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A história completa de Pinochio

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    Associao Educacional Sul-Rio-Grandense FACULDADES PORTO-ALEGRENSES

    NCLEO INTEGRADO DE PS-GRADUAO PSICOPEDAGOGIA: ABORDAGEM INSTITUCIONAL E CLNICA

    AS AVENTURAS DE PINQUIO: UM RETRATO DO DESENVOLVIMENTO MORAL E COGNITIVO NAS

    CRIANAS

    MICHELLE BRUGNERA CRUZ

    Porto Alegre, 2007

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    Associao Educacional Sul-Rio-Grandense FACULDADES PORTO-ALEGRENSES

    NCLEO INTEGRADO DE PS-GRADUAO PSICOPEDAGOGIA: ABORDAGEM INSTITUCIONAL E CLNICA

    Michelle Brugnera Cruz

    AS AVENTURAS DE PINQUIO: UM RETRATO DO DESENVOLVIMENTO MORAL E COGNITIVO NAS

    CRIANAS

    Monografia apresentada Faculdade Porto-Alegrense como requisito parcial para a obteno do ttulo de Especialista em Psicopedagogia: Abordagem Institucional e Clnica.

    Orientadora: Ms. Maria Ms. Maria Melnia Wagner F. Pokorski

    Edio revista.

    Porto Alegre, dezembro de 2007.

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    MICHELLE BRUGNERA CRUZ

    AS AVENTURAS DE PINQUIO: UM RETRATO DO DESENVOLVIMENTO MORAL E COGNITIVO NAS

    CRIANAS

    Aprovada em _____/_____/_______

    ___________________________________________________

    Profa. Ms. Maria Ms. Maria Melnia Wagner F. Pokorski

    _________________________________________

    Prof. Ms. Pedro Cansio Staudt

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    minha famlia, pelas angstias e preocupaes que passam por minha causa, por terem dedicado suas vidas a mim, pelo amor, carinho, estmulo que me oferecem, dedico-lhes essa conquista como gratido.

    Ao Alexandre, pelo companheirismo e cumplicidade, por ser to especial e, principalmente, por ter me feito descobrir o amor.

    Aos alunos do Mundo da Criana, por terem germinado a idia deste trabalho, pelas lies de curiosidade, alegria e espontaneidade.

  • 6

    UUUUma Estrela Vai Brma Estrela Vai Brma Estrela Vai Brma Estrela Vai Brilharilharilharilhar

    Uma estrela vai brilhar, no meu caminho O meu dia vai chegar,

    Com muito amor no corao, eu vou seguido Tudo ento vai clarear, uma estrela vai brilhar

    Uma estrela vai brilhar, no meu caminho

    Minha f vai me guiar Sobre este cho de tantas pedras e espinhos,

    Meus ps no devem caminhar, uma estrela vai brilhar

    Uma estrela vai brilhar, No meu caminho,

    Uma estrela vai brilhar!

    Caminho, sempre sorrindo, A esperana vive sempre em meu olhar

    Sorrindo vou, cantando, Como criana, sem confiar

    Um lindo dia a alegria vai chegar.

    Ricardo BragaRicardo BragaRicardo BragaRicardo Braga Msica tema do filme PinquioMsica tema do filme PinquioMsica tema do filme PinquioMsica tema do filme Pinquio

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    RESUMO

    Este trabalho monogrfico apresenta uma proposta de interveno psicopedaggica institucional apresentada a uma escola rede particular de ensino de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, envolvendo alunos e professores, de uma turma de 3 ano do ensino fundamental. Como mtodo, utilizou-se observaes, entrevistas e ditado de perfil ortogrfico. A proposta de interveno foi elaborada atravs de jogos, e atividades ldicas. Atravs do conto As Aventuras de Pinquio, de Carlo Collodi, busca-se compreender o desenvolvimento moral das crianas e o sintoma na aprendizagem como um produto da cultura, das configuraes familiares, do conceito de infncia na contemporaneidade. Esses aspectos so abordados sob uma tica scio-histrica, e suas conseqncias no mbito individual. Estuda-se a histria social da infncia e da famlia, enfatizando a dicotomia entre os objetivos familiares e os escolares. Tambm trata das dificuldades na representao ortogrfica da escrita, especificamente nas substituies de letras em razo das mltiplas representaes de um mesmo som, caracterizada pela no compreenso das relaes entre letras e sons, constituindo uma escrita sem conflitos.

    Palavras-Chave: Desenvolvimento Moral; Dificuldades na Escrita; Interveno Psicopedaggica Escolar

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    LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1 Ativao da memria de trabalho no processo da escrita................27 Figura 2 Painel Monstros Caseiros.................................................................38 Figura 3 Contedo do cartaz da rotina...........................................................44 Figura 4 Contedo do cartaz sobre das regras da turma...............................44

  • 9

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Atividades de resoluo de problemas morais...............................32 Quadro 2 Jogos de confronto........................................................................34 Quadro 3 Jogos que buscam desenvolver estratgias de escrita.................36

  • 10

    SUMRIO

    1 UMA ESTRELA IR BRILHAR....................................................................... 12

    2. A HISTRIA DE PINQUIO: UM RETRATO DA INFNCIA........................ 14

    2.1 GEPETO CRIA O BONECO DE MADEIRA: A INVENO DA INFNCIA PELO ADULTO ..................................................................................................

    15 2.1 AS AVENTURAS DE PINQUIO PARA FUGIR DA ESCOLA .................... 18 2.3 SE VOC MENTIR, SEU NARIZ VAI CRESCER: O DESENVOLVIMENTO MORAL E COGNITIVO NAS CRIANAS .....................

    20

    3 BICICLETA SE ESCREVE COM C OU COM S? AS DIFICULDADES NA ESCRITA ...........................................................................................................

    24

    3.1 MEMRIA DE TRABALHO E ESCRITA ...................................................... 26 3.2 AS SUBSTITUIES DE LETRAS EM RAZO DA POSSIBILIDADE DE REPRESENTAES MLTIPLAS DE UM MESMO SOM ...............................

    27

    4 CONSELHOS DO GRILO FALANTE: UMA QUESTO DE MTODO .........

    31

    4.1 TEMA ........................................................................................................... 31 4.2 PROBLEMA ................................................................................................. 31 4.3 OBJETIVO .................................................................................................. 31 4.4 PROPOSTA DE INTERVENO ................................................................ 32 4.4.1 Oficinas ldicas de resoluo de problemas morais ................................. 32 4.4.2 Jogos de confronto ................................................... 34 4.4.3 Atividades que trabalham o desenvolvimento da representao ortogrfica da escrita ..........................................................................................

    35 4.4.4 Pequeno manual de monstros caseiros .................................................... 36 4.4.5 Atividades cotidianas que promovam o desenvolvimento moral, a tomada de deciso e o senso de comunidade ...................................................

    37

    5 RESULTADOS ...............................................................................................

    41

    5.1 DADOS OBSERVADOS............................................................................... 43 5.2 DADOS DAS ENTREVISTAS ......................................................................

    45

    6 O ENCONTRO COM A FADA AZUL: ANLISE E DISCUSSO .................

    47

    6.1 OBSERVAO DA ESCOLA E DA ROTINA DA TURMA ........................... 47 6.2 ENTREVISTAS ............................................................................................ 50 6.3 HIPTESE DIAGNSTICA DA INSTITUIO ........................................... 51 6.4 DEVOLUO DOS DADOS INSTITUIO .............................................

    53

    10 UM SONHO REALIZADO ............................................................................

    54

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    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................. 56

    ANEXOS ............................................................................................................ 59

    ANEXO I CARTAS DO JOGO DECISO ....................................................... 60 ANEXO II ILUSTRAES DO JOGO: O QUE MAIS ELE PODE FAZER? ... 62 ANEXO III ILUSTRAES DO JOGO: O QUE PODER ACONTECER? .... 65 ANEXO IV JOGO JUNTANDO PALAVRAS ................................................... 69 ANEXO V JOGO NA TEIA DA ARANHA ........................................................ 70 ANEXO VI JOGO BRINCANDO COM O R E O RR ....................................... 71 ANEXO VII JOGO EM BUSCA DA TAA ....................................................... 72

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    1 UMA ESTRELA IR BRILHAR

    A Psicopedagogia uma nova rea de atuao profissional, que tem como objeto de trabalho o processo de aprendizagem e suas dificuldades, englobando vrios campos de conhecimento, integrando-os e sintetizando-os. Segundo Bossa (2002), o psicopedagogo o profissional que, reunindo conhecimentos de vrias reas, volta-se para os processos de desenvolvimento e de aprendizagem atuando numa linha preventiva e teraputica.

    Assim como a Psicopedagogia, os estudos sobre aprendizagem, infncia e desenvolvimento humano avanaram muito nas ltimas dcadas, da mesma forma, o fracasso escolar, as dificuldades e transtornos de aprendizagem tambm se tornaram alvo de estudos e pesquisas mais recentes. Em uma cultura que, cada vez mais, valoriza a escolarizao, enfatizando que lugar de crianas e adolescentes na escola, seja por teorias, seja pela legislao, o no aprender comove e angustia, gerando tenses emocionais em adultos que convivem com a criana que apresenta dificuldades.

    O presente projeto de interveno psicopedaggica institucional apresenta uma proposta de interveno psicopedaggica direcionada a uma escola rede particular de ensino de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, envolvendo alunos e professores, em uma turma de 3 ano do ensino fundamental. A principal queixa da escola e da professora em relao a essa turma era a dificuldade de relacionamento e disciplina, assim como atrasos na escrita ortogrfica.

    Como fundamentao terica, reconta-se a histria As Aventuras de Pinquio, tratando da identificao do desenvolvimento do julgamento moral das crianas, seguindo os passos de Bettelheim (1980) e Corso E Corso (2006) quanto interpretao do conto. Estuda-se a histria social da infncia e da famlia, enfatizando a dicotomia entre os objetivos familiares e os escolares. Tambm trata de como as escolas concebem a relao entre limites e afetividade, assim como uma viso cognitiva e psicanaltica das dificuldades em ortografia.

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    Trata-se tambm das dificuldades na representao ortogrfica da escrita, especificamente nas substituies de letras em razo das mltiplas representaes de um mesmo som, caracterizada pela no compreenso das relaes entre letras e sons, constituindo uma escrita sem conflitos. Com embasamento na Psicologia Cognitiva, na Psicanlise e nos estudos da Psicolingstica, apresenta-se um estudo sobre a necessidade de provocar conflitos cognitivos na elaborao da escrita. Primeiramente, faz-se uma reviso do embasamento terico sobre a aprendizagem da ortografia, posteriormente das dificuldades na representao ortogrfica da escrita e seguindo, faz-se uma anlise das dificuldades nas representaes mltiplas, apresentando um caminho interventivo.

    Como mtodo, utilizou-se observaes, entrevistas e ditado de perfil ortogrfico. A proposta de interveno foi elaborada atravs de jogos, e atividades ldicas. Inicialmente, trata-se do diagnstico escolar, a partir de observaes, entrevistas, aplicao de ditado e faz-se uma anlise desses dados, contextualizando o caso estudado. Delimita-se o tema do projeto: desenvolvimento do julgamento moral, compreenso das dificuldades de aprendizagem. Na justificativa do projeto, se contextualiza a situao e a queixa das professoras quanto s problemticas que envolvem essa proposta.

    Por fim, conclui-se o trabalho abrindo espao de criao para futuros estudos sobre o tema.

  • 14

    2 A HISTRIA DE PINQUIO: UM RETRATO DA INFNCIA

    Canta meu grilo, como preferires: mas eu sei que amanh no alvorecer, vou embora daqui, porque, se fico aqui, acontecer a mim aquilo que acontece a todos os meninos, isto , terei de ir para a escola e, por amor ou por fora, terei de estudar; e eu, vou te dizer em confidncia, de estudar no tenho nenhuma vontade e me divirto mais perseguindo borboletas e subindo nas rvores para pegar os passarinhos nos ninhos. (COLLODI, 2002)

    Em muitas obras e estudos, a figura de Pinquio foi usada para ilustrar de forma metafrica o desenvolvimento moral das crianas e a criana com dificuldades de aprendizagem que precisa ir para a escola para se tornar um menino de verdade. Durante as suas aventuras, Pinquio no tem uma preocupao com o certo ou com o errado, ele sempre age de acordo com aquilo que lhe d vontade, preocupando-se com a sua satisfao imediata. Ele representa a falta do dever e da moral, a falta de compromisso com qualquer princpio ou regra, a procura do prazer absoluto sem preocupar-se com qualquer coisa que seja. Essas caractersticas do personagem representam tudo o que uma criana quer, dominados por aquilo que Freud chama de princpio do prazer, que vem a ser uma tendncia inata do organismo de evitar a dor e buscar o prazer. Esse princpio nos segue durante toda a vida, mas precisa ser modificado pelo princpio da realidade, que uma funo adquirida atravs do EGO, que traz as influncias do mundo exterior, pressionando o ID. A histria de Pinquio inicia com Gepeto sonhando em ter uma marionete e no um filho. Uma criana com a qual possa fazer o que bem entende, manipular e se divertir. Esse aspecto do conto retrata a relao que podemos estabelecer entre a dicotomia dos objetivos da escola e da famlia. O projeto inicial de Gepeto no ter um filho para passar trabalho de educ-lo; ele quer um boneco para viver de suas momices e levar uma vida fcil (CORSO E CORSO, 2006, p. 219). Dentre tantos encontros e desencontros, Pinquio e Gepeto concluem que os papis de pai e filho so resultado de uma construo subjetiva ao longo da infncia e da adolescncia.

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    2.1 GEPETO CRIA O BONECO DE MADEIRA: A INVENO DA INFNCIA PELO ADULTO

    O sintoma na aprendizagem constitui-se uma problemtica da infncia contempornea, uma patologia da ps-modernidade. O surgimento do conceito de infncia nasceu concomitantemente com o surgimento da escolarizao. Infncia e escola criana e aluno, so conceitos que se entrelaam, fazendo com que se possa compreender que no ao acaso que a escola seja o local em que o sofrimento infantil seja sinalizado. Para pensar a famlia como um dos agentes formadores do sintoma na aprendizagem, elaborou-se um desdobramento terico sobre a infncia e a famlia, pois se acredita que nas interfaces dos mbitos social e cultural que esto algumas chaves para se encontrar respostas para a patologizao da infncia na contemporaneidade.

    Para Roudinesco (2003), h trs grandes perodos da evoluo da famlia: primeiramente a famlia tradicional que visa assegurar a transmisso de um patrimnio, est pautada em uma ordem de mundo imutvel e inteiramente submetida a uma autoridade patriarcal, ligada religio e ao Estado.

    A famlia moderna rompe com o paradigma do divino e do Estado, fundamenta-se no amor romntico, sanciona a reciprocidade dos sentimentos e do prazer por meio do casamento, h uma diviso desigual de trabalho e poder entre os esposos.

    Na famlia contempornea, a mulher conquistou novos espaos e o poder no mais to desigual. O poder familiar diminui colocando a famlia no mais como o centro da vida dos sujeitos. A revoluo feminista e o patriarcado marcaram as formas de se relacionar. Atualmente, vemos a busca de novas formas de relacionamentos entre pessoas com o mesmo patamar de poder, homem e mulher. O avano da democracia implica patamares equilibrados de poder e a solidez dos relacionamentos modernos estava pautada na desigualdade de poder. A est a dificuldade dos relacionamentos, a dificuldade da democracia e a dita crise da masculinidade.

    A famlia atual, em que a me pode controlar sua maternidade, restituindo seu poder, tomando novo papel na sociedade, enfraquecendo cada

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    vez mais o poder masculino, tem gerado configuraes familiares sintomticas, que se refletem nos filhos e tem que ser manejado e trabalhado nas escolas por professores, pedagogos, assim como na clnica por especialistas.

    Da mesma que a famlia se modificou ao longo da histria, a infncia tambm se configurou distintamente, atravs dos diferentes significados e concepes que lhe foram atribudos. Aris (2006) faz um histrico antropolgico das concepes da infncia. A emergncia do sentimento de infncia, que segundo Aris (2006) ocorreu no sculo XVII, tornando possvel um discurso sobre a criana. Passou-se a estudar e pensar a infncia, caracterizando-a como inocente, necessitando de cuidado e proteo.

    No Neoltico e na Paidia helenstica da antiguidade clssica, pressupunham uma classe de idades da vida, uma diferena e uma passagem entre o mundo das crianas e dos adultos, uma passagem que era realizada por meio da iniciao ou da educao.

    A civilizao medieval no concebia essa diferena e, portanto, no possui essa noo de passagem. Na Idade Mdia, no incio dos tempos modernos, e por muito tempo ainda nas classes populares, as crianas misturavam-se com os adultos. Assim que eram consideradas capazes de dispensar a ajuda das mes ou das amas, pouco depois de um desmame tardio, aproximadamente aos sete anos de idade. Nesse momento histrico, no havia lugar para o setor privado. O movimento da vida coletiva arrastava numa mesma condio as idades e a vida social, sem deixar a ningum o tempo da solido e da intimidade. No modo de produo feudal, o trabalho tinha um carter coletivo. O trabalho e o lazer se desenvolviam no mesmo espao.

    A mudana do carter formativo medieval est relacionada mudana do feudalismo para o capitalismo. Nos tempos modernos, a famlia, a escola afastam a criana da sociedade dos adultos, h o advento das famlias, das casas divididas em cmodos, o incio da vida privada. A escolaridade tornou-se fundamental para as crianas e jovens, pode-se dizer que da provm o nascimento do aluno.

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    Com a Revoluo Industrial e o modo de produo fabril, a famlia e a escola afastaram a criana da sociedade dos adultos, o que fez com que surgisse esse sentimento de infncia (ARIS, 2006). Houve o advento das famlias, das casas divididas em cmodos, o incio da vida privada. A escolaridade tornou-se fundamental para as crianas e os jovens.

    Devido ao forte vnculo da infncia com a escola e a famlia burguesa, duas principais representaes da infncia tornaram-se predominantes: de um lado, a infncia ingnua e inocente, fonte de paparicao e divertimento; e do outro, o infante como um ser incompleto, desprovido de conhecimento e moral, que precisava ser educado e disciplinado. O sentimento de infncia se divide em dois conceitos: a paparicao e a exasperao. A paparicao est relacionada ao novo sentimento das famlias quanto s crianas. A criana vista como um ser inocente e puro. A exasperao um sentimento da concepo eclesistica em que a criana um ser imperfeito e incompleto, que necessita ser educado. Nessa concepo h um sadismo pedaggico com a utilizao do castigo fsico atravs da palmatria e do chicote, por exemplo.

    O Renascimento e a Pedagogia Humanstica tambm influenciaram para a criao de uma forma mais humana e culta de educar e instruir a criana. No entanto, o corpo foi alvo de disciplinamento durante muito tempo e em todas as classes sociais, pois as crianas eram vistas como seres incapazes de aprender sem o uso de castigos.

    Com a Revoluo Industrial, era necessria uma educao que atendesse s necessidades da moderna produo das fbricas. A escola e seus processos foram organizados de modo a transformar as salas de aula em lugares apropriados para naturalizar as relaes sociais capitalistas, utilizando o modelo fabril. A escola tornou-se o espao para constituir normas regulamentos que visassem o domnio e a submisso dos impulsos naturais de crianas e jovens e sua orientao para o trabalho. O objetivo manter as crianas sob o olhar vigilante do professor o tempo suficiente para refrear o seu carter e dar forma ao seu comportamento.

    No sculo XIX, h uma preocupao sanitarista na educao e na sociedade em geral. Recomenda-se a prtica da educao fsica, so

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    estabelecidos os ptios de recreio, cresce uma preocupao e cuidado com o corpo das crianas. Assim, foi necessrio criar saberes especficos para o cuidado da infncia e um aparato de tecnologias e produtos voltados especialmente para essa etapa da vida. Esse novo regime discursivo impulsionou a criao de diferentes artefatos culturais destinados ao controle, governamento (FOUCAULT, 1970) e produo dos infantis. nesse contexto que nasce os brinquedos se tornam objetos voltados para a infncia.

    Segundo Bauman (2004), h uma dicotomia entre escola e famlias e conceitos diferenciados quanto ao tratamento das crianas, esta uma poca em que um filho acima de tudo um objeto de consumo emocional (p. 59). Isto fez com que os pais transformem-se em consumidores importantes desde a concepo vida escolar dos filhos no af de proporcionar-lhes bem-estar. O filho visto como satisfao e por isso buscam-se determinadas obrigaes e precaues tendo em vista que o futuro gnio merece o melhor. O adulto que teme perder o afeto da criana ser condescendente com seus desejos e no ter autoridade na hora de corrigi-los. O amor pelos filhos j no visto como uma ordem disciplinadora, mas de satisfaes que o investimento feito deve outorgar.

    2.2 AS AVENTURAS DE PINQUIO PARA FUGIR DA ESCOLA O mundo da infncia se constri a partir das ideologias adultas e do que

    se almeja para elas. o adulto que constri a infncia e o aluno, pois so os pais, os educadores, os professores, os cuidadores, os legisladores ou autores de teorias sobre a psicologia do desenvolvimento que tm o poder de organizar a vida das crianas. o adulto que constri a infncia e o aluno, pois so os pais, os educadores, os professores, os cuidadores, os legisladores ou autores de teorias sobre a psicologia do desenvolvimento que tm o poder de organizar a vida das crianas. O mundo da infncia se constri a partir das ideologias adultas, e do que se almeja para elas.

    Essa dicotomia entre os objetivos da famlia contempornea e da escola quanto educao da infncia geradora de conflitos e angstias. Assim como ao conceito de infncia est relacionado com o surgimento da escola,

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    como um espao para a criana, no por acaso que o espao escolar seja o local em que o sofrimento infantil seja sinalizado. O problema na aprendizagem um sofrimento da infncia contempornea, uma patologia produzida pela sociedade e pela cultura. A escola, como um espao para a educao da infncia, tambm o local em que o sofrimento infantil sinalizado, pois o sintoma escolar bastante mobilizador, levando familiares, professores e especialistas a interpretar, questionar, analisar por que a aprendizagem escolar no ocorre. Segundo Bossa (2002, p. 59):

    No por acaso, a vida escolar a dimenso escolhida para a ocorrncia do sofrimento, que, na estrutura de nosso trabalho, concebido, como sintoma. Baseamo-nos na idia de sintoma como um entrave que sinaliza para algum que alguma coisa no vai bem. Um sinal que preciso interpretar, decifrar e que, em dado momento de nossa prtica, leva-nos a perguntar: por que o sintoma na aprendizagem escolar? A essa pergunta respondemos: se o objetivo sinalizar, nada mais apropriado que o sinal ocorrera na escola. O sintoma escolar bastante mobilizador.

    Por serem as instituies com maior responsabilidade pela educao das crianas, o fracasso escolar gera angstias e mobilizaes antagnicas para a escola e para a famlia. No entanto, parafraseando Sacristn (2005), h uma crescente dicotomia entre seus objetivos quanto educao da infncia. Cada vez mais, a famlia contempornea se ocupa com as relaes afetivas, renunciando aos projetos de futuro em funo de satisfaes imediatas. O afeto se sobressai educao, e esse desequilbrio pode tornar difcil a tarefa pedaggica da escola, cuja funo propor uma ordem de trabalho.

    Sacristn (2005) afirma tambm que a famlia est se tornando culturalmente um lugar acolhedor dos afetos, exigindo da escola a superao de exigncias disciplinadoras, esperando do educador um tratamento acolhedor com os filhos-alunos. Nesse contexto, torna-se cada vez mais difcil explicar para essas famlias o fracasso de seus filhos, que no aceitam com facilidade, pois o significado das dificuldades de aprendizagem, da repetncia e das notas baixas faz com que sintam que eles prprios fracassaram.

    Culturalmente, os conceitos de aluno e infncia se confundem, uma vez que a tarefa primordial das crianas aprender. A no aprendizagem, ou a

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    falha nessa tarefa, gera conseqncias severas sob a criana, principalmente, o sentimento de rejeio. Assim, em uma cultura que valoriza a escolarizao, que cada vez mais enfatiza que lugar de crianas e adolescentes na escola, seja por teorias, seja pela legislao. Nessa cultura, o no aprender comove e angstia, gerando tenses emocionais nos adultos que convivem com a criana que apresenta dificuldades.

    2.3 SE VOC MENTIR, SEU NARIZ VAI CRESCER: O DESENVOLVIMENTO MORAL E COGNITIVO NAS CRIANAS

    Alm da dicotomia entre os objetivos da famlia contempornea na educao dos filhos, tambm podemos estudar a partir do conto o desenvolvimento do julgamento moral da criana. Piaget (1994) realizou um estudo sobre a gnese do julgamento moral na criana. Segundo Piaget (ibidem), as normas, valores e padres morais no so simplesmente transferidos para a conscincia da criana, no atravs do reforo social e da imitao que levar a criana conformidade normativa, j que a assimilao implica uma reorganizao estrutural do exterior. Assim como o desenvolvimento cognitivo, o desenvolvimento moral possui bases na ao do pensamento da criana sobre as questes morais. Para Corso e Corso (2006)

    Cada confuso armada pelo boneco cercada de moral: ele avisado antes de faz-la, aconselhado a desistir e sujeito a recriminaes, geralmente por algum animal que lhe enuncia frases de sabedoria e bom senso, mas Pinocchio insiste e erra sistematicamente; pouco a pouco so as intenes moralizantes que ficam como as grandes derrotas da histria. Pinocchio sempre faz pouco caso da sabedoria que lhe oferecida e cai em qualquer cilada que encontra no caminho. De fato, ele s aprende com a experincia, de nada adiantam as admoestaes dos mais velhos e dos sbios, ele s saber separar o joio do trigo errando muito e errando mais uma vez, at a exasperao do leitor (p.214)

    Dessa forma, cada criana ir construir o julgamento moral a partir de suas experincias e atravs do desenvolvimento cognitivo, no tendo um caminho nico e ideal. Nos estudos de Piaget (1994), atravs dos jogos com

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    regras, como o jogo de bolita, identificaram-se duas moralidades: a Heternoma a Autnoma.

    A moral heternoma representa um tipo de cdigo moral autoritrio, que no possui carter racional, imposto pelo adulto, diz respeito s tradies e ao sagrado. As restries impostas pelos adultos, as restries morais e o realismo moral caracterizam a moral heternoma. O julgamento do que correto diz respeito obedincia s regras e leis dos adultos. A criana marcada pelo comportamento egocntrico, pela viso unilateral dos acontecimentos, podendo perceb-los somente a partir do seu ponto de vista. Quaisquer mudanas nas regras so consideradas erradas. Na moral heternoma, o errado deve ser punido na mesma proporo do erro.

    A moral autnoma representa a igualdade, a democracia que se desenvolve no prprio convvio das crianas. marcada pela cooperao, pela responsabilidade subjetiva. O respeito unilateral substitudo, gradualmente, pela idia de mutualidade, proporcionada pela cooperao no relacionamento entre as crianas e os amigos e colegas. A reciprocidade fundamental para a autonomia que, segundo Corra (2000) surge apenas quando o respeito mtuo bastante forte para fazer com que o indivduo sinta o desejo de tratar os outros como gostaria que estes o tratassem.(p. 54) Para a moral autnoma, o julgamento do que certo resulta da considerao da situao em que a ao est ocorrendo, dessa forma, as normas passam a ser vistas como construes das pessoas, como sendo flexveis. Poder se colocar no lugar do outro, descentrar-se possibilita a percepo e a coordenao de diferentes pontos de vista.

    Para que ocorra um desenvolvimento da moral heternoma para a autnoma (o que no ocorre naturalmente), necessrio uma srie de fatores, dentre eles o desenvolvimento cognitivo, atravs do Realismo Moral e a responsabilidade subjetiva; assim como fatores ambientais ligados aos relacionamentos entre as crianas.

    Os relacionamentos entre as crianas podem ser de dois tipos: relaes com regras impostas pelos adultos, caracterizada pela unilateralidade autoritria do adulto e aquelas relaes marcadas pela cooperao e igualdade

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    de condies. As pesquisas de Piaget quanto a moralidade outros aspectos do desenvolvimento infantil foram marcadas pelo seu mtodo clnico, ouvindo as crianas, entrevistando-as. Vinh-Bang (1990, apud. CORRA, 2000) procurou fazer uma adaptao do mtodo clnico para a sala de aula, com o intuito de fazer do professor um pesquisador constante, assim como uma forma de interveno desequilibradora nos contextos pedaggicos, em que se proporcionem vivncias de tomada de conscincia das crianas, sempre lembrando que o desenvolvimento moral e cognitivo deve andar juntos para que ocorra uma aprendizagem efetiva. Para o referido autor, o mtodo clnico na sala de aula deve ter forma de dilogo e no de crtica:

    O aluno convidado a precisar certos pontos, como se ele no pudesse ter sido seguido em suas aes (Mostra para mim como voc fez) ou compreendido em suas intenes (o que est acontecendo ento?) (...) Esta etapa no tem como nico objetivo fornecer informaes ao interveniente. Ela visa a fazer com que o aluno se d conta do que fez, perceba como sua ao modificou um resultado e trouxe novos elementos para resoluo. (VINH BANG, apud. CORRA, 2000, p. 60)

    O mtodo clnico tambm implica respeitar e encorajar o papel ativo das crianas na sala de aula, propor questionamentos e situaes problemas que mobilizam a operatividade. muito importante que cada novo conceito ou contedo seja de fato estruturado e pensado, no apenas acrescido. importante tambm que os erros, intelectuais e morais, sejam tratados com profundidade, e vistos como um processo de construo que representa uma oportunidade de soluo de um determinado problema. O professor precisa saber criar um espao transicional (WINNICOTT, 1975) em sua relaes com os alunos, enchendo sua sala de aula de afetos, carinhos e limites, sendo suficientemente bom.

    A relao entre escola e famlia, o contexto desses dois mbitos definem o modo de viver das crianas, j que nesses mbitos que os discursos e idias determinaro esse sujeito e sua percepo de mundo. Nesse sentido, segundo Fernndez (1991) no existe um modelo de famlia, mas diferentes formas de vida familiar nos quais o espao para a infncia e o saber toma diferentes formas atravs de redes de significados.

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    As redes de significados definem a forma como a famlia d significado para o aspecto intelectual. Muitas dificuldades de aprendizagem se encontram nessas redes de significaes em que um conhecimento proibido.

    A Psicopedagogia tenta compreender a relao do sujeito com o conhecimento e o significado de aprender para o indivduo e para a famlia, que se constri ao longo do desenvolvimento. A Psicopedagogia buscar interpretar o sintoma na aprendizagem alm de trat-lo. O sintoma visto como positivo pelo seu sinal de alerta, que anuncia um conflito que o sujeito no pode expressar conscientemente.

    Atravs das aventuras de Pinquio, vemos que nas interfaces das relaes familiares que se estabelecem as primeiras experincias com a aprendizagem e moralidade, e que antes de ir para a escola, antes de aprender, a criana precisa ser. Para Winnicott (1975) a habilidade de fazer baseada na capacidade de ser. Aprender atitude, ousar, mostrar e comunicar. Antes de fazer, precisamos ter espao para ser. Antes de ter sucesso na escola, a criana precisa modificar a sua postura diante da vida, tal qual Pinquio, que mudou o modo de perceber e interagir com os desafios, buscando um espao em que h lugar para o corpo e o aprender, lugar para a autoria e vivncia simblica, rompendo com a imagem destrutiva que inscreve sua subjetividade.

  • 24

    3 BICICLETA SE ESCREVE COM C OU COM S? AS DIFICULDADES NA ESCRITA

    A alfabetizao universal uma ideologia da sociedade ocidental contempornea. As sociedades ps-modernas esperam que as crianas aprendam a ler e a escrever e colocam como principal objetivo da escola primria essa ideologia. Segundo Ellis (1995), no passado, em sociedades alfabetizadas, a capacidade para ler e escrever era restrita a uma pequena minoria de religiosos, sacerdotes, escribas, reis. A alfabetizao era sinnimo de status social e seu conhecimento era secreto, guardado para poucos.

    Somente nos dois ltimos sculos, que a alfabetizao foi declarada como objetivo primordial, assim como a escolarizao foi postulada como fundamental s crianas e jovens. Tambm se deve ter em mente, que as grandes cidades se organizam a partir da escrita, e presumem que todos os adultos podem ler. Nesse contexto, ser analfabeto ou ter dificuldades com a cultura escrita estar margem.

    A aprendizagem da escrita um processo de conceitualizao da linguagem (ZORZI, 1998), isto a criana pensa e estabelece hipteses sobre a cultura escrita, para alm da fixao de letras e sons, ou a memorizao da forma das palavras. A criana age sobre a linguagem formulando hipteses, procurando descobrir e organizar suas propriedades. Nesse sentido, a aprendizagem da escrita pode ser vista como um processo de construo de hipteses, em que o erro da criana toma um sentido de etapas de apropriao, ou hipteses de escrita. A especificidade da aprendizagem da escrita est pautada em trs aspectos: a escrita manuscrita, a ortografia e a produo textual.

    A aprendizagem da escrita manuscrita est nos nveis de organizao da motricidade, pelas relaes de espao bem estabelecidas, pelo pensamento, pela afetividade e pela codificao de smbolos grficos que permitem registrar a comunicao. A escrita um meio insubstituvel do aprendizado que facilita a organizao, a reteno e a recuperao da informao.

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    Zorzi (2003) afirma que a apropriao do sistema ortogrfico de escrita se d em uma progresso evolutiva, tendo em vista que aprender a escrever implica compreender uma srie de propriedades ou aspectos da lngua escrita que fazem parte do sistema ortogrfico. A apropriao progressiva do sistema ortogrfico passa pelos seguintes conceitos: diferenciao do traado das letras, conscincia fonolgica, identificao da posio das letras dentro da palavra, diferenciao da linguagem oral da linguagem escrita, compreenso das mltiplas representaes escritas de um mesmo som. Na produo textual, necessrio que se desenvolva um nvel suficiente da funo simblica para compreender que a escrita transmite uma mensagem, tem a funo de comunicar. A criana que aprende estratgias de formulao deve compreender que a escrita uma modalidade da linguagem que permite a comunicao de modo diferenciado da modalidade oral, pois supem regras, seqncias e ordens especficas.

    Como visto anteriormente, dada complexidade de fatores envolvidos na escrita, possvel encontrar diferentes tipos de problemas:

    a) Dificuldades na grafia: consiste nas dificuldades de grafia e pode ser definida como letra ilegvel. Em geral, o disgrfico apresenta dificuldades posturais, de preenso do lpis ou caneta, bem como de coordenao motora fina. Segundo Rotta (2006), a disgrafia se constitui uma dispraxia, ou seja, sistemas de ao no coordenados, resultando em gestos que no se realizam ou de intenes que no se expressam no plano da realidade, resultando em lentido, muitas interrupes, distores, impedimentos na realizao de movimentos ligados dor fsica e estresse.

    b) Dificuldades na ortografia: dificuldade de transcrever corretamente as palavras, apresentando trocas ortogrficas e confuso de letras. Em suas pesquisas, Zorzi (2003) identificou onze tipos de alteraes ortogrficas: trocas envolvendo substituies entre letras que representam os fonemas surdos e sonoros; substituies de letras em razo da possibilidade de representaes mltiplas; omisses de letras; apoio na oralidade; juno e separao indevida de palavras; inverses; generalizao de regras; acrscimo de letras; trocas entre letras parecidas; uso do am e o; outras.

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    c) Problemas de formulao textual e sintaxe: constituem dificuldades no domnio de estratgias discursivas para o estabelecimento de relaes dialgicas atravs de textos e para a organizao seqencial de relatos escritos. Os problemas de formulao acontecem quando o sujeito no consegue produzir um texto do ponto de vista argumentativo. Inicia a escrita e logo a conclui, realizando lacunas textuais que geram o no-entendimento da mensagem produzida. Os problemas de sintaxe, por sua vez, ocorrem quando o sujeito produz textos no coesos, que desrespeitam as convenes da lngua e comprometem o entendimento da mensagem transmitida.

    3.1 MEMRIA DE TRABALHO E ESCRITA A habilidade de expressar pensamentos em um texto escrito com o

    intuito de comunicar idias a um leitor dificultosa para muitas crianas e adolescentes. Segundo Brow (2007), escrever mais difcil que falar e ler, pois envolve habilidades grafo - motoras, vocabulrio, formulaes, gerao de idias, estabelecimento de objetivos, e se torna um grande desafio para crianas com problemas atencionais e de memria.

    Brown (2007) enfatiza tambm que as dificuldades de memria de trabalho desempenham um papel fundamental nas funes cognitivas e seu prejuzo dificulta o desenvolvimento das habilidades de escrita, o que se torna um problema, j que ler e escrever so habilidades muito valorizadas atualmente. A figura 1 mostra a importncia da memria de trabalho para a expresso escrita, pois possibilita a seleo e combinao de palavras, memria ortogrfica, imagens verbais, combinao de expresses para a transmisso de significados.

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    Quando o sujeito escreve a palavra, ativa processos da memria de curto prazo que permite a codificao, retendo-a at que o escritor se d conta do seu significado. Nesse ponto, a palavra impressa, como smbolo, tende a ser descartada, pois perde sua funo, a fim de que a memria de curto prazo possa processar novas informaes. Assim, a ateno do escritor pode estar dirigida, nesses casos, para alcanar os significados das palavras do que voltada para anlise das letras que a compem. H um conflito entre memria de curto e longo prazo, sendo que a memria de curto prazo no infere modificaes nos padres estabelecidos pela memria de longo prazo.

    3.2 AS SUBSTITUIES DE LETRAS EM RAZO DA POSSIBILIDADE DE REPRESENTAES MLTIPLAS DE UM MESMO SOM

    As dificuldades na aprendizagem da ortografia podem ser da ordem de distrbios de aprendizagem, da carncia cultural, ou das conseqncias de polticas econmicas, sociais e educacionais (ZORZI, 2003). Para o autor, a apropriao do sistema ortogrfico de escrita, se d em uma progresso evolutiva, tendo em vista que aprender a escrever implica compreender uma

    Transmisso de

    significados

    Seleo e combinao de: Traos visuais Formas das

    palavras Regras

    MEMRIA DE

    TRABALHO

    TRABALHO ESCRITO

    MEMRIA DE LONGO

    PRAZO

    Figura 1 Ativao da memria de trabalho no processo da escrita.

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    srie de propriedades ou aspectos da lngua escrita que fazem parte do sistema ortogrfico.

    A apropriao progressiva do sistema ortogrfico passa pelos seguintes conceitos: diferenciao do traado das letras, conscincia fonolgica, identificao da posio das letras dentro da palavra, diferenciao da linguagem oral da linguagem escrita, compreenso das mltiplas representaes escritas de um mesmo som.

    Em suas pesquisas, Zorzi (2003) identificou onze tipos de alteraes ortogrficas: toras envolvendo substituies entre letras que representam os fonemas surdos e sonoros; substituies de letras em razo da possibilidade de representaes mltiplas; omisses de letras; apoio na oralidade; juno e separao indevida de palavras; inverses; generalizao de regras; acrscimo de letras; trocas entre letras parecidas; uso do am e o; outras. Neste trabalho, sero tratadas as trocas envolvendo substituies entre letras que representam os fonemas surdos e sonoros e as substituies de letras em razo da possibilidade de mltiplas representaes.

    As trocas envolvendo substituies entre letras que representam os fonemas surdos e sonoros uma falha na evocao de imagens mentais, imagens acsticas e articulatrias que permitem a identificao de fonemas, resultando em uma impreciso na identificao dos sons, assim como nas letras que gravam os sons. Tal dificuldade apresentar palavras escritas sem a correspondncia ortogrfica. importante salientar que essa dificuldade no ocorre necessariamente em crianas com problemas de fala e de escuta (ZORZI, 2003).

    A substituio de letras em razo da possibilidade de representao mltipla significa que um som pode ser representado por diferentes letras e, do mesmo modo, uma mesma letra pode escrever vrios sons. Tal fato, pode gerar situaes de erro no consciente ou situaes de conflito, em que o sujeito possa desconhecer as diferentes alternativas de representar um som, no tendo conscincia das possibilidades das mltiplas representaes que a Lngua Portuguesa oferece. O sujeito pode arriscar determinadas letras por no saber manejar com essas regras contextuais.

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    Encontramos uma escrita que poderamos at mesmo denominar de ingnua, na medida em que se caracteriza por uma no compreenso da complexidade das relaes entre letras e sons. A resultante uma escrita confiante, sem conflitos, e que pode at mesmo funcionar adequadamente no caso de palavras com as quais h familiaridade. Entretanto, no caso de palavras pouco familiares ou novas, que no fazem parte do repertrio usual, surge uma tendncia de privilegiar uma ou outra letra, como se houvesse uma relao de estabilidade permanente. (Zorzi, 2003, p. 73)

    Nesses casos, h uma compreenso limitada quanto s relaes e ao uso contextual de determinadas representaes. Sendo assim, o principal objetivo do trabalho interventivo utilizar estratgias que levem o sujeito a dar-se conta de que um som pode ser representado por diferentes letras e que uma mesma letra pode grafar diferentes sons.

    A escola deve colaborar na aquisio da escrita correta provocando reflexes sobre a lngua, relacionando ortografia e significado. O professor ou professora pode atuar como um mediador eficiente na aquisio de regras ortogrficas pela criana, proporcionando atividades em sala de aula que promovam a discusso reflexiva sobre as vrias possibilidades da ortografia.

    A conscincia metalingstica no implica necessariamente o processo de explicitao das regras gramaticais dentro do padro convencional e sim a capacidade de refletir conscientemente acerca da prpria linguagem, da estrutura da lngua, e dos princpios que regem o seu uso. (MORAIS, 1999, p. 106)

    Aprender ortografia deve estar alm do treinamento de palavras, deve estar pautada na prtica leitora e travs de atividades que instiguem a reflexo. Portanto, a interveno psicopedaggica no deve visar apenas o treinamento, mas a reestruturao desses processos automatizados, criando condies para que outra forma de escrever, mais consciente, se desenvolva.

    Alguns autores, como Bettelheim, Zelan (1992) e Weiss (2004), enfatizam que as dificuldades na aprendizagem da escrita tambm podem estar relacionadas ao simblico da questo, pois a no-aprendizagem da escrita representa dificuldades em comunicar-se, registrar idias, registrar seu lugar no mundo. Na medida em que a escrita uma expresso do eu, o

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    sintoma na aprendizagem da escrita pode sinalizar problemas afetivos, limitando seus aspectos criativos e comunicativos. Na concepo psicanaltica, um escolar demonstra resistncia em entrar no mundo dos signos, regras e leis da escrita devido s vivncias das primeiras fases infantis. Segundo Pokorski (1998),

    Na fase flica (4 a 6 anos), ocorre um momento importante na sexualidade da criana, que tem reflexos no desenvolvimento emocional e na construo do conhecimento, dependendo de como se processa.O menino, na identificao, dentro do tringulo edpico, sente temor do adversrio que aparenta ser mais poderoso. Como forma de proteo, ele se identifica com o adversrio ameaador. Uma vez sendo igual a ele, no h necessidade de tem-lo. Os valores do pai no so mais apenas copiados pelo menino, mas profundamente introjetados. No procura imitar os valores e atitudes do pai, pois sente-se como possuidor destes valores e atitudes. imprescindvel para a aquisio da identidade masculina este desenvolvimento do processo de identificao.Na represso, o que ocorre a renncia da atrao pela me, uma vez que no basta que o menino identifique-se com o pai, se o desejo pela me continua sendo alimentado. Na sublimao, h uma transformao da energia originariamente sexual, em atividades sociais, culturais e intelectuais. O que foi represado procura um caminho por onde escoar e a criana passar para a construo intelectual e social. Freud encerra aqui a fase flica e Piaget, o estgio da funo simblica, passando, respectivamente, para a fase da latncia (aquisio e conquista do real) e o estgio do operacional (assumir o mundo lgico). (p. 227 e 228, grifo do autor)

    Dessa forma, a criana ainda presa me, sem conseguir identificar-se com a figura paterna no ter instalado o desejo de cultura, de reflexo e domnio do mundo. A aprendizagem escolar tender ao fracasso. No tendo um adequado desenvolvimento emocional, a criana poder apresentar dificuldades em fazer registros sem transpor seus conflitos.

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    4 CONSELHOS DO GRILO FALANTE: UMA QUESTO DE MTODO

    O estudo foi realizado em uma escola rede particular de ensino de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, envolvendo alunos e professores de uma turma de 3 ano do ensino fundamental. A escola conta possui 19 turmas, da educao infantil ao terceiro ano do ensino mdio. Os professores possuem formao superior.

    Pretende-se com este projeto propor atividades a serem desenvolvidas pelos professores para a promoo do desenvolvimento do julgamento moral nas crianas, a construo da representao ortogrfica de escrita, no intuito de auxiliar os professores desta turma a darem respostas concretas s dificuldades dos estudantes.

    A turma composta por 23 crianas, a professora formada em Pedagogia e est cursando ps-graduao em Psicopedagogia Institucional em um curso distncia. A principal queixa da escola e da professora em relao a essa turma a dificuldade de relacionamento e disciplina, assim como atrasos na escrita ortogrfica.

    4.1 TEMA Desenvolvimento do julgamento moral da criana travs de atividades

    ldicas e produes de texto que envolvam a tomada de conscincia; compreenso das dificuldades de aprendizagem, como manej-las no contexto pedaggico da sala de aula e no contexto familiar.

    4.2 PROBLEMA Como viabilizar um trabalho de construo do conhecimento e do juzo moral em uma turma que apresenta dificuldades de relacionamento, de aprendizagem, ateno e interesse?

    4.3 OBJETIVO Ressignificar o conceito de aprendizagem, visando a transformao de

    prticas de ensino em que o manejo em sala de aula viabilize a tomada de conscincia, a reflexo, o crescimento, promovendo momentos de resoluo de

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    problemas, tomada de decises, questionamentos, que coloquem as crianas em um papel ativo no aprender.

    4.4 PROPOSTA DE INTERVENO A proposta de interveno foi elaborada a partir de oficinas que

    desenvolvem a habilidade de resolver problemas, respeito s regras e desenvolvimento da representao ortogrfica da escrita.

    As atividades foram elaboradas atravs de jogos e dinmicas por entender-se que a situao de jogo desafiadora, impulsiona a vencer obstculos, a criana se arrisca, coloca em jogo suas hipteses e conhecimentos construdos. Aps as atividades, importante realizar os registros atravs da escrita, integrando o portflio de aprendizagem de cada criana. Para a aplicao em sala de aula, alm desses jogos, pode-se implantar atividades a partir de um projeto de trabalho.

    4.4.1 Oficinas ldicas de resoluo de problemas morais

    As oficinas ldicas de soluo problemas visam promoo de jogos e atividades em grupos de reflexo e resoluo de problemas que envolvam a tomada de decises e questionamentos; promover a construo de textos envolvendo dilemas morais a serem resolvidos e o desenvolvimento geral do raciocnio e inteligncia; promover trabalhos em grupos, estimulando a interao de qualidade, em que se possa vislumbrar o colega como sendo portador de idias interessantes e diferentes das suas; compartilhar produes, prestigiando o trabalho do outro, auxili-lo a aprimorar sua produo; oportunizar a construo da descentrao, de olhar para o outro, de relacionar-se com o colega, no s para brincar ou brigar, mas para aprender e cooperar. As atividades propostas so apresentadas no quadro 1.

    ATIVIDADE OBJETIVO MATERIAL NECESSRIO

    REGRAS

    JOGO DECISO Posicionar-se a respeito de dilemas morais, opinando e

    - ampulheta - 15 cartes com as palavras SIM, NO, TALVEZ. -Envelope com

    Divide-se a turma em 5 grupos, sendo que cada grupo recebe um nmero de identificao. Decide-se qual o grupo ser o primeiro a jogar. Um

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    justificando suas escolhas.

    cartas contendo dilemas (Anexo A).

    representante do primeiro grupo retira uma carta do envelope e l para todos o questionamento, o grupo tem um tempo para discutir marcado na ampulheta. Aps o tempo, o grupo diz a sua resposta para todos. Cada grupo dever discutir o posicionamento e tentar inferir o posicionamento do grupo jogador, mostrando as cartinhas SIM, NO E TALVEZ. O grupo ganha um ponto se o nmero de SIM for maior. Caso haja, maior NO E TALVEZ, um representante de cada grupo iria frente da sala debater. Sobre o dilema em questo. O restante do grupo, findadas as argumentaes dos dois representantes, votaria elegendo quem seria o dono da razo nessa situao. Vence o jogo, o grupo que realizar o maior nmero de inferncias corretas, obtendo o maior nmero de pontos.

    O QUE MAIS ELE PODE FAZER?

    Encorajar as crianas a pensarem em solues para problemas.

    5 fichas com ilustraes (Anexo B).

    separar a turma em 5 grupos. Cada grupo receber uma ilustrao. A partir da ilustrao, devero escrever em uma folha o problema ilustrado e discutir as possveis solues, escrevendo-as na folha. Cada grupo ir apresentar seu problema e solues, discutindo com toda a turma, mediados pela professora.

    O QUE PODER ACONTECER?

    encorajar o pensamento conseqente antecipado, mostrar que aquilo que fazemos e dizemos afeta o que as outras pessoas fazem e dizem.

    - 5 fichas com ilustraes (Anexo C).

    Materiais: Dinmica: separar a turma em 5 grupos. Cada grupo receber uma ilustrao. A partir da ilustrao, devero escrever em uma folha o problema ilustrado e discutir as possveis solues e conseqncias, escrevendo-as na folha. Cada grupo ir apresentar seu problema e solues, discutindo com toda a turma, mediados pela professora.

    Quadro 1 Atividades de resoluo de problemas morais.

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    4.4.2 Jogos de confronto

    As oficinas ldicas que visam promoo de jogos de confronto em atividades que envolvam a corporeidade, que sejam socializantes e estruturantes; transformar a briga em jogo com regras, no qual a criana possa expressar a agressividade e reconhecer o outro em condies definidas; compreender instrues, respeit-las e execut-las; situar-se em um espao delimitado; aceitar as imposies de uma situao: regras, imposio de espao, de tempo; reconhecer o outro, suas diferenas e respeit-lo; Ser muito ativo, controlando ao mesmo tempo, sua violncia e suas emoes; Relativizar a vitria e reconhecer a derrota; Podem ser realizados no ptio, no momento da Educao Fsica (OLIVIER, 2000). As atividades propostas so apresentadas no quadro 2.

    Dinmica Desenvolvimento Os Bales Estourados organizar o grupo em duplas. Amarrar um balo no tornozelo de

    um dos parceiros, a fita unindo p ao balo medir 50 cm.As crianas sem balo devem pisar sob o do adversrio para faz-lo estourar; as crianas com os bales devem evitar esquivar-se dos ataques. O jogo ser disputado em p. No caso de um parceiro cair, deve-se esperar que o colega levante par retomar a ao. Nenhum jogador pode utilizar suas mos, seja para afastar o adversrio, seja para atingir o balo.

    Os caadores O conjunto da turma desloca-se de quatro sobre o tapete na sala de jogo ou sobre a grama. Duas crianas em p, os caadores, procuram tocar as crianas caadas, para transform-las em caadores. As crianas ameaadas podero virar-se de costas para tornarem-se intocveis; elas podem retomar a sua mobilidade se o perigo afastar-se.

    A lagarta Organizar a turma em grupos heterogneos. Segundo o efetivo total, de cinco a sete crianas formam uma lagarta e engancham-se pela cintura, uma atrs das outras.A criana que ficar sozinha, deve tentar enganchar-se no fim da fila, enquanto a lagarta procura impedir o solitrio de conseguir seu objetivo. Durante o jogo: a criana sozinha no tem o direito de agarrar seus colegas da lagarta para det-los; os elementos da lagarta, especialmente o primeiro e o ltimo, no tem o direito de empurrar o atacante com suas mos.

    A captura dos lenos As crianas so organizadas em duplas. Em cada dupla, uma das crianas, amarra um pedao de tecido ou leno nas costas, na altura da cintura ou no pescoo. O atacante deve pegar o leno do defensor sem toc-lo. O defensor no deve segurar o leno com as mos. Os dois jogadores devem respeitar os limites da zona definida.

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    A Coleta dos Prendedores de roupa

    Delimitar um crculo com um trao de giz no cho de aproximadamente 1,5 m. para cada dupla de crianas. Fornecer para um dos jogadores dois prendedores de roupa a serem colocados em suas vestimentas, no lugar de sua escolha, mas obrigatoriamente vista de seu adversrio. O atacante deve apropriar-se, sem brutalidade, dos prendedores de seu colega. O defensor procura esquivar-se. Os jogadores no devem, em caso algum agarrarem-se.

    A Captura das bolas Agrupar as crianas duas a duas. Uma das crianas de cada dupla protege uma bola, cobrindo-a com seu corpo. O adversrio que deseja a bola-tesouro, fica de joelhos a aproximadamente 50 cm do guardio. O atacante deve conseguir apropriar-se da bola protegida, usando de todos os meios, exceto pela brutalidade. O defensor nunca deve agarrar a bola com suas mos, mas proteg-la com o corpo.

    A Equipe Reunir as crianas em duplas, e equip-las com um cinto em volta da cintura. Prever 10 m a serem percorridos e limitar a zona com uma linha a ser ultrapassada. Os jogadores posicionam-se um atrs do outro, sendo que o ltimo jogador agarra o cinto de seu parceiro. O primeiro jogador deve arrastar seu colega para a linha de chegada. A resistncia do segundo deve ser sensata. Ele est ali para retardar a progresso.

    Os Ursos Na sala ou sobre a grama, prever trs zonas de jogo. No interior de cada uma delas, quatro crianas, os ursos, equipadas com o cinto na cintura, deslocam-se de quatro. Ao sinal do professor, em torno de seis a oito crianas, em p, lanam-se na perseguio de seus colegas e tentam faz-los sair de sua toca. Os caadores podem ajudar-se. Os ursos no tm o direito de levantar-se e no podem retornar rea de jogo, caso sejam expulsos. O jogo termina quando as crianas de quatro tiverem sido retiradas da zona. A espera muito curta, uma vez que os caadores, em maior nmero, tm apenas quatro adversrios para eliminar.

    Em uma perna s As crianas agrupam-se em duplas e escolhem um espao de jogo. Frente a frente, apoiando-se em uma s perna, cada uma dever tentar desequilibrar seu adversrio at que ele ponha os dois ps no cho. Os jogadores no devem intervir na altura da cabea dos parceiros. As partidas devem durar de 20 a 30 segundos.

    Quadro 2 Jogos de confronto.

    4.4.3 Atividades que trabalham o desenvolvimento da representao ortogrfica da escrita

    Os jogos propostos visam brincar com os sons, buscando construir as correspondncias adequadas entre os sons a serem escritos e as letras especficas para cada um deles, buscando desenvolver a aplicao de estratgias na escrita. Com essa proposta, busca-se desenvolver uma

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    sensibilidade para as situaes em que podem ocorrer conflitos na escrita. Isto , as situaes para as quais a lngua portuguesa oferece mais do que uma possibilidade de representao; desenvolvendo, dessa forma, uma habilidade para detectar, enquanto escreve, aquelas situaes nas quais as relaes mltiplas entre letras e sons podem existir.

    Os objetivos do grupo de atividades que trabalharam o desenvolvimento da representao ortogrfica da escrita foram: desenvolver uma habilidade para detectar, enquanto escreve, aquelas situaes nas quais as relaes mltiplas entre letras e sons podem existir; tornar-se capaz de, na medida em que escreve, sentir as situaes de possveis conflitos, isto , as situaes para as quais a ortografia do portugus oferece mais do que uma possibilidade de representao; efetivar a escrita de modo mais consciente, mais refletida, com a aplicao de estratgias. Usou-se como referncia principal para a elaborao dos jogos as atividades propostas por Zorzi (2003), Costa e Alfonsin (2004/2005), Santos e Costa (2006), Moojen (2006) e Adams e col. (2006). Os jogos propostos so apresentadas no quadro 3.

    NOME DO JOGO OBJETIVO MATERIAL NECESSRIO

    REGRAS

    Decodificando Palavras (AnexoD)

    Classificar palavras de acordo com o som escolhido no dado.

    Dado com desenhos dos movimentos fonoarticulatrios (TEDESCO, MARGALL, 2007) da fala. Palavras em cartes. Papel e caneta para registrar.

    Cada jogador, na sua vez, retira uma palavra da pilha de fichas e pronuncia som por som os fonemas. Os demais jogadores tentam adivinhar. Vence o jogador que acertar o maior nmero de palavras.

    Viagem de palavras (AnexoE)

    Analisar a estrutura sonora e as modificaes nas palavras.

    25 palavras em cartes com palavras que apresentam omisso, posio invertida e acrscimo de fonemas, e slabas. Papel e caneta para fazer os registros.

    Cada criana, na sua vez, retira uma ficha e l para os demais jogadores, que tentaro adivinhar. Quem acertar o maior nmero de palavras ser o vencedor.

    Ler e escrever corretamente criando palavras a

    Trilha em forma de teia. Marcadores. Fichas com boquinhas

    O objetivo fugir da aranha andando casa por casa da

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    Na Teia da Aranha (AnexoE)

    partir de sons. fonoarticulatrias (TEDESCO, MARGALL, 2007).

    teia. A cada casa, o jogador dever retirar uma ficha indicando um som, dever escrever uma palavra que contenha tal som. S poder passar para a prxima casa, se escrever corretamente.

    Brincando com o R e o RR

    (Anexo F)

    Diferenciar o uso do R e do RR.

    2 envelopes, lpis e papel, cartes com palavras escritas com R e RR.

    Cada jogador, na sua vez, retira uma ficha, l e classifica a palavra de acordo com o som do R. De acordo com o som que representa, coloca no envelope correspondente. Ganha o jogador que colocar mais palavras corretas nos envelopes.

    Na corrida do C (Anexo G)

    Produzir palavras com os diferentes sons do C.

    Trilha com as representaes CA, CO, CU, CE, CI, QUE, QUI. Pinos, dado, lpis e papel.

    Cada jogador, na sua vez, avana o nmero de casas indicado no dado. Na casa em que cair dever escrever uma palavra com a slaba indicada. Vence quem chegar primeiro ao ponto de chegada.

    Quadro 3 Jogos que buscam desenvolver estratgias de escrita ortogrfica.

    Aps as atividades, importante realizar os registros atravs da escrita, integrando o portflio de aprendizagem de cada criana. Alm desses jogos, pode-se implantar atividades a partir de um Projeto.

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    4.4.4 Pequeno manual de monstros caseiros O livro Pequeno Manual de Monstros caseiros de Marijanovic (2005)

    apresenta 18 monstrinhos que simbolizam atitudes cotidianas como preguia, gulodice, desorganizao, impacincia, entre outros.

    A partir da leitura da obra, cada grupo ir discutir o monstrinho que tem em comum, ou criar um novo monstrinho e as solues para espant-lo. Pode ser confeccionado um mural para a exposio dos monstrinhos que que as crianas se identificam mais (figura 2).

    Figura 2 Painel Monstros Caseiros.

    No final, cada grupo apresenta seu monstrinho aos demais, discutindo as formas de espant-los. Posteriormente, pode-se apresentar uma pea de teatro, encenando os momentos em que esses monstrinhos atacam.

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    4.4.5 Atividades cotidianas que promovam o desenvolvimento moral, a tomada de deciso e o senso de comunidade

    As atividades cotidianas que promovem o desenvolvimento moral, a tomada de deciso e o senso de comunidade de soluo problemas visam Contribuir para uma atmosfera de respeito mtuo na qual os professores e as crianas praticam a auto-regulagem e a cooperao; dar s crianas a oportunidade de regular seu comportamento voluntariamente; criar um ambiente no qual as crianas cooperem umas com as outras; promover o sentimento de propriedade as regras, de justia, procedimentos e decises da classe; promover o sentimento de responsabilidade compartilhada pelo que ocorre na classe e pela forma como o grupo relaciona-se na sala de aula; oportunizar a construo da idia de igualdade, na medida em que vem que a opinio de cada pessoa valorizada e recebe peso igual no processo de tomada de decises; construir um senso de finalidade cooperativa do grupo que transcende as necessidades e desejos do indivduo (DEVRIES, 1998). As atividades propostas englobam:

    Hora da roda contribui para uma sensao de identidade grupal; promove o raciocnio moral atravs de discusses de dilemas sociais e morais, Diferenciar o que certo e justo, do que errado e injusto.

    Estabelecendo regras construdas com as crianas importante que as crianas criem suas prprias regras. As regras feitas pelas crianas so mais eficientes que as regras dadas prontas sem discusso.Saliente as razes para as regras, cultive a atitude de que as regras podem ser mudadas. As combinaes devem se tornar parte da cultura da sala.Pode-se confeccionar um cartaz com o tema Como tornar nossa sala de aula segura e feliz, ou Coisas para lembrar; tambm pode-se confeccionar um livro. importante rever as regras com freqncia para ajud-las a recordar.

    Tomando decises sobre projetos especiais da classe, procedimentos e problemas especiais.

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    Votao encorajar a discusso e definir alternativas. Usar procedimentos que possam ser compreendidos pelas crianas como contagem de mos levantadas.

    Solucionando problemas: defina o problema, evoque sentimentos, evoque conseqncias, evoque sentimentos sobre conseqncias, encoraje a criana a pensar em solues alternativas, encoraje a avaliao da soluo, elogie a criana por ter pensado.

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    5 RESULTADOS A escola possui Projeto Poltico Pedaggico e Regimento Escolar, dos

    quais podem se destacar os objetivos da escola: a) Humanizar e personalizar o aluno desenvolvendo plenamente seu

    pensamento, habilidades e liberdade, cultivando e vivenciando os valores evanglicos, comprometendo-se, assim, com a promoo da justia e dignidade humana.

    b) Proporcionar um ambiente de reflexo e ao para o bom desenvolvimento cultural e afetivo do aluno dentro de um clima fraterno, solidrio, democrtico, e cristo.

    c) Promover o desenvolvimento do pensamento lgico e a vivncia do mtodo cientfico e de suas aplicaes, para que o aluno construa seu prprio saber e participe na construo de uma sociedade mais tica e evanglica.

    d) Possibilitar aos alunos desde a educao infantil um processo de construo do conhecimento e seu desenvolvimento integral como ser humano.

    Os objetivos do Ensino Fundamental so Aprender na prtica os contedos dados em sala de aula. no Ensino Fundamental que comeamos a formar os universitrios de amanh e com esse objetivo os alunos participam de programas interdisciplinares, viagens internacionais, sadas a campo, projetos de estudos integrados, oficinas extraclasse, atividades integradas e aulas especiais fazem parte das atividades oferecidas. Queremos formar crianas e adolescentes conscientes de suas responsabilidades e profissionais competentes para o futuro. Esto explicitados no documento da seguinte maneira:

    a) a construo do conhecimento e o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios bsicos o pleno domnio da leitura, da escrita e do clculo;

    b) a compreenso do ambiente natural e social, do sistema poltico, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;

    c) o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisio de conhecimentos e habilidades e a formao de atitudes e valores;

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    d) o fortalecimento dos vnculos da famlia, dos laos de solidariedade humana e de tolerncia recproca em que se assenta a vida social.

    A organizao curricular se d por planos de estudos e planos de trabalho do professor. Os Planos de Estudos so construdos de forma coletiva, envolvendo Corpo Docente e Discente, a comunidade na qual a Escola est inserida e a Entidade Mantenedora, sob a coordenao da Direo e do Servio de Superviso Escolar, sendo aprovados pela Mantenedora. O Plano de Trabalho do professor elaborado pelo professor da srie/componente curricular, em consonncia com as Diretrizes Curriculares Nacionais, o Projeto Plano Poltico-Pedaggico da escola e os Planos de Estudos.

    A metodologia de ensino pressupe educadores cristos, comprometidos com a causa da educao, competentes na sua especificidade, com viso holstica, sensveis aos problemas sociais e agentes de transformao dentro de uma dimenso apostlica fundamentada na espiritualidade de Madre Francisca Lechner.

    A ao pedaggica baseia-se numa proposta de Educao Evanglico-Libertadora, alicerada na tica crist, como tambm em princpios estticos, polticos e ticos, enquanto resposta aos desafios da ps-modernidade e anunciadora de novos tempos.

    A avaliao, como processo sistemtico de acompanhar, assistir e orientar a aprendizagem do aluno tem como objetivo auxili-lo na descoberta de seus prprios valores, na construo de seu saber, buscando descobrir as causas que prejudicam o crescimento individual e coletivo, oportunizando ao professor condies, para auto-avaliar-se e analisar se as mudanas previstas esto se operando. ampla, cumulativa, contnua, cooperativa, descritiva e compreensiva, tendo em vista a Fraternidade e a Educao Integral que a Filosofia Educacional pretende atingir, os objetivos do curso, as necessidades do educando e as perspectivas da comunidade, abrangendo os aspectos do comportamento humano: cognitivo, afetivo, motor e espiritual.

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    5.1 DADOS OBSERVADOS A Escola de Educao Bsica Me Admirvel uma escola ampla, seu prdio possui trs andares com um nmero grande de salas. O ptio escolar amplo, possui quadra de futebol e um espao coberto para dias de chuva. As paredes da escola so decoradas com quadros de mensagens religiosas e muitos trabalhos dos alunos e alunas, especialmente os desenvolvidos nas aulas de artes. No recreio, h trs monitores do setor de disciplina que observam as crianas. Alm de poderem brincar no ptio coberto e no coberto, h uma sala de jogos, com mesa para ping-pong, fla-flu, uma estante com diversos jogos industrializados, cordas e bolas.No cho do ptio, h algumas amarelinhas pintadas. As crianas tambm podem ir biblioteca, um espao bastante disputado. As turmas de 1 a 4 srie do ensino fundamental trabalham a partir de projetos, apesar desse dado no estar explcitos nos documentos em que tive acesso.No primeiro sbado de cada ms e semanalmente, h reunies de atualizao permanente com as professoras do ensino fundamental, sries iniciais. Nessas reunies so discutidos temas pedaggicos como projetos, avaliaes. O setor de disciplina conta com duas funcionrias. Nesse setor, so encaminhados bilhetes de comunicao famlia-escola, os telefonemas para comunicao com as famlias so de responsabilidade deste setor, tambm ficam guardados os pertences das crianas perdidos no ptio e biblioteca, assim como so encaminhados os alunos e alunas com problemas de comportamento, que so posteriormente encaminhados s orientadoras educacionais. As crianas esto dispostas em duplas, as classes so enfileiradas, visivelmente divididas em grupos fechados de meninas e meninos. H um mural ao fundo da sala, com cartazes da hora do conto e trabalhos dos alunos/as sobre a obra Pinquio. Tambm h um cartaz sobre a rotina (figura 3) e um sobre as regras da turma (figura 4).

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    Figura 3 Contedo do cartaz da rotina.

    Figura 4 Contedo do cartaz sobre das regras da turma.

    Nos momentos em que estive observando as aulas, as atividades eram escritas no quadro e as crianas deveriam copiar. A professora ficava distante dos alunos e alunas, que estavam mais direcionados em conversas, brinquedos, lbuns de figurinhas, canetas coloridas e desenhos. Quando a professora fazia alguma interveno, era como se no a escutassem, ignorando-a.

    Algumas crianas estavam bastante aborrecidas. Em uma observao, uma das alunas, em uma atividade de leitura individual, rasgou o seu texto e

    SEGUNDA FEIRA Orao no ptio, Educao fsica. TERA-FEIRA Jogo, Hora do Conto. QUARTA-FEIRA Hora do conto, informtica. QUINTA-FEIRA Recreao, biblioteca. SEXTA-FEIRA Aula de msica.

    No discutir com os colegas. Buscar fazer o melhor. Ser responsvel. Fazer as tarefas. Ter disciplina. Sair da sala somente quando

    necessrio. No brigar e ser amigo. Respeitar as pessoas. Fazer silncio na hora da aula. Chegar no horrio certo. Sair da sala um aluno de cada

    vez.

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    jogou o lpis longe. Em outra observao, um, aluno jogou a cadeira e comeou a caminhar pela sala, ignorando os chamados da professora. Em diversos momentos, alguns alunos provocavam a professora, que fazia que no via, ou chamava o setor de disciplina para auxili-la, mas sem fazer reflexes com as demais crianas.

    5.2 DADOS DAS ENTREVISTAS Foram realizadas quatro entrevistas, uma com a Orientadora Educacional

    Irm Carmem, duas com a professora da classe Ana Maria, e com a coordenadora do setor de disciplina. As entrevistas tiveram como objetivo diagnosticar o motivo, a queixa para realizar uma interveno psicopedaggica com a turma 202 da 2 srie do ensino fundamental, assim como, conhecer a proposta da escola e da 2 srie.

    Em entrevista com a Orientadora Educacional, esta me relatou que a 2 srie 202 estava passando por diversas dificuldades, uma vez que haviam na sala muitas crianas com dificuldades de relacionamento, crianas que apresentavam quadros de depresso, dficit de ateno, hiperatividade. A turma estava muito dispersa, e a professora no estava conseguindo lidar com tal situao. Irm Carmem diz que j realizaram mltiplas reunies com os pais, no intuito de realizarem encaminhamentos a especialistas, mas que as famlias no buscam auxlio e responsabilizam a escola por tais dificuldades.

    Na entrevista com a coordenadora do setor de disciplina, foi tratado os encaminhamentos da professora ao setor. Diariamente, a professora da 2 srie 202 encaminha um aluno ou aluna por no indisciplina na sala de aula. Segundo a coordenadora, ao serem encaminhadas ao setor, as crianas desenham e escrevem textos refletindo sobre seus atos. Na sua viso, a professora faz encaminhamentos em demasia e no h dia em que no haja conflitos na sala.

    Conversando com a professora, esta me relatou que a turma no apresentava dificuldades de aprendizagem, que estavam indo muito bem na aprendizagem dos contedos escolares, no entanto, considera a turma muito dispersa, apresentando pouco interesse e ateno nas aulas. De certa forma,

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    sente as crianas um pouco apticas, mal humoradas, sempre aborrecidas. Diz que foram feitos diversos encaminhamentos s famlias, mas que no tiveram retorno. A professora acredita que essas dificuldades ocorram devido s situaes familiares.

    Em um segundo momento, conversei novamente com a professora, no intuito de saber mais sobre o que j foi feito para a soluo dessas questes em sala de aula, assim como a forma de elaborao das regras e combinaes estabelecidas com o grupo. Nesse segundo momento, Ana Maria diz que acredita que alguns alunos possam ter TDAH (Transtorno do Dficit de Ateno Hiperatividade), mas que no sabe nada sobre Dificuldades de Aprendizagem e no acredita na Psicopedagogia. Diz que j tentou realizar trabalhos em grupos, rodas, mas no obteve sucesso. A melhor forma de trabalhar com esse grupo a maneira mais tradicional possvel. Relata que nos outros anos no teve essas dificuldades, que esse era o primeiro grupo que no conseguia trabalhar e que nunca tinha conhecido crianas to apticas como essas.

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    6 O ENCONTRO COM A FADA AZUL: ANLISE E DISCUSSO

    6.1 OBSERVAO DA ESCOLA E DA ROTINA DA TURMA Nas visitas s dependncias da escola, assim como nos momentos de observao na sala de aula, foi possvel observar que a escola possui um respeito especial s questes da infncia no que se refere ao brincar, disponibilizando espaos adequados para a brincadeira, brinquedos e horrios em que as crianas possam aproveitar. Tambm observei a preocupao em realizar atividades diversificadas, trabalhar atravs de projetos, buscando envolver as crianas do ensino fundamental especificamente. No entanto, a sala de aula da turma, tinha uma configurao que poderia ser rotulada de tradicional, nos moldes estudados por Saviani (1986). Apesar de sentarem-se em duplas, as carteiras estavam dispostas em filas, crianas sentadas uma atrs das outras, trabalhando quase sempre individualmente. A maioria das atividades era realizada no quadro verde, atividades de cpia no caderno, muitas contas matemticas. As crianas trabalhavam com livro didtico como suporte. A professora relatou em entrevista que j tentou realizar muitas atividades diversificadas, em grupos, sem obter sucesso. Na sala, h alguns jogos e na rotina h espao planejado para atividades ldicas, no entanto, percebe-se que a professora se sente mais segura em atividades tradicionais. Apesar da configurao tradicional, para esse grupo de crianas, a professora uma figura sem autoridade. As crianas no a escutam, sentam nas classes conforme suas escolhas, formando grupos fechados de amigos e amigas, sentam-se com postura inadequada nas carteiras, atiram lpis, debocham da professora na frente da prpria, tentam fugir da aula, caminham pela sala, trocam figurinhas e brincam com brinquedos vindos de casa em horrio de trabalho. s tentativas da professora de integr-los e envolv-los no processo educativo, eles respondiam com brincadeiras e disperso. Aparentemente, as crianas se protegem da aprendizagem escolar, querendo fazer qualquer coisa, para no se envolver nas atividades.

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    Nos momentos de conflitos que presenciei, a professora no realizou uma reflexo com as crianas do que havia ocorrido, assim como no vi espao para reflexo das atividades de matemtica e de leitura. Apenas vi a atividade sendo posta em prtica sem objetivos explcitos para o grupo e sem reflexes e retomadas. Da mesma forma o jogo, as brincadeiras.

    O cotidiano modo que o ser humano tem de vivenciar sua vida. Os dias, os anos so divididos em rituais que do sentido existncia e estruturam nossa subjetividade e nos possibilitam criar, recriar, realizar. Para Barboza (2006)

    as regularidades dos rituais e as repeties das rotinas presentes no cotidiano do o suporte necessrio para a criao do novo. A rotina perturba pelo inesperado ou pelo sonho, um tempo espao tanto de tradio como de inovao. (p. 39)

    A rotina na escola retrata a concepo que a escola tem da infncia, dos seus cuidados e educao, assim como os conceitos do papel dos professores e professoras, dos funcionrios, os conceitos de aprender e ensinar. As rotinas podem (re)velar conceitos de participao, ritmo, relao com o mundo, realizao, fruio, liberdade, conscincia, imaginao, sociabilidade, respeito infncia, respeito e promoo de autorias tanto em crianas como nos adultos.

    As rotinas podem se tornar uma tecnologia de alienao quando se tornam apenas uma sucesso de eventos, de pequenas aes, prescritas de maneira precisa, levando as pessoas a agir e a repetir gestos e atos em uma seqncia que no lhes pertence e no est sobre o seu domnio. o vivido sem sentido, alienado, pois est cristalizado em absolutos. Ao criar rotinas, fundamental deixar uma ampla margem de movimento, seno encontraremos o terreno propcio alienao. (BARBOSA, 2006, p.39)

    Nesse grupo, vejo que a rotina, mesmo prevendo tempo para jogos, brincadeiras e atividades diversificas, no um espao de aprendizagem, pois vivida sem sentido, est a favor da alienao, no h reflexo dos objetivos e do que est sendo construdo com as propostas. Da mesma forma que permitir que as crianas realizem atividades e estejam sentadas prximas dos amigos faz com que se crie grupos fechados que se opem aos demais grupo, ocorrendo brigas e disputas.

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    Quanto aos jogos e brincadeiras, assim como o saber e o no saber esto intimamente ligados, os jogos podem ser um instrumento que leva tanto alienao como ao conhecimento, dependendo da forma como o utilizamos. O conhecimento e o saber no so apreendidos de forma neutra, mas atravs de processos formativos.

    Na criana, h uma luta entre o desejo de saber e o de no saber, que estabelece posies a priori do processo de aprendizagem. Os jogos e brincadeiras podem estar servio dos dois, da alienao e do conhecimento. Quando a criana no sabe o que est fazendo, o jogo e a brincadeira funcionam em termos de uma elaborao inconsciente, em um nvel automtico de conceitualizaes. As estruturas de alienao do saber (instrumentos inconscientes de construo) atuam retificando lugares constitudos (hbitos, repeties, esteretipos) que estruturam o pensamento (CRUZ, 2007).

    Ao observarmos atitudes repetitivas e freqentes na situao de jogo, podemos elaborar hipteses quanto forma dessa criana aprender, a forma como se relaciona com o conhecimento. Percebo que papel da professora organizar esse espao de aprendizagem. Para que haja a construo do saber, a realizao do jogo deve se dar atravs de um exerccio dialgico entre a professora e a criana (na medida em que a dinmica da sala de aula permita), no qual o questionamento representa o fio condutor dessa relao.

    As brincadeiras e jogos so construtivos por serem um espao simblico em que o sujeito ir integrar o mundo interno e externo. Atravs da brincadeira, a criana constri uma ponte por onde passar dos significados simblicos dos objetos para a investigao ativa de suas verdadeiras funes e particularidades. no brincar que a criana se inteira do mundo interno e externo podendo integrar o princpio do prazer com o da realidade, moderando suas exigncias internas com o que factvel. Isto , atravs dos jogos possvel aprender a satisfazer as exigncias internas e externas beneficiando a si prprio e aos outros (CRUZ, 2007).

    Ao fazer perguntas constantes para a criana, pretende-se ingressar no seu raciocnio, entender como pensa espontaneamente. fundamental que a

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    professora saiba observar, deixe a criana se expressar e ao mesmo tempo, tenha um olhar preciso, uma hiptese, uma teoria que o oriente.

    Para Fernndez (1991)

    Hoje se faz mais imperioso do que nunca possibilitar a escuta e a palavra aos jovens e s crianas. O brincar como possibilidade de relatar (se) e inventar (se) histrias e personagens est em primeiro lugar. Quando uma criana brinca, realiza a tarefa de construo e reconstruo permanente. A alegria desafio, por que impulsiona a vencer o obstculo. Os jogos com regras no seriam jogos se no inclussem obstculos, e a possibilidade de atravess-los o que constri o jogo. (p. 129)

    Dessa forma, nas observaes em sala de aula, nos encaminhamentos das solues de problemas, seja da ordem do comportamento, quanto da construo do conhecimento, a professora d os resultados prontos, no procura instigar, problematizar, provocando a dvida e convidando os alunos a pensarem, contribuindo para atitudes alienadas e aborrecidas.

    6.2 ENTREVISTAS Em entrevista com a Orientadora Educacional (OE), percebeu-se que as dificuldades turma no so vistas apenas sob a viso emocional. Para a OE, apesar das crianas problemas serem oriundas de famlias com traos parecidos, que se caracterizavam pelo abandono, falta de ateno ao filho, pouca participao nas atividades escolares; tambm estava preocupada com a proposta em sala de aula, demonstrando uma viso mais interacionista das dificuldades, no responsabilizando apenas as famlias. Em entrevista com a Coordenadora do setor de Disciplina, pode-se dizer o mesmo, sua preocupao est voltada para as atividades em sala de aula e como estas esto sendo conduzidas, no responsabilizando apenas as famlias. A coordenadora tambm preocupa-se com a aprendizagem escolar, explicitando suas observaes sobre a escrita e leitura dessas crianas, voltando-se para a aprendizagem no geral e no apenas para o comportamento.

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    A professora da turma queixa-se do grupo, marcando-o pela heterogeneidade, apesar de terem a mesma idade, com o qual sente dificuldade em lidar. Na sua viso, alguns alunos so disciplinados, interessados, cumprem os compromissos escolares, so dedicados e bem comportados dentro da instituio. Outro grupo considerado mediano, costumam ir bem em algumas atividade, mas demonstravam dificuldades em outras; alm disso no cumpriam sempre as tarefas, preferindo brincar muitas vezes. Por fim, aparecem os alunos problema, briguentos, aborrecidos, bagunceiros, desatentos, desinteressados. Esse grupo foi colocado e se colocava margem dos demais, tiravam a tranqilidade da sala de aula, exigiam a total ateno da professora, sendo muito difcil conseguir ministrar as aulas. A professora preocupa-se com a situao criada e vivida por esse grupo, atribuindo s famlias a responsabilidade por esses conflitos, denominando-os completamente desinteressados com o presente e futuro de seus filhos. Da mesma forma com que desacredita nas famlias, a professora desacredita na proposta da Psicopedagogia, dizendo que no acredita nessa profisso, apesar de estar realizando esta formao. No seu conceito, o grupo no apresenta dificuldades de aprendizagem por estarem indo bem nos contedos, suas dificuldades so apenas emocionais; dessa forma, evidencia uma viso restrita de aprendizagem. Percebeu-se que foram realizados encaminhamentos com as famlias e com a professora, mas no houve grandes movimentos de mudana nos familiares e na prtica pedaggica.

    6.3 HIPTESE DIAGNSTICA DA INSTITUIO Na escola h espao para brincadeiras mesmo em dias chuvosos, h brinquedos disponveis, se destaca por ser um ambiente acolhedor. Nas paredes dos corredores, da secretaria e outras salas, h mltiplos trabalhos dos alunos expostos, valorizando a arte produzida em sala de aula. H tambm fotos e mensagens de otimismo, oraes, psteres de paisagens, tornando o ambiente estimulante. Na proposta da escola est evidenciada a preocupao

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    em viabilizar uma educao holstica, integral, estimulando os esportes, a construo do conhecimento e a religiosidade.

    Nas entrevistas com a Orientadora Educacional e a Coordenadora do Setor de Disciplina, vemos o envolvimento com os grupos, com as professoras, dividindo dificuldades e buscando solues. Acredita-se que haja uma falta de conhecimento a cerca das dificuldades de aprendizagem e de relacionamento para a realizao de uma interveno efetiva e construtiva. H a intencionalidade de ajudar o grupo, no entanto, no se sabe como realizar e sob que aspecto focar as dificuldades enfrentadas. O trabalho realizado pela professora, embora pudesse ser rotulado como tradicional, tinha como caractersticas principais a seriedade e dedicao. Em suas atividades no h um movimento de reflexo, de fazer questionamento, de problematizao. H tambm pouca proximidade da professora com as crianas, fazendo com que sua atuao seja caracterizada fundamentalmente por atividades prontas, por exibio. Dessa forma sua modalidade de ensinagem, conforme apontamentos de Fernndez (2001), do adulto indiferente, tendo como principal caracterstica a ausncia de interesse pelas produes da criana. No grupo, percebo caractersticas prprias da dificuldade de aprendizagem descrita por Fernndez (1991) como sintomticas: representa uma significao simblica da luta entre processos lgicos e inconscientes, afastando, dessa forma, o desejo de crescer e lidar com o conhecimento, aprisiona o pensamento e a corporeidade, perturba a comunicao com o outro, indisponibiliza a linguagem e a elaborao cognitiva, dificulta o pensamento e a expresso de sentimentos e idias. O grupo pode estar apresentando uma modalidade hiperassimilativa/hipoacomodativa, que representa uma elaborao subjetivante, s fazem o que querem, a ordem vem de dentro para fora, no aceitam o desconforto, falta de limites, no sabem sofrer frustraes, o princpio do prazer rege.

    Especificamente a hipoacomodao representa uma pobreza de contato com o objeto, dificuldade na internalizao de imagens, falta de estimulao ou

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    abandono. A hiperassimilao representa o predomnio da subjetivao, desrealizao do pensamento, dificuldade para resignar-se.

    Dessa forma, a dificuldade de aprendizagem e de relacionamento da turma no deve ser reduzida apenas uma causa, mas a um conjunto de fatos, que envolve as famlias e o tempo dedicado aos filhos, as propostas pedaggicas realizadas em sala de aula, o apoio e orientao (ou a falta deles) para com a professora. Dessa forma, a proposta de interveno visar atuar em todos os mbitos causadores dessas dificuldades. Por falta de especialista em Psicopedagogia na escola, parece que no h o apoio e orientao s professoras que encontram dificuldades em manejar com crianas as crianas que apresentam dificuldades.

    6.4 DEVOLUO DOS DADOS INSTITUIO A devoluo dos dados instituio foi realizada junto professora da turma e da Orientadora Educacional. Em um parecer geral, o projeto foi avaliado como pragmtico, reflexivo e de contribuio significativa, no apenas para esse grupo escolar especificamente, mas para todas as turmas de sries iniciais do ensino fundamental. Os aspectos mais apreciados foram o trabalho com o livro Pequeno Manual de Monstros Caseiros, o jogo DECISO e os estudos com as professoras da obra Limites e Afetividade. Houve algumas dvidas quanto ao trabalho com ortografia, do ponto de vista da aplicao dos jogos, que foram esclarecidas no momento da reunio de devoluo.

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    10 UM SONHO REALIZADO

    Como eu era engraado, quando era boneco de pau! E como estou contente agora, por ter virado menino de verdade! (COLLODI, 2002)

    O campo da Psicopedagogia procura compreender a relao do sujeito com o conhecimento e o significado de aprender para o indivduo e para a famlia, que se constri ao longo do desenvolvimento. Busca-se interpretar o sintoma na aprendizagem alm de trat-lo. O sintoma visto como positivo pelo seu sinal de alerta, que anuncia um conflito que o sujeito no pode expressar conscientemente.

    Para Winnicott (1975) a habilidade de fazer baseada na capacidade de ser. Antes de ter sucesso na escola, a criana precisa modificar a sua postura diante da vida, do modo de perceber e interagir com os desafios, com a disponibilidade de arriscar-se, para errar, para se expor, para acertar, e A aquisio de uma estrutura que possibilite suportar aprender, avanar, enfim, romper com um auto-conceito destrutivo que inscreve sua subjetividade.

    A Psicopedagogia Institucional deve abordar da contemporaneidade em suas prticas em uma viso ampla de aprendizagem (FAGALI, 2006). um grande desafio, para o segundo milnio, libertarmos o homem das fragmentaes, do isolamento e do desrespeito alteridade. Um projeto psicopedaggico institucional deve tratar de questes da identidade cultural, institucional, do desenvolvimento moral, das relaes de4 poder. O presente trabalho pretendeu criar espaos para o instigar, questionar, pensar e aprender, solucionando problemas morais, permitindo que se construa uma compreenso do plural, do tra