ebook - com que roupa eu vou - daniel gomide.pdf

Upload: dalila-de-albuquerque-silva-ed-junior

Post on 21-Feb-2018

218 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    1/159

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    2/159

    2]

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo ao Rei soberano, pois nos chamou

    eficazmente para fazermos parte de Seu Reino e nospresenteou com vestes de pureza. Agradeo a minhaesposa, Selma Leite de Souza, a qual tem cumprido seupropsito de auxiliadora. Como se ver nesse livro, estoudizendo aqui que ela uma boa esposa! Agradeo aoMarcos Lucena que pacientemente ouviu algumas ideiasacerca do captulo sobre a veste de bondade, tecendo alguns

    comentrios relevantes. Quero agradecer tambm ao PastorRafael, administrador do grupo de debates 5 Solas. Foi alique tive a oportunidade de ampliar meu entendimento, pormeio das participaes de Luza Dias, Ivanete, FernandoGuedes, Presbtero Daniel, todos integrantes do grupo 5Solas1, entre outros.

    1 5 Solas uma referncia ao grito de guerra da ReformaProtestante. So eles: Sola Fide (Somente a F), SolaScriptura (Somente as Escrituras), Sola Christus (SomenteCristo), Sola Gratia (Somente a Graa), Soli Deo Gloria (AGlria somente a Deus).

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    3/159

    Sumrio

    Introduo....................................................................... 5

    A PEA PRINCIPAL: JUSTIA..................................... 6

    A VESTE ESSENCIAL: SANTIDADE ........................... 23

    A VESTE DE MISERICRDIA...................................... 39

    VESTE DE BONDADE.................................................. 50

    VESTE DE HUMILDADE.............................................. 88

    A VESTE DE MANSIDO............................................. 97

    A VESTE DE LONGANIMIDADE............................... 106

    A VESTE DE PERDO................................................ 112

    A VESTE DE AMOR.................................................... 123

    UMA BREVE PALAVRA SOBRE A PALAVRA..... 150

    APNDICE................................................................... 154

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    4/159

    /4]

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    5/159

    /5]

    Introduo

    Com que roupa eu vou? Essa pergunta aparece maisfrequentemente nos lbios femininos. Contudo, este no um trabalho com dicas de moda. At porque no sou omelhor para oferecer-lhe tais dicas. H alguns anos fui festa de casamento do meu irmo Ricardo. Preparei amelhor roupa que pude. Um terno preto, uma camisa socialamarela e uma gravata vermelha. Ainda hoje minhacunhada guarda a foto para tirar sarro. Vale dizer que nessapoca eu no era casado. Minha esposa dificilmente medeixaria ir a um casamento como se estivesse indo a umafesta de frevo. Da voc nota que estou totalmente

    desligado do mundo da moda. Mas, como havia dito esselivro no pretende abordar esse assunto. Antes, utiliza ametfora da vestimenta para tratar da justia e da santidade.

    Voc deseja ir para o cu? E voc acha que poderentrar ali com qualquer roupa? Qual ento a roupaadequada? Buscaremos responder a essas perguntas no

    decorrer deste livro, mas no tencionamos esgotar oassunto. A minha orao para que voc, no decorrer e aofinal da leitura, seja tocado por Deus para que perceba oencanto e a venustidade do traje da santidade.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    6/159

    /6]

    A PEA PRINCIPAL: JUSTIA

    A temtica das vestes recorrente nas Escrituras.xodo 28:4ss, por exemplo, d detalhes riqussimos acercada veste sacerdotal. Contudo, queremos ser mais diretos eespecficos aqui. Embora de alguma forma a veste

    sacerdotal comunique um aspecto litrgico importante,alm de fazer referncia prpria santidade divina, o nossoobjetivo aqui no nos permite abordar essas nuances.

    Nesse sentido, avancemos para aquilo a que nospropomos. Estamos buscando responder a uma perguntarelevante: qual a roupa adequada para entrar no Reino deDeus? H um conjunto de vestes que essencial. Nesseconjunto, porm, h uma pea que se destaca. Estamosfalando da veste da justia ou da justificao. Mas por queessa veste to importante? A Bblia fala de alguma vestede justia? Se sim, como consegui-la?

    A primeira meno a vestes ocorre em Gnesis 3:21.No podemos ser dogmticos aqui, mas iremos seguir o

    entendimento que muitos telogos tm tido. Ou seja,afirmaremos que essa veste a veste de justia que estamosfalando aqui. Agora o mais importante que se essainterpretao estiver correta ento o seu contexto bastantesignificativo. Gnesis 3 narra a runa da humanidade porcausa do ato de rebelio cometido contra Deus. Nossos

    pais, sendo ali nossos representantes federais, comeram deum fruto que lhes era proibido comer. O problema em si

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    7/159

    /7]

    no foi comer o fruto, mas a afronta contra o Criador.

    Nossos pais acreditaram na sugesto da Serpente de que secomessem do fruto eles seriam como Deus. Essa ideia foimuito atrativa. Eles, vencidos pelo orgulho, desobedeceramao Criador e caram na severa condenao da morte. Algunstelogos identificam trs aspectos dessa morte: 1)espiritual; 2) fsico; 3) eterno.

    Acerca do primeiro aspecto diz-se que ao comer dofruto o homem se alienou do Criador. Estando, pois,separado de Deus o homem est afastado de qualquerpossibilidade de encontrar a felicidade. Blaise Pascalsabiamente diz: A felicidade no se encontra dentro oufora de ns, mas est em Deus, seja dentro seja fora dens.2 Santo Agostinho tambm pondera acertadamente:

    Tu mesmo que incitas ao deleite no teu louvor, porque nosfizeste para ti, e nosso corao est inquieto enquanto noencontrar em ti descanso. Essa , portanto, a morteespiritual: alienao completa da nica e verdadeira fontede felicidade.

    O segundo aspecto a morte fsica e no requer

    nenhum comentrio adicional. O terceiro aspecto decorreda alienao de Deus. Separado de Deus e vivendo emrebelio contra o Criador, o homem se torna merecedor desevera punio. O inferno, nesse caso, extremamenteapropriado, conquanto essa realidade no seja popular. No

    2

    Pascal, B. (2007). Mente em chamas: f para o ctico e indiferente.(D. J. Houston, Ed.) Braslia: Palavra, p. 115.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    8/159

    /8]

    entanto, no estamos preocupados com popularidade, mas

    estamos compromissados com a verdade. E a verdade queh um inferno no qual os mpios iro perecer eternamentecaso no se arrependam de seus pecados.

    Voltando narrativa em Gnesis aindapodemos colher alguns dados importantes ali. Vimos que ohomem se rebelou contra o seu Criador. Esse homemrepresentou toda a humanidade. Portanto, quando falo dessehomem que se rebelou no den estou falando de mim e devoc, meu caro leitor. Em nosso estado natural estamosalienados de Deus. Essa alienao, contudo, no algocontrrio a nossa vontade. Ns nos regozijamos em nossospecados. Estamos cobertos com trapos imundos, para usar alinguagem do profeta. Na linguagem moderna, trapos da

    imundcia so absorventes. Nossa roupa atual, por assimdizer, feita de absorventes imundos. E nesse caso oprofeta no est falando do nosso pior pecado! Ele est sereferindo s nossas melhores obras:

    Mas todos ns somos como o imundo, e

    todas as nossas justias como trapo daimundcia; e todos ns murchamos comoa folha, e as nossas iniquidades como umvento nos arrebatam (Isaas 64:6).

    O que precisamos entender que o profeta estusando uma imagem para transmitir a ideia de que nossasmelhores obras, quando estamos afastados do Criador, aoinvs de agrad-Lo na verdade O enojam. por isso que a

    https://www.bibliaonline.com.br/acf/is/64/6https://www.bibliaonline.com.br/acf/is/64/6
  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    9/159

    /9]

    veste da justia prpria inapropriada para se achegar a

    Deus. Ado e Eva tiveram a inteno de cobrir o seupecado com folhagem. Essa roupagem, contudo, noesconde nossa mcula. A misericrdia de Deus ento teceroupas apropriadas para cobrir a vergonha de Ado e Eva.Implcito na passagem de Gnesis 3:21 est oderramamento de sangue para o restabelecimento, ao menosem parte, do relacionamento que havia sido rompido. No exagero dizer que esse sacrifcio feito para que as vestescobrissem a vergonha do casal prefigura o sacrifcio deJesus Cristo na cruz. Nada disso, contudo, poderia ser ditose a revelao especial acabasse no captulo 3 de Gnesis.Mas louvamos a Deus que a Sua revelao, que progressiva, foi completada. E por isso no precisamos

    ficar na insegurana da sombra. Temos a substncia nosevangelhos e na totalidade neotestamentria. Jesus Cristoviveu uma vida de perfeita obedincia e morreu a morte nolugar de pecadores. Antes, porm, de nos determos nesseponto precisamos responder mais claramente o que vem aser a veste de justia.

    O QUE A VESTE DE JUSTIA?

    Sob o pano de fundo de nossa negrido moralpodemos tecer algumas afirmaes que so dedueslgicas do ensino escriturstico do pecado. Sabemos que as

    nossas melhores obras de justia esto manchadas peloorgulho e pelo egosmo de tal forma que elas enojam a

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    10/159

    /10]

    Deus que v a motivao delas. Por isso o profeta pde

    dizer que elas so trapos de imundcia. Em virtude de nossopecado temos por certo que o cu no mais apropriadopara ns. Pois o cu no apenas um lugar onde podemosgozar perfeitamente o nosso pecado da preguia. Narealidade, a vida eterna consiste em conhecer ao Deusglorioso. Contudo, o nosso pecado nos faz querer distnciade um Deus puro e santo. No apenas isso, mas o nossopecado causa separao entre ns e Deus (Is 59:2). Essaseparao no tanto geogrfica quanto moral. Para dizerde outra forma, somos injustos e pecadores. Os nossosfarrapos no so adequados para a comunho com Deus.Essa, pois, a razo da necessidade de uma veste de justia.

    A pergunta bsica que perpassa esse captulo :

    como eu, pecador como sou, poderei me apresentar diantede um Deus santo e puro? De um modo menos diretofizemos essa outra pergunta: com que roupa eu vou? Emparte j comeamos a colocar essa pergunta em perspectivapara respond-la. Mas ainda h algumas consideraesimportantes a se fazer. Horatius Bonar percebeu o perigo de

    se ter uma viso errada acerca do pecado. Essa visoequivocada far com que juntemos os trapos imundos eachemos que eles so mais do que adequados para a ocasioem que estaremos diante do Juiz. Por isso Bonar adverte:

    O homem sempre tratou o pecado comouma desgraa, no como um crime; comouma doena, e no como culpa; como umcaso mdico, no como judicial. Nisso

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    11/159

    /11]

    reside a essncia da imperfeio de todasas religies ou teologias meramentehumanas. Elas falham em reconhecer oaspecto judicial da questo, como aqueledo qual a verdadeira resposta devedepender; bem como em reconhecer aculpa ou criminalidade do malfeitor,como aquilo que deve ser tratado em

    primeiro lugar, antes que qualquer

    resposta verdadeira ou uma respostaaproximada possa ser dada.3

    Seguindo a orientao de Bonar nsobservamos como a Escritura, no relato da queda,demonstra o ato de rebelio do homem. inevitvel entoque concordemos com Bonar que aquele ato de rebeldia foi

    tambm um ato criminoso. O crime nesse caso foi atransgresso da lei de Deus. Nesse ponto precisamos sercuidadosos. A metfora da roupa precisa ser entendidacomo uma figura de linguagem. Porquanto a justificaono tanto um ato tangvel, mas uma declarao do justoJuiz. A justificao a declarao que muda a sentena de

    culpado para inocente. Ou, para dizer como Overloop, ajustificao o humilde pecador ouvir Deus declarar que oseu estado jurdico perante o santo e justo Juiz foi mudado

    3Bonar, H. (2012).A Justia eterna.So Jos dos Campos: Fiel,p.16.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    12/159

    /12]

    de um estado de culpa para um estado de inocncia.4

    Aquilo que temos chamado de veste de justia nada mais do que aquilo que os telogos tm identificado comodoutrina da justificao. James Buchanan escreve:

    Nas Escrituras, justificao usada parasignificar que Deus aceita uma dada

    pessoa como justa. Justificao significa

    que Deus considera uma pessoa que culpada do pecado como se fosseinocente; Deus declara que aquela pessoadeve ser vista como sendo judicialmente

    justa.5

    Tendo respondido a pergunta sobre o que era aveste de justia precisamos agora nos ocupar com outrasduas perguntas: como ser declarado justo? E quem soaqueles que sero declarados justos?

    COMO CONSEGUIR A VESTE DE JUSTIA?

    plenamente possvel eliminar a metfora na

    elaborao dessa pergunta. A eliminao resultaria em umapergunta equivalente e literal, qual seja: como ser declaradojusto? A nossa tendncia nos justificarmos, fazendo com

    4Overloop, R. V., Engelsma, D. J., & Langerak, W. (2013).Justificao: O corao do Evangelho.Firelands, p. 8.

    5Buchanan, J. (1994). Declarado Justo.So Paulo: PES, p. 36.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    13/159

    /13]

    que nossos pecados paream menos horrendos do que de

    fato so. Um exemplo bblico que serve como ilustraopara essa tendncia o apstolo Paulo. Antes de suaconverso ao evangelho, Paulo achava que podia conquistara salvao pelas boas obras. A sua lista de conquistas eprivilgios nos apresentada em Filipenses 3:4-6:

    Ainda que tambm podia confiar nacarne; se algum outro cuida que podeconfiar na carne, ainda mais eu:Circuncidado ao oitavo dia, da linhagemde Israel, da tribo de Benjamim, hebreude hebreus; segundo a lei, fui fariseu;Segundo o zelo, perseguidor da igreja,segundo a justia que h na lei,irrepreensvel.

    Essa lista era o que qualquer judeu noconvertido a Cristo, na poca do apstolo, desejaria ter. como se Paulo estivesse dizendo: vocs acham que podemse gabar?! Quanto mais eu!. Uma lista de privilgios econquistas morais que revelam zelo e disciplina. Mas aos

    olhos criteriosos do Juiz de toda a terra tudo isso no passade trapos da imundcia. Ao ser impactado pela graa Paulocoloca todas essas coisas em seu devido lugar! Aocompar-las com a excelncia do conhecimento de JesusCristo ele entende que essas conquistas da carne nopassam de esterco. Dessa forma, percebemos a excluso de

    todo o esforo prprio na obteno dessa veste. No oexerccio do livre-arbtrio que justifica o homem. No

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    14/159

    /14]

    depende de quem quer ou de quem corre! A justificao

    no est baseada nas conquistas religiosas queacumulamos! Como, pois, o homem se torna justo diante deDeus? Como conseguir a veste de justia?

    Na idade mdia havia um monge perturbadopelo profundo senso de sua pecaminosidade. Ele foravaseu organismo a enfrentar limites prejudiciais sade. svezes, jejuava por trs dias e dormia sem cobertor noinverno rigoroso.6A autoflagelao no diminuiu a culpadesse monge. Sua doena parecia ser incurvel e seuproblema mostrava-se a cada dia insolvel. At que um diaLutero viu a luz brilhar em seu interior fazendo com que agraa irradiasse uma verdade preciosa. Ao estudar a cartade Paulo aos Romanos o monge Lutero entendeu a valiosa

    doutrina da justificao. Sua alma encontrou descanso ecerteza espiritual. Talvez voc esteja aflito como Lutero eno sabe lidar com sua culpa. Talvez a sua conscincia oacuse de que voc um miservel pecador e Deus tremendamente santo. Se esse for o seu caso a soluo noest nas penitncias ou nas boas obras. A soluo est na f

    em Jesus Cristo! Essa veste de justia pode ser compradapor aqueles que no tm dinheiro com a moeda da f! Issoparece contraditrio, pois como algum pode ter a moedada f e no ter dinheiro? Na realidade, essa f dom deDeus! Tudo vem Dele e para a glria Dele! Nesse ponto

    6

    Shelley, B. L. (2004). Histria do Cristianismo ao alcance de todos.So Paulo: Shedd Publicaes, p. 266.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    15/159

    /15]

    as palavras de Bonar expressam realismo sbio: A f no

    nosso mdico; ela somente nos leva ao mdico.7

    Ainda que essa f seja um dom de Deus,aqueles que creem no o fazem com perfeio. por issoque a nfase no est na f, mas no Salvador. Jesus podeconceder Sua perfeita justia mesmo queles de f dbil.Como aquela mulher que sofria hemorragia, h muitos quepodem estar fracos e cansados; mas ainda assim, caso a ftoque Naquele que perfeito, (Bonar, 2012) tudo est bem!Essa veste tecida pelo gracioso Deus! Deus quemjustifica! Essa veste s pode ser recebida pela f. Entendidacomo pleno perdo e aceitao da parte de Deus, ospecadores s podem receber a veste de justia mediante af. Esse o ensino das Escrituras:

    visto que ningum ser justificado diantedele por obras da lei, em razo de que

    pela lei vem o pleno conhecimento dopecado. Mas agora, sem lei, semanifestou a justia de Deustestemunhada pela lei e pelos profetas;

    justia de Deus mediante a f em JesusCristo para todos os que creem... (Rm3:20-22).

    O vocbulo lei aparece quatro vezes nointervalo supracitado. No trecho testemunhada pela lei epelos profetas seu uso referente estrutura do Antigo

    7Ibid, p. 99.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    16/159

    /16]

    Testamento. Ou seja, Paulo est dizendo que essa justia

    o ensino da Tor e dos Profetas. Nas demais ocorrncias,Paulo fala da lei moral de Deus. A mensagem do apstolo que ningum consegue cumprir com perfeio a lei moral.Disso decorre a condenao, pois o que tropea em um sponto da lei se torna culpado de todos (Tg 2:10). Emvirtude da incapacidade humana de cumprir a lei comperfeio segue-se o ensinamento escriturstico de que a leino foi dada com o propsito de justificar. Na realidade,seu propsito trazer o pleno conhecimento do pecado.Todavia, o cristianismo no anrquico. O ensino aqui que a obedincia lei no pode ser a base de aceitao, poisningum a cumpre com perfeio. Recentemente em umaconversa que tive com um homossexual sobre o

    posicionamento cristo, ele tentou usar como libi pararecusar o cristianismo o fato de que a lei no condizia como seu comportamento. Obviamente, isso no serve comolibi. Mas ilustra o papel da lei: manifestar nossadesarmonia com ela. O que aquele jovem precisavaentender que a lei no a base da justificao. Em seu

    comentrio a epstola aos Romanos John Murray escreve:

    A lei realiza este servio necessrio econtributivo em conexo com a

    justificao; ela comunica oconhecimento do pecado e capacita-nos a

    perceber que, pelas obras da lei, nenhuma

    carne ser justificada, e, por conseguinte,toda boca tem de permanecer calada, e o

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    17/159

    /17]

    mundo inteiro jaz sob a condenaodivina.8

    Se a lei no exerce o papel de justificar, qual ento a base? A vida e morte de Jesus Cristo. Por isso a fno se confunde com fidesmo. Isto , no se exige f na f.A exigncia f em Jesus. Murray acrescenta:

    A f que posta em relao justificaono a f geral em Deus; muito menosainda alguma f sem contedo bemdefinido e inteligvel; a f dirigida

    pessoa de Cristo. E quando Ele chamado de Jesus Cristo, esses doisttulos sumariam tudo quanto Jesus era e pessoal, histrica e oficialmente.9

    QUEM SER JUSTIFICADO?

    A resposta mais direta para essa pergunta :todo aquele que cr. Mas aqui a voz do profeta questiona:Quem creu em nossa pregao? (Is 53:1). Assim, a

    resposta adquire uma nova essncia: nem todos creem.Aparentemente esse raciocnio circular. Mas logo secomprovar que a f no aquilo que torna a justificao aretribuio merecida. Isso pode ser ilustrado com um texto

    8 Murray, J. (2003). Romanos: Comentrio Bblico. So Jos dosCampos: Fiel, p. 134.

    9Ibid, p. 138.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    18/159

    /18]

    bastante conhecido. Ele est em Lucas 18:9-14. Jesus nos

    conta a respeito do contedo da orao de dois homens:

    O fariseu, posto em p, orava de si para simesmo, desta forma: Deus, graas tedou porque no sou como os demaishomens, roubadores, injustos e adlteros,nem ainda como este publicano; jejuoduas vezes por semana e dou o dzimo detudo quanto ganho. O publicano, estandoem p, longe, no ousava nem aindalevantar os olhos ao cu, mas batia no

    peito, dizendo: Deus, s propicio amim, pecador!

    H muitos dados perturbadores acerca do

    fariseu nessa parbola. Ele no orava para Deus, mas parasi mesmo. Sua orao, sendo dirigida a si mesmo, consistiaem louvor prprio por aparentemente ter uma vida moralmelhor do que a do publicano e dos demais homens. Acontradio embutida na orao do fariseu denunciada porJesus. Antes de analisarmos isso, contudo, preciso

    acrescentar um versculo que foi omitido propositalmente.Ao registrar a parbola contada por Jesus, Lucas nosfornece o pblico que ela pretendia atingir: Propstambm esta parbola a alguns que confiavam em simesmos, por se considerarem justos, e desprezavam osoutros (Lc 18:9). Talvez voc se lembre do apstoloPaulo. Ele era fariseu. Antes de ser transformado pela graaele era como esses outros fariseus autoconfiantes. Esses

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    19/159

    /19]

    fariseus tinham plena certeza de que eram justos. Eles

    chegaram a essa concluso baseados em pelo menos duasasseveraes: 1) as boas obras; 2) o padro humano decomparao. Ao praticarem os preceitos que a lei exigia osfariseus achavam que com isso estavam praticando a justiaexigida por Deus. O problema que se abster de algumascoisas e praticar outras relativamente fcil. A justiadivina mais desafiadora do que a prtica de jejuns e adoao de dzimos. Ela exigiu a vida de perfeita obedinciaque Cristo viveu e a violenta morte que Ele morreu. Osfariseus no entendiam a seriedade da justia divina. Ao seretirar o peso bblico da justia razoavelmente fcil seconsiderar justo. Todo o no convertido comete esse erro.Embora com menos frequncia, at mesmo pessoas

    convertidas sucumbem a essa tentao. Mas voltemos aofariseu.

    Jesus ento dirige sua parbola para esses queconfiam em si mesmos e se consideram justos, alm dedesprezar os outros. Ele denuncia a incoerncia do fariseu.Aquele fariseu disse que no era um ladro como os demais

    homens. No entanto, ao orar de si para si mesmo ele estavaroubando a glria de Deus. Ele disse ainda que no eraadltero. Contudo, cometeu o pior adultrio que trocar overdadeiro Deus por um falso deus. Ele fez de si mesmo umdeus e por isso orava para si mesmo. Isso prostituio!Por fim, ele se considerava justo. Jesus ento completa o

    golpe, humilhando completamente aquele fariseu queexaltava a si mesmo: Digo-vos que este [o publicano]

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    20/159

    /20]

    desceu justificado para sua casa, e no aquele; porque todo

    o que se exalta ser humilhado; mas o que se humilha serexaltado (Lc 18: 14).Essa parbola deixa claro que nem todos so

    justificados. Alguns esto cheios de si, afirmando seremjustos. O bispo Ryle alerta quanto a essa tendnciapecaminosa:

    Por natureza, todos somos cheios dejustia pessoal, uma doena hereditriade todos os filhos de Ado. Desde omaior ao menor, pensamos maiselevadamente do que deveramos pensara respeito de ns mesmos. Em nossontimo, bajulamos a ns mesmos,

    afirmando que no somos to maus comoalgumas pessoas e que temos algo paranos recomendar ao favor de Deus.10

    O que essa postura de autoexaltao atrai puramente a humilhao, isto , a condenao divina. Poroutro lado, aquele que reconhece sua miserabilidade, sua

    falncia moral, sua necessidade da misericrdia divina, exaltado, ou seja, justificado. Porm, se o bispo Ryleestiver certo, a autoexaltao um mal presente em todosos filhos de Ado. O que diferencia um filho de Ado deoutro? Como pode um se humilhar e outro se exaltar se

    10Ryle, J. (2002). Meditaes no evangelho de Lucas.So Jos dosCampos: Fiel, p. 290.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    21/159

    /21]

    todos possuem a mesma doena, que o pecado? Esse

    senso de pecado obra do Esprito Santo: Quando ele vier,convencer o mundo do pecado, da justia e do juzo (Joo16:8). Outra pergunta surge: porque o Esprito opera essaobra em um, mas no em outro? Pois, embora Joo use ovocbulo mundo, sabemos que o vocabulrio joanino temusos especficos para esse termo. Certamente, no podemosdizer que era porque um merecia e o outro no. A respostafinal reside no beneplcito da vontade de Deus. Portanto, aresposta para a pergunta quem ser declarado justo? deveser: os eleitos. Esse o testemunho das Escrituras:

    Porquanto aos que de antemo conheceu,tambm os predestinou para serem

    conformes imagem de seu Filho, a fimde que ele seja o primognito entremuitos irmos. E aos que predestinou, aesses tambm chamou; e aos quechamou, a esses tambm justificou; e aosque justificou, a esses tambm glorificou(Rm 8:29-30).

    Encerramos esse captulo com essa verdadegloriosa. Ningum merece entrar no cu, pois todospecaram. Nossas vestes so inadequadas. A despeito dessedemrito, Deus, em sua graa maravilhosa, escolheu algunsque ganhariam o presente maravilhoso: a veste de justia.Sem essa veste impossvel entrar no cu. Precisamos

    dessa veste. Mas ela no tecida com nosso esforo. Ajustia prpria no passa de absorvente imundo. A veste de

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    22/159

    /22]

    justia adequada aquela que o prprio Deus concede

    gratuitamente aos seus escolhidos. Isso graa! Louvemos,pois, essa maravilhosa graa (Ef 1:6).

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    23/159

    /23]

    A VESTE ESSENCIAL: SANTIDADE

    Lutero disse que a doutrina da justificao oteste definitivo para saber se uma igreja est de p ou seest cada. Isso se aplica de certa forma a cada cristoindividualmente. Mas, se por um lado a justificao aspernas que sustentam o cristo, por outro lado asantificao os olhos de que ele necessita para contemplarAquele que o salvou. Nesse sentido o autor de Hebreusafirma que sem santificao ningum ver o Senhor (Hb12:14). Antes de falarmos dessa veste essencial precisolidar com algumas questes necessrias.

    A doutrina reformada tem enfatizado o aspectomonergstico da obra da regenerao. O Dr. Sproul traz a

    seguinte explicao: Uma obra monergstica uma obraproduzida por uma nica pessoa. O prefixo monosignificaum. A palavra ergrefere-se a uma unidade de trabalho. Ouseja, a regenerao a obra de uma nica pessoa: doEsprito Santo. A pergunta que surge : a santificao monergstica ou sinergstica? Apenas para definir os

    termos, sinergismo seria um trabalho em cooperao entreduas ou mais pessoas. Nesse caso, entre o Esprito Santo eo cristo.

    Kevin DeYoung11mostra certo receio acerca douso do termo sinergismo para a santificao. Ele rene

    11

    DeYoung, K. (02 de 2015). Bereianos/Apologtica CristReformada. Acesso em 10 de junho de 2015, disponvel em

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    24/159

    /24]

    alguns recortes de Calvino, Franois Turretini, Wilhelmus

    A Brakel, Charles Hodge, Herman Bavinck e LouisBerkhof e mostra que, com certas reservas, eles concordamnos seguintes pontos: 1) a santificao um dom de Deus euma obra sobrenatural realizada por Ele; 2) os crentes soconvocados a se santificarem e, de certa forma, santificam asi mesmos.

    DeYoung deixa claro que os autores citados porele rejeitam o sinergismo no que tange obra daregenerao, mas falam da cooperao do crente nasantificao, conquanto no usem o termo sinergismo.Smeaton afirma que:

    Na regenerao no houve nenhuma

    cooperao envolvida entre o Esprito e apessoa individual. Contudo nasantificao requer-se cooperao. Asantificao no um processoautomtico. No acontece pura esimplesmente na vida crist. O cristoagora pode cooperar com o EspritoSanto no processo que torna o cristo

    crescentemente santo e lhe exigidoque o faa.12

    http://bereianos.blogspot.com.br/2015/02/a-santificacao-e-monergistica-ou.html#.VXei6c9VgaA

    12

    Smeaton, G., & Owen, J. (2004). Vivendo com o Deus Vivo.So Paulo: PES, p. 59.

    http://bereianos.blogspot.com.br/2015/02/a-santificacao-e-monergistica-ou.html#.VXei6c9VgaAhttp://bereianos.blogspot.com.br/2015/02/a-santificacao-e-monergistica-ou.html#.VXei6c9VgaAhttp://bereianos.blogspot.com.br/2015/02/a-santificacao-e-monergistica-ou.html#.VXei6c9VgaAhttp://bereianos.blogspot.com.br/2015/02/a-santificacao-e-monergistica-ou.html#.VXei6c9VgaAhttp://bereianos.blogspot.com.br/2015/02/a-santificacao-e-monergistica-ou.html#.VXei6c9VgaA
  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    25/159

    /25]

    No obstante a nfase dada atividade do

    cristo na santificao, Smeaton cuidadoso ao acrescentarque a moralidade crist resultado do poder do Esprito,no o contrrio.13

    Para fins da discusso nesse livro, recebemosesse posicionamento como bblico e saudvel pelosseguintes motivos: O texto j mencionado de Hebreus 12:14 diz que

    devemos seguir a santificao. O termo grego paraseguir (Dikete)e a ideia de perseguiralgo agressivamente. Obviamente, essa fora ouessa garra para empreender essa perseguio da paze da santificao no vem de ns.

    Em 1Corntios 9:27 Paulo diz que esmurro o meu

    corpo e o reduzo escravido. Esse texto no servede aprovao para a autoflagelao. O que Paulopretende ensinar que deve haver disciplina caso sepretenda alcanar o prmio da salvao.Novamente, aqui ele no ensina que a salvao conquistada por esforo prprio, mas que a vidacrist no destituda de esforo e de disciplina.

    No h nenhum texto que ensine claramente que onovo nascimento seja requerido da pessoa. Ele ensinado nas Escrituras como necessrio salvao,mas em nenhum lugar ordenado ao pecador queele nasa de novo, como se o novo nascimento

    13Ibid, p. 59.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    26/159

    /26]

    dependesse do exerccio de seu arbtrio. Todavia, h

    textos em que o imperativo claro no sentido deque o cristo deve mortificar a carne e perseguir asantificao (Rm 8:13). Isso no significa que elepossui a capacidade de se santificar, mas demonstraque o princpio que opera no cristo permite que elese torne ativo.

    Reconhecemos que outros textos poderiam sercitados dos quais essa verdade seria ento extrada, mascremos que esses so suficientes para demonstrar que aideia de que o crente ativo na santificao no nenhumabsurdo.

    Analisemos agora os ensinos mais gerais sobre

    a santificao:

    a) A santificao para a vida toda: o pano ou tecidodo qual nossa roupa feito se desgasta conforme otempo passa. Ele muitas vezes desbota e chega ummomento em que essa roupa velha precisa ser

    jogada fora. Isso no deve acontecer com a veste dasantidade. Ela jamais poder ser jogada fora. Possaser que ela manche por causa de nossos pecados,mas ela sempre poder recuperar sua alvura nosangue do Cordeiro. Hendriksen alega:

    Cada pessoa porta uma veste. Estsempre tecendo essa veste, pois cadapensamento seu, cada palavra e cada obra

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    27/159

    /27]

    entram na sua tecedura. Essa veste estsempre manchada, suja e totalmentecorrompida (cf. Zc 3:3). No mundointeiro no existe poder que possa limp-la. Nem todos os detergentes da terra

    poderiam alvejar essas vestes... Taisvestes so nosso carter. Deus,entretanto, providenciou uma soluo.Ele quem diz: Bem-aventurados os

    que lavaram suas vestiduras. Lavar asvestes significa recorrer s fontespurificadoras do sangue de Jesus Cristo.Ele no s pode remover nossa culpa,mas, tambm, conceder-nos a purificaoe a santificao no Esprito... Aquele quelava suas vestiduras na fonte

    purificadora... pode entrar pelas portas da

    cidade [cf. Ap. 21:2, 12].14

    Ao contrrio de nossa roupa comum, quanto maisusada a veste da santidade se renova ao invs desofrer deteriorao. Por isso ela no somente deveser usada por toda a vida como tambm perfeitamente apropriada para esse uso contnuo e

    progressivo. John Owen assevera:

    Esta obra de santificao difere daregenerao. A regenerao instantnea. um ato nico de criao,

    14 Hendriksen, W. (2011). Mais que vencedores. So Paulo:

    Cultura Crist, p. 242.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    28/159

    /28]

    ao passo que a santificao progressiva.Comea no momento da regenerao econtinua gradualmente (2Pe 3:17, 18;2Ts 1:3; Cl 2:19; Fp 1:6).15

    A santificao no uma fase que pode sersuperada. Ela deve ser cultivada constantemente.Sempre que essa veste desfiar, o reparo imediatodeve ser buscado na graa de Deus. Essa linguagem

    por si s clarifica o fato de que a perfeio no seralcanada nessa vida. O alvo, todavia, permanecediante de ns para que avancemos em sua direosem desnimo. O bispo Ryle faz a seguintecolocao:

    A santificao algo que admite

    crescimento e graus de intensidade. Umhomem pode seguir um passo aps ooutro em sua santidade, estando muitomais santificado em um perodo de suavida do que em outro. Entretanto, ele no

    pode ser mais perdoado e maisjustificado do que quando creu noprincpio, embora possa sentir mais

    intensamente. Porm, certamente elepode ser mais santificado, porque cadagraa em seu novo carter pode serfortalecida, ampliada e aprofundada.16

    15Owen, J. (2012). O Esprito Santo.Recife: Os Puritanos, p.103.

    16Ryle, J. (1987). Santidade sem a qual ningum ver o Senhor.SoJos dos Campos: Fiel, p. 49.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    29/159

    /29]

    Esse entendimento crucial. A justificao uma obradefinitiva. Mas a santificao admite graus.

    b)

    O Esprito Santo o santificador: J dissemos aquique o cristo coopera com o Esprito nasantificao. Mas se isso for entendido de maneiraequivocada ento poder resultar em sriosproblemas. Por isso esse ponto extremamenteimportante para que entendamos o processo desantificao. Por que o Esprito precisaria da nossacooperao? Ser que Ele no tem tanto poderassim? Ser que de alguma forma sua obra serdeficiente sem a nossa ajuda? Responderafirmativamente a essas perguntas o completoabsurdo! O Esprito Santo o Deus Todo-Poderoso.

    Ele distinto hipostaticamente do Pai e do Filho,mas igual em essncia. Ele pode efetuar essa obrasozinho caso queira. Mas de alguma formamisteriosa Ele opera em ns tanto o querer quanto oefetuar. Portanto, sem a dinmica ou sem a eficciado poder do Esprito no haver nenhuma obra desantificao. Como diz o Dr. Sproul:

    [...] o Esprito o principal agente quetrabalha em favor de nossa santificao,capacitando o processo pelo qual somosconformados imagem de Cristo etornado santos.17

    17 Sproul, R. (2013). Quem o Esprito Santo? So Jos dosCampos: Fiel, p. 42.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    30/159

    /30]

    Nesse caso aquilo que verdade sobre Cristotambm o em relao ao Esprito: sem Ele nadapodemos fazer (Joo 15:5). John Owen tambmenfatizou essa doutrina:

    Atos ordinrios de obedincia podem serprova de santificao, mas no a criaro(1Co 13:13; Is 1:11-15). Uma disposio

    sobrenatural uma virtude, um poder,um princpio de vida espiritual e graaoperados em nossa alma e em todas asnossas faculdades. Essa constituiosobrenatural existe perenemente noscrentes; existe antes que sejaconcretizado qualquer ato de santidadereal e em si mesma a causa e a origem

    de toda boa-obra verdadeira e desantificao. Esse feito sobrenatural emns, assim como os atos fsicosordinrios, no d luz atos desantificao por sua prpria e inatahabilidade. o Esprito Santo que ocapacita a produzi-los.18

    Isso resguarda a preciosa realidade sobre a qual sepode afirmar que da predestinao glorificaosomos salvos pelo beneplcito do Deus soberano.Tudo pela graa e para a glria de Deus somente!

    18Owen, J. (2012). O Esprito Santo.Recife: Os Puritanos, p.

    132-133.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    31/159

    /31]

    Isso nos leva ao terceiro ensino geral sobre

    santificao.c) A santificao est relacionada eleio.

    Conquanto esse seja um ensino geral sobre asantificao, reconhecemos que alguns no estocientes dele e outros no concordam com ele. Mascremos que as Escrituras so claras ao relacionar aeleio e a santificao. A pergunta que buscamosresponder qual a relao entre elas. Muitospensam que, de certa forma, Deus escolhe pessoaspara serem salvas porque elas esto vivendo emsantidade. Eles raciocinam de tal modo que as boasobras seriam, nesse esquema, aquilo que aciona oamor eletivo de Deus. Um segmento mais sutildesse esquema o arminianismo. A acusao

    reiterada de muitos calvinistas que os arminianosensinam uma salvao baseada nas obras. Elesrejeitam afirmando que o homem salvo pela f. Oscalvinistas tambm afirmam que o homem salvomediante a f. Como a acusao calvinista podeafetar os arminianos e no afetar o prprio sistemacalvinista? A priori, a resposta simples. No

    calvinismo aceita-se que a f dom de Deus,enquanto no arminianismo a f a parte do homemem resposta graa preveniente. Ora, o argumentoaqui de fato simples. Se a f exigida por Deusento a f no pode ser algo ruim. Ela seria, porassim dizer, uma boa obra. Caso os arminianos noconcordem que a f um dom de Deus, ento ela

    uma boa obra mediante a qual o homem salvo. por isso que no arminianismo a eleio baseada na

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    32/159

    /32]

    prescincia divina. Deus elege quem Ele previu que

    iria crer. Esse esquema seria uma reproduo maissutil daquele que diz que Deus elege pessoas porqueelas buscam a santificao. Todavia, cremos que oensino da Bblia inverte a equao. E nesse caso, aordem dos fatores altera o produto. Para abandonara linguagem matemtica, a inverso do esquemaacima tem como resultado a salvao pela graaensinada nas Escrituras. Ou seja, Deus elegepecadores para que eles se tornem santos. Efsios1:4 corrobora essa ideia nos seguintes termos:assim como nos escolheu, nele, antes da fundaodo mundo, para sermos santos e irrepreensveisperante ele. Joo Calvino tece um comentriodeveras valioso: visto que ele nos escolheu a fimde que fssemos santos, logo no foi porque previu

    que haveramos de ser santos.19Consolidamos esseensino citando mais uma vez as palavras doapstolo: ... devemos sempre dar graas a Deus porvs, irmos amados pelo Senhor, porque Deus vosescolheu desde o princpio para a salvao, pelasantificao do Esprito e f na verdade (2Ts 2:13).Qual , pois, a relao entre a santificao e a

    eleio. Negamos que a escolha depende de nossasantidade, mas afirmamos que a santificao oalvo da escolha. Em Romanos 8:29 Paulo mais umavez afirma que Deus predestinou aos seus amadospara serem conformados imagem do Filho, isto ,

    19Calvino, J. (2006).As Institutas(Vol. III). So Paulo: Cultura

    Crist, p. 43.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    33/159

    /33]

    Jesus. Essa apenas outra linguagem para falar da

    santificao. Novamente ento percebemos que asantificao est relacionada eleio.

    Tendo estabelecido os ensinamentos gerais20passaremos agora para uma aplicao mais pragmtica dasantificao. Para isso estudaremos o texto de Colossenses3:12-17.

    Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus,santos e amados, de entranhas demisericrdia, de benignidade, humildade,mansido, longanimidade; Suportando-vos uns aos outros, e perdoando-vos unsaos outros, se algum tiver queixa contraoutro; assim como Cristo vos perdoou,assim fazei vs tambm. E, sobre tudo

    isto, revesti-vos de amor, que o vnculoda perfeio. E a paz de Deus, para a qualtambm fostes chamados em um corpo,domine em vossos coraes; e sedeagradecidos.A palavra de Cristo habite em vsabundantemente, em toda a sabedoria,ensinando-vos e admoestando-vos uns

    aos outros, com salmos, hinos e cnticosespirituais, cantando ao Senhor comgraa em vosso corao. E, quanto

    20 No esgotamos o assunto aqui. Esse um tema vasto eexigiria muito mais espao caso a pretenso fosse trat-loexaustivamente. H algumas obras em portugus que podem

    ser indicadas para um estudo mais detalhado, tais como: JohnOwen, Para vencer o Pecado e a Tentao, Ed. Cultura Crist.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    34/159

    /34]

    fizerdes por palavras ou por obras, fazeitudo em nome do Senhor Jesus, dando

    por ele graas a Deus Pai.

    Antes de passarmos para a exposio dessesversculos precisamos entender o contexto histrico dessacarta. Feito isso lidaremos ento com a questo da veste dasantidade conforme foi particionada pelo apstolo nessa

    carta.

    VS FILOSOFIAS

    Ao que tudo indica alguns erros estavaminvadindo a igreja em Colossos. Embora no saibamos aocerto a origem e a natureza exata desses falsosensinamentos, Paulo faz meno circunciso, prticasalimentares e observncia do calendrio judaico. Como oapstolo tomou conhecimento dessas coisas?Aparentemente Paulo nunca esteve em Colossos. Algunsestudiosos tm afirmado que o cooperador de Paulo foiquem lhe trouxe essas informaes, isto , Epafras. O

    apstolo ficou durante quase dois anos em prisodomiciliar. Nesse nterim, talvez ele tenha recebido umavisita de Epafras ou talvez Epafras tenha sido seucompanheiro de priso (Fm 23). Essa foi, provavelmente, aocasio em que Epafras inteirou Paulo acerca dos falsosensinamentos em Colossos e isso pode ter levado o

    apstolo a escrever essa carta. Seja como for Paulo combateesses falsos ensinos e os rejeita como filosofia e vs

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    35/159

    /35]

    Imagem do Deus invisvel

    Primognito de toda a criao

    Nele esto escondidos todos ostesouros da sabedoria e do

    conhecimento

    Nele habita toda a plenitude

    Nele habita corporalmente toda aplenitude da divindade

    Nele tudo subsiste

    sutilezas. A base slida fornecida pelo apstolo para que

    os colossenses rejeitem tais ensinos plenamentecristolgica. Podemos listar os blocos dessa basecristolgica resumidamente para que possamos ter umpanorama:

    Paulo traz outras nfases cristolgicas parafundamentar a f dos cristos em Colossos. Ele colocaCristo acima de todas as coisas, inclusive acima dos anjos

    ou dos poderes celestiais, e enfatiza o ponto focal dorelacionamento do cristo: Nele, Nele, Nele. Toda a

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    36/159

    /36]

    filosofia que caminha para fora desse centro deve ser

    rejeitada, pois toda sabedoria e conhecimento estoescondidos Nele.Alm dessas sutilezas os colossenses estavam

    aprendendo um tipo de santidade legalista: nomanuseies isto, no proves aquilo, no toques aquiloutro(Cl 2:21). Esse contexto abre portas para que o apstoloreforce o que a verdadeira vida de santidade. Antes queLaodicia fosse fundada Colossos era uma cidade prspera,porquanto estava situada na rota comercial maisimportante entre feso e o Eufrates.21 Havia ali tambmuma prspera indstria de l. Isso o que provavelmentelevar o apstolo a utilizar a linguagem das vestimentaspara ilustrar a vida de santidade.

    Paulo fala da nova vida recebida em Cristo.Essa nova vida implica a morte da nossa natureza terrena.Em que consiste essa natureza terrena? O apstoloresponde: prostituio, impureza, paixo lasciva, desejomaligno e a avareza, que idolatria (Cl 3:5). Esse oaspecto negativo da santificao. Todavia, esse no um

    rol taxativo. H uma transio na linguagem usada porPaulo, mas a ideia a mesma:

    Agora, porm, despojai-vos, igualmente,de tudo isto: ira, indignao, maldade,

    21Halley, H. H. (2002). Manual Bblico de Halley: Nova Verso

    Internacional.So Paulo: Vida, p. 652.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    37/159

    /37]

    maledicncia, linguagem obscena dovosso falar. No mintais uns aos outros,uma vez que vos despistes do velhohomem com os seus feitos e vosrevestistes do novo homem que se refaz

    para o pleno conhecimento, segundo aimagem daquele que o criou... (Cl 3:8-10).

    H vrios pontos importantes aqui.Destaquemos os principais. Essa carta escrita para a igrejaem Colossos. Paulo est falando de pessoas que creem emJesus (Cl 1:4). Na realidade, Paulo louva a Deus pela vidadaqueles cristos, pois eles manifestam em seu viver atrade paulina: f, amor e esperana (Cl 1:3-5). Observe queo louvor do apstolo direcionado a Deus. Por qu? Porqueaquelas virtudes presentes na vida dos cristos em Colossosso dons de Deus (1Co 13:13). Entretanto, queremoschamar ateno para o fato de que esses cristos, cujasvidas refletem virtudes excelentes, so os mesmos queprecisam se despojar do velho homem. O pecadoremanescente uma realidade na vida deles. Eles precisam

    abandonar a mentira, a lascvia, a avareza, a ira, etc. Essa uma roupagem que no combina mais com eles. Ou melhor,essa roupa no combina com nenhum cristo.

    Dois milnios se passaram depois que essa cartafoi escrita, mas ainda hoje podemos ver o mesmo problemados colossenses reinando na igreja. Muitas cristos talvez

    nunca tocaram em um copo de bebida alcolica; mas tm ocorao repleto de ira. Alguns talvez usem vestidos longos

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    38/159

    /38]

    segundo o costume de suas igrejas, mas na intimidade no

    consegue abandonar a lascvia. H outros que no ouvemmsicas mundanas, mas na boca h uma multido depalavras obscenas. H aqueles que jamais fumaram umcigarro, mas seus lbios proferem as mais terrveismentiras. No queremos aqui sugerir que essas coisas cigarro, bebidas sejam recomendveis. Apenaspretendemos demonstrar que a santidade no se reduz ano toqueis, no manuseies.

    A santificao um processo que dura a vidatoda. Ela tem um aspecto negativo e um aspecto positivo.Negativamente, devemos nos despir do velho homem.Positivamente, devemos nos revestir do novo homem. Essaveste o novo homem no criada conforme nosso

    esforo moral. Ela criada pelo prprio Deus. O EspritoSanto Aquele que regenera o homem. Tendo feito essebreve comentrio sobre o contexto de Colossenses,passaremos agora para as partes da veste de santidade.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    39/159

    /39]

    A VESTE DE MISERICRDIAAps fornecer a base da santificao e falar de

    seu aspecto negativo, Paulo escreve: revesti-vos, pois,como eleitos de Deus, santos e amados, de ternos afetos demisericrdia... (Cl 3:12). Antes de nos concentrarmos na

    veste de misericrdia, olharemos mais detidamente paraesse versculo. Paulo diz, antes de tudo, que essa a vesteapropriada de um eleito. J mencionamos qual a relaoda eleio e da santificao. Mas h uma estruturalingustica na construo de Paulo, santos e amados, quenos faz suspeitar que o apstolo percebesse uma ntimarelao entre a eleio e o amor de Deus. Ao dizer eleitosde maneira sbita ele acrescenta amados. Em1Tessalonicenses 1:4 lemos o seguinte: reconhecendo,irmos, amados de Deus, a vossa eleio. Tambm emRomanos 8, ao falar-nos do plano glorioso de Deus, queenvolve a predestinao dos que sero salvos, Paulo,extasiado, engrandece o amor de Deus, pois ele supera toda

    barreira inimaginvel (veja Romanos 8: 28-30, 37-39).Outrossim, Efsios 1:4-5 mantm a mesma relao: ...e emamor nos predestinou para ele.... 1Corntios 1:26-29parece constituir uma exceo. Todavia, a regra pode serestabelecida: amor e eleio so intimamente relacionadosnas Escrituras. Eugene Merrill capturou bem essa verdade

    ao escrever:

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    40/159

    /40]

    Como termos tcnicos, elas sovirtualmente palavras sinnimas, comomuitos eruditos o tm posto fora dedvida. Noutras palavras, amar escolher, e escolher amar.22

    Calvino no est errado ao nos direcionar parao beneplcito divino ao lidar com a questo da eleio.Porm, ele restringiu as formas de lidarmos com o assunto

    alm das Escrituras. Ele diz:

    Por que, pois, os sofistas no seenvergonham de envolver-se em outrasconsideraes, quando o apstolo, deforma to contundente, nos probe devisualizar algo mais alm do beneplcito

    divino.23

    Obviamente, o objetivo de Calvino excluir devez a ideia de que somos eleitos por causa de algum mritoem ns. Todavia, o apstolo no nos probe devisualizarmos algo alm do beneplcito divino. Paulorelaciona a eleio ao amor divino. Tudo isso Ele fezsegundo o beneplcito de sua vontade (Ef 1:5). Dessaforma, concordamos com Calvino que toda a causa da

    22 Lawson, S. J. (2012). Fundamentos da Graa: longa linha devultos piedosos. .So Jos dos Campos: Fiel, p. 135.

    23

    Calvino, J.Efsios.So Jos dos Campos: Fiel, p. 21.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    41/159

    /41]

    nossa eleio reside em Deus. O prprio Calvino parece

    visualizar algo alm do beneplcito divino:

    Com isso ele [Paulo] notifica que Deusnos envolve graciosamente em seu amore favor, no com base em retribuiomeritria, seno que ele nos elegeuquando nem ainda tnhamos nascido,quando nada o motivara seno ele

    prprio.24

    Fazendo-nos, pois, recordar do amor divino,expressado na eleio, Paulo nos conclama junto com oscolossenses a usar a veste de misericrdia. Mas o que vem aser essa veste? Como podemos ser misericordiosos?

    Passemos agora a essa considerao.A palavra grega para misericrdia .Algumas tradues trazem compaixo. O que o apstolopretende transmitir que os cristos devem ser capazes dese colocar no lugar uns dos outros. Mais diretamente,devemos sentir as misrias que afetam a outros como setivessem afetado a ns. Seguiremos aqui a indicao deSam Williams no sentido de que mais adequado ver asemoes humanas como teomorfismo25 ao invs de

    24Ibid, p. 21.25Williams, S. (5 de Maio de 2015). Acesso em 18 de junho de2015, disponvel em

    http://todahelohim.com/2015/05/rumo-a-uma-teologia-da-emocao_sam_williams.html

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    42/159

    /42]

    antropomorfismo ou antropopatismo.26 Sendo assim,

    deixaremos que Jesus nos ensine o que sermisericordioso. Isto , olharemos para Jesus no intuito derespondermos a questo supracitada.

    Uma das cenas mais inusitadas dos Evangelhosna opinio desse autor encontra-se em Marcos 2:1-12. Otexto conta-nos sobre a cura de um paraltico emCafarnaum. O que inusitado nessa histria como oparaltico chega at Jesus. Aparentemente Jesus estalojado na casa de Pedro. H muitas pessoas na casa e emvolta dela. Ento alguns amigos resolvem levar o paralticopara ser curado por Jesus. Impossibilitados de entrar pelaporta por causa da multido, eles criam um mtodoalternativo. Assim, eles maquinam uma espcie de

    elevador. Arrancam alguns telhados da casa de Pedro edescem o paraltico na cama, provavelmente, na direo deJesus.

    Podemos imaginar as areias desrticas caindosobre a cabea de Jesus e atraindo o seu olhar para o alto dacasa. Na medida em que a cama desce a casa tomada pelo

    silncio e os olhares curiosos acompanham a cena. Marcosnos conta que havia ali alguns escribas. Todos se voltam deJesus para o telhado. Quando o processo terminado

    26Na teologia antropomorfismo atribuir formas humanas aDeus. Antropopatismo, no caso, seria atribuir sentimentoshumanos deidade. Sam Williams sugere o caminho inverso.

    A misericrdia, por exemplo, seria ento um sentimento deDeus que, como cristos, buscamos seguir.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    43/159

    /43]

    Marcos acrescenta um detalhe importante: Vendo-lhes a

    f (Mc 2:5). Aqueles homens no estavam ali obrigados.Eles acreditavam que Jesus poderia curar o paraltico. Isso misericrdia! Eles sentiram a misria daquele paraltico. E,provavelmente, no era apenas a misria do pecado ou dadoena que o acometia, mas tambm a escassez financeira.Isso porque quem levou aquele paraltico foram quatrohomens (v. 3). Talvez ele no tivesse parentes vivos.Sofria na solido e sem poder trabalhar. Jesus viu a fdeles. No apenas a f do paraltico, mas tambm daquelesquatro amigos.

    A histria, porm, no termina a. Jesus viu a fdeles e, olhando para o paraltico, disse: Filho. Voc sabeo que ser chamado de filho pelo Rei dos reis caro leitor?

    Voc sabe qual o impacto isso tem? Voc entende queJesus o prprio Deus encarnado? Isso misericrdia!Talvez aquele homem no tivesse mais parentes vivoscomo mencionamos. Mas agora ele faz parte da famliareal. O Rei dos reis o adotou! Sim, aquele homem eramiservel. Ele era miservel por causa de sua doena. Mas

    ele tambm era miservel por causa de seu pecado, poistodos pecaram (Rm 3:23). Contudo, esse pecador chamado de filho. Essa uma realidade salutar! Essa aexpresso mxima da misericrdia. Jesus no leva em contatodas as ofensas cometidas contra Ele mesmo! Antes, eleolha para aquele paraltico que creu e diz: Filho, os teus

    pecados esto perdoados (Mc 2:5). Aquele paralticopoderia ser despedido naquele momento acamado, mas

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    44/159

    /44]

    ainda assim ele teria motivos suficientes para viver em

    alegria plena. Porque agora ele filho da realeza. H umaherana que o aguarda para ser desfrutada em um lugaronde no haver mais dores, nem pranto, nem sofrimento!Paulo cita o Salmo 32:1-2: Bem-aventurado aqueles cujasiniquidades so perdoadas, e cujos pecados so cobertos;bem-aventurado o homem a quem o Senhor jamaisimputar pecado (Rm 4:7-8). As expectativas daqueleparaltico foram superadas. Ele agora uma nova criatura.

    Os escribas, no entanto, no estavam satisfeitoscom a misericrdia de Jesus. Eles no reconheciam Jesuscomo Deus encarnado. Por isso questionavam a declaraode Jesus: Por que fala ele deste modo? Isto blasfmia!Quem pode perdoar pecados, seno um, que Deus (Mc

    2:7). H pelo menos uma coisa que foi acertadamentecolocada pelos escribas: somente Deus pode perdoarpecados. O erro deles no reconhecer que Jesus Deus.Percebendo a oposio dos escribas, Jesus props: Qual mais fcil? Dizer ao paraltico: esto perdoados os teuspecados, ou dizer: Levanta-te, toma o teu leito e anda? (v.

    9). Citando Wycliff, Josh McDowell escreve:

    As duas frases so ambas fceis de serempronunciadas, mas para transformarqualquer uma das duas num ato concreto,requer um poder divino. Naturalmente,um impostor, fugindo a um

    desmascaramento, acharia a primeirafrmula mais simples. Jesus procedeu cura da enfermidade para que os homens

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    45/159

    /45]

    soubessem que ele possua autoridadepara cortar tambm a raiz dela.27

    Vemos ento que aquele paraltico no foidespedido sem a cura. Jesus continua:

    Ora, para que saibais que o Filho doHomem tem sobre a terra autoridade para

    perdoar pecadosdisse ao paraltico: Eu

    te mando: Levanta-te, toma o teu leito evai para a tua casa (Mc 2:10-11).

    Temos aqui a misericrdia ilustrada em seuplano vertical e em seu plano horizontal. Ou seja, Jesus seenvolveu compassivamente com as necessidades espirituaisdaquele paraltico, mas no ignorou suas necessidadesfsicas. Ele perdoou os pecados daquele homem e lheproporcionou a cura to almejada. Precisamos destacar quenem sempre Jesus nos oferecer a cura para nossasenfermidades. H milhares de crentes que padecem pelomundo e isso no significa que Jesus deixou de sermisericordioso. Ele tem outros meios de demonstrar sua

    misericrdia. Esse apenas um exemplo colhido dasEscrituras para que saibamos o que a veste demisericrdia. Obviamente, se estudarmos a vida de Jesusnos Evangelhos encontraremos inmeras ocorrncias nas

    27McDowell, J. (1980).Mais que um carpinteiro.Belo Horizonte:

    Betnia, p. 17.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    46/159

    /46]

    quais ele demonstra compaixo. Esse texto foi citado

    apenas para incentivar o leitor e para delinearmos asrespostas para as questes levantadas.Pois bem. Ficou claro que misericrdia o

    nosso envolvimento com as misrias alheias como sefossem nossas prprias misrias. Joo Calvino introduzseus comentrios acerca da misericrdia de maneira bemrealista:

    Onde mais imaginamos que a felicidadese encontra, seno na falta de

    preocupao e problemas? Deixe-nosem paz, ns clamamos, que os outrossofram em silncio. Ns no queremossaber. Ns no queremos ser

    perturbados.28

    E no apenas sua percepo bem realistacomo tambm suas reflexes so carregadas desensibilidade:

    Ns devemos pacientemente suportar

    nossas prprias aflies... mas nsdevemos tambm sofrer as aflies denosso prximo. Devemos assumir suaidentidade, por assim dizer, a fim desermos profundamente tocados pelo seusofrimento e, movidos pelo amor,

    28Calvino, J. (2008). Beatitudes: as Bem-Aventuranas.So Paulo:

    Fonte Editorial, p. 55.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    47/159

    /47]

    lamentar com eles. Ns devemos chorarcom aqueles que choram, como SoPaulo nos exora a fazer... ns devemosnos solidarizar com os outros em seus

    problemas, e, assim, tocados pelacompaixo diante do sofrimento do

    prximo, procuremos maneiras de ajud-los, como se suas dores fossem nossas.29

    Esse no o quadro completo do cristianismo,mas essa tonalidade realista faz parte do quadro. Talvez oque seja mais triste que, como diz certa anedota, emnossos bairros h uma igreja, uma casa e um boteco, umaigreja, uma casa... Contudo, incomum em nossos bairros aprtica da misericrdia. Cada vez mais os cristos vestem acamisa de suas denominaes ou congregaes, mas estodespidos da veste de misericrdia. Quo urgente, pois, amensagem do apstolo para a Colossos atual: reveti-vosde ternos afetos de misericrdia. Em outras palavras, sevoc um eleito aja como tal. Essa a mensagem doreino. Ao subir a montanha Jesus pregou: Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcanaro

    misericrdia (Mt 5:7). Esse no um sermo para mpios;essa a virtude dos cidados do reino. Os mpios socapazes de fazer ao social; mas eles no podem termisericrdia. Apenas um cristo pode ser misericordioso.Um mpio pode ter algumas atitudes altrustas. Mas elesno entendem que a maior misria do ser humano o

    29Ibid, p. 56.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    48/159

    /48]

    pecado. O cristo desafiado a dar o po para o faminto e

    cobertor para o que est no frio. Contudo, apenas o cristopode ir alm e orar pelos perdidos. Mas essa misericrdiano exercida apenas para com os no crentes. Ela deve serpraticada com os da f. A veste da misericrdia descritapelo Dr. Lloyd-Jones em concordncia com o que temosafirmado aqui:

    [...] a misericrdia realmente aponta paraum senso de compaixo, de parceria como desejo de aliviar os sofrimentos. Esse o sentido especial da qualidade damisericrdia: d de parceria com a ao.Assim sendo, o crente algum dotadodo senso da piedade. A sua preocupao

    com a misria sofrida por homens emulheres produz nele o intenso desejo dealivi-la.30

    O Dr. Lloyd-Jones insiste que essa umavirtude do reino de Deus e no algo temperamental.Falamos acerca disso em outras palavras quandoanalisamos a relao da santificao e da eleio. Apenasuma pessoa nascida de novo pode ser santa. O ser tempreeminncia sobre o fazer. Sou cristo e por isso exeromisericrdia. Essa veste extremamente importante para avida da comunidade crist. Os cristos precisam se despirdo individualismo e estarem mais sensveis ao sofrimento

    30Lloyd-Jones, D. M. (1984). Estudos no Sermo do Monte.So

    Jos dos Campos: Fiel, p. 91.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    49/159

    /49]

    ao seu redor. Ns precisamos nos revestir, como eleitos de

    Deus, da veste de misericrdia.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    50/159

    /50]

    VESTE DE BONDADE

    Paulo escreve: Revesti-vos, pois, como eleitosde Deus, santos e amados... de bondade (Cl 3:12). Jpudemos observar que eleio e amor divino mantmntima relao. Somos amados! Somos eleitos! como sePaulo dissesse: viva de modo digno. Um eleito no deveser apenas misericordioso. Ele no deve se contentar emolhar para uma dessas virtudes e dizer: hoje sereimisericordioso e amanh serei bondoso. Na realidade,essas virtudes so partes que formam um todo. Elas fazemparte da veste essencial a qual chamamos santidade. Assimcomo buscamos entender qual o significado bblico demisericrdia assim procederemos aqui. O que bondade?

    Como podemos nos revestir de bondade?Nosso trabalho nesse captulo ser um pouco

    mais rduo por causa das noes erradas acerca do que bondade. Foi Jean Jacques Rousseau quem disse: ohomem nasce bom, a sociedade o corrompe. Essa umaideia popular. A grande maioria das pessoas aceitaria se

    dissssemos que algumas pessoas so ms por natureza,mas discordaria se dissssemos que todas as pessoas sonaturalmente ms. Especialmente os relativistas culturaisdiscordariam de ambas as colocaes acima. Mesmo naigreja muitos concordariam com a colocao de Rousseau erejeitariam por completo a ideia de pecado original. Mas

    para no irmos rpidos demais o que pecado original?

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    51/159

    /51]

    Antes de respondermos veremos que essa questo j foi

    alvo de disputa na igreja no sculo V.No livro X das Confisses de Santo Agostinholemos o seguinte: concede-me o que me ordenas, e ordenao que quiseres.31Ao que parece Pelgio ouviu essa oraopela primeira vez num crculo de Roma em que estavamlendo as Confisses. Tal orao desencadeou reaesnegativas em Pelgio. Para ele isso era um insulto a Deus.A Deus cabe ordenar, pensava Pelgio, e ao homem cabeobedecer. Caso seja Deus quem deve conceder, ento eleser o culpado quando o homem no fizer o que Ele ordena.Esse era o raciocnio de Pelgio. Esse parece ter sido oestopim do debate entre Pelgio e Agostinho.

    Para Pelgio Deus havia dado no apenas os

    mandamentos, mas a capacidade necessriaa liberdade deescolha para que o homem pudesse obedec-los. Sendoassim, o pecado de Ado no afetou ningum mais a noser ele prprio. Outro corolrio que segue-se premissaanterior que os recm-nascido partilham do mesmo estadode Ado antes da Queda. Bavinck descreve o

    posicionamento de Pelgio da seguinte maneira:

    Segundo Pelgio, a imagem de Deusconsistia somente em uma personalidadelivre, no em santidade positiva,imortalidade e assim por diante. A

    31

    Agostinho, S. (1984). Confisses.So Paulo: Paulus, p. 297.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    52/159

    /52]

    transgresso de Ado afetounegativamente seus descendentes apenas

    porque lhes deixou um mau exemplo,que, seguido por outros, transformou o

    pecado em um poder entre a humanidade.A transmisso hereditria do pecado um erro maniquesta. O pecado no umestado, mas um ato, e sempre traz umselo pessoal.32

    A preocupao de Pelgio merece ser louvado.Mas a sua soluo deve ser rejeitada, pois contraria aprpria Escritura. Pelgio queria combater a lassido moral,a frouxido e a indolncia que permeavam a comunidadecrist de seus dias. Esse um objetivo nobre. Mas ele noser alcanado custa da verdade. No negando o ensinobblico que combatemos o erro. Antes, ensinando comclareza aquilo que tem levantado dvidas. Hodge tece oscomentrios a seguir sobre o pelagianismo:

    Segundo os pelagianos e os racionalistas,o homem foi criado como um agentelivre racional, mas destitudo de cartermoral. Ele no era justo nem injusto, nem

    santo nem profano. Simplesmentepossua a capacidade de tornar-se ambos.Sendo dotado de razo e livre-arbtrio,seu carter dependia do uso feito dessesdotes... No poderia existir, segundo seusistema, algo como carter moral

    32 Bavinck, H. (2012). Dogmtica Reformada (Vol. III). So

    Paulo: Cultura Crist, p. 88.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    53/159

    /53]

    concriado, e portanto eles rejeitam adoutrina da justia original comoirracional. Essa viso do estado originaldo homem consequncia da

    pressuposio de que o carter moral spode ser predicado de atos da vontade oudas consequncias subjetivas de tais atos.O princpio que obstrui a possibilidade da

    justia original em Ado tambm obstrui

    a possibilidade da depravao inata ehereditria, comumente chamada pecadooriginal... Portanto, um princpio quenecessariamente opera uma mudanatotal em todo o sistema da doutrinacrist.33

    Percebemos ento que visando resguardar a

    responsabilidade do homem, Pelgio lana fora uma sriede ensinamentos peculiarmente cristos. Essa ideia de quetemos que nos revestir de bondade seria absurda paraPelgio, porquanto para ele a bondade no como umaveste, isto , algo externo a ns. Em contrapartida,Agostinho reafirmou a solidariedade da raa ao defender o

    pecado original. Agora nos voltamos para a pergunta: o que pecado original? O Dr. Sproul afirma que:

    A doutrina do pecado original ensina queas pessoas pecam porque so pecadoras.

    33Hodge, C. (2001). Teologia Sistemtica.So Paulo: Hagnos, p.

    563.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    54/159

    /54]

    O fato que no somos pecadores porquepecamos, mas que pecamos porquesomos pecadores; isto , desde a quedado homem, herdamos uma condiocorrupta de pecaminosidade. Agoratemos uma natureza pecaminosa.34

    Pecado original ento no se refere tanto aoprimeiro pecado quanto ao seu efeito. Ou seja, a expresso

    se relaciona ao resultado da queda. Ado foi colocado noJardim como representante da humanidade. O seu pecadono nos afeta apenas pelo mau exemplo, como pensavaPelgio, mas sua prpria natureza que se corrompeu anossa herana. Somos corruptos por natureza. Essa verdadetem sido expressa de vrias formas pelos telogos. Alguns

    falam acerca dela como morte espiritual. Outros a chamamde depravao total. Com depravao total eles buscamenfatizar que o pecado afeta o ser humano como um todo:afeies, intelecto, emoes e volio. O homem noperdeu nenhum desses atributos. O que acontece quedepois da queda eles so reorientados, passando de uma

    inclinao que buscava relacionamento com Deus para umainclinao que busca se rebelar contra Deus. Assim, ohomem ainda possui vontade, afeies, etc. O problema que essas faculdades esto manchadas pelo pecado e

    34Sproul, R. (1999). Boa Pergunta.So Paulo: Cultura Crist, p.98.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    55/159

    /55]

    nenhuma delas age em autonomia para promover a glria

    de Deus. Vejamos no quadro abaixo como alguns telogosse referem a essa doutrina:

    Paulo Anglada35

    Herman Hanko36

    Steven Lawson37

    O que as Escriturasquerem dizerquando afirmam

    que o homem estespiritualmentemorto? Significaque, assim comoaquele que seencontrafisicamente morto,

    ele estespiritualmenteincapaz,inabilitado,escravizado e cego,no podendoresponder por si

    prprio aoevangelho.

    dio para comDeus. rebeliocontra o Altssimo.

    E , portanto, atentativadesesperada einfindvel dohomem de seapropriar do mundoem que foi posto e

    faz-lo seu;expulsar Deus domundo que lhepertence; deporCristo do seu trono;tornar este universosubserviente

    causa do pecado.

    A depravao doprimeiro casalpassou para cada

    gerao sucessiva,de cada pai suaprole. Perto dotempo do Dilvio,a depravao docorao humanoestava correndo

    desenfreadamentepara formasgrosseiras depecado irrestrito.Perversos epervertidos, oshomens

    permaneciam emtorpe iniquidade.

    35 Anglada, P. (2009). Calvinismo: as antigas doutrinas da graa.Ananindeua: Knox Publicaes, p. 3636Hanko, H., Hoeksema, H., & Baren, G. J. (2013). Os CincoPontos do Calvinismo.Braslia: Monergismo, p 33-34.37 Lawson, S. J. (2012). Fundamentos da Graa: longa linha devultos piedosos. .So Jos dos Campos: Fiel, p. 83.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    56/159

    /56]

    Na igreja do sculo V essa controvrsia foi

    resolvida. Os ensinamentos de Pelgio foram rejeitadoscomo herticos e Agostinho representou posicionamentosque estavam de acordo com as Escrituras nesse debate.Sendo assim, seguimos Agostinho at onde ele segue asEscrituras. Reafirmamos que o pecado de Ado afetou todaa humanidade. No nascemos bons. O problema dahumanidade no pode ser explicado como corrupo social.Na realidade, a corrupo est no mago do nosso ser. Esse o fundamento para falarmos da veste de bondade. Ela no inerente a ns. Definitivamente a bondade no algointrnseco ao ser humano. Talvez os atos de bondade quepresenciamos podem confundir-nos aqui. Como explic-los? Na realidade, nenhum ato a parte de Deus pode ser

    bondoso. Ele tem a aparncia de bondade, mas estmanchado pelo pecado. Dessa forma, quando uma pessoano crist pratica boas obras, para Deus tais obras nopassam de trapos de imundcia. Isso porque ele sonda oscoraes. Ele conhece a motivao que move a pessoanaquela direo. Muitas vezes ajudamos pelo prazer de

    sermos louvados e reconhecidos como pessoas boas. Ouquem sabe estamos tentando garantir o nosso lugar no cunos valendo da necessidade alheia. Fato que para umaao ou uma atitude ser boa ela precisa ser feita para aglria de Deus.

    Nesse ponto ento voltamos pergunta inicial

    desse captulo: o que a bondade? Como podemos nosrevestir com ela? essencial antes de prosseguirmos

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    57/159

    /57]

    estabelecer este fundamento: Por certo, no posso pensar

    nem dizer com verdade seno isto: Nada sou, Senhor, nadapossuo, nada de bom tenho por mim; em tudo sinto a minhainsuficincia e caminho sempre para o nada.38Esse ponto importante porque atualmente a bondade relegada a ummbito quase totalmente pragmtico. Contudo, essa umaabordagem que pode estar eivada de erro. Isso porquepartiremos da ao para o julgamento acerca daquilo que bondade. Aqui sugeriremos o movimento inverso. A boaao reflexo da bondade. A Bblia expe esse ponto daseguinte forma: No pode a rvore boa dar maus frutos;nem a rvore m dar frutos bons (Mt 7:18). por essemotivo que o incrdulo incapaz de realizar uma boa ao.Ele uma rvore envenenada. Seus frutos estocontaminados pelo veneno do pecado. O problema queesse veneno nem sempre aparente. Por isso falamos que

    pessoas incrdulas praticam boas aes. O veneno no estvisvel para ns, mas todas as coisas esto nuas e patentesaos olhos daquele com quem temos de tratar (Hebreus4:13). Para ser uma boa ao, portanto, ela precisa seraprovada por Deus. Deus o definidor da bondade. Nossospadres no abrangem todos os critrios de julgamento epodem falhar ao concluir que uma determinada ao foi

    boa.Temos visto ento que uma boa ao no define

    bondade. Antes, a bondade resulta em boas aes. Dessamaneira, antes de praticarmos uma ao verdadeiramenteboa precisamos ter o problema de nossa pecaminosidade

    38Kempis, T. d. (2001). Imitao de Cristo. So Paulo: Martin

    Claret, p. 110.

    https://www.bibliaonline.com.br/acf/hb/4/13https://www.bibliaonline.com.br/acf/hb/4/13https://www.bibliaonline.com.br/acf/hb/4/13https://www.bibliaonline.com.br/acf/hb/4/13https://www.bibliaonline.com.br/acf/hb/4/13
  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    58/159

    /58]

    resolvido. Deus comea essa boa obra a de resolver a

    nossa pecaminosidade no novo nascimento e Ele mesmoa completar. O Esprito Santo, pelo chamado eficaz, noapenas vence a oposio da vontade, mas Ele a transformaoperando o querer (Fp 2:13). Embora essa obra se inicie navida do crente no momento da regenerao, ela faz parte deum plano estabelecido antes da fundao do mundo (Ef1:4). Quando o Esprito opera o novo nascimento o coraomaligno do homem transformado em bom! Obviamente,esse processo s se completar na glorificao, mas ali oser humano capaz do seu primeiro ato de bondade. Oprofeta descreve essa transformao sobrenatural:

    E vos darei um novo corao ederramarei um esprito novo dentro decada um de vs; arrancarei de vs o

    corao de pedra e vos abenoarei comum corao de carne. Eis que depositareio meu Esprito no interior de cada pessoae vos capacitarei para agires de acordocom as minhas leis e princpios; e assimobedecereis fielmente aos meusmandamentos! (Ez 36:26-27).

    Quando conseguiremos praticar a bondade?Quando Deus nos capacitar. E de que forma Ele noscapacita? Arrancando de ns o corao corrupto, nos dandoum corao de carne e concedendo-nos o seu Esprito.Agora a boa ao se torna possvel. Antes disso todas asboas aes so trapos de imundcia. Mas quando somos

    vivificados pelo Esprito ento ele nos concede o seu fruto.Uma das vitaminas presentes nesse fruto a bondade.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    59/159

    /59]

    Revestir-nos com a veste da bondade ento s possvel

    quando temos o Esprito Santo.Tendo estabelecido essas verdades cruciaisacerca da bondade, agora veremos em que consiste abondade. Ao escrever acerca da Lei Natural C.S. Lewis falaacerca da bondade de uma forma funcional. Quando umarvore d o seu fruto ela no est obedecendo a uma leimoral, mas simplesmente cumpre a funo para a qual foicriada. Nesse caso a rvore boa. Mas se por causa demudanas climticas a rvore deixa de dar frutos ento elano pode ser considerada m, no sentido de ter transgredidoa uma lei moral. Essa uma bondade ou maldademeramente funcional. A relao do homem com a LeiMoral, de acordo com Lewis, tem natureza distinta, no

    sendo funcional. Dessa forma, a bondade e a maldade dohomem devem ser julgadas por um padro de bondade, oqual Lewis chama de Lei Moral ou Lei Natural. Umarvore boa no sentido funcional. O ser humano bomno sentido tico. Para os fins da argumentao de Lewisessa distino deve ser mantida. Mas como no

    pretendemos falar da Lei Moral aqui ento podemos fazeruso do sentido funcional de bondade para estabelecermosparte da definio que buscamos. Talvez o termofuncional no seja muito apropriado. Mas logo ficarclara a ideia que pretendo transmitir.

    O substantivo usado por Paulo

    (chrstotta). O sentido do termo ser til ou satisfazer asnecessidades reais, no caminho de Deus. Esse termo

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    60/159

    /60]

    comunica uma ideia de bondade, mas tambm traduz uma

    noo funcional. As duas coisas so complementares e noexcludentes. Vejamos como isso se d. Enquanto preparavaesse captulo lembrei-me de uma cano de que gostomuito. Seu refro diz:

    Pra Teu louvor Tu me criasteQuero sim louvar Teu nome

    Sentir Tua unoPra Teu louvor me transformaste

    Agora Deus de amorMeu prazer Alegrar Teu corao

    Quero alegrar teu corao

    Ministrio Ebenzer de Louvor

    H especialmente duas verdades que pretendodestacar dessa cano. A primeira a de que Deus noscriou para o Seu louvor. A segunda de que nosso prazer,como cristos, alegrar o corao do Senhor. Observecomo essa cano ecoa oBreve Catecismo de Westminster.Sua primeira pergunta : qual o fim principal do

    homem?. A resposta : o fim principal do homem glorificar a Deus, e goz-lo para sempre. Mas o que tudoisso tem a ver com bondade? Talvez agora esteja mais claropara o leitor o que pretendi dizer com bondade funcional.Reconheo que esse no o termo mais apropriado. Mas oque pretendo dizer que o homem bom quando cumpre o

    propsito para o qual foi criado. Essa deve ser nossaprimeira noo de bondade. Bavinck afirma que:

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    61/159

    /61]

    De fato, a palavra bom tem essesignificado, como quando nos referimosa uma boa casa, a um bom amigo eassim por diante, e queremos, com isso,dizer que essa pessoa ou essa coisa temcertas boas qualidades e til paraalguma coisa. Usada nesse sentido, a

    palavra bom no tem significadoconcreto prprio, mas depende, para seu

    significado, do propsito para o qual apessoa ou coisa deve servir e, portanto,varia em significado com pessoasdiferentes.39

    Na Bblia de Estudo de Genebra lemos oseguinte comentrio acerca de Colossenses 3:12-14: Esses

    versculos esboam as obrigaes mtuas de todos oscristos, as quais levam a unio. Concordamos com isso eenfatizaremos o aspecto comunitrio dessa veste. Mas antesprecisamos enfatizar que a bondade em seu primeiro planotem que ver com o cristo e Seu Criador.40O cristo no apenas gente boa. Ele antes de tudo nova criatura. Elefoi criado em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus

    de antemo preparou para que andssemos nelas (Ef 2:10).

    39Bavinck, H. (2012). Dogmtica Reformada(Vol. II). So Paulo:Cultura Crist, p. 216-217.

    40 A tica utilitarista faz uso da bondade nesse sentido.Contudo, no estamos encaminhando o sentido de bondade

    para essa moralidade utilitria, mas para o sentidoligeiramente distinto de cumprir o propsito da Criao.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    62/159

    /62]

    O cristo foi criado! Ele nasceu de novo. Isso traz tona o

    fim para o qual ele foi criado: glorificar a Deus e goz-lopara sempre. Dessa forma, ele estar atendendonecessidades reais, no caminho de Deus. Em outraspalavras, o cristo em um relacionamento correto com Deus tornado bom.

    A bondade no flui necessariamente desseentendimento, mas sim da realidade desse relacionamento.Para dizer de outra forma, nem sempre est claro para ocristo que a bondade consiste em cumprir o propsito parao qual foi criado. O esprito pragmtico que permeia nossasigrejas relaciona bondade to somente aos atos. Nopretendemos dizer que a bondade no se manifesta em atose em atitudes. Na realidade, a boa ao resultado da

    bondade. Ou seja, quando o cristo cumpre o propsito parao qual foi criado ento, ao ver o seu irmo com fome, elesuprir a necessidade daquele irmo. Ele buscar aquentar oque est com frio. Mas tudo isso ele far para a glria deDeus. O cristo buscar glorificar a Deus por meio de seusatos. Por isso que a boa ao decorre da bondade. O

    incrdulo no busca a glria de Deus. Logo, nenhuma desuas aes pode ser boa. Aqui, portanto, j temosmencionado o carter comunitrio da veste de bondade.Quando cumprimos o propsito para o qual fomos criadosento praticamos boas obras, pois fomos criados para aspraticarmos (Ef 2:10). O dicionrio Vine define o termo

    bom em seu aspecto funcional como temos descrito

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    63/159

    /63]

    aqui.41Ao comentar acerca da criao em Gnesis 1 e 2 e o

    veredito divino de que tudo era muito bom (Gn 1:31) VanGroningen escreve:

    O termo bom deve ser entendidocorretamente. Ele significa que tudo que chamado de bom cumpre todas asexigncias. No h (havia) nenhum

    defeito ou fraqueza. Todo aspecto bom poderia cumprir seu papel para o qualYahweh Deus o criador tinha planejado.Isso significava que cada aspecto docosmos criado tinha um propsito e um

    papel nele. Significou que o cosmos, comtodos seus aspectos, era uma unidade

    perfeita, integrada.42

    Van Groningen avalia a bondade em relao Criao de um modo geral conforme detalhada na narrativade Gnesis. Na sequncia ele se volta mais especificamentepara o homem, o qual tambm criatura de Deus:

    Yahweh Deus fez as pessoas para o

    refletir e o revelar de maneiras finitas.Mais ainda, ele os fez e manteve um lao

    41 Devo essa informao a Daniel Martins, um amigo comquem tive a oportunidade de crescer em aprendizado nocurso de teologia.42 Groningen, G. V. (2006). O progresso da revelao no Antigo

    Testamento.So Paulo: Cultura Crist, p. 23.

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    64/159

    /64]

    de amor e vida com eles de modo quepoderiam represent-lo em toda esfera devida e aspectos csmicos. Criando ohomem sua imagem, ele o fez nobre.Os homens foram feitos para serem

    prncipes de coroa e as mulheres paraserem princesas de coroa, e como taisgovernar como vice-gerentes sobre todosos outros aspectos do universo criado.

    Nenhuma autoridade absoluta era-lhesdeterminada, mas uma concesso divinade poder e habilidade finitos eradeterminada e revelada.43

    Essa corregncia era exercida de formaharmoniosa antes da queda. Mas o pecado desfigurou a

    imagem de Deus no homem. A criao como um todo foisubmetida aos efeitos da queda. O homem, em seu estadocado, no capaz de exercer seu papel de modo correto.Ou seja, o homem no bom. Ele foi criado bom e reto.Porm, a queda nos tornou maus. Isso explica porqueprecisamos nascer de novo. Precisamos ser refeitos, ou seja,precisamos ser novas criaturas para que sejamos bons. Essa

    nova criao, assim como a primeira, uma obra soberanade Deus. Ela acontece quando o Esprito, por meio dapregao do evangelho, transforma o nosso corao e nosune a Cristo para que desfrutemos de Sua obra redentora.Dessa maneira, se algum est em Cristo, nova criatura ;as coisas velhas j passaram; eis que tudo se fez novo (2

    43Ibid, p. 24.

    https://www.bibliaonline.com.br/acf/2co/5/17https://www.bibliaonline.com.br/acf/2co/5/17
  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    65/159

    /65]

    Co 5:17). Essa obra soberana nos refaz tornando possvel

    que cumpramos o propsito para o qual fomos recriados, ouseja, andar nas boas obras (Ef 2:10).Podemos observar essa dinmica acerca da

    bondade funcional na passagem sobre o jovem rico. Essanarrativa est presente nos evangelhos sinticos comalgumas variaes. Em Mateus, por exemplo, lemos: E eisque algum, aproximando-se, lhe perguntou: Mestre, quefarei eu de bom, para alcanar a vida eterna? (Mt 19:16).Em Marcos e em Lucas a pergunta ligeiramente distinta:Bom mestre, que farei para herdar a vida eterna? (Mc10:17, Lc 18:18). Porque em Mateus aparece o trecho quefarei eu de bom ausente em Marcos e em Lucas? Nocremos que isso seja contradio, pois cremos que a Bblia

    a palavra de Deus, inerrante e infalvel. Como, ento,explicar essas pequenas diferenas nas narrativas? O temacentral do evangelho de Mateus o Reino. O Sermo doMonte fala acerca da identidade dos cidados do reino. Apergunta ento que parece guiar essa narrativa no a dojovem, mas a dos discpulos: Sendo assim, quem pode ser

    salvo? (Mt 19:25). Em outras palavras, quem pode ser umcidado do reino? Isso porque aquele jovem parecia serperfeito: ele era rico, cumpria os mandamentos desde ajuventude; se era difcil para ele ser salvo ento quempode ser salvo?. Na realidade, isso impossvel aoshomens! Mas se impossvel aos homens salvar-se, seria

    ento aquele jovem perfeito? Voltemos ao incio danarrativa: Mestre, que farei eu de bom, para alcanar a

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    66/159

    /66]

    vida eterna?. A resposta de Jesus curiosa: Porque me

    perguntas acerca do que bom? Bom s existe um. (Mt19:17). Veja que Jesus muda o foco do jovem. Ele queriasaber o que poderia fazer de bom para alcanar a vidaeterna. Mas para comeo de conversa como ele poderiafazer algo bom se ele mesmo no era bom? Aqui aplicadaa verdade da rvore e seu fruto. H apenas um que bom.Embora Mateus no revele quem esse que bom, Marcose Lucas nos informa: Ningum bom seno um, que Deus (Mc 10:18, Lc 18:19). Jesus no est negando suaprpria bondade. Ele est chamando a ateno para o fatode que impossvel alcanar a vida eterna baseado nas boasobras, pois o homem no regenerado incapaz de pratic-las. A rvore m no pode dar bons frutos. Na sequncia

    Jesus diz que se aquele jovem quiser entrarno alcanarna vida eterna ento ele deve guardar os mandamentos. Ojovem destaca que j tem observado os mandamentos desdea juventude. Lembre-se, caro leitor, que o veneno da rvorecontamina os frutos. Jesus j disse que aquele jovem no bom. Sendo assim, sua lista de conquista moral no passa

    de trapo de imundcia.O jovem pergunta: que me falta ainda? (Mt

    19:20). No Sermo do Monte Jesus estabeleceu o alto idealpara o cidado do reino: Portanto, sede vs perfeitos comoperfeito o vosso Pai celeste (Mt 5:48). Agora ele olhapara aquele jovem e diz: Se queres ser perfeito, vai, vende

    os teus bens, d aos pobres e ters um tesouro no cu;depois, vem e segue-me (Mt 19:21).Agora aquele jovem

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    67/159

    /67]

    que abordou Jesus com empolgao querendo alcanar a

    vida eterna, contou a Jesus com entusiasmo sobre comoguardava os mandamentos, est triste porque no est, defato, querendo o tesouro do reino de Deus. O problema noera a riqueza. O problema que o corao daquele jovemhavia feito da riqueza o seu tesouro. Em outras palavras, eleno poderia glorificar a Deus enquanto fosse uma rvorem. A necessidade daquele jovem a necessidade de todosns: precisamos nascer de novo!

    Essa obra do novo nascimento operada peloEsprito Santo. Assim, o que impossvel aos homens noo para Deus, pois para Ele tudo possvel (Mt 19:26).Jesus ento diz para os discpulos que toda a renncia feitaem prol de Sua glria ser recompensada (Mt 19:28-30).

    O evangelho de Lucas parece apresentar comocontraponto da histria do jovem rico a narrativa acerca deum publicano chamado Zaqueu. Lucas nos conta que Jesusestava entrando em Jeric e passava por ali a caminho deJerusalm. notvel que esse no seja o nico caminhopossvel para chegar a Jerusalm. Todavia, no acreditamos

    que os eventos cotidianos sejam dirigidos pelo acaso. Hum propsito e h um Deus soberano guiando cada evento ecada detalhe da histria para cumprir esse plano. Jesus noest perpassando Jeric movido pelo acaso.

    O mdico ento acrescenta que havia ali umhomem chamado Zaqueu; e era este um chefe dos

    publicanos, e era rico (Lc 19:2). Lucas no nos contacomo Zaqueu soube que Jesus passaria por ali. Mas de

  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    68/159

    /68]

    alguma forma Zaqueu foi movido a ver quem era Jesus.

    Sua estatura, no entanto, o impedia de v-Lo, pois amultido O cercava. Contudo, Zaqueu insiste. Talvez eleno tenha outra oportunidade. Ele pretende ver Jesus.Certamente, ele ouvira falar dos milagres realizados porJesus em Jeric, como a cura dos dois cegos. Zaqueu entosobe em uma rvore procurando ver Jesus. O que surpreendente na narrativa o ponto em que Lucas nosconta que Jesus olhando para cima, viu-o e disse-lhe:Zaqueu, desce depressa, porque hoje me convm pousar emtua casa (Lc 19:5). Alguns estudiosos afirmam que Jesusfoi informado por algum na multido sobre o nomedaquele publicano. Todavia, estou convicto de que h outraexplicao possvel para essa passagem. Ecoando o credo

    apostlico, reafirmo que Jesus plenamente Deus eplenamente homem. Em sua divindade razovel dizer queEle Conta o nmero das estrelas, chama-as a todas pelosseus nomes (Salmos 147:4). Aquilo que para ns incontvel para Deus exato em quantidade. Em meio abilhes e bilhes de estrelas Deus chama cada uma delas

    pelo nome. Em meio multido de pecadores Jesus chama:Zaqueu. Ele o conhece pelo nome. Conhece seus dilemas.Sabe que ele publicano. por isso que a multidoprotesta: E, vendo todos isto, murmuravam, dizendo queentrara para ser hspede de um homem pecador (Lc 19:7).

    Jesus, o Salvador do mundo, entrou na casa de

    um publicano. Jesus diz: Hoje veio a salvao a esta casa,pois tambm este filho de Abrao. Porque o Filho do

    https://www.bibliaonline.com.br/acf/sl/147/4https://www.bibliaonline.com.br/acf/sl/147/4https://www.bibliaonline.com.br/acf/sl/147/4
  • 7/24/2019 EBOOK - Com que roupa eu vou - Daniel Gomide.pdf

    69/159

    /69]

    homem veio buscar e salvar o que se havia perdido (Lucas

    19:9-10). Jesus no entrou em Jeric por acaso. Ele foibuscar o pecador, ele foi salvar o perdido. Essa salvao,como j mencionamos, produz mudana no tipo dervore que somos. Temos uma natureza corrupta. Nopodemos dar bons frutos, a menos que haja uma mudanaem nossa essncia. Foi o que ocorreu com Zaqueu. Essamudana redireciona Zaqueu de uma vida centrada em simesmo para uma v