissi affissi che avverte vanamente il
vecchio mondo infatuato daIl' inondazione. *
Concluindo, a sinonimia seca nao existe, excepto talvez em cer-
tos casos exiremos, como maridolhusband/mari. Mas ate a1 sera dis-
cutivel, dado que husband em Ingles arcaico significa tambem born
economo, em linguagem marinheiresca eurn capitao de mar-e-guerra
ou recomendatario e, embora raramente, tambem se chama assim 0
animal usado para cruzamentos.
* A falta de maior informa
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Com efeito 0Altavista faz lembrar muito 0jungle linguist descrito
por Quine noseu celebre ensaio sobre Meaning and Translation (in
Quine, 1960). Na opiniao de Quine, e ditlcil estabelecer 0significado
de urn termo (numa lingua desconhecida) mesmo quando 0linguista
aponta para urn coelho que passa e 0 indigena pronuncia gavagai!
o indigena tern a intenyao de dizer que esse e 0nome daquele coelho,dos coelhos em geral, que a erva esta a mover-se, que esta a passar urn
segmento espayo-temporal de coelho? A decisao tornar-se-a impossivel
se 0linguista nao tiver informayoes sobre a cultura indigena e se nao
sou bel' como e que os nativos categorizam as suas experiencias, se
denominam coisas, partes de coisas ou acontecimentos que no seu
conjunto compreendem tambern 0aparecimento de uma dada coisa.
o linguista portanto tera de comec;:ar pOI'elaborar uma serie de hipote-ses analiticas que 0 levem a construir um manual de traduyao - que
deveria cOlTesponder a todo urn manual nao so de linguistic a, mastambem de antropologia cultural.
Mas no melhor dos casos 0linguista que tern de interpretar a lin-
guagem da selva elabora uma serie de hipoteses que 0levam a conceber
urn possive! manual de traduyao, enquanto seria igualmente possivel
elaborar muitos manuais, todos diferentes entre si, cada urn deles
capaz de fazer senti do conforme as express5es dos nativos, mas todos
em miltua concorrencia'. Portanto deduz-se dai urn principio (teorico)
de indeterminar;iio da tradw;iio. A indeterminayao da traduyao deve-se
ao facto de que tal como nos so falamos sensatamente da veracidadede uma asseryao dentro dos termos de qualquer teoria ou esquema
conceptual, tambem so podemos sensatamente falar de sinonimia inter-
ling~istica dentro dos termos de qualquer sistema particular de hipoteses
anallticas (Quine, 1960: 16).
I Sem nos confiarmos a experieucias meutais, um caso muito interessante da-o a presu-
mivel decifra
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sintacticas. Em referencia a forma da expressao podem-se gerar varias
sub~tancias da expressao, a ponto de uma mesma frase, par exemplo,
Renzo ama Lucia, embora mantendo imutavel asua forma, se encama
em duas substancias diferentes conforme seja pronunciada par uma mu-
Iher ou por urn homem. Do ponto de vista da gramMica de uma lingua
as substiincias da expressao sao irrelevantes - enquanto sao de grandeimportancia as diferentyas de forma, e basta considerar que uma lingua
Alfa acha pertinentes certos sons que uma lingua Beta ignora, ou como
sac diferentes lexico e sintaxe entre lfnguas diferentes. Como iremos
ver mais adiante, as diferenyas de substancia alias podem tomar-se cru-
ciais no caso da tradutyao de texto para texto.
Agora limitemo-nos porem a considerar que uma lingua associa a
diferentes formas da expressao diferentes formas do conteudo. 0 con-
tinuum au materia do conteudo sera tudo 0que e pensavel e classi-
ficavel, mas as varias linguas (e culturas) dividem esse continuum emmodos pOl' vezes diferentes; e par isto (par exemplo, e como veremos
no ultimo capitulo) que civilizayoes diferentes segmentam a continuum
cromatico em modos disformes, a ponto de parecer impossivel traduzir
urn termo de cor incompreensivel na lingua AI fa para urn tenno de cor
tipica da lingua Beta'.
Isto permitira afirmar que dais sistemas do conteudo sao mutua-
mente inacessiveis, ou entao incomensuraveis, e que portanto as dife-
renyas na organizayao do conteudo tomam a traduyao teoricamente
impossivei. Segundo Quine nao se podera traduzir para uma linguagemprimitiva a expressao neutrinos lack mass, e basta recordar como e
dificil traduzir 0conceito que se exprime em alemao pela palavra
Sensucht: a cultura alema parece ter a nOyao precisa de uma' paixao
em que 0espayo semantico s6 parcialmente pode ser coberto par nOyoes
como aitaliana de nostalgia, ou pelas inglesas de yearning, craving
for au wishfulness.
E claro que as vezes sucede 0tenno de uma lingua remeter para
uma unidade de conteudo que as outras linguas i,gnoram, e isto levanta
serios problemas aos tradutores. 0 meu dialecto natal tern uma belissi-
ma expressao, scarnebie, ou scarnebbiare, para indicar urn fen6meno
atmosferico que nao e s6 nevoeiro au geada mas nao e ainda chuva,
mas sim uma cacimba cerrada, que tolda levemente a visao e e cor-mnte na cara do transeunte, especia.l!nente se se avanyar a velocidade
de uma bicicleta. Nao existe palavra italiana que traduza eficazmente
este conceito au tome evidente a experiencia que the corresponde, de
modo que se podera dizer tal como a Poeta que comprender non la
pUG chi non la prova [nao a pode entender quem nao a sente].
[ Krupa (1968: 56), por exemplo, distingue entre Ifnguas diferentes por estrutura e cultura,
como0
esquim6 e0
russo, Ifnguas afins par estrutura mas diferentes por cultura (checa eeslovaco), linguas afins por cultura mas diferentes por estrutura (hungaro e eslovaco),
e linguas afins par estrutura e cultura ~russo e ucraniano).
Nao ha maneira de traduzir com seguranya apalavra francesa bois.
Em ingles podera ser wood (que cOlTesponde tanto ao Italiano legno
como ao Italiano bosco)*, timber (que e madeira de construyao, mas
nao a madeira de que e feito objecto ja construido, como urn armaria- enquanto 0piemontes usa a expressao bosc no sentido de timber,
mas a Italiano chama legno tanto ao timber como ao wood, embora
para 0timber se possa usar legname), e inclusivamente woods, como
em a walk in the woods. Em alemao 0bois frances pode ser Holz ou
Wald (urn bosquete e uma kleine Wahl), mas ainda em alemao Wald
corresponde tanto a forest como a foresta (floresta) e fora (ver
Hjelmslev, 1943, 13). E as diferenyas nao se ficam par aqui, porquepara uma floresta muito celTada, de tipo equatorial, 0frances usaria
selve, enquanto a selva italiana tambem se pode usar (atenho-me aos
dicionarios) para urn bosque extenso com mato espesso (e isto e
valida nao s6 para Dante, mas ainda para Pascali que ve uma selva
nos alTedores de Sao Marino). Assim, pelo menos no que diz respeito
a entidades vegetais, estes quatro sistemas linguisticos parecerao mu-
tuamente incomensuraveis.
* Em relayao ao portugues, corresponde a madeira e bosque. 0 termo lenha, por sua vez,
correspondeni ao itaJiano legname. (N. do T)
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Todavia incomensurabilidade nao significa incompatibilidade, e a
prova ~0facto de se poderem comparar os sistemas italiano, frances,
alemao e ingles, senao seria impossivel elaborar 0esquema da Figura 2:
Como se devera traduzir para Ingles a frase italiana se as duas lin-
guas dividiram 0continuum do conteLldo de modos. tao diferentes?
Parece mesmo que onde os ingleses reconhecem tres distintas uni-
dades de contelldo, os italianos identificam apenas uma, precisamente
nipote, como se as duas linguas opusessem, de modo incomensunivel,
um unico espa
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fornecem instrw;:5es sabre como eventual mente traduzir a termo de
acordo com a contexto. 0tradutor pelo contnirio traduz sempre textos,
quer dizer, enunciados que aparecem dentro de qualquer contexto lin-
guistico ou sao proferidos em qualquer situa
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o Altavista (verosimilmente provido de muitos dicionarios) foiobrigado a estabelecer sinonimias dentro de urn texto (e de um.texto
particularmente complexo, onde ate 0proprio biblista nao tern a ce11eza
se 0the spirit of God da traduc;:ao de King James dara efectivamente
o sentido do original hebraico). Linguistica e culturalmente falando,
urn texto e uma selva onde urn falante indigena umas vezes conferepela primeira vez urn sentido aos telmos que usa, e este sentido pode
nao corresponder ao sentido que os mesmos termos poderao assumir
noutro contexto. 0 que signitica efectivamente, no tcxto de King James,
a palavra void? Uma terra vazia e oca por dentro ou privada de todo
o ser vivo sobre a sua crosta?
Nos atribuimos as palavras urn significado na medida em que os
autores de dicionarios delas tiverem estabelecido definic;:oes aceitaveis.
Mas estas definic;:oesrespeitam a muitos sentidos possiveis de urn terrno
antes que ele seja inserido num contexto e faIe de urn mundo. Qual e
o sentido que as palavras adquirem realmente, uma vez articuladas
num texto? Par mais selecc;:5es contextuais que 0 diciomirio nos de
para as palavrasface e deep, como pode 0profundo ou 0abismo ter
uma face, urn lado, uma superficie? Porque e que 0Altavista estava
errado ao traduzir face por cara? Em qual mundo passivel 0abismo
pode ter uma face mas nao urn rosto ou uma cabec;:a?
E foi por nao ter side capaz de reconhecer que 0trecho do Genesis
nao dizia respeito a urn inicio de Deus, mas sim ao inicio do uni-verso, que 0Altavista se demonstrou incapaz de fazer conjecturas sobre
o tipo de rnundo para que remetia 0texto original.
Quando comecei a trabalhar numa editora apareceu-me uma tradu-
c;:aodeingles que nao pude conti-ontar com 0original porque este havia
ficado nas maos do tradutor. Contudo, comecei a le-la para ver se 0
Italiano f1uia. 0 livro contava a hist6ria das primeiras investigayoes
sobre a bomba at6mica, e a certa altura dizia que os cientistas, reuni-
dos num certo lugar, tinham iniciado os seus trabalhos fazendo corse
di treni [colTidas de comboios]. Achei estranho pessoas que deviam
descobrir os segredos do atomo perdessem tempo com jogos tao sensa-
boroes. Assim, recolTendo aos meus conhecimentos do mundo, inferi
que aqueles cientistas deviam fazer outra coisa qualquer. Nesta altura
nao sei se me veio a cabeya uma expressao inglesa que eu conhecia,
ou se nao terei feito antes uma curiosa operac;:ao: tentei retraduzir mal
para ingles a expressao italiana, e veio-me logo.a
cabec;:aque aquelescientistas faziam training courses,
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masculino, uma Lucia, do sexo feminino, eRenzo mltrasentimentos
amorosos emrelayao aLucia, enquanto naoestaainda determinado se
Lucia Ihe corresponde. Mas nao sejulgue que este apelo a mundos
possiveis seravalido apenas para obras narrativas. Pomo-lo afuncionar
a cada compreensao de urndiscurso alheio tentando pelo menos com-
preender deque se esta afalar, eo exemplo do nipote ja no-Io demons-trou. Depois de urn longo convivio com urn amante desesperado que
sonhasse sempre e obsessivamente com uma amada que 0tivesse
abandooado (eeu nem sei sequer se era criatura real ou fmto da sua
fantasia), no dia em que ele me telefonasse dizendo com a voz entre-
cortada pela emoyao Ela voltou para mim, finalmentel, eu tentaria
reconstruir 0mundo possivel das lembranyas ou das fantasias do inter-
locutor, e seria capaz de compreender que quem voltara tinha sido
precisamente a amada (eseria rude e insensivel se theperguntasse de
quem e que estava a falar).
Nao ha modo exacto de traduzir a palavra latina mus para ingles.
Em latim mus cobre todo 0espayo semiintico que 0 ingJes segmenta
em duas unidades, conferindo auma apalavra mouse ea outra apaJa-
vra rat - e 0mesmo acontece em frances, espanhol ealemao, com as
oposiyoes souris/rat, raton/rata, NJ aus/Ratte*. 0 Italiano tambem co-
nhece a oposiyao entre topo e ratto, mas no quotidiano usa-se topo
mesmo para urn ratto, quando muito chamandoa
ratazana topone,topaccio ou ate, dialectalmente, pantegana, enquanto ratto se usaape-
nas em contextos tecnicos (num certo sentido estamos ainda ligadosao mus latino).
Semduvida emIta/iatambem sepercebeadiferenyaentreurnrati-
nbo do campo e uma ratazana peludissima que pode trazer terriveis
doenyas. Mas veja-se como 0uso pode.intluenciar aexactidao de uma
tTaduyao.BeniaminoDal Fabbro, na suatraduyaodeLa Peste deCamus
" Quanto ao portugues, se por urn lado tern igualmente a oposic;:ao ralo!ralazana (e0lexi-
ca brasileiro conserva mesmo 0etimo nlllS em musaranho), no uso comum e frequente
aplicar-se 0 [ermo ralo em ambos os casas. (N. do T)
(ediyao Bompiani) diz que 0doutor Rieux encontra uma manha, nas
escadas da casa, un sorcio morto. Sorcio .e palavra graciosa, e epra-
ticamente sinonimo de topo. Talvez 0tradutor tenha optado por sorcio
por parentesco etimologico com 0souris frances, mas - senos ativer-
mOSao contexto - os animais aparecidos emOrao, portadores dapeste,
deveriamser temveis ratazanas. Qualquer JeitorItalianoque tenhaumamodesta competencia extralinguistica (de lipo enciclopedico), e que
tente imaginar 0mundo possivel do'romance, devera suspeitar que 0
tradutor cometeu uma inexactidao. Com efeito, seseconsuItar 0texto
original, ve-se que Camus fala de rats. Se Dal Fabbro teve receio de
usar ratto considerando-o precisamente urntelmo demasiado erudito,
deveria pelo menos ter sugerido que nao se tratava de ratinhos.
Portanto os sistemas linguisticos SaDcompaniveis epodem-se resol-
ver as eventuais ambiguidades quando se traduzem textos, a luz dos
contextos, e em referencia ao mundo de que fala aquele dado tex/a.
Qual e a natureza de urn texto e em que sentido devemos consi-
dera-Io de maneira diferente de urn sistema Iinguistico?
J a vimos na Figura 1que uma lingua, e emgeral qualquer semio-
tica, selecciona num continuum material uma forma da expressao e
uma forma do conteudo, em cuja basesepodem produzir substiincias,
ou seja, express6es materiais como as linhas que estou aescrever, que
veicuJ am uma substancia do conteudo - dito de maneira muito sim-
ples, aquilo de que essa expressao especifica fala.
Mas podem nascer muitos equivocos do facto (e eu inscrevo-me
entreosprimeiros responsaveis) de paraexplicar osconceitos hjelmsle-
vianos, e pOl'tantodevido a razoes de clareza didactica, se ter cons-
truido a Figura 1.
Ora essa figura mostra certamente adiferenyaentreos varios con-ceitos de forma, substfmcia, continuum ou materia, mas deixa a im-
pressao dequesetratadeuma classificayaohomogenea, quando 0nao e.
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Dada uma mesma materia sonora, duas linguasAlfa e Beta segmen-
tflm-na de maneira diferente, produzindo duas formas diferentes da
expressao. E lima combinayao de elementos de forma da expressao
que se poeem correlayao corn elementos de forma do conteudo, Mas
esta e uma possibilidade abstracta que oferece qualquer lingua, etern
a ver com a estrutura de urnsistema linguistico. Uma vez concebidas
tanto a torma da expressao como a torrnadoconteudo,ja esta forrnada
a matelia ou continuum enquanto possibilidade amorta precedente, e
as substancias ainda nao seproduziram. Portanto, em termos de siste-
ma, quando fala por exemplo daestruturadalingua italianaou da lingua
alema, 0linguista so esta a considerar relayoes entre torrnasI.
Quando, ao explorar as possibilidades oferecidas por urn sistema
linguistico, seproduz uma emissao qualquer (tonica ou gnifica)ja nao
temos nada a ver com 0sistema, mas simcomurnprocesso que con-duziu a tormayao de urn texto2
. . A forma daexpressao diz-nos qual ea fonologia, a mortologia, 0
]~XICOe a smtaxe dessa dada lingua. Quanto a torma do conteudCija
vlmos que uma dada cultura no continuum do conteudo recorta formas
(ovelha vs cabra, cavalo vs egua, eassimpor diante), mas a substiincia
do conteudo realiza-se como 0sentido queassume urn dado elemento
de fonna do conteudo no processo de enunciayao. So no processo de
enunciayao se estabelece que, contextualmente, a expressao cavalo se
refere a torrna do conteudo que a op6e a outros animais, e mlo a que
a opoe, naterrninologia dos alfaiates, como costura cavalo das calcasacinturaou as bainhas. Dadas as duas expressoes lv/a io avevo chi~st;
la romanza di un altro tenore [iV/aseu pedi a romanza de outro tenor]
e iv/a io volevo una risposta di un altro tenore [A1as eu queria uma
resposta de Olltro tear], e no contexte que aexpressao tenore perde a
ambiguidade, produzindo portanto dois enunciados desentido diferente(a traduzir com expressoes diferentes).
POl'tantonum texto - que eja substancia realizada - nos temos
uma Manifestayao Linear (0 que sepercebe, ou !endo ou ouvindo) e
o Sentido ou os sentidos desse dado textol. Quando me encontro a
interpretar uma Manifestayao Linear reCOHOatodos os meus conheci-
mentos linguisticos, enquanto se da urn processo bastante mais com-
plicadonomomenta emquetentoidentificar 0sentidodoque meedito.
Como primeiratentativa, procuro compreender 0sentido literal, se
nao for arnbiguo, econelaciona-Io eV'entualrnentecom mundos possi-
veis: assirn, seler queBranca de Neve come uma mar;:asaberei que urn
individuo de sexo feminino esta a morder, mastigar e engolir pouco a
pouco urn fruto assim e assado, e farei uma hipotese sobre 0mundo
possivel onde se esta a desenrolar aquela cena. E 0rnundo em que
vivo e onde se considera que an apple a day keeps the doctor away,
ou urnrnundo fabulistico onde ao comer uma mayase pode cair vitirna
de urn sortilegio? Se me decidisse pelo segundo sentido, e claro querecorreria acompetencias enciclopedicas, entre as quais tarnbernexis-
tern competencias de genero literario, e a argumentos intertextuais
(nas fabulas costuma acontecer que... ). Naturalmente continuarei a
explorar a Manife~tayaO Linear para saber mais algurna coisa sobre
esta Branca de Neve e sobre 0lugar e a epoca em que se passa este
acontecirnento.
Mas note-se que, se lesse que Branca de Neve mordeu 0anzol,
provavelrnente recolTeriaa outra serie de conhecimentos enciclopedi-
cos com base nos quais os seres humanos raramente mordem anzois:
dai iniciaria urna serie de hipoteses, a verificar durante 0decorrer da
leitura, para decidir se por acaso Branca de Neve nao sera 0nome de
uma carpazinha. Ou entao - como parece mais provavel - activarei
urnrepertorio de expressoes idiomaticas, ecompreenderei quemorder
o anzol euma expressao proverbial que ternurnsentido diferente doliteral.
Igualrnente, acadatase daleitma, interrogar-me-iadequetala tanto
uma frasecomo urncapitulo inteiro(ecolocar-me-ia portanto 0proble-
madequal era0topic ou assunto dodiscurso). Alemdisso, acadapassoI Ao_linguista 0te:xto interessa como lonte de testemunhos sobre a estTuhlra da lingua,
e nao sobre a mlonnayiio contida na mensagem (L otman, 1964, tr. it.: 87).Poder-se-ia substituir a diade s;siema/ferto pela saussuriana de langue/parole e as coisasnao mudariam.
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tentaria identificar isotopias 1, ou entao niveis de sentido homogeneos.
Por exemplo, dadas as duas frases 0jockey mio estava satisfeito com
o cavalo e 0 alfaiate nao estava satisfeito com 0cava/a, so identiti-
cando isotopias homogeneas conseguiria compreender que no primeiro
caso 0cavalo e urn animal e no segundo uma parte das calyas (salvo
se 0conteJ:'to saltar por cima da isotopia, e nos falar de urn jockeymuito atento a elegancia do seu traje ou de urn alfaiate apaixonado pelo
hipismo).
E mais, nos activamos argumentos comuns, pelo que se eu ler que
Luigi partiu de comboio para Roma dou por implicito que ele se deve
ter dirigido a estayao, ter comprado a bilhete e assim por diante, e so
deste modo nao ficaria surpreendido se 0texto, numa fase sucessiva,
me dissesse que L uigi teve de pagar multa porque 0revisor 0apanhou
sem bilhete.
Nesta altura provavelmente eu estaria em condiy6es de recons-truir, apartir do entrecho, afabula. A fabula e a sequencia cronol6gica
dos acontecimentos, que todavia 0texto pode montar segundo' urn
entrecho diterente: Voltei para casa porque estava a chover e Porque
estava a chovet; voltei para casa sac duas Manifestay5es Lineares que
veiculam a mesma tabula (sai quando nao chovia, pos-se a chover,
regressei a casa) atraves de um entrecho diferente. Obviamente nero a
fabula nem 0entrecho sac quest6es linguisticas, sac estruturas que
podem ser realizadas noutro sistema semi6tico, no sentido em que se
pode contar a propria fabula da Odisseia, com 0mesmo entrecho, nao
so atraves de uma parafrase linguistica, mas por meio de urn filme ou
inclusivamente de uma versao em quadradinhos. No caso de resumos
pode-se respeitar a tabula alterando 0entrecho: por exemplo, poder-
-se-a contar os acontecimentos da Odisseia comeyando pelas aventuras
que, no poema, Ulisses contara mais tarde aos Feacios.
Como ficou demonstrado pelos dais exemplos sobre 0facto de ter
regressado a casa porque estava a chover, a fabula e 0entrecho nao
existem apenas nos textos especificamente nalTativos. Em A Silvia de
Leopardi ha uma tabula (existia uma donzela, que morava em frente
do poeta, 0poeta amaY a-a, ela morreu, 0poeta recorda-a com amorosa
saudade) e ha urn entrecho (0 poeta rememorante entra em cena no
principio, quando a donzela ja esti morta, e a donzela aos poucos vai
sendo posta a reviver na recordayao). Ate que ponto e de respeitar 0
entrecho numa traduyao diz-no-Io 0facto de nao haver traduyao ade-quada de A Silvia que nao respeit~~se, alem da fabula, tambem 0
entrecho. Uma versao que alterasse a ordem do entrecho seria puro
resumo de cabula para os exames, que faria perder 0sentido impressio-
nante daquele rememorar.
Precisamente porque e apmtir do entrecho que reconstruo a fabula,
a medida que prossegue a leitura, Y OUtransformando vastos trechos
textuais em proposil;oes que os resumem; tendo chegado por exemplo
a meio da leitui-apoderei condensar 0que aprendi em Branca de Neve
e uma jovem e bela princesa que suscita 0ciume da sua madrasta, aqual da ordem a urn cayador de leva-Ia para 0bosque e mat:'i-Ia. Mas
numa fase mais avanyada da leitura poderei ater-me a hiperproposir;iio
uma princesa perseguida e acolhida por sete an6es. Este encaixa-
menta de proposiyoes a hiperproposic;5es (e ve-Io-emos mais adiante)
e a que Ira pelwitir-me decidir qual e a historia profunda que 0texto
me conta, e quais acontecimentos sac pelo contrario marginais e paren-
teticos.Daqui pocterei proceder a identificar nao so a eventual psicologia
das personagens, mas 0 seu investimento nas que sac as chamadas
estruturas actanciais 1. Se leio Os Noivos dou-me conta de que dados
dois sujeitos, Renzo e Lucia, que sao simetricamente privados do objec-
to do seu desejo, eles se encontram de cada vez perante instancias
opositoras e perante instiincias adjuvantes. Contudo, enquanto perm a-
nece constante no decorrer de todo 0romance que Dom Rodrigo
encama a figura do Oponente eFrei Cristoforo a do Adjuvante, e 0
desenvolvimento textual que me perrnite, para minha grande surpresa,
deslocar a meio da hist6ria a personagem do Inominado do campo do
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Oponente para 0do Adjuvante, espantar-me por a Freira, entrada em
cena ~omo Adjuvante, passar depots a representar urn Oponente, e
ll1C1USlvamentepelo modo como permanece pateticamente ambfgua a
figura do padre Abbondio, exactamente por isso muito humana, que
oscI~a, qual vasa de barro no meio de vasos de fenD, entre opostas
fimyoes. E taivez no fim do romance eu decida que 0verdadeiro ao-ente
dominante, que as personagens pouco a pouco vao encarnand; e a
Providencia que se opoe aos males do mundo, a fraqueza da natu~eza
humana, e as cegas chicotadas da Hist6ria.
Poder-se-a continuar a analisar os varios niveis textuais a que
pode conduzlr-me a minha leitura. Nao ha progressao cronoi6gica de
Clma para baixo ou vice-versa, pOl'queja enquanto procuro compreen-
der 0assunto de uma Frase ou de urn paragrafo posso aniscar hip6teses
sobre quaIS serao as grandes estruturas ideoi6gicas que 0texto poe em
Jogo, e~quanto a compreensao de uma simples frase final pode de re-pente fazer-me abandonar uma hip6tese interpretativa que eu tinha
sustentado quase ate ao tim da minha leitura (0 que costuma acontecer
com os romances policiais, que especulamcom a minha tendencia de
leitor para fazer previsoes en-adas sobre 0andamento da trama e arTIs-
car juizos morais e psicologicos bastante temerarios sobre as varias
personagens emjogo).
, .Fic~ni .claro nas paginas seguintes que a aposta interpretativa nos
vanos nlvelS de sentido, e quais devem ser privilegiados, e tundamen-
t~~para as decisoes de urn tradutor'. Mas 0ponto e que se podem iden-tltlcar outros tantos niveis na Manifestayao Linear que somos levados
a con~iderar em bloco como substancia da expressao.
I Voltando aJakobson (193)-) I' d" . .. ' e em gera a tra [(faOdos tOffilallstas russus, poderemos
dlzer que 0 tradutor tem de apostar em qual e a dominanle de um texto. Sc nao fosse
suceder que a no
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tradutores e como dar uma visao do estilo, ou achar uma rima equiva-
lente mesmo quando se usam palavras diferentes.
Assim, num texto poetico teremos uma substancia linguistica (que
encama uma forma linguistica) mas tambem, par exemplo, uma subs-
tancia metrica (que encarna uma forma metrica como 0esquema do
decassilabo ).Mas ja se disse que pode haver tambem uma substancia fono-sim-
bolica (de que nao existe fonna codificada) e, para voltarmos aA Silvia,
toda a tentativa de traduzir a sua primeira estrofe resultaria inadequada
se nao se conseguisse (e de costume nao se conseguir) fazer que a
ultima palavra da estrofe (salivi [salas]) fosse um anagrama de Silvia.
A nao ser que se mudasse 0nome da donzela: mas nesse caso perder-
-se-iam as multiplas assonancias em i que ligam 0som quer de Silvia
quer de salivi aos occhi tuoi ridenti efiiggitivi.
Compare-se com 0texto original, onde pus em evidencia os i, atraduyao francesa de Michel Orcel (em que obviamente nao sublinhei
os i alfabeticos a que na pronuncia corresponde um som difenmte):
Silvia, rimembri ancora
Quel tcmpo delIa tua vita mortale
Quando belta splendea
Negli occhi tuoi ridenti e fuggitivi,
e tu, lieta e pensosa, i1limitare
di gioventu salivi?*
Sylvia, te souvient-il encore
Du temps de cette vie mortelle,
Quand la beaute briJIait
Dans tcs regards rieurs et fugitifs,
Et que tu t'avanc,;ais, heureuse et sage,
Au seuil de ta jeunesse?
" Silvi~, lembraS-leanda! daquele tempo daruavidamortal I emque abelezaresplan-
deciaI nos teus olhos esquivos eridentesI etu, alegreepensativa, 0limiar! dajuven-
rudetranspunhas? (Giacomo leopardi, Cantos, tr.Albano Martins. Lisboa: Vega, sid,
p. 53). (N. do T)
o tradutor foi obrigado a renunciar a relayao Silvia/salivi, e nao
podia fazer outra coisa. Conseguiu faz_er ~parecer no texto ~uit?s i,
mas a relayao entre 0original e a traduyao e de 20 para 10.Alem dlSSO,
no texto leopardiano os ifazem-se ouvir porque por seis vezes sac
reiterados no corpo da mesma palavra, enquanto em frances isto so se
da uma unica vez. De resto, e 0valente Orcel travava evidentementeuma batalha desesperada, 0Silvia itali.ano, acentuando 0iinicial, pro-
Jonga 0seu delicado fascinio, enquanto 0Sylvia frances (que por falta
de acento tonica naquele sistema linguistico fatalmente faz aparecer
acentuado 0a final) obtem um deito mais cm.
E isto vem confinnar-nos a persuasao universal de que na poesia
e a expressao que dita leis ao conteudo. 0conteudo, por assim dizer,
tem de se adaptar a este obstaculo expressivo. 0principio da prosa
e rem tene, verba sequentur, 0principio da poesia e verba tene, res
sequentur' .
Teremos ponanto de falar, de urn texto como fenorneno de subs-
tancia, sim, mas em ambos os seus pIanos terernos de conseguir iden-
tificar diversas substancias da expressao e diversas substancias do
conteudo, ou em ambos os pianos diversos niveis.
Como num texto de finalidade estetica se colocam subtis relayoes
entre os varios niveis da expressao e as do conteudo, e na capacidade de
identificar estes niveis, de dar um au 0outro (ou todos, ou nenhum),
e saber po-Ios na mesma relayao em que estavam no texto original
(quando possive]), que sejoga 0desafio da tradul(iio.