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12 Porto Alegre – Dezembro de 2004 Sentenças e Decisões de Primeiro Grau Rio Grande do Sul 2004 AJURIS PODER JUDICIÁRIO 2 0 D E SET E M B R O D E 1 8 3 5 RE P U BL IC A RI O G RA N D E N S E Associação dos Juízes do RS

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12Porto Alegre – Dezembro de 2004

Sentençase Decisões de Primeiro Grau

Rio Grande do Sul2004

AJURISPODER JUDICIÁRIO

20

DE

SETEMBRODE

1835

REP

UBLIC

A

RIO GRANDEN

SE

Associação dos Juízes do RS

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Catalogação elaborada pela Biblioteca do TJRS

EXPEDIENTE:

Coordenação-Geral: Dr. Ruy Rosado de Aguiar NetoSecretária: Daniela Bueno

Planejamento e Elaboração: Daniela Bueno e Sandra Flores.

Índice da Revista Sentenças: Daniela Bueno

Capa: Pedro Lima – Actual Informática

Editoração e Impressão Gráfica: Departamento de ArtesGráficas do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

Sentenças e Decisões de Primeiro Grau : Rio Grande doSul / [ publicada por ] Poder Judiciário a Ajuris. – v.1(jun. 1999)- . – Porto Alegre : Departamento de ArtesGráficas, 1999-

Semestral.Continuação de : Sentenças : Rio Grande do Sul. – v.1

(jun. 1999)- v.4 (dez. 2000)

1. Poder Judiciário-Rio Grande do Sul-Sentença-Periódico2. Poder Judiciário-Rio Grande do Sul-Primeiro Grau-Pe-riódico. I. Rio Grande do Sul. Poder Judiciário II. Ajuris.

CDU 347.993(816.5)(05)

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SUMÁRIO

Composição do Tribunal de Justiça ......................................................................

Composição da Associação dos Juízes .................................................................

Editorial ........................................................................................................................

Sentenças Cíveis .........................................................................................................

Sentenças Criminais ...................................................................................................

Decisões Cíveis ..........................................................................................................

Decisões Criminais ....................................................................................................

Índices ..........................................................................................................................

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TRIBUNAL DE JUSTIÇADO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

Desembargador Osvaldo Stefanello – PresidenteDesembargador Vladimir Giacomuzzi – 1º Vice-PresidenteDesembargador Jaime Piterman – 2º Vice-PresidenteDesembargador Marco Aurélio dos Santos Caminha – 3º Vice-PresidenteDesembargador Aristides Pedroso de Albuquerque Neto – Corregedor-Geral da JustiçaDesembargador Élvio Schuch Pinto – Diretor-Geral do Tribunal de JustiçaBacharel Francisco Paulo Gasparoni – Subdiretor-Geral AdministrativoBacharel Luiz Fernando Morschbacher – Subdiretor-Geral Judiciário

ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES DO RIO GRANDE DO SUL

BIÊNIO 2004–2005

CONSELHO EXECUTIVOCarlos Rafael dos Santos Júnior – PresidenteDenise Oliveira Cezar – Vice-Presidente AdministrativaMílton dos Santos Martins – Vice-Presidente SocialRicardo Pippi Schmidt – Vice-Presidente CulturalCláudio Luís Martinewski – Vice-Presidente de Patrimônio e Finanças

CONSELHO EDITORIAL DA REVISTA SENTENÇASRuy Rosado de Aguiar Neto – DiretorJosé Luiz John dos Santos – CoordenadorLuciano André LosekannRodrigo de Azevedo BortoliFabiana Fiori HallalAlexandre KreutzCarlos Frederico FingerDaniel Englert Barbosa

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EDITORIAL

Recente estudo publicado pelo Tribunal de Justiça do Estado (“IndicadoresEstatísticos do Poder Judiciário” – Ano de 2003) mostra que os Juízes estaduaisestão submetidos a uma carga de trabalho crescente e avassaladora. De 1994até 2003, o número de processos que anualmente ingressam nos Foros eTribunais passou de 391.203 para 1.497.519. Isso significa, nos dias de hoje,em média, no primeiro grau de jurisdição, quase quatro mil processos pormagistrado.

A despeito do alto grau de litigiosidade da sociedade gaúcha (no Estado,a média é de três processos para cada habitante), os Juízes estaduais, comose pode constatar nesta edição da Revista, não abrem mão do posicionamentocrítico e da qualidade do trabalho.

Neste número, nos preocupamos em fazer um apanhado das sentenças edecisões mais recentes (todas a partir de 2003, ao passo que o volume anteriortinha material de 1999 a 2002). Ainda, logramos ampliar a participação doscolegas, pois a maioria (vinte e três, ao total) dos Juízes que estão tendo agoraum trabalho publicado não havia tomado parte nas edições anteriores. Ade-mais, para facilitar a pesquisa, criamos, no índice, a seção “Juízes Prolatores”,com os nomes dos Juízes, em ordem alfabética, e a página da sentença oudecisão de cada um.

Enfim, reafirmamos o nosso compromisso de cultivar, com o presenteveículo, o espaço de reflexão acerca das questões atuais que enfrentamos noexercício da jurisdição de primeiro grau.

José Luiz John dos Santos – CoordenadorRuy Rosado de Aguiar Neto – Diretor

Ricardo Pippi Schimidt – Vice-Presidente Cultural

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SENTENÇAS CÍVEIS

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Processo nº 00110461861 – Direito de FamíliaVara de Família e Sucessões 1º JuizadoComarca de Porto AlegreForo Regional da TristezaAutor: T. F. C.Réu: M. C. S.Juiz prolator: Eduardo Augusto Dias BainyData: 11 de abril de 2003

Direito de família. Dissolução deunião estável. Partilha das dívidas docasal. Débito decorrente de negociaçãoexclusiva por parte do cônjuge virago.Dívida alegada e não comprovada. Débi-tos contraídos na vigência da união es-tável. Sentença parcialmente procedente.

Vistos.Tratam os presentes autos de ação

de dissolução de união estável, envol-vendo as partes acima mencionadas.

Em resumo, sustenta a autora que aspartes conviveram em união estável demaio de 1999 a fevereiro de 2002.

Nesse período, adquiriram, em nomeda autora, um automóvel Gol, ano 95,mediante financiamento garantido poralienação fiduciária. Ocorre que nãoconseguiram pagar as respectivas presta-ções, o que motivou ao B. B. V. o ajui-zamento de ação de busca e apreensãodo bem alienado. Diz que, por decisãodo 2º Grau, foi-lhe garantida a posse dobem, eis que já havia ajuizado açãorevisional do contrato contra a referidainstituição financeira. Posteriormente,decidiu transacionar com o Banco, en-tregando-lhe o veículo, que foi à leilão,restando, ainda, o débito de R$ 2.555,68.

Além disso, o casal contraiu outrasdívidas.

Assim, pediu a declaração, por sen-tença, da alegada união estável, bemcomo sua dissolução, com a partilhadas dívidas comuns, contraídas em nomeexclusivo da autora, a saber:

R$ 2.555,68, com o B. B. V.;R$ 447,85, com a C.;R$ 65,42, com a G.;R$ 210,66, com a E.;R$ 400,00, com a mãe da autora, em

decorrência de empréstimo;R$ 480,00, com o curso científico.Foi deferida a gratuidade da justiça

(fl. 30).Em audiência, sem êxito, tentou-se a

conciliação (fl. 38).O demandado contestou. Embora

admitindo a existência da união es-tável do casal pelo período declara-do na inicial, pediu a improcedênciada ação no que se refere à partilhados débitos.

Concorda com as alegações daautora no que tange ao financiamen-to do veículo adquirido no curso daunião estável, à falta de pagamento,à ação de busca e apreensão do bem,à manutenção da posse deste emfavor da autora por decisão do Tri-bunal de Justiça, bem como ao ajui-zamento da ação revisional. Não seconforma, porém, pelo fato da auto-

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12 SENTENÇAS

ra ter fei to acordo com o Banco,entregando-lhe o bem e renuncian-do ao direito de revisar a dívida emjuízo, de livre e espontânea vonta-de, tudo sem seu consentimento.

Já com relação às dívidas contraídascom as empresas G., C. e E., diz que asligações telefônicas foram feitas pela pró-pria autora, em seu benefício exclusivo.

Diz que se empréstimo foi feito pelamãe da autora, apenas a esta benefi-ciou. O mesmo alega com relação aocurso científico da autora.

Por fim, afirma que a autora agiu demá-fé, pedindo que, por isso, seja con-denada, tudo porque está pretendendocobrar dívida decorrente de seu própriocomportamento, qual seja, o de tran-sacionar com o Banco, com a entregado veículo, como antes referido.

Houve réplica.Durante audiência de instrução, fo-

ram tomados os depoimentos pessoaisdas partes, e, em seguida, as partes de-bateram, ambas se reportando, respecti-vamente, aos termos da inicial e dacontestação (fls. 70/76).

O Ministério Público interveio, opi-nando pela procedência da ação.

Em síntese, é o relato.Decido.É fato incontroverso a existência da

união estável no período compreendidoentre maio de 1999 e fevereiro de 2002.Assim, seu reconhecimento não depen-de de provas.

Resta, para exame, o pedido referen-te à dissolução da união, com a partilhadas dívidas do casal.

A meu juízo, com relação à eventualdívida existente com o B. B. V., decor-rente do financiamento do veículo ad-quirido pelo casal, tenho que a razãoestá com o demandado.

De início, de se registrar que a au-tora não fez prova da existência da dívidajunto ao Banco, pois o documento da fl.11 apenas comprova o leilão do bem,não a existência de saldo remanescente.

De qualquer sorte, ainda que a dí-vida realmente exista, há que se consi-derar que a própria autora, em suapetição inicial, admite que, sozinha,decidiu fazer acordo com o Banco,entregando-lhe o bem, fato que voltoua confirmar em seu depoimento pessoal(fls. 72/73). Aliás, cópia do referidoacordo veio aos autos (fls. 50/51).

Ora, se os direitos e obrigaçõesdecorrentes do financiamento era deambos os conviventes – o que é eviden-te, posto que é fato incontroverso queo veículo foi adquirido no curso da união– não poderia a autora, sozinha, sem oprévio consentimento do consorte, dis-por sobre o contrato que a ambos in-teressava, ainda mais no caso concreto,pois o contrato de financiamento estavasub judice, em revisão, e, como se sabe,pela experiência forense, as ações revi-sionais desta natureza na maioria proce-dem, ao menos em parte. Há que sequestionar: e se a ação revisional inten-tada pela ora autora fosse procedente aponto de se reconhecer até mesmo ainexistência do débito? e se ainda hou-vesse débito residual, será que a vendado bem, em leilão, não o cobriria? e senão fosse suficiente para cobrir o débi-to, o saldo devedor não seria inferior aoque hoje, ao que parece, a financeiraestá cobrando? Assim, pelo que se vê,a meu juízo, o demandado não podeser responsabilizado por débito decor-rente de uma negociação que a oraautora, sozinha, fez com o banco, atéporque, nela, renunciou ao direito de

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questionar as cláusulas do contrato ju-dicialmente (fl. 50).

Quanto aos débitos de conta telefô-nica (C., G. e E.), contraídos na vigênciada união estável – e não os que foramcontraídos posteriormente, pois se notados autos que parte das contas juntadastiveram vencimento posterior ao perío-do da união – devem ser partilhados empartes iguais, haja vista que o demanda-do, em seu depoimento, reconhece queas linhas telefônicas estavam instaladasna residência do casal, sendo por am-bos utilizadas (fl. 75).

No tocante ao alegado empréstimofeito com a mãe da autora, entendo quenão restou provado. Os documentos dafl. 28 apenas fazem prova de depósitosfeitos na conta da Sra. N. I. G. . Nadamais. Não se sabe a que título. É bemverdade que o réu, em seu depoimento,reconhece que a mãe da autora lhemandou dinheiro, mas não sabe quanto,nem a que título. Assim, no particular, aação não procede.

Neste sentido: “União estável. Ali-mentos. Limitação temporal. Partilha.Não cabe fixar verba alimentar até os25 anos de idade, quando o alimenta-do conta hoje, com apenas 06 anos. Obinômio necessidade-possibilidade éque deve balizar a duração dos ali-mentos. Os bens adquiridos na cons-tância da convivência devem ser par-tilhados. Dívidas alegadas e não com-provadas, não merecem divisão. Apeloparcialmente provido” (Apelação Cívelnº 599360542, 8ª Câmara Cível, Tribu-nal de Justiça do RS, Rel. Des. JoséAtaídes Siqueira Trindade, julgado em14-10-99).

No que se refere ao débito com ocurso supletivo, penso que se trata de

despesa que somente à autora aprovei-tou, e, portanto, também não se comuni-ca.

Finalmente, digo que não vislum-brei má-fé no comportamento da auto-ra. Esta apenas deduziu sua pretensãoem juízo, por entender que a dívidadecorrente do financiamento do veícu-lo se comunicava, ponto de vista esseque é defensável, apresentando tesejurídica sem, em nenhum momento,distorcer os fatos, razão pela qual re-jeito o pedido de sua condenação porlitigância temerária.

Neste sentido: “União estável. Reco-nhecimento. Partilha. Litigância demá-fé. Relação. Marco inicial. Contro-vérsia entre as partes. Mostra-se razoá-vel a sentença que estabelece comotermo inicial da união estável a dataem que se deu o casamento religiosoentre as partes, com a troca de alian-ças. Ademais, é comum um período denamoro anterior a convivência. Parti-lha. Dívidas comuns. Não integram omonte partilhável as dívidas e emprés-timos obtidos pela mulher, quando nãocomprovada a origem e o destino dosvalores. Litigância de má-fé. Hipótesenão-configurada. A busca de direitosem juízo não configura litigância demá-fé. Afasta-se, pois, a penalidade.Apelo provido em parte. (Segredo deJustica)” (Apelação Cível nº70004139572, 7ª Câmara Cível, Tribunalde Justiça do RS, Rel. Des. José CarlosTeixeira Giorgis, julgado em 12-06-02).

Diante do exposto, julgo procedenteem parte a ação movida por T. F. C.contra M. C. S., para o fim de reconhe-cer e declarar a existência da uniãoestável das partes no período compre-endido entre maio de 1999 e fevereiro

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de 2002, e, por conseqüência, dissolvê-la,com a determinação da partilha dosdébitos contraídos no referido período,na proporção de 50% para cada um, juntoàs empresas C., G. e E. Outrossim, emface da procedência parcial da demanda,e considerando que a autora decaiu damaior parte de seus pedidos, condenoambas as partes ao pagamento das des-pesas processuais e dos honorários dopatrono da parte adversa, arbitrados es-tes em 15% sobre o valor atualizado da

causa, na proporção de 70% para aautora e 30% para o demandado.

Por litigar a demandada sob o pálioda gratuidade da justiça, declaro sus-pensa a exigibilidade dos ônus da su-cumbência, nos termos do art. 12 da Leinº 1.060/50.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Diligências necessárias.Porto Alegre, 11 de abril de 2003.Eduardo Augusto Dias Bainy – Juiz

de Direito.

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Processo nº 00110544302 – Ação de Responsabilidade CivilComarca de Porto Alegre1º Juizado da 1ª Vara da Fazenda PúblicaAutor: J. C. C.Réu: M. P. A.Juiz prolator: José Luiz John dos SantosData: 24 de junho de 2003

Responsabilidade civil. Sindicância.Instauração. Procedimento. Prazos esta-belecidos em lei municipal. Não obser-vância. Duração razoável do processo.Dano moral. Ocorrência. I. Há infrin-gência ao princípio do devido processolegal quando os prazos previstos na le-gislação municipal para conclusão desindicância não são observados, subme-tendo o sindicado a constrangimento in-devido, mormente quando a pena pre-vista é a de demissão. II. Incidência dosprincípios inseridos no art. 8º da Con-venção Americana sobre Direitos Huma-nos (Pacto de San José da Costa Rica) –entre eles, o da duração razoável doprocesso – às sanções administrativascom caráter punitivo. III. Indenizaçãodevida, considerando-se o dano moralin re ipsa. Sentença procedente.

Vistos.J. C. C. ajuizou ação ordinária contra

o M. P. A., alegando ser funcionáriopúblico municipal aposentado e que,no ano de 1988, foi instalada uma sin-dicância contra si a qual, em 1998,entendeu por absolvê-lo por falta deprovas e pelo fato ensejador da sindi-cância estar prescrito. Aduziu ser o réuparte legítima na presente ação de inde-nização pelo não atendimento ao pres-

crito na LC nº 133/85, bem como pornão terem sido oportunizados a ele aampla defesa e o contraditório devidos.Referiu ter sido prejudicado em suacarreira devido ao longo período deduração da sindicância. Requereu acondenação do réu ao pagamento deindenização por danos morais, no valorde 50 salários mínimos ou outro valorarbitrado pelo juízo, com juros e corre-ção monetária.

Citado, contestou o réu (fls. 42-5)sustentando não ter causado nenhumprejuízo ao autor a demora na tramita-ção da sindicância, afirmando, ainda,que em 11-08-97 o autor recebeu Meda-lha de Ouro, conforme publicação doDiário Oficial do Município. Requereu aextinção do processo sem julgamentodo mérito.

Houve réplica (fls. 1.111-3), na qualo autor requereu a intimação do réupara a complementação de documentosjuntados com a contestação, com o queconcordou o Ministério Público (fl.1.115).

Intimadas as partes sobre provas aproduzir, bem como, no caso do réu,para juntar os documentos referidos naréplica, o autor nada postulou (fl. 1.118)e o réu juntou os documentos solicita-dos (fls. 1.119-62).

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16 SENTENÇAS

Intimado o autor do documento jun-tado (fl. 1.162), este requereu o julga-mento antecipado da lide (fl. 1.163).

O Ministério Público opinou pelaimprocedência da ação.

É o relatório.Com efeito, não se pode dizer que

o processo administrativo tenha sido ins-taurado sem justa causa. Havia indíciosda autoria e prova da materialidade, emrelação aos fatos imputados ao de-mandante (desvio de material da Divi-são de Iluminação Pública da SMOV).

Tampouco estava prescrito o direitode punição da Administração, uma vezque os fatos ocorreram em fevereiro de1988 e o inquérito administrativo forainstaurado em 07-12-88 (fl. 715), tendosido citado o autor em 13-12-88.

Da mesma forma, o seu trâmiteobedeceu aos princípios do contraditó-rio e da ampla defesa, não havendonenhuma nulidade a ser decretada.

Em contrapartida, todos os prazosprevistos na LCM nº 133/85 foram, emmuito, extrapolados. Conquanto o art.229 preveja que a ultimação da instru-ção deva-se dar em, no máximo, 150dias, apenas em agosto de 1991, quasedois anos após a instauração do inqué-rito administrativo, o autor, por seu ad-vogado, foi intimado para apresentaralegações finais (fl. 1.050).

Por sua vez, o relatório final, quedeveria ter sido apresentado em vintedias úteis (art. 240, caput), foi concluídoem agosto de 1992 (fls. 1.120-57).

Mas isso não é o pior! O SecretárioMunicipal de Obras e Viação, ouvido oConselho Municipal de Administração dePessoal, levou nada menos do que seisanos para apreciar o relatório (fls. 1.097v.e 1.160-1) – sem apresentar nenhumajustificativa para tamanho atraso –, quan-do deveria tê-lo feito em 15 dias, ex vido art. 242 da LCM 133/85:

“Art. 242 – Recebido o processo, aautoridade que houver instaurado oinquérito, ouvido o órgão colegiadocompetente, deverá apreciá-lo no prazode quinze dias”.

Sendo assim, é evidente que houveinfringência ao princípio do devidoprocesso legal, uma vez que os prazosprevistos na legislação supramencionadanão foram observados, submetendo orequerente a constrangimento indevido,mormente porque a pena prevista era ade demissão.

Vale lembrar que a ConvençãoAmericana de Direitos Humanos, assi-nada em San José, Costa Rica, em 1969,e ratificada pelo Brasil em 25-09-92, es-tipula, no seu art. 8º, § 1º, que os pro-cessos devem ter uma duração razoável.A mesma garantia é prevista pela Con-venção Européia de Direitos Humanos,no art. 6º1 .

Esse princípio, à primeira vista, pa-rece aplicável apenas em Direito Penal.No entanto, dirige-se ele a toda sançãocom caráter punitivo, não se restringin-do aos ilícitos penais.

A incidência dos princípios inseridosno art. 6º da CEDH – entre eles, o da

1 – “Article 6 – Droit à un procès équitable. Toute personne a droit à ce que sa cause soitentendue équitablement, publiquement et dans un délai raisonnable, par un tribunal indépendantet impartial, établi par la loi [....].”.

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duração razoável do processo – às san-ções administrativas é bem explicada porJean-Claude Soyer e Michel Salvia aocomentarem o art. 6º da referida Con-venção2 (que encontra, como visto,correspondente no art. 8º da ConvençãoAmericana sobre Direitos Humanos –Pacto de San José da Costa Rica).

O problema que se põe ao aplicarum texto internacional é a diversidadede sistemas nacionais. Quando um de-les qualifica um fato como infraçãopenal, e tipifica-o no Código Penal, nãohá dificuldade para a incidência dasgarantias supramencionadas (legalidadee interpretação restritiva). Ocorre que adificuldade se apresenta quando umsistema nacional organiza as sançõescontra um fato ou comportamento seminseri-las no ordenamento jurídico pe-nal. Com isso, bastaria que a sançãofosse não-penal, ainda que com caráterpunitivo, para escapar das garantiasprevistas na Convenção.

Felizmente a jurisprudência da CorteEuropéia de Direitos Humanos, desde1976, no acórdão Engel e outros contraHolanda, considera que mesmo sendoinfração disciplinar, segundo o direitonacional, ela está sujeita aos princípiosexpostos na Convenção se o objetivo dasanção tende à repressão (finalidadeúltima do Direito Penal).

Ou seja, se a sanção tem uma fina-lidade dissuasiva, repressiva, visando aevitar que o suposto infrator reincida,enfim: PUNITIVA, então todas as garan-tias previstas na Convenção (legalidade,

irretroatividade da lei menos benéfica,duração razoável do processo, etc.) sãotambém aplicáveis. A incidência dá-se,portanto, a toda a matéria penal, quetem uma abrangência maior do que oDireito Penal, englobando também assanções administrativas e civis.

A razão de exigir-se a duração razoáveldo processo pode ser expressa no adágioinglês, seguidamente citado: justice delayed,justice denied (ou, em francês, justicerétive, justice fautive). Ou seja, a justiçaque tarda é a justiça que falha.

O caráter razoável da duração deum processo deve ser apreciado segun-do as circunstâncias do caso concreto,notadamente a sua complexidade, ocomportamento processual da parte in-teressada, a dificuldade na produção deprovas, o número de litigantes, etc.

Na hipótese sub judice, ainda que sepudesse considerar razoável a duraçãoda instrução, haja vista o número detestemunhas ouvidas e a quantidade dedocumentos carreados aos autos doinquérito administrativo, é forçoso con-vir que o tempo utilizado pelo Secretá-rio Municipal de Obras e Viação para aanálise do relatório (seis anos) não podeser considerado razoável diante dascircunstâncias, mormente porque sequerhouve justificativa para o retardo.

Sendo assim, é devida a indenizaçãopleiteada, considerando-se o dano in reipsa, porquanto o demandante, atual-mente aposentado, não tendo nenhumassentamento desabonatório na sua fi-cha funcional, passou dez anos subme-

2 – La convention européenne des droits de l´homme, commentaire article par article, sous ladirection de Louis-Edmond Pettiti, Emmanuel Decaux e Pierre-Henri Imbert, pp. 237 e ss., 2ªed., ECONOMICA.

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18 SENTENÇAS

tido a um inquérito administrativo, naiminência de ser aposentado compulso-riamente, obtendo, apenas a final, aabsolvição formal.

Há que se levar em conta para afixação do quantum do dano moral acondição do ofensor, além das circuns-tâncias do próprio fato, para que secumpra o objetivo da reparação por danoextrapatrimonial: a compensação dodesprazer, para o ofendido; e o fator dedesestímulo, para o ofensor (nesse sen-tido, RJTJRGS, 186/394). O arbitramentoda indenização por dano moral deve-sepautar por critérios que não impliquemenriquecimento do lesado, nem, poroutro lado, tornem irrisória a sançãopara o causador. Portanto, tendo emvista que o demandado é o Município,atentando, outrossim, para a condiçãoeconômica de pobreza do demandante,como afirmado na própria inicial, tanto

que postulou o benefício da gratuidade,levando em conta, outrossim, as circuns-tâncias do próprio fato, tenho deva serfixada a indenização no montante de 20(vinte) salários mínimos, em valores daépoca do ajuizamento da ação.

Em face do exposto, julgo parcial-mente procedente a ação para condenaro réu ao pagamento de R$ 4.000,00,com juros de 6% a/a da citação e cor-reção monetária, pelo IGP-M, do ajuiza-mento.

Ante a sucumbência mínima do autor,condeno o réu ao pagamento das custase honorários advocatícios fixados em20% da indenização.

Sentença não-sujeita ao reexame ne-cessário, ex vi do art. 475, § 2º, do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Porto Alegre, 24 de junho de 2003.José Luiz John dos Santos – Juiz

de Direito.

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Comarca de Cruz Alta-RS2ª Vara CívelProcesso nº 71825 – Ação Ordinária DeclaratóriaAutor: M. P.Réus: L. M. B. A., T. G. C. e F. U. C. A.

Processo nº 73121 – Impugnação ao Pedido de Assistência LitisconsorcialImpugnante: L. M. B. A.Impugnados: R. C. L. e V. E. P. F.

Processo nº 73122 – Impugnação ao Pedido de Assistência LitisconsorcialImpugnante: F. U. C. A.Impugnados: R. C. L. e V. E. P. F.

Processo nº 73123 – Impugnação ao Pedido de Assistência LitisconsorcialImpugnante: T. G. C.Impugnados: R. C. L. e V. E. P. F.Juiz prolator: Eduardo Coelho Antonello BenitesData: 30 de junho de 2003

Ação declaratória. Reitor e Vice-Rei-tor. Inelegibilidade. Preliminares. Ante-cipação de tutela. Legitimidade ativa doMP. Legitimidade passiva da F. U. C. A..Expectativa de direito. Autenticação dedocumentos. Incidente de falsidade.Mérito. Conselho Diretor da Fundação.Composição. Recondução por mais deuma vez. Impossibilidade. Sentença pro-cedente.

Processo nº 71825Vistos e examinados estes autos.O M. P., por seu agente com atribui-

ções nesta vara, ajuizou nominada açãodeclaratória contra L. M. B. A., T. G. C.e F. U. C. A., todos já qualificados nosautos em epígrafe (fl. 02), aduzindo queos dois primeiros demandados compõemchapa que almeja, respectivamente, ocu-pação de cargo de Reitor e Vice-Reitor

em eleição iminente na U. de C. A.,sendo que a primeira requerida exerce osegundo mandato, forma consecutiva, nãosendo possível nova recondução ao car-go de Reitor – que também ocupa cargode Presidente do Conselho Diretor daFundação – face os dispositivos do esta-tuto da F. U. C. A., entidade estamantenedora da universidade, segundoart. 2º do diploma suso mencionado.Asseverou que o estatuto da entidademantenedora da universidade – a funda-ção retro aludida – limita a reconduçãode conselheiro, daí exsurgindo a impos-sibilidade de recondução da primeirademandada ao cargo de Reitor, uma vezque isto importaria em nova ocupaçãodo cargo de Presidente do ConselhoDiretor da Fundação, o que ultrapassariao limite estipulado no seu estatuto. Obser-vou, ainda, que ante as investigações

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levadas a efeito e constantes de inqué-rito civil tomou-se conhecimento daexistência de dois estatutos da Univer-sidade com regras distintas no que tocaà limitação de recondução ao cargo dereitor, um contendo setenta artigos eoutro, sessenta e oito, ambos com dé-ficit de registro. Ao final, requereu adeclaração de inelegibilidade da primei-ra requerida ao cargo de Reitor da uni-versidade – e, por conseqüência, ainelegibilidade do segundo demandadoao cargo de Vice-Reitor – com base noart. 8º do estatuto da F. U. C. A. Juntoudocumentos (fls. 23/563), inclusive có-pia do estatuto da referida fundação (fls.24/37).

Foi requerida a intervenção de R. C.L. e V. E. P. F. como assistenteslitisconsorciais do autor, com posterioranuência deste (fls. 655/7). Postularama antecipação dos efeitos da tutela pre-tendida à peça vestibular do assistido,ou, alternativamente, a suspensão darealização de assembléia-geral designa-da para data que especificam. Juntaramdocumentos (fls. 586/653).

Concedida a habilitação da assistên-cia litisconsorcial acima destacada (fl.659), foi tal decisão agravada de formaretida nos autos pelos requeridos (fls.664/6, 667/8 e 669/70).

Restou indeferida a antecipação de tute-la aventada pelos assistentes (fls. 659/60).

A demandada L. M. ofereceu inci-dente em que postulou a declaração defalsidade acerca de assinatura em do-cumento que compreende estatuto dauniversidade, este com setenta artigos,requerendo a suspensão do feito prin-cipal (fls. 672/734).

Citados, os réus ofereceram contes-tação.

A F. U. C. A. (fls. 736/42) aduziu, emsede de preliminar, da ilegitimidade ativado MP, bem como de sua ilegitimidadepassiva para a causa. No mérito, asse-verou que embora os arts. 8º e 12 deseu estatuto limitem o acesso a cargoem seu Conselho Diretor a umarecondução, não pode a Universidadesofrer prejuízo em sua autonomia pelaaplicação de tais disposições. Alegou,ainda, que o estatuto de sessenta e oitoartigos foi aprovado em assembléia-geral,enquanto que aquele que contém seten-ta artigos possui assinatura falsificada.

Por sua vez, o réu T. (fls. 744/55),observou que, in casu, a eleição e posseda chapa vencedora – composta, tam-bém, pelo contestante – caracterizariamdireito adquirido de seus integrantes, deque a Constituição Federal garanteintangibilidade em seu art. 5º, inc. XXXVI.Ademais, repisou os argumentos esposa-dos à peça de defesa acima relatada.Juntou documentos (fls. 756/812).

De outra banda, a demandada L. M.(fls. 812/46) asseverou, primacialmente,da ausência de autenticação de do-cumentos que embasam a peça vestibu-lar, bem como da ilegitimidade ativa doórgão ministerial para propor o presen-te feito e da ilegitimidade passiva adcausam da F. U. C. A. Quanto à questãode fundo, novamente, foram repisadosos argumentos expendidos na contesta-ção oferecida pela fundação. Juntoudocumentos (fls. 847/1045).

Houve réplica (fls. 1047/1131).Tréplicas aportaram aos autos (fls.

1134, 1135/6 e 1137/8).Processos nº 73121, 73122 e 73123Vistos e examinados estes autos.L. M. B. A. (feito nº 73121), F. U. C.

A. (feito nº 73122) e T. G. C. (feito nº

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73123) ajuizaram impugnação ao pedi-do de assistência litisconsorcial deduzi-do por R. C. L. e V. E. P. F., todos jáqualificados nos autos da ação princi-pal, aduzindo que o magistrado quejurisdicionava o feito à época não po-deria ter deferido a habilitação dos as-sistentes sem a oitiva dos requeridos,como dispõe o art. 51 do CPC. Ademais,asseveraram que falece interesse jurídi-co aos Impugnados à assistência, pos-tulação que, em verdade, baseia-seapenas no fato de que estes compu-nham a chapa derrotada em eleição paraa qual se pleiteia a declaração deinelegibilidades dos vencedores.

Por seu turno, os impugnados reite-raram os argumentos esposados na peçaconstante das fls. 572/84 do feito princi-pal, onde deduziram a existência efetivade interesse jurídico para propor a pre-sente demanda, uma vez que hipotéticoprovimento negativo os alcançaria face aextensão da coisa julgada material.

Vieram-me os autos conclusos.Relatados todos os feitos, decido.Trata-se de ação ordinária movida pelo

MP contra L. M. B. A., T. G. C. e F. U.C. A., em que busca o autor a declaraçãode inelegibilidade dos dois primeirosdemandados para eleição aos cargos deReitor e Vice-Reitor da U. C. A.

De início, mister proceder à análisedas questões preliminares aventadas emcontestação pelos requeridos.

Mera análise perfunctória da matériaconstante do álbum processual fazexsurgir transparente o descabimento daprefacial de ilegitimidade ativa para acausa do MP.

Ocorre que o agente ministerialpossui legitimidade para atuar comocurador dos direitos/interesses de fun-

dações, como expressamente prevê oart. 26 do Código Civil revogado, dispo-sitivo repisado em semelhantes termospelo art. 66, caput, da Lei nº 10.406/02.

Extrai-se daí que o M. P. possui le-gitimidade ex lege para intentar a presen-te demanda declaratória, mormente setratando a causa de pedir de incorreçãona aplicação do estatuto da F. U. C. A.

Nem se venha argumentar de que areferida Fundação, por ter natureza ju-rídica de direito privado, estaria ao lar-go da esfera de atuação do agenteministerial. Ora, além de a lei aplicávelà espécie não fazer distinção de talmonta, há que se rememorar que oescopo principal (rectius: exclusivo) daFundação é a manutenção de entidadede ensino – básico, médio e de cunhosuperior –, extraindo-se daí inegávelinteresse público a consubstanciar aatuação do parquet, especialmente antea importância representada pela univer-sidade nesta região do estado.

No que toca à preliminar de ilegiti-midade passiva ad causam da F. U. C.A., despiciendo maiores divagações acer-ca da matéria, porquanto, por óbvio,em se tratando a questão posta em juízode verificação da aplicação de seusestatutos – como dito alhures –, eviden-te a figuração da entidade na relação dedireito material, exsurgindo daí sua le-gitimidade para integrar o pólo passivoda presente demanda.

Quanto à alegação de intangibilidadedo resultado do pleito – já a esta alturarealizado –, uma vez que se caracteriza-ria in casu o direito adquirido dos inte-grantes da chapa vencedora à ocupaçãodos cargos retro mencionados, há que seafirmar da total e absoluta ausência defundamento jurídico para tal alegação,

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uma vez que, aqui, direito adquiridonão há, mas, sim, mera expectativa dedireito. Ademais, versando a presentedemanda sobre a inelegibilidade da pri-meira Ré – questão anterior e prejudicialà própria posse no referido cargo dereitor –, transparente a possibilidade denão verificação dos vetores necessários àconfiguração do “direito” invocado.

Em relação à falta de autenticaçãode documentos que embasam a exor-dial – alegação elaborada, note-se, deforma simplesmente genérica –, impõeque se afirme que a ausência de auten-ticação de cópia de documento é irre-levante, caso o seu conteúdo não tenhasido impugnado, como se depreendetenha ocorrido no caso em testilha. Nestesentido, voto de lavra do eminenteMinistro do STJ Humberto Gomes deBarros, no Resp nº 162807/SP, julgadoem 11-05-98, 1ª Turma, DJ de 26-09-98,p. 70, que bem se aplica à espécie: “Ov. acórdão recorrido não atacou, comoelemento de prova, a reproduçãoxerográfica de documento público; fezassim, porque a cópia não estava auten-ticada por oficial público.

“O eminente relator nega provimen-to ao recurso especial.

“Peço vênia para discordar. Tenhopara mim que o dispositivo expresso noart. 365, III, do CPC deve ser interpre-tado em conjunto com as demais regrasque disciplinam a prova documental.

“A regra do inc. III equipara a cópiaautenticada do documento público aooriginal. Vale dizer: a cópia autenticadado documento público ‘faz prova nãosó da sua formação, mas também dosfatos que o escrivão, o tabelião, ou ofuncionário declarar que ocorreram emsua presença’ (CPC, art. 364).

“A cópia não autenticada não temesta força. O Código, entretanto, nãoveda seu ingresso nos autos, nem adeclaração írrita, como instrumento deprova.

“Não é lícito torná-lo como simplesinutilidade.

“O texto da cópia não autenticadaexiste e está nos autos. Deve, por isto,ser levada em conta.

“Seu valor probante é igual ao deum documento particular, cujo contextodeve ser submetido à parte contrária(CPC, art. 372).

“Se a contraparte não se manifesta,impugnando-lhe a instrumentalidade ou oconteúdo, a cópia é tida como verdadeira.

“Na hipótese que ora examinamos, acontraparte não teceu qualquer comen-tário em torno da cópia malsinada. Douprovimento ao recurso”.

Destarte, por tais fundamentos, te-nho por irrefutável o afastar das preli-minares argüidas, motivo pelo qual passoà análise do mérito da demanda.

A princípio, cabe consignar que ofeito pende de imediata composição,uma vez que a matéria sobre a qualgrassa controvérsia não necessita deprodução de prova em audiência, a teordo art. 330, inc. I, in fine, do EstatutoAdjetivo Civil.

De tudo o que se pôde extrair doselementos coligidos ao calhamaço pro-cessual, tenho por certo, modoinescurecível, que sói apreender e via-bilizar emissão de veredicto de proce-dência quanto ao objeto deduzido à peçavestibular pelo agente parquetiano (vê-nia requerida em função do neologismoaplicado, não desnudando, outrossim,do respeito que merece a instituição peloagente corporificada).

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Ocorre que, em realidade, a questãoé singela, em que pese não se olvidarda relevância do assunto versado – quese exaspera frente à comunidade localpela importância econômico-financeirae social da instituição de ensino –, bemcomo dos agentes figurantes do póloprocessual.

Amplio. Antes, breve digressão.Como bem alocado à peça exordial,

a F. U. C. A., ora Ré, é entidademantenedora da U. C. A., como dispõeo art. 2º, caput, de seu estatuto (fl. 26):“A F. U. C. A. tem por objetivo mantera U. C. A. e a escola de 1º e 2º grausC. A., sendo que para atender esse ob-jetivo deve providenciar a obtenção derecursos”.

Desta forma, resta claro oindissociável vínculo existente entrefundação e universidade – permitido osentido figurado, criador e criatura, res-pectivamente –, premissa da qual seextrai, forma dirimente, a submissão deuma a outra (mais especificamente, dauniversidade à fundação, sendo estaúltima a responsável por determinar ocaminho a ser trilhado pela instituiçãode ensino que mantém). Nesta senda,importante trazer à baila, como elemen-to de cicatrização de qualquer interpre-tação dissonante com a aqui perpetrada,o art. 29 do estatuto da F. U. C. A., quedisciplina que “a Universidade goza deautonomia didática, administrativa, dis-ciplinar e de gestão financeira, nos ter-mos da legislação em vigor, de seu esta-tuto e do estatuto da Fundação” (grifonosso).

Não obstante, calha observar que oestatuto da universidade – tanto o desessenta e oito artigos, como aquele quepossui setenta verbetes, desimportando

aqui, note-se, a discussão sobre qualdaqueles representaria a normatizaçãomaior da entidade de ensino –, discipli-na em seu art. 1º que “ a U. C. A., comosede no foro na cidade de Cruz Alta,Estado do Rio Grande do Sul, criada peloDecreto nº 97.000, de 21-10-88 e reco-nhecida pela Portaria nº 1.704/93, de03-12-93, é mantida e administrada pelaF. U. C. A., é uma instituição de ensinoparticular, de natureza comunitária, semfins lucrativos (grifei). Segue em seu art.2º destacando que “a U. C. A. rege-se:[....]; II – pelo Estatuto da F. U. C. A” (fls.73 e 97).

Por evidente, segundo as linhastraçadas algures, a instituição de ensinodeve pautar-se pelo comando maior dafundação que a mantém e que estabe-lece regramento geral para o desenvol-ver de suas atividades, do que se con-clui que o estatuto da entidademantenedora não pode ser desprezadoem seus termos – sequer de forma in-direta ou oblíqua –, sob pena de inso-fismável penetração na seara do ilícito.

Referente ao cerne da questão, ocor-re que o art. 8º do estatuto da F. U. C.A. (fl. 28) disciplina que o mandato deconselheiro é de três anos, permitidatão-somente uma recondução. Por seuturno, o art. 7º do diploma supracitadoalinha que o Conselho Diretor da Fun-dação é constituído, entre outros, peloReitor da Universidade (inc. I).

Ora, se o Reitor da entidade de en-sino compõe, também, o conselho di-retor da fundação de forma obrigatória,na qualidade de Presidente – comodispõe o art. 12 do estatuto retro alu-dido –, e sendo o mandato de conse-lheiro de apenas três anos, permitidaapenas uma recondução, transparente

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a impossibilidade de o mesmo indiví-duo ocupar por mais de dois períodoso cargo de Conselheiro-Diretor, inde-pendentemente da possibilidade de ocu-par o cargo de Reitor de forma indefi-nida ou não. Para tanto, rememore-se:“a U. C. A. rege-se: [....]; II – pelo Estatutoda F. U. C. A. (art. 2º do estatuto dauniversidade).

Inobstante, como destacado acima,a universidade possui autonomia didá-tica, administrativa, financeira e discipli-nar (art. 29 do estatuto da fundação).Contudo, tal esfera de autonomia nãolhe permite, mediante ato de seu órgãomáximo, trilhar caminhos expressamen-te proibidos pelo regramento da funda-ção, como o que ocorre no caso aquitelado, representando clara usurpaçãode tal autonomia – que, em últimaanálise, tem como agente limitador oscontornos do estatuto da entidademantenedora –, bem como negativa devigência ao caput do art. 8º do estatutoda fundação.

Outrossim, utilizando o mesmo racio-cínio expendido em contestação pelosRequeridos, nem se venha argumentarde que por ser membro nato do Con-selho Diretor da Fundação, ao Reitor daUniversidade não se aplicaria a limita-ção de possibilidade de apenas umarecondução ao cargo de conselheiro,uma vez que não se pode distinguironde a norma aplicável não o faz. E,analisando em sua integralidade o esta-tuto da F. U. C. A., não se vislumbra,sequer de forma mínima, qualquer dis-positivo que permita diferenciar o lapsotemporal de mandato – e de número dereconduções – aplicável a membro natoe a membro por outra forma ou títulocomponente do órgão referido.

Para além disso, a se admitir o sensocontrário, i. e., a possibilidade de a mesmapessoa ocupar por três períodos ou mais,de forma consecutiva, o cargo de reitor,e, por conseqüência direta, cargo noconselho-diretor da fundação, a despeitodo estatuído no art. 8º do diploma ine-rente à fundação, tal situação represen-taria odiosa fraude à norma aplicável àespécie, tese com a qual este Juízo nãopode compartilhar. Consigne-se, porderradeiro, que tal forma de interpreta-ção da cabeça do dispositivo oitavo doestatuto da F. U. C. A., sustentada deforma veemente pelos demandados, en-contra-se desprovida de qualquer lógica,em dissonância com o princípio da ra-zoabilidade, dogma que deve pautar todoe qualquer exegeta em sua atividadehermenêutica.

No que toca ao incidente de falsida-de veiculado em petição nos autos prin-cipais pela demandada L. M., mister afir-mar de sua não sustentabilidade ante afundamentação retro esposada, uma vezque para o deslinde da questão contro-versa absolutamente inócua a verifica-ção de qual estatuto da universidade éaplicável – o que possui setenta ou oque possui sessenta e oito artigos –,porquanto, como bem explicitado aci-ma, o conteúdo do estatuto da F. U. C.A. (sobre o qual não há dúvida acercade dispositivos em vigor, ou mesmo deregistro) traz elementos suficientes àdeclaração de inelegibilidade da primei-ra requerida, e, por conseqüência, deseu companheiro de chapa. Destaque-se,portanto, que o suspender do processoprincipal, como determina o art. 394 doCPC, apenas levaria à protelação indevi-da do feito, uma vez que despiciendoverificação de falsidade ou não dos

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indigitados documentos para emissão dopresente decisum em função de aquelesnão produzirem qualquer influência nadecisão da causa, pelo que merece serrepelida a argüição de falsidade.

Ademais, este é o sentir pretoriano:“Ação declaratória de eficácia de negó-cio jurídico, cumulada com revogaçãode documento público (procuração) jul-gada improcedente. Incidente de falsi-dade não processado ante a desneces-sidade para o deslinde da questão. Ine-xistente cerceamento de prova mesmoque o Juiz tenha conhecido diretamentedo pedido. Desnecessidade de oitiva detestemunhas. Embora com outro nome(declaração de existência de negóciojurídico, com conseqüente revogação deprocuração por instrumento público),postula a inicial o reconhecimento dacompra e venda ou promessa disso emfavor do autor. Uma vez que a comprae venda é contrato bilateral, consensual,oneroso e comutativo necessária a escri-tura própria (inclusive para a promessade compra e venda). Desnecessária aoitiva de testemunhas a teor do quedispõe o art. 400, inc. II, do CPC. Re-jeitadas as preliminares e desprovido oapelo. Unânime” (Apelação Cível nº70000131409, 20ª Câmara Cível do TJRS,Rel. Des. Rubem Duarte, j. 11-04-01 ).

Cumpre trazer a lume, ainda, lumi-nosa lição professada por Luiz GuihermeMarinoni e Sérgio Cruz Arenhart, inComentários ao Código de Processo Ci-vil, vol. 5, tomo II, Ed. Revista dos Tri-bunais, São Paulo, 2000, pp. 207/8: “Apetição inicial que conduz a ação decla-ratória incidental é, em verdade, idênti-ca a qualquer outra peça inaugural. Além,pois, do atendimento aos requisitosexpressos neste artigo (motivos e pro-

vas) deve adequar-se a todos os demais,arrolados pelos arts. 282 e 283 do CPC.Mais que isto, como ação incidental queé deverá submeter-se a todas as condi-ções da ação e pressupostos processuais,verificáveis para qualquer espécie deação. Aliás, já se apreciou o tema dalegitimidade das partes alhures, bemcomo a questão da adequação da viaprocessual (componente do interesse deagir) para argüição do incidente.

“Em relação ao interesse de agir, parao oferecimento desta impugnação, algu-mas reflexões se impõem. A questão foiesboçada anteriormente, quando doexame da legitimidade para a demanda,nos comentários ao artigo anterior.Colocada agora em foco, o essencial énotar que a parte somente terá interesseem oferecer o incidente quando puderfigurar algum objetivo para a medida.Vale dizer que, a fim de que possa aparte oferecer a ação incidental de queaqui se trata, não basta a presença dadúvida objetiva (ou mesmo certeza)quanto à falsidade do documento insertonos autos; é preciso que, aliado a isto,a solução do incidente possa acarretaralgum ‘resultado para o processo’. Esteresultado será sentido quando a prova,de que se trata, puder exercer algumainfluência no julgamento da causa, ouseja, se o documento versar sobre pon-to controvertido e relevante da lide. Casocontrário, a declaração sobre autentici-dade ou falsidade do documento seráindiferente ao resultado do processo, jáque aquela prova não tende a influen-ciar a cognição do magistrado na solu-ção da controvérsia”.

Em nota de rodapé (fl. 207), os no-bres pensadores retro nominados citampassagem da obra Exegese do Código de

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Processo Civil, onde o processualista EgasMoniz de Aragão leciona à p. 303 que“certo é, porém, que se o documentonão for relevante, ou se o exame de suaautenticidade ou falsidade tornar-sedesnecessário por outra qualquer razão,faltará interesse ao suscitante e o Juizpoderá indeferi-lo, liminarmente, ou nãose pronunciar quanto ao mérito ao final,por falta de interesse”.

No que toca aos feitos nº 73121,73122 e 73123 – que vão aqui aprecia-dos de forma conjunta ante a similari-dade das argumentações de parte a partededuzidas nos autos em apenso aoprocesso principal –, pende que se des-taque da efetiva presença de interessejurídico dos pretensos assistenteslitisconsorciais R. C. e V. E. aconsubstanciar seu ingresso no feito nopólo ativo, uma vez que, conforme dis-posto no art. 54 do CPC, o direito emlitígio legitima, inclusive, a sua discus-são de forma individual pelos, aqui,assistentes, porquanto o teor da senten-ça que se avizinha poderá (rectius:deverá) influir na relação jurídica exis-tente entre estes e os demandados, jáque os nominados intervenientes con-correram no pleito para os cargos deque se pretende nesta demanda a decla-ração de inelegibilidade e, conseqüente,destituição dos últimos.

Por esta senda, ante a plausibilidadedos argumentos dos intervenientes, quetocam tão-somente à matéria de direito,desnecessária a produção de prova nosreferidos incidentes, admitindo-se, en-tão, o indeferimento das impugnaçõesem apenso e o ingresso daqueles napresente lide.

Por derradeiro, importante destacarque a declaração de inelegibilidade da

primeira demandada – e, por conseqüên-cia, de seu companheiro de chapa –,ante a incidência do caput do art. 8º doestatuto da F. U. C. A., leva, inexoravel-mente, à destituição dos mesmos dos car-gos que ocupam, sendo tal efeito decor-rência lógica da declaração retro aludida.

Neste sentido, nem se cogite dehipotética decisão que extrapole oscontornos da lide delineados à peçavestibular, uma vez que a destituiçãodos dois primeiros réus é decorrênciadireta da declaração de impossibilidadede se submeterem à eleição para oscargos de Reitor e Vice-Reitor, mormen-te quando já realizado o pleito e decla-rados os mesmos vencedores, inclusivena posse dos cargos há considerávellapso de tempo.

Note-se: a se pensar de modo con-trário, a simples declaração deinelegibilidade dos nominados requeri-dos importaria em emissão de decisãode pouca ou nenhuma utilidade, sendovedado dar azo a trâmite processualabsolutamente desnecessário ou inútilfrente à realidade que ora se apresenta.

Ademais, tenho a destacar que nopresente decisum há que se proceder àconcessão da antecipação dos efeitos datutela ao início pleiteada pelos assisten-tes litisconsorciais – postulação corrobo-rada expressamente pelo assistido – nes-ta seara admitidos.

Ocorre que me filio aos que susten-tam – na linha professada, dentre ou-tros, por Teori Albino Zavascki, inAntecipação da Tutela, São Paulo, Ed.Saraiva, 1998, p. 81 – a plena possibi-lidade da antecipação quando da com-posição da lide.

Nesta linha de exegese, luminosalição de José Roberto dos Santos

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Bedaque, in Tutela Cautelar e TutelaAntecipada: Tutelas Sumárias e de Ur-gência, São Paulo-SP, Ed. Malheiros,1998, p. 348: “A antecipação pode serconcedida na própria sentença. Não hánecessidade de decisão interlocutória emseparado. A exigência não se coadunacom a eliminação de formalidades des-necessárias. Também a falta de referên-cia expressa às hipóteses de antecipa-ção como fundamento para o Juiz nãoatribuir efeito suspensivo à apelaçãoparece circunstância irrelevante. Anteci-par efeitos na sentença constitui provi-dência incompatível com o efeito sus-pensivo do recurso, o que se revelasuficiente para não concedê-lo”.

Ocorre que se a verossimilhança querende ensejo ao conceder da tutela dife-renciada no caso em tela se pode figurarquando do exame da peça vestibular,com maior força aparecerá quando dodeslinde do feito, em que a cognição foi,ao menos em tese, exaurida. Neste dia-pasão, absolutamente legítima ante aexcepcionalidade do caso em testilha ainclusão neste decisum de tópico incluin-do providência tendente a evitar pereci-mento de direito, ou mesmo, quiçá,provimento jurisdicional estéril.

Dessarte, a verossimilhança das ale-gações do parquet emerge dos argu-mentos retro esposados quando da aná-lise da transparente inelegibilidade dademandada L. M. – que se estende aosegundo demandado, seu companheirode eleição, uma vez que as regras apli-cáveis ao pleito exigem a formação dechapa, não havendo voto individualmen-te dirigido a qualquer de seus integran-tes –, ao passo que o fundado receio dedano irreparável advém dos prejuízosque o aguardo do transcorrer do tempo

poderá trazer aos assistentes qualifica-dos, considerando-se, ainda, o eminen-te interesse público na hígida manuten-ção da entidade presentada pelos doisprimeiros Requeridos, bem como de seuestatuto.

Para além disso, caso seja a decisãorecorrida, esclareço que a irresignaçãoserá recebida tão-somente no efeitodevolutivo, mantido o provimento an-tecipatório; trata-se, gize-se, de posiçãoalbergada pela Egrégia Corte Estadual,como se depreende do conteúdo daementa aposta no Agravo Regimentalnº 599438355, Relatora a eminente DesªElaine Harzheim Macedo, a qual pro-fessou que “o sistema processual vi-gente, a partir da nova disposição doart. 273 do CPC, admite a antecipaçãoparcial ou total dos efeitos da tutela, nocurso do feito, mesmo por ocasião daprolação da sentença, implicando, nessecaso, verdadeira exceção à regra geraldo recebimento da apelação em seuduplo efeito”.

Ao apagar das luzes deste decreto,indispensável, ainda, destinar breve es-paço ao notável magistério do eminenteMinistro Athos Gusmão Carneiro, in DaAntecipação de Tutela, Ed. Forense, Riode Janeiro, 2002, 3ª edição, pp. 83/4, inverbis: “Em edição anterior dissemos que,quando o Juiz, ao término da instrução,se convence da premente necessidadede deferir imediata tutela ao autor, antea ‘iminência de dano’ ou pelaostensividade do ‘propósito protelatório’revelado pela conduta pessoal do de-mandado, ou ainda porque eventualrecurso irá contra súmula ou orientaçãosedimentada do tribunal, poderá ele, Juiz,adotar um dos seguintes procedimen-tos:

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28 SENTENÇAS

“a) se pretende proferir ‘sentença porocasião da audiência’, fará lançar emata primeiro a decisão de antecipaçãode tutela, e somente depois tomará osdebates orais – art. 454;

“b) se pretende ‘lavrar por escrito asentença’ e entregá-la em cartório, pro-ferirá a decisão interlocutória, e somenteapós ordenará a conclusão dos autos oua dilação para oferecimento de memo-riais (rectius, razões finais escritas) pelaspartes;

“c) poderá, ainda, sentenciar, outor-gando a tutela satisfativa com eficácia ime-diata, como um dos ‘capítulos’ da deci-são.

“Melhor reflexão, todavia, nos incli-na a preconizar apenas a solução sob aletra c, evitando subterfúgios e aceitan-do firmemente que a antecipação detutela na própria sentença, ‘nada maissignificará do que a autorização paraexecução provisória’ (Teori Zavascki,Antecipação de Tutela, cit. p. 81). As-sim também no magistério de JoséRoberto Bedaque: ‘Aliás, a antecipaçãoconcedida na própria sentença temcomo conseqüência exatamente retiraro efeito suspensivo da apelação. Noque se refere aos efeitos antecipados,o julgamento é imediatamente eficaz,ainda que dependente de apelação’(Tutela Cautelar e Tutela Antecipada[....], cit., 2ª ed., 2001, p. 367).

“A concessão da antecipação de tu-tela imediatamente antes ou por ocasiãoda sentença equivale a, praticamente,

atribuir eficácia imediata à sentença,obtendo-se o recebimento de eventualapelação no efeito apenas devolutivo(Nelson Nery Jr., in Aspectos Polêmicos.[...], cit., p. 407)”.

Com esteio em tal alicerce jurídico,avulta-se o acolher da pretensão dedu-zida à exordial.

Isso posto, afastadas as preliminaresargüidas, julgo procedente o pedido naação declaratória movida pelo MP, figu-rando como assistentes litisconsor- ciaisR. C. L. e V. E. P. F., contra L. M. B. A.,T. G. C. e F. U. C. A., para declarar ainelegibilidade da demandada L. M. – e,por conseqüência, do restante de suachapa de que faz parte o demandado T.–, face o art. 8º, caput, do estatuto daF. U. C. A., determinando a destituiçãodos mesmos do cargo de Reitor e Vice-Reitor, respectivamente, da U. C. A.,conforme antecipação de tutela nestadecisão albergada.

Custas processuais pelos réus.Em relação aos feitos nº 73121, 73122

e 73123, indefiro a impugnação ao Pe-dido de assistência litisconsorcial movi-da por L. M. B. A., F. U. C. A. e T. G.C., respectivamente, contra R. C. L. e V.E. P. F., admitindo os assistentes quali-ficados na presente demanda.

Custas dos incidentes pelos respec-tivos autores.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Cruz Alta, 30 de junho de 2003.Eduardo Coelho Antonello Benites –

Juiz de Direito Substituto.

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Processo nº 00113224860 – Mandado de SegurançaComarca de Porto Alegre6ª Vara da Fazenda PúblicaImpetrante: E. M. Ltda.Impetrado: D. D. R. P. E.Juiz prolator: Cláudio Luís MartinewskiData: 01 de julho 2003

Mandado de segurança. Ato do Dire-tor do Departamento da Receita PúblicaEstadual. Autorização de impressão de do-cumentos fiscais. Exigência de garantiaou limitação da quantidade a ser impres-sa. Legalidade. Ausência de violação dedireito líquido e certo. Segurança denegada.

A impetrante, qualificada na inicial,ingressou com o presente mandado desegurança contra ato do D. D. R. P. E.,visando a expedição de ordem para queseja liberada a autorização de impressãode documentos fiscais.

Em síntese, diz que, ao solicitar àautoridade impetrada a emissão de docu-mentos fiscais, esta indeferiu tal pedido,motivada pela existência de débitos, exi-gindo a regularização de seus débitosvencidos, o que representa violação deseu direito, estando a impetrada a impediro funcionamento da empresa impetrante.

Postergada a análise do pedido limi-nar para depois da apresentação dasinformações do impetrado, as mesmosforam prestadas (fls. 24/71), restando,indeferida a liminar (fls. 72/73).

Sobreveio, por fim, parecer ministerialpela denegação da segurança (fls. 77/81).

MotivaçãoA controvérsia instalada no presente

feito situa-se na possibilidade da auto-

ridade fiscal negar-se a fornecer autori-zação para impressão de documentosfiscais(AIDF), ante a existência de débi-to da empresa impetrante, que sustentaa garantia do livre exercício de qualquertrabalho, ofício ou profissão(CF, art. 5º,XIII) e direito sumulado pela CorteSuprema no sentido da impossibilidadede se usar meios coercitivos para co-brança dos tributos.

O ato da autoridade apontada comocoatora, no entanto, está ao abrigo dosistema normativo constitucional-tributárioe infraconstitucional-tributário, não se ca-racterizando como coação para cobrançade tributos, nem qualquer obstáculo àlivre iniciativa empresarial da parte im-petrante.

Com efeito, toda e qualquer normajurídica, incluindo a constitucional, sóencontra o seu sentido e validez quan-do interpretada como parte de um todo,o ordenamento jurídico, ordenamentoesse sistematizado segundo uma estru-tura hierárquica normativa aberta deprincípios e regras.

Em razão de tal realidade, não sepode pretender atribuir caráter absolutonem mesmo às garantias fundamentais,que, quando confrontadas com outrasgarantias(v. g. liberdade de comunica-ção versus privacidade) ou com outros

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30 SENTENÇAS

princípios do sistema normativo consti-tucional, devem ser valoradas dia-leticamente, de forma que uma nãoexclua a outra, mediante soluçãoharmonizadora.

Na linha de princípio de tais premis-sas, vê-se, no caso concreto, que hádois valores em conflito: o valor indivi-dual da garantia da livre iniciativa pro-fissional e o valor social da exigência devalores pecuniários para sustentação doEstado, em prol do seu mister social.

Em tal confronto – ambos valoresfundamentais para a sociedade – abriga-dos no sistema normativo vigente, quala solução harmônica possível? A meusentir, a solução preconizada pela normainfraconstitucional estadual (Lei nº 8.820/89) se mostra legítima, proporcional erazoável, compondo os referidos valo-res dentro do todo sistematizado.

Com efeito, há muito reconheceuGustavo Ingrosso que a lei orçamentáriaé a mais importante dentre todas as leisde organização, porque contempla todaa inteira administração do Estado e tam-bém a função legislativa e a funçãojurisdicional; de todas é instrumentojurídico indispensável: ela a todas põeem movimento, caracterizando-se nãocomo simples plano contábil ou atoadministrativo, mas sim buscando umequilíbrio econômico-social (DirittoFinanziario, 2ª ed., Napoli, 1956, p. 84,pp. 56-57), para o que, só hoje, ao queparece, desperta o País, com a apresen-tação da proposta de Emenda à Cons-tituição nº 184/99.

Nessa seara, estando a tributaçãoorientada em tal sentido, que não seesgota na questão da relevância daprópria estrutura do Estado, mas sim nocomponente social em que se inclina,

qualquer regra infraconstitucional deveser valorada segundo tal finalidade.

De outro lado, pela perspectiva dagarantia invocada, verifica-se que opróprio texto constitucional confere aprerrogativa de integração à norma in-fraconstitucional(“[....] atendidas as qua-lificações que a lei estabelecer”).

Implícito está em tal integração aidéia que permeia todo o ordenamento,ou seja, o princípio da igualdade(CF,art. 1º, caput), mandamento nuclear dosistema jurídico brasileiro, que, se porum lado não admite discriminações ar-bitrárias, por outro impõe que sempreque houver distinções, cabe a normadiscriminar, como forma de acabar comas desigualdades existentes, em razãode fatores sócio-econômicos (ElizabethNazar Carraza, Progressividade e IPTU,Curitiba, 2000, pp. 105/106).

Nesse matiz, o tratamento diferencia-do entre quem é devedor e quem nãoé devedor encontra plena autorizaçãono sistema constitucional, sendo que aintegração efetivada pela lei estadual seencontra, como já se disse, proporcio-nal e razoável. O tratamento igualitáriode situações diferenciadas, portanto, éque fere o sistema.

Não calha, outrossim, a argumenta-ção de que a negativa de autorizaçãoimpede o livre exercício empresarial. Oque verdadeira e essencialmente o im-pede é a própria gestão empresarialimprimida no sentido de negativa depagamento dos tributos, o que só podeser atribuído à própria parte impetrante.

De outro lado, não se trata sequerde expediente ou mecanismo de co-brança de tributos, mas sim, como sedessume do conteúdo normativo dalegislação estadual, visa a preservar o

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SENTENÇAS 31

pagamento de impostos vincendos, ouseja, em realidade, trata-se de mecanis-mo de garantia; não se ostentando,outrossim, sequer impedimento absolu-to, na medida em que permite sejacondicionada a expedição de autoriza-ção para impressão de documentos fis-cais (AIDF) à prestação de garantia, ouainda, a mera limitação da quantidadea ser impressa(Lei nº 8.820/89, art. 42,parágrafo único). Há, pois, alternativasa serem usufruídas.

A operacionalização da norma é decaráter razoavelmente objetivo, pois indi-vidualiza as situações em que é possívela exigência, especificando a discrimina-ção como é o caso de quando o contri-buinte tenha sido autuado por falta depagamento de impostos estaduais devi-dos, deixou de impugnar a autuação ousua impugnação tenha sido julgadaimprocedente(Lei nº 8.820/89, art. 39), econcede discricionariedade ao agentefiscal, que deverá se basear em fatosconcretos e diferenciados para as exi-gências teladas.

Assim, tenho que se ao contribuinteque sempre pagou em dia seus tributosfosse exigida tal garantia, ou restringidaa emissão de seus documentos fiscais,pelas referidas normas, certo seria queo tratamento estaria sendo igual, masnão justo, pois tal conduta(pagar ounão pagar em dia os tributos), do pontode vista ético, necessariamente deve sertratada de forma diferenciada. Quemdá mostras que não possui compromis-so algum, ou muito pouco compromis-so, com sua obrigação fiscal, que re-presenta ao final, o financiamento daprestação da gama de serviços à socie-dade, tais como ensino, segurança,saúde etc., não pode pretender o mes-

mo tratamento de quem assim não ofaz.

Em suma, a presunção de quem pagaé que continue pagando e de quem nãopaga, continue não pagando. As forma-lidades existem para a garantia do bomdireito, não se traduzindo em fórmulasvazias ou fora do contexto em que estáinserido, como se tivesse vida própria.Em tal contexto é a legitimidade danorma.

A exigência de garantia, outrossim, nãoé elemento novo ou estranho ao ordena-mento jurídico, estando presente nas re-lações jurídicas, públicas e privadas.

A própria Constituição a prevê (CF,art. 167, § 4º), além de várias outraslegislações infraconstitucionais (Lei nº6.830/80, art. 4º, § 1º; Lei nº 8.036/90,art. 23, § 6º; Lei nº 8.212/91, art. 47, §6º, b, e § 8º; Lei nº 8.397/92, arts. 10 e17; Lei nº 8.429/92, art. 10, VI; Lei nº8.929/94, art. 17; CPC, arts. 805, 816, II).

Nesse sentido, aliás, a melhor juris-prudência: “ICMS. Autorizacao para im-primir documentos fiscais. Condições egarantias real ou fidejussória. Indefiniçãodo fisco no que tange a exigência feita.1. Condições para autorizar a impressãode documentos fiscais. O fisco tem sevalido de três motivos para condicionara autorização para impressão de do-cumentos fiscais: (a) estar com o paga-mento do imposto em dia; (b) prestargarantia real ou fidejussória, conformeescolha do contribuinte; e (c) prestargarantia real ou fidejussória, conformeescolha do fisco. Lei-RS nº 8.820/89, arts.42, parágrafo único, e 39; RICMS, art.90, i. 2. A exigência de estar com opagamento do imposto em dia, previstaapenas no regulamento (art. 90, i), éilegal. Primeiro, a Lei-RS nº 8.820/89,

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nos arts. 42, parágrafo único, e 39, exigeapenas garantia real ou fidejussória.Segundo, o fisco dispõe de lei especí-fica para a cobrança. Aplicação da Sú-mula nº 70, cujo princípio é repetidonas Súmulas nºs 323 e 547, todas doSTF. 3. A exigência de prestação degarantia real ou fidejussória. O fisco podeexigir que seja prestada garantia (gêne-ro). Não pode exigir que ela seja realou que seja fidejussória (espécie). Exe-gese dos arts. 42, parágrafo único, e 39,§ 2º, da Lei-RS nº 8.820/89. 4. Indefiniçãodo fisco no que tange a exigência feita.Fere direito líquido e certo a indefiniçãodo fisco no que tange a exigência real-mente feita, deixando transparecer, nocontexto, que condicionou a AIDF aopagamento não só do ICMS, mas, tam-bém e estranhamente, do IPVA atrasa-do. 5. Apelo provido” (Apelação Cívelnº 70000148700, 1ª Câmara Cível, Tribu-nal de Justiça do RS, Rel. Des. IrineuMariani, julgado em 03-11-99).

Ademais disso, como bemenfocado nas razões da autoridadefiscal, tal posição além de representaruma preservação do justo e legítimopoder-dever do Estado na cobrançade seus tributos, em relação a quemse mostrou recalcitrante nocumprimento do dever de recolher ostributos, também serve de meio a quese coíba a prática de concorrênciadesleal, no sentido econômico dotermo, que faz com o que o dinheiroque seria destinado aos impostos sejautilizado como capital de giro ou,ainda, a outra destinação menosnobre. Tal prática é há muito vedada(Decreto-Lei nº 7.661/45, art. 140, III)

e vem sendo modernamente alvo deacentuação (Lei nº 8.078/90, art. 4º, VI).

Nesse sentido, veja-se Gesner Olivei-ra, doutor em economia pela Universida-de da Califórnia, professor da FGV-SP eex-presidente do CADE, em manifesta-ção publicada na Folha de São Paulo,05-08-00, p. B2, com o título Concorrên-cia Desleal e o Mercosul, tratando do temado significado múltiplo que concorre àexpressão, identifica, entre eles, a questãoda falta de pagamento de impostos, con-cluindo que “trata-se de situação injusta,na qual a ‘competitividade’ de algumasempresas deriva do desrespeito à lei”.

Merece ainda acolhimento a questãoda existência de sistemática de emissãode notas fiscais avulsas, justamente pre-vendo situações como a retratada nainicial, buscado preservar também apossibilidade de transferência de créditosem que tal crédito exista, pela falta derecolhimento do tributo.

No caso concreto, vê-se que a parteimpetrante já é devedora do valor deR$ 38.480,70 (trinta e oito mil, quatro-centos e oitenta reais e setenta centa-vos), suficiente para que se tenha comolegal e legítima a medida da apontadaautoridade coatora.

Dessas razões é que estou em dene-gar a ordem.

DecisãoDenego, pois, a ordem, julgando

extinto o processo.Custas, pela impetrante.Comunique-se à autoridade impetra-

da, enviando-se cópia desta.Porto Alegre, 01 de julho de 2003.Cláudio Luís Martinewski – Juiz

de Direito.

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Processo nº 103353422 – Ação de IndenizaçãoComarca de Porto Alegre5ª Vara Cível – 1º JuizadoRequerentes: M. S. G. C. e outrosRequeridos: E. T. U. P. A. e outrosJuiz prolator: Luciano André LosekannData: 16 de julho de 2003

Ação de indenização. Danos materiale moral. Companheira e os filhos são parteslegitimadas a pleitear indenização pelamorte do companheiro e pai. A empresacontratada por processo licitatório é res-ponsável pelos danos que ossubcontratados porventura venham aproduzir. Culpa in vigilando. Não res-ponsabilização do licitante por ter con-tratado apenas a realização do “projetode engenharia”, não das obras propria-mente ditas. Danos emergentes e lucroscessantes. Definição do montante dopensionamento mensal e os seus termosinicial e final. Juros e correção monetá-ria. Critérios para fixação da indeniza-ção por dano moral. Sentença parcial-mente procedente.

Vistos.M. S. G. C., C. A. C. C. e A. C. C.,

por intermédio de seus procuradores(fls. 12 e 13), ajuizaram a presente açãode indenização por ato ilícito, sob orito ordinário, contra E. T. U. P. A. S.A. (T.), C. E.-M.-TC/BR B., R. S. e P. C.F. S., todos qualificados à fl. 02. Nar-ram os autores, em síntese, serem com-panheira e os dois últimos filhos doextinto V. C., falecido em 13-09-99,quando o demandado P. C. F. S. rea-lizava trabalho de perfuração do solo

em imóvel sito na Avenida Assis Brasil.Relatam que o de cujus, possuidor doimóvel no qual se realizava a obra, foiatingido pelo tripé utilizado na perfu-ração do solo enquanto observava otrabalho desenvolvido. Destacam queV. chegou a ser socorrido, mas veio afalecer no mesmo dia. Esclarecem queos trabalhos desenvolvidos têm porescopo implantar projeto ferroviário daT., levando o metrô de superfície até azona norte da Capital. Para tanto, a T.contratou o Consórcio de empresas (se-gundo requerido) para a elaboração dosprojetos de engenharia. Esta, por suavez, para o estudo de sondagem desolo contratou o geólogo R. S. (terceirodemandado), que, para execução dosserviços de perfuração em si, contratouo quarto demandado (P. C.). Asseve-ram os autores que a queda do tripésob o corpo da vítima ocorreu porimperícia, negligência e imprudência daspessoas que realizam o trabalho desondagem do terreno, sendo que porinformações de terceiros, no momentodo fato, o tripé não estava fixado corre-tamente. Dessa forma, caracterizado oato ilícito e uma vez positivada a soli-dariedade entre os demandados, decor-rente de culpa in vigilando e in eligendo,pretendem os autores a condenação de

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todos ao pagamento dos danos mate-riais e morais que experimentaram. Sa-lientam que V. C. era proprietário deuma firma individual de mecânica ecomércio de peças e acessórios para veí-culos, atividade com a qual auferia umarenda mensal variável de R$ 2.000,00 aR$ 3.000,00. Além disso, era (sic) “sóciode fato” J. C. em uma empresa registradaexclusivamente em nome deste, explo-rando o ramo de locação de mão-de--obra, empreitada e agenciamento decargas, atividade com a qual auferiarendimento médio de R$ 1.500,00. Umavez que com o pas-samento da vítimativeram prejuízos materiais, pretendem osautores ver-se indenizados na base de 2/3do rendimento mensal médio da vítima, acontar do evento até a data provável emque ocorreria, normalmente, a sua morte,considerando a expectativa de vida dosgaúchos, que é de 75 anos de idade,com a constituição de um capital, naforma do art. 602 do CPC. Pretendem,ainda, ver-se indenizados pelas despe-sas de funeral (R$ 978,75) e, bem assim,pelos danos morais que sofreram, emquantia a ser arbitrada judicialmente.Requereram a condenação dos réus aopagamento das importâncias acima dis-criminadas, acrescidas de juros e corre-ção monetária, além dos normais ônusdecorrentes da sucumbência. Com ainicial foram anexados os documentosda fl. 14.

Citados, os requeridos ofereceramsuas contestações.

A E. T. U. P. A. S/A – T. (fls. 107/112)suscitou em preliminar a sua ilegitimida-de passiva ad causam, pois celebroucontrato de prestação de serviços econsultoria com o Consórcio E.-M.-TC/BR – B., que responsabilizou-se pelo

projeto e execução do contrato, deven-do este, portanto, responder pelo even-to noticiado na exordial, requerendo,por isso, a extinção do processo comestofo no art. 267, VI, do CPC. No mérito,argumenta ausente o nexo causal, poisa autora M. não comprovou ser compa-nheira do extinto, nem logrou ela pro-var o rendimento mensal do extinto.Destaca não haver nexo causal entre acontração realizada entre ela (T.) e a E.,não sendo o caso de reconhecer-se culpain vigilando ou in eligendo., porquantoo só fato de ter contratado não autorizaa conclusão de que foi, de alguma for-ma, culpada pelo evento. Requereu oacolhimento da preliminar e, no mérito,a improcedência do pedido, com acondenação dos autores ao pagamentodas verbas de estilo. Juntou documentos(fls. 114/200).

R. S., de seu lado (fls. 208/229), emcausa própria, suscitou preliminar deirregularidade na representação proces-sual dos autores menores em face dosinstrumentos das fls. 12/13. Por outra,entende ser nulo o processo, por nãohaver requerimento de intimação dorepresentante do Ministério Público.Entende inepta a inicial, já que nãopossui ele legitimidade passiva ad cau-sam por não ter firmado qualquer con-trato com os demandados. Tratou ape-nas de aproximar as partes, fazendo meraindicação do quarto demandado(sondador) para o Consórcio E., semnenhuma vinculação a eles, o que fezem função de ter sido por longos anosgeólogo da Companhia Rio-grandensede Mineração (CRM). Destaca que otrabalho geológico estava a cargo dasegunda demandada, que contratou oquarto demandado parta realizá-lo. Ana-

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SENTENÇAS 35

lisa os depoimentos prestados na fasepolicial. Destaca não haver solidarieda-de no caso concreto, pois esta resultade lei ou de vontade das partes, nãosendo esta a hipótese dos autos. Ressal-ta, ainda, haver ilegitimidade ativa dosdemandantes para a causa, especialmentequanto a autora M., pois nada demons-tra que vivia em união estável com o decujus. Por outra, o imóvel mostrado nasfotos não gera nenhuma segurança deque corresponda ao do local do infor-túnio. Ademais, a vítima não poderia teringressado no local do evento, pratican-do, com isso, ato inseguro, não haven-do como falar em responsabilidade dodemandado. No mérito, reitera ter ape-nas indicado o sondador P. C. pararealização dos trabalhos de campo, nãodevendo, por isso, responder pelo in-fortúnio, na forma preconizada pelo art.159 do CC/16, pois ausentes os elemen-tos necessários ao reconhecimento dodever de indenizar. Aduz que o equipa-mento chegou a ser fixado no solo,consoante análise que efetua. Impug-nou os documentos juntados com ainicial e as conclusões dos autores emtorno dos rendimentos mensais do ex-tinto, sustentando inaplicável ao caso odisposto no art. 602 do CPC. Refereindevidos danos materiais e morais, nãosendo ambos cumuláveis, vergastando apretendida indenização até os 75 anosde idade do extinto. Ressalta que apercepção de qualquer valor recebido atítulo de seguro mantido pelo extintojunto ao INSS deve ser compensado coma indenização do direito comum, insur-gindo-se, ainda, contra a percepção dehonorários, juros e correção monetária.Requereu a improcedência do pedido,com a condenação dos autores ao pa-

gamento das verbas de estilo. Anexoudocumentos (fls. 230/231).

Por outra, o C. E.-M.-TC/BR B., emsua contestação (fls. 232/242), argumen-tou que o evento ocorreu quando darealização de sondagem requerida peloConsórcio ao demandado R. S., queterceirizou o serviço ao quarto deman-dado. Destaca que o trabalho deveriater sido acompanhado pelo terceirorequerido. Assevera que os trabalhado-res encarregados de executar o serviçotrataram de isolar a área a fim de evitarque qualquer pessoa adentrasse ao lo-cal. Logo depois, o extinto, acompanha-do de uma criança, compareceu ao local,sendo solicitado que dali se retirassem,o que foi atendido de forma parcial pelavítima, pois tratou apenas de determinarque o menor , sobrinho seu, dali saísse,continuando a observar os trabalhos. Foinovamente instado a se retirar do local.Destaca que por ocasião dos trabalhosde sondagem à percussão os trabalha-dores perceberam que o tripé iria cair,procurando se afastar do equipamento,que acabou por atingir V., que correupara o lado errado. Assim, o evento foiimprevisível e fora de controle, haven-do, no mínimo, culpa concorrente dofalecido, que se pôs em local inadequa-do, contribuindo para o evento. Insur-gem-se contra afirmativas feitas na exor-dial quanto a escolha do Consórcio,asseverando serem incongruentes asconclusões quanto a existência de esco-lha de prepostos negligentes, havendoque como uma cadeia sucessiva, de sorteque só ao primeiro seria possível aatribuição de culpa. Destaca que osautores não especificam a modalidadede culpa com a qual teria agido, dificul-tando a sua defesa. Ressalta não ter

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efetuado a contratação do sondador P.C., fato que refoge as relações do Con-sórcio, estando descaracterizada a hipó-tese de responsabilidade objetiva de quecogita o art. 1.521, inc. III, do CC/16.Refere não haver a solidariedade preten-dida pelos autores, mormente não tendohavido qualquer modalidade de culpana contratação do geólogo P. R., o quefoi corroborado pelas conclusões doinquérito policial levado a efeito, queafastou a responsabilidade criminal dosrepresentantes do Consórcio. Insurge-se,ainda, com os valores pretendidos pelosautores a título de danos materiais emorais, especialmente quanto aos pri-meiros, por não provados, irresignan-do-se, ainda, contra o tempo de pensio-namento pretendido pelos autores. Re-quereu a improcedência do pedido, coma condenação dos autores ao pagamen-to dos ônus decorrentes da sucumbên-cia. Não juntou documentos.

Houve réplica (fls. 245/250), reiteran-do os autores seus anteriores pontos devista.

O requerido R. S. manifestou-se no-vamente nos autos, anexando a eles osdocumentos de fls. 252/257, relativos aoprocedimento criminal instaurado unica-mente contra o quarto demandado.

Deferiu-se pedido de reabertura deprazo para contestação ao requerido P.C. (fl. 258), que ofereceu contestação(fls. 260/271), na qual suscitou, empreliminar, a irregularidade na repre-sentação processual dos autores C. eA.. No mérito, aduz não ter agido comnegligência. Refere Ter sido contratopelo terceiro demandado para a reali-zação de sondagem à percussão, escla-recendo a forma de realização do tra-balho. Destaca que por ser caminho-

neiro não possuía condições técnicaspara averiguar sobre o modo de funcio-namento do equipamento que lhe foiconfiado, responsabilidade que era dogeólogo R. S. Tangente ao fato em siressalta que montou, na companhia deoutros dois operários, o tripé, consoan-te orientações do terceiro demandado,sendo iniciados os trabalhos às 8h30mine interrompido às 11h30min em razãodo acidente. Obtempera que o terceirorequerido em nenhum momento com-pareceu ao local da sondagem parafiscalizar os trabalhos, sendo que o fatofoi imprevisível, não tendo ele (P. C.)contribuído para o evento, mormenteporque chegou a cercar o local comfita sinalizadora, procurando impedir oacesso de pessoas ao local. Narra quedurante duas horas o equipamento foiacionado normalmente e de inopinotoda a estrutura cedeu e ruiu. Somenteneste momento é que os operadoresdo equipamento de sondagem deram--se conta da presença da vítima nolocal, parada no interior do local aoqual lhe era vedado o acesso. Assim, ofato ocorreu por culpa exclusiva davítima. Postulou, assim, a improcedên-cia do pedido, com a condenação dosdemandantes ao pagamento dosconsectários de estilo. Anexou do-cumentos (fls. 273/353).

Nova réplica às fls. 356/357, anexan-do os demandantes novos documentos(fls. 358/368), dos quais tiveram ciênciaos requeridos (fls. 371/372, 374/376).

O requerido R. juntou aos autos osdocumentos das fls. 377/380.

As partes foram instadas a especifi-car provas (fl. 382), requerendo a autorae os requeridos E., P. C. e R. S. a pro-dução de prova testemunhal (fls. 384,

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SENTENÇAS 37

388, 391/392, 394). A ré T. postulou ojulgamento antecipado da lide (fl. 387).

O Ministério Público interveio regu-larmente no feito, opinando pela rejei-ção das preliminares suscitadas e neces-sidade de produção de prova testemu-nhal (fls. 396/398).

O feito foi saneado (fl. 399), rejei-tando-se a preliminar de irregularidadena representação processual dos autoresmenores e de ilegitimidade ativa adcausam da autora M. S., relegando-se aapreciação das demais para sentença,após regular coleta da prova oral.

O requerido R. juntou aos autos odocumento da fl. 412.

No decorrer da instrução, tentada in-frutiferamente a conciliação (fls. 523/524),colheram-se os depoimentos pessoais dosrepresentantes das rés T. (fls. 533/535) eE. (fls. 536/541) e, bem assim, dos de-mandados R. S. (fls. 542/545) e P. C. F.S. (fls. 546/551), além de terem sido inqui-ridas sete testemunhas (Z., fls. 552/554; J.,fls. 555/557; C., fls. 558/560; J., fls. 561/566; J. C., fls. 567/572; D., fls. 573/578;A., fls. 579/582).

Encerrada a fase instrutória (fl. 613),os debates orais foram substituídos pelaapresentação de memoriais em cartório(autores, fls. 625/633; T., fls. 644/645;Consórcio E., fls. 646/660; P. C., fls. 661/663; R., fls. 665/667).

O Ministério Público, em parecer final(fls. 669/671), opinou fosse julgado pro-cedente o pedido.

O julgamento foi convertido em di-ligência para que os requeridos tives-sem ciência dos documentos das fls.634/643, pelo que se manifestaram àsfls. 674, 675/676.

Nova manifestação dos autores à fl.678.

O Ministério Público reiterou seuanterior parecer (fl. 680v.).

Vieram os autos conclusos.É o relatório.Passo à fundamentação.De início, cabe referir que o despa-

cho saneador da fl. 399, contra o qualnão houve tempestiva interposição derecurso, rejeitou as preliminares de irre-gularidade na representação processualdos autores C. e A., ambos menores àépoca do ajuizamento da ação, e deilegitimidade ativa ad causam da autoraM. S. G. C., companheira do extinto V.C. Tangente ao primeiro aspecto, nadamais há a questionar.

Respeitante a legitimidade de M. S.,ou melhor, a questão em torno da pro-va de ser ela, ou não, companheira doextinto e, por conseguinte, legitimada aingressar com a presente ação indeniza-tória, é problema que se confunde, emrealidade, com o mérito da causa e comeste deve ser enfrentada, como adiantese analisa.

De outro lado, a preliminar de “nuli-dade do processo” suscitada pelo reque-rido R. S. em contestação, em razão de osautores não terem requerido a intimaçãodo Ministério Público para intervir no feito,igualmente, não merece acolhida. Trata-sede feito em que a intervenção ministerial,a teor do art. 82, inc. I, do CPC, é obri-gatória, de modo que a sua intimaçãodeve ser determinada inclusive ex officiopelo Juiz. Demais disso, não há e nemhouve qualquer prejuízo ao requerido coma ausência de pedido expresso nesse sen-tido, pelo que a preliminar vai rejeitada.

Também não merece acolhida a assimchamada preliminar de inépcia da petiçãoinicial, como consta na contestação ofe-recida pelo demandado R. Conforme

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adiante se analisa, resta cristalino quefoi ele, efetivamente, contratado peloConsórcio E. (o Consórcio confirmou,lisamente, em contestação, a contrata-ção de R.) para realizar os trabalhos decampo e de análise geológica por meiode sondagem à percussão e que, nessemister, acabou contratando os serviçosdo quarto demandado. Rejeita-se, pois,tal preliminar. As demais questões porele ventiladas a título de preliminarconfundem-se com o mérito.

Ressalte-se, ainda, que a preliminarde ilegitimidade passiva ad causam ar-güida pela ré T. demanda análise demérito.

Nesse passo, de se destacar que osautores pretendem ver-se indenizadospela morte do companheiro e pai V. C.,tendo em vista que no dia 13-09-99, porvolta das 11h, este acabou sendo atin-gido pelo tripé de ferro destinado asondagem à percussão instalado emterreno do qual era possuidor e queacabou por cair sobre seu corpo, vindoa causar-lhe a morte por hemorragiainterna, laceração das vísceras abdomi-nais e trauma contuso, consoante certi-dão de óbito da fl. 14.

A legitimidade dos autores C. e A.,filhos do extinto, é inquestionável, ante oteor das certidões das fls. 15 e 16, sobre-tudo em função da dependência econô-mica de ambos, menores impúbere epúbere, respectivamente, à época do fato.

A legitimidade da autora M. S. paraa causa, em que pese questionada pelosdemandados, é, igualmente, inequívoca.M. S. foi, por mais de duas décadas,companheira do de cujus, mantendo comele uma união estável, nos termos pre-conizados pelo art. 226, § 3º, da CF/88.Nesse sentido, basta compulsar os do-

cumentos das fls. 15, 16 (certidões denascimento dos autores C. e A.), 75(declaração de renda na qual a compa-nheira consta como dependente), 470,498/499 (CTPS do extinto na qual aautora M. S. figura como sua dependen-te) e, bem assim, os depoimentos dastestemunhas Z. (fl. 552), C. (fl. 559) e J.(fl. 563), todos a afirmar que M. S. era(sic) “esposa” do extinto.

Cumpre, assim, analisar em um pri-meiro momento, o evento que provo-cou a morte de V. para, ao depois, tentarse estabelecer a responsabilidade civildos requeridos.

Os autores sustentam que a primeirademandada (T.) teria o dever de inde-nizar e seria solidariamente responsávelcom os demais requeridos em funçãode que o trabalho que estava sendorealizado (sondagem) lhe trazia algumproveito e que o Consórcio E. foi porela contratado, na qualidade de“preposto” para realizar o serviço. OConsórcio seria responsável por ter re-passado os serviços ao demandado R. eeste ao quarto requerido (P. C.), haven-do na espécie as modalidades de culpain vigilando e in eligendo por parte doConsórcio E. e de parte de R. S., aforaa responsabilidade direta do quarto re-querido (P. C.), causador imediato doevento.

Por primeiro, no caso em tela, tenhoque a responsabilidade civil do quartodemandado (P. C.) é cristalina, sobretu-do porque determinou e armou o tripéde ferro destinado ao trabalho de son-dagem à percussão sem os cuidadosobjetivos que eram indispensáveis aocaso.

Com efeito, segundo restou afirma-do na inicial e demonstrado ao longo

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da instrução, o tripé foi montado semque fosse fixado ao solo, ou, quandomenos, bem fixado ao solo. Nesse sen-tido, a testemunha presencial J. C. M.C., ouvida às fls. 567/572, foi categóricano afirmar que o tripé, poucos minutosantes do acidente, não estava fixado aosolo. Segundo a testemunha, o tripé (sic)“[....] não estava fixado no solo, porqueeu vi com os meus olhos, eu parei nacerca para conversar com ele (com avítima, gize-se), numa distância comodaqui ao Doutor ali” (fl. 569). Logodepois, o maquinário caiu sobre o cor-po da vítima V., que se encontravaparada junto ao automóvel Aero Willysestacionado no local.

Longe de ser uma versão isolada, anarrativa da testemunha mostra-secongruente com suas declarações pres-tadas no inquérito policial (fl. 21) e,bem assim, com a narrativa da autoraM. S., quando ouvida perante a autori-dade policial (fl. 19).

Tais ditos devem ser cotejados como depoimento pessoal do requerido P.C. (fl. 547). O demandado, apesar deafirmar que o equipamento havia sidopreviamente fixado ao terreno, ao nar-rar como ocorreu o infortúnio disse quea vítima, após ter sido alertada para sairdo local, lá compareceu novamente, demodo que “nós estávamos de costas, foisó na hora que nós fomos perceber queele estava presente. Quando a corda tran-cou que virou tudo, nós disparamos,porque nós também estávamos expostos.J: Por que a corda trancou, o equipa-mento não era bom? D: Era bom, foi umacidente, trancou na roldana e o peso[...]” (fl. 547).

Ora, do depoimento pessoal do re-querido P. C., corroborado pelos ditos

dos dois operários que o auxiliavam nomomento do fato (D. F. R. S., fls. 573/578; A. P. L., fls. 579/582), extrai-se aconclusão de que ainda que o tripéestivesse preso ao solo – como fizeramquestão de reiterar o próprio requeridoe seus companheiros de trabalho —, asua fixação era precária, pois, do con-trário, não haveria como fazer com queo pesado equipamento pendesse paraum lado quando, simplesmente, eralevantado o peso que percutia no terre-no. Corrobora essa conclusão o querestou afirmado no item 5 da perícia dafl. 366.

Outros dois dados, que não podempassar despercebidos, mostram-se rele-vantes ao desate da controvérsia: (1º) aperícia técnica, embora realizada váriosdias após o evento, foi clara no concluirque a “figura geométrica do tripé exibiasua base triangular, tendo os catetosmedindo, aproximadamente, 5,20m e abase, aproximadamente, 2,80m, ou seja,configurando geometria menos estável,comparativamente a distribuição naforma de um triângulo equilátero cujobaricentro se localiza em pontoseqüidistantes das bases das colunas” (fl.366, item 6). Além disso, concluiu que(2º) o piso do terreno sobre o qualhavia sido montado o tripé era irregulare era nessa base irregular que estavamapoiadas as colunas do sondador (v. fl.366, item 7).

Mais uma vez resta demonstrado queo equipamento, no mínimo, foi mal fi-xado e o quarto requerido, além daprecária montagem do equipamento,sequer levou em consideração a irregu-laridade do terreno sobre o qual sedesenvolviam os trabalhos, facilitando,grandemente, a queda do equipamento

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sobre a vítima, fato que não foi, por certoprevisto, mas era perfeitamente previsívelnas circunstâncias e que, com os devidoscuidados, poderia ter sido evitado.

Trata-se de um típico caso de desen-volvimento de atividade perigosa, porsua própria natureza, e que requer re-dobradas cautelas, seja para quem ope-ra o mecanismo, seja para terceiros quese encontram nas imediações (ver, atual-mente, o disposto no art. 927, parágrafoúnico, in fine, do CC/02).

Quando menos, visualiza-se na hi-pótese dos autos a culpa do quartorequerido, porquanto não adotou ele asprovidências mínimas necessárias e exi-gíveis para a consecução do trabalho desondagem à percussão, com um míni-mo de segurança não só para os pró-prios operários – que tiveram de correrpara os lados quando o equipamentoruiu, sendo este, incrivelmente, o únicoe precário “mecanismo de segurança”para a hipótese – como para terceiros,a configurar as modalidades de imperí-cia (em razão da profissão do quartorequerido – v. fls. 377/379) e de negli-gência no desenvolvimento de seu mis-ter, sendo certo o dever de indenizar, jáque preenchidos os pressupostos pre-vistos no art. 186 do CC/02 (com cor-respondência no art. 159 do CC/16,vigente à época do fato), a saber, ação,prejuízo, nexo causal e culpa.

O terceiro requerido, por sua vez,contratou os serviços de P. C. (quartodemandado), como foi reconhecido poreste em sua contestação (fl. 264) e res-tou confessado em depoimento pessoal(fl. 546), que instalou o tripé destinadoa realização da sondagem no terreno doextinto, com o auxílio de outros doisoperários (D., fls. 573/578 e A., fls. 579/

582), chamados para auxiliá-lo no ser-viço.

O geólogo R. S. havia sido contrata-do pelo Consórcio E. para a realizaçãode uma parte dos trabalhos de campo,precisamente a realização de uma son-dagem à percussão. Tal vínculo – e nãoapenas uma simples intermediação, comoquis dar a entender o requerido R. –resta claro, não só pelas propostas con-substanciadas nos documentos das fls.30 e 31 dos autos, como pelo teor dacontestação ofertada pela E., na qualresta confessada a contratação de R. paraa realização dos serviços por meio desondagem (ver em fl. 237, 9a e 10a li-nhas, de cima para baixo), além dodepoimento pessoal do representantelegal do consórcio, confirmando a con-tratação do geólogo R. (fl. 536).

Nessas circunstâncias, era ele (R. S.)o técnico diretamente responsável pelarealização do trabalho que lhe havia sidoconfiado pelo Consórcio de empresas.

A meu ver, sua culpa promana,sobretudo, de ausência total e completade fiscalização quanto a forma de de-senvolvimento dos trabalhos realizadose levados a efeito pelo quarto requeri-do, que foi por ele (P. R.) contratadoverbalmente. Deriva, igualmente, de umaausência de fiscalização (culpa invigilando) quanto a própria montagemdeficiente do equipamento de sonda-gem, de modo que sua presença nolocal, orientando adequadamente a ati-vidade do quarto requerido e de seusauxiliares, poderia sim ter evitado oinfortúnio, mormente quando ele (ter-ceiro requerido) auferiu parte das van-tagens decorrentes do negócio.

O requerido P. S. argumenta que asondagem à percussão não seria, propria-

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mente, uma das atividades do geólogo e,por isso, não teria como ser responsabi-lizado civilmente pelo evento.

Ocorre que, no caso dos autos, foiele o técnico contratado pela E. pararealizar os trabalhos de campo necessá-rios a dar sustentação ao projeto queentão se desenvolvia. Vale dizer, pode-ria ele, com equipamentos próprios, terrealizado o trabalho. No entanto, comose viu, optou por contratar os serviçosde terceiro e, também por essa circuns-tância, é que deve passar a responderpor todo e qualquer evento lesivo queos empregados por ele contratados cau-sem a terceiros, mormente quando dei-xou de exercer qualquer atividadefiscalizadora sobre as tarefas que lhesreservou.

Pouco importa, para fins de respon-sabilidade civil, que ele (terceiro reque-rido) não tenha sido indiciado, oumesmo denunciado pelo Ministério Pú-blico pela morte de V. C., dada a inde-pendência das searas civil e criminal,como proclamava o art. 1.525 do CC/16,o que vem hoje reafirmado no art. 935do CC/02. Tanto assim que mesmo aabsolvição no crime (ou, como na espé-cie, a inexistência de ação penal mes-mo), por não ter havido a devida carac-terização do ilícito penal, não exclui apossibilidade de sucumbência na esferacivil1 .

Do mesmo modo, exsurge clara aresponsabilidade do Consórcio de em-presas E., porquanto foi o segundo re-querido o encarregado de realizar oprojeto e, assim, desenvolver os traba-

lhos de campo necessários ao atingi-mento dos fins pretendidos, obtendo,com isso, o proveito econômico da ati-vidade.

De salientar, por relevantíssimo aodesfecho do caso, que ao delegar aoterceiro requerido parte dos trabalhosde campo destinados a completar osdados necessários a elaboração do pro-jeto, o Consórcio requerido obrigou-se,induvidosamente, a fiscalizar as ativida-des desenvolvidas por ele, mormentequando tais atividades pudessem envol-ver algum risco para terceiros, como éo caso do trabalho de sondagem àpercussão, perigoso por natureza.

Como já gizado anteriormente emrelação ao terceiro demandado, no mí-nimo pode-se ver na conduta do Con-sórcio de empresas E. a sua negligência,precisamente porque deixou de fiscali-zar (culpa in vigilando) atividade quehavia sido delegada a terceiro e para aqual ela, prioritariamente, havia sidocontratada pela T.

Nessa perspectiva, devem os trêsrequeridos acima mencionados (E., R. S.e P. C.) arcar, solidariamente, com aindenização a ser paga aos familiares davítima, pois responsáveis pela causaçãodo evento lesivo. Cumpre ressaltar, ain-da, ao contrário do que sustentou osegundo requerido (Consórcio E.) emcontestação, que a solidariedade queresulta da responsabilidade extracontra-tual difere, substancialmente, daquelaque dimana de responsabilidade civilcontratual. Esta, indubitavelmente, de-corre de lei ou da vontade das partes,

1 – Nesse sentido, consulte-se MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. vol. LIII. Riode Janeiro: Borsoi, 1970, § 5.506, 2.

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nos lindes do art. 265 do CC/02 (antigoart. 896 do CC/16). No entanto, tal dis-positivo não se aplica para o caso deresponsabilidade de fundo extracontra-tual, pois, como pondera Rui Stocco,“[....] nem se trata de mesmo de violentaros textos, pois na verdade a solidarieda-de passiva, quanto à responsabilidadeextracontratual, resulta do art. 159, c/co art. 1.519, in fine, do Código Civil”(atuais arts. 186 e 929, parte final, doCC/02, respectivamente).

E acrescenta o citado autor que: “Estáaí claro que, se o violador do direito oucausador do prejuízo já não é uma pes-soa, mas um grupo de pessoas, estão todase cada uma de per si obrigadas a repa-rar o dano. Elas aparecem, em relaçãoao fato danoso como ‘[....] a causa parao mal de um será, necessariamente, omal dos outros, sem divisão possível [....]’(Deproidmont, apud Mazeud e Mazeud,op. cit., nº 1.944, p. 879). Assim, cadaum dos agentes que participam no atoilícito é considerado pessoalmente comoprodutor do dano e, conseqüentemente,obrigado à reparação integral” 2 .

No entanto, tenho que o nexo cau-sal interrompe-se aqui, não atingindo aempresa T.

De acordo com a prova coligida nodecorrer da instrução, tem-se que aempresa T., por meio de processo lici-tatório, contratou o Consórcio de em-presas E.-M.-TC/BR B. para a elabora-ção de projetos básicos de engenhariadestinados a futura realização das obrasde construção de uma linha de trans-porte metroviário até a Zona Norte destaCapital, como fazem certo os documen-

tos das fls. 116/151 e, em especial osdas fls. 160/200. Conforme consta à fl.160, cláusula primeira, o objeto do con-trato da T. com o Consórcio E. foi a(sic) “elaboração dos projetos básicos deengenharia contendo características e es-pecificações das obras civis, sistemas ematerial rodante, bem como, todos osdocumentos necessários para as licita-ções de construção, aquisições e implan-tação da Linha 2 e da Conexão Linha 1– Linha 2 [....]”.

O preposto da empresa T., em seudepoimento pessoal (fl. 533), esclareceuque o projeto básico de engenharia seriafiscalizado, em seu resultado, pela con-tratante (T.), sendo que a subcontrata-ção dos serviços, quando em grandeescala, passa, necessariamente, pelaautorização e pelo crivo da empresacontratante. No entanto, em caso depequenos serviços, como no caso dosautos (sondagem), há apenas uma co-municação informal da contratada deque o serviço é repassado a terceiros.

Não vejo aí como responsabilizar aempresa T., pois contratou ela, tão-so-mente, a realização de um projeto deengenharia e de editais necessários aofuturo desenvolvimento de obras desti-nadas a implantação do metrô de super-fície. Não houve, de sua parte, a con-tratação direta de obras, ou mesmo deoperários para a realização de obras,mas sim, reitere-se, de um projeto deengenharia destinado a lhe dar subsí-dios para a implantação da linha 2 e daconexão entre as linhas 1 e 2 do metrôde superfície. Em apertada síntese, aempresa apenas tratou de contratar um

2 – Ver STOCCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial. 4ª ed., SãoPaulo: RT, 1999, p. 126.

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Consórcio de empresas, este sim res-ponsável pela realização de trabalhosconcretos, objetivos e perigosos destina-dos a lhe dar subsídios para a futuraimplantação de uma linha metroviária.

Como destaca a ré T. em sua con-testação, não pode ela ser responsabi-lizada civilmente por ter, simplesmente,contratado um projeto de engenharia, aser executado, isso sim, pela Consórciode empresas vencedor da licitação. Àempresa T. interessavam os resultadosdo projeto, e não o desenvolvimento,em si, das atividades necessárias aofornecimento de dados confiáveis paraa futura implantação e realização deobras para o metrô de superfície.

Daí decorre, a meu ver, não a suailegitimidade passiva ad causam, massim o reconhecimento de suairresponsabilidade pelo fato noticiado nainicial.

Outra questão que emerge nos autosé a da suposta culpa concorrente davítima, afirmada, sobretudo, pelo co-réuConsórcio E., já que V., mesmo existin-do uma espécie de fita preta e amarelaa delimitar o local de trabalho dosoperários e depois de ter sido pessoal-mente advertido, uma primeira vez, deque não deveria ter permanecido naimediações do tripé que realizava apercussão (nesse sentido, ver os depoi-mentos de D., fls. 573/578 e A., fls. 579/582), voltou às proximidades do equi-pamento e acabou sendo por ele atin-gido mortalmente.

Se crível fosse tal versão, os valoresda indenização deveriam ser reduzidosde metade3 .

Ocorre que as assertivas das teste-munhas citadas, no entanto, não podemser, a meu ver, acolhidas, sobretudoporque só surgiram em juízo, passadosvários meses do fato. Curiosamente, astestemunhas D. e A., operários que tra-balhavam no local no momento doevento, assim como o requerido P. C.não mencionaram essa relevantíssimacircunstância por ocasião de seus depoi-mentos perante a autoridade policial,prestados logo depois do evento, comose percebe ao serem compulsados ostermos de declarações das fls. 23, 24 e25 dos autos, pelo que não há de seprestar foros de verdade a tal versão,que adquire contornos de provaindustriada.

Veja-se que nem mesmo quanto aoisolamento do local, previamente, há cer-teza, pois nas fotografias das fls. 58/63não se vislumbra qualquer material deisolamento, que foi colocado, muito pro-vavelmente, após a ocorrência do infor-túnio. Tanto assim que as demais teste-munhas inquiridas ao longo da instru-ção – com exceção do próprio requeri-do P. C., de D. e de A., diretamenteenvolvidos no triste episódio e, justa-mente por isso, suspeitos, pois, natural-mente, procuram exculpar-se de qual-quer espécie de responsabilidade – quepassaram pelo local ou estavam nasproximidades não fazem a mínima refe-rência a esse dado. Pelo contrário, atestemunha J. C., à fl. 571, refere que oisolamento foi feito pela autoridadepolicial, após o evento. Ou seja, nemmesmo o local estava isolado, como querfazer crer o Consórcio E., pelo que não

3 – CASILLO, João. Dano à pessoa e sua indenização. São Paulo: RT, 1987, p. 64.

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há de se reconhecer a pretendida culpaconcorrente da vítima.

Feitas tais colocações, deve-se partirpara a quantificação da indenizaçãodevida à viúva e aos filhos do extintoV. C.

No que concerne aos danos mate-riais resultantes da morte da vítima (danoemergente), vale dizer, naquele prejuízoreal, direto, imediato, decorrente dopassamento de V. , “identificável atra-vés de valores objetivos”, como asseveraJoão Casillo4 , tal como preceituado noart. 948, inc. I, do CC/02 (corresponden-te ao art. 1537, inc. I, do CC/16) –notadamente quanto as despesas defuneral – tem-se que os valores estam-pados nos recibos das fls. 65 (R$ 850,00)e 66 (R$ 128,75), totalizando R$ 978,75integram, induvidosamente a quantia aser indenizada. Sobre tal verba, aliás,não pairam maiores dúvidas.

Há, também, a pretensão alimentar dosautores, em forma de pensão à viúva e aosdois filhos menores dos conviventes.

Neste aspecto é que se trava um dosmaiores embates no processo, na medi-da em que os autores afirmam que avítima, arrimo de família, possuía umarenda mensal de cerca de R$ 2.000,00 aR$ 3.000,00, proveniente da exploraçãode firma individual (oficina mecânica ecomércio de peças e acessórios paraveículos – fls. 67/68), mais uma rendamédia de R$ 1.500,00, resultante doslucros auferidos em sociedade comer-cial de fato que mantinha com J. C. noramo de locação de mão-de-obra, em-preitadas e agenciamento de cargas (fl.71). Tirando-se uma média da primeira

das fontes de renda citadas (R$ 2.500,00mensais) somada ao último quantitativomencionado (R$ 1.500,00), a vítima,segundo os demandantes, teria umarenda mensal média de R$ 4.000,00.

A renda anunciada pelos autores, noentanto, não é compatível com a provaproduzida.

Nesse aspecto, verifica-se pela de-claração de ajuste anual do extinto (fl.74), referente ao ano-calendário de 1998– ou seja, ano imediatamente anteriorao acidente e quando já era o de cujussócio de fato de J. C. – não era superiora R$ 1.109,14, que é o resultado dadivisão do total dos rendimentos decla-rados (R$ 13.309,74) por 12 (número demeses do ano). Ou seja, a renda nãoultrapassava a esse último quantum, eé plenamente compatível com o tipo denegócio explorado pelo falecido V.,especialmente quando se sabe que tam-bém esse setor da economia sofre osefeitos de uma brutal recessão.

Uma vez admitida, sem maioresquestionamentos, a existência da talsociedade de fato entre o extinto e J. C.e, considerando ainda, que os rendi-mentos daí provenientes não foramobjeto de declaração ao Imposto deRenda, especialmente porque o negócioestava, unicamente, em nome do últi-mo, há de se estabelecer qual o lucrolíquido destinado ao extinto em tal ati-vidade, a ser somado ao valor anterior-mente referido (R$ 1.109/14/mês).

O ex-sócio do de cujus, ao ser ouvi-do em juízo (fls. 561/566), vaticinou quemanteve a sociedade de fato com V. porcerca de dois anos e que o principal

4 – CASILLO, João. Ob. cit., p. 45.

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objeto da sociedade era o agenciamentode cargas (fl. 564, in fine), sendo que omovimento era variável, oscilando de 50a 200 intermediações/mês, com o qualambos os sócios obtinham um lucro líqui-do em torno de R$ 1.500,00 a R$ 2.000,00por mês (fl. 565). Isso é o que se extrai dodepoimento de tal testemunha, desprezan-do-se outros dados, bem detectados peloprocurador de T. no sentido de que, aserem levados em conta os valores ao inícioreferidos pela testemunha, o ganho seriade exorbitantes e incríveis R$ 8.000,00 pormês, o que é irreal e desproporcionalpara o tamanho do negócio.

Assim, conclui-se que em sua socie-dade com J. C. o extinto obtinha umarenda mensal média de R$ 875,00, queé o resultado da média de renda totalmensal obtida (R$ 1.750,00) dividida entreos dois sócios do empreendimento.

Destarte, pode-se afirmar que o ex-tinto possuía, portanto, uma renda men-sal (total) média de R$ 1.984,14 (um milnovecentos e oitenta e quatro reais equatorze centavos) à época de sua morte.

Esse valor revela-se compatível nãosó com o ramo das duas atividadesexploradas pelo falecido, mas tambémpor outros sinais exteriores que eviden-ciam que mantinha um padrão de classemédia baixa, tanto que seus filhos estu-davam em colégios públicos (v. fl. 555,in fine), residiam todos em uma casa demadeira (fls. 567, parte final e 568, iní-cio), possuindo um automóvel que nãoera novo e nem se enquadrava entre osde luxo (v. fls. 553, 559, 560, 563, 567),não se tratando de pessoa que viajassecom freqüência com seus familiares (fl.560, in fine).

Portanto, a base de cálculo para ovalor das pensões deve ser o de R$

1.984,14 (um mil novecentos e oitenta equatro reais e quatorze centavos) e nãoos valores mencionados pelos deman-dantes na exordial.

De outra banda, sedimentada orien-tação pretoriana ressalta que, do valordevido, deve ser descontado 1/3 (R$1.984,14 – 1/3), correspondente as des-pesas que a vítima teria com a suaprópria pessoa, de sorte que metadedo valor daí resultante cabe à reque-rente M. S., na qualidade de ex-compa-nheira do de cujus, e o restante, empartes iguais, aos autores C. e A., tudoa contar da data do evento (13-09-99;termo inicial do pensionamento, eis quea partir daí se originou o direito àindenização; v. Súmula nº 43 do STJ),valores aos quais deverão ser acresci-dos juros de mora (simples) de 6% aoano, contados na forma do art. 398 doCC/02 (correspondente ao art. 962 doCC/16) e de acordo com a Súmula nº54 do E. STJ (ou seja, da data do even-to até 10-01-03) e de juros moratóriosde 12% ao ano a contar de 11-01-03,data da entrada em vigor do NovoCódigo Civil.

Registro que a elevação do percen-tual dos juros prende-se à entrada emvigor do Novo Código Civil, sobretudoem razão da redação do art. 406 daque-le Diploma legal, que, rigorosamente,remete a fixação da taxa de juros mo-ratórios, assim como os remuneratórios,ao mesmo quantum que “estiver emvigor para a mora do pagamento deimpostos devidos à Fazenda Nacional”.Ou seja, ao fim e ao cabo, a nova le-gislação remete-nos à aplicação da taxaSELIC, Sistema Especial de Liquidação eCustódia (hoje em 26% ao mês), que,por força da Lei nº 9.065/95 e leis

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posteriores, remunera os impostos pa-gos em atraso à União.

No entanto, a utilização da SELIC éimpraticável e desaconselhável, pois nasua forma de composição estão embu-tidos juros e correção monetária, não sepodendo separar o que é um ou outro,tanto que o próprio STJ, por uma desuas Turmas, não admite a sua utiliza-ção nem mesmo para a cobrança deimpostos5 .

Assim, para suprir a lacuna, tenhocomo possível aplicar o disposto no art.161, § 1º, do CTN, aplicável em matériatributária sempre que a lei não dispuserde modo diverso. Por isso, a elevação,no caso concreto, dos juros moratóriosde 6% ao ano (tal como preconizava oart. 1.062 do CC/16), até 10-01-03 e, apartir de 11-01-03, para 12% ao ano, nostermos da legislação tributária há poucoinvocada.

Os valores, desde o evento, deverãoser corrigidos pelo IGP-M/FGV. Sabe-seque a correção monetária não é umplus, mas sim o “valor, hoje, da moedade ontem”, na dicção da jurisprudência.A adoção do IGP-M liga-se ao fato deser o índice que melhor representou ese aproximou dos índices reais de infla-ção registrados no período de trâmitedo feito.

Tangente ao tempo de duração dapensão a ser paga pelos demandados(termo ad quem), considerando, emespecial, a idade da vítima à época doóbito (45 anos de idade, fl. 14), entendoque: (a) em relação a ex-companheirado extinto, a pensão deve perdurar até

a idade em que V. completaria 72 anosde idade, que seria o tempo de expec-tativa de vida que teria, mormente vi-vendo no Estado do Rio Grande do Sul,ou até o falecimento da beneficiária, oque ocorrer antes, em especial porqueM. S., pela prova coligida, sempre foidele dependente; (b) em relação aosfilhos dos conviventes, a pensão há deperdurar até a idade em que eles com-pletem 25 anos, pois seria o período emque ainda estariam a viver no lar dosgenitores e só a partir daí é que,presumivelmente, deixariam a casa pa-terna para se estabelecerem por contaprópria, seja pela conclusão dos estu-dos universitários, seja para constituiçãode suas respectivas famílias, por casa-mento ou união estável.

Os autores formulam, também, pedi-do de indenização por danos morais.

Os demandados, em especial o re-querido R. S. (fls. 224/225), vergastam apretensão a obtenção de indenizaçãopor danos morais sob o argumento deserem inacumuláveis com o dano mate-rial quando não se está a indenizar aprópria vítima.

Nesse quadrante, embora outrorasubsistisse acesa controvérsia sobre ocabimento da indenização por danosmorais, restou a tese superada com oadvento da Constituição Federal de 1988,que em seu art. 5º, inc. X, assegurou odireito ao ressarcimento. E, consigne-se,mesmo antes do advento da atual LeiMaior, jurisprudência de vanguarda jáincluía a possibilidade de tal indeniza-ção no art. 1.537, I, do CC/16, estando

5 – Nesse sentido confira-se DRESCH, Pio Giovani. Os juros legais no novo Código Civil e ainaplicabilidade da taxa SELIC. In Revista da Ajuris, ano XXIX, nº 87, T. I, Porto Alegre,setembro/2002, pp. 213-218.

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inteiramente superada orientação emsentido contrário, na medida em queimoral seria não indenizar (= tornarindene) o abalo provocado pela morteda vítima. Superado, igualmente, o en-tendimento de ser impossível a possibi-lidade de cumulação do dano materialcom o moral, ante os claros termos daSúmula nº 37 do STJ.

Conforme o magistério de Yussef SaidCahali, impõe-se aclarar que no danosimplesmente patrimonial busca-se areposição em espécie ou em dinheiropelo valor equivalente, ao passo que nodano moral a reparação se faz atravésde uma compensação ou reparaçãosatisfativa pela dor e sofrimento psico-lógico que teve a vítima ou, eventual-mente, tiveram seus familiares, que,obviamente, não se vêem obstados depleitear tal espécie de indenização6 .

Karl Larenz lembra que não há nodano moral uma indenização propria-mente dita, mas apenas uma compensa-ção ou satisfação a ser dada por aquiloque o agente fez ao prejudicado, issosem contar com o fato de que a inde-nização por dano moral tem, também,um caráter de pena, a demonstrar queo ordenamento jurídico como um todoreprova o ato do ofensor e se preocupacom a vítima e/ou seus familiares7 .

Nessa linha de entendimento, nadamais justo que os requeridos arquemcom a indenização respectiva. Dada acomunhão de vida e de afetos entre oextinto e M. S. e o grau de parentescoentre o falecido e os autores C. e A. (paie filhos), afora a proximidade na con-

vivência entre eles, bem se tem a idéiada dor, da tristeza, do desencanto quea morte súbita de V., pessoa de meiaidade e gozando de perfeita saúde,causou aos requerentes. Nada maisnatural admitir-se, até mesmo a priori,que a morte da vítima, para a compa-nheira e filhos, seja motivo de relevanteamargura.

Assim moldurada a situação, verifi-ca-se que, hodiernamente, a questão quese coloca não é a de ser, ou não, devidaa indenização pelo dano moral – atéporque, como asseverado, ao contráriode passado recente, a Carta Magna con-sagrou-a como direito legítimo – mas,isso sim, de quanto é devido.

A composição do dano moral, confor-me a doutrina, há de representar para osfamiliares da vítima uma satisfação, igual-mente moral, ou psicológica, como sequeira dizer, de um bem insubstituível,fixando-se, para tanto, um valor certo,entregue ao prudente arbítrio do julgador.

Ante a essas considerações, entendo quea quantia de 200 (duzentos) salários míni-mos bem traduz o sofrimento experimenta-do pelos demandantes e é a que deve serindenizada pelos requeridos, devendo serdividida entre os requerentes.

Sendo assim, a ação procede emparte, nos limites supra expostos.

Isso posto, julgo parcialmente proce-dente o pedido formulado por M. S. G.C., C. A. C. C. e A. C. C. contra E. T. U.P. A. S/A (T.), Consórcio E.-M.-TC/BR B.,R. S. e P. C. F. S. para, em reconhecendoinexistir o dever de indenizar pela pri-meira das demandadas, condenar os

6 – CAHALI, Yussef Said. Dano e Indenização. São Paulo: RT, 1980, p. 26.7 – LARENZ, Karl. Derecho de Obligaciones. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1959. p. 642.

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demais requeridos, solidariamente, aopagamento das seguintes verbas:

(a) despesas com funeral de V., noimporte de R$ 978,75, quantia esta quedeverá ser corrigida pelo IGP-M a con-tar de 14-09-99 (fls. 65/66) e acrescida,desde então, de juros de mora de 6% aoano até 10-01-03 e, a partir de então, dejuros de mora de 12% ao ano, até oefetivo pagamento;

(b) pensão alimentícia aos autores,calculada na base de 2/3 sobre R$ 1.984,14,de sorte que metade do valor daí resultan-te caberá à requerente M. S., na qualidadede ex-companheira do de cujus, e o res-tante, em partes iguais, aos autores C. eA., tudo a contar da data do evento(13-09-99; termo inicial do pensionamen-to), valores aos quais deverão ser acres-cidos juros de mora (simples) de 6% aoano, contados na forma do art. 398 doCC/02 e de acordo com a Súmula nº 54do E. STJ (ou seja, da data do evento até10-01-03) e de juros moratórios de 12%ao ano a contar de 11-01-03, data daentrada em vigor do novo Código Civil,até o efetivo pagamento. Em relação aex-companheira do extinto, a pensão deveperdurar até a idade em que V. comple-taria 72 anos de idade, ou até o faleci-mento da beneficiária, o que ocorrer antese em relação aos filhos dos conviventes,a pensão há de perdurar até a idade emque eles completem 25 anos, conformeacima fundamentado;

(c) ao pagamento aos autores, empartes iguais, da quantia de 200 (duzen-tos) salários mínimos, à data do efetivopagamento, a título de danos morais.

Outrossim, condeno os vencidos,com relação a pensão devida, a cons-tituir um capital, representado por imó-veis ou títulos da dívida pública,inalienável e impenhorável, cuja rendaassegure o cabal cumprimento das obri-gações que lhe foram impostas, deconformidade com o art. 602 do CPC.

Tendo em vista a sucumbência parciale recíproca, condeno os autores ao paga-mento de 1/4 (um quarto) das despesasprocessuais, cabendo o restante (3/4) aosdemais demandados, com exceção daTrensurb, como acima alinhado. Os ho-norários advocatícios do procurador des-ta empresa, a serem suportados pelosautores, vão arbitrados em R$ 2.000,00,nos lindes do art. 20, § 4º, do CPC.

Condeno os demais requeridos (Con-sórcio E., R. S. e P. C.), solidariamente,ao pagamento dos honorários advocatí-cios dos patronos dos autores, arbitra-dos estes em 18% sobre o montantecorrigido da condenação, nos termos doart. 20, § 3º, letras a a c, do CPC, con-siderando, também, o trabalho desen-volvido.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Porto Alegre, 16 de julho de 2.003.Luciano André Losekann – Juiz de

Direito Substituto.

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Processo nº 01186384085 – IndenizatóriaComarca de Porto Alegre10ª Vara Cível 1º Juizado.Autor: L. G. S.Réu: UBEA – H. S. L. P. U. C. R. G. S.Juiz prolator: Roberto Carvalho FragaData: 31 de julho de 2003

Indenizatória deduzida contra hos-pital. Responsabilidade objetiva. Danosmorais e materiais. Inexistência deadstrição do Juiz ao laudo. Incidênciado CDC. Procedência parcial. Denun-ciação à lide do médico. Responsabili-dade subjetiva. Improcedência.

Vistos.L. G. S. ajuizou a presente contenda

contra UBEA – H. S. L. P. U. C. R. G.S. Anunciou, precipuamente, que em26-08-85, foi realizar exame de saúdeno estabelecimento hospitalar ora De-mandado. Todavia, começo a sentircontrações nos braços e nas pernas, oque, comunicado ao corpo médico,nenhum profissional deu atenção aomencionado pela autora, na época.Todavia, ao depois, recuperou os movi-mentos nas pernas, mas não o fez emrelação aos movimentos dos braços. Aodepois, sofreu várias internações emrazão desta falta de movimentos, nãotendo recuperados os respectivos movi-mentos. Assim, afirma que é patente quenão possuía nenhuma lesão e , ao fazero exame de arteriografia, acabou porsofrer as lesões, em face da imperícia enegligência médica. Relatou a perda desua capacidade de realizar as tarefasdiárias e a danificação estética. Assim,

requestou a condenação do demandadono pagamento de uma pensão mensal evitalícia, para ressarcir a inaptidãolaborativa e mais a título de lucroscessantes. Por igual solicitou o paga-mento de indenização a título de danoestético. Requestou, ainda, a condena-ção nas despesas médicas até aconvalescência, bem como juros.

O Hospital requerido apresentoudefesa na qual, em preliminar, requestoua sua ilegitimidade passiva. Pleiteou,ainda, a denunciação da lide dos médi-cos que participaram do exame na au-tora. No merecimento da contenda sa-lientou que a autora não era pessoa quegozava de inteira saúde, acaso não es-taria realizando exames médicos. Dis-correu, então, considerações médicasacerca do fato ocorrido. Assim, entendeque não houve negligência ou imperí-cia, pelo que requesta a improcedência.

Deferida a denunciação, venho à lideE. B. P. apresentando defesa. Nesta peçadefensiva inaceita a denunciação, bemcomo entende ser parte passiva ilegítimae ser impossível o pedido. No mérito dopedido aduz que não participou da rea-lização do anunciado exame da requeren-te no Hospital S. L. Apenas indicou arealização deste. Assim, requereu a im-procedência da denunciação.

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Igualmente denunciado J. F. V. M. B.apresentou defesa na qual, essencialmen-te, aduziu que igualmente não partici-pou do exame neuro-radiológico reali-zado pela ora demandante. Assim,requestou sua exclusão da contenda.

Por igual apresentou defesa o de-nunciado S. F. R., na qual arguiu pre-liminar de inépcia da inicial. No mere-cimento da lide, aduziu que havia a“extrema gravidade das possíveis pato-logias” da ora autora. Relatou, ademais,que durante o exame realizado a autoranão “manifestou qualquer sintomapreocupante”. Frisou que a atividademédica é de meio e não de resultado.Atacou, ainda, os pedidos da autora emsi. A final, requestou a improcedência.

Houve a homologação do feito acercada denunciada L. M. B., consoante fl. 215.

O denunciado O. E. A. apresentousua peça defensiva em fls. 243/247.Aduziu, em síntese, que sua participoumédica deu-se após a realização doexame anunciado pela demandante napeça inaugural. Assim, pleiteou suaexclusão da lide, face sua ilegitimidadepassiva.

Houve a exclusão da contenda dodenunciado E. B. P., conforme fl. 372.

Elaborou-se laudo pericial , consoan-te fls. 597/607 e 814/815.

Ocorreu a homologação da desistên-cia da lide acerca do denunciado R. L.C. e O. A., fl. 645.

Tomaram-se depoimentos e oitivasde testemunhas foram efetivadas duran-te a instrução da contenda. Igualmenteprocedeu-se a ouvida do expert, confor-me fl. 659.

Por fim, houve a homologação daretirada do feito de J. F. V. M. B. (fl. 833).

As partes apresentaram memoriais.

De forma concisa relatei. Fundamentoe decido.

Inicialmente tenho que a alegadailegitimidade do H. S. L. não pode pros-perar. Os fatos alegados pela autora es-tão atrelados a situação médico-hospita-lar ocorrida nas dependências de men-cionado Hospital. Assim, sua alegadailegitimidade está atrelada ao mereci-mento da contenda. Portanto, afasto apreliminar ora em tela.

Adentrando no mérito da lide tenhoque resta como incontroverso – surgidodo processado – o fato de que a autoraefetivamente submeteu-se ao procedimen-to médico-hospitalar e nas dependênciasdo Hospital réu, tendo sido atendida, porigual, pelo denunciado S. R.

Pertinente , então, para a boa deci-são da pretensão que se traga extrato daprova pericial realizada. Neste sentidoe, num primeiro momento da análise,friso a constatação atual do quadro clí-nico, e de vida, da demandante: “[....] deforma objetiva pode-se afirmar que apaciente apresenta quadro neurológicoseqüelar com paraparesia braquialproximal e distúrbio sensitivo na facelateral dos membros superiores que lheacarretam grande incapacidade paramovimentos específicos [....]”, fl. 597.Bem assim, em continuidade e a apon-tar a irreversível seqüela , ao que tudoindica, continua o laudo, agora em fl.607: “[....] suas seqüelas lhe incapacitampara a maioria das atividades domésti-cas [....]”.

Destarte, o estado atual da deman-dante, no que tange a sua capacidadede movimentação, vem atestada no lau-do acima grifado.

Outrossim, a prova pericial (fl. 600)em análise nos traz a certeza que o

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exame realizado (angiografia ouarteriografia) era bastante utilizado naocasião; sendo que atualmente seu usoestá mais restrito, face os avanços naárea da medicina (tomografiacomputadorizada). Outromais, mesmaprova técnica nos aponta para a certezados riscos de tal procedimento, inclusi-ve com a possibilidade de morte dopaciente (fl. 598, quesito “4”).

No entanto, a prova pericial é posi-tiva em afirmar a necessidade do examerealizado (para os padrões médicos daépoca). Vide o contido nos quesitos “3”,“20” e “23” das fls. 600 e 602.

Bastante didático – e o destaque ésalutar – a explicação do exame reali-zado na autora, consoante os dizeres doexpert (fls. 659/660) : “[....] angiografiacerebral é um estudo da circulaçãocerebral, como se diz, das artérias, veias,enfim, e que se faz através da injeçãode uma meio de contraste, de umasubstância que aparece, que contrasta,por assim dizer, e que a partir daí sãobatidas seqüências de chapas radiológi-cas, de forma que se conseguissevisualizar claramente as artérias, as veias,se elas estão bem posicionadas [....]naquela época era o que se tinha. Entãofoi feita esta solicitação com a intençãode dizer ‘tem ou não tem tumor’ [....]”.

Assim, algumas certezas médicas sãoinafastáveis: a ocorrência da realizaçãodo exame na autora; os perigos queeste exame poderia (ou pode) ocasio-nar (fl. 598, questio “4”) e a necessidadede realização do exame mencionado.Aqui, como elemento de eventual com-plicação médica , está a utilização docontraste.

Acrescido a estas certezas inafastáveis,tem-se que realmente a demandante após

a realização do exame acabou por res-tar com as seqüelas em seus membros,constatadas no já citado laudo pericial.

Da união destes fatores dos autos, acerteza da pertinência de uma repara-ção à autora é fato que não pode serolvidado.

No entanto, a prova técnica é espe-cífica em apontar a não existência entreo nexo causal entre o exame realizadoe o quadro de paralisia da requerente.Veja-se, neste norte, extrato que trans-crevo: “[....] não há como afirmar que asseqüelas sofridas pela autora decorremdo exame realizado [....] é pouco prová-vel que as seqüelas apresentadas pelaautora sejam conseqüência da angio-grafia, por polineurica braquial alérgica,pois essa não costuma ser simétrica”.(fls. 600 e 601).

Entrementes, deixa espaço para apossibilidade do nexo causal comoapresenta a resposta ao quesito “10”, fl.601.

Ainda no caminho da afirmativa danão relação entre o quadro fático daautora com o exame realizado, tem-se aprova testemunhal colhida, no que serefere ao aspecto das testemunhas mé-dicas. Veja-se, neste sentido, os depoi-mentos de J. C. C. (fl. 689), C. M. (fl.697) e J. A. E. (fl. 705). Tais depoimen-tos tentam transmitir a mera e fatídicacoincidência da evolução da doença daautora, com dia de realização do mal-fadado exame. Bem assim é o depoi-mento do expert Guido Cardoso Anicet(fls. 659 e ss.).

Com certeza, no entanto, não sepode acolher esta versão. Depreende-se aqui, com bastante precisão, a ocor-rência do esprit de corps. Assim, vis-lumbra-se que está – no mínimo –

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ocorrendo um choque entre a ciência eos fatos da vida. Acolhendo – ainda quepor critério único de fundamentação –a afirmativa de que o exame médicocoincide com a progressão da doençada demandante, estar-se-ia ignorando osfatos, aquilo que efetivamente ocorreu àautora. Não se pode, evidentemente,fechar-se os olhos para a situação atualda Demandante, qual teve seu marcoinicial , preponderante, após a feiturado exame médico em tela. Acolher-se aversão da mera coincidência seria me-dida temerária e aproximada deacomodamento jurídico.

Mister aqui destacar a regra, mutatismutandis, da norma do art. 436, do CPC,qual transcrevo, face sua veemente per-tinência ao caso em julgar : “O Juiz nãoestá adstrito ao laudo pericial, podendoformar a sua convicção com outro ele-mentos ou fatos provados nos autos”.

Assim, no caminho de desaceitar queo acaso (coincidência) é que ocasionouo agravamento do estado de saúde daparte autora, transcrevo extrato da pro-va testemunhal, como segue: “[....] (Quan-do ocorreu esses fatos o senhor eracasado com ela ou não?) Era casadoainda, foi pouco depois que a gente seseparou [....] é , fez o exame no outrodia, eu só fui vê-la no outro dia quandoela foi para o quarto, que já estava comos braços paralisados [....] todo o corpodela estava paralisado quando eu che-guei lá [....] (Em casa ela continuou tra-balhando ?) Faz alguma coisa assim, umacomida, com muito esforço porque elatem que pegar o braço, tem que fazeresses movimentos para [....]”, A. R. S.(fls. 682/684). “[....] da doença eu nãoposso lhe dizer nada, eu sei que conhe-ci ela normal, caminhando, tudo. Ela fez

um exame , quando ela voltou ela voltouassim [....]”, R. S., fl. 685.

Por fim, a atestar a ocorrência dofato de anomalia nos membros superio-res da autora, há o depoimento de L. L.,em fl. 687: “Um dia eu não a vi, soubepor outra vizinhas que ela tinha ido aohospital fazer um exame. Uma semanadepois eu a vi assim [....]”.

Aqui cabe o destaque do não esque-cimento de que na medicina – salvante ade cunho estético – a obrigação é demeio e não de resultado. No entanto, issonão acarreta a falta de responsabilidadesonde o tratamento (lato senso) traz maioresdanos do que a própria moléstia.

Sobre o tema, acerca da responsabi-lidade civil de hospitais, pertinente osensinamentos do renomado SergioCavalieri Filho, in Programa de Respon-sabilidade Civil, Malheiros Ed., SãoPaulo, 2000, 2ª ed, p. 282: “Tem obri-gação não só de prestar assistência mé-dica, mas, também, como hospedeiro,respondendo pelas conseqüências daviolação de quaisquer de seus deveres”.

Em mesmo sentido é esclarecedor adoutrina do festajado José de Aguiar Dias,in Da Responsabilidade Civil, Ed. Foren-se, vol. 1, 10ª ed., Rio de Janeiro, 1997,p. 332: “Não procede a defesa fundadaem que se trata de erro técnico, que adireção do hospital não pode impedir,nem mesmo criticar, porque o caso é denegligência, cujas conseqüências ela po-deria evitar, se empregasse fiscalizaçãomais severa. Admitido o doente comocontribuinte, forma-se entre ele e ohospital um contrato, que impõe aoúltimo a obrigação de assegurar ao pri-meiro, na medida da estipulação, asvisitas, atenções e cuidados reclamadospelo seu estado”.

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Aqui, por igual, resta a certeza deque o fato deu-se ao amparo do enten-dimento exteriorizada na lei consu-merista, ou seja, na redação prevista noart. 14, § 3o, da Lei nº 8.078/90. Desta-que que o entendimento de tal visãolegalista é que se faz pertinente ao casoem tela. Isso é: a responsabilidade doHospital, ora requerido, tem naturezaobjetiva. Poderia o mesmo eximir-se daculpa, lato senso, acaso comprovasse nosautos, que não se efetivou a seqüela –hoje nitidamente existente na autora. Ou,quiçá, que a culpa pelo evento teriasido da própria demandante. No entan-to, a todas as luzes, tais comprovaçõesnão se fazem presente no processado.Pelo contrário, consoante a prova antesjá destacada e referida, o que se tem éque a autora adentrou no meio hospi-talar da requerida e restou cominarredáveis seqüelas. Basta, destarte, àautora a comprovação do dano e donexo causal (qual entendo ocorrido).Inverteu-se no debate judicializado oônus da prova no que tange à culpa, ea parte demandada não logrou compro-var a não culpa sua.

Portanto, não há como amparar-se apretensão do réu em fazer crer sua nãoculpa pelas consequências originadas doexame realizado. Neste contexto, tenhoque o pedido deve ser encarado comonorte de procedência, ainda que parcial.

Acerca da quantificação, pelo conti-do no autos, tem-se que a autora efe-tivava as lides domésticas. Assim, nafalta de parâmetro firme outro, tenhoque se deve fixar o valor mensal noequivalente a um salário mínimo regio-nal. Tal verba indenizatória terá,logicamente, o intuito de indenizar aperda da capacidade laborativa (e até

mesmo de realização das tarefas huma-nas diárias com naturalidade). Haverá,então, de incidir dês a época do examee prolongar-se até o futuro falecimentoda requerente. Quando as pagamentosvencidos o adimplimento dar-se em umasó parcela. Entendo desnecessário aconstituição de capital para este fim,face a presumível situação econômico-financeiro do requerido.

Deixo de aplicar os juros , contadosdo evento exame, eis que o salário atualregional já é fator, em si, de reajusta-mento e estipulação do quantum. Ade-mais, calcular-se-ia o juros como quer ainicial, a partir do dia do exame, masincidente sobre que valor? Saliento aquique a indenização não se dá a título delucros cessantes, eis que prova farta nesteaspecto, inexiste no bojo do processa-do. O que ocorre é o dever indenizató-rio pela comprovada perda da capaci-dade laborativa da demandante.

Ao mesmo tempo, fica o Hospitalrequerido com a obrigatoriedade deindenizar à autora valor equivalente aodano estético, qual – pelo contexto daprova retro – deve se entendido comoocorrido. Assim, pela posição jurispru-dencial hodierna, e tendo-se em contao evento morte como sendo o patamarmais elevado, entendo que o valorequivalente a 250 ( duzentos e cinqüen-ta) salários mínimos regionais se mostrasuficiente a indenização pelo dano es-tético requestado.

Por fim, no que se refere ao inicialde indenização pelo tratamento médico,entendo pertinente a parcialidade dodeferimento, para o fim de alcançarsomente as despesas médicas já realiza-das pela autora, até pelo apurado noprocesso de ser irreversível o quadro da

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demandante. O valor exato será apura-do em liquidação de sentença.

No que se refere a denunciação dalide direcionada a S. F. R., tenho que amesma não pode encontrar eco depertinência. Se na situação de direitomaterial existente entre a autora e oHospital réu, havia um elo de respon-sabilidade objetiva, aqui, nesse contextoda litisdenuntiatio, não. Deveria, parahaver a procedência, do direito regres-sivo, a comprovação da responsabilida-de do ora denunciado. Haveria, comcerteza, que se centrar e comprovar-sea culpa do profissional, o que escapa aprova do processado.

Destarte, tenho que a denunciaçãodeve restar sem procedência, face aprecariedade da prova em apontar oerro médico (estrito senso) praticado peloora denunciado. Aqui, renovo, a res-ponsabilidade só seria possível em de-monstrando, cabalmente, a culpa subje-tiva do mesmo.

Ante exposto, julgo procedente, emparte, o pedido formulado por L. G. S.contra UBEA- H. S. L. P. U. C. R. G. S.,para o fim de condenar o requerido aindenizar à autora em valor equivalentea um salário mínimo regional mensal,dês o exame realizado, até a época dofalecimento da demandante. O pagamentodas parcelas indenizatórias já vencidas,deverá ser realizado em uma só parcela.Fica, ainda, o requerido condenado a

pagar à requerente o equivalente a 250(duzentos e cinqüenta ) salários mínimosregionais, a título de ressarcimento pelodano estético. Por fim, resta o requeridocondenado a ressarcir à requerente valo-res médicos já despendidos, a seremapurados em liquidação de sentença.

Entendo que a reciprocidade da su-cumbência é igualitária, pelo que deve-rá cada parte arcar com 50% das despe-sas do processo. Bem assim o requeridoarcará com honorários advocatícios daparte autora, quais fixo em 15% sobreo valor da condenação já exigível (par-celas vencidas a título da incapacidadelaborativa, mais dano estético). Aomesmo tempo, fica a autora condenadaem honorários advocatícios da parte ré,quais fixo em R$ 4.000,00 (quatro milreais). Os honorários não se compen-sam. Ademais, restam em suspensos osencargos da autora, face os termos daLei nº 1.060/50.

Ao mesmo tempo, julgo improceden-te a denunciação efetivada por UBEA- H.S. L. P. U. C. R. G. S. contra S. F. R. Ficao denunciante condenado nas despesasoriundas da denunciação, bem como emhonorários advocatícios do patrono dodenunciado, quais fixo em R$ 3.500,00(três mil e quinhentos reais).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Porto Alegre, 31 de julho de 2003.Roberto Carvalho Fraga – Juiz de

Direito.

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Processo nº 141/1030012032-0 – Ação de IndenizaçãoComarca de Capão da Canoa2ª VaraAutora: D. J. A.Réu: D. V. A.Juiz de Direito: Mario Romano MaggioniData: 15 de setembro de 2003

Ação de indenização. Dano moral.Revelia. Dever moral e legal do pai deprestar afeto, carinho e amor ao filho. Onão cumprimento de uma das obriga-ções inerentes à paternidade obriga opagamento pelo requerido de indeniza-ção por danos morais. Sentença proce-dente.

Vistos.I – D. J. A. ajuizou ação de indeni-

zação por danos morais contra D. V. A.,inicialmente qualificados. Referiu, emsuma, que é filha do demandado. Des-de o nascimento da autora o pai aban-donou-a material (alimentos) e psicolo-gicamente (afeto, carinho, amor). Hou-ve ação de alimentos e diversas exe-cuções. Em ação revisional o demanda-do avençou pagar R$ 720,00 mensais eassumir o papel de pai. Novamente nãohonrou com o avençado, não demons-trando qualquer amor pela filha. Talabandono tem trazido graves prejuízo àmoral da autora. Requereu pagamentode R$ 48.000,00 (quarenta e oito milreais) a título de indenização por danosmorais.

Citado (fl. 27), o demandado restousilente.

O Ministério Público manifestou-sepela extinção (fls. 29-33).

Vieram os autos conclusos. Relata-dos. Decido.

II – A questão comporta o julgamen-to do processo no estado em que seencontra. Trata-se de revelia (art. 330,II, do CPC). Citado, o requerido nãocontestou a ação. Presumem-se, assim,verdadeiros os fatos afirmados pelaautora (art. 319 do CPC).

De se salientar que aos pais incum-be o dever de sustento, guarda e edu-cação dos filhos (art. 22, da Lei nº 8.069/90). A educação abrange não somentea escolaridade, mas também a convi-vência familiar, o afeto, amor, carinho,ir ao parque, jogar futebol, brincar,passear, visitar, estabelecer paradigmas,criar condições para que a criança seauto-afirme. Desnecessário discorreracerca da importância da presença dopai no desenvolvimento da criança. Aausência, o descaso e a rejeição do paiem relação ao filho recém-nascido ouem desenvolvimento violam a sua hon-ra e a sua imagem. Basta atentar paraos jovens drogados e ver-se-á que gran-de parte deles derivam de pais que nãolhe dedicam amor e carinho; assim tam-bém em relação aos criminosos.

De outra parte se a inclusão no SPCdá margem à indenização por danosmorais pois viola a honra e a imagem,

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quanto mais a rejeição do pai. É menosaviltante, com certeza, ao ser humanodizer “fui indevidamente incluído no SPC”a dizer “fui indevidamente rejeitado pormeu pai”. Nessa senda, não se apresentaabsurdo o valor inicialmente pretendido.Acresço que não houve impugnação aovalor, presumindo-se-o bom.

Por óbvio que o Poder Judiciário nãopode obrigar ninguém a ser pai. No en-tanto, aquele que optou por ser pai – eé o caso do autor – deve desincumbir-sede sua função, sob pena de reparar osdanos causados aos filhos. Nunca é de-mais salientar os inúmeros recursos parase evitar a paternidade (vasectomia, pre-servativos, etc.). Ou seja, aquele que nãoquer ser pai deve precaver-se. Não sepode atribuir a terceiros a paternidade.Aquele, desprecavido, que deu origem aofilho deve assumir a função paterna nãoapenas no plano ideal, mas legalmente.Assim, não estamos diante de amoresplatônicos, mas sim de amor indispensá-vel ao desenvolvimento da criança.

A função paterna abrange amar osfilhos. Portanto, não basta ser pai bio-lógico ou prestar alimentos ao filho. Osustento é apenas uma das parcelas dapaternidade. É preciso ser pai na ampli-tude legal (sustento, guarda e educa-ção). Quando o legislador atribui aospais a função de educar os filhos, restaevidente que aos pais incumbe amar osfilhos. Pai que não ama filho está nãoapenas desrespeitando função de ordemmoral, mas principalmente de ordemlegal pois não está bem educando seufilho.

O demandado não contestou; por-tanto, presume-se que não está ense-jando boa educação (amor, carinho,companhia, etc.) à filha. A ausência de

alimentos poder-se-á suprir medianteexecução de alimentos. Os prejuízos àimagem e à honra da autora, embora dedifícil reparação e quantificação, podemser objeto de reparação ao menos parcial.Uma indenização de ordem material nãoreparará, na totalidade, o mal que aausência do pai vem causando à filha;no entanto, amenizará a dor desta e,talvez, propiciar-lhe-á condições de bus-car auxílio psicológico e confortos outrospara compensar a falta do pai. E, quantoao demandado, o pagamento de valorpecuniário será medida profilática, poisfá-lo-á repensar sua função paterna ou,ao menos, se não quiser assumir o papelde pai que evite ter filhos no futuro.

III – Face ao exposto, Julgo proce-dente a ação de indenização propostapor D. J. A. contra D. V. A., forte no art.330, II, e no art. 269, I, do CPC, c/c como art. 5º, X, da constituição Federal eart. 22 da Lei nº 8.069/90 para condenaro demandado ao pagamento de R$48.000,00 (quarenta e oito mil reais),corrigidos e acrescidos de juros morató-rios a partir da citação.

Condeno o demandado ao pagamen-to das custas processuais e honoráriosdo patrono da parte adversa que arbitroem 10% sobre o valor da condenação ateor do art. 20, § 3º do Código de Pro-cesso Civil, ponderado o valor da causae ausência de contestação.

Transitada em julgado, arquive-secom baixa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Capão da Canoa, 15 de setembro de

2003.Mario Romano Maggioni – Juiz de

DireitoObrigação. Danos morais. revelia.

Paternidade. 12032.

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Processo nº 020/1.01.0000473-1 – Ação DeclaratóriaComarca de Palmeira das Missões3ª Vara JudicialAutora: D. C. D.Réus: B. T. S. A., D. C. T. e V. I. S. A., B. I. S. A.Juiz prolator: Alexandre Tregnago PanichiData: 01 de outubro de 2003

Fraude na venda de ações da CRT.Falsificação de documentos. Responsa-bilidade da empresa de telefonia. De-nunciação à lide da corretora de valorese da instituição financeira encarregadada custódia das ações.

Vistos.D. C. D., já qualificada na inicial,

ajuizou a presente ação ordinária denulidade de transferência de ações con-tra B. T. S. A., alegando, em síntese,que era detentora e possuidora de 46.428ações preferenciais escriturais A, junto àrequerida, conforme extratos expedidospelo B. I. S. A., sendo que no dia07-10-97, constatou, através de novoextrato, que suas ações haviam sidodepositadas em custódia à BVRJ, comsaldo zero em seu favor. Salienta queem contato telefônico com o bancoadministrador das ações, este lhe infor-mou verbalmente que as ações foramnegociadas para D. C. T. V. M. S. A.,por procuração recebida por V. I. Z.,cuja procuração fora outorgada de modoparticular, com reconhecimento da fir-ma no Cartório de Iraí-RS e substa-belecida pela outorgada à D. no Cartó-rio de Glorinha, na grande PortoAlegre-RS.

Informa não ter havido, por parte dademandante, qualquer venda, transferên-

cia ou outorga de procuração para aSra. V., a qual, na verdade, chama-se L.A. S. C., que já foi indiciada em proces-so crime sobre tal fato. Relata que cons-ta do referido processo-crime, que osdenunciados falsificaram e alteraramdocumentos públicos e particulares per-tencentes à requerente, com o intuito deproceder à venda fraudulenta das açõesda CRT pertencentes à autora. Aduz quea empresa D. está ciente de que adqui-riu ações através de documentação fal-sa, tendo em vista ter remetido corres-pondência ao Tabelionato de Palmeiradas Missões solicitando esclarecimentos.Requereu a declaração de nulidade datransferência das ações realizada pelaCRT, com a determinação do retornodestas para a propriedade da autora.Postulou ainda, concessão de AJG ou,subsidiariamente, o pagamento das cus-tas ao final. Instrumento de mandato edocumentos acostados às fls. 06/33.

Foi indeferida a AJG e deferido opagamento das custas ao final (fl. 34).

Citada (fl. 73v.), contestou a reque-rida, argüindo, preliminarmente, carên-cia de ação, tendo em vista que o pleitoda demandante é obter a declaração deinexistência de atos, sendo, por conse-guinte, necessária a interposição de açãoconstitutiva negativa e não declarató-ria. Ainda, alegou ilegitimidade passi-

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va, alegando que a ré não pode figurarno pólo passivo da presente demanda,uma vez que o negócio jurídico emquestão foi realizado fora de seu esta-belecimento e por pessoas estranhas aoseu quadro de funcionários. Salienta quea relação processual deve ser firmadaentre a autora, o B. I., Sra. L., empresaD. e o T. P. M. , tendo em vista teremsido estas as pessoas que entabularama negociação envolvendo o lote de açõesem questão. No mérito alega, em sínte-se, que o responsável pelas solicitaçõese averiguações da documentação relati-va a vendas, bloqueios e transferênciasde ações é o B. I. S. A., o qual foiescolhido após certame licitatório, tendocom este firmado contrato com cláusulasque delegam ao contratado a responsa-bilidade de averiguação e responsabili-dade pela origem dos documentos querepresentam a transação, cabendo a este,por conseguinte, a incumbência de res-ponder pelo referido negócio jurídico.

Procedeu, ainda, a denunciação àlide do B. I. S. A., da D. C. V., bemcomo do T. P. M. . Requereu o acolhi-mento das preliminares levantadas, dasdenunciações à lide procedidas e, casosejam ultrapassadas as preliminares, aimprocedência da ação. Postulou, ain-da, em caso de procedência da ação,seja garantida na sentença a indeniza-ção regressiva contra os litisdenunciados(fls. 36/44). Juntou procuração e docu-mentos às fls. 45/64.

A denunciada à lide D. C. T. V. M.S. A. às fls. 76/81 apresentou contesta-ção, alegando, em síntese, que foranotificada pela autora, para que nãoefetuasse a venda das ações da CRT deque aquela era titular, tendo em vista aalegação de fraude na negociação. Sa-

lienta que a notificação chegou tarde,uma vez que as referidas ações já foramalienadas, sem possibilidade de retorno.Refere que alienou as ações detitularidade da requerente de forma re-gular, visto que preenchidos todos osrequisitos legais exigidos. Tece conside-rações acerca da inexistência de culpana conduta da denunciada, uma vez queo fato apontado deu-se por culpa exclu-siva de terceiros. Requereu sua exclusãodo pólo passivo da presente demanda.Juntou procuração e documentos às fls.82/97.

Às fls. 100/105, manifestou-se a re-querente, refutando os termos da con-testação, alegando que inexiste a ca-rência de ação levantada em sede depreliminar, tendo em vista que a pre-tensão da autora com a presente de-manda é a declaração da nulidade doato jurídico que transferiu as ações dademandante para terceiro, uma vez queefetuada sem seu consentimento econhecimento. No que tange à alegadailegitimidade passiva da ré, salienta queé dever da requerida realizar, fiscalizare controlar a transferência das ações,uma vez que é concessionária do Es-tado para a realização destes serviços.Tece considerações acerca da teoria dorisco, argumentando que mesmo ha-vendo transferência dos referidos servi-ços a terceiro, ainda assim permanecesua responsabilidade objetiva. Quantoao mérito, reitera os termos da inicial,tecendo considerações acerca da res-ponsabilidade objetiva da demandadaperante os seus atos. Quanto às denun-ciações da lide procedidas pela reque-rida, concordou com estas.

Deferidas as denunciações da lideefetuadas pela requerida (fl. 110).

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Os denunciados à lide: T. P. M. , D.C. T. V. M. S. A. e o B. I. S. A., foramcitados respectivamente às fls. 115v.,120v. e 121v.

O litisdenunciado B. I. apresentoucontestação às fls. 123/129, alegando,em preliminar, ilegitimidade passiva adcausam, considerando que qualquernegociação de ações escriturais em Bolsade Valores somente pode ser efetuadapor ordem de sociedades corretoras,sendo que in casu, quem operacio-nalizou a venda das ações da deman-dante, foi a litisdenunciada D. C. T. V.M. S. A. Argumenta que, em 30-09-97,a referida corretora solicitou aocontestante o bloqueio das ações subjudice, encaminhando a ordem de trans-ferência das referidas ações devidamen-te assinada por representante creden-ciado, sendo a citada corretora, porconseguinte, em face da legislação per-tinente, quem deve figurar no pólopassivo da presente demanda. No mé-rito, refere inexistir responsabilidade suano presente episódio, tendo em vistanão ter infringido qualquer dever legalou contratual em face da demandante.Argumenta que em caso de condena-ção, os honorários advocatícios deverãoter arbitramento máximo de 15% sobreo valor da condenação, tendo em vistaa autora demandar sob o abrigo da AJG.Requereu a extinção da ação em face dasua ilegitimidade passiva ou a improce-dência do pedido. Procuração e do-cumentos acostados às fls. 130/133.

Apresentou, a também litisde-nunciada D. C. T. V. M. S. A., suacontestação às fls. 134/138, alegando queincumbe ao B. I. a observância da re-gularidade das transferências acionárias.Salienta que somente adquiriu as ações

pertencentes à autora por se encontra-rem preenchidos todos os requisitoslegais para o ato, uma vez que os ele-mentos necessários foram fornecidospelo B. I. e tendo em vista a fé públicados documentos apresentados para oato. Tece considerações acerca da exis-tência de culpa exclusiva de terceiros.Informa que a sua responsabilidade, naforma da legislação pertinente, é peladocumentação formal, a qual foi enca-minhada pelo B. I., constando desta ostimbres cartoriais, dotados de fé públi-ca. Requereu a improcedência da ação,com a condenação da litisdenuncianteao pagamento dos ônus sucumbenciais.Documentos e procuração acostados àsfls. 139/154.

A litisdenunciada E. T. N. S., titulardo Tabelionato local, apresentou suacontestação às fls. 156/159, referindo,em síntese, que não houve e tampoucorestou demonstrada, no presente pro-cesso, sua participação na transação dasreferidas ações, tendo restado compro-vado através da documentação acostadaaos autos, ter sido falsificado um deseus carimbos, configurando-se destar-te, sua ilegitimidade passiva ad causam.Requereu que a denunciante seja julga-da carecedora de ação, por impossibili-dade jurídica do pedido e ilegitimidadepassiva, condenando-se esta ao paga-mento dos ônus sucumbenciais. Juntouprocuração à fl. 160.

Manifestou-se a autora quanto àscontestações das litisdenunciadas às fls.162/165. Juntou os documentos das fls.166/167.

A litisdenunciada D. peticionou à fl.173, juntando o documento da fl. 174.

Realizada audiência de concilia-ção às fls. 192/193, tendo resultado

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inexitosa a proposta conciliatória, fo-ram afastadas as denunciações da liderealizadas, sendo determinada a exclu-são dos litisdenunciados do pólo passi-vo da presente demanda, com a conde-nação do denunciante ao pagamento dosônus sucumbenciais relativos às denun-ciações realizadas.

A requerida C. R. T. – CRT interpôsagravo de instrumento da decisão queexcluiu os litisdenunciados da presentedemanda (fls. 198/211), tendo sido con-cedido efeito suspensivo (fls. 213 e 222)e, ao final, dado provimento ao recurso(fl. 259/264), para manter, no pólopassivo do presente processo, oslitisdenunciados B. I. S. A. e a D. C. T.V. M. S. A.

Manifestou-se a requerida às fls. 303/305, postulando a sua regularização pro-cessual, considerando a ocorrência deincorporação da C. R. T. pela B. T. S.A., ocasião em que juntou os documen-tos das fls. 306/308.

Determinada a substituição no pólopassivo, para constar o nome daincorporadora B. T. S. A.

Durante a instrução foi ouvida umatestemunha arrolada pela autora, tendosido homologada a desistência da teste-munha J. J. P. M. (fls. 333/334), ocasiãoem que a autora juntou o documento dafl. 340.

Encerrada a instrução, passou-se aodebate oral. A autora reiterou os argu-mentos expendidos na inicial e demaismanifestações. O litisdenunciado B. I. S.A., reportou-se à sua contestação, acres-centando que a responsabilidade dobanco, na condição de depositário, seexaure no momento em que o titulardas ações as coloca à disposição paravenda; tendo a venda se dado através

de corretora, cabe a esta a identificaçãoprevista em lei. A requerida B. T. e alitisdenunciada D. C. T. V. M. S. A., damesma forma, reportaram-se às suasmanifestações anteriores.

É o relatório.Decido.Inicialmente, quanto à preliminar de

carência de ação levantada na contesta-ção da CRT, tenho que não mereceprosperar. Ocorre que consta claramen-te da exordial que o objeto da lide é anulidade da transferência das ações re-alizada. Assim sendo, não há que sefalar em carência de ação, pois o pedi-do é juridicamente possível, há interes-se processual e as partes são legítimas,como adiante fundamentado.

Cumpre referir que a relação nego-cial existente a respeito das ações ad-quiridas da CRT pela autora diz respeitoúnica e exclusivamente a estas partes,uma vez que a demandante adquiriu asações da CRT, hoje B. T., a qual é res-ponsável pelo negócio envolvendo taisações.

Gize-se que a obrigação pela custódiae administração das ações é da B. T. Ocontrato das fls. 46/56, firmado entre aantiga CRT e o B. I., prevê como obriga-ções da contratada (I.), em sua cláusulaoitava, que prestará “os serviços de açõesescriturais objeto deste contrato [....]”.

Ora, o fato de a ré contratar outraempresa para administração de suasações não a exime da responsabilidadepelas mesmas. Principalmente porque emnenhum momento a autora firmou con-trato com o banco, mas sim com rela-ção à CRT.

Dessarte, impõe-se a rejeição daspreliminares aduzidas na contestação daCRT.

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SENTENÇAS 61

Quanto às denunciadas à lide, emque pese negarem sua responsabilida-de pelo fato, tenho que, também, pos-suem legitimidade passiva para figura-rem no feito como denunciadas à lide,sendo que já houve, inclusive, decisãodo egrégio Tribunal de Justiça reco-nhecendo que devem permanecer nalide os denunciados I. e D., para quesua responsabilidade seja decididaquando do julgamento do meritumcausae: “TJRS-229946. Cível. Agravo deinstrumento. Ação declaratória de nuli-dade. Transferência de ações. CRT. De-nunciação da lide. O Banco, pelo con-trato, é responsável pela guarda dasações e alterações individualizadas deacionistas, inclusive cadastros, quanti-dades e valores, por isso respondeperante o contratante, emitente dasações. Igualmente, a entidade corretoraé responsável por ordem de venda deações, a qual deve ser assinada peloacionista ou apenas pela corretora eapresentada ao Banco. Hipóteses con-figuradas de denunciação da lide. Agra-vo provido” (Agravo de Instrumento nº70000597799, 1ª Câmara Especial Cíveldo TJRS, Palmeira das Missões, Rel. Des.Adão Sérgio do Nascimento Cassiano. j.30-08-00).

Dessarte, sendo legítimas para figu-rarem no feito a requerida e os denun-ciados à lide I. e D., passa-se à análisedo mérito.

Consoante se depreende dos autos,restou incontroverso que a transferênciadas ações pertencentes à autora ocorreude forma ilícita, mediante falsificaçãooperada por L. A. S. C., que usou onome falso de V., recebendo procura-ção falsificada em nome da autora, oque gerou a transferência das ações

registradas em nome da demandante,procedimento levado a efeito pela D. C.e B. I.

Assim, a questão controvertida nocaso sub judice é quem são os respon-sáveis pela indevida transferência dasações, ante a falsidade documental queensejou a irregular alienação.

Em primeiro lugar, cumpre observarque a relação negocial da autora restrin-ge-se à antiga CRT, hoje B. T. S. A. Gize--se que a demandante em nenhum mo-mento desejava alienar suas ações, comocomprovado pelo depoimento da teste-munha, D. M. C. C. (fl. 334), sendo quea B. T. é a responsável pela custódia dasações, mantendo, inclusive, contratodelegando tal atribuição ao B. I.

Assim, resta evidente a responsabili-dade da ré para com a autora, razãopela qual deve restituir a quantidade deações indevidamente transferidas, umavez que a relação negocial existe ape-nas entre a autora e a requerida, pois ocontrato com o I. não tem o condão deeximir a B. T. da responsabilidade pelacustódia das ações.

Se a ré ou denunciados à lide nãotiveram culpa pelo evento, como exaus-tivamente alegado em suas manifesta-ções, menos ainda obrou a autora comculpa, dado que em nenhum momentoparticipou da transação de venda dasações.

Assim sendo, evidente a responsa-bilidade da ré no presente caso, razãopela qual imperioso é o acolhimentodo pedido, com a declaração de nuli-dade da transferência procedida frau-dulentamente, no tocante às 46.428ações de propriedade da autora, con-soante extrato de movimentação deações da fl. 07.

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62 SENTENÇAS

Quanto às denunciadas à lide, tenhoque resta evidente, também, sua res-ponsabilidade no presente feito.

Sinale-se que competia às empresasque analisaram a documentação a averi-guação segura dos documentos apresen-tados e carimbos dos tabelionatos, deforma a evitar a transferência fraudulentaque acabou por ocorrer na espécie.

Restou evidente que a transferênciasomente ocorreu por falha na conferên-cia da documentação por parte da D. C.e do B. I., o que evidencia a culpa deambas, pela negligência na conferênciados documentos. Igualmente, não há quese falar em culpa exclusiva de terceiro,causa de exclusão da responsabilidadena forma do art. 14, § 3º, II, do CDC,dado que caracterizada na espécie aculpa da corretora e do Banco.

Inclusive, saliente-se que, consoanteprovado nos autos, era possível perce-ber-se a falsificação dos documentos.Sobre a matéria impende a transcriçãode parte da denúncia que iniciou a açãopenal contra os estelionatários que efe-tuaram as falsificações: “Antes de dirigi-rem-se ao escritório de H. os denunciadosE., L. e A. C. estiveram no Tabelionato deNovo Hamburgo tentando autenticar adocumentação necessária, não tendoconseguido consumar seu intento porqueos funcionários perceberam a irregulari-dade na documentação” (fl. 18, grifei).

Dessarte, resta evidente que, se asdenunciadas à lide tivessem tido maiscuidado ao verificar a documentação,poderia ter sido evitada a transferênciaindevida das ações da autora.

Inclusive, restou comprovado que oscarimbos de autenticações eram falsifi-cados, pois conforme informado pelaTabeliã responsável pelo Tabelionato

local no documento da fl. 27 “A cópiafalsificada não passa de imitação gros-seira que não guarda nenhuma seme-lhança com os carimbos autênticos, con-tendo, inclusive erro de concordância’[....] cópia reprográfica extraídas nestasnotas, [....]’ ” (grifei).

Assim, a meu sentir resta comprova-da de forma estreme de dúvidas a res-ponsabilidade do banco e da corretorapelo fato ora sub judice, restando paten-te o dever de ambas indenizarem a B.T. pelo prejuízo que tiver nesta deman-da, de forma solidária, nos termos doart. 70, III, do CPC e arts. 159 e 1.518do Código Civil vigente à época da trans-ferência.

Sobre a matéria cito o seguinte ares-to: “TJRS-212868. Cível. Fraude na ven-da de ações da CRT. Falsificação dedocumentos. Culpa da corretora de va-lores reconhecida pela sentença. Res-ponsabilidade solidária da instituição fi-nanceira encarregada da custódia dasações. Reconhecimento pela sentença daocorrência de ato ilícito na transferênciairregular de ações pertencentes ao au-tor, mediante procuração falsificada, porfalha da corretora de valores. Responsa-bilidade solidária do banco encarregadoda custódia de ações escriturais, quenão tomou as necessárias cautelas paraevitar a fraude. Aplicação dos arts. 159e 1.518 do CC. Sentença de procedênciaampliada. Apelação do autor provida”(Apelação Cível nº 70003058336, 9ªCâmara Cível do TJRS, Nonoai, Rel. Des.Paulo de Tarso Vieira Sanseverino. j.20-03-02).

Outrossim, de acordo com os funda-mento suso mencionados, imperiosa aprocedência da demanda e das denuncia-ções à lide formuladas pela requerida.

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Diante do exposto, forte no art. 269,inc. I, do CPC, rejeitadas as preliminares,julgo procedente o pedido formulado porD. C. D. em face da B. T. S.A., paradeclarar a nulidade da transferência das46.428 ações de propriedade da autora.

Condeno a ré ao pagamento dascustas do processo e honorários advo-catícios ao procurador do autor, quearbitro em 10% sobre o valor atualizadoda causa, sopesadas a natureza da lide,o trabalho realizado pelo profissional,grau de zelo, tempo exigido para oserviço e o elevado valor dado à de-manda, nos termos do art. 20, § 4º, doCódigo de Ritos.

Outrossim, julgo procedente a denun-ciação da lide formulada por B. T. S. A.

em face da D. C. T. V. M. S. A. e o B.I. S. A., com fundamento no art. 70, inc.III, do CPC, devendo os denunciadosindenizarem à denunciante, de formasolidária, o prejuízo que despender napresente demanda.

Condeno as denunciadas ao paga-mento, de forma solidária, das custasda denunciação e honorários advocatí-cios em prol do procurador da denun-ciante que fixo em R$ 1.000,00 (milreais), na forma do art. 20, § 4º, doCPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Palmeira das Missões, 1º de outubro

de 2003.Alexandre Tregnago Panichi – Juiz

de Direito.

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Processos nº 001078336661/ 00107628712 – Separação Litigiosa/Separação deCorpos2ª Vara de Família e SucessõesRequerente: B. R. B.Requerido: W. B.Juíza prolatora: Gláucia Dipp DreherData: 10 de outubro de 2003

Separação Judicial. Aplicação do novoCódigo Civil. Irrelevância da culpa naseparação (art. 1.566 do NCC). Danomoral decorrente da conduta de cônjuge,mesmo quando elidida a culpa. Litigân-cia de má-fé pela ocultação da parte.

Vistos.I – Do RelatórioB. R. B., qualificada na inicial, ajui-

zou ação de separação judicial, sob aforma litigiosa, com fulcro nos arts. 5ºe ss. da Lei nº 6.515/77, em desfavor deW. B.

Relatou, em síntese, que os adversossão casados, desde novembro de 1980,pelo regime da comunhão universal debens, e que, da união, nasceram trêsfilhos, M., 19 anos, F., 17 anos, e E., 14anos. Narrou, ainda, que o casamentoperdurou de forma harmônica, porém,nos últimos oito anos sobejou prejudi-cado em virtude do comportamento domarido, a quem imputa a falta de assis-tência material à manutenção do lar, aadministração dos bens do casal deforma suspeita, ou seja, alega que omesmo tem comportamento avesso asuas obrigações conjugais. Sustentou,ademais, a insuportabilidade da vida emcomum, motivada por recentes aconte-cimentos, destacando a descoberta de

coleção fotográfica do seu marido emque figuram mulheres desnudadas nolocal do sítio da família. Requereu, aofinal, a guarda dos filhos, permitindo aogenitor a livre visitação; alimentos parasi e aos mesmos no valor de 40% sobreo benefício da aposentadoria do réu(noticia que, em feito conexo, já foramfixados alimentos de caráter provisóriosem 35%); a condenação do marido pordano moral; a distinção das contas cor-rentes bancárias em conjunto, a seremindividualizadas; a partilha dos bensarrolados; a volta do uso do nome desolteira; o benefício da assistência judi-ciária gratuita e a procedência da ação.

Juntou documentos (fls. 16/42).Ad inittio, realizada audiência de

tentativa de conciliação no Projeto Con-ciliação Família, esta restou frustada emface da ausência do réu (fl. 47).

Após persistentes tentativas,ultimou-se a citação do réu por horacerta (fls. 57v.), quem ofertou contesta-ção tempestiva (fls. 59/66), rebatendo omesmo, em sucinto, o exordialmenteassentado e, em particular, insurge-sequanto à pensão, pugnando o quantita-tivo de 8% a cada um dos filhos, numtotal de 24%, sem concordar com talprestação à mulher. Discordou, acolá,do pedido de dano moral, impugnando

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os fatos narrados na peça vestibular.Sobre os bens arrolados, além do mais,negou que possua qualquer um deles(fl. 61), entretanto, oferece proposta departilha (fls. 65/66). Por fim, requereu obenefício da assistência judiciária gratui-ta e a improcedência da demanda.

Com a peça impugnativa, carreoudocumentos (fls. 67/82).

Houve réplica (fls. 84/89), refreandoo impugnado em contestação.

Em seguimento procedimental,oportunizou-se nova tentativa de conci-liação, no entanto, sem êxito (fl. 177),e, após a solenidade, foram expedidosofícios à CEF – Caixa Econômica Fede-ral, Banco do Brasil e Receita Federal(fls. 120/122).

Adiante, o réu apresentou novasmanifestações (fls. 130/134 e 164/165),ao passo que o mesmo requereu quevenha aos autos a declaração de impos-to de renda da autora, o que foi defe-rido (fl. 166).

Em marcha, solenizou-se mais umatentativa de conciliação, todavia, preju-dicada pela ausência do réu (fl. 170).

Por oportuno, instaurou-se novaaudiência de conciliação, quando nãocompareceram, outra vez, o réu e seuprocurador, acabando por ser aplica-da a pena de confissão (art. 343, § 2º,do CPC), e, o seguimento da soleni-dade, em observância ao permissivodo art. 453, § 1º, do CPC, tomou-se odepoimento pessoal da autora (fls.196/202).

As testemunhas sobejaram ouvidas pormeio de carta precatória (fls. 232/233).

Encerrada a fase enfática da instruçãoprocessual, em fechamento, foram subs-tituídos os debates orais por memoriaisescritos, apresentados às fls. 243/255.

O réu ainda reiterou o pedido deAssistência Judiciária Gratuita (fls. 257/262).

Em parecer derradeiro (fls. 263/269),o Ministério Público opinou pela parcialprocedência da ação.

No feito em apenso (autos do Pro-cesso nº 00107628712), B. R. B. veiculoumedida cautelar de separação de corposc/c alimentos provisionais contra W. B.,todos com qualificação declinada nainicial, objetivando objetar o acesso doréu ao lar conjugal, sob a alegaçãopolarizada na insuportabilidade da vidaem comum, em relevo de sofrer amea-ças pelo mesmo, inclusive, aos filhos.Requereu medida liminar de separaçãode corpos, bem assim alimentos provi-sórios e o benefício da assistência judi-ciária gratuita.

Colacionou farta documentação (fls.14/81).

Inicialmente, em medida inauditaaltera parte, restou deferida a liminar deseparação de corpos e fixados alimen-tos provisórios para os três filhos noequivalente a 35% sobre a aposentado-ria do réu, menos os descontos obriga-tórios (fls. 81/82).

Após o cumprimento do mandadojudicial de afastamento e citação (fls. 93v./94), a parte adversa apresentou contesta-ção sem extrapolar o prazo legal (fls. 95/99), refreando o deduzido na exordial.Pleiteou a revogação da liminar concedi-da à autora e os alimentos aos filhos, bemcomo pediu para que a mesma juntassedocumento a fim de averiguar o quan-tum que ela percebe de aposentadoria.Ainda, requereu o benefício da assistên-cia judiciária gratuita.

Instruiu documentos (fls. 100/102).Existiu réplica, com nova documen-

tação (fls. 106/109 e 110/117).

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Em andamento, realizou-se audiên-cia de conciliação, prejudicada pelaausência do réu (fl. 121), sendo que oprocurador do mesmo, em petição diri-gida ao Juízo e em nome próprio, jus-tificou a ausência do seu outorgante epediu para que ele fosse intimado pes-soalmente a nova data de solenidade aser aprazada (fls. 123/125).

Instados os adversos para que semanifestassem sobre outras provas aproduzirem, a autora pugnou pelo jul-gamento do feito no estado em que seencontra (fls. 121, 134/135 e 141/142),enquanto que o réu, ao avesso, formu-lou pedido para produção de outrasprovas (fls. 126/130).

Em fim, por determinação deste ór-gão judicante (fl. 145), a instrução pro-cessual deste feito angularizou realizadanos autos em apenso da separação ju-dicial figurada na forma litigiosa.

É o relatório de ambos os autos – daseparação judicial e da cautelar de se-paração de corpos.

Decorre a decisão.II – Da Fundamentação2.1. Das considerações de partidaPreviamente, digna-se a observação

da superviniência do novel Código Civil(Lei nº 10.406, de 10-01-02), o qual passaa reger a presente demanda de imediato(cfe. o art. 6º da Lei de Introdução aoCódigo Civil, e o art. 5º, inc. XXXVI, daConstituição Federal).

Além do mais, verifica-se que am-bos os feitos transcorreram de formaregular, tanto a cautelar como a espé-cie ordinária da separação judicial,com a oportuna e indispensável mis-ter intervenção do Ministério Público,sem prefaciais a serem enfrentadas, oque conforta suscetível adentrar no

mérito para, ao final, erigir juízofinalístico.

2.2. Da culpa na separaçãoAo caso em apreço, importa escla-

recer sobre o fundamento que cerca aculpa, cujo o tema às espécies verten-tes não se mostra necessário ou pró-prio, uma vez que, em compasso aodireito contemporâneo, mormente como advento da Constituição de 1988,mostra-se impositivo afastar-se o en-frentamento da prerrogativa em açõesque versem acerca de separações, bas-tando a prova da ruptura ouinsuportabilidade da vida em comumsob o mesmo teto para motivar a sepa-ração do casal (positiva o art. 1.572, §1º, do novel Código Civil).

Nesse sentido, é iterativa a hodiernajurisprudência do nosso Tribunal deJustiça: “Separação judicial. Guarda. Ali-mentos. Culpa. Descabimento. Incabívela condenação do varão quando não restacabalmente comprovada a culpa alega-da pela mulher. Ademais, trata-se dequestão já superada. O entendimentoatual é no sentido da desnecessidade deidentificação de culpado pela falênciada sociedade conjugal. Precedentes des-ta Câmara. [ ....]” (Apelação Cível nº70003630415, 7ª Câmara Cível, TJRS, Rel.Des. José Carlos Teixeira Giorgis, julga-do em 12-06-02).

Assim, afigura-se incólume à aferi-ção dos casos em voga a consideraçãoda culpa, ou seja, é inócuo ao juízoderradeiro sopesar a culpa de quemmotivou a separação judicial, até por-que a prerrogativa seria de difícil ex-clusividade a alguém, mesmo se com-provado o descumprimento de algumdos deveres dos cônjuges (art. 1.566 doNCC).

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2.3. Da guarda e visitas dos filhosNo que concerne à guarda e às vi-

sitas, ante a notícia de que dois dos trêsfilhos do casal já são maiores e capazes,M. e F. (fls. 19 e 20), as questões seenxugam atinentes apenas ao filho E.,quem conta hoje com mais de dezesseisanos de idade (fl. 21).

Deste modo, consoante com o apre-sentado na contestação (fl. 60, item 3º),é manifesta a concordância do réu deque os filhos fiquem sob a guardamaterna, quem, em verdade, já a exercede fato, conformando, assim, o pedidoda inicial.

No mais, na inicial e em réplica (fls.84/89), a autora em nada objetou àvisitação na forma livre, somente referiupara que fosse respeitado o horárioescolar dos filhos.

Por isso, não é necessário descer apormenores sobre os temas da guarda evisitas, uma vez as partes são concordesa estes, devendo o filho adolescente ficarcom a genitora, asseguradas as visitaslivres ao pai.

2.4. Dos alimentosEm relação aos alimentos, de acordo

com o declinado no ponto logo acimadeduzido, somente o filho E. persiste ain-da na menoridade civil (art. 5º do CC), aopasso que os outros já são plenamentecapazes e aptos para o trabalho.

E acolhendo o propugnado peloMinistério Público no seu parecer final,diante de tal fato, mostram-se razoáveisos alimentos apenas ao filho adolescen-te, a quem as necessidades prevalecempresumidas (art. 1.566 do CC), enquantoque aos outros tem de se relativisar talpresunção, importando a demonstraçãoda necessidade de perceber-se pensão(art. 1.664 do CC), o que, no entanto,

não ocorreu, sem qualquer elementocontundente que permita passível umaavaliação inteligível da variável – neces-sidade – requisitada ao tradicionalbinômio configurador dos alimentos(necessidade e possibilidade).

Outrossim, também não cabe verbaalimentar a nenhum dos separandos, poisambos são aposentados e percebemsignificativos valores correspondentes àaposentadoria, estampando, em média,R$ 1.200,00 (cfe. fls. 118/119), sendoque nem mesmo há demonstração danecessidade, ao que enseja o preceitolegal (art. 1.664 do CC).

Em vista disso, no que diz respeitoao quantum a ser arbitrado para a pen-são do filho E., afigura-se ajustado fixarpercentual de 20% sobre os rendimen-tos do genitor, a partir de um critérioaritmético, sem pesar o encargo nosproventos do alimentante, réu, e, sobre-tudo, sem arranhar as necessidades dofilho alimentando, conformando, comefeito, o binômio norteador necessidadee possibilidade.

Ao critério referido, conserva enten-dimento a recente jurisprudência: “Agra-vo de instrumento. Alimentos provisó-rios. Há de ser atendido o binômio ne-cessidade-possibilidade, procurando-seadequar ao pensionamento à mantençados demais dependentes. Mostra-se ade-quado ao caso o percentual de 20% dosganhos do alimentante para o filho/alimentando. Recurso parcialmente provi-do” (Agravo de Instrumento nº 70006754972,8ª Câmara Cível, TJRS, Relª Catarina RitaKrieger Martins, julgado em 11-09-03).

Logo, por um lado, não há amparofático para confortar a verba pensionalaos filhos maiores nem assim aosseparandos, eis que são maiores e

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capazes, aptos a auto sustentarem-se,ao passo que nem mesmo demonstra-ram qualquer necessidade inteligível paratal escopo, acabando por afastar a va-riável necessária para configuração dobinômio legal; enquanto que, por outrolado, ao filho E., figurou acertada apensão em 25% sobre os rendimentosprevidenciários do réu, genitor.

2.5. Da disputa patrimonial e usufru-tuária

A disputa patrimonial polariza-sesignificante sobre a totalidade dos bensarrolados na inicial, refletindo necessá-ria a averiguação, num primeiro mo-mento, da comprovação dos bens decli-nados de que sejam do casal, e, numoutro momento, deduzir a melhor formapara partilha, se houver.

Vejamos:Dos bens descritos na exordial, não

cabe a partilha no que se refere aosbens imóveis estampados às fls. 08/11,porquanto esses bens não mais perten-cem ao casal, mas, sim, aos filhos deles,conforme comprovam os documentoscarreados às fls. 22/42, ficando aosseparandos tão somente o usufrutodesses bens.

Entretanto, a autora requer o usufru-to exclusivo do imóvel situado na Ave-nida Plínio Brasil Milano, assertiva pelaqual o réu ventila contraproposta,ofertando que a esposa ceda o usufrutode outros bens em comum usufrutuário,em favor do imóvel em que ela preten-de exclusividade (fl. 65/66), lanço emque a mesma não aceitou.

Perante o controvertido emoldurado,convém iluminar que usufruto é o direi-to real sobre coisas alheias, conforman-do ao usufrutuário de fruir as utilidadese os frutos de uma coisa, enquanto

destacado da própria temporariamente,ou seja, o usufrutuário detém os pode-res de usar e gozar da coisa, e, atémesmo, economicamente.

Desta forma, o caso dos autos nãoé para extinguir o usufruto parcial doseparando, pois não se afiguram ashipóteses legais para tal fito (art. 1.410do CC), enquanto que a autora preten-de, em verdade e por dedução, deacordo com o que se depreende com oconclusivo das fls. 11 e 12, medida afim de manter o réu afastado do laronde reside, isto é, busca a mantençada separação de corpos já asseguradano feito cautelar conexo, e não a exclu-sividade do usufruto, instituto com maioramplitude do que a simples freqüênciaao local.

No mais, em análise aos autos eprincipalmente ao assentado na contes-tação, constata-se que não houve con-vergência sobre qualquer ponto tocanteà partilha, nem mesmo no que concerneà proposta da autora em seta às fls. 11e 12.

Então, excluem-se os bens das fls.22/42 da partilha, porque não perten-cem ao casal, quem apenas são usufru-tuários, bem assim não foram ajustadosqualquer pacto, permanecendo tal direi-to incólume aos separandos (nesse sen-tido, corrobora o hodierno aresto: nº70006669857, julgado em 03-09-03).

Quanto aos demais bens arrolados àsfls. 07 e 13 (semoventes e contas bancá-rias), conservando o propugnado peloMinistério Público, com o escopo de nãoobjetar a finalização da presente ação,mostra-se ajustado e conveniente que adiscussão enquadrada sobre algunsbens, seja objeto de feito próprio, espe-cialmente, por não haverem elementos

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suficientes que possibilitem prumo juí-zo finalístico.

Só há comprovação de propriedadedo casal, relativamente ao veículo Santana(fls. 96/100; 127; 190,192 e 194) e aostratores (fls. 90/92), os quais deverão serpartilhados por valor de meação (50%para cada um) e por compensação a serapurada em liquidação de sentença, casojá tenham sido tais bens, dissipados peloréu.

O encerramento das contas bancá-rias conjuntas incumbe às partes, viabancária direta, e os semoventes e even-tuais saldos bancários existentes à épo-ca da separação de corpos, como ditoacima, ensejam comprovação e discus-são em ação própria.

2.6. Do dano moralEm consideração apriorística, importa

esclarecer que o dano moral sustentadopela autora está consubstanciado não sópropriamente na culpa na separação, mastambém no atinente à conduta do espo-so em abalo psico-emocional a todafamília.

Assim, não se restringe a culpa àfalência da sociedade conjugal comotambém se cuida de culpa relativa aocomportamento do réu, que, sob o pontode vista moral, seria inadequado, embo-ra não erigida, de forma expressa, estadistinção na articulação fundamentadaexordialmente, o que não é óbice aojulgador deduzir e levar a prumo o juízofinalístico.

No que se refere à culpa em relaçãoà separação, de uma parte, conforme ojá estampado no item ‘2.2’ deste decisum,não cabe indenização quando conforta-da na separação do casal, eis que ahodierna jurisprudência é assente paraelidir tal temática atrelada à separação,

sobretudo, pela dificuldade da exclusi-vidade de conformá-la a um dos cônju-ges, e pela imprecisão prática e sopesarquem é o mais fragilizado pelo afetoarranhado.

À questão vogada, traz a lume ajurisprudência: “Separação judicial liti-giosa. Violação dos deveres conjugais.Culpa. Prova. Descabimento. Danomoral. Impossibilidade, embora admiti-do pelo sistema jurídico. É remansosoo entendimento de que descabe a dis-cussão da culpa para a investigação doresponsável pela erosão da sociedadeconjugal. A vitimização de um dos côn-juges não produz qualquer seqüela prá-tica, seja quanto à guarda dos filhos,partilha de bens ou alimentos, apenasobjetivando a satisfação pessoal, mes-mo por que difícil definir o verdadeiroresponsável pela deterioração da arqui-tetura matrimonial, não sendo razoávelque o Estado invada a privacidade docasal para apontar aquele que, muitasvezes, nem é o autor da fragilização doafeto. A análise dos restos de um con-sórcio amoroso, pelo Judiciário, nãodeve levar à degradação pública de umdos parceiros, pois os fatos íntimos quecaracterizam o casamento se abrigamna preservação da dignidade humana,princípio solar que sustenta o ordena-mento nacional. Embora o sistema ju-rídico não seja avesso à possibilidadede reparação por danos morais naseparação ou no divórcio, a pretensãoencontra óbice quando se expurga adiscussão da culpa pelo dissídio, equando os acontecimentos apontadoscomo desabonatórios aconteceram de-pois da separação fática, requisito quedissolve os deveres do casamento, entreos quais o da fidelidade.

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Não há dor, aflição ou angústia paraindenizar quando não se perquire a culpaou se define o responsável pelo abalodo edifício conjugal. Apelação desprovi-da. (Apelação Cível nº 70005834916, 7ªCâmara Cível, TJRS, Rel. José CarlosTeixeira Giorgis, julgado em 02-04-03).

Logo, em vista da contemporâneajurisprudência, de acordo com opropugnado no item ‘2.2’ desta senten-ça, afigura-se elidida a culpa provenien-te da separação, e, com efeito, para ofim da indenização do dano moral per-seguida pela autora, neste aspecto, éincabível a caracterização do dano.

De outra parte e sob outro aspecto,entretanto, conforma-se passível e per-missivo averiguar o dano em considera-ção a conduta do réu, sem adentrar aotema de quem deu causa a separação,mas aferir se o comportamentodesabonatório e desonroso do esposo epai , afetou, por abalo, a autora e suafamília.

A partir da idéia da culpa inserta sobo enfoque da conduta do réu, conside-rada a genuína do fato comprovado,qual seja, seu comportamento inadequa-do aos padrões morais, assim, factível aanálise do dano moral, o que segue emestratagema.

Em manuseio de ambos os autos emapreço, em exame acerca do dano moralda autora, especialmente, por meio dofarto conjunto fotográfico afeito à açãocautelar (fls. 36/80 daqueles autos) edas declarações pessoais da mesma (fls.199/202), depreende-se a condutadesonrosa, desabonatória, do réu (fls.79/80 da cautelar), quem teve compor-tamento inadequado e promíscuo frenteà mulher e os filhos, pois usou do sítiofamiliar (fl. 68 da cautelar) para fre-

qüentar com outras mulheres em posesde nudismo e obscenas.

Além disso, ressalta-se que, malgradoo comportamento do réu não configu-rou um ato ilícito, o sítio é familiar e,por este fato, a liberdade de manifesta-ção do mesmo encontra um limite: di-reitos da personalidade das figuras dafamília (esposa e filhos), em destaque,a dignidade; teto que sobejou atentadopela conduta do esposo da autora.

E quanto a isto, como já prelecionadopelos ensinamentos preciosos de RonaldDworkin, quando princípios – diferen-tes padrões – concorrem entre si, temde se observar a dimensão de peso eimportância em relação ao caso concre-to (Dworkin, Ronald. É o direito umsistema de regras? Estudos Jurídicos,volume 34, nº 92, set./dez., 2001), oque, no caso telado, sopesando o con-flito entre os princípios constitucionaisda liberdade de manifestação e da dig-nidade da pessoa, prevalece este últi-mo, porquanto a liberdade da pessoa,seja para qual for o fim, não deve ofen-der a dignidade da pessoa, mas seadequar, em regra, aos padrões moraisde seu tempo.

Confirma-se, ao demais, que o réudeu causa ao abalo moral da autora,não propriamente pela infidelidade con-jugal, mas sim, pelo fato que ela, comosua esposa e mãe dos filhos do casal,acabou sabedora do comportamentopromíscuo do marido, fato que não énecessário pormenorizar argumentativapara deduzir o inteligível pesar na moralda mulher, quem, por surpresa, veio aconhecer a contingente e inadequadaconduta do esposo.

A isto, bem sinala o depoimentopessoal da autora, in verbis: [....] recebia

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telefonemas de mulheres há muito tem-po já, só que eu não costumo dizer ascoisas no ato, eu gosto de ter provas, eunão gosto de acusar uma pessoa ino-cente [....]. E eu não acreditava até certoponto, mas era demais, eu quieta dentrode casa, cuidando de filho e tudo, anteseu ainda trabalhava, e telefonavam ediziam horrores de coisas, diziam ondeele estava, o que estava fazendo e quan-do eu chegava e perguntava eu estavalouca, ele estava sempre trabalhando nosítio. Aí eu fiquei controlando e umpouco antes disso eu fui lá um dia vero que ele fazia, não tinha nada plantadoe o quarto onde era do casal erachaveado [....] (fl. 199).

J: E de posse das fotos a senhoraingressou no processo? D: Sim, [....] fi-quei uns três dias aguentando, porquea vontade era pegar uma faca e cortartodo, por isso que essas pessoas fazem,ah, matou. Por que? Saíram do sério edaí tem que pegar e fazer mesmo, aí dapara entender (fl. 200).

Não bastasse a farta prova carreadae versão comprovada da autora, queespelha claramente em seu depoimentopessoal a demonstração de dor , os fatosnão foram contrariados pelo réu, queadmitiu, via pena de confissão (art. 343,§ 2º, do CPC, fls. 196), a matéria fáticaincontroversa.

Sobre o tema da configuração dodano moral, cabe buscar na doutrinailustração da conformação de tal abalo,dano, inserto não somente no aspectopatrimonial mas na psiquê da pessoa:Dano moral, na esfera do direito, é todosofrimento humano resultante de lesãode direitos estranhos ao patrimônio,encarado como complexo de relaçõesjurídicas com valor econômico. Assim,

por exemplo, envolvem danos moraisas lesões a direitos políticos, a direitospersonalíssimos ou inerentes à persona-lidade humana (como o direito à vida,à liberdade, à honra, ao nome, à liber-dade de consciência ou de palavra), adireitos de família (resultantes da qua-lidade de espôso, de pai ou de paren-te), causadoras de sofrimento moral oudor física, sem atenção aos seus possí-veis reflexos no campo econômico.

Savatier, com a habitual clareza,definiu-o: “Todo sofrimento humano quenão resulta de uma perda pecuniária’,esclarecendo que seus aspectos sãoextremamente variados, podendotratar-se tanto de um sofrimento físico,como de uma dor moral de origemdiversa.

Acrescentam os irmãos Mazeaud quenão se trata apenas do que atinja odomínio imaterial, invisível, dos pensa-mentos e dos sentimentos, pois o quese discute é também se dão direito àreparação numerosos sofrimentos físi-cos que não têm reflexos patrimoniais,como os consecutivos a uma cicatrizque desfigure, ou a um acidente semconseqüências pecuniárias.

A distinção, portanto, entre danopatrimonial ou material e dano moralestá em que este não é de naturezaeconômica, pecuniária.

Desta forma, para que se configureum dano moral exigem-se dois elemen-tos essenciais:

a) um sofrimento, seja moral ou fí-sico, do paciente;

b) que o mesmo resulte de lesão deum direito não patrimonial de que seja eletitular, não envolvendo perda pecuniária.

(Santos, J.M. de Carvalho, com acolaboração de vários juristas, em

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especial de José de Aguiar Dias. Reper-tório Enciclopédico do Direito Brasileiro,vol. XIV, 1947, Editora Borsoi, p. 242)

Assim, configurado está o dano moralda autora, uma vez que a inadequada,promíscua, desabonada, conduta do réu,quem levou diversas mulheres para osítio da família e tirou fotos de nudis-mo, refletiu no abalo da dignidade damesma.

Em fim, acertado o fato originário eo dano, a dosimetria do quantum a serindenizado é um critério genuinamentesubjetivo, porém norteado por específi-cos parâmetros fixados pela doutrinacontemporânea e jurisprudência (Apela-ção Cível nº 70003566163, TJRS), consi-derando aspectos punitivo, pedagógicoe reparatório da indenização, para quese atenda, em última análise, à suficiên-cia da reparação do dano moral sofrido.

Diante disto, aos critérios punitivo epedagógico, é de se levar em conta ascondições do réu, que, em compulsodos autos, apresentam-se confortáveispara elevar um numerário significante(fls. 126/127), acerca de 1/4 da sua rendaanual declarada (fl. 126, item ‘1’), tendocomo base o ano de 2001, já que éaposentado e, conforme constam nosautos, conjectura possuir, ainda, outrosbens móveis. Assim, pelo critério puniti-vo e pedagógico, arbitro em 10 saláriosmínimos mensais.

E ainda, pelo critério reparatório,considerando que a autora foi surpreen-dida por tal fato – a má conduta domarido – e os reflexos na sua dignida-de, bem como, outrossim, o sofrimentoíntimo (fl. 199), afigura-se razoável erigirum valor equivalente a 30 salários mí-nimos mensais, ou seja, o equivalente adois anos e meio de uma contribuição

da base salarial mínima nacional, combase em custo mínimo de tratamentopsico-emocional.

Ora, quanto a isto, é de se indagar:em havendo a necessidade de um tra-tamento psiquiátrico para autora, qualterapia que não custa valor aproximadode, no mínimo, um salário mínimomensal? Isso, sem considerar-se o míni-mo de uma sessão terapêutica semanal,o que ao certo já ultrapassaria tal esti-mativa. Então, não seria razoável prevero transcurso de um, dois, ou até mais,anos de tratamento? Questões que, quan-do confrontadas com o valor arbitradopelo Juízo, revestem-se de sentido à vidaíntima e social da mulher.

Portanto, levando-se em apreço acorrelação, equivalente, pecuniária, e osaspectos punitivo, pedagógico ereparatório, a quantificação total da in-denização é de ser colimada em 40salários mínimos nacionais, valor pola-rizado destes critérios punitivo, pedagó-gico (10 salários mínimos ) e reparatóriopsico-emocional (30 salários mínimos ).

Destarte, arbitro o valor indenizató-rio dos danos morais em 40 saláriosmínimos mensais.

2.7. Da cautelar de separação decorpos

Os fatos narrados na inicial da cau-telar mostram-se graves, sobretudo pe-los transtornos violentos imputados aoréu, quem inclusive teria ameaçado demorte a autora (fl. 06), e pela desajustadaconduta do mesmo, quem constrange afamília acompanhado com outras com-panheiras, que tornam insuportável apaz e a dignidade da vida em comum,embora negada pelo adverso, sendoprudente a manutenção da medida jáconcedida in limine (fls. 81/82) a fim de

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proteger a integridade física e psicoló-gica da autora e dos seus filhos, possi-bilitando evitar, assim, um futuro malmaior entre as partes, ou mesmo preser-var um ambiente salutar e familiar paraa mulher e os filhos.

Ao demais, considerando já atendida apretensão acautelátória do afastamentoconcedido na decisão judicial lançada àsfls. 81/82, tem-se como satisfeita a postu-lação de afastamento do marido, restandoser acolhido o pedido da presente cautelar,amparando-se ao art. 888, inc. VI, do CPC.

Nosso Tribunal de Justiça, assimpreleciona: “Separação de corpos. Cau-telar. A separação de corpos tem cunhosatisfativo. Basta que a parte requerentedemonstre a necessidade de concedê-lapara se evitar um mal maior. Benefícioda gratuidade. Para a sua concessãodescabe que a parte esteja em estado demiserabilidade, basta que se veja seria-mente prejudicada no sustento seu e desua família. Deram parcial provimento”(Apelação Cível nº 70001963990, 7ªCâmara Cível, TJRS, Rel. Des. Luiz FelipeBrasil Santos, julgado em 21-02-01).

Finalmente, in casu, o fato da con-duta do réu, de que o mesmo costumaacompanhar-se de outras mulheres, dadoo evidenciado no conjunto fotográficoafeito aos autos (fls. 41//80), per si, jáé razoável para mantê-lo afastado dolar, quando a mulher e os filhos sesentem constrangidos com isso.

Portanto, mostra-se forçoso, peloscontundentes elementos dos autos e,ainda, pela natureza satisfativa da cau-telar, reconhecer a procedência do pe-dido já assegurado liminarmente.

2.8. Da litigância de má-féNo que toca à litigância de má-fé

sustentada pela autora, no caso em

estampa está demostrada a intenção doréu em se ocultar ao Juízo, confome ahipótese disposta no art. 17, incs. II eIV, do CPC, pois o mesmo tentou, porvezes, ocultar-se de tentativas de intima-ções e citação, resistindo, de formainjustificada, a colaborar com o Juízoem suas diligências legais, bem como,outrossim, pretendendo alterar a verda-de dos fatos, hipótese do inc. II doartigo processual supra citado, e, comefeito, prejudicando o célere e adequa-do andamento e conhecimento do feito.

Isto aventado bem se verifica pelaausência do réu a audiências designa-das (fls. 47, 170 e 196), pelos pedidosde adiamento de audiências (fls. 167 e184), e, sobretudo, pelas certidões dosOficiais de Justiça (fls. 48v., 52v., 57v.),cuja ocultação ensejou a citação por horacerta (fl. 57v.) a fim de dar o regularandamento processual, bem assim peladificuldade de intimações (fls. 123v. e198v.).

Ademais, confirmou-se a tentativa doréu em alterar a verdade dos fatosquando negou ser proprietário do veí-culo Santana – placas 0000 (fl. 61),contudo, os documentos das fls. 96/100confirmou ser o mesmo o proprietáriodo bem.

Acolho, pois, com base no positivadono art. 17, incs. II e IV, do CPC, a liti-gância de má-fé argüida pela autora, para,com fulcro no art. 18 do CPC, condenaro réu à indenizar a mesma no valorequivalente a 10% do valor atualizado daação principal (art. 18, § 2º, do CPC).

2.9. Do benefício da assistência ju-diciária gratuita

No presente feito ambos os adversosrequereram o benefício da AJG – Assis-tência Judiciária Gratuita.

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Em vista dos documentos das fls.126/127 e 204/216 e da qualificação dosmesmos, aposentados, conjectura-se, defato, a renda não só da autora comotambém do réu que se mostram favorá-veis a presunção de pobreza (art. 4º, §1º, da Lei nº 1.060/50), malgrado nãojuntada declaração de pobreza por ne-nhum deles.

De resto, não está confirmado nosautos ostensivo patrimônio as partes, oque seria passível, ao ensejo, relativizara presunção de pobreza, porém não sesucedeu a hipótese.

Por conseguinte, em apreço as qua-lificações e os demonstrativos de renda,conforma-se a presunção de pobreza aambas partes e, com isso, acabando noconsecutivo da concessão do benefícioda AJG.

III. Do dispositivoIsso posto, analisados ambos os

autos e expendidas as razões, julgo pro-cecedente, em parte, a ação de sepa-ração judicial, e procedente a ação cau-telar de separação de corpos, ambasajuizadas por B. R. B. contra W. B.,para decretar a dissolução da socieda-de conjugal que os unia, com base noart. 1.572, § 1º, do CC, e tornar defini-tiva a liminar de separação de corpos,condenando o réu à manter-se afastadodo lar da autora, com fulcro no art.888, inc. VI, do CPC; ficando a genitoracom a guarda do filho do casal, E., eassegurando o direito de visitas livresao genitor. Condeno o réu ao paga-mento de alimentos ao filho E. noequânime de 25% sobre a aposentado-

ria por ele percebida, mediante des-conto em folha de pagamento junto aoINSS e depósito em nome da represen-tante do menor em conta bancária;condeno, ademais, o réu ao pagamentode indenização por dano moral à au-tora no quantitativo de 40 saláriosmínimos nacionais; por fim, condeno oréu a litigância de má-fé, devendo in-denizar à autora o valor equivalente a10% do valor atualizado da ação prin-cipal (art. 18, § 2º, do CPC). Por fim,excluídos os bens imóveis da partilha,a partilha dos bens móveis (veículoSantana e 4 tratores) deverá ser efeti-vada na forma acima estipulada, e omais (saldos bancários e semoventes),deverão ser objeto de feito próprio.

Condeno a parte ré ao ônus dasucumbência, pagamento das custasprocessuais e honorários advocatícios daautora, que fixo em 20% sobre o valoratualizado das causas (art. 20, § 3º, doCPC). Contudo, suspendo a exigibilida-de desta em face do benefício da AJGem favor do condenado.

Transitada em julgado, expeça-semandado de averbação e inscrição aoCartório de Registro Civil das PessoasNaturais da cidade de Porto Alegre/RS,observando-se que a mulher voltará aouso do nome de solteira.

Oficie-se ao INSS.Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Após o trânsito em julgado, arqui-

vem-se ambos os autos com baixa.Porto Alegre, 10 de outubro de 2003.Gláucia Dipp Dreher – Juíza de

Direito.

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Processo nº 078/1.02.0001207-6 – IndenizatóriaAutor: A. R., N. R., I. Z. R.Réu: Z. H. E. J. S. A.Juiz prolator: Paulo MeneghettiData: 30 de outubro de 2003

Ação de Indenização. Dano moral.Publicação de matéria em jornal, envol-vendo torcedor adolescente despido. Le-gitimidade ativa dos pais. Liberdade deimprensa e vida privada. A veiculaçãode notícia verdadeira, criada em públi-co pelo próprio autor, não gera dever deindenizar. Abre mão do direito à intimi-dade o torcedor que mostra suas náde-gas à torcida adversária em pleno está-dio de futebol, em jogo de repercussãoestadual. Sentença improcedente.

Vistos.A. R., N. R. e I. Z. R. ajuizaram ação

de indenização por dano moral contraZ. H. E. J. S. A., ambos qualificados nainicial e alegaram que no dia 20-06-97foi publicado no Jornal Z. H., setor deesportes, uma fotografia do autor A.mostrando o “bumbum para oscolorados”, ao final do jogo entre oVeranópolis e Internacional, ao lado dacoluna do renomado Paulo RobertoFalcão, acompanhada de um texto trans-crito na fl. 07. A fotografia não foiautorizada, A. era menor púbere e cau-sou desgaste da imagem, tendo recebi-do o apelido de A.-b. e A.-p. O casoteve ampla repercussão e isso levou àdepressão de A. e a deboches para ospais. Requereu a condenação da ré em

danos morais a serem fixados pelo juízo.Juntou procuração e documentos.

Foi deferida assistência judiciáriagratuita, fl. 36.

Citada, a ré contestou nas fls. 39/53.Preliminarmente argüiu a ilegitimidadeativa de N. e I. No mérito disse que temaplicação a limitação da lei de imprensa.Não houve culpa da ré que se limitou arelatar fato ocorrido no estádio de fute-bol, sem intenção de denegrir a imagemdo autor. Exerceu o direito de liberdadede imprensa e de divulgar fatos noticio-sos. Requereu a improcedência do pedi-do. Juntou procuração e documentos.

Os autores replicaram nas fls. 57/62.Interveio o Ministério Público, fl. 65,

pelo acolhimento da preliminar de ile-gitimidade ativa.

Na audiência para fins do art. 331do CPC, a conciliação resultou prejudi-cada pela ausência da ré e a preliminarfoi relevada para a sentença, tendo sidofixado o ponto controvertido.

Na instrução foi colhido um depoi-mento pessoal e ouvidas seis testemu-nhas, fls. 103 e ss.

Encerrada a instrução, por memoriaisas partes ratificaram suas anterioresmanifestações e analisaram as provas, fls.125/9 e 131/6.

O Ministério Público opinou pelaimprocedência do pedido, fls. 138/43.

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Conclusos, vieram para sentença.É o relatório.Decido.Afasto a preliminar. Os pais do autor

A. estão legitimados a pleitear indeniza-ção ao uso indevido a imagem de seufilho, pois segundo alegam tiveram atin-gidas sua honra e direito ao respeito dasociedade. Em tese, todos os que sãoatingidos por um dano estão legitima-dos para a ação, cabendo à análise domérito perquirir se o fato repercute ounão em seu patrimônio pessoal. No caso,releva que se trata de uma mesma ação,figurando ambos como autores.

Contudo, no mérito, improcede opedido.

Como salientado pelo MinistérioPúblico há o confronto entre dois prin-cípios constitucionais – o da liberdadede imprensa – e o da vida privada,especificamente ao direito de imagem eproteção contra abusos.

No caso, o cotejo dos princípiosprecisa levar o intérprete à análise dapreponderância de um sobre o outro,fazendo uso do princípio da propor-cionalidade.

Pois bem. Não há como descon-siderar o contexto. O autor A. de livrevontade se expôs ao público que esti-vesse no estádio, ao baixar as calçaspara a torcida do Internacional ao finaldo jogo contra o Veranópolis EsporteClube.

A ré apenas retratou por fotografiafato ocorrido em público, em jogo derepercussão estadual. Publicou umanotícia verdadeira, criada pelo próprioautor. Tanto a fotografia, como o textopublicados, fl. 25, não evidenciam abu-so do direito de imprensa. A foto mos-trou o que tinha ocorrido no final dapartida. A. ao efetuar o ato abriu mãodo seu direito de intimidade – vidaprivada.

Deveria a ré buscar autorização parapublicar fotografia efetuada em localpúblico, ainda que o autor fosse menorde idade? Não, pois está dentro do poderdiscricionário do jornal publicar fatosque sejam interessantes e não haviacomo saber se A. era menor de idadeapenas por seu visual, fl. 25.

Se não houve uso indevido de ima-gem, ou seja, a ré não agiu ilegalmente,não cabe indenização alguma.

Isso posto, julgo improcedente o pe-dido.

As custas e demais despesas proces-suais e os honorários de advogado daré que fixo em R$ 960,00, serão supor-tados pelos autores, corrigidos peloIGP-M a conta desta data, consideradoo trabalho desenvolvido, suspensos emface da assistência judiciária gratuita quefoi concedida.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Veranópolis, 30 de outubro de 2003.Paulo Meneghetti – Juiz de Direito.

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Processo nº 036/1.03.0000152-7 – IndenizatóriaAutores: A. F., A. F., A. M. M., A. M., A. C. S. Â. R. F. M., A. C. R. F., C. P. M.,D. M. T., E. V. B., E. C. M., F. S. D., F. R. L., J. S. G., J. A. O., J. L. C. Q., J. C.D. V., J. V., J. J. S., K. G. P. L. P., M. C. G., N. S. S., R. M. S., S. S. M., V. B. M.Réu: FUPF-F. U. P. F.Juiz Prolator: Lucas Maltez KachnyData: 13 de novembro de 2003

Dano moral. Curso profissiona-lizante. Código de Defesa do Consumi-dor. Responsabilidade objetiva. Inversãodo ônus da prova. Vício de qualidade.Dano material. Devolução dos valorespagos. Sentença procedente.

Vistos.A. F., A. F., A. M. M., A. M., A. C.

S., Â. R. F. M., A. C. R. F., C. P. M., D.M. T., E. V. B., E. C. M., F. S. D., F. R.L., J. S. G., J. A. O., J. L. C. Q., J. C. D.V., J. V., J. J. S., K. G. P., L. P., M. C.G., N. S. S., R. M. S., S. S. M. e V. B.M., qualificados nos autos, ajuizaramação indenizatória contra, F. U. P. F. –FUPF, também qualificada, alegando queentre o final do ano de 1996 e o iníciodo ano de 1997 a ré ofereceu à comu-nidade de Soledade Curso Técnico deProcessamento de Dados, fazendo cir-cular propaganda publicitária. Aduziramque se matricularam no curso efetuandoo pagamento da matrícula em 30-01-97,sendo que já no pagamento da primeiramensalidade foram surpreendidos comum aumento de valor. Disseram quetinham a expectativa de acréscimo deconhecimento e que obteriam melhoresempregos. Contudo, com o início docurso começaram a surgir seus defeitoscomo o não cumprimento de horário,

falta de material e falta de laboratórioadequado, o que impossibilitou a boaformação dos alunos e inviabilizou apermanência da maioria no curso. Men-cionaram que efetuaram reivindicaçõesà demandada, as quais não foram aten-didas. Em março de 1998, no início doterceiro semestre do curso, expuseram,indignados com a precariedade desse,após outra reunião com representantesda ré, a maioria dos alunos desistiu docurso, tendo nele permanecido apenasoito dos quarenta e um alunos. Referi-ram a matéria de direito que entende-ram aplicável. Postularam a devoluçãodos valores pagos e a indenização pordanos morais em valor equivalente aoque foi pago. Requereram a procedên-cia.

Deferida a gratuidade judiciária, foia ré citada.

Contestou referindo que a relaçãoeducacional depende da dedicação detodos os envolvidos e que os autoressimplesmente resolveram abandonar ocurso antes da sua conclusão, do quedecorre que a paralisação do contratodecorreu do desinteresse dos autores.Aduziu que foram os autores que deramcausa unilateralmente ao rompimento docontrato por desinteresse subjetivo. Apon-tou que a obrigação das instituições de

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ensino é uma obrigação de meio e nãode resultado, não tendo obrigação degarantir que o aluno terá conhecimentopleno ao final do curso. Disse que oaumento entre o valor da matrícula e asmensalidades foi amplamente informa-do aos autores e que as alegações dedefeito na prestação do serviço educa-cional não são verdadeiras, tendo a récumprido adequadamente a sua obriga-ção. Afirmou que as reuniões entre alu-nos e direção do curso tiveram porobjetivo melhorar a qualidade desse eque as promessa feitas na propagandaatravés de “folder” foram cumpridas,sendo o curso adequado e de qualida-de, tendo sido aprovado pelo ConselhoEstadual de Educação. Negou que nãohouvesse o cumprimento de horário deaula pelos professores. Mencionou quevários pedidos dos alunos do cursoforam atendidos. Entendeu que para sercondenada a indenizar por danos mo-rais deve ser provado que agiu comculpa, na forma do art. 159 do CCB/1916, sustentando que a interrupção docurso se deu por culpa exclusiva dosautores. Teceu considerações quando àaplicação do CDC ao caso. Pugnou queeventual condenação seja compensadacom os valores de mensalidades aindanão pagas pelos autores e impugnou oscálculos apresentados. Postulou a im-procedência.

Houve réplica.Em razão da então existência de

menores no pólo ativo, houve interven-ção ministerial.

Designada audiência preliminar, comconciliação inexitosa, e determinada arealização de perícia, havendo desistên-cia tácita pela requerida, que não aten-deu ao prazo fixado na audiência para

esclarecer no que consistiria a provatécnica (fls. 477 e 485).

Após longo tramitar, foi realizadaaudiência de instrução. Encerrada essa,foram os debates substituídos por memo-riais, apresentados apenas pelos autores.

O Ministério Público declinou deintervir no feito.

É o relatório.Decido.Inicialmente, registro que a contro-

vérsia quanto à majoração do valor daprimeira mensalidade em relação ao valorda matrícula no curso é questão que seafasta da lide efetiva, pois o aumentodo valor da mensalidade em nada dizcom os alegados vícios de qualidade noserviço prestado pela ré. Ademais, sen-do o pedido reparatório de devoluçãodos valores pagos, tem-se que em casode procedência da demanda todos va-lores serão restituídos pela requerida,ficando prejudicada a discussão da cor-reção ou não de aludida majoração.

Passando ao exame do mérito,impõe-se consignar que o julgamentoda presente demanda deve se dar à luzdas normas do Código Brasileiro deDefesa do Consumidor – CDC, sendoincontroverso que a relação jurídica haviaentre as partes é de consumo, figurandoos autores como consumidores e a récomo fornecedora do serviço de educa-ção através do Curso Técnico em Pro-cessamento de Dados, o qual os autoresapontaram ter apresentado vícios dequalidade que o tornaram impróprio parao consumo, posto que inadequado parao fim que razoavelmente dele se espe-rava, qual seja, a formação intelectualdos demandantes na sua área de enfo-que, o processamento de dados em níveltécnico.

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Disso deflui que toda e qualquermenção e referência ao Código Civil éindevida, como fez a ré ao citar a apli-cação ao caso dos arts. 1.092 e 159, doCCB/1916, vigente à época da contrata-ção. Tais normas não são aplicáveis pornão se tratar a relação jurídica havidaentre as partes de relação de direitocivil, mas sim de uma relação jurídicade direito consumerista, como já referi-do.

Nesse passo, é equivocado o enten-dimento da ré que para que surja o seudever de reparar o dano é necessárioque os autores comprovem esse dano, aculpa da demandada e o nexo de cau-salidade. Em verdade, não tem aplicaçãoo disposto no art. 159 do CCB/1916, comopretendeu a parte ré (fl. 224).

Primeiro, porque o ônus da provana relação de consumo é invertido, porexpressa disposição legal (art. 6º, inc.VIII, do CDC), quando for demonstradaa verossimilhança da alegação do con-sumidor e for esse hipossuficiente, “se-gundo as regras ordinárias de experiên-cia”, em relação ao fornecedor e, se-gundo, porquanto nas relações de con-sumo não se exige a prova da culpa dofornecedor, como sustentou a ré, vigendoa regra da responsabilidade objetivamitigada do fornecedor do produto oudo serviço.

Nesse sentido, expõe Zelmo Denari,in Código Brasileiro de Defesa do Con-sumidor Comentado pelos Autores doAnteprojeto, 6ª ed., p. 159, ao comentaro art. 12, do CDC, que “ao dispor, noart. 12, que o fabricante, produtor, cons-trutor e o importador respondem pelareparação dos danos causados aos con-sumidores, independentemente da exis-tência de culpa, o Código escolheu,

desenganadamente, os postulados daresponsabilidade objetiva, pois desconsi-dera, no plano probatório, quaisquerinvestigações relacionada com a condu-ta do fornecedor” (grifei).

Em verdade, o sistema do CódigoConsumerista adotou o princípio daresponsabilidade objetiva mitigada, ouseja, aquele em que a responsabilidadedo prestador de serviço somente é ex-cluída quando ele provar que, tendoprestado o serviço, o defeito não exis-tiu, ou que a culpa pelo defeito foiexclusiva do consumidor ou de terceiro.

Assim fez o legislador tanto em re-lação à responsabilidade pelo fato doproduto ou do serviço (arts. 12 a 17 doCDC), quanto em relação à responsabi-lidade pelos vícios do produto ou doserviço (arts. 18 a 25 do mesmo Diplo-ma). Nesse contexto é o entendimentode Cláudio Bonatto e Paulo Valério DalPai Moraes, in Questões Controvertidasno CDC, p. 137: “Neste particular, en-tendemos que o CDC estabelece os mes-mos critérios, tanto nos arts. 12 e 14como nos arts. 18, 19 e 20, em que pesenestes não constar expressamente que osagentes econômicos serão responsabili-zados independentemente de culpa.Ocorre que o princípio é o mesmo ebaseia-se no direito à proteção integraldo consumidor, consubstanciada no art.6º, inc. VI, do CDC [....]. Tem suporte aresponsabilização do fornecedor inde-pendentemente da existência de culpa,também na necessidade de socializaçãodos custos, internalizando estes na es-trutura produtiva dos agentes econômi-cos, a fim de que sejam distribuídos.Assim, presentes ambas as situações, nosarts. 18, 19 e 20, não há como fugir àregra, pelo que a responsabilidade sem

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culpa se aplica, igualmente, aos inciden-tes de consumo” (grifei).

Seguindo esse norte, o exame doart. 20, do CDC, deve ser efetuado como cotejo das causas excludentes da res-ponsabilidade do fornecedor previstasno art. 14, § 3º, da mesma Lei, que reza:

“Art. 14 – O fornecedor de serviçosresponde, independentemente da existên-cia de culpa, pela reparação dos danoscausados aos consumidores por defeitosrelativos à prestação dos serviços, bemcomo por informações insuficientes ouinadequadas sobre sua fruição e riscos.

“§ 1º – [....].“§ 3º – O fornecedor de serviços só não

será responsabilizado quando provar:“I – que, tendo prestado o serviço, o

defeito inexiste;“II – a culpa exclusiva do consumi-

dor ou de terceiro” (grifei).Aliando-se o princípio da responsa-

bilidade objetiva mitigada com o acimareferido princípio da inversão do ônusda prova quando da verossimilhança daalegação (presente no caso telado) equando for o consumidor hipossuficien-te em relação ao fornecedor (igualmen-te presente diante da gigantesca diferen-ça econômica entre as partes), tem-seque todo o ônus de provar o fato im-peditivo, modificativo ou extintivo dodireito alegado pelos autores é da re-querida, não sendo ônus dos deman-dantes a prova do fato constitutivo doseu direito.

Destarte, cabia à FUPF provar umadas duas causas que excluiriam o seudever de indenizar, ou seja, que prestouo serviço sem o defeito alegado pelosrequerentes (vício de qualidade) ou quea culpa desse defeito foi exclusivamentedesses, o que não restou fazer.

Ao revés, a prova dos autos confortamodo integral a tese dos autores, ouseja, que o Curso Técnico em Processa-mento de Dados se mostrou impróprioao consumo, pois inadequado para ofim que razoavelmente dele se espera-ria, como acima referido, ou seja, aformação intelectual mínima em níveltécnico dos alunos na área da informá-tica e da programação e da manutençãode computadores, o que era o que sepropunha o curso a ensinar.

Com efeito, a prova coligida demons-tra que desde o início do curso os víciosde qualidade foram se acumulando semuma providência efetiva da ré para sa-nar tais defeitos de qualidade do servi-ço, fatos registrados em atas de reu-niões entre os autores e representantesda FUPF, bem como descritas pelas tes-temunhas inquiridas.

Assim, já na primeira reunião doConselho de Classe (ata das fls. 157/159,assinada pelos representantes dos alunose da Coordenação do curso) houve areclamação dos alunos quanto ao núme-ro de computadores postos à disposição(quinze aparelhos para quarenta e umalunos), programa operacional desa-tualizado, inadequação do programa docurso (falta da disciplina de redaçãooficial), falta de pessoa para atuar nolaboratório para instalar os programas efazer a manutenção dos computadores,etc. Mesmo assim, observa-se a disposi-ção inicial dos alunos que referiam que“o curso está superando as expectativas”,demonstrando o forte desejo que tinhamem aprender, o que é natural, posto quequalquer pessoa que inicia um cursopara sua formação educacional tem dis-posição e expectativa positiva em rela-ção a ele, como ocorreu com o Curso

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de Técnico em Processamento de Da-dos. Ocorre que essa disposição e essaexpectativa positiva dos autores foramsendo frustradas paulatinamente nodesenvolver do curso, com a demons-tração cada vez maior de defeitos dequalidade do serviço e desinteresse daré na solução desses defeitos.

Tanto assim que já na segunda reu-nião do Conselho de Classe os repre-sentantes dos alunos fizeram constar naata (fl. 160): “Que o curso não estácorrespondendo às expectativas dos alu-nos, principalmente no que concerne aequipamentos, materiais, ou seja, osmicros para o laboratório ainda nãovieram, como também (não) veio umamáquina velha para os alunos desmon-tarem, o que tinha sido cogitado noConselho de Classe anterior. O Coorde-nador A. justificou que a máquina nãoveio, porque não havia nenhuma emdesuso no laboratório central em PassoFundo”. Ora, esse fato demonstra odescaso da Coordenação do curso emrelação aos alunos. Prometeram queenviariam um computador antigo paraque os alunos aprendessem a monta-gem de um microcomputador, o quenão foi cumprido sob a justificação quenão havia nenhum aparelho sem uso nolaboratório de informática do Campusde Passo Fundo, o que indica que so-mente o que era descartado pelo labo-ratório central da Universidade em Pas-so Fundo era remetido para os alunosdo curso em Soledade.

Também houve reclamações nesseConselho de Classe quanto à falta doenvio de polígrafos para as aulas e dabibliografia indicada pelos professores,que era inexistente no Campus deSoledade, fatores que também fazem

prova que a FUPF não estava preparadae estruturada em Soledade para minis-trar o Curso de Técnico em Processa-mento de Dados. É evidente que antesde iniciar o curso ditos polígrafos e oslivros indicados pelos professores jádeveriam estar em Soledade, para queassim que se iniciassem as aulas estives-sem à disposição dos estudantes, sobpena desses não poderem acompanharas aulas através dos polígrafos e refor-çar o aprendizado com o estudoextraclasse nos livros.

O que salta aos olhos nas diversasfalhas do curso é o número de compu-tadores para um curso em que o ma-nejo de microcomputadores é essenci-al. Com efeito, lecionar informática, pro-cessamento de dados ou programaçãosem que o aluno possa praticar comfreqüência, é medida inócua, pois oaluno nada aprende se não puder exer-citar o aprendizado. E restou provadoque no início do Curso foramdisponibilizados de doze a quinzemicrocomputadores para uma turma dequarenta e um alunos. O resultado,obviamente, é que muitos dos alunosficavam dispersos enquanto outros po-diam manusear os poucos equipamen-tos postos à disposição, quando essesnão apresentavam defeitos como refe-riu a testemunha J. G. N. (fl. 591): “In-variavelmente um ou dois estavam que-brados”, “enquanto alguns alunos ope-ravam os computadores ‘outros ficavamzanzando pela sala’”, “o curso prome-tia uma aula prática por semana. Naprática não havia nem uma aula pormês” e que “até o final do primeirosemestre tiveram pouquíssimas aulas nolaboratório e basicamente foi ensinadoa ligar o computador”. Ora, um curso

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de processamento de dados em que aofinal do primeiro de três semestres en-sinou aos seus alunos apenas a ligar ocomputador, evidentemente que apre-senta graves vícios de qualidade.

Essa circunstância novamente de-monstra que a ré não estava preparadapara oferecer o curso, o que tambémé comprovado pelo fato que depoisdas reclamações dos alunos houve aaquisição de mais computadores paraatender à gritante desproporção entreo número de alunos e o número decomputadores, circunstância confirma-da pela testemunha V. G. C. (fl. 596),que referiu: “Depois do começo do cur-so houve reclamações dos alunos quan-to aos equipamentos. A ré se dispôs acomprar novos computadores, mas essacompra não era possível ser feita de umahora para outra. A ré aprovou a com-pra de 06 computadores, mas a compradeveria passar pelos trâmites da Funda-ção”. Tal depoimento é prova cabal quea FUPF não tinha condições materiaisde ter oferecido o curso para o númerode alunos cujas matrículas aceitou.Deveria primeiro ter adquirido o nú-mero de equipamentos necessários paraatender a essa demanda, e não comofez, de após o início do curso e dianteda inconformidade dos alunos buscarsuprir a falta de computadores com acompra de novos equipamentos, o quesabia que seria demorado, pois “acompra deveria passar pelos trâmites daFundação”, como referiu a testemunhaV.

Comprova-se, também por esse fato,o defeito de qualidade no serviço pres-tado, o que inegavelmente contribuiude forma decisiva para o descontenta-mento dos autores e os levou, junta-

mente com outros vícios de qualidadedo curso, a desistirem de terminá-lo.

De igual maneira, é fato que estarreceo narrado pela testemunha J. G. N. queao final do seu depoimento disse que“sabe que muitos alunos não apreende-ram a acessar a Internet porque algunsdeles procuraram o depoente para quefizesse o trabalho de encerramento docurso” (fl. 592). Gize-se que essa teste-munha já tinha conhecimento na áreada informática, sendo técnico em equi-pamentos de informática, conforme asua qualificação à fl. 519. Fica clara afalta de qualidade do curso em queapenas oito alunos o terminaram e al-guns deles tiveram que solicitar ajuda àtestemunha J. G. N. para que essa fizes-se o trabalho de encerramento para essesalunos que, obviamente, pouquíssimoapreenderam no curso.

Também restou demonstrado o des-caso dos professores que seguidamentechegavam atrasados para as aulas e asencerravam mais cedo. Os mapas defreqüência dos professores (fls. 386/440)nada provam, na medida que invaria-velmente os horários de entrada e desaída coincidem exatamente, inclusivequanto aos minutos, com os horários docurso. É impossível acreditar que nuncanenhum professou chegou além dohorário de início ou findou a aula aquémdo horário de saída, até porque depen-diam de transporte da cidade de PassoFundo. Esse fato foi confirmado pelatestemunha M. L. T. S. (fl. 593), quetrabalhava na lancheria do Campus deSoledade e que referiu: “As vezes osprofessores chegavam atrasados porquetinham perdido a van que vinha de PassoFundo. Isso ocorria não só nos cursosdos autores, mas em outros também”.

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No mesmo sentido o testemunho de J.G. N. (fl. 591): “O horário era para serdas 19h30min às 22h20minm, mas co-meçava às 20h e terminava às 22h. Ajustificativa era que os professores se atra-savam da vinda de Passo Fundo paraSoledade, porque perdiam a van da Uni-versidade e tinham que vir de carro. Pelomesmo motivo os professores saíam antesdo horário, para não perder a van”.

Outro fato que chama a atenção noextenso rol de vícios de qualidade docurso é o número de desistências dosalunos que iniciaram o curso. De umtotal de quarenta e um alunos apenasoito chegaram ao final, fato confirmadopela Diretora do curso, Z. B. T., à fl.594. Ora, um curso em que cerca deoitenta porcento dos alunos matricula-dos não chega ao final, sendo um cursorápido, de apenas três semestres, é pro-va que esse curso não tinha a menorcondição de ter sido oferecido ao con-sumo, do que decorreram os váriosproblemas surgidos no seu transcorrer ea desistência da grande maioria dosestudantes. Certamente se fosse um cursode boa qualidade não teria ocorrido esseimpressionante número de desistências.

Igualmente é prova da falta de qua-lidade do curso a circunstância da de-mandada não ter promovido uma se-gunda turma, encerrando as atividadesdo curso quando os oito alunos rema-nescentes concluíram a primeira e únicaturma, fato confirmado pela testemunhaZ. B. T. (fl. 594): “Não houve um segun-do curso porque a ré não teve interesseem fazer. Talvez um dos motivos foiporque se criou uma imagem ruim docurso em razão do fato [....]”. Talvez não,certamente a imagem negativa do cursona comunidade, diretamente proporcio-

nal à baixa qualidade do ensino, foifator decisivo para que não houvesseum segundo curso. De tão ruim o cursooferecido pela ré, tantos os defeitos doserviço que prestou, que a grandemaioria dos alunos desistiu do primeirocurso promovido e a ré não ousou editarum novo curso, certamente porque sa-bia que não haveria interessados.

No que diz com o fato do curso serautorizado pelo Conselho Estadual deEducação, fato provado documentalmen-te nos autos, essa é circunstância quepor si só não atesta a qualidade doserviço. É plenamente possível queocorra essa autorização para início dofuncionamento do curso e que posteri-ormente, quando do efetivo início dasaulas, esse serviço se mostre imprópriopara o consumo. A autorização de ditoConselho é requisito para a instalaçãodo curso, mas não garantia ao consumi-dor que esse curso apresentará a qua-lidade prometida.

Em resumo, sendo a relação deconsumo regida pelo princípio da res-ponsabilidade objetiva mitigada do for-necedor, era ônus da requerida a provaque o curso foi prestado sem qualquerdefeito de qualidade do serviço e queesse serviço foi adequado para os finsque razoavelmente dele se esperava.Também era seu o ônus da prova quea culpa pelos vícios de qualidade doserviço ocorreram por culpa exclusivados autores, o que configura a outracausa legal excludente da responsabili-dade do fornecedor. Entretanto, nãorestou a demandada comprovar qual-quer dessas duas hipóteses. Ao revés,está cabalmente demonstrado que aFUPF ofereceu curso com graves víciosde qualidade que o tornaram impróprio

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para o fim que razoavelmente dele seesperava, bem como que não houvequalquer culpa dos autores na ocorrênciadesses defeitos de qualidade, do que defluio reconhecimento da procedência da ação.

Relativamente à argumentação da réque não foram provadas as perdas edanos, novamente não lhe assiste razão.Os comprovantes de pagamento dasmensalidades do curso fazem prova dosgastos dos autores, pagando por umserviço defeituoso. Esse fato (pagamen-to por serviço impróprio para o consu-mo) caracteriza inegável dano patrimo-nial, sendo um direito básico do consu-midor a reparação das lesões ao seupatrimônio causadas pelo fornecedor (art.6º, inc. VI, do CDC). Deve ocorrer,portanto, a reparação dessa lesão atra-vés da devolução pela ré dos valoresdespendidos pelos autores, corrigidosmonetariamente desde cada desembol-so e acrescidos de juros de mora, jurosesses contados a partir da citação, assimse reparando o dano material suportadopelos requerentes.

Tangentemente ao dano moral, te-nho como igualmente inequívoca a suaconfiguração. O fato dos autores teremse disposto a freqüentar curso de forma-ção técnica, com aulas à noite e oconseqüente afastamento de casa, dafamília e de outras atividade que pode-riam realizar, e até mesmo do descansonoturno, para ao fim e ao cabo perce-berem que todo esse tempo e esforçofoi desperdiçado, determina inegavel-mente o dano moral a ser reparado pelaré. Deve ser ressaltado, também, que aquebra da expectativa com o crescimen-to profissional e intelectual dos deman-dantes é outra causa geradora de dorespiritual, de indignação com o fato e

com a conduta da ré em oferecer umserviço que sabia não ter condições de,naquele momento, prestar adequadamen-te aos consumidores interessados na suaoferta. Não se pode olvidar também docaráter punitivo da sanção, visando exigirque a requerida melhore seus serviçose que somente ofereça a consumo cur-sos de ensino com qualidade, a fim deque os direitos dos seus alunos, aqui nacondição de consumidores, sejam efeti-vamente respeitados.

Portanto, além da reparação do danomaterial, com a devolução dos valorespagos, deve a ré reparar o dano moralsofrido pelos demandantes.

Quanto aos valores da indenizaçãopelo dano extrapatrimonial, tenho queo pedido de fixação dessa reparação novalor equivalente ao do dano material éadequado, considerando-se o nível eco-nômico dos autores e a grande capaci-dade econômica da autora, uma dasmaiores prestadoras do serviço de ensi-no médio e superior do Estado.

Sem razão a ré quanto pretendeuque do valor da condenação fosse aba-tido o valor que os autores não paga-ram referentemente ao período posteriorà desistência do curso. Como já salien-tado, não demonstrou a ré que a inexe-cução do serviço tenha ocorrido porculpa dos requerentes ou que o serviçofoi prestado adequadamente, sendo quesomente nessas circunstâncias poderiaexigir dos autores o pagamento dasmensalidades impagas.

Pelo exposto, com fundamento noart. 14, caput, e § 3º, e nos arts. 18 a 20,todos do Código Brasileiro de Defesa doConsumidor, julgo procedente a açãopara condenar a requerida a indenizaros autores pelo dano material na forma

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da devolução de todos os valores quepagaram, atualizados pelo IGP-M desde adata de cada desembolso e acrescidos dejuros de mora de 6% ao ano, esses con-tados da citação, bem como condenar aré a indenizar os autores pelo dano moralfixado no valor equivalente a 100% dovalor da condenação pelo dano material.As quantias deverão ser apuradas em li-quidação se sentença por cálculo.

Pela sucumbência, condeno a ré aopagamento das custas processuais e dehonorários de advogado que arbitro

em 15% sobre o valor da condenação,na forma do art. 20, § 3º, do CPC,considerando a qualidade do labor doprocurador dos autores e o longo tra-mitar do feito, havendo a necessidadede se remunerar dignamente o serviçodo advogado, mormente quando essese mostra de qualidade superior àmédia.

Publique-se Registre-se Intimem-se.Soledade, 13 de novembro de 2003.Lucas Maltez Kachny – Juiz de

Direito.

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Processo nº 102432524 – Ação Civil PúblicaComarca de Porto Alegre7ª Vara da Fazenda Pública 2º JuizadoAutor: M. P.Réus: G. S. A. I., C. M. e outrosJuíza prolatora: Deborah Coleto Assumpção de MoraesData: 20 de novembro de 2003

Ação civil pública. Omissão do Mu-nicípio no dever de fiscalização de ati-vidade extrativista licenciada. Danoambiental comprovado. Indenizaçãomaterial procedente. Reparação de danomoral coletivo não acolhida. Sentençade parcial procedência.

Vistos.Ao que importa relatar, propõe o M.

P. E. R. G. S. a presente ação civil públicacontra D. G. S. A. – C. A. C., J. A. e M.P. A., todos ao início qualificados, ale-gando, em síntese, haver resultado, deinquérito civil que instaurou em 11-09-91,o exercício de atividade de exploraçãode minérios pela empresa requerida,dirigida pelo segundo requerido, cominício em 1º-11-70 e término em 31-12-81,em área localizada no Morro Santana,nesta cidade, arrendada de seu propri-etário, o falecido D. O., atividade estaque, muito embora licenciada pelosórgãos competentes, causou relevantesdanos ao meio ambiente, consistentesespecificamente no esgotamento domanancial de água que existia no locale na formação de um buraco de gran-des proporções, o qual, a par dos ne-gativos aspectos estéticos que reflete,põe em risco os freqüentadores do lo-cal, já que possíveis acidentes ali veri-

ficados seriam fatais. Constatadas taiscircunstâncias e presentes elementos queindicavam a omissão do Município dePorto Alegre ao longo de tal atuaçãolesiva à coletividade, buscou o autorparceria com o mesmo com o objetivoespecífico de implantação de um proje-to de recuperação da área, a ser imple-mentado de forma solidária com osdemais demandados. Tal empreitada,contudo, muito embora cercada de di-versas possibilidades, não chegou a bomtermo, porquanto o Município acaboupor manifestar não possuir interesse emdesapropriar a área e tampouco contarcom meios de comprometer-se em talsentido, perpetuando a atitude omissivaque sempre adotou em relação ao fato,já que, inclusive, deixou de levar a termoa execução de aterro sanitário previstopara instalação no local como forma demitigação dos danos verificados. Dentrode tal contexto, afrontoso à legislaçãoque regula a matéria e que esgota nainicial, busca o Ministério Público inde-nização de cunho material, de molde arecompor a lesão verificada; reparaçãopelo dano moral que afirma haver resul-tado à coletividade, tudo a ser apuradoem liquidação de sentença e, por fim,condenação dos requeridos à obrigaçãode fazer consistente na apresentação de

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projeto de recuperação integral da área,bem como à obrigação de implementarmedidas de recuperação e conformaçãodo terreno, aliadas à revegetação dolocal, tudo sob pena de multa comina-tória diária. Junta com a inicial docu-mentos das fls. 26/712.

Indeferida a liminar postulada na ini-cial (fl. 713), citados, todos os requeridoscomparecem, havendo J. A., fruto dededução por ele concretizada na respostadas fls. 725/734, sido excluído da lidecom o reconhecimento de ser ele partepassiva ilegítima para ser demandado nostermos da pretensão ministerial.

A empresa, por igual, oferta regularresistência à ação em exame, onde argúepreliminares, afastadas em saneador querestou precluso quanto a tais aspectos,e, no mérito, sustenta ser incabível apretensão telada, porquanto a atividadepor ela exercida ao longo do períodoem referência foi devidamente autoriza-da pelos órgãos competentes, forte nalegislação existente sobre o tema naépoca, daí não há porque se falar emindenização pelos reflexos verificados,razão pela qual afirma presente impos-sibilidade jurídica do pedido. De méri-to, repisa tais argumentos, aduzindo quea área respectiva não estava sob qual-quer proteção ambiental, havendo ainstituição da mesma como reserva eco-lógica quando já se encontrava em ati-vidade, razão pela qual obrigou-se juntoao Município a desativar gradualmentesuas operações, encerrando-as definiti-vamente em 31-12-81. Encerra pugnan-do pela improcedência da demanda ejuntando documentos da fl. 753.

O Município, por seu turno, tambémoferece regular resposta à pretensãoministerial e o faz aduzindo que sua

condição foi distorcida pelo mesmo, jáque, de parceiro passou à ilegal condi-ção de réu, quando nenhuma circuns-tância retratada na exordial permite talconclusão, pelo que afirma ser partepassiva ilegítima, até porque nunca foisua atribuição o licenciamento da ativi-dade em referência, a qual estava afeta-da à União, a si competindo tão-somentea conferência de alvará de localização,documento este expedido porque nãocontrariava a pedreira, então, qualquernorma legal em vigência. Quando sobre-veio determinação em tal sentido, cuidoude interditar a empresa, fato que ocorreuainda quando em vigor a licença que abeneficiava. Após tal providência bus-cou alternativas para a recomposição dosdanos, esbarrando, em tal objetivo, nainexistência de comando legal que per-mita tal imposição quando materializa-da lesão em momento anterior à legis-lação que exige sua recuperação, comoé o caso. No mérito, repisa o argumentode que não há legislação que ordene areparação de dano ambiental iniciado eencerrado antes do advento da normaque tal instituiu, tece considerações sobretais diplomas e encerra pugnando pelaimprocedência após investir contra ospedidos autonomamente considerados,os quais reputa incabíveis.

A requerimento do Município, orde-nou-se a intervenção no feito, na quali-dade de litisconsortes necessários, dosproprietários da área sobre a qual veri-fica-se o dano, os herdeiros do falecidoD. O., os quais, após citados, vieram aosautos e ofereceram regular contestação,onde, após alegarem nenhuma relaçãocom os fatos em tela, afirmaram nãocontar com meios de realizar as obrasrequeridas pelo Ministério Público.

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Encerram alinhando-se aos co-réus epugnando pela improcedência da de-manda.

Replicadas as contestações, sobreveiosaneador, (fls. 832/3), no qual o magis-trado que então presidia o feito acolheua preliminar de ilegitimidade passiva deJ. A., excluindo-o da lide, e afastou asdemais questões postas a título de pre-facial nos autos, considerando, assim,legitimado o Ministério Público para aação proposta e o Município para res-pondê-la, relegando o aspecto relativo àimpossibilidade jurídica do pedido parao mérito. Tal decisão mereceu parcialrecurso, apenas quanto à legitimidade deJ. A., restando o mesmo, até o momento,improvido.

À fl. 941, foi determinada a retifica-ção do pólo passivo, para substituir aempresa ao início nominada por G. S.A., I., C. M..

Encerrada a instrução, vem aos au-tos memoriais pelas partes, onde todas,após análise da prova produzida, repi-sam os argumentos já anteriormentecolacionados.

É o breve relatório.Decido.De início, em face do agravo retido

proposto pela empresa requerida, anotoque não há nada a modificar no despa-cho agravado, cujas razões adoto paraaqui decidir.

De mérito, a questão em apreço, muitoembora singela do ponto de vista fático,o qual prescinde de maiores considera-ções frente a suficiência de elementosque atestam a existência do dano ambi-ental do qual vertem as pretensões Mi-nisteriais, encerra aspectos de direito quereclamam detido e refletido exame,notadamente aqueles que vieram à

colação na defesa ofertada pelo Municí-pio de Porto Alegre, peça elaborada comelogiável propriedade e que, não encer-rasse inegáveis sofismas, lograria eximi--lo da responsabilidade que, no entanto,com os demais, nele repousa.

Destarte, como acima já se insinua,os limites da decisão aqui lançada ha-verão de centrar-se nos pontos queefetivamente reclamam decisão judicial,quais sejam, a verificação de ilegalidadepor ação por parte da empresa reque-rida e por omissão dos proprietários daárea e do Município, porquanto, emcomum, invocam todos o exercício deatividade licenciada e a inexistência delegislação de proteção ambiental aotempo em que o dano respectivo “ini-ciou-se e finalizou-se”.

Inicio pelo aspecto relativo ao licen-ciamento para o exercício de extrativismomineral, posto que alegamente forneci-do este pelo Ministério da Infraestrutura,e não sujeito, conforme sustentado nosautos, à fiscalização pelo Município. Talargumento, com a devida vênia, alémde não possuir sequer razoabilidade;porquanto a atividade então desenvolvi-da pela empresa requerida mostrava-selícita e, possivelmente porque atendidasas exigências burocráticas pertinentes,não encontrava óbice legal na suaconcretização; não corresponde à reali-dade documentada nos autos, uma vezque o documento da fl. 64, emitido peloMinistério da Infraestrutura informa quea licença deferida ao D. G. a ele con-cedia tão-somente o período compreen-dido entre 19-09-79 e 31-12-81 para otanto. Vale dizer, durante quase todo otempo de desenvolvimento de suas fun-ções, a empresa agia sem qualquer li-cença, de forma totalmente irregular.

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Contudo, o ponto nodal a ser con-siderado para fins da ação em teladesborda desse aspecto, já que diz coma má condução da atividade temporaria-mente licenciada, a partir do que pas-sou ela a gerar o dano ambiental hojeconsolidado, circunstância que, como seenfrentará adiante, não se verificou deum dia para o outro, mas, antes, desen-volveu-se por período bastante grande,capaz de viabilizar a ingerência dosórgãos públicos e até mesmo a buscade meios outros de extração para queos resultados não se concretizassem talcomo verificados.

Como exsurge do contexto probató-rio, especialmente dos depoimentos tes-temunhais prestados por geólogos qua-lificados, a atividade extrativista em focopode ser realizada de forma a não cau-sar o dano ambiental tal como aquiconstatado, bastando, para tanto, oemprego de técnicas de resultadosatisfatório comprovado, como o uso debancadas, através das quais mostra-sepossível a mitigação dos danos eventual-mente concretizados.

Evidente, pois, não ser suficiente aalegação em tal sentido deduzida pelaempresa requerida para afastar sua res-ponsabilidade pelos danos que gerou.

Resta, para exame, então, a alegaçãode que inexistia legislação ambiental naépoca em que se realizava a atividadeem tela com capacidade de impedi-la,alegação esta que, por igual, não sesustenta e não logra inviabilizar a pre-tensão Ministerial.

Isso porque, a par de a atividade emfoco haver se desenvolvido; ainda queapenas alguns meses, é verdade; sobrea égide a Lei nº 6.938/81, o equívoco detal argumento reside na premissa de que

o “dano iniciou-se e finalizou-se” na au-sência de Lei que o regrasse, porquantonão houve “finalização” do mesmo, oqual até o momento existe e produzseus maléficos efeitos, bastando que,para tanto, nos deparemos com o MorroSantana, o qual ostenta para todosquantos por ele passem a chaga emfoco, visível a quilômetros de distância,de qualquer ponto da cidade que logrea tanto alcançar.

Assim contextualizada a defesa daempresa requerida e o feito a que é aafeta, é forçoso concluir que nenhumaconsistência encerra a mesma, havendoela de responder, integralmente, pelosdanos a que, ao longo dos anos, foiimplementando junto ao Morro Santana,o qual explorou abusiva e irregularmente.

Definida a responsabilidade da em-presa e a conseqüente obrigação de re-parar o dano ambiental por ela causado,há que se examinar a pretensão Ministe-rial endereçada contra os proprietáriosdo imóvel e o Município de Porto Ale-gre, aos quais se atribui idêntica condi-ção pela omissão.

De plano, considero os proprietári-os da área co-responsáveis pelo resul-tado em tela, porquanto a eles cabia odever de verificar o bom uso de suapropriedade, não se mostrando escusá-vel a postura que assumiram apenaspelo argumento de que nenhum lucrodaí obtiveram, sobretudo porque nãose mostra crível que tenham simples-mente tolerado a atividade em referên-cia sobre área que lhes pertence quan-do obviamente sabedores de que amesma gerava o correspondente lucro.Dessa feita, muito embora não esclare-cida a relação de fato havida entre elese a empresa ré, a imposição dos ônus

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decorrentes do mau uso levado a efeitoé condição impositiva.

Por fim, quanto ao Município – queinvoca aspectos vários para fundamen-tar sua posição de mero espectador dosagressões que paulatinamente seavolumavam no Morro Santana – tenhoser igualmente procedente a pretensãoMinisterial quando busca responsabilizá--lo e valho-me de algumas ponderaçõesacima colocadas para assim concluir.Assim, reitero, no que for pertinente, oargumento com o qual afastei a invoca-ção da licença de exploração conferidaà empresa como circunstância autoriza-dora da destruição levada a efeito, bemassim aquele que diz com a ausência delegislação ambiental a autorizar medidaadministrativa tendente a impedir a conti-nuidade do que se materializava.

Resta para exame, destarte, o aspec-to relativo ao agir administrativo doMunicípio enquanto ente institucio-nalizado para regrar e fiscalizar as ati-vidades que são desenvolvidas dentrode seus limites, ponto no qual reclamaele a demonstração de “falha do servi-ço” como mola propulsora de eventuaisresponsabilidades a serem definidas.

Centrado o foco sobre tal questão,contudo, tenho não possuir o Municí-pio respaldo nos elementos probantesproduzidos nos autos para assim afir-mar. Isso porque, conforme depoimen-to de U. S. M., (fls. 912/923), colhidoem Juízo, a partir de 1975, várias foramas advertências levadas por seus servi-dores, quadro que integrava, à adminis-tração municipal no sentido de que aempresa requerida vinha causando danoambiental de grande vulto, havendo, porparte dos administradores de então, umareiterada e emblemática omissão na ado-

ção de medidas voltadas à interrupçãodas atividades da mesma. Prossegue areferida testemunha afirmando que ape-nas cinco anos após as notificações efe-tivadas pelo Município para que aPedreira fosse fechada é que tal provi-dência foi adotada. Merece destaque,por significativo, o fato de que o Secre-tário Municipal que acabou por firmartal ato foi afastado de seu cargo por talmotivo, numa clara evidência de que aempresa requerida agia à margem dosregramentos municipais, atuando comobem lhe aprouvesse e em seu exclusi-vo proveito, sem fiscalização atuantealguma.

Ora, a partir de tais circunstâncias,suficientemente comprovadas, não épossível aceitar-se a defesa simplista, atémesmo ingênua, do Município no sen-tido de que não lhe cabia intervir naatividade em tela. Tanto tal providêncialhe era possível que realizou inúmerasdiligências no local através de seusagentes, bem assim buscou mitigar odano constatado, realizando projetosvários, em conjunto com a empresarequerida, que, no entanto, não foramcolocados em prática até o momentodesta sentença.

De todo o exposto, forçoso concluirque houve sim “falha no serviço” afetoao Município, porquanto não adotou asprovidências administrativas que lhecabiam para interromper o dano quevinha se materializando ao longo dodesenvolvimento das atividades da em-presa requerida.

Certa a existência do dano e defini-das as responsabilidades corresponden-tes, mister o exame dos pedidos daíderivados, já que cada um deles deman-da consideração diversa.

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Acolho, posto que cabíveis, os pedi-dos que contêm cunho material, consis-tentes na obrigação final de recupera-ção da área atingida, quais sejam, aindenização pelos danos materiais con-sistentes no montante necessário para aimplementação de projeto destinado àrecuperação da área, bem assim seucercamento, tudo a ser apurado em li-quidação de sentença.

No que diz, todavia, com a preten-são ministerial de condenação dos re-queridos à reparação do que afirmamtraduzir dano moral ambiental, tenho-apor incabível, notadamente quando con-siderado o contexto em que se insere omesmo. Ora, vivemos em uma cidadeque, malgrado considerada a primeiraem qualidade de vida do País, apenaspara exemplificar entre tantos fatos si-milares significativos, ostenta “com or-gulho” um rio (?) – Guaíba – com altosíndices de poluentes, repositório finalde um arroio – Dilúvio – que se trans-formou em um esgoto a céu aberto eque emana um mau cheiro intolerávelem dias que antecedem as chuvas.

A convivência diária e obrigatóriacom esses fatos, a meu sentir tão, oumais, graves do que este de que secuida, anula a capacidade crítica evalorativa da população, a qual passa aaceitar tais agressões como algo naturale irreversível, afastando, via de conse-qüência, sentimento maior a caracterizaro dano que desenha o Ministério Públi-co em suas manifestações nos autos.

Desejável seria que nosso meioambiente fosse algo digno de gerar os

sentimentos que afirma presentes oMinistério Público e nosso povo capazde senti-lo, não sendo a consciência eco-lógica privilégio de alguns mais esclare-cidos. Quiçá, assim, nossos empresáriosdotassem suas empresas de equipamen-tos antipoluentes e a população nãojogasse lixo nos cursos de água, nosterrenos baldios e adotasse, enfim,medidas próprias de um País realmenteambientalmente educado.

Nossa realidade, lamentavelmente,como já dito, não é essa e, pelo “andarda carruagem”, muitas décadas – (serásuficiente?) – serão necessárias para quecheguemos a tal patamar.

Posto isso, julgo parcialmente proce-dente o pedido ao efeito de condenaros requeridos, solidariamente, ao paga-mento de indenização pelos danosmateriais reclamados, a serem apuradosem liquidação de sentença, e à obriga-ção de fazer consistente na apresenta-ção de projeto de recuperação integralda área, a ser aprovado pelo órgãoambiental competente, bem como àobrigação de implementar medidas derecuperação e conformação do terreno,com o cercamento e sinalização da área,aliadas à revegetação da área, no prazomáximo de 01 (um) ano, tudo sob penade multa mensal a ser igualmente defini-da quando apurados os valores que fo-ram postergados a liquidação posterior.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Porto Alegre, 20 de novembro de

2003.Deborah Coleto Assumpção de

Moraes – Juíza de Direito.

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Revisão de alimentos nº 00113836531; Reconvenção nº 00114407027Autor: P. S. D. B.Réu: M. R. D. B.Juíza: Jucelana Lurdes Pereira dos SantosData: 10 de dezembro de 2003

Ação de alimentos. Reconvenção.Relação pais e filhos. Necessidade deimposição de limites. Função pedagógi-ca da prestação jurisdicional. Relevân-cia das despesas. Pagamento direto.

Vistos.P. S. D. B., brasileiro, solteiro, estu-

dante, ajuizou a presente ação de revisãode alimentos contra M. R. D. B., brasilei-ro, separado, empresário, residente nestacapital, sob a alegação de que por oca-sião da separação dos genitores, em 1999,foi estipulada a obrigação alimentar emseu favor, no valor de R$ 1.500,00 paraquanto estivesse na companhia da mãe.

Assevera que seu pai é empresáriodo ramo do arroz, cotista de famosaempresa deste setor, líder em seu seg-mento, tendo assim possibilidades demanter-lhe num bom padrão de vida,pois cursa faculdade e está fazendovestibular para outro curso superior,pretendendo cursá-los simultaneamente.Elenca as despesas com vestuário, lazer,alimentação e gastos médicos que julgaimprescindíveis. Aduz que quando daseparação, sua mãe, com quem mora,juntamente com a avó, tinha boas con-dições financeiras, mas atualmente istonão se verifica mais, requer a majoraçãodos alimentos para 25 salários-mínimos.Pede o benefício da AJG. Junta do-cumentos. Houve emenda (fls. 66/69).

Indeferida a liminar (fl. 70). Houveagravo (fls. 75/83), não provido (fl. 147).

Citado, o demandado contestou (fls.88/101), alegando preliminarmente alitigância de má-fé do autor e a carênciade interesse processual. No mérito, sus-tenta não ter obrigação de pagar o valorpostulado, pois ele é maior de idade,invertendo-se por isso o ônus da provapara a comprovação de necessidade dosalimentos. Diz sempre ter pago a facul-dade e os tratamentos médicos do au-tor, além de pagar o plano de saúde.Argumenta ser os estudos uma desculpado alimentante para continuar perceben-do alimentos, pois das 05 cadeiras quefez no semestre foi reprovado em 03,logo, pretende é ser um eterno estudan-te para o pai lhe garantir a boa vida.Refere que o autor deve começar a tra-balhar para prover seu próprio sustento,pois capaz para tanto. Pede a improce-dência e a decretação da litigância demá-fé ao autor. Traz documentos.

Apresentou reconvenção (fls. 114/120),repetindo os argumentos da contestação,na qual postula a exoneração dos alimen-tos devidos ao reconvindo.

O reconvindo contestou (fls. 136/141),sustentando a inexistência de fundamen-to para o pedido de exoneração, poisausente a hipótese do art. 1.699 do CC.Discorda dos pedidos feitos na recon-venção, porque necessita dos alimentos

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postulados, a fim de viver de modo com-patível com sua condição social. Pede aimprocedência.

Na audiência do art. 331 do CPC (fl.148), inexitosa a conciliação, houvedispensa da prova oral.

O Ministério Público opina pela pro-cedência parcial da ação e da reconven-ção (fls. 148/158).

Relatei. Decido.Inicialmente, devem ser afastadas as

preliminares suscitadas pelo demanda-do na contestação. Não há litigância demá-fé e muito menos falta de interesseprocessual: o jogo de palavras configu-rado pelo autor quando de sua inicial eposteriormente no agravo não para con-siderar estar ele mentindo, pois no re-curso explica ter relacionado na inicialtodos seus gastos, e neste consta ser opai quem paga a faculdade. Ademais,não há litigante de má-fé na busca doaumento da pensão alimentícia quandoo autor entende que o valor recebido éinsuficiente diante de suas necessidadese das possibilidades do pai.

Quanto à alegação de carência de ação,resta evidente ser legítima a pretensão doautor em postular a majoração dos ali-mentos: o interesse de agir é evidente. Odeferimento ou não para tal pedido sóocorrerá com a análise do mérito, e issonão pode ser confundido com a falta dequalquer pressuposto processual.

No mérito, a pensão alimentícia queo autor pretende revisar foi acordada noprocesso de separação de seus pais emnovembro/99 (fls. 13/30), quando elecontava 15 anos de idade incompletos.No próximo dia 28 de dezembro, com-pletará 19 anos, apesar disso, é imaturo,talvez por não ter sido criado para desdecedo enfrentar o mercado de trabalho.

Assim não tem condições de se susten-tar e, como está estudando, ainda queo aproveitamento não seja dos melho-res, tem os gastos daí decorrentes.

Segundo a lei civil vigente (art. 1.699do CC), os alimentos podem ser revisadosse sobrevier mudança na situação financei-ra de quem os supre, ou na de quemrecebe, e pelo visto o único fato que ocorreufoi a mudança de comportamento do autorque passou a desperdiçar as oportuni-dades que o pai lhe proporcionou.

Observe-se que P. ficou residindo como pai e este arcou sozinho com seu sus-tento, embora a mãe tenha recebido umbom patrimônio referente a sua meação.Ao passar a residir com a mãe e com aavô que sobreveio o pedido de aumentodos alimentos. Não dá para entender seisso se deve a mãe pensar não ter obri-gação alimentar para com o filho, ou senão lhe alcança mesadas para ele nãodispor de dinheiro, com isso evitandoenvolvimento com drogas, como já acon-teceu, consoante documentos trazidos pelaPromotora de Justiça (fls. 159/162).

Em audiência esta questão chegou aser ventilada, mas para evitar mais con-fronto entre pai e filho não foram jun-tadas cópias dos processos referidos.Todavia, não dá para desconhecer queefetivamente é preocupante disponibi-lizar para um jovem de 18 anos o valorde R$ 6.000,00, quando ele não é dedi-cado aos estudos e registra envolvimen-to com drogas.

A educação dos filhos compete aospais, e são estes que devem saber doslimites a serem impostos e nos dias atuaisem que boa parte dos jovens estão per-didos querendo cada vez mais liberdadee menos responsabilidade, é, certamente,no controle do dinheiro que os pais

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conseguem pôr “algum freio” e não podeser o fato dos pais serem separados eter sido estabelecida pensão alimentíciaem benefício do filho, que pai nãopossa exercer este controle.

Indiscutivelmente, tem o pai o deverde fiscalizar e controlar a vida de umjovem de 18 anos que não trabalha eobtém a aprovação apenas em 02 na Uni-versidade. Diante disso, a alegação de P.que pretende cursar 02 faculdadesconcomitantemente evidencia que ele nãosabe direito o que quer, pois se não con-segue passar em uma, como cursará duas?

Tenho que a função jurisdicional étambém pedagógica, e não pode o Juizdesautorizar o pai quando a intençãodeste é impor limites ao filho. O de-mandado não se nega em suprir todasas necessidades do filho, até o 2º curso,se ele efetivamente estudar. Portanto,não se trata de um pai que tem possi-bilidade e nega-se a sustentar o filho,mas de uma situação especial, na quala preocupação é encaminhar o jovem,até para que ele possa ter futuro, poisde nada adianta dinheiro para quemnão tem condições de administrar.

O autor baseia-se no fato do pai serempresário bem sucedido para pleitearpensão alimentícia de valor elevado desco-nhecendo a regra elementar de que filhonão é sócio do pai, e que a obrigação legale moral do pai é suprir as necessidades, enão dar dinheiro fácil incentivando ao ócioe à dependência, aliás, o demandado ofe-rece emprego ao filho na sua empresa,porém, este quer cargo elevado sem cum-primento de horário, o que evidencia oconflito deflagrado entre eles.

Deste modo, não há dúvida que nesteprocesso P. está medindo forças com opai, pois, pelo visto em audiência, a

mãe não tem nenhum domínio sobreele, e não pode o Juiz atender o pleitode um jovem imaturo, dando-lhe, deforma fácil, um valor que dificilmenteele obterá no mercado de trabalho,mesmo quando formado.

Assim, se a pretensão de P. é vivero padrão de vida do pai ele deve seguira orientação deste, pois não dá paraquerer o dinheiro e não os conselhos.A meu ver é necessário que volte avigorar uma regra fundamental na soci-edade hoje quase esquecida, ou seja, ade que os filhos, enquanto dependeremfinanceiramente dos pais, lhes devemobediência e respeito.

Atualmente a inversão de valores étamanha que está tornando-se moda osfilhos se desentenderem com os pais evirem ao Judiciário buscar do Juiz im-posição legal, quando a intenção dospais é impor limite, com o corte damesada, que é uma linguagem muitobem entendida pelos jovens.

E neste caso não dá para utilizar oargumento de que a mãe seria penali-zada se o pai não elevar os alimentos,uma vez que ela também dispõe derecursos financeiros razoáveis para aju-dar no sustento do filho. Portanto, P.não está sofrendo privações de bensmateriais. O que ele necessita o dinhei-ro não proporciona.

Diante destas considerações, enten-do não ser caso de exoneração, poisisso aumentaria ainda mais o conflitofamiliar e, certamente, a mãe passaria asuprir as necessidades do filho, já quetem condições para tanto, embora o autornegue, diante do patrimônio que rece-beu quando da partilha em 1999. Acres-cente-se, ainda, que não será de um diapara o outro que ele irá adquirir con-

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dições de se sustentar sozinho, por nãoter sido educado para trabalhar desdecedo, e estando estudando, deve sermantida a obrigação alimentar.

É verdade que se ele continuar le-vando a faculdade na brincadeira pode-rá perder este direito, haja vista que painenhum é obrigado a manter caprichodo filho. O demandado pode e devefiscalizar seu aproveitamento escolar, ese ele continuar rodando (fl. 111), aísim é cabível a exoneração, pois a partirde agora ele está advertido disso, e poderepensar sua vida, até porque existemmilhares de filhos de pais separadosmuito bem encaminhados na vida.

Assim, apesar das boas condiçõeseconômicas do demandado, incabível amajoração no valor da pensão pelosmotivos antes declinados, pois é difícilacreditar na idéia de cursar, com assi-duidade e interesse dois cursos univer-sitários, inclusive o próprio autor, quefaz o pedido de aumento dos alimentospara tal, não parece estar muito focadona idéia, considerando ter repetido trêscadeiras das cinco feitas no primeirosemestre deste ano.

No tocante a manutenção da pensãoalimentícia mesmo com o implementoda maioridade a matéria é pacífica nanossa jurisprudência: “Alimentos. Oadvento da maioridade não implica aexoneração dos alimentos, quando ofilho está cursando faculdade em Uni-versidade particular e percebe remune-ração insuficiente para o próprio sus-tento. Apelo provido em parte” (Apela-ção Cível nº 598128858, 7ª Câmara Cí-vel, Tribunal de Justiça do RS, Relª MariaBerenice Dias, julgada em 02-09-98).

Veja-se que os gastos mais impor-tantes do autor sempre foram pagos pelo

demandado como a universidade, asdespesas médicas, material escolar, e oplano de saúde, e ele, ainda, se propõea dar um valor para as despesas pessoais,com lazer, vestuário, higiene, etc.

Assim, mantenho a obrigação alimen-tar, entretanto, acolho parcialmente opedido reconvencional para determinarque as despesas ordinárias do autorsejam supridas diretamente, evitando queo autor administrando o valor da pen-são alimentícia deixe de pagar a facul-dade e outras obrigações, colocando emrisco seu tratamento para drogadição (fl.162) e seu futuro.

Isso posto, julgo improcedente opedido de majoração e parcialmenteprocedente a reconvenção, a fim deserem fixados os alimentos em 03 salá-rios-mínimos mensais, cuja quantia serádepositada na conta do autor, até o dia05 do mês seguinte ao vencido, mais otratamento psicológico, a mensalidadeda faculdade, despesas médicas eodontológicas não cobertas pelo planode saúde, as quais já estão sendo pagasdiretamente aos credores, enquanto oautor continuar estudando e com apro-veitamento.

Arcará o autor com o custo doprocesso e honorários do patrono dodemandado que fixo em 15% do va-lor da causa. Porém suspendo pelofato dele estar litigando com AJG. Noprocesso reconvencional embora oreconvinte tenha postulado a exonera-ção dos alimentos, após em continuarcom a obrigação, de modo que inocor-reu a sucumbência.

Registre-se. Intimem-se.Porto Alegre, 10 de dezembro de 2003.Jucelana Lurdes Pereira dos Santos –

Juíza de Direito.

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Processo nº: 1.03.0017127-6 – Ação Civil PúblicaComarca de Cachoeirinha – 1ª Vara CívelAutor: M. P.Réu: C. M. C.Juíza prolatora: Viviane Miranda BeckerData: 14 de abril de 2004

Ação civil pública. Redução do nú-mero de Vereadores da Câmara Munici-pal e cassação, após o trânsito em julga-do da sentença, dos Vereadoresdiplomados acima do limite. Princípioda proporcionalidade. Procedência.

Vistos.O M. P., por seu agente, ingressou

com ação civil pública contra a C. M. V.C., alegando que a desproporcionalida-de do número de Vereadores atuantesna cidade (21) com o número de habi-tantes (117.000), viola por omissão aConstituição Federal, pois além da LeiOrgânica Municipal não prever o núme-ro cargos de Vereadores, os Municípioscom até 142.857 habitantes devem ternove vereadores. Asseverou o desres-peito aos princípios da razoabilidade,legalidade e moralidade, razão pela qualpediu, em antecipação de tutela a redu-ção do número de vereadores de vintee um para nove, referente à próximalegislatura (2005/2008) e a procedênciada ação para condenar da C. M. C. adiminuir o número de Vereadores aonúmero mencionado; declarar que onúmero deve ser ímpar e matematica-mente proporcional ao número de ha-bitantes, conforme tabela descrita no item

2.2 da petição inicial ou outra conside-rada adequada e declarar que serãocassados os mandatos dos vereadoresdiplomados acima do limite de nove,automaticamente, após o trânsito emjulgado desta sentença. Juntou documen-tos, fls.26/86.

A ré, em contestação, alegou preli-minar de coisa julgada, tendo em vistaque houve um mandado de segurançaperante a Justiça Eleitoral deferindo anomeação de 21 Vereadores, decisão estajá transitada em julgado. Sustentou aincompetência do Poder Judiciário parafixar o número de parlamentares, pois ématéria competente do Poder Legislati-vo. Asseverou que o Ministério Públicodeveria ter ingressado com Mandado deInjunção para suprir a omissão da LeiOrgânica em fixar o número de Edis.No mérito, fez uma comparação daposição do Município de Cachoeirinhacom a divisão das comarcas, pois dentreas três categorias (inicial, intermediáriae final) o Município detém a categoriade entrância intermediária, dessa forma,não haveria como se admitir a reduçãopara nove vereadores, mas pelo menosum número intermediário. Refutou aalegação de que as despesas teriamaumentado muito, porquanto os valores

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são bem menores que os da carreirados Delegados de Polícia. Pugnou pelaextinção do processo sem julgamentodo mérito ou a improcedência da ação.

Em sede de réplica o MinistérioPúblico refutou os argumentos expendi-dos em contestação.

É o relatório. Passo a decidir.O feito comporta julgamento anteci-

pado, uma vez que a matéria é exclu-sivamente de direito, assim, desnecessá-ria a produção de prova testemunhal,forte no art. 330, I, do CPC.

Indefiro o pedido de expedição deofício ao TRE, pelas razões que passo aexpor.

Em sede preliminar, argüi a ré acoisa julgada, ao referir que houveimpetração de mandado de segurançaperante o Tribunal Regional Eleitoral,no qual foi deferida a nomeação de 21Vereadores, sendo que desta decisão nãohouve recurso, devendo, pois, ter tran-sitado em julgado.

Todavia, a ré refere, como provadessa argüição, apenas uma ata da cir-cunscrição eleitoral (fl. 86) juntada peloMinistério Público, que menciona aconcessão de uma liminar em sede demandado de segurança, bem como re-quer que seja oficiado ao TRE solicitan-do cópia da referida decisão.

Ora, para que se inviabilizasse arediscussão de matéria já coberta pelacoisa julgada, torna-se necessária provacabal de que houve sentença transitadaem julgado sobre a matéria aqui discu-tida, sob pena de estar negando o di-reito de ação ao autor.

Cabia a ré e não a este juízo provara existência de coisa julgada, ônus doqual não se desincumbiu, pois o do-

cumento da fl. 86 dos autos não é provasuficiente para caracterizar a alegação.Assim, rejeito a preliminar de coisa jul-gada, por falta de prova, forte no art.333, II, do CPC.

No mérito, trata-se de ação civilpública na qual o autor requer a redu-ção do número de vereadores da Câma-ra Municipal de vinte e um para nove,com fundamento no desrespeito ao art.29, inc. IV, a, da Constituição Federal,bem como aos princípios da proporcio-nalidade, razoabilidade, legalidade emoralidade, ao manter vinte e umacadeiras legislativas atuantes na CâmaraMunicipal.

Primeiramente, cumpre salientar queo sistema constitucional brasileiro nãopermite o controle normativo abstratode leis municipais, quando contestadasem face da Constituição Federal. A fis-calização de constitucionalidade das leise atos municipais, nos casos em queestes venham a ser questionado em faceda Carta da República, somente se legi-tima em sede de controle incidental(método difuso), que pode e deve serexercido, incidenter tantum, por todosos órgãos do Poder Judiciário, inclusivaao juiz monocrático, quando do julga-mento de cada caso concreto.

Dito isso, cabe examinar se é possí-vel, ou não, a instauração de controleincidental de constitucionalidade de leismunicipais, contestadas em face da Cons-tituição da República, mediante ajuiza-mento de ação civil pública. Sendo quenessa ação venha a ser suscitada, comocondição indispensável à resolução dolitígio, questão prejudicial pertinente àvalidade jurídico-constitucional de determi-nado ato emanado do Poder Público. A

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discussão em torno desse tema impõealgumas observações que se apresentamindispensáveis à apreciação da contro-vérsia suscitada nesta sede processual.

Não há dúvida de que o SupremoTribunal Federal não admite ação civilpública em defesa de direitos coletivosou difusos como sucedâneo da açãodireta de inconstitucionalidade, vedan-do-a quando seus efeitos forem ergaomnes e, portanto, idênticos aos dadeclaração concentrada de inconstitucio-nalidade, pois, dessa forma, configura-ria abuso do poder de demandar, comotambém hipótese de usurpação da com-petência da Suprema Corte.

Todavia, se o ajuizamento da açãocivil pública visar, não à apreciaçãoda validade constitucional de lei emtese, mas objetivar o julgamento deuma específica e concreta relação ju-rídica, aí, então, tornar-se-á lícito pro-mover, incidenter tantum, o controledifuso de constitucionalidade de qual-quer ato emanado do Poder Público.Nesse sentido, a lição de Hugo NigroMazzilli (O Inquérito Civil, p. 134, itemn. 7, 2ª ed., 2000, Saraiva): “Entretan-to, nada impede que, por meio deação civil pública da Lei nº 7.347/85,se faça, não o controle concentrado eabstrato de constitucionalidade das leis,mas, sim, seu controle difuso ou inci-dental. [....] assim como ocorre nasações populares e mandados de segu-rança, nada impede que a inconstitu-cionalidade de um ato normativo sejaobjetada em ações individuais ou co-letivas, como causa de pedir (não opróprio pedido) dessas ações indivi-duais ou dessas ações civis públicasou coletivas”.

Estabelecidas tais afirmações, enten-do que a espécie ora em exame nãoconfigura situação caracterizadora deusurpação de competência do SupremoTribunal Federal. A controvérsia perti-nente à validade jurídico-constitucionalda Lei Orgânica do Município quanto àomissão do número de Edis (21 cargosatuantes), foi suscitada, incidentalmen-te, neste processo, como típica questãoprejudicial, necessária ao julgamento dacausa principal, que é a redução, paranove (09), do número de Vereadores daCâmara Municipal para a próximalegislatura e a cassação dos mandatosdos diplomados acima deste número(nove), após o trânsito em julgado destasentença.

Depreendo dos autos que o objetoprincipal desse processo coletivo não éa declaração de inconstitucionalidade daResolução que fixou o número de vere-adores na comarca de Cachoeirinha(embora as partes não tenham juntadotal ato normativo, não se nega a exis-tência do mesmo). A alegação de in-constitucionalidade do ato normativo doPoder Municipal foi suscitada comofundamento jurídico (causa petendi) dopedido (redução dos cargos), qualifican-do-se como elemento causal desta açãocivil pública.

Cabe referir que este juízo não des-conhece da existência de alguns julga-dos do nosso Egrégio Tribunal de Jus-tiça, em casos como este, mantendosentenças improcedentes. Esse entendi-mento é de que embora a pretensão,nesses casos, seja de declaração deinconstitucionalidade da Lei Municipal,através de controle difuso, e não con-centrado, a decisão judicial proferida teria

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efeito erga omnes e, por conseguinte,estaria se efetuando um controle diretode inconstitucionalidade, por via trans-versa, usurpando função restrita doSupremo Tribunal Federal.

Entretanto, ouso divergir de nossoeminente Tribunal, por entender que asentença proferida pelo magistrado lo-cal não pode vincular, no que se refereà questionada declaração de inconstitu-cionalidade, todas as pessoas e institui-ções, impedindo fosse renovada a discus-são da controvérsia constitucional emoutras ações, ajuizadas com pedidosdiversos ou promovidas entre partesdistintas. É que, como se sabe, não fazcoisa julgada, em sentido material, “aapreciação da questão prejudicial, deci-dida incidentemente no processo” (CPC,art. 469, III).

Na realidade, os elementos de indi-vidualização da ação civil pública emcausa não permitem que venha ela, naespécie ora em exame, a ser qualificadacomo sucedâneo da ação direta de in-constitucionalidade, pois, ao contráriodas conseqüências que derivam do pro-cesso de controle normativo abstrato(RTJ, 146/461, Rel. Min. Celso de Mello),não se operará, por efeito da autoridadeda sentença proferida pelo magistradolocal, a exclusão definitiva, do sistemade direito positivo, da regra legal men-cionada, pelo fato de esta, no caso oraem análise, haver sido declarada incons-titucional por omissão, em sede de con-trole meramente difuso.

E mais, o ato sentencial em causatambém estará sujeito, em momentoprocedimentalmente oportuno, ao con-trole recursal extraordinário do Su-premo Tribunal Federal, cuja ativida-

de jurisdicional, por isso mesmo, emmomento algum, ficará bloqueada pelaexistência da ora questionada decla-ração incidental de inconstitucio-nalidade.

É de suma importância acrescentar,que o Plenário do Supremo TribunalFederal, ao decidir o tema ora em exa-me, admitiu a possibilidade de utiliza-ção da ação civil pública como instru-mento adequado e idôneo de controleincidental de constitucionalidade, pelavia difusa, de quaisquer leis ou atos doPoder Público, mesmo quando contes-tados em face da Constituição da Repú-blica, proclamando não se registrar, emtal hipótese, situação configuradora deusurpação da competência desta CorteSuprema (Rcl nº 600-SP, Rel. Min. Nérida Silveira – Rcl nº 602-SP, Rel. Min.Ilmar Galvão). Também, o eminenteMinistro Carlos Velloso, ao decidir aRcl nº 559-MG, de que foi Relator bemresumiu a questão ora em julgamento,fazendo-o nos seguintes termos: “O Su-premo Tribunal Federal, pelo seu Ple-nário, julgando as Reclamações nºs 597-SP, Rel. p/acordão o Min. Néri daSilveira; 600-SP, Rel. Min. Néri daSilveira; e 602-SP, Rel. Ministro IlmarGalvão, decidiu que a ação civil públi-ca, em casos como este, que tem porobjeto direitos individuais homogêne-os, não é substitutiva da ação direta deinconstitucionalidade, esta da compe-tência exclusiva do Supremo TribunalFederal, mesmo porque a decisão pro-ferida naquela ação civil pública nãotem eficácia erga omnes, consideradaesta eficácia no seu exato sentido. Porisso, as Reclamações nºs 597-SP, 600-SPe 602-SP, acima indicadas, foram

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julgadas improcedentes (Plenário,03-09-97)”.

Esclarecidas as premissas de que apresente ação é cabível ao fim que ob-jetiva, cabe adentrar no exame da ques-tão prejudicial que é a declaração deinconstitucionalidade: A ConstituiçãoFederal assevera, em seu art. 29, in ver-bis: “O Município reger-se-á por lei or-gânica, votada em dois turnos, com ointerstício mínimo de dez dias, e apro-vada por dois terços dos membros daCâmara Municipal, que a promulgará,atendidos os princípios estabelecidosnesta constituição, na Constituição dorespectivo Estado e os seguintes precei-tos”:

“[....].“IV – número de Vereadores propor-

cional à população do Município, ob-servados os seguintes limites:

“a) mínimo de nove e máximo devinte e um nos Municípios de até ummilhão de habitantes”.

Conforme o art. 11 da Lei OrgânicaMunicipal (Lei nº 1.046/91, fls. 47/76):“O Poder Legislativo é exercido pelaCâmara Municipal, nos termos das Cons-tituições Federal e Estadual e desta LeiOrgânica”. Também, em seu art. 24,dispõe que: “É da competência exclusi-va da Câmara Municipal:

“[....].“XVIII – fixar o número de Vereado-

res”.Indubitavelmente, o número de Ve-

readores deveria estar previsto na LeiOrgânica Municipal, todavia não háqualquer menção, nesta lei ou em qual-quer outro ato normativo trazido aosautos, quanto ao número de Edis atu-antes no Município. Somente veio aosautos, o Projeto de Resolução nº 01/92

(fls. 38/46) mencionando a propostade redução de Vereadores de 21 para10 cargos, sendo que esse projeto nãofoi aprovado devido a uma decisãojudicial que manteve o número de 21Vereadores. Entretanto, essa decisão ju-dicial foi apenas noticiada nos autos,não foi produzida nenhuma prova aseu respeito. Assim, o que se tem, naverdade, é uma Lei Orgânica omissaquanto ao número de Vereadores e oefetivo número de 21 cadeiraslegislativas em atuação, previsto numato normativo.

A jurisprudência se posiciona nosentido de que a fixação do número deEdis deve ser feita por Lei OrgânicaMunicipal e não por outro ato norma-tivo, nesse sentido: “Vereadores. Fixa-ção do seu número (Constituição Fede-ral, art. 29, IV) A fixação do número deVereadores há de ser feita mediante leiorgânica observado o seu rito legislati-vo, e não por decreto legislativo. Prece-dentes. Agravo regimental desprovido”(Agravo Regimental no Recurso nº12419-PA, STJ, Rel. Min. Antônio de PáduaRibeiro, DJU, de 12-05-95, p. 13.038)”.

Dessa forma, se a fixação deve serfeita por Lei Orgânica, o Poder PúblicoMunicipal omitiu-se em cumprir o pre-ceito disposto no art. 29 da nossa CartaMagna, como refere o art. 11 da LeiOrgânica. Entretanto, não se trata, nestademanda, declarar a inconstitucionali-dade por omissão do Poder Público, esim, declarar a inconstitucionalidade daresolução que fixou em 21 cadeiraslegislativas no Município de Cachoeiri-nha. Registre-se, outrossim, que, muitoembora as partes não tenham juntadotal ato normativo, não se nega a exis-tência do mesmo, tanto que há o efetivoexercício de 21 Vereadores.

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Nesse diapasão, assume relevância aafronta ao Princípio da Proporcionalida-de preceituado no art. 29, inc. IV, da CF.

Segundo as projeções do InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística, apopulação do Município de Cachoeiri-nha no ano de 2001 alcançava a esti-mativa de 109.839 habitantes (fl. 36),o que, conforme a inicial ministerial(fl. 10), estaria alcançando o númerode 117.000 habitantes em dezembro de2002.

Ora, se o número de Vereadores deveser proporcional à população do Muni-cípio, observando-se o limite mínimo denove e máximo de vinte e um nosMunicípios de até um milhão de habi-tantes (art. 29, inc. IV, da CF), é flagran-te que o Poder Público Municipal deCachoeirinha desobedeceu a qualquercritério de proporcionalidade ao optarpor estipular o número de vagas nafaixa do limite máximo.

O Poder Judiciário não pode perma-necer silente diante dessa despropor-ção. A Câmara Municipal, por assimdizer, não pode juridicamente querer sebeneficiar de sua própria torpeza, comose o excesso de representatividade, pelogrande número de cadeiras, por si sótrouxesse algum tipo de benefício àcoletividade que, em última análise, équem arca com a indesejável lesividadedela decorrente (aumento desmesuradoda despesa pública).

Data vênia de ilustres opiniões emcontrário, é evidente que a interpreta-ção do inc. IV do art. 29 da CF estáintimamente relacionada a critérios arit-méticos, sendo esta a razão de ter in-serido o legislador constituinte a ex-pressão “proporcional”, de conotaçãopuramente matemática, conforme defi-

nição abaixo: “Proporcional: Relativo aproporção matemática. Diz-se de umavariável cujo cociente por outra é cons-tante” (em Novo Dicionário Aurélio, deAurélio Buarque de Holanda Ferreira,Ed. Nova Fronteira, 1ª ed., p. 1.155).

Por isso, discorrendo sobre a for-ma de composição de vagas na Câma-ra Municipal, ensina o renomadoDiógenes Gasparini que: “A Lei MaiorFederal, nesses dispositivos (art. 29, IVe alíneas), não só atribuiu ao Municí-pio a competência exclusiva eindelegável para fixar o número deVereadores, como indicou parâmetrosque a Câmara Municipal deve obser-var no exercício dessa atribuição:proporcionalidade do número de Edisem relação à população, números mí-nimos e máximos de habitantes paraas três classes populacionais estabele-cidas e quantidades mínimas e máxi-mas de vereadores para cada umadessas classes” (in O Número de Verea-dores para 93/96, artigo publicado noBoletim de Direito Municipal, maio/92,citação na p. 283).

Assiste razão ao ilustre doutrinador.Se a forma de se proceder ao cálculo daproporcionalidade de vagas não veiodetalhada no texto da Constituição Fe-deral, tal se deve à generalidade danorma, que por princípio de elaboraçãolegislativa não podia nem devia descera minúcias, cabendo ao Municípiofazê-lo. A falta de detalhamento, em mo-mento algum, pode induzir ao raciocí-nio de que inexista obrigatoriedade deobediência ao critério da propor-cionalidade, que efetivamente está con-sagrado na Magna Lex.

Ratifique-se: a fixação do númerode Vereadores entre 09 e 21 não é, de

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forma alguma, livre e deixada ao belprazer do legislador do Município; é,sim, vinculada ao critério proporcio-nal, nos termos já exarados, de nadaadiantando os esforços imaginativos,pois o que está escrito é incontestável:encontra-se na redação do texto cons-titucional a expressão “proporcional àpopulação do Município”, sendo inútiltentar interpretar o artigo como se estaexpressão lá não estivesse, pois comolecionam Rodolfo Camargo Mancuso eNélson Luiz Pinto, respectivamente:“Contrariamos a lei quando nos distan-ciamos da mens legislatoris, ou da fina-lidade que lhe inspirou o advento; ebem assim quando a interpretamos male assim lhe desvirtuamos o conteúdo”(Recurso Especial e Extraordinário, Ed.RT, 3ª ed., 1993, p. 112).

E mais: “Contrariar supõe toda equalquer forma de ofensa ao texto le-gal, quer deixando de aplicá-lo às hipó-teses que a ele devem se subsumir, queo aplicando de forma errônea ou aindao interpretando de modo não adequadoe diferente da interpretação correta” (inRecurso Especial para o STJ, Ed.Malheiros, 1992, p. 109)

É evidente que existe um limite paraa interpretação da lei: a sua clareza. E,neste caso, o texto constitucional é cris-talino, quando diz com todas as letrasque o critério é o da proporcionalidade.De modo inverso, prevalecendo o en-tendimento de que seria legal e consti-tucional a fixação do número de 21 Ve-readores para o Município de Cachoei-rinha, pelo simples argumento de quetal número estaria entre os limites míni-mos e máximos especificados no art. 29,IV, a, da Constituição Federal, estaría-

mos diante do absurdo de que tambémseria legal a fixação do número máximode vagas para todos os municípios bra-sileiros com população inexpressiva,tornando vazio o comando constitucio-nal.

Por outro lado, a fixação do númerode vereadores, mediante critério aritmé-tico em que se observa a aludida regrada proporcionalidade, em hipótese al-guma se traduz em eliminação da auto-nomia do Poder Legislativo municipal.A limitação constitucional não importa asupressão de autonomia, tendo em vistaque, dentro do limite de sua faixa deproporcionalidade de população, tem aCâmara Municipal a liberdade de optarpelo número que, obtido com critériode proporcionalidade, mais convier aosinteresses do Município.

Em todo o Brasil, dezenas de deci-sões já foram proferidas pelo PoderJudiciário pondo fim a essas irregulari-dades, que depõem contra a legalidadee moralidade pública e ofende sobrema-neira o patrimônio social.

Também, não há falar que a corre-ção judicial baseada na violação doprincípio da razoabilidade, afronta àdiscricionariedade do Poder Legislativo.Não há invasão no mérito administrati-vo, isto é, no campo da ‘liberdade’conferido pela lei à Administração paradecidir-se segundo os critérios de con-veniência e oportunidade. Tal não ocor-re, porque a essa “liberdade” é liberda-de dentro da lei, vale dizer, segundo aspossibilidades nela comportadas.

Nesse sentido, ensina Celso AntônioBandeira de Melo (in Elementos de Di-reito Administrativo, São Paulo:Malheiros pp. 55/56) que: “Com efeito,

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o fato de a lei conferir ao administra-dor certa liberdade (margem de discri-ção significa que lhe conferiu o encar-go de adotar, ante a diversidade desituações a serem enfrentadas, a provi-dência mais adequada a cada uma delas.Não significa, como é evidente, quelhe haja outorgado o poder de agir aosabor exclusivo de seu líbito, de seushumores, paixões pessoais, excentrici-dades ou critérios personalíssimos emuito menos manipular a regra dedireito de maneira a sacar dela efeitosnão pretendidos nem assumidos pelalei aplicada”.

Do número de Vereadores que de-vem compor a Câmara Municipal deCachoeirinha: O legislador municipaldeve estabelecer um modus operandipara o cálculo dessa proporcionalidade,assente que se faça, desde já, dentrodos limites mínimo e máximo consti-tucional, devendo sua margem de dis-cricionariedade situar-se de forma queo resultado de uma das fórmulas es-colhida, obedecida a regra acima,melhor atender aos interesses doMunicípio.

Na peça inicial ministerial encontra-se uma fórmula (fl. 11) ensinada peloPromotor de Justiça Dr. Sílvio AntônioMarques, membro do Ministério Públicode São Paulo, que dispõe: “Se dividir-mos 1.000.000 por 07 (sete), verificare-mos que cada cadeira pode ser preen-chida por um Vereador toda vez que apopulação da cidade aumentar em142.857 habitantes.

“Podemos, no tocante ao dispositivoconstitucional em exame (art. 29, IV, a,da Carta Magna), apresentar os seguin-tes parâmetros:

Grupo População Nº VereadoresPrimeiro 001 a 142.857 09Segundo 142.858 a 285.715 11

... ... ...

Aplicando o resultado dessa fórmu-la, o Município de Cachoeirinha nãoteria população suficiente para fixar onúmero de seus vereadores acima donúmero mínimo (09), constitucionalmen-te previsto, porquanto sua população écerca de 117.000 habitantes.

Entretanto, filio-me à fórmula desen-volvida no voto do eminente Ministrodo Supremo Tribunal Federal, MaurícioCorreia, no julgamento do RE nº197.617-8-SP, cuja concepção pode serassim interpretada:

a) O cálculo da variação do númerode vagas de Vereadores deve ser inicial-mente realizado dividindo-se o númeromáximo de habitantes (1.000,000) pelonúmero máximo de vagas (21), cujoresultado é 47.619 habitantes;

b) Esse quociente populacional(47.619) correspondente ao resultado daregra de três simples em que: 1.000.000está para 21, assim como 1 está para X,cujo quociente será o mesmo de 47.619.Em outras palavras, para cada grupo de47.619 habitantes deverá haver 01 Verea-dor;

c) Ocorre que a norma constitucio-nal fixou em 09 o número mínimo devereadores para composição das Câ-maras Legislativas. Como conseqüên-cias, tem-se uma ficção legislativa quetranspôs, para essa finalidade específi-ca, a proporção de 1 para 9. Assim, onúmero correspondente a 47.619, queé o mínimo-base de cada Município,será o indicar permanente para todos

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os que tenham população até esse li-mite.

d) Dentro dessa concepção, o fatorpopulacional se estabelece subtraindo--se do número máximo de habitantes(1.000.000) o número mínimo de ha-bitantes (47.619), já utilizado paradefinir o número mínimo de vagas deVereadores, cujo resultado (952.381) éentão dividido pelo número de faixas(12), encontrando-se o resultado de79.365 habitantes, que se constitui nofator populacional procurado;

e) Sabido que todos os Municípiosque tenham até 47.619 terão 09 Vereado-res, segue-se que para alcançar a segundafaixa, adiciona-se o quociente populacional(47.619) ao valor da primeira faixa (47.619),cujo resultado será de 95.238 habitantes,sendo este o patamar para 10 Vereadores;as faixas seguintes, até alcançar a donúmero correspondente a 20 Vereado-res são feitas pela soma do quocientepopulacional (47.619) ao resultado dafaixa imediatamente anterior, até perfa-zer o total de 571.428 habitantes e de 20Vereadores;

f) Finalmente, a última faixa com-preendida no intervalo de 571.429 até1.000.000 habitantes, insere-se como fic-ção instituída pela própria Constituição,cujo objetivo é, sem dúvida, atender ocritério da razoabilidade, observada acircunstância de que no Brasil há gran-de diversidade populacional nos Muni-cípios. Aceitar esta ficção no primeirointervalo (09 Vereadores) significariadizer que todos os Municípios com até428.571 habitantes teriam apenas 09 re-presentantes. A aplicação dessa ficçãoimplicaria em restringir a 09 Vereadoresa composição de mais de 99% das casaslegislativas do País, além de estabelecer

um patamar muito elevado em relaçãoà média da população de nossos Muni-cípios, o que esbarraria no mencionadoprincípio da razoabilidade.

A partir da aplicação dessa fórmula, ecomo o Município de Cachoeirinha pos-sui cerca de 117.000 habitantes, concluoque será 11 (onze) o número de verea-dores a serem eleitos, diplomados eempossados nas próximas Legislaturas paraa Câmara Municipal de Cachoeirinha,somente sendo possível o outro aumentode mais 01 (uma) vaga de Vereadorquando a população do Município

FORMULA V

1.000.000 hab.: 21 Ver. = 47.619 hab./vagas

47.619 hab./vagas = 09 Vereadores (míni-

mo)

Fator Populacional: 47.619

APLICAÇÃO DA FÓRMULA

Nº de Habitantes Nº de Vagas

Faixa De Até De Vereadores

1 0 47.619 9

2 47.620 95.238 10

3 95.239 142.857 11

4 142.858 190.476 12

5 190.477 238.095 13

6 238.096 285.714 14

7 285.715 333.333 15

8 333.334 380.952 16

9 380.953 428.571 17

10 428.572 476.190 18

11 476.191 523.809 19

12 523.810 571.428 20

13 571.429 1.000.000 21

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SENTENÇAS 105

ultrapassar 142.857 habitantes, passan-do a figurar na faixa da tabela acima.

Do pedido de tutela liminarO fumus boni iuris está bem ca-

racterizado pela existência de umaregra constitucional clara, de naturezacogente, que instituiu o critério da pro-porcionalidade entre o número de ca-deiras na Câmara Municipal de Cacho-eirinha em relação a sua população,comando esse que está sendo desres-peitado pelo Poder Público Municipale, com preterição, inclusive, aos prin-cípios da legalidade e moralidade eeconomicidade, que devem nortear aconduta da Administração Pública.

A antecipação da tutela jurisdicio-nal também deverá ser concedida por-que o periculum in mora é manifesto,existindo objetivo e fundado receio deque, na próxima legislatura continuemo número máximo de cadeiraslegislativas. A ordem jurídica constitu-cional e o patrimônio público continu-arão sendo lesados, em função da pre-sença de um número indevido de ve-readores na composição da CâmaraMunicipal de Cachoeirinha, situação queensejará um elevado dispêndio aoscofres municipais, dano esse de difícilou porque não dizer de impossívelreparação.

Ademais, caso a tutela cautelar nãoseja deferida nos moldes ora pleiteados,igualmente haverá reflexos no próprioprocesso eleitoral vindouro, pois o quo-ciente eleitoral para preenchimento das

vagas será mais uma vez distorcido emrazão de o número de vagas não seachar constitucionalmente fixada.

Isso posto, com base no art. 12 daLei nº 7.347/85, concedo a liminar paradeterminar a redução do número deVereadores da Câmara Municipal de Ca-choeirinha de 21 para 11 (onze) paraa próxima legislatura (eleições de 2004).

Em razão do todo exposto, com baseno art. 269, I, do CPC, torno definitivaa liminar concedida e julgo procedentea ação civil pública ajuizada pelo Minis-tério Público contra a Câmara Municipalde Cachoeirinha, para:

a) condenar a ré a diminuir o nú-mero de Vereadores de 21 (vinte e um)para 11 (onze), na próxima legislatura;

b) declarar que o número de Verea-dores da Câmara Municipal de Cachoeiri-nha deverá ser ímpar e matematicamen-te proporcional ao número de habitan-tes, conforme tabela supra;

c) declarar a cassação automática dosmandatos dos Vereadores diplomadosacima do limite de 11 (onze), após otrânsito em julgado desta sentença.

Outrossim condeno a requerida aopagamento das custas processuais.

Intime-se a ré para imediato cumpri-mento da medida liminar concedida, nostermos acima.

Ao reexame necessário, conforme art.475, I, do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Cachoeirinha, 14 de Abril de 2004.Viviane Miranda Becker – Juíza de

Direito.

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Processo n: 00114407498 - OrdináriaComarca de Porto Alegre3ª Vara Cível - 2º Juizado - Foro CentralDemandante: S. D. K.Demandado: B. E. LtdaJuiz prolator: Mário Roberto Fernandes CorrêaData: 27 de abril de 2004

Ação de revisão de contrato de com-pra e venda de imóvel a prazo. Contratoque privilegia o equilíbrio entre as par-tes não merece ser revisto. Higidez detodas as cláusulas hostilizadas pela au-tora e não aplicabilidade ao caso doCDC. Litigância de má-fé. Ação julgadaimprocedente.

Vistos.S. D. K. propôs ação revisional de

contrato de serviço de compra e vendacontra B. E. Ltda alegando ter sidoinduzida pela ré a efetuar a compra debem imóvel na forma parcelada, vezque não lhe foi oferecida nenhumaproposta à vista. Aduz que, devido aeste parcelamento, paga taxas e encar-gos excessivos, razão pela qual requera revisão das cláusulas consideradasabusivas. Requer, além da procedênciada demanda, autorização para que efe-tue depósito em consignação daqueledo valor que entende justo. Junta do-cumentos.

O autor emendou a inicial as fls. 51/54.Citada, a ré alegou que não houve

qualquer indução ou coação para que aautora efetivasse a compra, já que de-sempenha função social com o fito dediminuir o déficit habitacional. Informaque o contrato está de acordo com o

CDC, e que não há cobrança de juroscapitalizados, havendo somente corre-ção monetária e a incidência de jurosmoratórios caso haja descumprimentodo contrato. Junta documentos e requera improcedência.

O autor replicou, juntando documen-tos.

Vieram os autos conclusos.É o relato. Decido.O processo enseja julgamento no

estado em que se encontra, conformedispõe o art. 330, inc. I, do CPC.

É o relatório. Decido.Pretende a autora realizar a revisão

do contrato imobiliário sob o argumen-to de que na época da contratação nãolhe teria sido oportunizado o pagamen-to à vista. Após ter pago dois anos deprestações concluiu que o valor eraexcessivo porque incidente juros irregu-lares por não ser a requerida agentefinanceiro.

Ainda pretende revisar cláusulas es-pecíficas, tal qual a que fixou o CUBcomo fator de correção das prestações,a que garante o direito da requerida emreceber eventuais diferenças de presta-ções e a que prevê a cláusula penalpara a hipótese de inadimplemento.

A princípio revela-se inverossímil oargumento trazido pela autora de que

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SENTENÇAS 107

não tenha tido oportunidade de aquisi-ção à vista do imóvel.

Em qualquer contrato de compra evenda, seja ele do mais simpleseletrodoméstico ou outro objeto qual-quer em que seja oportunizado o par-celamento, o primeiro pressuposto dasua realização é a aceitação do preço(valor). Somente num segundo momen-to é que se avalia a conveniência daforma de pagamento: à vista ou a pra-zo.

Isso é o que prevê a lei universal daprática do comércio que antecede àépoca do escambo.

A autora seria o desvio padrão dessaprática milenar? Especialmente nos diasatuais de orçamentos curtos e projeçõesnecessárias do comprometimento darenda? Por óbvio que não.

O que era inverossímil revela-secomo inverdade.

É a própria requerente a afirmar nainicial que na ocasião prévia à realiza-ção do negócio existiram tratativas, ain-da que poucas, sobre a possibilidade dopagamento à vista – fl. 02.

Na proposta por ela assinada em30-03-01 consta expressamente que paraa hipótese de aquisição à vista o paga-mento e, por conseguinte, a negociaçãodeveria ser junto à sede da requeridaque é em Porto Alegre – doc. fl. 97.

A autora fez a proposta na cidade deGravataí onde se situa o loteamento.

Ora, se as tratativas sob a modalida-de de pagamento à vista foram poucasé inarredável que interessou à requeren-te a parcelada. Prova disso é a suavinculação através da proposta sem terse dirigido à sede da requerida ondedeveria tratar da negociação do imóvelà vista.

Seria menosprezo considerar que arequerente levasse dois longos anoscumprindo o contrato para, repentina-mente, como iluminada por um lampejoda razão, ter adquirido a consciência deque queria pagar à vista, mas não lhehaviam proposto isso.

Paira no ar o odor do agenciamentodestas lides.

Por outro lado, nos dias atuais, seriaabsolutamente inexplicável que a ré pre-ferisse o pagamento do valor em cemparcelas como o foi ao invés de receberem uma única vez, quando a necessidadede capitalização é o grande desafio dequalquer espécie de empreendimento.

É simplesmente irreal o fundamentoinvocado.

Superado esse primeiro ponto, nãoé demasiado referir que autora aceitouo preço. Esse aspecto seguido da faci-litação na forma de quitação foi o móveldo negócio realizado.

A pretendida revisão da incidênciade juros remuneratórios no contratoreveste-se da mesma característica jáenunciada.

O exercício da pretensão da reque-rente vem amparada em mera suposi-ção de que há incidência de juros.

A inicial faz verdadeira construçãoteórica a respeito da existência de valo-res distintos para o imóvel, passando, apartir daí, presumir que há incidênciade juros.

Consta da inicial – fl. 04 – a expres-são : “[....] torna-se obrigatoriamente efacilmente presumível, que existiam doispreços distintos [....]”.

Não é necessário construir-se tantoargumento em torno disso. Há de se tercomo irrefutável que para as diferentesmodalidades de pagamento houvesse

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valores distintos. Esta também é umaregra universal da prática comercial. Isso,entretanto, não é determinante da con-clusão que haja incidência de juros.

Nisso se insere o custo do empreen-dimento, a manutenção, delimitação,individualização de lotes, regularizaçãodas matrículas, instalação da infra-estru-tura relativa a saneamento, água e luz,despesas de divulgação dos lotes, alémdo risco da eventual dificuldade decomercialização.

Não há qualquer previsão contratualque leve a essa conclusão. O valor aceitoe contratado foi de R$ 35.000,00. Essevalor simplesmente foi convertido emCUBs e dividido em 100 parcelas quecorresponderam ao valor de R$ 350,00acrescidas unicamente pela variação doíndice eleito que representa mera recupe-ração do valor monetário da prestação.

Não se viabiliza julgamento de teses,suposições ou presunções. Examinam--se fatos e no contrato nada induz tenhahavido a previsão de remuneração decapital.

Também não prosperam as demaisteses revisionistas atinente às demaiscláusulas.

O índice de correção das prestações,a par de ter sido eleito pelas partes àépoca da contratação, é usual em todasas transações imobiliárias. Além disso,representa efetiva garantia em favor doadquirente porque suas variantes estãoestritamente vinculadas às nuances domercado da construção civil, não tendoinfluência alguma dos demais índicesde inflação que ficam sofrem pressõesdos mais distintos setores da economia,mostrando-se sensíveis inclusive aoseventuais fenômenos de quebra de sa-fra, crise de abastecimento, etc.

Ademais, a requerida comprova pelocomparativo trazido à fl. 99 que o índi-ce tem sido favorável à autora, o quenão foi concretamente refutado por esta.Tal situação, aliás, não surpreende, poistem sido comum a verificação contábildos índices oficiais que possuem maiorbase de medição superarem aqueles quesão mais restritos a determinado setorda atividade econômico-produtiva.

Não há irregularidade alguma naquestionada cláusula terceira do instru-mento contratual.

Também não há na cláusula quartae seus parágrafos.

As disposições que visam a manuten-ção do equilíbrio econômico-financeirodo contrato possuem redação compatívelcom o propósito a que se dispôs.

A previsão em favor da ré de cobrardiferenças eventualmente advindas daaplicação da periodicidade dos reajustesmensais não contraria qualquer direitoda autora.

A hipótese de sua ocorrência estáconvenientemente explicitada na respostada ré – fl. 83.

Se a correção é orientada por umúnico índice – o CUB – a única hipótesede haver acúmulo de diferença em fa-vor da ré decorreria da falta de coinci-dência da data do pagamento da pres-tação e a época divulgação da variaçãodo CUB.

Há a possibilidade concreta de quea divulgação da variação do índice parao mês de referência se dê após a datado pagamento. Assim, para não incorrerem mora, o pagamento se efetiva peloíndice anterior, mas acumulando o resí-duo faltante para posterior compensa-ção na forma estipulada na mesma cláu-sula.

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A previsão é absolutamente oportu-na.

Esse mesmo dispositivo ocorre emfavor da autora e se insere no parágrafosegundo da cláusula quarta, observandoa harmonia e equilíbrio da relação con-tratual, onde se verifica que na hipótesede haver deflação do índice este tam-bém seria observado no valor da parce-la a ser paga. E tal efetivamente ocor-reu, diversamente do que afirma a au-tora. Basta que se verifique a planilhadas fls. 100/101 correspondentemente aovalor das parcelas correspondentes aoperíodo de maio e junho de 2002.

Lá consta que houve a redução devalor, acompanhando a deflação doíndice que está explicitado na tabela dafl. 98.

A cláusula, portanto, equilibra a re-lação contratual e impede perdas aambos os contratantes.

No que tange à clausula penal pre-vista por inadimplemento contratual,inviável é a revisão.

A compra e venda de imóvel não sealinha aos corriqueiros contratos devestuário ou eletrodomésticos, estes simgenuinamente identificados como rela-ção de consumo.

A Lei nº 8.078/90 não obstante tenhacaracterizado o imóvel como produtono seu art. 1º, § 1º, não significa con-cluir que tais contratos estejam subme-tidos integralmente às suas disposições.

Primeiro, porque a disposição emreferência apenas define que na relaçãoestabelecida o objeto da comercializa-ção se insere no conceito de produto.Penso que seria dispensável a disposi-ção legislativa, pois o que seria o pro-duto do contrato da compra e venda deum terreno, uma casa ou um aparta-

mento, senão o próprio imóvel. Tenhoque a lei disse o óbvio e, portanto nãoprecisava ter criado dispositivo específi-co a esse fim.

Segundo, porque o fato de ser “pro-duto”, compreendido no âmbito donegócio imobiliário, pela sua próprianatureza, importa compreender que essastransações não se coadunam com rela-ção de consumo, as quais necessaria-mente dispõem de um elemento pró-prio, peculiar – a extinção do própriobem pela sua destinação, o uso.

Terceiro, porque a referência legisla-tiva, no âmbito do que se dispôs aregular, não submeteu essas relações atodos os princípios por ela inauguradosno ordenamento jurídico, mas sim ape-nas àqueles que se fazem harmônicos àespécie contratual. Significa dizer quese determinados vínculos contratuais, porsuas peculiaridades próprias, já tinhamprincípios legais que lhes norteavam,não foram eles, em absoluto, revogadospelo estatuto consumerista.

É o caso específico dos autos emque a transação imobiliária comnascedoura regulamentação no Decretonº 58/37, encontra normatização pró-pria, portanto especial, na lei que dis-põe sobre o parcelamento do solo ur-bano – Lei nº 6.766/79.

Consta expressamente no art. 26, V,da lei acima referida o permissivo deque a cláusula penal nos contrato decompra e venda de imóveis, em caso deinadimplemento, se estabeleça naalíquota de 10%.

Assim, também sem razão alguma aautora neste aspecto.

É lamentável a vinculação em vogade toda e qualquer relação contratual àlei que regula relações de consumo.

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Nesse passo, a improcedência daação revisional é conseqüência natural.

Colho das manifestações da autora,especialmente no último parágrafo de fl.13 e os iniciais de fl. 14 a respeito da boa-fé, para também concluir que a iniciativade revisão contratual, nos termos em quese estabeleceu, com visível distorção darealidade dos fatos, insere-se entre ascondutas que caracterizam a litigância demá-fé. A propósito, tal hipótese encontra--se prevista no art. 17, II do CPC.

Pelo exposto, Julgo Improcedente a açãoproposta por S. D. K. contra B. E. Ltda.

Em virtude do que foi decidido ficamrevogadas as medidas deferidas por oca-sião da antecipação dos efeitos da tutelaconcedidos às fls 62 e 65 dos autos.

A autora fica condenada ao paga-mento das custas processuais e honorá-

rios advocatícios que fixo em R$ 3.500,00equivalentes a 10% do valor do contra-to, vez que o valor atribuído à causa foiirrisório.

Condeno, ainda a autora, de ofício,às penas da litigância de má-fé consis-tente na obrigação de pagar à ré o dobrodo valor da diferença que deixou derecolher, tendo-se como referência ovalor contratual de cada uma das pres-tações que se venceram e se vencerãono curso da lide e o valor de cadadepósito realizado.

Fica a ré autorizada a fazer o levan-tamento dos valores depositados, me-diante alvará.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.Porto Alegre, 27 de abril de 2004.Mário Roberto Fernandes Corrêa

– Juiz de Direito designado.

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Processo nº 1154585656 – Embargos do DevedorComarca de Porto Alegre15ª Vara Cível 1º JuizadoEmbargante: B. T. S. A.Embargados: G. I. P. e outrosJuiz Prolator: Giovanni ContiData: 28 de abril de 2004

Embargos à execução. Alegação denulidade do título executivo por ausên-cia de citação no processo originário,em virtude da aplicação do disposto noart. 515, § 3º, do CPC, acrescentado pelaLei nº 10.352/02. Reconhecimento da in-constitucionalidade da norma, em con-trole difuso da constitucionalidade dasleis. Vulneração aos princípios do devi-do processo legal, contraditório, ampladefesa e duplo grau de jurisdição. Em-bargos julgados procedentes.

Vistos.B. T. S. A., qualificada nos autos,

promoveu os presentes embargos à exe-cução proposta por G. I. P. e outros,alegando, em síntese, a nulidade do títuloexecutivo, em razão da ausência decitação no processo originário.

Intimados, os embargados impugna-ram a pretensão às fls. 18/20, sustentan-do a executividade do acórdão quecondenou a embargante.

Réplica às fls. 23/25.É o relatório.Decido.Efetivamente os embargos opostos

afloraram um problema antecipadamen-te alertado por vários juristas acerca doconteúdo do § 3º do art. 515 do CPC,acrescentado pela Lei nº 10.352/02.

Na ação ordinária de integralizaçãode ações proposta pelos embargados, odigno magistrado antecessor resolverjulgar extinta a demanda, indeferindo apetição inicial (fls. 91/94). O egrégioTribunal de Justiça, além de prover orecurso, resolveu julgar imediatamenteo mérito, fulcrado no disposto do § 3ºdo art. 515 do CPC, acolhendo a preten-são deduzida na exordial (121/129).

Evidente que o julgamento fere vá-rios princípios constitucionais, como dodevido processo legal, contraditório eampla defesa (art. 5º, incs. LIV e LV),aliás ressaltados na peça inaugural dosembargos. Não houve citação do em-bargante, sendo a execução nula depleno direito.

De outra banda, saliento que atravésdo Grupo de Estudos de Processo Civilda Escola Superior da Magistratura, tivea oportunidade de traçar algumas consi-derações sobre o tema, sustentando quea norma prevista no art. 515, § 3º, doCPC, introduzida pela Lei nº 10.352/2002,é inconstitucional, porque fere algunsprincípios esculpidos na Carta Política de1988. Os princípios: I) do duplo grau dejurisdição; II) do Juiz natural; III) docontraditório; e IV) da ampla defesa, fo-ram violados pela novel legislação. Alémdisso, como veremos adiante, carece ao

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Tribunal competência para originaria-mente conhecer de matéria que deveria,em princípio, ser objeto de análise dojuízo de primeiro grau.

Embora não previsto literalmente naConstituição Federal, o princípio doduplo grau de jurisdição é garantia fun-damental do cidadão, cuja origem his-tórica está assentada na Revolução Fran-cesa de 1789. O direito da parte litigan-te de ver um julgado sendo ree-xaminado por um juízo superior eColegiado é imprescindível na tutelajurisdicional, aliás monopólio do Esta-do, cuja previsão recursal dos julgadosestá implicitamente prevista no art. 5º,inc. LV, da CF “aos litigantes, em pro-cesso judicial ou administrativo, e aosacusados em geral são assegurados ocontraditório e ampla defesa, com osmeios e recursos a ele inerentes” (o grifoé nosso).

Na hipótese sob análise, veremos queo Tribunal, ao conhecer originariamentedo mérito da lide, que não foi sequerexaminada pelo juízo de primeiro grau,estará julgando na forma definitiva, sempossibilidade de um eventual recursopara superior instância, diga-se STF eSTJ, já que o requisito do prequestiona-mento é imprescindível para admissãodos recursos especial e extraordinário(Súmulas nºs 282 e 356 do STF).

Como o prequestionamento da ques-tão constitucional (preparatório do re-curso extraordinário) ou da questãofederal (preparatório para o recursoespecial), deve ser suscitado até as ra-zões ou contra-razões do recurso deapelação, fatalmente o requisito não seráobservado pelas partes, e nem poderia,porque não houve julgamento do méri-to da ação.

Outro princípio constitucional feridoé o do juízo natural, previsto pelo art. 5º,incs. LIII e XXXVII, da CF. Segundo esteprincípio, o processamento e julgamentodas causas devem-se dar perante Juizinvestido do poder jurisdicional, com acompetência devidamente indicada pelaConstituição Federal. Proíbe-se, ainda, eem consonância com esse princípio, acriação de Tribunais de exceção.

O princípio do contraditório (art. 5º,inc. LV, da CF) consiste na possibilidadede uma das partes contrariar pretensãoda outra parte, com possibilidade deprodução de prova. Tal princípio deveser observado durante toda relaçãojurídico-processual, com possibilidade dacontradita. Caso o Tribunal julgue ante-cipadamente, a parte vencida não pode-rá apresentar sua contrariedade, uma vezque, como já referido, o julgamento édefinitivo.

Também restou ferido o princípio daampla defesa (art. 5º, inc. LV, da CF),pois o julgamento antecipado do méri-to, não viabilizará eventual defesa daparte vencida ou revisão da matéria,estando a parte desamparada no seudireito de defender seus direitos.

Por fim, entendo que carece compe-tência ao Tribunal conhecer originaria-mente de matéria que deveria passarpelo crivo do juízo de primeiro grau.Conforme estabelece o § 1º, do art. 125,da Constituição Federal, “a competênciados tribunais será definida na Consti-tuição do Estado, sendo a Lei de Orga-nização Judiciária de iniciativa do Tri-bunal de Justiça”.

A Constituição do Estado do RS,estabelece no seu art. 95, inc. XIII, queao Tribunal de Justiça compete “julgar,em grau de recurso, matéria cível e pe-

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nal, não atribuída ao Tribunal de Al-çada” (o grifo é nosso). Já no art. 73do COJE, encontramos a competênciado Juízes de Direito, especialmente noque diz respeito à instrução e julga-mento das causas cíveis em geral (inc.XI, letra b).

Na mesma linha de pensamento, omagistério do Prof. Nelson Nery Junior(in Princípios Fundamentais – TeoriaGeral dos Recursos. São Paulo: EditoraRT, 1997, p. 43), in verbis: “O que ocor-re nesse caso, em verdade, é a discus-são sobre a competência do órgãojudicante para conhecer e julgar esta ouaquela questão ou causa. Nada tem aver com o duplo grau de jurisdição.Quando o CPC estabelece que a com-petência para julgar determinada causaé do Juiz monocrático de primeiro grau,quer isso significar que somente com asentença de mérito é que estará exau-rida a sua competência para oexercimento da atividade jurisdicional(art. 463, caput). Assim, se o Tribunalder provimento à apelação, este segun-do julgamento terá efeito apenas decassação, vale dizer, determina o retor-no dos autos ao juízo de primeiro grau,a fim de que este profira julgamentosobre o mérito. Entender o contrárioseria compactuar com a infringência denorma de competência hierárquica, jáque a causa seria julgada originalmentepelo tribunal destinatário da apelação.A burla seria, até, mais séria, pois seme-lhante atitude feriria o princípio do Juiznatural”.

Portanto, sob todos os aspectos,inclusive no concernente ao desprestígiodo Juiz de primeiro grau, entendo quea norma prevista no § 3º do art. 515 doCPC é inconstitucional, com respeito

aos que porventura entendam o con-trário.

Sobre o controle difuso das normas,saliento que não há uma ação semdemanda, haja vista que este é umpressuposto de existência do processo,e que só haverá demanda se houver umautor, é que, levando à risca o princípiodo nemo iudex sine actore (não há juízosem autor), o sistema de Controle Juris-dicional utiliza, do Direito Constitucio-nal comparado, dois modos principaispara o exercício do controle de consti-tucionalidade: concentrado (ou tambémchamado de controle abstrato) e difuso(ou também denominado de controleem concreto).

Caracteriza-se o controle difuso,quando compreender uma pluralidadede órgãos legitimados para exercer afiscalização, assim, todos os órgãos doPoder Judiciário podem atuar nessesentido. Não há um órgão específicopara tal finalidade, podendo tanto o Juizsingular quanto o Tribunal proceder aocontrole sobre a norma que não está emconformidade com os ditames constitu-cionais.

O controle por via de exceção (ouincidental) é próprio do controle difu-so. Por ele, cabe ao próprio interessa-do, quando apresenta sua defesa numcaso concreto, suscitar a inconstituci-onalidade. Todavia, entende-se quetambém é legitimado para argüir a in-constitucionalidade todos os partícipesnum processo, incluindo o MinistérioPúblico, nos casos em que atua comocustos legis. Responsável pelo julga-mento é o próprio juiz que está pre-sidindo o caso. A declaração não é oobjeto principal do litígio, mas como opróprio nome está dizendo, é uma

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questão incidente surgida num casoconcreto. Na via de exceção a decla-ração da inconstitucionalidade consti-tui uma questão prejudicial, que deveser sanada, pois dela depende a so-lução da causa principal do litígio.Não é ainda declaração de inconstitu-cionalidade de lei em tese, mastão-somente declaração de inconstitu-cionalidade num caso concreto.

Há que se dizer também que adecisão proferida pelo Juiz, na via deexceção, gera efeito apenas entre aspartes, não fazendo, desse modo, coisajulgada perante terceiros. Para tanto,seria necessário que a questão chegas-se até o Supremo Tribunal Federal atra-vés de recurso extraordinário, nos ter-mos do art. 102, inc. III, e alíneas, daConstituição Federal. No momento emque isso ocorre, o controle deixa deser o difuso, para se tornar um contro-le concentrado derivado da apreciaçãodo caso concreto. A decisão que decla-ra a inconstitucionalidade no caso con-creto é apenas declaratória, não impe-dindo que outros órgãos do judiciárioapliquem a respectiva lei, pelo menosaté que o Senado Federal, por resolu-ção, suspenda a sua executoriedade (art.52, inc. X, da CF).

O efeito da decisão no caso concre-to é ex tunc, ou seja, fulmina a relaçãojurídica firmada entre as partes desde oinício. A lei continua eficaz e aplicávelem todo o território nacional, pois comojá dito, necessária se faz a manifesta-ção do Senado Federal, para suspendera sua executoriedade. Mas essa mani-festação tem efeito apenas ex nunc, ouseja, não retroage e gera seus efeitosdaquele momento em diante. Impor-tante é saber que até a atuação do

Senado Federal a lei continua eficaz eaplicável, pois o que se sobrepõe é apresunção de validade das leis, daí dizerque a manifestação daquela Casa Le-gislativa não anula a lei, apenas lheretira a eficácia.

Caracteriza-se o controle concentra-do, quando há um órgão de cúpula, queno caso do Brasil é o Supremo TribunalFederal, legitimado constitucionalmentepara a guarda da Constituição.

É o controle por via de ação, con-centrado ou abstrato, diferentemente davia de exceção, no controle abstrato, ofim primeiro da ação é a própria decla-ração de inconstitucionalidade ou cons-titucionalidade, conforme o caso, ouainda, através da argüição de descum-primento de preceito fundamental. Nãohá um caso concreto de onde surgeuma questão incidente, porque o únicoobjeto da ação já é a inconstitucionali-dade da lei em tese. Não interessa,portanto, que haja previamente uma lideentre particulares. A ação surge por simesma para expurgar do ordenamentojurídico a norma que se encontra emdesacordo com a Constituição. A decla-ração de inconstitucionalidade (ou cons-titucionalidade) já é, por assim dizer, opedido da ação.

Por fim, técnica de fundamentalimportância que vem sendo aplicada pelaCorte Máxima, é o controle concentradoda constitucionalidade mediante a inter-pretação conforme a Constituição e adeclaração de inconstitucionalidade semredução de texto.

Desta forma, através do controle difu-so das normas, declaro expressamente ainconstitucionalidade do § 3º do art. 515do CPC, anulando a execução proposta,uma vez que o título restou formado pela

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aplicação, aliás inadequada, da referidanorma declarada inconstitucional.

Diante do Exposto, julgo procedentesos presentes embargos à execução pro-postos pela B. T. S. A., contra G. I. P.e outros, para declarar a inconstituciona-lidade do § 3º do art. 515 do CPC, anu-lando a execução.

Condeno os embargados ao pagamen-to das custas e honorários advocatíciosque fixo em R$ 500,00, ônus suspensosface ao deferimento da AJG.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Porto Alegre, 28 de abril de 2004.Giovanni Conti – Juiz de Direito.

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Processo nº: 00112842563 – Ação Indenizatória por Danos MoraisComarca de Porto Alegre3ª Vara Cível 1º JuizadoRequerente: L. T. S.Requerido: H. F. S. e C. M. J.Juiz prolator: Mauro Caum GonçalvesData: 1º de junho de 2004

Ação de indenização. Dano moral.Atividade jurisdicional. Alegação recur-sal ofensiva à honra da Magistrada quepresidiu o feito. Atipicidade penal do fatonão exclui o direito da requerente embuscar a indenização na seara cível.Atuação dos requeridos que infringe asnormas e procedimentos processuais, bemcomo os deveres de decoro e boa-fé. Sen-tença procedente. Critérios para fixaçãodo quantum indenizatório.

Vistos.1) Relatório:L. T. S., qualificada na inicial, moveu

ação indenizatória em face de H. F. S.e C. M. J., igualmente qualificados, ale-gando que os demandados teriam atu-ado como procuradores de parte emprocesso de investigação judicial, em quea atividade jurisdicional era exercida pelaautora, como juíza eleitoral. Afirma que,após ser exarada sentença, que foi des-favorável ao então acusado daqueleprocesso eleitoral, quando da interposi-ção de recurso, por parte da defesa, osprocuradores, ora demandados, “joga-ram dentro do processo” declarações queindicariam a suspeição da magistrada,alegando suposta vinculação dela como filho de M. G. B. S., este quem firmoua comunicação que deu bases ao pro-

cesso investigatório. Deram, pois, se-gundo sustenta, a entender a parcialida-de da juíza, fazendo supor que essateria um “caso” com quem tinha interes-se no resultado da demanda em queatuava. Acerca disso, asseverou que opróprio Tribunal Eleitoral se manifestouno sentido de rechaçar a atitude dosprocuradores do lá recorrente, ora de-mandados, eis que, em momento algum(quer no processo investigatório, querna peça recursal), alegaram ou sustenta-ram a suspeição da autoridade judicial,limitando-se a juntar declarações dealguns cidadãos que dariam a entendersua parcialidade, o que evidenciaria amá postura processual desses procura-dores. Segue narrando que os requeri-dos, atuando sempre ao “arrepio dasregras processuais” (eis que não teriamse utilizado de devido incidente proces-sual de suspeição, o que teriam feito demodo a impossibilitar o pronunciamen-to da demandante sobre o tema), visa-vam a denegrir “o conceito da autoraaos olhos de seus superiores hierárqui-cos e aos de todos que tivessem acessoaos autos”, pelo que acabaram por atin-gir sua honra, causando conseqüenteabalo de ordem extrapatrimonial. Re-quereu, pois, a procedência da ação,com a condenação dos requeridos ao

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pagamento de indenização por danosmorais, em monta a ser judicialmentearbitrada, conforme as peculiaridades docaso, corrigível pelo IGP-M, desde osentenciamento, e acrescida de juros demora legais, desde a data do fato. Ins-truiu a inicial com os documentos dasfls. 11/297.

Devidamente citados, os requeridostempestivamente contestam, suscitando,em preliminar ao mérito, a impossibili-dade jurídica do pedido, por inexistirinfração disciplinar e, conseqüentemen-te, conduta punível. No mérito, afirmamque, em momento processual algum semanifestaram no sentido de abalar ahonra da requerente. Narram que, casoa autora entenda devida indenizaçãopecuniária, por decorrência de eventualdano à sua honra, resultantes de decla-rações contidas nos autos, deveria de-mandar contra os declarantes, não con-tra eles, que apenas atuaram como pro-curadores de parte naquele processo, enada teriam comentado, pessoalmente,a respeito da magistrada. Afirmam quea relação da magistrada com terceiroque possuía interesse no deslinde da-quela lide investigatória era pública enotória (e teria sido, inclusive, admitidopela autora), pelo que suscitar esse fatonão poderia redundar em dano. Reque-reram a extinção do feito, sem análisede mérito, por reconhecimento de im-possibilidade jurídica, em acolhimento àpreliminar; ou, alternativamente, nomérito, a improcedência da ação. Junta-ram os documentos das fls. 321/397.Postularam a gratuidade judiciária.

A autora replicou, afirmando que,relativamente à preliminar argüida, aimunidade assegurada aos advogados élimitada à lei, e que nenhuma lei estaria

a autorizar o excesso da ofensa à honraalheia. Afirma que, ao atuar de maneirafurtiva e antiética, objetivavam os re-queridos evitar ou afastar as conseqüên-cias da conduta lesiva disposta. Afir-mou, ainda, que a conduta dos procu-radores era totalmente desnecessária paraaquela defesa processual, porque versa-va sobre fatos que não guardariamnenhuma relação com o fato naquelemomento sob discussão judicial, e, por-tanto, não guardaria nenhuma vincula-ção com a argumentação naquele pro-cesso aduzida. Quanto ao mérito, afir-mou que em nenhum momento daque-le processo eleitoral admitiu ter tidorelacionamento com terceiro que supos-tamente teria interesses na solução dademanda, mas que apenas teve umaligação passageira com aquela pessoa(em momento em muito anterior àqueleda condução processual/atuação jurisdi-cional), o que não teria, fatidicamente,a mesma conotação. Salienta, por fim,que era parte processual neutra, e que,acaso estivesse corroída por parcialida-de, ter-se-ia dado por impedida parajulgar aquela contenda, conforme pre-ceitos legais. Ademais, esclarece que adiscussão desse fato é prescindível àsolução desta contenda, eis que adebacle litigiosa deste caso reporta àrepercussão da conduta dos requeridos(dano) na subjetividade/íntimo da auto-ra, e não à atuação desta. Ao fim, rei-terou seus postulados iniciais.

Foi concedida, inicial e provisoria-mente, ao demandado H., a gratuidadejudiciária. Ao seu consorte, C., o bene-plácito requerido foi indeferido, tambémem caráter provisório. Posteriormente,em apreciação a incidente de impugna-ção ao pedido de gratuidade judiciária

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formulado pelos demandados, propostopela demandante, foi revogado, emcaráter definitivo, o benefício deferidoao requerido H. e indeferido, tambémdefinitivamente, o benefício postuladopor C. Consta cópia dessa decisão nosautos, às fls. 438/442.

Instadas as partes para manifestaremseu interesse na produção de outrasprovas, sob pena de renúncia, o reque-rido H. postulou a produção de provaoral, ao passo em que a autora reque-reu o julgamento da lide, por entenderque a causa estaria “madura para ojulgamento”.

A prova oral requerida foi indeferi-da, eis que indemonstrada a sua rele-vância e por ser considerada dispensá-vel à solução da demanda. Essa decisãorestou inatacada por recurso de agravo,retido ou por instrumento.

A instrução probatória foi encerrada.Vieram os autos conclusos para sen-

tença.Foi o relatório.Passo a fundamentar a decisão.2) Fundamentação:A questão nuclear de mérito para

desenlace da controvérsia reside em seestabelecer se o agir dos requeridos seconstituiu em ato capaz de gerar danosà requerente.

A preliminar de impossibilidade ju-rídica do pedido não é, de rigor, preli-minar processual, pois depende doexame do mérito, com este se confun-dindo, razão pela qual adiante, com eleserá analisada.

Como bem salientado pelos requeri-dos, o documento da fl. 436 dá conta dadecisão judicial que determinou o ar-quivamento do inquérito policial que seoriginou a partir da representação crimi-

nal procedida pela requerente (fls. 13),por inexistir tipicidade penal para osfatos, o que, aliás, já havia sido apon-tado pelo Ministério Público, segundose infere daquela decisão.

Entretanto, tal em nada influencia omérito da presente demanda, cuja natu-reza é absolutamente distinta da penal.

Aliás, cumpre referir, neste particu-lar, que o próprio juízo que determinouo arquivamento do procedimento poli-cial, não dando nascedouro a uma açãopenal, refere que a conduta dos reque-ridos foi desvinculada da ética profissi-onal, salientando a intenção velada delevantar a suspeição da magistrada, semobservância da correspondente técnica.

Frise-se, por oportuno, que a imu-nidade profissional dos advogados nãoé absoluta, conforme reiteradamentevem decidindo o STJ, o que tambémafasta a alegação de carência de ação,por suposta impossibilidade jurídica dopedido, valendo transcrever a seguinteementa: “Direito civil e processual ci-vil. Dano moral indenização. Advoga-do. Excesso. Inaplicabilidade da ‘imu-nidade’ profissional. Precedente. Nega-tiva de prestação jurisdicional. Inocor-rência. Legitimidade passiva do advo-gado. Litigância de má-fé. Reexame dosfatos da causa. Dano moral. Liquida-ção. Recurso desacolhido. I – Segundoa jurisprudência da Corte, a imunidadeconferida ao advogado no exercício dasua bela e árdua profissão não consti-tui um bill of indemnity. A imunidadeprofissional, garantida ao advogado peloEstatuto da Advocacia, não alberga osexcessos cometidos pelo profissional emafronta à honra de qualquer das pes-soas envolvidas no processo. II – Oadvogado, assim como qualquer outro

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profissional, é responsável pelos danosque causar no exercício de sua profis-são. Caso contrário, jamais seria eleunido por seus excessos, ficando aresponsabilidade sempre para a parteque representa, o que não tem respal-do em nosso ordenamento jurídico, in-clusive no próprio Estatuto da Ordem.III – A indenização por dano moraldispensa a prática de crime, sendo bas-tante a demonstração do ato ilícito pra-ticado. Ademais, nos casos de indeni-zação por dano moral, é suficiente ademonstração do ato irregular. IV – Afixação do valor indenizatório por danomoral, em regra, dispensa a liquidaçãopor artigos, podendo ser por arbitra-mento. Melhor seria, inclusive, que afixação do quantum fosse feita desdelogo, independentemente de liquidação,buscando o juiz dar solução definitivaao caso e evitando inconvenientes eretardamento na solução jurisdicional”(Resp nºs 163221-ES e 1998/0007471-6,STJ, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio deFigueiredo Teixeira, em 28-06-01).

Considere-se, ainda, acerca do tema,o entendimento da superior instânciadeste Estado: “Civil. Responsabilidade ci-vil. Dano à honra de magistrado. Ilícitocivil. Arbitramento da indenização. 1.Na reparação do dano moral, não hánecessidade de provar a dor e o cons-trangimento causados a honra, pelo atoilícito, pois isto constitui reação normalda pessoa a ofensa, nem a falta destaprova traduz inépcia da inicial. Prelimi-nar rejeitada. 2. A imunidade judiciária,outorgada aos advogados, tem somenteefeito penal e não elimina, no caso deofensa a honra do magistrado, a inci-dência do art. 159 do CC. [...]” (Apela-ção Cível nº 596108860, 5ª Câmara Cí-

vel, Tribunal de Justiça do RS, Rel. Des.Araken de Assis, julgado em 01-08-96).

Considerando a inexistência de pre-visão expressa na legislação eleitoralquanto ao procedimento aplicam-se, noque couber, subsidiariamente, as regrasdo CPC, dentre elas a forma pela qualas partes e procuradores devem se portarem juízo, qual seja, a regra do art. 14desse compilado de normas.

Em atenção a isso, constata-se, porprimeiro, a possibilidade jurídica dopedido da autora e, por segundo, queos demandados infringiram ao que pre-ceitua esse dispositivo legal, notadamenteseus incs. II e IV.

É de se relatar que a atuação dosrequeridos, além de infringir às normase procedimentos processuais, falta comdecoro, porque dificultou à magistradao conhecimento das imputações que lhefizeram, impossibilitando que sobre elasse manifestasse, de modo a analisar, elamesma, como era de ser, a supostasuspeição.

O fato de simplesmente juntarem aosautos declarações de terceiros, no intui-to de fazer a superior instância crer quea juíza teria atuado sem o desvelo im-prescindível para seu cargo, deixando,entretanto, de esclarecer os fatos e asimputações referidas, e sem que teces-sem comentários e fundamentos acercade uma pretendida suspeição judicial,poderia fazer com que tais “informa-ções” induzissem a diferentes interpreta-ções, subjetivas, aleatórias e imprecisas,de modo a conduzir o entendimento daTurma julgadora à pior conotação pos-sível, relativamente à postura da reque-rente.

Se não argüiram a pretendida sus-peição quando era cabível, era de se

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esperar, como boa conduta, que assu-missem a preclusão temporal, bem comoque esta se deu por sua exclusiva culpa.Ademais, era de se esperar que atinas-sem que a juntada daqueles documen-tos, pelo modo que foi feita, não faci-litaria, em nada, o deslinde da questãorecursal, mas, ao revés, veio a se cons-tituir em ato inútil e temerário ao pro-cesso. Um verdadeiro “golpe baixo”.

Acaso a pretensão original tenha sidoa de caracterizar uma nulidade proces-sual, o que conseguiram, em verdade,foi afrontar aos instrumentos processuaise atuar de modo malicioso e indigno daprofissão.

Não é o fato de, como sustentam,não terem sido os autores das declara-ções, juntadas inoportunamente àquelesautos, que lhes destituiria da responsa-bilidade cabível.

O que se discute é a sua atuação econseqüências dela advindas. Em refe-rência a isto, é de mencionar ser indis-cutível a ocorrência de dano moral.

A atitude que das partes vinculadasa um processo se deve esperar é a declareza em suas manifestações, retidãoem sua postura, em suas sustentações eem suas imputações, na intenção de nãopassar entendimentos nas entrelinhas enão dificultar a compreensão dos fatose de suas afirmações, bem como a defesadas demais partes.

Não foi essa a conduta dos deman-dados, que adentraram nos limites damá-fé processual e desrespeitaram aautoridade judicial que atuou naquelecaso. Por sua conduta deverão respon-der, in caso na esfera Cível, porque aatipicidade penal não afasta a ilegali-dade ou a ilegitimidade do ato pratica-do.

Há prova de dano, que está con-substanciada no agir maldoso dos re-queridos, que tem, sim, o condão deredundar em abalo de ordem extrapatri-monial, eis que fez abalar a moral e ahonra da magistrada, por gerar dúvidaacerca da sua competência, da sua isen-ção e capacidade profissional.

Ora, o magistrado, por conduzir, emnome do Estado, ente soberano, a di-vergência de interesses particulares esociais, imprescinde da aprovação geralsobre sua figura, não podendo sofrerdescrédito popular, sob pena de suadecisão não gerar convencimento, cain-do em desprestígio. Se a intenção dosrequeridos não era a de causar esteconstrangimento, inevitavelmente o pos-sibilitou. Nisso se constituiu o dano.

Indiscutível o erro dos requeridos,resta determinar o valor a ser indeniza-do, em relação ao dano moral sofridopela requerente. A indenização por danomoral visa a compensar a sensação desofrimento e humilhação.

Não se pode perder de vista, porém,que, à satisfação compensatória, soma-se o sentido punitivo e pedagógico daindenização, de maneira que assumeespecial relevo, na fixação do valorindenizatório, as condições sócio–eco-nômicas das partes.

Assim, tem relevância não apenas aanálise da intensidade do sofrimentocausado, para se estimar o valor a seindenizar, mas também a capacidadefinanceira dos infratores, para que searbitre um valor suficientemente capazde prevenir ocorrência de nova condutaidêntica.

Então, em outras palavras, em rela-ção ao valor indenizável, pesa certificarque há de ser fixado em consonância

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com o poderio econômico dos requeri-dos, para que não perca o seu caráterde sanção, vez que a pena deve sempretrazer uma desvantagem maior que avantagem auferida pelo crime/ilícito, paraque exerça a prevenção sobre o atodanoso (Teoria da Prevenção), semconstituir enriquecimento sem causa àoutra parte.

Portanto, se é certo que o dano éirreparável, é justo que haja, ao menos,uma compensação em virtude do errodos demandados.

Compensação esta que fixo em valorcorrespondente a 250 (duzentos e cin-qüenta) salários mínimos, vigentes no diada prolação da presente, corrigidos mo-netariamente (desde tal data) e acresci-dos de juros de mora de 1% ao mês, 12%ao ano, pela exegese do art. 406 doCódigo Civil de 2002, combinado com oart. 161, § 1º, do Código Tributário Na-cional (desde a data de cometimento doilícito – conduta indecorosa, isto é, adata do protocolo da apelação no pro-cedimento eleitoral (15-09-00 – fl. 104).

3) Dispositivo:

Isso posto, julgo procedente o pedi-do formulado por L. T. S. nos autos daação indenizatória que moveu em facede H. F. S. e C. M. J., e condeno osdemandados, solidariamente, a pagar àrequerente indenização de cunho mo-ral, em valor equivalente a 250 (duzen-tos e cinqüenta) salários mínimos, vi-gentes na data da prolação da presentesentença, que deverão ser corrigidos peloIGP-M, desde esta data, e acrescidos dejuros de mora de 1% ao mês, 12% aoano, desde a data do ilícito (15-09-00).

Sucumbentes, arcarão os demanda-dos com o pagamento das custas proces-suais e honorários advocatícios devidosaos patronos da autora, que fixo em 20%sobre o valor da condenação pecuniária,atualizado, forte no artigo 20, §3º, doCPC, considerando o grau de zelo dosprofissionais, a natureza e a importânciada causa, e o trabalho eminentementetécnico realizado pelos advogados.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Porto Alegre, 1º de junho de 2004.Mauro Caum Gonçalves – Juiz de

Direito.

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Processo nº 00102397230 – Ação Civil PúblicaComarca de Porto Alegre4ª Vara da Fazenda Pública 1º JuizadoAutor: E. R. G. S.Réus: J. F. V. e outrosJuiz prolator: Fernando Carlos Tomasi DinizData: 06 de julho de 2004

Improbidade administrativa. Requi-sitos. Ônus da prova. Diferença entreimprobidade e incompetência do admi-nistrador. Honorários advocatícios. Açãojulgada improcedente.

Vistos.O E. R. G. S. aforou ação de

improbidade administrativa contra J. F.V., J. E. L. B., A. C. P. S. e F. R. S. Ltda.,por terem incorridos nos arts. 9º, 10 e11 da Lei nº 8.429/92 quando da licita-ção do fornecimento de carnes variadaspara estabelecimentos prisionais e hos-pitais públicos da capital e regiãocircunvizinha nos anos de 1996 a 1998,tudo para beneficiar a última ré, emvirtude do direcionamento do primeiroEdital, simulação de situação emergen-cial, irregular revogação de licitação,fracionamento de licitações, superfa-turamento, tolerância com inexecuçãocontratual e promoção de festa a servi-dores. Requereu a aplicação das san-ções previstas no inc. I do art. 12 daaludida da lei, ou, sucessivamente, ados incs. II e III.

Citado, o réu J. F. V. apresentoucontestação (fls.53/74), alegando, pre-liminarmente, a ocorrência de litiscon-sórcio passivo necessário, a incompe-tência absoluta do juízo de primeiro

grau, necessidade de complementaçãodo pólo passivo e de extinção do pro-cesso sem julgamento do mérito, porilegitimidade passiva e nulidade abso-luta dos atos impugnados. No mérito,dissertou sobre a precariedade da CELIC,denunciada em correspondência de21-11-96 remetida ao Diretor do Depar-tamento, não aceitando a acusação deomisso ou negligente. Negou tenhadeixado transcorrer cerca de quarentadias para exarar despacho em expe-diente licitatório ou que tenha protegi-do o Frigorífico. Não participou da pri-meira concorrência e utilizava na com-pra de produtos alimentícios editais pa-dronizados. Referiu que a dispensa delicitação se dava por estrita necessida-de, sugerida pela assessoria técnica, enão tramitou por seu departamento oexpediente de revogação de licitação.Ponderou ser nula a sindicância instau-rada, por cerceamento de defesa.

A. C. P. S. contestou às fls. 128/152,mencionando que devem ser descon-siderados os fatos anteriores à sua no-meação, em 04-04-96, e aqueles verifi-cados no período de seu afastamento,de 02 de julho a 10-12-98. Argüiu ainépcia da inicial e sua ilegitimidadepassiva. Alguns atos não podem seratribuídos aos requeridos, uma vez que

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praticados em cumprimento à orienta-ção da CELIC, e não haveria elementosobjetivos a indicar a existência de dano.

Ao contestar (fls. 154/162), J. E. L. B.levantou a preliminar de inépcia dainicial. No mérito, acoimou de inverídicaa assertiva do autor de que teria exer-cido o cargo de Diretor do Departamen-to de Julgamento e Contratos da Centralde Licitações. Sua função era de Chefede Divisão, para a qual foi nomeado emde 11-06-96 a 1º-04-98, quando se exo-nerou. Reprova a iniciativa do requeren-te de atribuir a todos os suplicados res-ponsabilidades diversas por atos deimprobidade administrativa em momen-tos e situações distintas e a inculpaçãoque lhe é conferida.

Contestando (fls. 203/220), o F. R. S.esgrimiu a preambular de ilegitimidadepassiva. Quanto ao meritum causae,confirmou que firmou, por intermédiodo DECAM, contrato destinado ao for-necimento de carnes para órgãos daadministração durante o exercício de1996, seguindo o padrão utilizado emoutros procedimentos. Expirada a vigên-cia do contrato, limitou-se a manifestarsua concordância na continuidade dofornecimento, aceitando as prorrogaçõesemergenciais, enquanto não surgia al-guém capaz de confeccionar um edital.Sempre efetuou o fornecimento porquerecebeu as notas de empenho gravadaspela própria CAGE, presumindo regula-ridade no procedimento. Não podemser considerados como ímprobos os atosdecorrentes da inabilidade do adminis-trador e quando não houver favo-recimento ou dano ao erário.

O suplicante ofereceu réplica, comba-tendo as preliminares deduzidas e repi-sando os termos da inicial (fls. 242/264).

O Ministério Público emitiu parecerpelo deferimento das denunciações dalide (fls. 265/267).

Em decisão das fls. 268/269, foi afas-tada a incompetência absoluta e a inclu-são de O. V., M. S., A. B. e J. M. no pólopassivo, mas sim a de A. P. R. e de R.H. S. M., a qual foi agravada por instru-mento por J. F. V..

A. P. R. contestou (fls. 292/295),defendendo sua ilegitimidade passiva.Absteve-se de adentrar no centro dademanda, porque não participou diretaou indiretamente do certame licitatório.

R. H. S. M. apresentou contestação(fls. 298/317), também se dando porparte ilegítima. Salientando que seuproceder não foi irregular, lembrou docaos administrativo instaurado na CELICà época. Alertou o coordenador dedespesas A. C. P. S. acerca da inviabi-lidade legal de novas dispensas funda-das na emergência. Seu último pareceremitiu em 27-06-97. Expressou que agiuno estrito cumprimento de seu dever enão há nem indícios de ter enriquecidoilicitamente em razão de seu cargo.

O demandante replicou (fls. 324/326),externando ser indevido o chamamentodos dois últimos demandados.

Decidiu-se (fls. 349/351) que a res-ponsabilidade de todos os réus seriaanalisada em sentença, e pela realizaçãode prova pericial e oral.

Quesitos apresentados, o laudo pe-ricial está juntado às fls. 404/439. Se-guiram-se as manifestações dos litigan-tes.

Para a instrução, foram ouvidas oitotestemunhas, havendo a desistência deduas delas.

As partes exibiram seus memoriais(fls. 569/610).

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O Ministério Público opinou pelaparcial procedência da ação.

É o relatório.As prefaciais elaboradas pelos

contestantes foram enfrentadas ao ense-jo dos saneadores das fls. 268/269 e349/351. As que não foram contempla-das naquelas prolações estão intrinseca-mente ligadas ao meritum causae – bemfrisado à fl. 351 –, e como tal serãoexaminadas.

Primeiramente destaco, com todo orespeito, que a determinação de atrairaos autos A. P. R. e R. H. S. M. não foicompatível com o princípio dispositivoestampado no art. 128 do CPC. O ilustreprolator fez as vezes de um autênticoinquisidor. Não que o magistrado nãopossa determinar a complementação dopólo passivo. Entretanto, isso só seriapossível aqui com uma antecedenteemenda da exordial, já que naquela peçanão há o menor vestígio da participaçãodos litisdenunciados.

De qualquer sorte, nada se produziupara justificar essa ulterior denunciação.

O instituto da improbidade adminis-trativa em boa hora veio integrar oordenamento jurídico, com o adventoda Lei nº 8.429/92. Colima evitar oenriquecimento ilícito (art. 9º), o prejuízoao erário (art. 10) e a violação dosprincípios inerentes à AdministraçãoPública (art. 11).

É uma demanda de natureza civil,mas que devido às graves sanções im-postas aos envolvidos, repercutindo in-tensamente na sua esfera moral – aestigma provocada é severa, profunda ehumilhante – e patrimonial, a procedên-cia deve se cercar dos idênticos cuida-dos e rigores dispensados a uma con-denação penal. Isso significa dizer que

seu quadro probante deve ser absoluta-mente nítido. Se estiver um poucoesmaecido ou pintado com cores mistu-radas e indefinidas, o desfecho deveráser de desacolhida, a exemplo do trata-mento dado ao denunciado criminal, quese beneficia da dúvida.

A prova deste feito, adianto, nãotranqüiliza, e por isso o encaminho paraum julgamento de improcedência.

Antes de esquadrinhar o conjuntoprobatório, devo sublinhar que a peti-ção inicial, embora não seja inepta, foiconfeccionada sem atentar para a me-lhor técnica. A mesma rigidez exigidade uma denúncia criminal naindividualização da conduta dos agen-tes deveria ter sido observada pelo autor,que quase escorrega para a vala comumda descrição generalizada. Essa atecnia,porém, não foi abraçada na réplica (fls.242/264).

Ao requerente pesava o encargo defazer a prova de suas alegações, nospassos do art. 333, I, do Estatuto Proces-sual Civil. Ele não se desincumbiu deseu encargo. Deu ares de objetiva auma responsabilidade eminentementesubjetiva, a saber: “Ação de improbidadeadministrativa. Prefeito. Responsabilida-de subjetiva. Participação no ato deimprobidade. Ação ou omissão. Acumu-lação de cargos públicos. Vice-Prefeitoe engenheiro. 1. A responsabilidade doprefeito pela prática de ato deimprobidade administrativa não decorreda mera qualidade de Chefe do PoderExecutivo. Trata-se de responsabilidadesubjetiva que exige sua participação noato ímprobo por ação ou omissão. 2. Éde ser rejeitada a ação para aplicaçãodas sanções pela prática de ato deimprobidade administrativa, se a petição

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inicial não descreve a participação doPrefeito no ato inquinado de ímprobo.Hipótese em que a inicial imputa aoPrefeito ter permitido a acumulação peloVice-Prefeito da remuneração do cargopúblico efetivo de engenheiro munici-pal. Ação rejeitada” (Apelação Cível nº70006639652, 22ª Câmara Cível do TJRS,Relª Desª Maria Isabel de Azevedo Sou-za, j. em 07-10-03).

O tripé que dá sustentação jurídicaà improbidade administrativa ostentaparticularidades.

Dos três fundamentos, apenas a lesãoaos cofres públicos admite a modalidadeculposa. Para os outros dois restaremcaracterizados é mister o dolo do admi-nistrador e dos terceiros interessados.

Não há, destarte, nenhum resquíciode prova no processo de que os reque-ridos tenham se locupletado modo espú-rio no exercício de sua atividade laborativapara o suplicante. Há quanto a esse temaum hiato probativo invencível. Logo, amoldura do art. 9º da Lei nº 8.429/93 nãoficou preenchida.

O prejuízo ao erário – o segundosuporte fático – em que pese possa seevidenciar com base tão-só na culpados servidores e fornecedores, igualmen-te não se configurou processualmente.

Não houve o apontado superfatu-ramento, nem o autor experimentouperda patrimonial.

A propósito, é flagrantemente falhoo critério do demandante de buscar nasimples comparação com os preçosanteriormente convencionados a consta-tação do superfaturar. Essa verificaçãopara ser eficaz deve ter por comparativoos preços praticados no mercado na-quele lapso temporal. Fora disso é tudo“chute”.

A expert, por seu turno, asseverou“que não é possível qualquer relaçãoentre as condições de mercado e ospreços contratados para o ano de 1996,para o ano de 1997 e para os meses dejaneiro a março de 1998” (fl. 421).

A carne, como item econômico sa-zonal, tem seu preço influenciado porinúmeros fatores. A redução de preços,dependendo da fase produtiva em quese estiver – safra ou entressafra –, afe-tada pela implacável Lei da Oferta e daProcura, não é nenhuma epopéia. Aperita bem explorou isso no quesito 5.1(fl. 421).

A planilha de fl. 415 revela que, noano de 1997, a diferença mensal entreo preço de mercado e o contratado como frigorífico seria de R$ 4.955,00. Comonão se está computando nesse cotejo ocusto para o Rio Sul do transporte dosprodutos, a serem entregues emdezenoves locais distintos (fl. 423), al-guns em Municípios vizinhos, encare-cendo sobremaneira a obrigação, pode--se afirmar que houve um certo equilí-brio. Essa equivalência se repete emjaneiro de 1998 (fl. 418) e se tornaescandalosamente lucrativa para o Esta-do, em R$ 50.720,35, em março de 1998(fl. 420). Não foi à toa que o empreen-dedor recorreu à concordata.

É forçoso assinalar que os valorespagos ao contraente, exceto no tocanteà “carne bovina de primeira, sem osso”(esta, contudo, correspondia à cotaçãode mercado – fl. 417), estavam dentrodo máximo previsto pela Contadoria eAuditoria Geral do Estado – CAGE (en-tidade a quem está afeta a pesquisa demercado – art. 11 do Decreto Estadualnº 37.288/97), via levantamento feito peloInstituto para o Desenvolvimento e

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Organização Racional do Trabalho –IDORT (quesito 5 – fls. 426/427).

O requerente se reporta aos demons-trativos da fl. 408 para comprovar osuperfaturamento. Nada mais equivoca-do. Ocorre que aquele cotejamento estáassentado no contrato original nº 035/95,decorrente do Edital nº 022/95, de09-11-95 (fls. 06/19 e 33/40 do Anexo),firmado quando os principais acusados J.F., J. E. e A. C. nem sequer haviam sidoadmitidos no serviço público. Ou seja,quer o suplicante lamentavelmenteresponsabilizá-los por ato de que nãoparticiparam ou tiveram ingerência.

Justamente por isso fica sem sentidoo propalado direcionamento permitidopelo Edital nº 022/95. Aliás, o demandan-te, no particular, é contraditório. Censurao Edital nº 022/95 por ele ser abrangente,e os procedimentos licitatórios SPI10389-1202/97-9 e 009491-2406/97-9(fls. 06/07) exatamente por serem fra-cionados. O que quer, afinal?

Não havendo faturamento excessivoe conseqüente desfalque do tesouroestatal, da mesma forma não se cogitada tipicidade que colore a figura do art.10 da Lei de Improbidade.

Volto a gizar que “frustrar a licitudede processo licitatório ou dispensá-loindevidamente” (inc. VIII) sem concre-tizar a “lesão ao erário” referida no caputdo supracitado art. 10 não conforma umato ímprobo.

O autor, ademais, parte de falsapremissa. Faz supor que contratar comele é desejado por todos, como se issofosse a coisa mais aprazível e rentáveldo mundo. Ledo engano. São poucos osque se atiram nessas empreitadas, dadaa fama dos entes públicos de não serembons pagadores. Obviamente que os

lanços são feitos prevendo os licitantesos constantes atrasos do administrador,certamente implicando tal sistemáticapreços majorados. Essa negativa reputa-ção foi confirmada pelas testemunhasA. C. B., A. B. O. e O. A. V.. Vejamosfragmentos de seus relatos: “{....] E nãoeram muitos os interessados em partici-par. Normalmente a carne era um pro-blema sério, capital muito alto, o Estadoatraso. Não tinha muitas empresas quemanifestavam interesse. A gente man-dava, convocava sindicato, publicava osanúncios além do previsto para tentarchamar mais gente” (fl. 516).

“[....], porque o fornecimento de gê-neros perecíveis é muito complicado, nósestamos fornecendo esse mês sem empe-nho, até hoje, hoje é dia 20 de agosto enão recebemos o empenho do mês deagosto ainda quando a lei diz que agente só deve fornecer depois de recebero empenho, mas existe uma ordem porescrito de um Diretor lá para a gentefornecer porque senão os presídios ficamsem pão e aí complica a situação. Entãoexistem esses disparates às vezes nas li-citações, o prazo não é cumprido, nemos recursos” (fl. 545).

“[....] Essa questão de gêneros alimen-tícios é complexa, não só na questão decarnes, mas gêneros mais perecíveis, hor-taliças, às vezes é difícil alguém que quei-ra e principalmente o Estado às vezes temproblema de pagamento, acaba não apa-recendo concorrente na hora e alimenta-ção de presídios, casas de abrigos, acabanão podendo esperar [....]” (fls. 561/562).

Para dimensionar a indiferença daconcorrência, basta ter presente quenenhum potencial fornecedor verberoucontra as sucessivas contrataçõesemergenciais.

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Intriga, outrossim, que em nenhummomento foi insinuado quem seria oprovável elo de ligação entre a empresae os servidores corrompidos. A todaevidência deveria ter alguém in-termediando essa trapaça. Causa espécie,portanto, que mesmo diante das profu-sas falcatruas indigitadas não tenha orequerente logrado descobrir quem forao corruptor. O silêncio sobre a identida-de desse indivíduo é realmente misterioso.

Tudo conspira, vê-se, contra o supli-cante.

Remanesce, por conseguinte, a aná-lise da situação fática à luz do dispostono art. 11 da Lei nº 8.429, de 02-06-92.A improbidade atentatória aos preceitosda boa administração pública reclamaum dolo específico. É imperativo, pois,estar realçado o ânimo dos agentes dedesprezarem os dogmas de um honesto,leal e transparente administrar dos inte-resses públicos. A má-fé deve estarintrojetada no seu espírito e norteandosua atuação. A jurisprudência não dis-crepa desse entendimento: “Administra-tivo. Ação civil pública. Ato deimprobidade: Tipificação (art. 11 da Leinº 8.429/92). 1. O tipo do art. 11 da Leinº 8.429/92, para configurar-se como atode improbidade, exige conduta comissivaou omissiva dolosa. 2. Atipicidade deconduta por ausência de dolo. 3. Recur-so especial provido” (RESP nº 534575-PR– 2003/0083502-0, 2ª Turma do STJ, RelªMinª Eliana Calmon, j. em 09-12-03, DJ,29-03-04, p. 00205)

Não detectado o agir doloso, impossí-vel acoimar os suplicados de desonestos.

Houve inegavelmente uma deplorá-vel demora até serem tomadas as pro-vidências definitivas visando ao restabe-lecimento da normalidade no forneci-

mento de carne, com quatro repetidasrenovações emergenciais, fazendo inclu-sive tábula rasa do art. 24, IV, in fine,da Lei nº 8.666/93. No entanto, repetin-do, a menos que se queira dar foros deresponsabilidade objetiva à matéria, nãohá como qualificar os demandados como rótulo pretendido pelo demandante.

Simplesmente não há prova do dolode “retardar ou deixar de praticar,indevidamente, ato de ofício” (inc. II doart. 11 da Lei nº 8.429/92).

O réu J. F. V. lançou um repto aoautor: prove tenha ele ficado quarentae cinco dias para exarar parecer (fl. 59).O requerente passou em branco nessedesafio.

É preciso cautela para interpretar oartigo legal em comento. E isso porquepodem ser muito tênue os limites queseparam a improbidade da incompetên-cia. O requerente incorreu nesse enga-no. Tratou uma incompetência como sefosse uma improbidade.

Ímprobo é o mal-intencionado, ocanalha (está no íntimo, na personalida-de). Esse ser é perigoso para a socieda-de e é ele quem é perseguido pelolegislador. Incompetente é quem nãotem aptidão (exceto nos casos psiquiá-tricos, é elemento extrínseco da pessoa– sinaliza que com um pouco de disci-plina e afinco ela consegue melhorarsua performance).

Não dá, com efeito, para esperar doincompetente o que ele, com toda suaboa vontade, não tem tarimba para fa-zer, assim como não se pode esperaruma jogada de craque de umperna-de-pau.

Ora, o suplicante nomeia um “en-genheiro de formação” (fl. 138) paragerir um órgão eminentemente técnico e

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incompatível com a engenharia e temainda a esperança de que o nomeadoseja a quintessência da gestão empresa-rial. Nessas alturas, ímprobo é quem, parasatisfazer caprichos político-partidários, fazde cargo estratégico na hierarquia admi-nistrativa um reles cabide de emprego.

Além do mais, nem ao menos criouum ambiente de trabalho favorável paraos requeridos. A Central de Licitaçãoestava em ebulição, passando por re-centes transformações organizacionais.Paralelo a isso, protagonizou uma gran-diosa movimentação de pessoal, a qualse mostrou para o setor de licitaçõesextremamente hostil, porquanto permu-tou funcionários experientes e capacita-dos por inexperientes e incapacitados.Só poderia dar no que deu! Os testemu-nhos coligidos são categóricos e expres-sivos: “[....] Houve dificuldade na tran-sição da Secretaria da Fazenda para aSecretaria da Administração. Daí pas-sou muita gente de volta para a Secre-taria da Fazenda. E daí colocaram pes-soas novas para trabalhar nesse período.[....]. Foram colocando pessoas novas atécom pouca experiência. Então aí quehouve o maior problema de recursoshumanos. [....]. Colocaram pessoas comfalta de experiência. Tiraram pessoas quetinham bastante conhecimento em fazereditais, em tudo, em geral. E colocarampessoas novas com pouco conhecimentona área de licitações. Isso é o que euacho” (J. F. M. – fl. 513).

“[....] Eu trabalhei no antigo DECANque era um órgão vinculado à Secreta-ria da Fazenda até em 96. E lá em 95ele foi transformado em CELIC. Trocou,foi para a Secretaria da Administração.Pouco depois eu saí e voltei para a Fa-zenda. Todos os funcionários foram ce-

didos. Veio uma decisão do governo detirar aquele órgão da Secretaria da Fa-zenda e colocar na Secretaria da Admi-nistração. A partir daí a coisadegringolou um pouco porque virou umórgão político. Antes era só pessoal téc-nico que trabalhava ali. E daí começaraa colocar gente ali, na minha opinião,sem competência. [....]. Por isso eu digo,o pessoal não sabia fazer um edital.Botaram gente que não sabia sequerfazer um edital. Para mim era incom-petência. O órgão foi desestruturado. Ti-raram o pessoal que tinha todo conheci-mento do órgão e botaram gente que nãosabia fazer nada, um cc, que estava ládentro e não sabia fazer um edital [....]”(A. C. B. – fls. 516 e 519).

“[....] O que me chama atenção atéhoje é a desorganização que este órgão.A Central de Licitações era DECAN naépoca, que era um órgão da Fazenda edepois de um determinado momento queeu não lembro qual foi desmembradopara a CELIC e passou a ser vinculadoà Secretaria de Administração a Recur-sos Humanos. Para os fornecedores hou-ve um desmonte daquilo que acontecia,as pessoas que entendiam de licitaçãosaíram de lá, foram para a Fazenda ecolocaram pessoas lá que até hoje aindanão conseguem cumprir a lei, eu diriaaté [....]” (A. B. O. – fl. 545).

Com tamanho desdém do suplicanteà qualificação profissional dos servido-res da CELIC, não se deve tachar deímproba a omissão não querida – atéprova em contrário – pelos omissoresnão-enriquecidos ilicitamente e que nãotenha acarretado prejuízo concreto aoEstado.

A atacada revogação da licitação nãoenfeixa em si uma improbidade. A

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motivação utilizada para o cancelamento– existência de contrato emergencial – éno mínimo razoável. Bem ou mal, estan-do um contrato em vigência, ao deman-dante cumpria honrá-lo. Nas palavras deA. C. B. (fl. 519), “se existe um contratode compra e venda com prazo determi-nado tem que respeitar o direito docontratado. Porque daqui a pouco ele jáadquiriu a mercadoria, aqui nós estamosfalando de produto perecível. Falandona regra geral se eu contratar uma em-presa para fornecer material por 6 meses,ele pode ter estocado e estar na expec-tativa de fornecer para o Estado. Normal-mente os contratos eram respeitados”.

Pode-se não concordar com essaopinião. Todavia, deve-se admitir queela tem lá sua plausibilidade.

Nada se construiu para a comprova-ção de que a festa realizada no sítio deV. foi a expensas do F. R. S. e, mais,com a finalidade deliberada de corrom-per os comensais. Igual deficiência pro-batória se verifica pertinente à fustigadainexecução contratual, o que compro-mete irreversivelmente a pretensão doautor.

Enfim, se para a eclosão desse qüi-proquó também concorreram, direta ouindiretamente, a CAGE, a assessoriajurídica, a própria Procuradoria-Geral doEstado e, numa visão macro, o Estadodo Rio Grande do Sul, em prover comprosélitos despreparados postos de tra-balho vitais para uma sincrônica engre-nagem da máquina pública, não se afi-gura sensato dá-la como obra exclusivados suplicados, que são favorecidos –reitero – pela incerteza do contextoprovativo.

O ajuizamento não foi malicioso, namedida em que havia espaço na documen-

tação já em seu poder para a investidajudicial deflagrada pelo demandante. Emrazão disso, ficará desobrigado de su-portar os honorários advocatícios dospatronos dos demandados.

Oportuno transcrever à guisa de ar-remate uma ementa do Superior Tribunalde Justiça, ventilando as teses retro ado-tadas, a qual não se cinge a um prece-dente; é uma singular lição de comoaplicar a Lei de Improbidade Administra-tiva: “Ação de improbidade administrati-va. Ausência de má-fé do administradorpúblico. 1. A Lei Nº 8.429/92 da Ação deImprobidade Administrativa, queexplicitou o cânone do art. 37, § 4º, daConstituição Federal, teve como escopoimpor sanções aos agentes públicos in-cursos em atos de improbidade nos ca-sos em que: a) importem em enriqueci-mento ilícito (art.9º); b) que causemprejuízo ao erário público (art. 10); c)que atentem contra os princípios daAdministração Pública (art. 11), aquitambém compreendida a lesão à mora-lidade administrativa. 2. Destarte, paraque ocorra o ato de improbidade disci-plinado pela referida norma, é mister oalcance de um dos bens jurídicos acimareferidos e tutelados pela norma espe-cial. 3. No caso específico do art. 11, énecessária cautela na exegese das re-gras nele insertas, porquanto sua ampli-tude constitui risco para o intérpreteinduzindo-o a acoimar de ímprobascondutas meramente irregulares, susce-tíveis de correção administrativa, postoausente a má-fé do administrador públi-co e preservada a moralidade adminis-trativa. 4. In casu, evidencia-se que osatos praticados pelos agentes públicos,consubstanciados na alienação de remé-dios ao Município vizinho em estado de

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calamidade, sem prévia autorização le-gal, descaracterizam a improbidadestrictu senso, uma vez que ausentes oenriquecimento ilícito dos agentes mu-nicipais e a lesividade ao erário. Aconduta fática não configura aimprobidade. 5. É que comprovou-senos autos que os recorrentes, agentespolíticos da Prefeitura de Diadema,agiram de boa-fé na tentativa de ajudaro Município vizinho de Avanhandava asolucionar um problema iminente desaúde pública gerado por contaminaçãona merenda escolar, que culminou nosurto epidêmico de diarréia na popula-ção carente e que o estado de calami-dade pública dispensa a prática de for-malidades licitatórias que venha a colo-car em risco a vida, a integridade daspessoas, bens e serviços, ante o retarda-mento da prestação necessária. 6. É cedi-ço que a má-fé é premissa do ato ilegale ímprobo. Consectariamente, a ilegalida-de só adquire o status de improbidadequando a conduta antijurídica fere osprincípios constitucionais da Administra-ção Pública coadjuvados pela má-fé doadministrador. A improbidade administra-tiva, mais que um ato ilegal, deve tradu-zir, necessariamente, a falta de boa-fé, adesonestidade, o que não restou compro-vado nos autos pelas informações dis-poníveis no acórdão recorrido, calca-das, inclusive, nas conclusões da Co-missão de Inquérito. 7. É de sabençaque a alienação da res publica reclama,em regra, licitação, à luz do sistema deimposições legais que condicionam edelimitam a atuação daqueles que lidamcom o patrimônio e com o interessepúblicos. Todavia, o art. 17, I, b, da Leinº 8.666/93 dispensa a licitação para aalienação de bens da Administração

Pública, quando exsurge o interessepúblico e desde que haja valoração daoportunidade e conveniência, concei-tos estes inerentes ao mérito adminis-trativo, insindicável, portanto, pelo Ju-diciário. 8. In casu, raciocínio diversoesbarraria no art. 196 da ConstituiçãoFederal, que assim dispõe: ‘A saúde éconsiderada dever do Estado, o qualdeverá garanti-la através do desenvol-vimento de políticas sociais e econô-micas ou pelo acesso universal e igua-litário às ações e serviços para sua pro-moção, proteção e recuperação’, dis-positivo que recebeu como influxo osprincípios constitucionais da dignidadeda pessoa humana (art. 1º, III), dapromoção do bem comum e erradicaçãode desigualdades e do direito à vida(art. 5º, caput), cânones que remontamàs mais antigas Declarações Universaisdos Direitos do Homem. 9. A atuaçãodo Ministério Público, pro populo, nasações difusas, justificam, ao ângulo dalógica jurídica, sua dispensa em supor-tar os ônus sucumbenciais, acasoinacolhida a ação civil pública. 10.Consectariamente, o Ministério Públiconão deve ser condenado ao pagamen-to de honorários advocatícios e despe-sas processuais, salvo se comprovadamá-fé. 11. Recursos especiais providos”(RESP nº 480387/SP – 2002/0149825-2,1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, j. 16-03-04,DJ, de 24-05-04, p. 00163).

Em face do exposto, julgando im-procedente o pedido, condeno o autora pagar metade das custas processuais,ficando isento da verba honorária.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Porto Alegre, 06 de julho de 2004.Fernando Carlos Tomasi Diniz –

Juiz de Direito Substituto.

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Processo nº 00111275813 – Ação Declaratória e Indenização por Danos MoraisComarca: Porto AlegreVara: 1ª Vara Cível 2º JuizadoRequerentes: M. A. F. e K. K. F.Requeridos: A. H. M. V., U. – F. C. M. R. G. S. Ltda.Juíza prolatora: Munira HannaData: 02 de agosto de 2004

Plano de saúde. Contrato coletivoempresarial. Negativa de cobertura peloPlano de Saúde. Atendimento de gestan-te no Centro Obstétrico em razão de partoprematuro. Distinção entre atendimentode emergência e urgência. Afastado oatendimento de emergência. Obrigatorie-dade do pagamento da internação pelacontratada.

Vistos.M. A. F. e K. K. F., qualificados na

inicial, ajuizaram ação declaratória denulidade de título cumulada com inde-nização de danos morais, com pedidode antecipação de tutela, contra A. H.M. V. e U. – F. C. M. R. G. S. Ltda.

Em síntese dos fatos, afirma a autoraque é dependente no contrato empresa-rial pelo TRT da 4ª Região de prestaçãode serviços médico-hospitalar e ambula-torial com a empresa Unimed/RS. Afir-ma que o objeto do contrato prevê oatendimento médico-hospitalar e ambu-latorial por parte da contratada em es-tabelecimentos próprios contratados oucredenciados, afirmando que, por suavez, a autora efetua os pagamentos daquantia avençada na cláusula quatorzee suas devidas alterações. Diz que oparágrafo único da cláusula primeiradescreve as coberturas do serviço obje-

to do contrato em questão, esclarecen-do que nos incs. II, III e XIV desseparágrafo é feita referência à amplacobertura hospitalar, ambulatorial eobstétrica do plano da autora.

Relata os fatos, dizendo que em18-06-02, grávida de 32 semanas, entrouem trabalho de parto prematuro e, porindicação de sua médica, procurou oCentro Obstétrico da Maternidade doHospital M. V. e lá, após alguns exames,foi constatada a necessidade de interna-ção. Foi internada pela U. no CentroObstétrico, onde recebeu soro, ingeriumedicamentos como Bricanyl, fez acom-panhamento fetal, através do chamadoMAP e lá ficou até receber alta médica.As despesas foram cobertas pela U.

Afirma a autora que, em 26-06-02, omesmo quadro médico se repetiu. En-trou novamente em trabalho prematurode parto e se dirigiu ao Centro Obsté-trico, recebendo os mesmos cuidados.Teve alta na manhã do dia seguinte.Alega que, em nenhum momento foicomunicada de que deveria proceder opagamento de qualquer quantia aohospital. Foi internada pelo convênioque mantém com a U. Alega que, parasua surpresa, as despesas da segundainternação não foram cobertas pelo Pla-no de Saúde U.

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Relata a autora que a filha dos au-tores nasceu em 18-07-02 no HospitalM. V., dizendo que tudo transcorreu nor-malmente em relação ao plano de saú-de, não sendo a autora avisada de queteria uma dívida junto ao Hospital. Afir-ma que, somente em agosto de 2002,após decorridos 14 dias do nascimentoda criança, os autores foram surpreen-didos com uma correspondência doHospital cobrando as despesas de inter-nação dos dias 26/27 de junho de 2002.Afirmam que várias foram as tentativasde entendimento com a U., tendo essaalegado que a empresa não teria convê-nio com o ambulatório do Centro Obs-tétrico do M. V. Enfatizam que o planode saúde da autora cobre as despesastanto ambulatorial quanto hospitalar eque em momento algum foram informa-dos de que o plano não cobria todas asdespesas. Alegam que, a partir do rece-bimento da correspondência, acabou osossego familiar e os transtornos nastentativas de resolver a questão vierama causar a diminuição do leite materno.Também resultaram angústias ao casalque não tinha condições financeiras paracobrir as despesas.

Alegam os autores a responsabilida-de objetiva da U. que levou os autoresa acreditarem que poderiam novamenteusufruírem dos mesmos serviços que daprimeira vez foram cobertos pelo planoe a má-fé e negligência do hospital queaceitou nas duas vezes a internação dapaciente, através do convênio, sem avi-sar que a U. não cobria a despesas.Entendem que a U. ou o Hospital M. V.deve arcar com as despesas e serresponsabilizados pelos erros.

Postulam a nulidade do título levadoa protesto pelo Hospital, pois o mon-

tante não é devido. Em razão do abalomoral sofrido, quando da cobrança dotítulo, postulam seja fixado um valor àtítulo de indenização por dano moral.

Em antecipação da tutela, requerema não-inclusão de seus nomes nos ca-dastros do SPC e SERASA e a suspensãodos efeitos do protesto do título.

Postulam AJG e juntam documentosnas fls. 21 a 56. Na decisão da fl. 57, foideferida a AJG e a antecipação da tutelapara sustar os efeitos do protesto.

Foi requerida a contagem do prazoda contestação em dobro, com base noart. 191 do CPC.

Citada, a U. contestou os termos dainicial, fls. 65 a 76. Em preliminar, alegaa contestante a ilegitimidade ativa dosautores que admitem serem beneficiá-rios de contrato coletivo empresarial fir-mado pelo Tribunal Regional do Traba-lho da 4ª Região, ou seja, não foram osautores que contrataram com a requeri-da. Alega que a lei não autoriza a reivin-dicação por não contratante de benefícioque vai além do contrato ou, até mesmo,a sua revisão. Quanto ao mérito, diz queo contrato foi celebrado entre a deman-dada e o TRT/4ª em 01-09-99 e segue ospreceitos da nova Lei dos Planos deSaúde, nº 9.656/98. Diz que os limitesdas coberturas previstas nas avenças estãoadstritos a dois requisitos essenciais ebásicos: que o profissional seja devida-mente habilitado, ou seja, deve ser mé-dico cooperativado e que os locais ondeserão prestados os serviços médicos se-jam próprios, contratados ou credenciadospelas contratada, tudo de acordo com acláusula primeira. Com relação aos fatos,afirma que, de fato, a autora recebeuatendimento no Centro Obstétrico doHospital M. V. por duas oportunidades;

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a primeira, em 18-06-02 e a segunda, em26-06-02, sendo liberado no dia 27 pelamanhã. Afirma que os dois atendimentosdecorreram de ameaça de parto prema-turo, sendo que, em ambas as oportuni-dades, a autora não chegou a ser inter-nada. Relata que, na primeira oportuni-dade, a demandada autorizou o custeiodas despesas, pois a médica assistente daautora, Dra. B. N. solicitou, através deformulário de solicitação de autorizaçãohospitalar padrão, a baixa hospitalar paraduas diárias. Diz que foi autorizada abaixa hospitalar, tudo de acordo com ocontrato do qual a autora é beneficiária.Diz que, embora solicitada a baixa hos-pitalar, a autora não foi internada epermaneceu o tempo todo no CentroObstétrico do Hospital M. V., não tendoa demandada conhecimento do fato e,por isso efetuou o pagamento das des-pesas hospitalares normalmente. Afirmaque, na segunda ocasião, em 26-06-02, aautora teve o mesmo atendimento, po-rém não houve solicitação da médicapara baixa hospitalar, sendo, por isso,negada a cobertura das despesas juntoao Centro Obstétrico do Hospital M. V.Alega que assim procedeu porque oHospital M. V. não é credenciado paraatendimento de eventos urgentes.

Alega a requerida que a autora temdireito a ter atendimento em casos deurgência, emergência, acompanhamen-to pré-natal, tudo de acordo com aminuta contratual, mas não pode exigirque a ré arque com as despesas havidasem estabelecimento não credenciado.Afasta a possibilidade de ser considera-da como abusiva a cláusula que estabe-lece que os prestadores de serviços sejamsomente os credenciados. Junta do-cumentos nas fls. 77 a 131

Citado o Hospital M. V. ofereceucontestação, fls. 134 a 141. Com relaçãoaos fatos, confirma que a autora esteveinternada em 27-06-02 para realizaçãode procedimento ambulatorial com a Dra.B. N., apresentando-se como conveniadada U. Afirma que o convênio de saúdenegou a cobertura do procedimentomédico, tendo o Hospital encaminhadocobrança bancária em 16-07-02, no va-lor de R$ 804,10, com vencimento em05-08-02. Afirma ser regular e legítima acobrança , porque, por ocasião da inter-nação, o esposo da autora preencheutermo de hospitali- zação onde estáprevisto que aqueles serviços médicosnão cobertos pelo convênio serão co-brados diretamente do paciente benefi-ciado ou do responsável signatário doreferido termo. Alega que duas são asrelações estabelecidas: uma do pacientee seu plano de saúde e outra do hos-pital e o paciente. Junta documentosnas fls. 142 a 147.

Houve réplica, na qual afastam osautores a preliminar argüida. A prelimi-nar foi rejeitada na decisão da fl. 155.

As partes foram intimadas para dize-rem quais as provas desejam produzir.

Manifestaram-se as partes pela pro-dução de prova testemunhal.

Foi designada audiência de instru-ção. Nessa, foram prestados depoimen-tos pessoais e ouvidas as testemunhasarroladas, fls. 181 a 183 e 192 a 197.

Encerrada a instrução, o debate foisubstituído por entrega conjunta dememoriais.

Em suas alegações, afirmam os au-tores que o plano de saúde da autoraé um dos mais completos de todos,englobando atendimento ambulatorial ehospitalar. Afirma que a questão sub

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judice diz respeito ao contrato entre aU. e o Hospital e não restou esclarecidonos autos. Alegam que os réu deveriamchegar a um consenso do que são con-siderados atendimento de emergência einternação e os procedimentos cobertospela U. ou não.

A U., em memoriais, reedita os argu-mentos da contestação e faz análise daprova produzida. Afasta a existência dedanos morais, dizendo que não há pro-vas desses.

O Hospital M. V., em memoriais, afir-ma que procedeu a cobrança após aexpressa negativa de cobertura pelo pla-no de saúde, referente às despesas cominternação em 27-06-02. Alega que nãocabe ao Hospital questionar os termos econdições acertados entre o paciente eseu plano de saúde. Conlui que, quandonão há o adimplemento da obrigaçãopelo convênio, não resta outra alternati-va ao Hospital senão buscar a satisfaçãode seu crédito através dos meios que oordenamento lhe faculta.

É o relatório.Decido .A preliminar argüída pela contestante

U. já foi afastada. Quanto ao mérito,impõe-se a análise da prova.

Conforme relato dos autores, a au-tora recebeu atendimento médico hos-pitalar em duas ocasiões antes do seusegundo parto que ocorreu em 18-07-02.Em 18-06-02, a autora recebeu atendi-mento no Centro Obstétrico do HospitalM. V. e teve autorizado o custeio dasdespesas, pois solicitada a internaçãohospitalar da autora por sua médicaassistente Dra. B. N., através de formu-lário de solicitação de autorização hos-pitalar padrão, sendo a baixa para duasdiárias.

Em 26-06-02, foi novamente prestadoatendimento no Centro Obstétrico doHospital M. V. à autora, sendo essa libe-rada em 27-06-02. Em ambas as ocasiões,os atendimentos prestados decorreram deameaça de aborto prematuro, sendo que,em ambas as oportunidades, a autoranão chegou a ser internada.

Conforme afirmado pela requeridaU., foi autorizada a baixa hospitalar deacordo com o contrato do qual a autoraé beneficiária, porém a autora não foihospitalizada, permanecendo no CentroObstétrico do Hospital M. V.

Conforme documento juntado pelaU., fl. 129, solicitação de AIH, firmadapela Dra. B. N., foi solicitada a interna-ção, por trabalho de parto prematuro naautora, nos dias 18 e 19-06-02, por doisdias. Alega a requerida que a autorateve autorizado o custeio das despesas,pois solicitada a internação hospitalarem formulário padrão pela médica as-sistente da autora. No entanto, diz arequerida que, quando da segunda in-ternação, não houve solicitação de in-ternação pela médica, o que não corres-ponde com a documentação dos autos.Consta da fl. 126, a solicitação de AIHassinada pela médica assistente da auto-ra para internação por trabalho de partoprematuro por um dia, em 27-06-02.Nesse, o pedido foi negado sob a alega-ção de que o atendimento foi prestadono ambulatório, local não credenciadopela U.

Não restou demonstrado nos autosque a U. tenha informado aos autoresde que o atendimento ambulatorial pre-visto no contrato de que é beneficiáriaa autora não prevê o atendimento peloHospital M. V. A requerida não produ-ziu tal prova, limitando-se a anexar o

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SENTENÇAS 135

manual com os locais credenciados, ondese encontram também os locais queprestam atendimento de emergência.Destaco, no entanto, que o caso daautora não poderia ser atendido em umsimples local de emergência, pois emcaso de parto prematuro deveria ter oatendimento de urgência transformadoem internação para a realização do parto,talvez até em situação de risco.

Observo que o Hospital M. V. estáentre os locais cadastrados para atendi-mento pela U., pois, em caso contrário,a autora não teria sido atendida porocasião do seu segundo parto realizadoem 18–07-02 com todas as despesas co-bertas pelo convênio de saúde.

Os depoimentos das testemunhasesclarecem os fatos. A médica S. A. G.M., fl. 183 e verso, cooperada e auditorada U. afirma que não autorizou o paga-mento da segunda internação. Alega queo convênio não prevê o atendimento noCentro Obstétrico, a não ser quando entrano Centro e é atendida e já tem o parto,passando a ocupar leito. Disse que ana-lisou o prontuário e como o pedido erade um dia de internação, indeferiu opedido. A testemunha alegou a possibi-lidade de engano no pagamento da in-ternação anterior, por ter a pessoa queautorizou ter visto o pedido de interna-ção. Também afirmou a testemunha queo exame MAP é feito no Centro Obsté-trico e é pago pela U. Alega que quandoa U. não paga, por não ter sido autori-zado pela auditora, o Hospital podecobrar da U. Afirma não saber se a Dra.B., médica assistente da autora, temconhecimento de que não há coberturaambulatorial no Hospital M. V.

A testemunha B. N., fls.194 a 197,médica da autora, afirma que o Hospital

M. V. não tem pronto atendimento paraconveniados da U. Afirma que o Hos-pital tem um Centro Obstétrico ondetodas as gestantes são atendidas emestado de urgência, quando precisamser atendidas. Não é emergência, pois éum serviço só para pacientes grávidas,onde elas são avaliadas pela enfermeirae após é chamado o médico para dizerse a paciente fica internada ou se temque fazer exames ambulatoriais. Relataque, a partir daí, a paciente fica inter-nada ou não. Afirma a testemunha queeste procedimento não é emergência deconvênio. Esclarece a testemunha quetodas as suas pacientes são internadasno Hospital M. V., no Centro Obstétricopela U., mesmo ficando duas horas, umahora, cinco horas, vinte horas, depen-dendo do caso, pois o Hospital atendepacientes pela U. no Centro Obstétrico.

Como já afirmado anteriormente, ocaso da autora não era de emergênciaespecificado no manual da U. Tratava--se de internação para atendimento departo prematuro que veio a não ocorrer,mas necessitou de exames do tipo MAPque é realizado no Centro Obstétrico doreferido Hospital. Houve negativa damédica auditora da U. na autorizaçãoda cobertura das despesas de interna-ção por um dia e realização de exameMAP, sendo afirmado pela própria mé-dica que, quando não há autorizaçãopara cobertura de exame MAP, o Hos-pital pode cobrar diretamente da U., ouseja, admite que o pagamento do exa-me deveria ter sido coberto pelo convê-nio a qual a autora é dependente.

Afasto o atendimento de emergênciano Centro Obstétrico, pois em caso departo prematuro, esse poderia ter ocor-rido e necessitaria da internação e do

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atendimento da médica assistente daautora. Cabia à U. o pagamento dasegunda internação da mesma formacomo procedeu da primeira vez.

Existente o débito, esse deverá sercobrado da U. Não pode o Hospitalarcar com o prejuízo, uma vez queprestou o atendimento e a própriamédica auditora afirma que o exameMAP é coberto pela U. Descaracterizadoo atendimento do Centro Obstétricocomo de emergência, deverá também aU. suportar o pagamento do restantedas despesas.

Como o exame MAP é pago pela U.,conforme afirmado por sua auditora, essefato deveria ser de conhecimento doHospital. Sendo assim, não poderia oHospital ter emitido o título no valor dodébito pretendido, pois deveria buscaro pagamento do exame junto à U.

Quanto ao dano moral, não há comonegar que a cobrança de um título queos autores não tinham como devidocausou abalo no momento pós-parto. Ocasal estava tranqüilo, quanto ao aten-dimento que havia sido prestado noHospital, através do convênio de saúdee, de repente, foi surpreendido com acobrança de um débito referente a umadas internações. A situação causouintranqüilidade e abalo psicológico, oque não se pode negar. Também cau-sou transtornos, pois iniciaram-se asnegociações para solução do problemajunto às requeridas. Impossível afastar oabalo moral pela cobrança indevida deum título levado a protesto. As conse-qüências são imediatas e o abalo psico-lógico atinge aos envolvidos que se vêempressionados pela cobrança de um dé-bito que tinham como inexistente. Tam-

bém a publicação do nome do autor nalista de protestados no Jornal do Comér-cio, fl. 50, comprova o abalo moralsofrido pelo mesmo.

Em razão do abalo de ordem moral,procede o pedido de indenização for-mulado pelos autores. Deve, no entan-to, ser observado o caráter da indeniza-ção por dano moral que deve servirpara reprimir a prática reiterada dos atospraticados e, ao mesmo tempo, indeni-zar pelos prejuízos sofridos, sem, noentanto, causar enriquecimento indevi-do a uma das partes. Deve haver umaadequação ao quantum a ser fixado, detal forma que sirva de reprimenda aocausador do dano moral e indenizaçãoao lesionado na proporção do danosofrido. Entendo como adequado ao caso,a fixação do valor da indenização pordano moral aos autores em R$ 2.400,00,sendo R$ 1.200,00 para cada um.

Diante do exposto, Julgo Procedenteo pedido dos autores. Declaro nula aduplicata nº 10388, emitida contra oautor. Torno definitiva a liminar conce-dida. Condeno a requerida U. a pagaraos autores a quantia de R$ 2.400,00 àtítulo de indenização por danos morais,com atualização monetária pelo IGP-M,a contar da data da sentença, e juros demora de 6% ao ano, com base no CódigoCivil de 1916, a contar da citação.

Condeno as requeridas ao pagamen-to das custas e honorários advocatíciosda parte contrária, no percentual de 50%para cada uma, que fixo em R$ 500,00,considerando o trabalho da profissional,com base no art. 20, § 4º, do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Porto Alegre, 02 de Agosto de 2004.Munira Hanna – Juíza de Direito.

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Processo nº 33.705 – Ação Cautelar InominadaProcesso nº 34.576 – Ação Declaratória de Nulidade de Cláusula c/c Manuten-ção de Contrato e Antecipação de TutelaComarca: Santa Rosa3ª Vara CívelRequerente: L. C. Ltda.Requerido: U. S. S. S. A.Juíza: Inajá Martini BigolinData: 22 de novembro de 2004

Cautelar e declaratória de nulidadede cláusula contratual. Contrato de se-guro de saúde aplicação do CDC. Lesãoao consumidor-segurado. Renovação au-tomática do contrato. Direito adquirido.

Vistos.L. C. Ltda. ajuizou ação declaratória

de nulidade de cláusula c/c manutençãode contrato e antecipação dos efeitos datutela contra U. S. S. S. A., ambos qua-lificados na inicial.

Narrou o autor que é titular da apó-lice nº 0000000 – S. S. U. P. E., desde oano de 1995, atualmente com doze usuá-rios. Informou que o requerido semnenhum motivo comunicou que seucontrato não se renovaria automaticamen-te, tendo em vista a cláusula 24 da apó-lice. Requereu a incidência do CDC; aaplicação da Lei nº 9.656/98, que tornouobrigatória a renovação do contrato apóso vencimento; a manutenção do contratocomo tutela antecipada. Postulou pelaprocedência do pedido e a condenaçãoda parte requerida no pagamento dascustas judiciais e honorários advocatíci-os. Acostou documentos – fls. 12/49.

A inicial foi emendada, sendo junta-do instrumento de procuração e contra-to social – fls. 55/64.

Foi mantida a liminar concedida naAção Cautelar nº 33.705 – fl. 65.

A parte requerida foi citada e con-testou. Argüiu, preliminarmente, a faltade interesse de agir, tendo em vista oacordo firmado. No mérito alegou alegalidade da não revogação do contra-to e seu cabimento; a inaplicabilidadeda Lei nº 9.656/98 e a licitude da cláu-sula que permite a não renovação au-tomática do contrato, bem como que opróprio CDC permite a rescisão unilate-ral do contrato. Propugnou pela extin-ção do processo sem julgamento demérito ou pela improcedência do pedi-do, bem como a condenação da parteautora no pagamento das custas judi-ciais e honorários advocatícios. Acostoudocumentos – fls. 96/106.

A parte autora manifestou-se acercada contestação, informando que não foifirmado acordo nenhum. No mérito rei-terou os termos da inicial – fls. 108/111.

Em apenso tramitou a ação cautelarinominada, figurando as mesmas partes.

Na peça inicial a parte autora expôsas mesmas teses aventadas na açãoordinária, postulando autorização paraefetuar o depósito judicial das parcelasmensais vincendas, a fim de dar regularcumprimento às obrigações assumidas

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138 SENTENÇAS

na apólice, bem como o deferimento demedida liminar para a renovação daapólice de seguro saúde, nos termos jácontratados. Acostou documentos – fls.08/53.

Foi deferida a liminar pleiteada – fl. 58.O réu foi citado e contestou, argüin-

do a mesma defesa constante da contes-tação da ação declaratória. Juntou do-cumentos – fls. 77/103.

Foi interposto agravo de instrumen-to – fls. 104/116, ao qual foi negadoprovimento pelo Egrégio Tribunal deJustiça – fls. 121/122.

São os relatórios.Passo a decidir.I – Do julgamento antecipado da lide.Segundo o art. 330 do CPC, in ver-

bis: “O Juiz conhecerá diretamente dopedido, proferindo sentença:

“I – quando a questão de mérito forunicamente de direito, ou, sendo dedireito e de fato, não houve necessida-de de produzir prova em audiência;

“II – quando ocorrer à revelia”.A primeira parte do inc. I do art. 330

representa a situação dos autos. As partesdiscutem matéria de direito, sendo des-necessária, portanto, qualquer dilaçãoprobatória, e, se acaso houvesse, seriaapenas protelatória.

O litígio em exame é hipótese dejulgamento antecipado da lide, pois asrazões a decidir são de direito.

II – Da preliminar de interesse de agir.Para Eurico Liebmann, percursor da

Teoria Eclética – Das Condições da Ação– e seus seguidores, três são as condi-ções a serem satisfeitas para que o autornão seja carecedor de ação, quais se-jam: a possibilidade jurídica do pedido,o interesse de agir e a legitimidade paraa causa (no direito material), sendo esta

a teoria adota pelo nosso CPC, no art.267, VI.

Seguindo a Teoria Eclética, a possi-bilidade jurídica do pedido consiste naprevisibilidade, pelo direito objetivo, dapretensão exarada pelo autor, ou seja, opedido formulado deve obter correspon-dência, in abstrato, na legislação.

A verificação das condições da açãoé atribuição do Magistrado vinculado aoprocesso, pois, segundo Liebmann, paraque seja exarado um juízo de méritopara dirimir a lide, necessário se faz apresença das condições da ação, anali-sadas previamente.

No caso dos autos, as partes são le-gítimas, há possibilidade jurídica do pe-dido, e a alegação da parte requerida deausência de interesse de agir, tendo emvista o acordo estabelecido entre as par-tes, não merece prosperar, pois não foijuntado nos autos nenhum documentoque comprove o suposto acordo firma-do.

O documento da fl. 96 nada provaa respeito de possível acordo em vistada discussão da lide ora guerreada.

Dessa forma, afasto a referida preli-minar, ante a ausência de provas.

III – Do méritoPretende a parte autora a manuten-

ção das cláusulas contratuais e a suarenovação automática referente à apóli-ce nº 0000000 – S. S. U. P. E., pactuadacom a U. S. S. S.A. (U. S. S.A.), tendoem vista a pretensão da não renovaçãoautomática do contrato por parte dorequerido.

Razão merece ao autor.Da aplicação do código de defesa

do consumidor no contrato em tela.Encontra-se pacificada a incidência

do Código de Defesa do Consumidor

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no âmbito das relações havidas entreseguradoras de saúde e consumidores,ante o vínculo de consumo havido e aexistência de cláusulas abusivas.

Neste diapasão, ainda que não apli-cados diretamente os dispositivos legais,ocorre a incidência dos princípios doCódigo de Proteção ao Consumidor.

As regras disciplinadas do Códigode Defesa do Consumidor são aplicá-veis aos contratos firmados entre asseguradoras de saúde e os usuários deseus serviços, na forma do art. 3º, § 2º,da Lei nº 8.078/90:

“Art. 3º – Fornecedor é toda a pes-soa física ou jurídica, pública ou priva-da, nacional ou estrangeira, bem comoos entes despersonalizados, que desen-volvem atividades de produção, monta-gem, criação, construção, transformação,importação, exportação, distribuição oucomercialização de produtos ou presta-ção de serviços.

“§ 1º – Produto é qualquer bem,móvel ou imóvel, material ou imaterial.

“§ 2º – Serviço é qualquer atividadefornecida no mercado de consumo,mediante remuneração, inclusive as denatureza bancária, financeira, de créditoe securitária, salvo as decorrentes dasrelações de caráter trabalhista”.

A aplicação do CDC resulta na nu-lidade das cláusulas abusivas, que cons-tem do contrato, conforme art. 51, ca-put, e incisos, e § 1º.

As cláusulas que retiram a possibili-dade do segurado receber a respectivacobertura decorrente de contrato deseguro de saúde, colocando-o em des-vantagem exacerbada em relação à Se-guradora, são nulas, visto que iníquas eabusivas, pois violam as disposições doart. 47 e 51, IV, do CDC.

Desta forma, aplicam-se as disposi-ções do Código de Defesa do Consumi-dor nas relações concernentes à apólicede seguro saúde como no caso dos autos.

Do contrato de adesãoSegundo o art. 54, do Código de

Defesa do Consumidor, in verbis:“Art. 54 – Contrato de adesão é

aquele cujas cláusulas tenham sido apro-vadas pela autoridade competente ouestabelecidas unilateralmente pelo for-necedor de produtos ou serviços, semque o consumidor possa discutir oumodificar substancialmente seu conteú-do.

“§ 1º – A inserção de cláusula noformulário não desfigura a natureza deadesão do contrato.

“§ 2º –Nos contratos de adesão ad-mite-se cláusula resolutória, desde quea alternativa, cabendo a escolha ao con-sumidor, ressalvando-se o disposto no §2º do artigo anterior.

“§ 3º – Os contratos de adesão es-critos serão redigidos em termos clarose com caracteres ostensivos e legíveis,de modo a facilitar sua compreensãopelo consumidor.

“§ 4º – As cláusulas que implicaremlimitação de direito do consumidor de-verão ser redigidas com destaque, per-mitindo sua imediata e fácil compreen-são.

“§ 5º – (Vetado)”.Conceitua-se contrato de adesão

como aquele antecedido de formuláriodo qual constem cláusulas gerais, esti-puladas unilateralmente pelo fornecedorou aprovadas pela autoridade compe-tente. Celebrado pelo fornecedor e con-sumidor, sem que este aderente, contu-do, tenha oportunidade de discutir ocontrato.

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Típicos contratos de adesão são oscontratos de seguro saúde. Ao aderentecumpre, apenas, contratar ou não, poisas demais cláusulas são impostas a este.Portanto, plenamente caracterizado comode adesão o contrato em tela.

Da manutenção do contrato de se-guro de saúde.

A parte autora recebeu um aviso comas seguintes indicações: “[....] após aanálise de sua apólice citada acima, ede acordo com o previsto nas Condi-ções Gerais do Seguro Saúde em seupoder, vimos comunicá-lo da não revo-gação automática da apólice a partir dotérmino de sua vigência – fl. 12”.

Como se vislumbra da notificaçãorecebida pelo autor, a empresa ré como intuito de rescindir o contrato de vi-gência de seguro saúde, elaborou umanotificação a fim de rescindir o contratocom seu segurado, encaminhando-lhe anotificação antes da renovação automá-tica do contrato.

Com efeito, a referida notificação estáformalmente de acordo com os parâme-tros legais para os fins de direito quepretende, qual seja, a rescisão contratual.Entretanto, maculada de vícios à luz dodireito material pátrio, sempre se anali-sando à luz do direito como um todo eharmonizado com as demais ciênciassociais incidentes à espécie em tela.

O objetivo da empresa ré é a nãorenovação automática do contrato deseguro de saúde firmado com a parteautora.

Contudo, a pretensão do requeri-do frente ao requerente é lesiva. Aotentar romper um contrato de segurode saúde que perdurava desde 1995e imediatamente colocar a parte auto-ra na indisponibilidade de seguro de

saúde é inviável. A autora teria quefirmar outro contrato de apólice eficaria sem cobertura em caso denecessidade de um dos segurados,tendo em vista que a contratação denova apólice acarretaria em novosperíodos de carência.

Como se pode vislumbrar, numapossível nova contratação do autor coma empresa ré, o consumidor teria quedespender maiores valores mensalmen-te à empresa requerida, e esta, por óbvio,receberia maior numerário, em flagrantedesrespeito à Lei do consumidor e àConstituição Federal.

A pretensão real da empresa ré eraa rescisão unilateral do contrato e umapossível nova contratação por parte dorequerente com a mesma empresa ré.Prova desse fato, é que a empresa fezunilateralmente a carta da fl. 12, infor-mando ao autor da não renovação au-tomática do contrato, como vinha ocor-rendo há mais de seis anos.

Trata-se de prejuízo ao autor na tran-sação, não devendo ser acolhida peloPoder Jurisdicional dita pretensão, poisvisível é a abusividade de tal atitude daré.

Hodiernamente, como é sabido, vi-vemos em sociedade e todos os seusintegrantes se subordinam a regrasmorais que mudam mais rapidamenteque as leis escritas, frente à rápidatransformação de valores morais, éticos,científicos que as sociedades globais têmsofrido. Tal procedimento é a gênese deuma nova lei, que, via de regra, trazmais benefícios aos cidadãos, quandonão são editadas para atender os anseiosde alguns dentro de uma sociedade.Assim, surgiu o Código de Defesa doConsumidor.

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Com o advento dessa nova fase le-gal, o consumidor passou a ter proteçãolegislativa contra abusos que vinha so-frendo, e vem sofrendo em decorrênciade sua hipossuficiência frente ao poten-cial financeiro, administrativo, políticodas grandes empresas.

Essa tese já foi acolhida pela 5ªCâmara Cível do Tribunal de Justiça doEstado, ao julgar o Agravo de Instru-mento nº 70004501110, in verbis: “OCódigo de Proteção ao Consumidorcombate as abusividade contratuais. Oart. 41 do referido diploma legal veda aestipulação de cláusulas contratuais quecoloquem o consumidor em situaçãodesvantajosa perante a empresa contra-tante, e que configurem enriquecimentoindevido por parte da mesma em detri-mento ao consumidor [....]”.

Com efeito, havendo ânimo de res-cisão contratual por parte da segurado-ra, mister se faz a adequação aos pre-ceitos do CDC.

Para corroborar, em nível de doutri-na, o Des. Arnaldo Rizzardo afirma que:“Torna-se obrigatória a renovação docontrato após o vencimento. Não assisteà operadora a simples recusa em con-tinuar com o contrato. Aliás, uma vezcelebrado um primeiro contrato, nemcaberia mais renovação, ou nem preci-saria colocar nele um prazo de duração,unicamente ao associado ou seguradoreconhece-se o direito de continuar nacontratação. Para ele apenas teria sen-tido a colocação de um prazo de dura-ção”. Continua, “ora, a prevalecer a fa-culdade constantes nas cláusulas acima,nada impede que se forme o seguintequadro: o segurado renovaininterruptamente o contrato por váriosanos, e quando atingir uma idade de

maior incidência de fragilidades, versimples manifestação a recusa, ou ficarsurpreendido com a comunicação de nãomais interessar a renovação. Há incom-patibilidade com a boa-fé e a eqüidade(art. 51, inc. IV, da Lei nº 8.078 de1990), visto que o seguro se torna maisnecessário no estágio da vida em que seencontra o segurado. Ao mesmo tempo,está ínsita uma autorização para o for-necedor rescindir a apólice, eis queviabiliza a alteração unilateral”.

Por fim aduziu que “daí considerara doutrina como característica do con-trato de seguro a catividade, ou seja,envolvendo uma obrigação de fazer, cujaexecução se protrai no tempo, gera umaexpectativa de continuidade nas cober-turas. Bem desenvolve Demócrito Ra-mos Reinaldo Filho o assunto: ‘O con-sumidor mantém uma relação de convi-vência de dependência com o fornece-dor por longo tempo (às vezes por anosa fio), movida pela busca de segurançae estabilidade, pois, mesmo diante dapossibilidade de mudanças externas nasociedade, tem a expectativa, pois,mesmo diante da possibilidade de mu-danças externas na sociedade, tem aexpectativa de continuar a receber oobjeto contratualmente previsto. Essafinalidade perseguida pelo consumidorfaz com que ele fique reduzido a umaposição de cliente ‘cativo’ do fornece-dor. Após anos de convivência, pagan-do regularmente sua mensalidade, ecumprindo outros requisitos contratuais,não mais interessa a ele desvencilhar-sedo contrato, mas sim de que suas ex-pectativas quanto à qualidade do servi-ço oferecido, bem como da relaçãocontratual, a sejam mantidas’ (Contra-tos, 2ª edição: Forense, 2001, p. 584)”.

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A situação trazida à baila pela obrado referido autor, espelha quase perfei-tamente a situação narrada nos autos. Acontratada sob a alegação de que estápassando por um extenso processo derevisão administrativa de seus produtossimplesmente comunicou o autor a nãorenovação automática do contrato deapólice de seguro saúde nº 0000000,caracterizada plenamente a não obser-vância dos preceitos do Código deDefesa do Consumidor.

Ademais, o requerente vem efetuan-do o pagamento das mensalidades hámuitos, em média 07 anos, tendo direitoadquirido, conforme a doutrina acimatranscrita, na renovação do contrato, nostermos moldes anteriores.

A rescisão de um contrato afronta aestabilidade jurídica que deve ser man-tida na sociedade, pois como seriam oscontratos de seguro se a cada renova-ção, que deveria ser automática, asseguradoras com a possibilidade tangentede não mais querer contratar com umperfil de segurados, simplesmente ale-gassem não ser mais viável financeira-mente e colocariam a outra parte naindisponibilidade de seguro de saúde.

Pelos motivos expostos, a contratua-lidade deve ser mantida nos mesmostermos da apólice anterior.

Isso posto, julgo procedentes ospedidos constantes da ação cautelarinominada e da ação declaratória denulidade de cláusula c/c manutençãode contrato e antecipação dos efeitosda tutela ajuizada por L. C. Ltda. contraU. S. S. S. A., tornando definitiva aliminar deferida, determinando a reno-vação do contrato, mantendo inalteradasas condições da apólice original e de-clarando a nulidade da cláusula 24.2,in fine.

Condeno a parte requerida no paga-mento das custas judiciais e honoráriosadvocatícios no valor de R$ 1.823,10,equivalente a dez vezes o valor da extintaURH, para ambas as demandas, consi-derando o grau de zelo profissional, anatureza, complexidade da causa e ojulgamento antecipado da lide, forte noart. 20, § 4º, do Códex Processual Bra-sileiro.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Santa Rosa, 12 de junho de 2003.Inajá Martini Bigolin – Juíza de

Direito.

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SENTENÇAS CRIMINAIS

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Processo nº 083/2.01.0000423-4 – Homicídio QualificadoComarca de Bom JesusAutor: J. P.Réu: F. J. F.Juíza prolatora: Milene Fróes Rodrigues Dal BóData: 17 de março de 2003

Homicídio qualificado. Regime decumprimento da pena. Crimes hedion-dos. O Juiz sentenciante é absolutamen-te incompetente para fixar o regime decumprimento da pena carcerária, em dis-positivos da LEP e do CPP. Somente oJuízo da execução da pena poderá deli-berar sobre a possibilidade ou não deprogressão do regime carcerário nos cri-mes hediondos, já que sua fixação noprocesso de conhecimento, por serprolatada por Juiz absolutamente incom-petente, não produz coisa julgada.

Vistos.A J. P. denunciou F. J. F., como

incurso nas sanções dos fatos delituososdescritos na denúncia.

Recebida a denúncia, foi o réu cita-do, qualificado e interrogado.

Encerrada a instrução e apresenta-das as alegações do art. 406 do CPP,restou pronunciado o réu como incursonas sanções do art. 121, § 2º, inc. II(motivo fútil), do CP. Foi afastada aqualificadora da emboscada.

O Ministério Público ofereceu libelo--crime acusatório. O defensor, a contra-riedade ao libelo.

Nesta data, realizou-se o julgamentodo réu F. J. F. perante este TribunalPopular em relação ao fato descrito na

denúncia. O Conselho de Sentença de-cidiu, por unanimidade, que estava com-provada a autoria e a materialidade, bemcomo a letalidade. Por maioria, repeli-ram as teses de legítima defesa própriae putativa e de homicídio privilegiadopor violenta emoção. Por maioria, reco-nheceram a qualificadora do motivo fútil.

Isso Posto, declaro condenado o réuF. J. F., como incurso nas sanções doart. 121, § 2º, inc. II, do CP.

Passo, pois, à fixação da pena.O réu não possui antecedentes cri-

minais.Não há elementos nos autos para

verificar a conduta social e a persona-lidade do acusado.

O motivo do crime foi valoradoquando do reconhecimento da qualifi-cadora. Circunstâncias normais à espé-cie. As conseqüências integram o tipo.

Não há informações de se o com-portamento da vítima contribuiu para aprática delitiva.

Analisadas as circunstâncias judiciais,fixo a pena-base em 12 anos de reclu-são, que resta definitiva, dada a ausên-cia de circunstâncias modificadoras. Amenoridade não será considerada, poisa pena se encontra no mínimo legal.

Deixo de me manifestar sobre a consti-tucionalidade do disposto no art. 2º,

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parágrafo único, da Lei dos Crimes He-diondos, no que pertine à possibilidadede progressão prisional, contando comos argumentos a seguir expostos.

Regime de cumprimento de penaIntroduçãoO art. 2º, § 1º, da Lei dos Crimes

Hediondos, dispõe que: “A pena porcrime previsto neste artigo será cumpri-da integralmente em regime fechado”.

Esse dispositivo legal, sem que seperca seu significado original, pode serlido nos seguintes termos: “O réu iniciaráo cumprimento da pena em regimefechado e é vedada a progressãoprisional”.

Ocorre que, com fulcro no art. 66 daLei de Execução Penal, pode-se afirmarque compete ao Juiz da execução deci-dir sobre progressão de regimes.

Logo, é o juízo da execução compe-tente para decidir sobre a possibilidade– ou não – de progressão de regime,inclusive quando se trata de crime he-diondo.

Regimes prisionaisO ordenamento penal prevê três

regimes prisionais, quais sejam, fecha-do, semi-aberto e aberto.

A lei dos crimes hediondos não teveo condão de criar quarto regimeprisional, qual seja, integral fechado.

O referido diploma legal estabele-ce, tão-somente, que a sentença deve-rá fixar, necessariamente, o regime fe-chado para iniciar o cumprimento dapena.

Outrossim, dispõe que os crimes he-diondos são insuscetíveis de progressãoprisional. Logo, no que se refere a estasegunda premissa, competente paraapreciá-la é o Juiz da execução, e ape-nas ele.

Competência em razão da matériaAssim, como o Juiz da execução é

competente para decidir sobre progres-são de regime, corolário lógico é deque o Juiz da sentença não o é. Este é,inequivocamente, incompetente em ra-zão da matéria.

A incompetência em razão da maté-ria é absoluta, conforme leitura do art.111 do CPC. Assim, o Juiz da sentença,ao dispor sobre possibilidade de pro-gressão prisional, é absolutamente in-competente para tal. Se assim procedeu,prolatou decisão ultra petita, e, no quese refere ao excesso, não produz efeitosde qualquer ordem.

Nulidades absolutasO art. 564, inc. I, do CPP estabelece

como causa de nulidade a incompetên-cia do Juiz.

Na incompetência absoluta, ensinaTourinho Filho, mesmo que haja preclu-são das vias impugnativas, em se tratan-do de sentença condenatória, será elarescindível via revisão ou habeas corpus,por se tratar de nulidade absoluta. Nemmesmo havendo decisão absolutória sepoderá formar a coisa julgada (in Pro-cesso Penal, Ed. Saraiva, vol. 3, 17ª ed.,revista e atualizada, 1995, p. 122).

Coisa julgadaLogo a sentença prolatada por juízo

absolutamente incompetente não fazcoisa julgada, considerando-se tal atodecisório nulo.

Nesse diapasão, a jurisprudência:“Penal e processual penal. Furto qualifi-cado (art. 155, § 4º, incs. I e IV, do CP).Vara da Infância e da Juventude. Incom-petência absoluta. Coisa julgada. Inexis-tência. A sentença prolatada por juízoabsolutamente incompetente não faz coisajulgada, considerando-se tal ato decisó-

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rio nulo. Merece reparos a decisão quemanifestando a existência de coisa julga-da, determinou o trancamento da açãopenal proposta perante juízo competen-te, para que prossiga o andamento dofeito, compensando-se eventual ônus aoréu em termos de detração penal. Provi-do o recurso. Unânime” (Apelação Cri-minal nº APR1927989-DF (116046), 2ªTurma Criminal do TJDFT, Rel. Vaz deMello, j. 13-05-99, publ. DJU, de 18-08-99,p. 97).

A conclusão inequívoca a que sechega é de que a deliberação sobrepossibilidade de progressão prisionalfeita no juízo de conhecimento peca deabsoluta nulidade, pois decisão tomadapor juiz incompetente para tal.

Deste modo, não se opera a resjudicata, competindo ao juízo da exe-cução manifestar-se livremente sobre apossibilidade de progressão prisional,independentemente da deliberação to-mada na fase cognitiva.

Crime de desobediência: No mesmodiapasão, observa-se que, em hipótesealguma, poder-se-á entender que o Juizda execução, ao decidir de modo diver-so do determinado na sentença condena-tória, no que tange à progressão prisional,cometa crime de desobediência.

Certo que o Juiz da execução devezelar pelo cumprimento da sentençacondenatória, no que se refere à penaaplicada e no que tange ao regime inicialde cumprimento da pena. Nos mesmosmoldes, o Juiz da execução não poderáabsolver o condenado, ou vice-versa.Pode e deve, entretanto, decidir sobreprogressão de regime, matéria cuja apre-ciação lhe compete.

Ao agir no estrito cumprimento deseu dever legal, o magistrado nunca

cometerá crime de qualquer ordem (art.23 do CP). Ademais, o exercício dajurisdição pressupõe independência,premissa elementar do Estado Democrá-tico de Direito.

Jurisdição – fatos concretosJ. A. S. ensina que “não é difícil

distinguir jurisdição e legislação. Estaedita norma de caráter geral e abstratoe a jurisdição se destina a aplicá-la nasolução das lides” (in Curso de DireitoConstitucional Positivo, 10ª edição,Malheiros Editores, p. 523).

Preleciona o mestre, ainda, que o dis-positivo de uma sentença, “dirige-se adeterminada pessoa, com determinadaordem individualizada e concreta sobre umbem especificado” (obra citada, p. 523).

Logo, o que diferencia o legisladordo julgador é que esse dispõe, no casoconcreto, se fulano tem, ou não, deter-minado direito.

O Juiz não decide abstratamente; nãodiz se fulano terá direito à progressão, sepreencher os requisitos objetivos e se pre-encher os requisitos subjetivos. O Juiz dizse fulano tem direito à progressão. Con-seqüentemente, é apenas o Juiz da exe-cução que pode dizer isso concretamen-te.

ConclusãoCompete ao Juiz da execução, e

somente a ele, decidir sobre progressãode regime, inclusive no que tange aoschamados crimes hediondos. Qualquerdeliberação nesse sentido que seja fir-mada no processo de conhecimento énula de pleno direito e, conseqüente-mente, não vincula o juízo da execução.

Logo, mesmo que a sentença tenhadeterminado cumprimento da pena emregime integral fechado, poderá o Juiz

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da execução decidir pela possibilidadede progressão de regime.

No mesmo diapasão, a recíproca éverdadeira. Assim, se na fase cognitivaficou deliberado sobre a possibilidade deprogressão, poderá o Juiz da execuçãoentender de modo diverso, pois aqueladecisão original, como nula de plenodireito, não gerou efeitos; naquele as-pecto não se operou a coisa julgada,sendo, pois, suscetível de ulterior apre-ciação.

Assim, fixo para início do cumpri-mento de pena o regime fechado.

Dada a ausência de motivos, concedoao réu o benefício de apelar em liberda-de. Entretanto, o réu encontra-se presopor outro processo. Custas pelo réu.

Transitada em julgado, remeta-se oBIE e expeça-se o PEC.

Registre-se.Publicada em sessão.Presentes intimados, às 18h10min.Bom Jesus, 17 de março de 2003.Milene Fróes Rodrigues Dal Bó –

Juíza de Direito.

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Processo nº 2.03.0001553-0 – Associação para o tráfico de drogasComarca de Lagoa VermelhaAutor: M. P.Réus: R. A. S., G. W. e V. D. M.Juiz prolator: Eduardo Furian PontesData: 05 de junho de 2003

Processo Crime. Associação para otráfico de drogas. Preliminares. Inépciada denúncia. Ilicitude da escuta ambien-tal. Prova emprestada. Mérito. Crimeformal. Indícios suficientes para a con-denação. Sentença procedente.

Vistos.O M. P., com base no inquérito

supra, ofereceu denúncia contra E. V.J., brasileiro, nascido em 31-12-72, fi-lho de E. V. e de D. V., residente naRua A., Centro, Timbó/SC; R. A. S.,vulgo “M.”, brasileiro, natural deIbiraiaras/RS, com 34 anos de idade,filho de A. C. S. e de N. C. S., resi-dente na Rua Dr. G. M., Lagoa Verme-lha/RS; G. W., brasileiro, casado, co-merciante, com 52 anos de idade,natural de Getúlio Vargas/RS, filho deG. W. e de A. A. W., residente na RuaT., com endereço profissional no HotelA., nesta cidade, e V. D. M., brasileiro,natural de Lagoa Vermelha/RS, nasci-do em 25-06-79, residente na Rua A.P., Bairro Floresta, nesta cidade, pelaprática do seguinte fato delituoso:

No decorrer dos meses de outubroe novembro de 2002, em local e ho-rários incertos, nesta cidade, os de-nunciados associaram-se para fim depraticar, reiteradamente, o crime de

tráfico de substâncias entorpecentes(art. 12 da Lei nº 6.368/76).

Os denunciados R. A. S., G. W. e V.D. M., ajustaram entre si, a partir domês de outubro, a responsabilidade dereceber, transportar, armazenar ecomercializar substâncias entorpecentespara usuários e dependentes nesta Co-marca, ao passo que o primeiro denun-ciado, E. V. J., residente na Comarca deBlumenau/SC, incumbiu-se da tarefa defornecer para os primeiros as substânciasque, por sua vez, adquiria no centro doPaís.

Na atividade associativa, ao denun-ciado R. A. S. incumbia encomendar adroga junto ao denunciado E. V. J., nacidade de Blumenau/SC, que repassavapara o denunciado V. D. M. que, porsua vez, se responsabilizava pelo trans-porte da substância até Lagoa Vermelha,onde era armazenada por R. e G. W.,nas dependências do estabelecimentocomercial (Hotel/Motel A.) de proprie-dade deste, de onde posteriormente eraencaminhada à comercialização para osusuários e viciados. O denunciado V.D. M., por sua colaboração criminosa,recebia o pagamento em substânciasentorpecente.

Em assim agindo, entendeu o Ór-gão Ministerial que os denunciados E.

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V. J., R. A. S. e V. D. M. incorreramnas sanções do art. 14 da Lei nº 6368/76.

Foram decretadas as prisões preven-tivas de R. A. S. e de V. D. M. (fls. 50/51).

Citados e interrogados os réus, fo-ram apresentadas defesas preliminares(fls. 106/110, 149/152, 190/194). O acusa-do R. postulou o pedido de liberdadeprovisória (fls. 181/184), a qual lhe foinegada (fls. 186/187).

O Ministério Público manifestou-se,requerendo o recebimento da denúnciae realização de exame de dependênciatoxicológica (fls. 196/198).

A denúncia foi recebida dia 02-04-03(fl. 200). Determinada a cisão do pro-cesso no que tange ao acusado E. V. J.,houve novo pedido de liberdade provi-sória de R. A. S. (fls. 231/234), que restouindeferido (fls. 188/187).

Juntada matéria jornalística (fl. 235),procede-se à instrução sendo interroga-dos os réus, ocasião em que o acusadoR. negou as imputações descritas na peçaacusatória, aduzindo que nunca conver-sou com o denunciado E. e não feznenhum negócio com V. ou G. (fls. 248/248v). G. W. asseverou não saber por-que esta sendo acusado, alegando quenunca comercializou drogas. (fl. 249). Odenunciado V. afirmou não saber por-que R. citou seu nome na gravação,negando os fatos narrados na denúncia(fls. 250/250v). Após, foram inquiridasas testemunhas arroladas pelo Ministé-rio Público e pelas defesas (fls. 251/253,310/315).

O debate oral restou substituído pormemoriais. Assim, o representante doParquet, requereu a condenação dosacusados no termos da denúncia e a

incidência do disposto nos arts. 9º e 10ºda Lei nº 9034/95 (fls. 413/425). Juntoudocumentos (fls. 426/455).

As defesas, ao seu turno, postularama absolvição dos acusados. Quanto aoréu R., sustentou, preliminarmente, aexistência de prova ilícita e, no mérito,a inexistência da associação para o trá-fico de drogas por falta de vínculosubjetivo. Ademais, asseverou que asprovas não dão amparo à condenação(fls. 472/493). Quanto ao réu G. W., emsede de preliminar, salientou a inépciada denúncia e a ocorrência de provailícita. No mérito, aduziu que o conjun-to probatório é débil para suportar umjuízo condenatório (fls. 498/510). Adefesa de V., requereu a improcedênciada denúncia, pois não há prova dovínculo associativo, pedindo a absolvi-ção do acusado na forma do art. 386,inc. VI, do CPP (fls. 519/521).

Vieram os autos conclusos.Relatei.Passo a decidir.Das preliminares.No que tange à inépcia da denúncia.Sustenta a defesa de G. W. a inépcia

da denúncia por não estar transcrita napeça acusatória os artigos de lei em queo acusado incorreu.

Não procede a sua alegação. É ce-diço que o réu defende-se do fato e nãodos dispositivos que a ele estão sendoimputados, uma vez que a classificaçãoexposta pelo Ministério Público na peçavestibular é sempre provisória e circuns-tância a ser ratificada, ou não, pelo Juizna prolação da sentença; em voga osvelhos brocardos jurídicos: damo factodabo tibi jus – mesmo porque – iuranovit curia. (Sobre o tema, RE nº 114794,Rel. Min. Néri da Silveira, j. em 1989, 1ª

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T., DJ, de 14-02-92, p. 1.167. Na doutri-na, Fernando Capez, Curso de ProcessoPenal, 2001, p. 129; Fernando da CostaTourinho Filho, Código de Processo Pe-nal Comentado, vol. 1, 1999, p. 116 e,do mesmo autor, Processo Penal, vol. 1,1997, p. 373).

Ora, na denúncia, além de qualificaro réu, descreve o fato com todas as suascircunstâncias, proporcionando ao acu-sado oportunidade de defesa. Nessesentido, não é possível visualizar qual-quer prejuízo, pois G. veio a juízo edefendeu-se do delito de associação parao comércio de drogas.

Se não bastassem essas circunstân-cias que por si só aniquilam a pretensãodefensiva, salienta o Prof. José AntônioPaganella Boschi que “a deficiência dadenúncia relativamente à classificaçãodo crime, mesmo não sendo causa denulidade, pode ser suprida pelo Promo-tor (ou querelante, na ação de sua ini-ciativa), por meio de aditamento, seassim considerar conveniente (art. 569do CPP), sem que essa providênciaimplique nova citação do acusado oureabertura do prazo para defesa” (AçãoPenal, 1997, p. 193).

Quanto à ilicitude da escuta ambien-tal realizada.

Muito embora as razões trazidas pelosargutos defensores, não procedem a suasargumentações.

A palavra prova, segundo De Pláci-do e Silva, vem do latim proba, deprobare (demonstrar, reconhecer, formarjuízo etc.), entende-se, assim, no senti-do jurídico, a demonstração, que se faz,pelos meios legais, da existência ou ve-racidade de um fato material ou de umfato jurídico (Vocabulário Jurídico, vol.III, 1996, p. 491).

Dessa forma, sabe-se que nos vastose fecundos campos do direito, desde ostempos pré-históricos, a matéria proba-tória constitui o cerne das atividadesprocessuais. Aliás, apenas á guisa defundamentação, épocas atrás, como bemsalientou Roberto Lyra, os Tribunais re-corriam às divindades para interpretaros acontecimentos; tudo isso feito atra-vés de um sacerdote que colocava amão do delinqüente no fogo e se ino-cente não se queixava (Revista Brasilei-ra de Criminologia e Direito Penal, nºs

7-8, 1955, pp. 25 e 26). Sem embargo,os tempos evoluíram e o misticismo foideixado para trás.

Modernamente, os avanços científi-cos oportunizam-nos a ver o que eradesconhecido ou ouvir voz que o tem-po, na memória das pessoas, teimavaem apagar. Criaram-se, assim, mecanis-mos que reproduzem um fato passadocomo se hoje houvesse sido afirmado:temos as interceptações telefônicas e asescutas ambientais.

Neste processo, existem exemplosdessa expansão tecnológica, pois seencontram nos autos várias inter-ceptações telefônicas e uma escutaambiental.

Seja como for, o problema formal,ou melhor, operacional, segundo alegaas defesas, aconteceu com a escutaambiental, pois foi taxada como ilícita.Acontece, em uma melhor exegese, talmeio de prova é autorizado pelo siste-ma jurídico pátrio, nas hipóteses delinea-das pela Lei nº 10.217/01, desde queesteja de acordo com o disposto no art.93, inc. IX, da CF; dispositivos legaisque, diga-se de passagem, foram obser-vados. Assim, o que temos é uma provailícita por derivação, ou seja, aquela em

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si mesmo lícita, mas que se chegou porintermédio da informação obtida deforma ilicitamente colhida (Sobre o as-sunto, Ada Pellegrini Grinover et alii, AsNulidades no Processo Penal, 1997, p.135).

Diz-se, então, que a prova foi co-lhida por meio ilícito porque é possíveldiagnosticar na degravação da fita mag-nética que o policial A., por várias ve-zes, incentiva R. a auto-incriminar-se edelatar seus comparsas. Essa circuns-tância pode ser equiparada ao enuncia-do da Súmula nº 145 do Supremo Tri-bunal Federal em que o agente policialestimula o acusado à prática da infra-ção, ou, no caso concreto, de dizerque, verdadeiramente, associava-se comoutras pessoas para realizar o comérciode drogas na região de Lagoa Verme-lha.

De qualquer sorte, sabe-se que ne-nhum direito fundamental do acusadofoi violado, pois as indagações realiza-das, em hipótese alguma, feriram suaintimidade ou sua vida privada. O quese poderia questionar é unicamente omodo como foram adquiridas essas in-formações, isto é, até que ponto oPolicial, com suas indagações incisivas,contaminou as respostas do réu e, porconseqüência, as demais provas, poste-riormente, trazidas aos autos.

É importante ressaltar que o magis-trado, muitas vezes, encontra-se entre omar e o rochedo. De um lado existe airrefutável afirmação de que a prova,embora lícita, foi obtida por meio ilegal,e de outro a mazelas do Estado-Juiz, emvisualizar a prática de um ato ilícito muitogravoso e não poder fazer nada, ficandocom seus braços e sua consciência amar-rados.

É nesse sentido que não se podedizer que a prova inexistiu ou, se existiu,contaminou o restante da provas realiza-das. O que se deve fazer é compatibilizaro sistema jurídico de forma que o Juizpossa apreciar o conjunto probatório,diante o princípio da persuasão racional,tornando aquela evidência como umindício a ser valorado com as demaisprovas existentes nos autos. Seria umsimulacro, como bem acentua o Prof.Lênio Luiz Streck, descobrir a existênciade um crime e nada fazer. A informaçãodescoberta deverá servir como indício,exigindo-se, enfim, “a prova da prova”(As Interpretações Telefônicas e os Direi-tos Fundamentais, 2001, p. 130).

Pode-se afirmar que a ilicitude naobtenção da prova apenas danifica asdemais evidências presentes, se, entreelas, houver uma conexão tênue em queuma não possa existir sem a outra, talqual apregoou a Suprema Corte Ameri-cana ao sustentar a doutrina dos frutosda árvore envenenada – fruits of thepoisonous tree. No entanto, caso asdemais provas auferidas não tenhamqualquer vínculo com a obtida ilicita-mente, não se pode dizer que padecemde um estado doentio, pois imunes aovírus encontrado nos autos. Aliás, já sepronunciou o Ministro Moreira Alves,em verdadeiro leading case, que se “numprocesso houver provas lícitas e provasilícitas, a ilicitude destas não se comu-nica aquelas para que se chegue àabsolvição por falta de provas, ou seanule o processo pela ilicitude de todasas provas produzidas. A prevalecer atese dos que estão concedendo ohábeas-córpus, ter-se-á que a descober-ta, por escuta telefônica ilícita, de umapista que conduza à descoberta de uma

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poderosa rede de traficantes de drogas,com a obtenção de provas cabais dotráfico, impossibilitaria, em última aná-lise, que tais traficantes fossem conde-nados porque – como ocorre no caso –a pista que conduzia àquela descobertafoi obtida por meio ilícito que contami-na todo o processo posterior, transfor-mando-se ela num verdadeiro bill deindenidade para esses criminosos” (HCnº 69.912-0-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min.Sepúlveda Pertence, j. em 16-12-93 –m.v. – DJU, 25-03-94). No mesmo diapa-são: STF – RHC nº 74.807-MT, 2ª T., Rel.Min. Maurício Corrêa, DJU, de 20-06-97;STF – RHC nº 72.463-SP, 2ª T., Rel. Min.Carlos Velloso, DJU, de 29-09-95; STF –RC nº 76.171-SP, 2ª T., Rel. Min. NelsonJobim, DJ, Seção I, 27-02-98, p. 03.

Ademais, não se pode deixar detranscrever as palavras de José CarlosBarbosa Moreira que, em artigo doutri-nário, teceu as seguintes considerações,fazendo delas minhas palavras: “Deve-mos confessar de resto, com toda afranqueza, a enorme dificuldade quesentimos em aderir a uma escala devalores que coloca a preservação daintimidade de traficantes de drogas aci-ma do interesse nacional (ou melhor:universal) em dar combate eficiente àpraga do tráfico – combate que, diga-sede passagem, é também de valor cons-titucional, como ressalta da inclusão do‘tráfico ilícito de entorpecentes e drogasafins’ entre os ‘crimes inafiançáveis einsuscetível de graça ou anistia’ (art. 5º,XLIII)” (A Constituição e as Provas Ilici-tamente Adquiridas, in Revista da Ajurisnº 68, ano 1996, p. 27).

Dito isso, é conveniente afirmar quea escuta ambiental não contaminou orestante do conjunto probatório, deven-

do ser utilizada apenas como provaindiciária.

No que se refere à prova emprestada.Como regra geral, sabe-se que a

prova é criada para formar o convenci-mento do julgador dentro de determina-do processo; porém, não raros os casos,pode servir para outra causa. Temos,então, o que a doutrina e a jurisprudên-cia chama de prova emprestada.

É o que acontece nos autos. O Mi-nistério Público, com suas alegaçõesfinais, juntou depoimento policial de J.A. N. L. (fls. 426/455), no qual se cons-tata uma afirmação de que G. W. es-taria comercializado drogas, de formaassociativa, em Lagoa Vermelha (fls.440/441). Aliás, as declarações de D. T.(fl. 21 dos autos em apenso) que rati-ficam essa imputação, também devemser consideradas como prova empres-tado, pois realizada para embasar ou-tro feito.

Para ser possível a utilização dessaespécie de prova, é mister que sejamobservados certos requisitos, segundoapregoa Darcy Guimarães Ribeiro, asaber: (a) a parte contra quem a provaé produzida tenha participado do con-traditório, pois somente tem valia serealizada diante de quem suportará seusefeitos; (b) haja identidade entre os fatosdo processo anterior com os fatos aserem provados; e (c) que seja impos-sível ou de difícil a reprodução da pro-va no processo em que se pretendademonstrar a veracidade de uma alega-ção (Provas Atípicas, 1998, p. 112).

Dessa maneira, é fácil visualizar queas declarações de J. A. N. e D. T., trazidasà baila pelo representante do parquet,principalmente pelos dois primeirosrequisitos traçados pelo conspícuo

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processualista, não podem ser utilizadascomo provas, uma vez que não houvecontraditório e inexiste identidade defatos postos sob julgamento. Quanto aoterceiro enunciado, percebe-se que erapossível a sua reprodução neste feito;entrementes, não na fase em que seencontra, sabendo-se que dois dos réus,à longa data, estão segregadoscautelarmente.

Além disso, a jurisprudência e adoutrina afirmam que a prova empres-tada, para ter eficácia, deve ter sidoproduzida na presença de um juiz, poisnão são provas, mas meros índicos,aquelas que foram produzidas em pro-cedimento administrativo prévios ouinquéritos policiais (nesse sentido,ROMS nº 14797/BA, Rel. Min. GilsonDipp, 5ª T. do STJ, DJ, de 26-05-03, p.00370; HC nº 14216/RS, Rel. Min. Vi-cente Leal, 6ª T. do STJ, DJ, de 12-11-01,p. 00174; HC nº 14274/PR, Rel. Min.Vicente Leal, 6ª T. do STJ, DJ, de04-06-01, p. 00256. Na doutrina: Antô-nio Scarance Fernandes, Processo Pe-nal Constitucional, 2002, p. 74-5; AdaPellegrini Grinover, Processo em Evolu-ção, 1998, 57; Ada Pellegrini Grinover,et alii, As Nulidades no Processo Penal,1997, p. 135; Adalberto José Q. T. deCamargo Aranha, Da Prova no ProcessoPenal, 1999, pp. 234, 123; FernandoCapez, Curso de Processo Penal, 2001,p. 257).

De qualquer sorte, ao magistrado,como já afirmado nesta decisão, não élícito vendar os olhos e fazer de contaque aquela circunstância narrada inexis-tiu. Isso agrediria sua consciência e,principalmente, o nó górdio de toda aatividade jurisdicional que é, sem dúvi-da alguma, fazer justiça.

Por esse motivo, adotando os ensi-namentos do Prof. Barbosa Moreira emlição já citada, é que utilizo as declara-ções de J. A. N. e D. T., não comoprovas, mas como indícios, que somadoa outros fatos existentes nos autos,podem levar a condenação.

Para finalizar, consoante afirmaHerbert Hart “as leis exigem interpreta-ção, se quisermos aplicá-las ao casoconcreto, e uma vez removido os mitosque obscurecem a natureza dos proces-sos judiciais através de estudo realista,torna-se patente que a textura aberta dodireito deixa um vasto campo à ativida-de criadora que alguns designam comolegislativa. Os Juízes não estão confina-dos, ao interpretarem, quer as leis, queros precedentes, às alternativas de umaescolha cega e arbitrária, ou à dedução‘mecânica’ de regras com um sentidopré-determinado. A sua escolha é guia-da muito freqüentemente pela conside-ração de que a finalidade das regras deque estão a interpretar é razoável, de talforma que não se pretende com as regrascriar injustiças ou ofender princípiosmorais assentes” (O Conceito de Direito,s/d, p. 220).

Do MéritoA existência do crime vem compro-

vada pela prova testemunhal, bem comoem razão da escuta ambiental (fls. 20/48)e das interceptações telefônicas realiza-das (fls. 08/122 dos autos em apenso),devendo-se salientar que se trata de cri-me formal, inexistindo, por conseguinte,materialidade.

As autorias, diante do conjunto pro-batório, são certas, senão vejamos:

Os acusados, por duas vezes (fls.103/104v. e 248/248v.), negaram a prá-tica da infração.

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SENTENÇAS 155

R. A. S., no primeiro momento (fls.103/103v.), por várias vezes, reservou-se ao direito constitucionalmente asse-gurado de calar-se. Na segunda oportu-nidade (fls. 248/248v.), asseverou quecomercializou drogas na cidade de La-goa Vermelha até o ano de 1998, con-denação que está até hoje cumprindo;no entanto, afirmou que nunca tevenegócios com V. ou G. Recorda quealgumas pessoas foram procurar-lhe nopresídio propondo um benefício, casodelatasse indivíduos vinculados ao co-mércio de drogas. Dessa maneira, foilevado a Promotoria de Justiça e con-versou com uma pessoa, mas tudo oque falou referia-se ao passado. Lembraque perguntou para essa pessoa se aconversa estava sendo gravada, momentoem que lhe foi dito que não. Nessediálogo não se recorda de ter afirmadoque substâncias entorpecentes eramescondidas no estabelecimento comer-cial de G.

V. D. M., na primeira oportunidadeque falou nos autos (fls. 104/104v.),aduziu que conhece o co-réu R. apenasde vista e que não conhece G. W. Alémdisso, lembrou que foi usuário de ma-conha, entorpecente que deixou de usarhá quatro ou cinco meses. Temposdepois, quando ouvido após o recebi-mento da denúncia (fls. 250/250v.), tam-bém asseverou que não é verdadeiro ofato narrado na peça motora, pois nãoé amigo de R. e não conhece G. W.,afirmando que foi à cidade de BalneárioCamburiú a passeio.

Por sua vez, G. W., quando foi inter-rogado, pela primeira vez (fls. 140/140v.),observou que conhece R. apenas de vista,mas que nunca manteve relação negocialcom o co-réu, salientando que, quanto

ao co-réu V., não o conhece. Lembraque não esteve na cidade de Camburiúe, também, que nunca utilizou drogas.Quando foi interrogado novamente (fl.249), ratificou o que antes havia afirma-do, dizendo que não conhece V. e nuncateve contato pessoal com R.

No entanto, os indícios e as provasexistentes nos autos não dão amparo àssuas teses defensivas, como se podeconstatar na escuta ambiental realizada,nas interceptações telefônicas, na provatestemunhal e na prova emprestada jun-tada aos autos. Nesse sentido, é de bomalvitre afirmar que nenhuma delas sozi-nha daria supedâneo a um decretocondenatório; entrementes, somadas, dãocerteza do vínculo associativo.

Pois bem. Na escuta ambiental rea-lizada pelo Ministério Público – comautorização judicial (fl. 50 dos autos emapenso) – em que foram gravados dosdiálogos do Policial A. com o réu R., épossível, verificar-se vários pontos decoincidência com as demais provascolacionadas no processo.

De início o policial questiona o réuR. a respeito da participação de V. naempreitada criminosa. No primeiro mo-mento R. (fl. 24) nega que o co-réu tenhaparticipação no tráfico de entorpecentes;após, com o desenrolar da conversa,afirma que pagou cem gramas para V.fazer o transporte da droga de Camburiúa Lagoa Vermelha, via ônibus que che-gou às 4h na rodoviária local (fls. 30/31).Por conseguinte o réu é questionado emque lugar guardou a droga, ocasião quediz: “Lá no W.” (fl. 31). Por outro lado,foi perguntado ao acusado a respeito deuma pessoa conhecida pelo apelido deA., momento em que R. salienta: “Conhe-ço por A., mas eu sei que é N.” (fl. 29),

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sendo que mais tarde aduz que A. estájunto com C. (fl. 36). Seja como for, oque mais causa espanto é que R. asse-vera que falou com o conhecido trafi-cante N. M., no Paraguai, inclusive aponto de saber que estava sendo arma-da uma fuga para o famoso criminoso(fl. 45).

Todas as afirmações de R. encon-tram sustentáculos nos autos, o que éprova bastante para dizer que as decla-rações não foram “desvirtuadas” pelopolicial, mas sim proferidas espontanea-mente pelo acusado.

Para corroborar esta afirmação, vê-seque no processo existe uma ficha deregistro de hóspede que consta o nomede V. D. M. (fl. 23 dos autos em apenso)certificando que acusado foi à cidade deBalneário Camburiú e instalou-se no P.P. Hotel, hospedagem que foi feita em04-12-02; aliás, viajem confirmada pelopróprio réu em seu interrogatório.

No entanto, percebe-se que estedeslocamento ao Estado vizinho não foiapenas a passeio, mas sim para adquirirsubstância entorpecente como se deno-ta na interceptação telefônica autorizadajudicialmente (fl. 275) e realizada peloMinistério Público do Estado de SantaCataria (fls. 288/289), sendo de bomalvitre transcrevê-las, pelo menos naparte em que é citado, diretamente, onome de V.:

“Data: 04-12-02.“Hora 22h50min“Origem: (00) 000.0000“Destino: (00) 0000.0000“Resumo: Traficante do Rio Grande

passando telefone do hotel onde encon-tra-se V.

“Voz masculina 1: Alou.“Voz masculina 2: E aí hôme?

“Voz masculina 1: Daí que agora euvô.. eu liguei pro rapaz agora, ele vaivim aqui...

“Voz masculina 2: Hã.“Voz masculina 1: ...Não aquele lá,

um ôtro. Eu vô te que í até lá então, né,cara?

“Voz masculina 2: Tá. Olha aqui,dêxa eu te dá aqui o número daqui.Tem caneta aí?

“Voz masculina 1: Tem. Péra aí..oh..mais ele tem como ficá no hotel ali?

“Voz masculina 2: Eu já falei com ocara do hotel lá pra ele pagá amanhã demanhã.

“Voz masculina 1: Que embaço, nécara? Deus o livre, só pra se estressa,mesmo. Manda.

“Voz masculina 2: É zero quatro sete(047), isso tu sabe. Trezentos e setentae sete (377)..

“Voz masculina 1: Como? Três setesete (377).

“Voz masculina 2: É.“Voz masculina 1: Tá.“Voz masculina 2: Quatro sete, vinte

sete (4727).“Voz masculina 1: Quatro sete, vinte

sete (4727). E eu vô te que pagá o hotelpara ele, não?

“Voz masculina 2: E pagá a passagem.“Voz masculina 1: Eu tô fudido. Não

sei da onde eu vô tira, tô com cinqüentareal (R$50,00) na carteira.

“Voz masculina 2: Oh.“Voz masculina 1: Eu tô morto aqui,

cara.“Voz masculina 2: Também eu arru-

mei dinhêro emprestado também, nécara. Eu tô duro.

“Voz masculina1: Não. Eu vô dizêum negócio pra ti, não sei se você,porque eu tô morto, morto! Di veiz, né?

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“Voz masculina2: Não, mais é o quenem eu te falei para ti, tu falô que erasó pra í e volta, daí eu falei que não dá.

“Voz masculina 1: É..“Voz masculina 2: Ó o nome do

hotel..“Voz masculina 1: Tá.“Voz masculina 2: P. Hotel“Voz masculina 1: Tá.“Voz masculina 2: É V. o nome dele.“Voz masculina 1: Como?“Voz masculina 2: V..“Voz masculina 1: V.?“Voz masculina 2: É.“Voz masculina 1: Tà.“Voz masculina 2: Oh.. mais o que

que eu ia dizê pra ti.. mais vai hojeprocura ele?

“Voz masculina 1: Vô, sô obrigado,né, cara? Eu tô vendo que eu vô mearruma cadeia por causa dessas merdaaí, eu tô vendo tudo, cara. Eu tô vendoque eu tô me estressando. Eu acho queeu vô até Pará, bicho.

“Voz masculina 2: Mais tu não vai..mais tu não vai dexá hoje?

“Voz masculina 1: Não, eu só vôentregá para ele, né?

“Voz masculina 2: Mais não tem jeitode fazê isso aí de madrugada?

“Voz masculina 1: Não, não. Já vôentregá para me livrá dessas porra, aí,pra não me incomodá , cara. Por queta a semana toda aí?. Oh, o negócio vaie volta, vai e não vai e assim vai.

“Voz masculina 2: Hã.“Voz masculina 1: Vô vê o que eu

vô fazê aí e vô liga pra ele daqui apouquinho.

“Voz masculina 2: Tá bom então.“Voz masculina 1: Tá bom? Vâmo dá

um jeito nesse aí tá?“Voz masculina 2: Tá.

“Voz masculina 1: Falou”.Por tudo isso, é inacreditável que V.

tenha ido ao Estado de Santa Catarina apasseio; certo é que, associado com R.,foi buscar drogas nesse Estado Federati-vo e, para tanto, recebeu a quantia decem gramas de drogas, tal qual afirmaraR. na escuta ambiental, (fls. 30/31). Ah,diga-se de passagem, mas existem notí-cias nos autos de que E. V. J. controlavao tráfico de drogas em BalneárioCamburiú, isso segundo informações dopolicial J. M. T. S. (fl. 35 dos autos emapenso).

Por outro lado, quanto à associaçãode G. para tráfico de drogas, o documen-to juntado pelo Ministério Público nassuas razões finais, não poderiam seresquecidos.

Já foi afirmado que R. aduz que C.e J. A. N. L., vulgo “A.”, andavam jun-tos, sendo que qualquer contato com C.poderia ser feito através de “A.” (fl. 36).

Nesse sentido, por incrível que pare-ce, J. A. N. L., confirma as declaraçõesde R.: assevera que no mês de outubroou novembro do ano passado estava noposto de combustível Santo Antônioquando chegou um tal de “M.” – pessoaque atualmente encontra-se presa porenvolvimento com o tráfico de drogas –e consultou-o se não arrumaria um gadogordo para abater, pois tinha um com-prador na cidade de Passo Fundo. Pas-sado cerca de cinco dias, apareceu “M.”,em seu apartamento, juntamente com umoutro indivíduo de nome C., para olharum gado que estava na localidade deEncruzilhada São Sebastião. C. afirmouque pagaria, por cada rês, a quantia deR$ 250,00. No entanto, o negócio nãosaiu. Acontece que, dias depois, viu acamionete de C. em Lagoa Vermelha e

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quem a dirigia era G. W., proprietáriodo Motel A.. Nessa ocasião, lembrouque no encontro que teve com C. estelhe disse que era muito amigo de G.,inclusive afirmando que, de vez emquando, trazia “farinha” para W., refe-rindo-se à cocaína (fl. 441).

É muita coincidência o acusado R.contar para o Policial A. o que tempodepois veio ser confirmado por J. A. N.,vulgo “A.”, ou seja, a vinculação de G.W. com o comércio de drogas no Mu-nicípio. É por essa razão que não sepodem duvidar as afirmações que R. fezna escuta ambiental, ou seja, de que V.foi buscar drogas no Estado de SantaCataria e que, quando retornou a LagoaVermelha, a substância entorpecente foiescondida no Motel A., de propriedadede G. W. (fl. 31).

Noutro sentido, e o que vem aindaratificar como sendo verídicas as decla-rações de R., é o fato de uma possívelfuga do traficante N. M., conforme no-ticiado, tempos depois – 22 de marçode 2003 – pelo jornal Zero Hora – noqual constava que a Polícia colombianatinha descoberto planos de fuga parachefões do cartel de Cali e para resgatarN. M. (fl. 236). Ora, como R. sabia, maisde três meses antes da descoberta dosplanos de fuga do traficante no paísvizinho? Logicamente, porque tinha con-tato com a cúpula daqueles quecomercializam drogas no Brasil. Ah, porvárias vezes R. assevera que conhecia otraficante P. S., pessoa que era de seuscontatos pessoais, inclusive a ponto desaber o país e a cidade onde estavaescondido, bem como possuir o telefo-ne celular do famoso traficante (fl. 22).

Por tudo o que ficou estabelecido,pode-se notar que R., quando ouvido

na Promotoria de Justiça, em conversaque foi gravada através de escuta am-biental devidamente autorizada, nãofalou do passado, mas sim do presentee de fatos que viriam a acontecer.

De mais a mais, apenas para com-provar a vinculação de R. com o tráficode drogas, cumpre salientar que existenos autos a declaração de D. T. pres-tadas ao Ministério Público, na presençade uma advogada, onde delata váriaspessoas envolvidas no comércio deentorpecente na cidade de Lagoa Ver-melha. Dentre eles, indica “M.” – R. A.S. – como sendo o traficante que maisabastecia o comércio de Lagoa Verme-lha (fl. 21 dos autos em apenso); issosem falar nas afirmações de A. A. quan-do salientou que R. fica parado em frenteao Hotel Oro, pela manhã, pela tarde epela noite, acreditando-se que traficanaquele local (fls. 15/16).

Se tudo isso não bastasse para fir-mar um decreto condenatório, aindaexiste no processo o depoimento dosPoliciais que participaram de toda ainvestigação.

Assevera o policial M. M. A. que asinvestigações começaram nas cidades dePelotas e Rio Grande onde ficaram sa-bendo das ramificações do tráfico dedrogas até Lagoa Vermelha. Começarama monitorar, em trabalho conjunto coma Força Tarefa de Santa Catarina, umapessoa chamada E. V. J. Perceberamque E. comunicava-se com uma pessoade Lagoa Vermelha de nome R., sendoseu telefone interceptado. E. e R. con-versavam sobre trocas de carros e decarros por drogas, sendo que o próprioR., em certa oportunidade indicou ca-minhos para E. transitar pelo Estado doMato Grosso, possivelmente para entrar

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em contato com P. S.. Nesse monitora-mento feito em R., foi constatado queeste falava com um número instaladono Motel A., não podendo precisar seG. ligou para R. ou este ligou paraaquele. Nessa conversa ouviu-se quevinha uma pessoa de Santo Ângelo tro-car carros por drogas. Além disso, re-corda que ouviram também conversasentre V. e R. que tentavam fazer umacerto para buscar drogas em SantaCatarina, salientando que foi a PolíciaCatarinense que mandou, via fax-símile,o comprovante de registro de hospeda-gem onde V. instalou-se (fls. 251/252v).

No mesmo sentido, aduz o policialB. M. F. que as investigações começa-ram nas cidades de Pelotas e Rio Gran-de quando foi indicado o nome de J. A.A. que era comparsa de um outro tra-ficante de Santa Catarina chamado E. V.J. Dessa forma, levaram essas informa-ções a Polícia de Santa Catarina, mo-mento em que foi diagnosticado que E.mantinha contato com o prefixo 54.Assim, foi interceptada, dentre outrostelefones, a linha de R. que freqüente-mente mantinha contato com E., sendoque nessas ligações falavam sobre trato-res e carros. Em certa oportunidaderecebeu uma ligação da PolíciaCatarinense dizendo que V. estaria tra-zendo drogas para Lagoa Vermelha.Salientaram, também, que um tal de “M.”fazia contato com E. dizendo que o rapazque havia mandado estava no hotel. Poroutro lado, assevera que ouviu umaconversa uma conversa entre G. e C.dizendo, aquele, que o homem haviatrazido a mercadoria (fls. 311/312v.).

Poderiam os mais céticos dizer quenão existem provas robustas acerca daassociação dos acusados para o comér-

cio de drogas. No entanto, é de bomalvitre salientar que os indícios, comojá afirmando, podem ser utilizados pelomagistrado; ainda mais quando todasprovas convergem para o mesmoenunciado. Nesse sentido, já diziaAntônio Dellepiane que os indíciospara atingirem a convicção do julga-dor, com o peso e o caráter de umaprova plena, devem ser somados namedida que o maior número de coin-cidências existentes, superior será aprobabilidade de veracidade das afir-mações realizadas (Nova Teoria daProva, 1942, pp. 169-170). Ou comoprefere Mittermaier ao referir que aconfiança no espírito do julgador vaicrescendo a medida em que o núme-ro maior de testemunhas e indíciosvão coincidindo nos detalhes maisinsignificantes (Tratado da Prova emMatéria Criminal, 1997, p. 360).

Com efeito, não há como afirmarque R. ocasionalmente fazia negócioscom G. W. e V., sendo perceptível aexistência de um vínculo duradourodesde ano de 2002. Ademais, se ovínculo fosse ocasional, como susten-tam as defesas, não haveria razão paraR. guardar a droga, que V. havia bus-cado em Santa Catarina, no Motel A.,estabelecimento de propriedade de G.;tudo isso se sabendo que nenhumamigo eventual presta para armazenarentorpecentes em seu estabelecimen-to comercial. Ah, clientes não guar-dam drogas em motéis, como funda-mentou o douto defensor (fl. 509), atéporque o espaço tempo reservado paraos encontros amorosos é curto, issosem esquecer que o lugar é de difícilacesso e de fácil controle da portaria.Apenas quem tem o domínio do local

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atrevesse a fazer tal empreitada, princi-palmente receber pessoas sem que pos-sam ser notadas.

A circunstância dos policias A. e B.estarem em Porto Alegre no momentoem que V. transportou substância entor-pecente de Balneário Camburiú paraLagoa Vermelha em nada altera a si-tuação dos acusados, pois, como afir-mado por um dos policiais, foi tentadocontato com o plantão da Polícia local,mas ninguém atendeu (fl. 310v.).

Por derradeiro, cumpre dizer que háincidência da Lei nº 9034/95, pois dian-te de todas as circunstâncias é possívelvisualizar uma verdadeira organizaçãocriminosa que se instalou em LagoaVermelha para comercializar drogas.

Agindo de maneira dolosa, os réuscometeram fato típico e, não existindocausas que excluam a ilicitude e nemisentem os réus de pena, a condenaçãofaz imperiosa.

Posto isso, julgo procedente a pre-tensão punitiva e condeno R. A. S., G.W. e V. D. M. às sanções do art. 14 daLei nº 6368/76.

Passo a fixar as penasNo que se refere ao réu R. A. S.Atendendo o comando do art. 68,

bem como do art. 59, ambos do CódigoPenal, verifico que o réu registra mausantecedentes (fl. 86). Nada há nos autosnada acerca de sua conduta social, nemexistem elementos para aferição de trans-tornos sócio-psicológicos. Os motivoslimitam-se a ganhar dinheiro à custa dosofrimento alheio. No que tange às cir-cunstâncias do crime, merecem relevo,pois se associou para a prática crimino-sa em um pequeno município do inte-rior do Estado. Ademais, a droga eraadquirida em outro Estado da Federa-

ção, por menor preço, a fim de ter umlucro ainda maior. As conseqüências docrime são muito graves, uma vez que ocomércio de drogas aniquila famílias edá sustentáculo ao crime organizado,gerando medo e sensação de inseguran-ça na população. Por fim, a vítima é oEstado que em nada colaborou para oevento.

Dessa forma, conforme seja necessá-rio e suficiente para a prevenção e repro-vação do crime, a culpabilidade deve sermensurada em grau além do mínimo.

Assim, fixo a pena-base em 05 anosde reclusão.

Presente a circunstância agravanteinsculpida no art. 61, inc. I, do CP (rein-cidência – fl. 97), aumento a pena em8 meses. Ausentes circunstâncias atenuan-tes, transformando a pena-base em penaprovisória na quantia de 05 anos e 08meses de reclusão.

Não existindo majorantes nemminorantes, transformo a pena provisó-ria em pena definitiva que estabeleçoem 05 anos e 08 meses de reclusão.

O regime inicial para o cumprimen-to de pena, segundo preceitua o art. 10da Lei nº 9.034/95 e art. 33, § 2º, alíneasa e b, do CP, é o fechado.

Da pena de multaAtendendo o comando dos arts. 14

e 38, ambos da Lei nº 6.368/76, fixo apena de multa em 70 dias-multa tendocomo parâmetro da culpabilidade doacusado, no valor de vinte e cinco cru-zeiros para cada dia-multa fixado, faceàs condições sociais do acusado que épobre.

No que tange a G. W.Atendendo o comando do art. 68 do

CP, bem como do art. 59 do mesmoDiploma legal, verifico que o não réu

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registra maus antecedentes. Sua condutasocial, consoante prova testemunhal, éboa, sendo pessoa trabalhadora e bemquisto na comunidade (fls. 313/315).Quanto à sua personalidade, não háelementos para aferição de transtornossócio-psicológicos. Os motivos limitam-sea ganhar dinheiro à custa do sofrimentoalheio. No que tange às circunstânciasdo crime, merecem relevo, pois se as-sociou para prática criminosa em umpequeno município do interior do Esta-do, guardando drogas em seu estabele-cimento comercial que é freqüentadapor várias pessoas. As conseqüênciasdo crime são muito graves, uma vezque o comércio de drogas aniquila fa-mílias e dá sustentáculo ao crime orga-nizado, gerando medo e sensação deinsegurança na população. Por fim, avítima é o Estado que em nada colabo-rou para o evento.

Dessa forma, conforme seja necessá-rio e suficiente para a prevenção e repro-vação do crime, a culpabilidade deve sermensurada em grau além do mínimo.

Assim, fixo a pena-base em 04 anose 06 meses de reclusão.

Ausentes circunstâncias agravantes eatenuantes, transformando a pena-baseem pena provisória na quantia de 04anos e 06 meses de reclusão.

Não existindo majorantes nemminorantes, transformo a pena provisó-ria em pena definitiva que estabeleçoem 04 anos e 06 meses de reclusão.

O regime inicial para o cumprimen-to de pena, segundo preceitua o art. 10da Lei nº 9034/95, é o fechado.

Da pena de multaAtendendo o comando do art. 14 e

do art. 38, ambos da Lei nº 6.368/76,fixo a pena de multa em 60 dias-multa

tendo como parâmetro da culpabilidadedo acusado, no valor de cem cruzeirospara cada dia-multa fixado, face àscondições sociais do acusado que é boa,com renda mensal de R$ 7.000,00 (fls.314 e 509).

Quanto V. D. M.Atendendo o comando do art. 68,

bem como do art. 59, ambos do CP,verifico que o réu registra uma conde-nação (fls. 84 e 141) que será apreciadana segunda fase da fixação da pena.Nada há nos autos acerca de sua con-duta social, nem existem elementos paraaferição de transtornos sócio-psicológi-cos. Os motivos limitam-se a ganhardinheiro à custa de sofrimento alheio.No que tange às circunstâncias do cri-me, merecem relevo, pois se associoupara a prática de crimes em um peque-no Município do interior do Estado.Ademais, a droga era adquirida em outroEstado da Federação, por menor preço,a fim de ter um lucro ainda maior. Asconseqüências do crime são muito gra-ves, uma vez que o comércio de drogasaniquila famílias e dá sustentáculo aocrime organizado, gerando medo e sen-sação de insegurança na população. Porfim, a vítima é o Estado que em nadacolaborou para o evento.

Dessa forma, conforme seja necessá-rio e suficiente para a prevenção e re-provação do crime, a culpabilidade deveser mensurada em grau além do míni-mo.

Assim, fixo a pena-base em 04 anos06 meses de reclusão.

Presente a circunstância agravanteinsculpida no art. 61, inc. I, do CP(reincidência – fl. 141), aumento a penaem 8 meses. Ausentes circunstânciasatenuantes, transformando a pena-base em

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pena provisória na quantia de 05 anose 02 meses de reclusão.

Não existindo majorantes nemminorantes, transformo a pena provi-sória em pena definitiva que estabele-ço em 05 anos e 02 meses de reclu-são.

O regime inicial para o cumprimen-to de pena, segundo preceitua o art. 10da Lei nº 9.034/95 e art. 33, § 2º, alíneasa e b, do CP, é o fechado.

Da pena de multaAtendendo o comando do art. 14 e do

art. 38, ambos da Lei nº 6.368/76, fixo apena de multa em 60 dias-multa tendocomo parâmetro da culpabilidade do acu-sado, no valor de vinte e cinco cruzeirospara cada dia-multa fixado, face às con-dições sociais do acusado que é pobre.

Os réus R. e V. permaneceram du-rante toda a instrução presos, devendoficar segregados se quiserem apelar,salientando que os motivos da prisãopreventiva ainda persistem. Quanto aoacusado G., não há motivos para sua

prisão preventiva, pois compareceu atodos os atos processuais e tem estabe-lecimento comercial nessa cidade, nãohavendo notícias de fuga do distrito daculpa. Além disso, o disposto no art. 9ºda Lei nº 9.034/95 deve ser aplicadouma vez presentes as circunstânciasexpostas no art. 312 do CPP, tal qualdisciplina, implicitamente o art. 11 dareferida Lei.

Custas pelos condenados.Expeçam-se PECs provisórios para

os acusados que se encontram presos.Transitado em julgado:(a) Lançam-se os nomes dos réus no

rol dos culpados.(b) BIEs à origem.(c) Comunique-se ao TRE.(d) Extraiam-se ficha PJ 30.(e) Formam-se PECs definitivo.Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Lagoa Vermelha, 05 de junho de

2003.Eduardo Furian Pontes – Juiz de

Direito Substituto.

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Processo-Crime nº 00109577602 – 16411Comarca de Porto Alegre7ª Vara CriminalAutor: M. P.Acusado: R. H. J.Juiz prolator: Paulo Roberto Lessa FranzData: 29 de setembro de 2003

Sentença criminal. Homicídio culpo-so em concurso formal. Inobservância deregra técnica de profissão. “PartoHumanístico”. Interferência médica mí-nima. Dilatação completa. Partoindevidamente protelado. Braquicardiasevera fetal. Parturiente em esgotamentofísico e mental. Cesariana intempestiva.Óbito subseqüente de mãe e filho. Culpado médico evidenciada. Condenaçãoimpositiva.

Vistos.1. Por entender configurada a infra-

ção ao disposto no art. 121, § 3º, obser-vando-se a causa de aumento do § 4º,c/c art. 70, todos do CP, o MP ofertoudenúncia contra R. H. J., brasileiro, ca-sado, filho de M. H. J. e E. J., RG nº0000000000, residente na Rua P. A., nestaCapital.

Narra a peça angular acusatória oseguinte fato delituoso: “No dia 12-09-01,nas dependências do Hospital M. D.,mais precisamente no interior de umaSala de Parto daquele estabelecimentohospitalar, situado na Av. J. A., nestaCapital, o denunciado, de forma culposa,matou V. A. M. e C. M. B.

“O acusado agiu com negligência,imprudência e imperícia, não observan-do regra técnica de profissão, eis que

omitiu-se quanto a exames que assegu-rassem da viabilidade do nascimento deC. via ‘parto normal’, permitiu que V.persistisse em grande sofrimento (exten-sivo ao nascente) de forma prolongadaao tempo, mesmo com a constatação debradicardias (batimentos cardíacos donenê abaixo do normal) e sem a adoçãode providências a verificar eventual re-torno à normalidade ou sem a necessáriaintervenção; assim como elegeu métodoinadequado para o caso, mesmo sendovontade do casal, eis que as circunstân-cias por ocasião do trabalho de partoexigiam efetiva intervenção médica nosmoldes usualmente empregados em ma-ternidades (efetivo controle das vidas e,ante o surgimento de riscos a uma ouambas, a intervenção médica bastante aassegurar tais vidas).

“O denunciado, enquanto médicoobstetra a assistir o período gestatórioda vítima V. A. M., e sabedor das pe-culiares condições de gravidez daquela,deixou de adotar as cautelas necessáriase imprescindíveis para um parto semriscos, dando causa à morte de V. e C.

“V. A. M., por recomendação e indi-cação do próprio denunciado, e em razãodo enfrentamento de problemas de or-dem glandular que impediam a concep-ção por vias normais, logrou engravidar

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através do método de inseminação arti-ficial (fertilização in vitro).

“Contava V., ainda, com 35 anos deidade à época dos fatos, além de seraquela sua primeira gravidez, condiçõesas quais, aliadas aos problemas de or-dem hormonal, implicavam na adoçãode cautelas específicas a propiciar onascimento em condições de segurança,tanto no que diz com exames pré-na-tais, efetiva assistência e controle porocasião dos trabalhos de parto, comono que atine às providências imediatasao parto propriamente dito.

“Todavia, o denunciado, muito em-bora conhecedor do estado gravídico amerecer cautelas além das usualmenteadotadas, e empreendendo no sentidode levar a cabo o que denominava de‘parto humanístico’, com o mínimo deinterferências médicas possíveis, deixoude proceder exames de rotina, tais comoecografias, exames de toque (a consta-tar a proporcionalidade céfalo-pélvica apropiciar o nascimento dito ‘normal’),dentre outros, concorrendo para a mor-te de mãe e filho.

O acusado, mesmo ante a constata-ção de sucessivas bradicardias, comconstatação de cerca de 100 batimentospor volta das 10h30min, e, ao depois, jápor volta do meio dia, na ordem de 73batimentos; e sem a efetiva adoção demedidas de resguardo (em especial abuscar a constatação de retorno aosbatimentos cardíacos normais), continua-va a orientar V. A. M. a caminhar pelasala e a prosseguir nos esforçosexpulsivos, arrastando o trabalho departo de forma temerária, colocando avítima V. em esgotamento físico e men-tal, insistindo que a paciente buscasse aexpulsão, ao ponto de, somando-se aos

exames que ao depois procedeu, deter-minar edema grave de vulva.

“Às 14 horas, o acusado constatousevera bradicardia na ordem de 60batimentos por minuto. Tal exigia ur-gente e imediata intervenção. No en-tanto, limitou-se a proceder novos esucessivos exames, além de insistir paraa busca da expulsão. Permanecendo talgravíssimo quadro, mantida aquela se-vera bradicardia (quadro a dizer que acriança estava a sucumbir), às 14h10mino denunciado resolveu por adotar in-tervenção por cesariana, mesmo assimagindo de forma calma, sem a preocu-pação de efetivar a medida com aemergência que a situação exigia; de-mora esta determinante para o nasci-mento do feto em condições de óbito,com diagnóstico de apgar zero (flacidez,coloração azulada e ausência debatimentos cardíacos e respiração), sen-do que, em razão de pronta ação demédicos outros, cerca de seis minutosdepois de lograda a volta dosbatimentos cardíacos em razão de dro-gas ministradas e procedimentos médi-cos, mas indícios de passar a exercitara respiração só ocorreu cerca de 20minutos depois, evidente os prejuízoscerebrais e orgânicos determinados. Talquadro possibilitou uma vida artificialante os recursos médicos empregados,culminando com a sucumbência defini-tiva em 19-10-00, por insuficiência res-piratória, coma neonatal, leucomaláciacerebral neonatal, asfixia grave ao nas-cer, cfe. fl. 53.

“A retirada rápida e violenta (comlaceração de tecidos) do feto do úteromaterno, aliada ao esgotamento físicopor ocasião dos esforços expulsivos,implicaram em dificuldades de contra-

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ção do útero (útero hipotônico) e inten-sas hemorragias em V., culminando pelanecessidade de extirpação do órgãouterino (histerectomia total), e posterior-mente levando a vítima V. A. M. a umasérie de complicações e falência deórgãos, também contraindo doenças emrazão da debilidade a que, aquela vigo-rosa mulher do anterior ao parto, resta-va reduzida até o óbito, em 05-10-00,por ‘varicella Zoster’, infecção porvaricella Zoster, síndrome de Hellp,eclâmpsia, síndrome de angústia respi-ratória do adulto, conforme fls. 54.

“A materialidade vem atestada às fls.53 e 54, somado ao material de relató-rios médicos fornecidos pelo HospitalM. D., atento ao fato de que tal subs-tituir os laudos necroscópicos, com asvítimas sendo cremadas logo após.

“O agir de extrema culpa do acusa-do vem registrado em fita providenciadapelo então casal, que festivamente bus-cava registrar o momento do nascimen-to do esperado filho; assim como ates-tado com depoimentos”.

A denúncia foi recebida em 01-04-02.Deferido o pedido de habilitação de M.D. B. como assistente à acusação (fl. 108).

O acusado foi citado e interrogado(fls. 111/117) tendo, por defensor cons-tituído, no prazo legal, apresentado ale-gações preliminares.

Na instrução processual, foram ouvi-das sete testemunhas arroladas pelaacusação e três testemunhas de defesa(fls. 150/197 e 204/226).

Em petição datada de 16-05-03, oassistente de acusação juntou os do-cumentos acostados às fls. 234/289. Porocasião disto, foi dado vista ao MP (fl.291), e à defesa (fl. 292), que nadamanifestou, nem requereu.

Substituídos os debates por memori-ais, o MP requereu a condenação doacusado nos termos da denúncia.

A assistência à acusação, igualmenterequereu a procedência da denúncia ea condenação do réu nos seus exatostermos.

A defesa apresentou os memoriaisàs fls. 330/351. Argüiu preliminar denulidade do processo pela ausência deprova da materialidade (laudo denecrópsia). Após tecer consideraçõesgerais sobre a causa, no mérito alegou:(1) não houve falha no diagnóstico dadistócia; (2) o anestesista foi chamado edeslocou-se a tempo para a realizaçãoda cesariana; (3) o parto não foi prolon-gado; (4) não houve sofrimento fetal;(5) a presença de pequenos restosplacentários no útero após a cesarianaé irrelevante; (6) o acusado agiu de mododiligente e prestou um atendimentomédico de qualidade; (7) afirmou que adilatação completa da vítima V. ocorreusomente ao meio-dia, e não às 10h30minda manhã; (8) não era necessária amonitorização contínua, nem opartograma; (9) as testemunhas ouvidasem juízo deram palpites ou opiniões,sem apresentar fundamentos científicospara as suas colocações; (10) afirmouque a defesa não foi intimada dos do-cumentos juntados pela acusação; (11)irresignou-se com a utilização de provaemprestada; (12) alegou, de maneiravelada, que não lhe fora permitido as-sistir à fita de vídeo em que foi filmadoo parto. Por fim, pede a absolvição combase no art. 386, I, do CPP.

Relatei.Decido.2. Trata-se de ação penal intenta-

da contra o acusado R. H. J., visando

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apurar sua responsabilidade penal pelaprática de delito contra a vida – homi-cídio culposo com o aumento de penapela inobservância de regra técnica deprofissão.

A materialidade delitiva consta dosatestados de óbito que instruem a denún-cia, somados aos relatórios médicos for-necidos pelo Hospital M. D., o que subs-titui os laudos de necrópsia haja vista queas vítimas foram cremadas após o óbito.

O agir do acusado quando do traba-lho de parto foi registrado em vídeo.

Cumpre assinalar que o parto emanálise ocorreu no dia 12-09-00, e nãoem 2001 como consta equivocadamenteda denúncia.

A conduta do acusado foi enquadra-da pelo MP no art. 121, §§ 3º e 4º, c/co art. 70 do CP, homicídio culposo porinobservância de regra técnica de profis-são, em concurso formal.

O réu foi interrogado conforme ter-mo das fls. 111 e ss., oportunidade queafirmou ter acompanhado toda a gesta-ção da vítima V., que não apresentouqualquer intercorrência, e ostentava boasaúde quando do parto. Acompanhoutodo o trabalho de parto, e sempre agiucom competência e de acordo com osditames da profissão. As complicaçõesdo parto ocorreram em função da emboliaaguda por líquido amniótico, doença rarae grave, altamente letal. Nega que tenhaobrado com culpa no evento morte, tan-to de V., quanto de C. Indicou defensor.

Das Preliminares.A preliminar de nulidade do proces-

so por suposta ausência de materialida-de deve ser rechaçada. Materialidade éa prova de existência do fato. E não háqualquer dúvida que o fato trazido nadenúncia existiu. Tal é o que se cons-

tata dos depoimentos colhidos na ins-trução deste processo, na sindicânciarealizada pelo Hospital M. D., e noprocesso ético profissional instauradopelo CREMERS.

Ademais, constam nos autos os ates-tados de óbito de C. (fl. 59) e V. (fl. 60).No atestado da vítima C., foi indicadacomo causa mortis “insuficiência respi-ratória, coma neonatal, leucomaláciacerebral neonatal, asfixia grave ao nas-cer”. Por seu turno, no atestado de V.,foi declinado como causa “varicellaZoster, infecção por varicella Zoster,síndrome Hellp, eclâmpsia, síndrome deangústia repiratória do adulto”.

O réu contesta a causa da morte deV., pretendendo seja à mesma atribuída,como causa mediata, a embolia por lí-quido amniótico, o que somente vinculaainda mais tal evento com a complica-ções advindas do parto.

E considerando que a morte da mãeocorreu 24 dias após o parto, e a dobebê 38 dias após o nascimento, é gran-de a certeza que os óbitos estão vincu-lados às complicações decorrentes doparto.

Como se vê, dúvida não há quantoà existência do fato narrado na denún-cia, e em virtude do qual é buscada acondenação do réu.

É a nítida hipótese de aplicação doart. 167 do CPP, pois, com a cremaçãodos corpos, desaparecem os vestígios,não sendo mais possível o exame decorpo de delito, que fica suprido pelaprova testemunhal e demais elementosde convicção existentes nos autos.

Esse é o entendimento tranqüilo dajurisprudência, como decide há anos oSupremo Tribunal Federal, que conside-ra irrelevante a ausência de exame

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necroscópico desde que demonstrada amorte por outras provas (STF, HC nº70.118, 2ª Turma, RT, 705/426, decisãocitada por Damásio de Jesus, no seuCPP Anotado, p. 147, nota ao art. 167).

Fica afastada, pois, a prefacial.Ainda em sede preliminar, consig-

na-se que não procedem as alegaçõesda parte final dos memoriais da defesa,de que não teria sido lhe concedidavista dos documentos juntados pelaacusação, e de que não foi permitidoo acesso à fita de vídeo que registrouo parto.

Como se verifica na fl. 292, a defesafoi intimada sobre os documentos jun-tados pela acusação. Preferiu silenciar.

No depoimento, a testemunha M. L.S. (fl. 207) afirma categoricamente queviu o vídeo e que o mesmo lhe foipassado pelo réu. Cabe salientar que atestemunha é assistente técnico do réuno processo cível que versa sobre osmesmos fatos (fl. 246). Como se vê, oréu teve acesso ao vídeo em questão.

Do mérito.No mérito, superada a discussão da

materialidade, e incontroverso que o réuera o médico responsável pela assistên-cia da vítima durante o parto, resta definirse o mesmo agiu com culpa, e se hávínculo de causalidade entre esse agir eo resultado morte das vítimas.

Pelo que se verifica dos autos, tantoV., quanto o réu, eram entusiastas dochamado “parto humanizado”, que seopõe à cesariana, modalidade cirúrgicaexageradamente disseminada em nossoPaís.

Do que se apurou na instrução, V.teve uma gestação normal, semintercorrências. O fato da concepção terocorrido por inseminação artificial ne-

nhuma conseqüência acarreta à gesta-ção, como informou a testemunha A. P.,médico ginecologista, especializado emreprodução humana, responsável pelotratamento in vitro a que foi submetidoa vítima V. para poder engravidar (fls.204/206).

Pelo depoimento do companheiro davítima V., as contrações iniciaram às 02hda manhã. O rompimento da bolsaocorreu às 07h, quando dirigiram-se aohospital.

A vítima chegou ao hospital em tornodas 08h o horário é confirmado peloréu em seu interrogatório (fl. 111) epela testemunha R. B. K. (fl. 224), en-fermeira que fez a admissão da partu-riente.

C. G., fisioterapeuta contratada paraauxiliar no acompanhamento da gravi-dez e no parto, relata (fl. 230) que foichamada por volta das três e meia damanhã. Relatou o que segue: “Fui comofaço sempre, me dirigi à casa deles, elaestava em trabalho de parto e de lá nósfomos por volta das sete da manhã aohospital, tudo tranqüilamente, partotranqüilo em casa e no hospital”.

Ainda, quanto à chegada da vítimaao hospital, relata a testemunha R. B. K.(enfermeira): “J: Lembra que horário elachegou ao hospital? T: Foi de manhã cedo,mas não sei dizer com precisão o horá-rio. J: Início da manhã? T: É. Aí eu fui atéa plantonista, a Dra. K., e falei para ela‘Olha, tem uma paciente que chegou equer ser avaliada por mim, não sei se meautoriza’. Ela me autorizou. Aí fui até aadmissão, onde os pacientes chegam, etentei chegar na V., mas ela estava comdor e franco trabalho de parto, e estavafazendo uns exercícios apoiada na C. –exercícios para a pelve – esperei passar a

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contração até que disse para ela ‘Olha,preciso ver se o teu nenê não está nascen-do!’. Me pareceu que estava em francotrabalho de parto. Aí nós ajudamos acolocá-la na mesa e fiz um exame detoque e verifiquei uma dilatação ao re-dor de sete centímetros, e disse: ‘Precisoligar para o médico porque isso provavel-mente vai ser um trabalho de parto rápi-do’. E fui até o telefone para ligar parao Dr. R” (fl. 224).

Verifica-se dos depoimentos das tes-temunhas P. V. M. F. e I. B., médicosobstetras, este último ostentando em seucurrículo o título de Mestre, Doutor elivre docente em ginecologia obstetrícia,que a dilatação completa para o parto foiatingida pela vítima em torno das10h30min da manhã (fls. 167 e 177/178).

Depoimento de P. M. F. (fl. 166): “J:O que seria o habitual? A tolerância paraesperar a expulsão do feto? T: A genteconsidera que o último período do par-to, quando está se completando a dila-tação, e de repente a cabeça do feto estáinsinuando, esse período demora emtorno de uma a duas horas. J: No casovertente, que o senhor assistiu a fita,quanto tempo perdurou? T: Pelo que, derepente, deu para depreender da filma-gem é que durou das – se bem me lem-bro – não posso lhe afirmar com consis-tência o horário, mas, se não me enga-no, era entre dez e onze horas da ma-nhã quando é comentado que ela come-ça a fazer os esforços expulsivos e acesariana parece que é indicada emtorno de quatorze horas. Mas não possolhe precisar isso”.

Depoimento do Dr. I. B. (fls. 177/178): “MP: Constatada a dilatação com-pleta e não tendo havido a descida deapresentação, qual é a conduta indica-

da? T: Terminada a dilatação, nós te-mos um período numa mulher de pri-meiro filho, em torno de uma hora, umahora e meia, para que haja a expulsão.Passado esse período a gente consideraele prolongado. MP: Então, qual é aconduta? T: Daí interromper, fazer ca-saria. J: No caso vertente, foi extrapoladoesse prazo de uma hora e meia: O se-nhor recorda se as imagens mostraramisso? T: É, existe uma dilatação completaem torno de dez horas da manhã, e acesária parece que foi indicada às qua-torze”.

Depoimento de K. C. C. M. (fl. 189):“AA: Então eu posso afirmar que, após adilatação completa, se espera uma horapara usar diversos procedimentos? T: Amaior parte dos médicos, eu diria quesim”.

Depoimento de C. M. B., pediatra daequipe do réu, que acompanhou o parto(fl. 192): “J: Que horas o senhor chegouno hospital para acompanhar o parto?T: Eu cheguei entre 10h30min e 11 horas.Não tenho certeza. (...) J: Havia dilata-ção para o parto normal? T: Havia, es-tava com 9 centímetros, 9 para 10 cen-tímetros. J: Isso já é o suficiente? T: É. J:A que horas foi constatada essa dilata-ção? T: A hora que eu cheguei, eu fuiinformado de que estava completa. J: Porvolta das 10 horas? T: Não, eu chegueiem torno de quinze para as onze, onzehoras. Em torno das onze horas mais oumenos”.

Como se verifica dos depoimentoscolhidos na instrução, as contrações davítima V. iniciaram de madrugada. Elachegou ao hospital em torno das 8h damanhã, já em “franco trabalho de parto”,com 7cm de dilatação. A dilatação estavacompleta entre 10 e 11h da manhã.

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A indicação da casaria somente ocor-reu às 14h, e quanto a isso não hámenor dúvida. Pertine transcrever o item7.5 da sindicância realizada pelo Hospi-tal M. D. (fl. 54): “7.5. O horário ano-tado na folha de evolução (13h30min),como da indicação da cesariana, nãocoincide com o apurado nos depoimen-tos e constatado pela análise da filma-gem do trabalho de parto, que mostrao relógio na sala de parto marcando14h12min”.

A conclusão da sindicância do hos-pital é corroborada pelos depoimentosde P. M. F., I. B., que assistiram o vídeodo parto, e por M. A. S., anestesista, quesomente foi chamado entre 14h15min e14h20min (fl. 160).

Portanto, a prova colhida é certa nosentido de apontar que a dilatação totaldo trabalho de parto da vítima V. ocor-reu entre 10h e 11h, e a decisão pelacesariana, que verificou-se indispensá-vel, somente ocorreu após as 14h. Umintervalo entre três e quatro horas.

Ensinam Delton Croce e Delton CroceJúnior (Manual da Medicina Legal, Sarai-va, 3ª edição, 1996, pp. 424/425): “O traba-lho de parto processa-se em três períodos:1) de dilatação, durante o qual o canalcervical e o colo do útero dilatam paradeixar passar o concepta [....]; 2) de ex-pulsão, que se estende do momento dadilatação total até a separação completamaterno-fetal. [....] O período de expulsãose estende do momento da dilatação totalaté a completa separação corpo a corpomaterno-fetal. A sua duração média é de90 minutos, na primigesta; 3) dodelivramento ou dequitação, em que aplacenta descola-se normalmente, na ca-mada esponjosa da decídua basal, porpregueamento da parede externa do úte-

ro, conseqüente a sua retração post partus,e elimina-se para o exterior, amiúde, 5 a10 minutos após a expulsão do ser nas-cente, iniciando a fase dita puerperal que,de acordo com os diferentes autores, seencerra: [....] c) com os primeiros 40 dias,em geral, após a délivrance”.

Como se vê, o réu aguardou mais doque o dobro da média do períodoexpulsivo para determinar a realizaçãoda cesariana, que na hipótese revelou-secomo a única forma de realizar-se o parto.

Aqui não se trata de opiniões médi-cas, mas de cautela no exercício daprofissão. Os médicos ouvidos em juízotestemunharam a prática usual de aguar-dar-se entre uma a duas horas, após oinício do período expulsivo, para a in-dicação de cesariana. A doutrina médi-co-legal consigna que o prazo médio deduração desse mesmo período é 90minutos. O réu aguardou o dobro dessetempo, no mínimo, para indicar a cesa-riana, o que prolongou desnecessaria-mente o suplício a que era submetida avítima V. Suplício este que lhe privoude todas as forças, debilitando sua saú-de, deixando-a sem qualquer condiçãofísica de suportar uma cirurgia de cesa-riana, feita às pressas, que se revelouintempestiva e inútil.

Mais, verifica-se a imprudência eimperícia do réu antes mesmo do exa-me dos episódios de bradicardia fetalverificada entre o término da dilataçãoda parturiente e a intempestiva casaria.

Constata-se do depoimento de P. M.F. (fl. 168): “MP: Quando se constatauma bradicardia prolongada qual é aconduta indicada? T: A monitorizaçãoem primeiro lugar. Nós vamos tentaravaliar a condição fetal e estabalecerum diagnóstico, firmar o diagnóstico de

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sofrimento. Uma vez indicado a sofri-mento é imperiosa a interrupção dagestação imediata”.

Mais adiante, esclarece a testemunhaP. que, reconhecendo dispensável amonitorização contínua nas pacientesque não apresentam problema de evo-lução no parto, a tem por “judiciosa”nas quais se detecta alteração do ritmoda freqüência cardíaco-fetal.

Na fl. 151, a testemunha M. B., com-panheiro da vítima, relata a verificaçãode batimentos cardíacos na ordem de60, 70 batimentos por minuto. Isso teriaocorrido entre 11h30min e 12h. Naocasião, o réu afirmou que taisbatimentos eram da mãe, e não do feto.

Na fl. 185, a testemunha K. confirmaque presenciou, entre 11 e 12h, “umaaceleração do coração do bebê”. Infor-ma a testemunha (fls. 185/186): “Eu fi-cava longe na sala, mais perto da porta.Então eu não conseguia ver o monitor,nem o registro de quanto estava o cora-ção do bebê. Então, isso é pela experiên-cia que a gente tem de ouvir o ritmo. Euacreditei que estava, mais ou menos, em100 batimentos do bebê. Os batimentosdo bebê tem que ficar entre 120 e 160,uma média de 140. Nesse momento mepareceu que tinha uma bradicardia leve,em torno de 100”.

Confirmando a ocorrência debradicardia fetal durante o prolongadoperíodo expulsivo a que foi submetidaa vítima, lê-se no depoimento de P. M.F. (fl. 173): “D: Em um outro depoimen-to que o senhor prestou o senhor disseque não tinha certeza da origem dessesbatimentos. O senhor confirna? T: Con-tinuo não tendo. A origem dobatimento... D: De quem será: Da mãeou do nenê? T: Eu já deixei isso firmado

nos depoimentos que eu dei anteriormen-te, tanto na Promotoria quanto no Con-selho Regional de Medicina, de que pelaposição que é colocado o transdutor noventre materno, pela posição da pacien-te em posição de cócoras, de repente eupoderia afirmar quase que com certeza– e isso eu disse, até 99% de chance – deser de origem fetal. Eu vou deixar claro,novamente, sem a condição técnica deter feito exame, de ter vivenciado o caso,de ter o registro dos dados do caso eunão consigo, eu não posso fazer afirma-ções além disso”.

Colhe-se do depoimento do Dr. I. B.(fl. 181): “É a compressão da cabeça.Quando a cabeça entra profundamentena bacia e a contração do períodoexpulsivo se torna mais intensa nós va-mos ter por estímulo mecânico sobre acabeça um aumento da pressão intra-caverniana e isso automaticamente porreflexo nervoso faz uma bradicardia. Masterminada essa contração a freqüênciatem que se recuperar aos níveispreexistentes. Quando essa bradicardiase torna persistente aí sim nos leva aconsiderar que sofrimento. D: O senhornesse período período que assistiu a fitao senhor ouviu os batimentos? T: Sim. D:O senhor tem plena certeza de ondepartiu? De quem partiu? T: Sim. [....] D:Então não há dúvida de que essesbatimentos que foram ouvidos provi-nham do nenê? T: Sim”.

A defesa alega que os batimentoscardíacos ouvidos no início do períodoexpulsivo, baixo ou em torno de 100bpm,partiam da mãe e não do bebê. Contudo,tal não ficou demonstrado em nenhummomento, seja na instrução deste proces-so, seja na sindicância do hospital M. D.,ou no processo ético-profissional no

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CREMERS. Pelo contrário, a testemunhapresencial K., médica obstetra, afirma emjuízo que os batimentos que ouviu nomonitor, entre 11 e 12h, eram do feto, enão da mãe. Idêntica conclusão chega-ram os médicos obstetras I. B. e P. M. F.,assistindo a fita de vídeo gravada duran-te o trabalho de parto.

Portanto, do que consta dos autos,extrai-se a certeza que ao períodoexpulsivo prolongado a que foi submeti-da a parturiente somou-se a bradicardiafetal. Porém, tal não foi suficiente para oréu determinar a cesariana, ou, pelo menos,passar a monitorar de modo contínuo osbatimentos do feto. À luz de tais eventos,passa a ser claramente previsível o resul-tado morte do feto, da mãe ou de ambos,caso alguma medida não fosse tomada.Aqui deveria ter sido aplicada a cautelainerente a qualquer atividade humana. Oréu, porém, preferiu a inação, e nelamanteve-se até às 14h12min, quando abradicardia do feto já rondava 60, 70bpm,metade da média normal.

Somente aí, entre três e quatro horasapós o início do período expulsivo, odobro da duração normal, indicou a ce-sariana, procedimento que foi feito àspressas: a vítima não havia sido depilada,a cirurgia não havia sido preparada e oanestesista não havia sido sequer avisado.

Tudo somado, o procedimento reve-lou-se extemporâneo e inútil, redundan-do, mais tarde, na morte do bebê e damãe. De nada adianta alegar que entrea decisão e a intervenção cirúrgica fluitempo compatível com as normas inter-nacionais. A decisão pela casaria, que,frisa-se, revelou-se indispensável, é quefoi tardia.

E aqui não se trata de mera opiniãomédica, mas conclusão técnica

inarredável. O médico responsável pelaassistência no parto, ora réu, foi impe-rito, imprudente e negligente, porquenão soube avaliar corretamente os cla-ros indicativos da necessidade de inter-venção cirúrgica que saltavam aos olhosde qualquer profissional da medicinamedianamente instruído.

A perícia médica realizada no pro-cesso cível, tombado sob nº 00107681869,com trâmite junto a 2ª Vara Cível desteForo Central, movido contra o ora réu,enunciou claramente a culpa do acusa-do pelas mortes de V. e C. Consta dolaudo elaborado pelo perito nomeado(fls. 246/268):

“Quesito 1. O médico assistente, oraréu, houve-se, no episódio dos autos,com exação, do ponto de vista damedicina? (fl. 247)

“Resposta: Não, pois conforme aanálise dos autos feita pelo perito, o réudeixou de diagnosticar ou de avaliaradequadamente os sinais materno-fetaisde disfunção do parto. (fl. 257)

“Quesito 2. Há nexo causal entre osatos médicos do Réu e os eventos ha-vidos com a criança e sua mãe? (fl. 247)

“Resposta: De acordo com a respos-ta ao quesito anterior, sim. (fl. 257)

“Quesito 3. O Réu agiu com culpaem algum ato, no episódio narrado noprocesso? (fl. 247)

“Resposta: Sim, pois quando deixoude diagnosticar ou não valorizou os sinaisde parto disfuncional na parturiente,protelou conduta intervencionista indis-pensável. (fl. 257)

“Quesito 9. O médico da pacienteobservou avaliações sistemáticas do bemestar fetal? (fl. 248)

“Resposta: Na análise dos autos,feita pelo perito, a evolução do caso

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demonstrou inadequado controle dobem estar fetal, por falta de diagnós-tico ou de valorização dos achadosclínicos. (fl. 257)

“Quesito 10. O médico da pacienterealizou acompanhamento do desenro-lar do trabalho de parto através deexames vaginais seriados?

“Resposta: A evolução do caso de-monstrou inadequado controle da fasefinal de dilatação e do período expulsivo,por falta de diagnóstico ou de valoriza-ção dos achados clínicos.

“Quesito 23. Existe alguma justificati-va para utilizar um monitor fetal nestapaciente, levando-se em consideração osseus múltiplos efeitos colaterais? (fl. 249)

“Resposta: A partir do momentoem que é detectada a mínima suspei-ta de sofrimento fetal, devem ser uti-lizados todos os recursos disponíveispara o acompanhamento das condi-ções de vitalidade fetal. Não foramutilizados pelo réu R. H. J. todos osmeios disponíveis de diagnóstico nainstituição. (fl. 258)

“Quesito 25. Configurou-se durante otrabalho de parto da paciente o diagnósticode período expulsivo prolongado? (fl. 249)

“Resposta: Sim. (fl. 258)“Quesito 26. Existe justificativa para

intervir na vigência de um períodoexpulsivo prolongado quando o bemestar fetal é assegurado por avalia-ções sistemáticas e intermitentes? (fl.249)

“Resposta: O diagnóstico de períodoexpulsivo prolongado impõe a interven-ção médica.

“Quesito 47: A solicitação de auxíliopara a cirurgia de emergência ocorreuimediatamente após o período de ava-liação? (fl. 249)

“Resposta: O Perito, pela análise dosautos, constata ser evidente a responsa-bilidade do Réu R. H. J. pela demora naindicação da interrupção da gestaçãocom a antecedência necessária, e, con-seqüentemente, pela chamada tempestivada sua equipe médica (anestesista eauxiliar)”. (fl. 261)

As conclusões de perícia médicacorroboram a prova colhida na instru-ção, não a contradizendo de maneiraalguma. A perícia foi realizada por pe-rito nomeado pelo Juízo, e submetidaao crivo do contraditório, em processodo qual o réu participou, inclusive, for-mulando quesitos e indicando assistentetécnico.

Dessa forma, razão não há para dei-xar de utilizar os elementos trazidos pelaperícia técnica na decisão desta causa.

Do que foi trazido aos autos háapenas uma voz dissonante acerca daculpa do réu: a testemunha M. L. S. Odepoimento em apreço não é capaz deafastar as conclusões já exploradas nes-ta sentença, pois, além de isolado nocontexto probatório, deve ser tomadocom reservas, pois como se verifica nafl. 246, o Sr. M., que é médico, foiindicado como assistente técnico do réuna perícia do processo cível, o quedetermina parcialidade.

É evidente que o agir culposo doréu foi o fato determinante da morte deC., que nasceu com grave quadro deasfixia, e foi reanimado pelo pediatraque o atendeu imediatamente após onascimento (fl. 194).

Se não fosse a demora na realizaçãoda cesária, C. teria nascido bem, semmaiores complicações. O atestado deóbito de C., fl. 59, vincula claramenteseu óbito às complicações decorrentes

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do parto, ao referir “coma neonatal,leucomolácia cerebral neonatal e asfi-xia grave ao nascer”.

A alegação da defesa de que asenfermidades que vitimaram C. foramcausadas pela convulsão sofrida pelamãe, face à embolia por líquidoamniótico, não é crível, não existindonos autos qualquer elemento que lhe dêsustentação.

A morte de V. foi causada por“encefalite por varicella zostes”. Estafoi a causa imediata. A varicella é umadoença que ataca crianças, sem matá--las. Tal infecção somente matará umadulto se ele estiver com a imunidademuito reduzida, o que era o caso deV.

V. morreu vinte e quatro dias apósa casaria. Segundo a lição de DeltonCroce, já transcrito, “a terceira e últimafase do parto terminará após o quadra-gésimo dia após o parto”.

Na representação formulada ao MP,o assistente de acusação referiu lição deAndré Cezar Médici, na obra “SaúdeSexual e Reprodutiva no Brasil”, quedefine mortalidade materna como “amorte durante a gestação ou dentro deum período de 42 dias após o seu térmi-no, independentemente de duração ouda localização da gravidez, devido aqualquer causa relacionada com ouagravada pelo estado gravídico--puerperal, ou por medidas tomadas emrelação a ela, excetuadas as causas aci-dentais ou incidentais” (fl. 06).

Não há como dissociar a morte deV. das complicações decorrentes doparto. V. sequer teve alta da Unidade deTratamento Intensivo (UTI), para ondefoi levada logo após a extemporâneacasaria a que foi submetida.

O suplício suportado pela vítima, quecontinuou tentando expelir o feto, viaparto normal, quando todos os sinaisclínicos indicavam a necessidade dacasaria, tirou todas as suas forças, epermitiu a ocorrência de severas com-plicações.

Reporto-me ao interrogatório do réu(fl. 116): “J: Qual o risco da pessoa con-trair infecção hospitalar em termos depercentual: I: Depende do hospital, de-pende da circunstância, depende do país,depende do paciente. Paciente extrema-mente depauperados clinicamente facil-mente desenvolve quadros de infecção.J: Era o caso da vítima? I: V. tinha umarazão razoável para ter uma declivaçãode seu sistema imunológico. Ela tinhauma embolia aguda por líquidoamniótico e isso por si só já deixa o sis-tema imunológico abalado, mas muitomais que isso, foi administrado para eladurante a internação na UTI, dosesaltíssima de corticosteróides que são me-dicamentos que promovem a diminui-ção da capacidade de defesa de umapessoa. Agora, o que aconteceu é queprovavelmente os clínicos que trataramdela agiram de forma heróica no senti-do de: ‘Bem, realmente corremos esserisco, mas precisamos utilizar essa me-dicação para salvar vida’, médicos têmessas decisões diante de si e muitas vezeso risco é inerente a atividade de umprofissional. Os médicos da UTI agiramda forma mais adequada possível, mes-mo sabendo que muito das medicaçõesque ela utilizou poderia causar o quecausou”.

Como já referido, V. foi da sala decesária diretamente para a UTI, de ondenão mais saiu, vindo a falecer 24 diasapós.

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A morte da vítima insere-se perfeita-mente na linha de desdobramento físicoda conduta culposa do réu, que, comsua inércia, prolongou demasiadamenteo período expulsivo do parto, dandocausa a todas as complicações que re-dundaram na ida da paciente à UTI, abaixa da sua imunidade, a infecção e amorte por varicella zoster (vulgo catapo-ra), doença que em situações normaisnão ocasiona a morte nem de crianças.

A relação de causalidade entre aconduta do agente e o resultado vemdefinida no art. 13 do CP. Define o § 1ºde referido depositivo:

“§1º – A superveniência de causarelativamente independente exclui aimputação quando, por si só, produziuo resultado; os fatos anteriores, entre-tanto, imputam-se a quem os praticou”.

Acerca do ponto, pertine transcrevera doutrina de Damásio de Jesus, na obraDireito Penal, Editora Saraiva, 18ª edi-ção, p. 226: “Uma questão mais comple-xa surge quando se procura conceituaro que seja causa que por si só produ-ziria resultado. Que significa a expres-são por si só? O melhor critério é o queconsidera autônoma a causa superveni-ente quando esta não se encontra nalinha de desdobramento físico da con-duta anterior. A causa superveniente, quepor si só produz o resultado, é a queforma um novo processo causal, que sesubstitui ao primeiro, não estando em‘posição de homogeneidade’ com ocomportamento do agente. Como diz aExposição de Motivos do CP de 1940,‘somente no caso em que se verifiqueuma interrupção de causalidade, ou seja,quando sobrevém uma causa que, semcooperar propriamente com a ação ouomissão, ou representando uma cadeia

causal autônoma, produz, por si só, oevento que se tenha verificado por efei-to exclusivo da ação ou omissão’ (?).S u p o n h a --se que A produza ferimentos em B que,levado a um hospital, venha falecerexclusivamente em conseqüência daslesões provocadas por um desabamen-to. Há dois dois cursos causais: um quevai do comportamento do agente até osferimentos iniciais da vítima, e outra quevai do desabamento (causa superveni-ente) até a morte de B. Neste caso, Asó responde pela prática dos atos ante-riores. Suponha-se agora que B, ferido,é levado ao hospital e vem a falecer,atentando-se que o médico, por impe-rícia, deu causa a uma infecção naslesões recebidas. A responde pelo even-to morte. Qual o motivo de o agenteresponder pelo evento morte no primei-ro exemplo, e responder por ele nosegundo? É que no primeiro caso a vítimanão faleceu por causa das lesões inici-ais, mas em conseqüência dos ferimentosproduzidos por desabamento; no segun-do, ao contrário, o ofendido faleceu porcausa das lesões sofridas. Por outro lado,na segunda hipótese, a causa superve-niente (imperícia do médico) está emposição de homogeneidade com a con-duta do sujeito, o que não acontece naprimeira”.

Inexiste qualquer solução de conti-nuidade entre as complicações decor-rentes do parto, a baixa da imunidadeda vítima, a infecção hospitalar contraídana UTI (catapora), e o óbito da mesma,tudo no período de 24 dias, abrangidopelo estado puerperal.

Em nenhum momento houve quebrada homogeneidade ou da linha de des-dobramento físico entre a conduta im-

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perita, imprudente e negligente do réu,e o resultado óbito da vítima V.

Os esforços médicos da UTI parasalvar a vida de V. não excluem a res-ponsabilidade do réu, muito antes ademonstram, pois tais medidas foramconseqüência direta do suplício a quefoi submetida a vítima, em razão dainércia do réu em determinar a realiza-ção da cesariana, que foi feita às pres-sas, e que debilitou ainda mais a saúdeda mesma.

A defesa tenta atribuir ao apareci-mento súbito e imprevisível de umaembolia por líquido amniótico todas ascomplicações decorrentes do parto.Porém, tal não ficou provado durante ainstrução.

Ainda que dita embolia fosse toma-da como causa das convulsões e detodos os problemas que redundaram namorte de V., e não a síndrome de Hellpa que se refere o atestado de óbito,ainda assim, é impossível dissociar talocorrência do extensivo períodoexpulsivo a que foi submetida a vítima.

Como se verifica, dentre outras pas-sagens, na fl. 53, em 100% dos casos aembolia por líquido amniótico é acom-panhada de sofrimento fetal. E na fl.287, o perito do Juízo Cível definiuembolia amniótica como: “Quadro clí-nico súbito e grave desencadeado pelapresença do líquido amniótico e/ou deseus elementos (componentes fetais,como lanugem dos cabelos ou célulasda pele) na circulação sangüínea depaciente no final da gravidez ou logoapós seu final (puerpério), especialmen-te no período final do trabalho de par-to, em partos prolongados ou obstruídos,como desenvolvimento de SARA (verdefinição específica), coagulação

intravascular disseminada (vercoagulopatia aguda), insuficiência renalaguda (ver definição específica) e insu-ficiência cardíaca”.

Como se vê, a embolia aguda temrelação com o parto prolongado, o quesó ocorreu em razão da inação do réu.Portanto, tal embolia, ainda que tivesseocorrido, o que não restou provado,não excluiria a responsabilidade do réuno evento morte da vítima V.

Por derradeiro, quanto ao parto, cabereferir a conclusão final da sindicânciado Hospital M. D.: “O médico assistenteconfundiu parto humanizado com par-to inseguro”.

Clara a culpa do réu na morte de V.e C., impõe-se a sua condenação comoincurso no art. 121, §§ 3º e 4º, c/c o art.70 do CP, por homicídio culposo resul-tante de inobservância de regra técnicade profissão, em concurso formal.

A ação desenvolvida pelo acusadofoi típica, antijurídica e culpável.

Não vislumbro do processado qual-quer causa de isenção de pena ou ex-cludente de ilicitude a socorrer o acu-sado, impondo-se a procedência da açãopenal com aplicação de reprimendapenal pertinente.

Passo a fixar a pena.Considerando o ordinário grau de

reprovabilidade de sua conduta social,sendo-lhe exigido conduta diversa. Aconduta social e a personalidade semnotas dissonantes. Os antecedentes sãobons, haja vista que o fato denunciadoapresenta-se isolado, conforme se verifi-ca da certidão juntada à fl. 352 dos autos.As circunstâncias e os motivos forampeculiares ao tipo penal transgredido. Asconseqüências foram gravíssimas, vistoque ceifada a vida de duas pessoas,

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deixando ao desamparo seus familiares,especialmente o marido de V. e pai deC., o qual, certamente, sofrerá com asseqüelas do episódio por toda a sua vida.Assim, sopesadas todas as diretrizes elen-cadas no art. 59 do diploma repressivo,fixo a sua pena-base em um ano e seismeses de detenção, para cada um doshomicídios cometidos.

Presente a majorante da inobservân-cia de regra técnica da profissão, previstano art. 121, § 4º, do CP, aumento a penaem 1/3, resultando a mesma em doisanos de detenção.

O concurso formal está previsto noart. 70 do diploma repressivo. Pelascircunstâncias em que ocorreram asinfrações penais, não há como negar deque possível a aplicação de aludidodispositivo penal.

O réu, mediante seu agir culposo,ocasionou a morte de duas pessoas.

Por conseguinte, haja vista o dispos-to no art. 70 do CP, reconheço o concur-so formal, aplicando-lhe apenas a penade um delito aumentando a mesma, con-siderando as circunstâncias judiciais eo número de crimes praticados, em umsexto (1/6), resultando em dois anos equatro meses de detenção.

À míngua de outras circunstânciasque a modifique, torno a pena privativade liberdade definitiva em dois anos equatro meses de detenção.

3. Isso posto, julgo procedente a pre-tensão punitiva deduzida na inicial acusa-tória para CONDENAR o réu R. H. J., aoinício qualificado, à pena de dois anos equatro meses de detenção, por infração aodisposto no art. 121, §§ 3º e 4º, (duasvezes), c/c o art. 70, todos do CP.

Presentes os requisitos estampados noart. 44 do diploma repressivo, e porentender que essa condenação por si sólhe seja suficiente, substituo a pena pri-vativa de liberdade por duas penas res-tritivas de direito consistente em:

a) prestação de serviço à comunida-de, cujas tarefas serão indicadas pelaVara de Execuções Criminais e desen-volvidas graciosamente;

b) prestação pecuniária no valor de20 (vinte) salários mínimos, em favor daAssociação Beneficente Fraterno AuxílioCristão da Sagrada Família, localizadana Av. José do Patrocínio n.º 920, PortoAlegre, conforme estabelece o art. 45, §1º, do CP. Ressalta-se que se trata deentidade privada com destinação socialconforme Decreto Estadual nº 17.285,de 28-04-65.

A pena restritiva de direito – presta-ção de serviço à comunidade – terá amesma duração da pena privativa deliberdade substituída, observando-se o §4º, do art. 46, do CP, com a nova reda-ção que lhe foi dada.

Estabeleço o regime aberto como ini-cial para o eventual cumprimento da penaprivativa de liberdade. Custas pelo réu.

Uma vez transitada em julgado apresente sentença condenatório, deveráo Cartório:

I – Comunicar o TRE (art. 15, III, CF);II – Lançar o nome do apenado no

rol dos culpados;III – Expedir o PEC.Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Demais diligências legais.Porto Alegre, 29 de setembro de 2003.Paulo Roberto Lessa Franz – Juiz

de Direito.

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Processo-Crime nº 2.03.0000479-2 – Inquérito Policial nº 541/1999Comarca de MarauAutora: J. P.Réus: R. F. S., M. S., L. D. e M. A. S. B.Juíza prolatora: Margot Cristina AgostiniData: 05 de fevereiro de 2004

Furto qualificado. Princípio da insig-nificância. Princípio penal amparado nadoutrina nacional e estrangeira. Poucaou nenhuma lesividade ao bem jurídicotutelado pela lei. Necessária observânciados princípios da proporcionalidade enecessidade. Não-caracterização da in-fração penal. Absolvição decretada.

Vistos.O MP denunciou R. F. S., M. S., L.

D. e M. A. S. B., como incursos nassanções do art. 155, § 4º, II e IV, c/c oart. 69, ambos do CP pela prática dosseguintes fatos delituosos: “No dia29-06-99, por volta das 10h30min, naAv. J. B., onde funciona o Mercado daC., neste Município, os denunciados R.F. S., M. S., L. D. e M. A. S. B., em con-curso de vontades e divisão de trabalho,mediante destreza, subtraíram, para si,do interior do estabelecimento já citado,sete pacotes de pó para café, da marca‘Bom Jesus’, com 500 gramas cada; edezesseis vidros de café em pó de marca‘Nescafé’, com 100 gramas cada, merca-dorias subtraídas das prateleiras domercado. Na oportunidade, os denuncia-dos saíram de Passo Fundo e dirigiram-se até este município no veículo VWBrasília, de placas XXX-0000, de proprie-dade da co-denunciada M. S., automó-vel que era dirigido pela companheira

desta, o co-denunciado L. D.. Chegandoem Marau, estacionaram o automóvelem frente ao Mercado da C., onde des-ceram os denunciados M. S., R. F. S. e M.A. S. B., tendo o co-denunciado L. D.ficado aguardando no automóvel. Nointerior do mercado, enquanto os com-parsas distraíram os funcionários, o de-nunciado M. subtraiu os vidros de café,colocando-os embaixo de sua roupa. Atocontínuo, todos saíram do local, voltan-do para o automóvel VW Brasília. A resfurtiva foi apreendida (fl. 04 e restituídaà vítima.

“Nas mesmas circunstâncias de tem-po, logo após o fato precedente, na Av. I.F., onde funciona o Mercado J., em Ma-rau,, os denunciados R. F. S., M. S., L. D.e M. A. S. B., em concurso de vontades edivisão de trabalho, mediante destreza,subtraíram, para si, do interior do esta-belecimento já citado, quatro pacotes depó para café, da marca ‘Bom Jesus’, com500 gramas cada; e duas latas de leiteem pó ‘Ninho crescimento’, da marcaNestlé. Para perpetrarem a subtração, odenunciado M. e as denunciadas M. e R.entraram no mercado, tendo o primeiroe a última subtraído as mercadorias,enquanto que a co-denunciada M. dis-traía os funcionários do estabelecimento,comprando batatinhas. A res furtiva foiapreendida (fl. 04) e restituída à vítima”.

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A denúncia foi recebida na data de28-01-00 (fl. 53).

Os réus foram citados (fls. 65 e 67),interrogados (fls. 69, 70 e 92). O réu L.D. não compareceu ao interrogatóriosendo decretada a sua revelia (fl. 93).Foi apresentada defesa prévia (fls. 75,99, 103 e 104)

Instruído o processo (fls. 136v., 151,153/154), sendo apresentadas alegaçõesfinais.

Em alegações finais, o MinistérioPúblico requereu a procedência da de-núncia por estarem presentes autoria ematerialidade, bem como as elementaresdo tipo penal incriminador (fls. 181/186).

A defesa das rés R. e M. pugnarampela absolvição, por não haver provassuficientes da subtração, requerendo aimprocedência da denúncia com base noprincípio in dubio pro reo. (fls. 188/189e 191).

A defesa do réu M. A. S. B., reque-reu a absolvição do réu por não haverprova suficiente de autoria e materiali-dade, bem como de que o reconheci-mento policial não foi confirmado emjuízo, não autorizando condenação.Levantou ainda a tese da insignificância,vez que o valor subtraído é inferior aum salário mínimo, bem como susten-tou a tese de estado de necessidade,vez que o furto ocorreu na tentativa deserem vendidos os objetos apreendidospara fins de alimentação da criança doréu que estava doente. Por fim, reque-reu o afastamento da qualificadora doconcurso de pessoas, bem como dadestreza (razões das fls. 192/198)

A defesa do réu L. D. afirma nãoexistir testemunhas capazes de terempresenciado a prática delituosa imputa-da ao réu, bem como de não haver

prova suficiente de participação do réu.Por fim manifestou-se quanto à bagatelado resultado, bem como quanto à qua-lificadora do concurso de agentes nãoestar presente, bem como quanto àqualificadora da destreza, vez que nãohá prova suficiente para formação deum juízo condenatório (razões das fls.204/207).

Relatei.Decido.Improcede a denúncia.Trata-se de crime de furto na sua

modalidade qualificada pelo concursode agente e pela destreza, onde em doismomentos, os réus subtraíram de esta-belecimentos comerciais (Supermerca-dos) alimentos, ou seja, sete pacotes depó para café, de marca “Bom Jesus” e16 vidros de café em pó “Nescafé”, doprimeiro estabelecimento comercial, sen-do que do segundo, subtraíram quatropacotes de café “Bom Jesus” e duaslatas de leite em pó “Ninho crescimen-to”, perfazendo um total aproximado deR$ 91,12 no primeiro estabelecimento eR$ 23,86 no segundo estabelecimentocomercial.

A autoria e materialidade estão pre-sentes, portanto incontestáveis, entretan-to, efetivamente, é de se aplicar ao casoo princípio da insignificância. Entendo,sem embargo de respeitosos entendi-mentos contrários, que o princípio dainsignificância é plenamente aplicável aoscrimes contra o patrimônio.

Isso porque o crime de bagatelarefere-se ao fato em si, classificando-ocomo totalmente irrelevante ao juízo dereprovabilidade do ordenamento jurídi-co vigente onde o dano advindo daconduta pretensamente delituosa é tãopárvulo que o tipo não se integra, isto

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é, desconsidera-se aquilo que, por suainsignificância se apresenta indiferentepara o direito penal.

Afirma Kaufman1 que toda legislaçãopositiva pressupõe sempre certos prin-cípios gerais do direito. A procura deprincípios básicos do Direito Penal ex-prime o esforço para, a um só tempo,caracterizá-lo e delimitá-lo.

Dentre alguns princípios básicosreconhecidos ou assimilados pelo orde-namento jurídico-penal se faz pertinenteelencar os seguintes, enquanto precei-tos primários: legalidade, intervençãomínima, insignificância, taxatividade,lesividade, culpabilidade e humanidade.Quanto a preceitos secundários estãoarrolados os princípios da proporciona-lidade, individualização e finalidade dapena, princípios estes adotados porautores como Nilo Batista, Luiz Luisi,René Ariel Dotti, Márcia Dometila Limade Carvalo e Maurício Antônio RibeiroLopes, não vistos em sua totalidade, masde certo modo explícitos e tambémimplícitos em suas obras.

O princípio da insignificância – vistocomo idéia central desta exposição deprincípios, merece ser tratado de formamais pormenorizada. Como bem ressalta-do por Maurício Antônio Ribeiro Lopes2 ,no exato momento em que a doutrinaevoluiu de um conceito formal a outromaterial de crime, adjetivando significadolesivo a conduta humana, necessária afazer incidir a pena criminal pela ofensaconcreta a um determinado bem, feznascer a idéia de indispensabilidade dagravidade do resultado concretamenteobtido ou que se pretendia alcançar.

O princípio da insignificância nasceda necessidade percepção da utilidadee da justiça, de imposição de pena cri-minal ao agente.

O princípio da insignificância, ou,como preferem os alemães, a “crimina-lidade de bagatela” – Bagatelledelikte, temseu nascedouro na Europa a partir daprimeira guerra mundial, e em maiormedida, ao final da segunda guerramundial. Formou-se, em virtude de cir-cunstâncias socioeconômicas um notávelaumento de delitos de caráter patrimoniale econômico, devido a devastação sofri-da pelo continente, marcados pelo estig-ma de subtrações de pequena relevância,surgindo a nomenclatura doutrinária de“criminalidade de bagatela”.

Configurando-se assim, um caráterde patrimonialidade de seu destino. Masporque da aplicação do princípio dainsignificância em condutas de baixaofensividade à tutela patrimonial?

A sua explicação é simples. Na searado Direito Penal, um dos direitos fun-damentais que mais se tutela, dentreoutros de maior expressão, é a liberda-de de locomoção do indivíduo, nãopodendo ficar adstrita a qualquer impo-sição de pena criminal que se aplicaquando preenchidos certos requisitoslegais. Indiscutível é a intervenção dapena criminal, porém deve ser ela im-posta em momentos máximos de gravi-dade no instrumento representativo dodireito de liberdade, conferindo umdeterminado padrão de atuação ética aodireito penal e valorizando o princípioda dignidade da pessoa humana em suaexpressão literária.

1 – Analogia y naturaleza de la cosa, Santiago: Ed. Jurídica do Chile, 1976, p.48.2 – Princípio da Insignificância no Direito Penal, Ed. RT, 2000, p. 37.

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É sabido que o Direito Penal foiconstruído com base num sistema crimi-nal baseado em uma escala de valores,nascendo assim a fragmentariedade doDireito Penal. Dada escala de valoresnão é ontologicamente conhecida, masimposta pelas circunstâncias da história,ética e padrão cultural de cada povo.Maurício Antônio Ribeiro Lopes, nos dáa verdadeira idéia de tal princípio postoque tal premissa valorativa faz com queações que pareçam realisticamente pró-ximas quanto aos seus elementosconstitutivos guardem uma distância deefeitos penais incomensurável. É o casodo fato delituoso em questão, pois nãohá uma justificativa satisfatória do des-nível da desigualdade entre as penasque se cominariam a um furto de valorrelativo e um furto bagatelar, vez que apena imposta é a mesma, não obede-cendo a um padrão estático de benspostos em tutela, tornando-se impossí-vel fazer Justiça de modo a preservarsequer princípios básicos de direito penaljá postos em evidência.

Nesse sentido é que se pode compre-ender a expressão trazida por Franciscode Assis Toledo3 , quando aduz que “oDireito Penal por sua natureza fragmen-tária, só vai até onde seja necessário paraa proteção do bem jurídico. Não devepreocupar-se com bagatelas”.

Não é diverso o pensamento de ClausRoxin4, a quem se atribui a primeiramenção à insignificância como princí-pio. Para ele tal princípio permite namaioria dos tipos penais fazer-se a ex-

clusão, desde o início, dos danos depouca importância.

Anota Nilo Batista5 que se o fim dapena é fazer justiça, toda e qualquerofensa ao bem jurídico deve ser castiga-da; se o fim da pena é evitar o crime,cabe indagar da necessidade, da eficiên-cia e da oportunidade de cominá-la paratal ou qual ofensa. Completando o pen-samento de Nilo Batista, Maurício Antô-nio R. Lopes afirma que o sistema penalconstitui-se como um sistema descontínuode ilicitudes, e supor que a legislação ea interpretação tenham como objetivopreencher suas lacunas e garantir-lhe umatotalidade é, como frisa Navarrete6 “falsoem seus fundamentos e incorreto en-quanto método interpretativo, seja doângulo político-criminal, seja do ângulocientífico”.

Tem-se entendido ainda, que o Di-reito Penal deve ser a ratio extrema, umremédio último, cuja presença só selegitima quando os demais ramos doDireito se revelam incapazes de dar adevida tutela a bens de relevância paraa própria existência do homem e dasociedade. Como ensina Muñoz Conde,sua intervenção apenas se dá quandofracassam as demais barreiras protetorasdo bem jurídico, predispostas por ou-tros ramos do Direito.

Outro ponto a ser referido atenta-seà própria acepção latina de legalidade,traduzível na clássica expressão nullumcrimen, nulla poena sine proevia legepoenali, obtém-se a certeza de que háoutras decorrências que podem ser

3 – Princípios Básicos de Direito Penal, Ed. Saraiva, 2002, p. 133.4 – Política criminal y sistema de derecho penal, Barcelona: Bosch, p. 53.5 – Introdução Crítica ao Direito penal Brasileiro. Ed. Revan, 1990.6 – Derecho Penal, parte general, Barcelona: Bosch, 1984, p. 99

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inferidas do princípio da reserva legal.São elas: princípio da estrita legalidadepenal (nullum crimen sine lege poenali);princípio da estrita legalidade da pena(nulla poena sine lege poenalii); princí-pio da anterioridade da lei penal (proevialege poenali).

Montando-se um quadro segundo oesquema proposto por Maurach7 tem-seo princípio da legalidade desdobradoem quatro outros, a saber: a) nullumcrimen, nulla poena sine lege praevia;b) nullum crimen, nulla poena sine legescripta; c) nullum crimen, nulla poenasine lege stricta; d) nullum crimen, nullapoena sine lege certa.

Mas não é só. A marca evolutiva doprincípio da legalidade levou á constru-ção do nullum crimen, nulla poena sineiuria, ou seja, não há crime nem penasem a causação de um dano relevante aum bem jurídico penalmente protegido.Nada mais é, na essência, parte da estru-tura tridimensional montada por MiguelReale, incluindo as noções de fato, nor-ma e valor, que há de se inferir queapenas há incidência da norma sobre ofato se confirmado um valor pressupostopelo Direito. Apenas quando diante dovalor social expresso no tipo se deposi-tar a noção de “mais-valia jurídico-penal”do fato em relação à norma é que sepoderá definir o fato como crime.

Portanto, não se pode deixar de notarque o princípio da insignificância estáintimamente ligado ao princípio dalesividade, posto em função da noçãocategorial de bem jurídico. O bem jurí-dico põe-se como sinal de lesividade docrime, revelando e demarcando a ofen-

sa. Essa materialização da ofensa, deum lado, contribui para a limitação le-gal da itervenção penal, e por outro, alegitima.

Visto dessa forma, haverá crime sehouver lesividade a dado bem jurídicotutelado suficiente à imposição de umasanção que observe princípios como oda proporcionalidade, e necessidadetornando-a digna de imposição peloEstado, caso contrário estaremos diantede uma atipicidade de conduta que levaa absolvição, por ausência de preenchi-mento de requisito legal indispensável aaplicação da norma sobre o fato, umavez que não há valor.

Vale trazermos à baila algunsementários sobre o princípio da insigni-ficância que validam as exposições aci-ma referidas.

O princípio da insignificância podeser conceituado como aquele que permi-te desconsiderar-se a tipicidade de fatosque, por sua inexpressividade, constituemações de bagatela, afastadas do campode reprovabilidade, a ponto de nãomerecerem maior significado aos termosda norma penal, emergindo, pois a com-pleta falta de juízo de reprovação penal(TACrim-SP, Apelação nº 1.044.889/5,Rel. Breno Guimarães, 21-09-97).

A lesão patrimonial deve conceber-sena sua concreta repercussão mo âmbitoda vida de uma pessoa e não comouma diminuição abstrata de valor deseu potencial econômico. O crime nãotem apenas um modo de ser objetivoque o caracteriza, mas também um limi-te de suficiência, por qualidade e quan-tidade da empresa criminosa. Aquém

7 – Tratado de Derecho Penal, Barcelona: Ariel, 1962, p. 106.

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desse limite qualitativo-quantitativo nãohá racional consistência de crime nemjustificação da pena (TACrim, Apelaçãonº 262.549, Rel. Silva Franco, 09-11-82).

Furto de um pedaço de queijo –Ação que implica dano de pequenamonta ao bem jurídico. Reconhecimen-to. Possibilidade: O furto de um pedaçode queijo é ação que implica dano depequena monta ao bem jurídico,ensejando a aplicação do princípio dainsignificância (TACrim, Apelação nº818.507/4, Rel. Carlos Bonchristiano,19-04-94, RDJ, 22/107).

Tentativa de subtração de lata de leitecondensado e de lanterna em supermer-cado. Fato penalmente irrelevante pelainsignificância do valor da res furtivainsuscetível de lesionar o interesse pro-tegido, aliado a ausência de perigosidadesocial da conduta incriminada, não jus-tifica o reconhecimento do crime nem aimposição de pena. Inidoneidade abso-luta do meio empregado. Iter criminisexecutado sob a observação atenta dasegurança da empresa que somente atuaquando possibilitada a configuração doilícito tentado. Denúncia rejeitada. Recur-so improvido. (TARS, SER nº 291.063.840,Rel Léo Afonso Einloft Pereira, 14-08-91).

A regra de minimis non curat praetororienta também o legislador, que nãoeleva à categoria de crime a condutasem nenhuma expressão e de resultadoinsignificante (Apelação nº 273.409, Rel.Juiz Dante Busana, Julgados do TACrim,Lex, v. 74/376).

Não se justifica que alguém sejaprocessado por ter imaginado subtrairobjeto de tão insignificante valor. Adefesa do patrimônio não pode extrava-sar os limites da relevância e invadir aesfera da superficialidade (Apelação nº

261.877, Rel. Juiz Nogueira Camargo,Julgados do TACrim, Lex, v. 73/334)

Não há falar em crime de furto, massim subtração penalmente irrelevante, seo objeto subtraído é destituído de qual-quer valor econômico, não se podendocogitar, pois, de desfalque do patrimô-nio alheio (TACrim-SP, Apelação nº212.487, Rel. Edmeu Carmesini,JUTACRIM ,60/298).

O adágio popular: “Quem rouba umpão é ladrão, quem rouba um milhão ébarão”, lembra a necessidade da justiçaestar disponível para punir com priori-dade os grandes crimes contra o patri-mônio (TACrim, Apelação nº 261.877,Rel. Nogueira Camargo, 08-11-82).

A lesão patrimonial relevante devepossuir um peso. A criminalidade debagatela situa-se exatamente no campodessas lesões de pouca ou nenhuma sig-nificação. A hipótese dos autos enquadra-se no âmbito do crime insignificante.

Não se vislumbra periculosidade naconduta dos agentes, e por estar a lesãoaquém do limite qualitativo-quantitati-vo, não se justifica o reconhecimentodo crime.

Não havendo prática de subtraçãopenalmente relevante, é de ser decreta-da a absolvição dos réus.

Ante o exposto, Julgo improcedentea denúncia para absolver os réus, R. F.S., M. S., L. D. e M. A. S. B., poratipicidade da conduta, forte no art. 386,III, do CPP.

Custas pelo Estado.Transitada em julgado, expeça-se BIE

e após arquive-se.Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Marau, 05 de fevereiro de 2004.Margot Cristina Agostini – Juíza de

Direito.

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Processo nº 02101120906Comarca de Passo Fundo2ª Vara CriminalAutor: O. M. P.Réu: N. L. C.Juíza prolatora: Lizandra Cericato VillarroelData: 12 de abril de 2004

Homicídio culposo e lesão corporalculposa no trânsito. Invasão da pista con-trária. Provável ponto de impacto. Pedi-do de absolvição pelo Ministério Público.Levantamento policial. Prova testemu-nhal. Ausência de compensação de cul-pas na esfera penal. Sentença condena-tória.

Vistos.O M. P. ofereceu denúncia contra A.

B., brasileiro, divorciado, técnico agríco-la, com 25 anos de idade na época dofato, filho de J. B. e N. B., residente naRua A. A., Vila A., Passo Fundo/RS, comoincurso nas sanções do art. 302, caput,e art. 303, caput, ambos da Lei nº 9.503/97, na forma do art. 70 do CP, pelaprática dos seguintes fatos delituosos,in verbis:

No dia 05-06-02, por volta das 15horas, na Rodovia RS 324, Km 147, Li-nha Bugre Morto, nesta cidade, o de-nunciado, conduzindo a caminhoneteVW/Saveiro, placas XXX-0000, agindode forma culposa, causou a morte de F.E. S., bem como ofendeu a integridadecorporal da vítima A. V. M., produzin-do-lhe lesões corporais de natureza leve.

Por ocasião do fato, o denunciadodirigia o referido veículo automotor nosentido Pontão – Passo Fundo, pela

contramão de direção, causando a coli-são frontal com o caminhão MercedesBenz, placas XXX-0000, conduzido porA. V. M., que levava F. E. S. comocaroneiro. A colisão lançou a vítima F.para fora do veículo, produzindo-lhepolitraumatismo por ação contundentede alto impacto, causando-lhe a morte,consoante laudo de necropsia (...). Já avítima A. sofreu escoriações na regiãoparotídea esquerda, na face, na regiãotorácica e na perna esquerda (...).

O denunciado agiu com imprudên-cia e manifesta imperícia, ao invadir apista contrária à sua mão de direção.

Oferecida a representação (fl. 83),oferecida a denúncia, foi recebida em24-02-03 (fl. 06).

Citado (fl. 87v), interrogado, o acu-sado negou a imputação feita contra si.

Apresentada defesa prévia, com role documentos (fls. 87-112).

Durante a instrução, foram inquiri-das a vítima e as testemunhas arroladaspelas partes (fls. 124-130 e 141).

Indeferido o pedido da defesa acer-ca da realização de prova pericial, foideclarada encerrada a instrução (fl. 142).

O Ministério Público, analisando aprova, sustentou a ausência de provaesclarecedora do ponto de impacto dosveículos, o que impede a conclusão de

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qual dos veículos invadiu a pista con-trária, a fim de caracterizar a ação cul-posa. Por fim, requereu a absolvição doacusado.

Deferida a habilitação de assistenteda acusação (fls. 151/153). Em alega-ções finais, a assistência sustentou queo fato se deu nos exatos termos denun-ciados, asseverando que a prova teste-munhal, o levantamento fotográfico etodos os demais documentos, inclusiveo laudo pericial trazido pelo próprioréu, indicam que o fato ocorreu exclu-sivamente por ter o veículo conduzidopor A. invadido a pista contrária da mãode direção, assim ficando demonstradopelo local em que se deu o impacto.

A defesa, por sua vez, alegou, emsíntese, que o fato ocorreu por ter ocaminhão invadido a pista de direçãoem que trafegava, aduzindo que a víti-ma F. teria sido arremessada da cabinedo caminhão devido à manobra bruscafeita pelo veículo antes do impacto,tendo sido posteriormente atropelada,motivando o óbito. Disse ainda que ocaminhão não contava com equipamen-tos de segurança adequados, afirmandoque a vítima não usava cinto de segu-rança na ocasião, o que facilitou paraque fosse arremessada para o fora doveículo. Nesses termos, negou tenhaagido com culpa, requerendo a absolvi-ção do acusado por comprovado quenão contribuiu para a ocorrência do fato,ou, alternativamente, pelo reconhecimen-to da insuficiência de provas. É o rela-tório.

Decido.Inexistindo irregularidades ou nuli-

dades a sanar, bem como causa deextinção da punibilidade, passo ao exa-me do mérito.

Quanto à materialidade delitiva, comefeito, veio consubstanciada no laudopericial (fls. 19-22), no laudo denecropsia (fl. 23), no auto de exame decorpo de delito das lesões corporais davítima (fl. 31), no levantamento de aci-dente de trânsito rodoviário e levanta-mento fotográfico (fls. 38-48).

No tocante à autoria, divergindo daposição adotada pelo Ministério Públi-co, tenho que a negativa da ação cul-posa por parte do acusado, que condu-zia o veículo Saveiro, ao imputar a culpapelo sinistro à vítima A. V. M., queconduzia o caminhão, encontra óbiceno contexto probatório (fls. 26 e 88-9).

Segundo o acusado, ao passar porum pequeno aclive, ao final de umareta, na estrada por onde trafegava, nosentido Pontão-Passo Fundo, enxergouo caminhão trafegando na contramão,em sentido contrário, a uma distânciade aproximadamente 15 metros do localonde se encontrava.

Já, a vítima A., alegou que foi oveículo saveiro que invadiu a pista pelaqual trafegava (fls. 124 e 128).

A testemunha E. F. V. ora diz queviu que a saveiro pendeu para a esquer-da, invadindo a contramão de direçãologo após ter-lhe ultrapassado; ora afir-ma que a camionete ultrapassou-lhecerca de um quilômetro e meio antesdo acidente com o caminhão (fls. 24 e125). Tais declarações, por contraditó-rias, não servem à formação do juízo deconvicção a respeito da culpa dos en-volvidos.

Analisando as declarações da vítima,que dão conta, é verdade, do erro desua parte ao manobrar o caminhão àesquerda, isto é, para a pista da contra-mão de direção, ao avistar o veículo

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saveiro em sua mão de direção, tem-seque, em não havendo falar em concor-rência de culpas na esfera penal, a açãoprimeira que desencadeou o sinistropartiu do condutor deste veículo. É oque se conclui pela prova documentaltrazida pela própria defesa (fls. 93-7),que, por sua vez, levou em considera-ção o levantamento realizado pela Po-lícia Estadual, in loco, senão vejamos.

A partir dos indícios e vestígios nolocal, o perito de criminalística foi con-clusivo ao afirmar, por ocasião da aná-lise da dinâmica do evento, que: “Pelosvestígios e indícios acima apresentadose de acordo com as fotos e o croqui dolevantamento realizado pela PolíciaRodoviária Estadual, pode ser afirmadoque V1 trafegava no sentido Passo Fun-do para Pontão quando colidiu frontal-mente com V2 que trafegava em sentidocontrário. O ponto de impacto se deusobre a faixa de trafego de sentidoP.Fundo–Pontão, próximo ao eixo divi-sório que demarcava a pista. Com aviolência do impacto, V2 foi arremessa-do para trás, arrastando componentessobre a pista, fato que determinou asmarcas de atrito impressas no asfalto,nitidamente visíveis na foto 05. Estatrajetória pode ser explicada pelo fatode ambos os veículos estarem desenvol-vendo velocidades similares mas, tendoV1 maior massa, possuía no momentomaior momento de inércia. Após a co-lisão, V1 desviou-se à esquerda, prova-velmente já sem comando de direção eem franca desaceleração, possivelmentedevido à colisão, fato que facilitou suaparada e evitou que saísse definitiva-mente da pista.”

leia-se: V1 – caminhão/sentido Pas-so Fundo–Pontão

V2 – saveiro/sentido Pontão–PassoFundo

Ora, fixado o ponto provável deimpacto sobre a pista em que trafegavao veículo caminhão, conduzida pelavítima, após a análise de vários elemen-tos investigados no local, restainjustificada a versão do acusado, nosentido de que no momento do impactoo caminhão ainda estava na contramão.

O acusado declarou: “[....] Afirma queno momento do impacto o caminhãoainda estava na contramão. Mantém talafirmativa mesmo depois de questiona-do sobre os sinais que restaram na pistade direção do caminhão, conforme fo-tografia da fl. 47 [....]” (fl. 89).

O local do impacto, consoante con-cluiu o perito criminalístico, com baseno levantamento topográfico e fotográ-fico do local, deu-se na pista por ondetrafegava o caminhão, logo, este nãopoderia estar na contramão; quem esta-va na contramão era o veículo saveiro.

Alegar que foi a vítima quem, porprimeiro, realizou manobra inadequada,a ensejar manobra, também inadequadapor parte do condutor do veículo saveiro,impõe, à vista da prova documentalcoligida, a inversão da premissa da sis-temática processual acusatória, inverten-do-se o ônus da prova, sendo que aoacusado era quem competia provar que,inobstante o ponto de impacto auferido,o fato ocorreu de forma diversa. Tenho,pois, que a defesa, sob esse prisma, nãose desimcumbiu do ônus que lhe cabia.

Quanto à vítima fatal, das conside-rações finais do exame pericial acostadopela defesa, extrai-se que a vítima foiprojetada pela porta por ocasião doprimeiro impacto e da manobra bruscaà esquerda realizada pelo condutor do

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veículo caminhão, por certo, na tentati-va de desviar o veículo saveiro que vinhana sua mão de direção, seguido demanobra brusca à direita, decorrente dodesgovernamento ocasionado pela coli-são, momento em que a vítima acabouatropelada.

Diversamente do que pretende fazercrer a defesa, tenho que as considera-ções finais constantes às fls. 96-7 nãoinduzem à conclusão de que foi o ca-minhão o causador do sinistro; ao con-trário, tenho que, no panorama geral daprova, servem a roborar a versão davítima, no sentido de que, ao avistar oveículo saveiro vindo em sua direção,manobrou o caminhão à esquerda, ten-tando desviar. Conseqüência? Após rea-lizar brusco movimento à esquerda, pelaforça do impacto, o caminhão realizoumovimento brusco à direita, momentodo provável ejetamento da vítima.

Segundo A. V. M. “[....] Notou queaquele carro começou a invadir a pistado caminhão e por isso inicialmente deusinal de luz e se posicionou mais àdireita da pista, reduzindo a velocidade.Como o carro continuava a ingressar nacontramão, e constatando que haviadesnível no acostamento à direita tratoude infletir à esquerda, acreditando queteria espaço suficiente para o carro cru-zar na contramão, desde que saísse dapista, passando pelo lado direito docaminhão. Mesmo com tal manobrahouve a colisão [....]” (fl. 124).

Repita-se: quanto à avaliação con-creta da prova material, tem-se que foramobservados os trajetos percorridos pelosveículos após o impacto inicial, alémdas marcas na pista e o local onde seencontravam os fragmentos dos veícu-los e, inobstante verificar-se a situação

final dos veículos, inclusive, do veículocaminhão sobre a pista em que trafega-va o veículo saveiro, chegou-se à con-clusão de que era este que trafegava nacontramão de direção, na medida emque chegou-se à conclusão do pontoinicial de impacto sobre a pista em quetrafegava o caminhão.

Veja-se, demais disso, que o peritocriminalístico ao ser inquirido à fl. 129apontou como provável ponto inicial deimpacto àquele que aparece nas foto-grafias das fls. 47 e 110, isto é, a pistapor onde trafegava o veículo caminhão(fls. 43 e 44). Na visão do perito, ainda,os dois veículos estavam derivando àesquerda quando houve o acidente, oque, per se, afasta a alegação do acusa-do quanto à ‘conduta decisiva’ da vítimapara o sinistro.

Robora, ainda, a prova documental,a prova oral. Segundo a testemunha V.A. F. “[....] o comentário no local, nahora, era que o réu teria invadido apista contrária, sendo que o réu estavaem estado de choque [....]” (fl. 141)

E, quanto à avaliação concreta daprova material, calha transcrever a liçãode Nicola Framarino Dei Malatesta (in ALógica das Provas em Matéria Criminal,Bookseller, São Paulo, 2ª ed., 2001, p.618): “[....] Ora, para avaliar subjetiva-mente a prova material, é preciso exami-nar se estas presunções menores, queacumuladas constituem a presunção maiorgeral da veracidade das coisas, são ounão contraditadas pelas condições con-cretas da coisa material, que é chamadaa funcionar como prova. Será necessário,em outros termos, estabelecer em con-creto a identidade extrínseca e intrínsecada coisa probatória, para poder-se afir-mar em concreto a veracidade.

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Quanto à identidade intrínseca, atarefa é mais fácil. Determina-se por meioda observação direta, recorrendo-se apercepção pericial sempre que a co-mum não possa emitir juízo seguro.Quando um pó parece venenoso, éapresentado como tal em juízo, bastaráo exame acurado e pericial dele, parajulgar se é realmente venenoso ou inó-cuo. Aquilo que tem toda a aparênciade uma bengala, supõe-se que o seja e,em concreto, bastará o exame atentodela, para demonstrar que é mesmo,realmente, uma bengala e não uma armade fogo, com aparência de bengala [....]”.

Demais disso, quanto à dúvida sus-citada pelo douto Promotor de Justiça,talvez porque não tenha adotado o le-vantamento realizado pela Polícia Rodo-viária, por este indicar, apenas, PPI –possível ponto de impacto –, tenho poradotar, igualmente, a lição do autor antescitado, quando assevera que “[....] Se sepretendesse que a certeza em matériacriminal nos fosse afirmada sempre comosimples e imediata percepção da verda-de, conforme, em suma, à unicidadeobjetiva do seu conteúdo; se se visasseà ausência absoluta dos motivosinvalidantes daquela certeza do magis-trado, que deve servir de base à conde-nação, seria preciso renunciar a estagrande missão da justiça punitiva, tãodifícil se mostraria o caso de uma afe-rição que autorizasse a culpar o delin-qüente. Em crítica criminal, não é talespécie de certeza que se refere à con-vicção judicial; não se requer a ausênciaabsoluta dos motivos divergentes.Contentamo-nos, em suma, com a ob-jetividade do provável, desde que es-pecializada por uma determinação sub-jetiva, sem a qual não sairemos do pro-

vável. A determinação subjetiva, que nosfaz sair da probabilidade e que nos abreas portas da certeza, consiste no repú-dio racional dos motivos divergentes dacrença [....]” (ob. cit. p. 60-1) (grifei)

A certeza que deve servir de base aomagistrado só pode ser aquela de queele se acha na posse: a certeza comoseu estado de alma [....]”.

In casu, tenho, pois, que o corpo dedelito, vale dizer, o conjunto de ele-mentos sensíveis do fato criminoso,consoante João Mendes Jr (cit. Fernan-do da Costa Tourinho Filho, in ProcessoPenal, 3, São Paulo, Saraiva, 14ª ed.,1993, p. 220), ou, o conjunto de vestí-gios materiais deixados pelo crime,consoante Tornaghi, citando Farinácio(ob. cit. página), representado pelo le-vantamento das fls. 101-12, aliado àprova documental e oral carreada aosautos, servem à autorizar o juízo conde-natório.

Nesse diapasão, ainda, quanto àvaloração da prova documental, consis-tente no levantamento do local, repro-duzo os seguintes precedentes jurispru-denciais aplicáveis ao caso por analo-gia, litteratim: ”Apelação-Crime. Acidentede trânsito. Homicídio culposo. Irresig-nação defensiva. Automóvel tripuladopela vítima abalroado pelo caminhãoconduzido pelo réu, que cruzou a pistacontrária. Prova dos autos a evidenciarque o provável ponto de impacto entre osveículos se deu sobre a pista e mão dedireção do Opala. Culpa caracterizada,na modalidade imprudência. Condena-ção mantida. Suspensão do direito dedirigir veículo automotor pelo mesmoprazo da pena aplicada – 02 anos.Excesso. Redução para 02 meses forteno art. 293, caput, CTB. Provimento

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parcial do apelo defensivo. Decisãounânime” (ACR nº 70003928975, 2ª Câ-mara Criminal, Tribunal de Justiça doRS, Rel. Antônio Carlos Netto de Man-gabeira, 05-02-04) (grifei).

“Apelação-Crime. Acidente de trânsi-to. Condenação. Recurso defensivo.Pedido. Absolvição. Tese. Ausência deprova. Alternativamente. Redução dapena. Impossibilidade. Apelo desprovi-do. O evento ocorreu na BR-386, emuma curva à direita, em declive nosentido em que trafegava o caminhãoconduzido pelo réu. O levantamento fo-tográfico demonstra que o veículo doréu invadiu a mão de direção por ondetrafegavam os dois veículos conduzidospelas vítimas sobreviventes, e literalmentearrasou-os. Alega o apelante que umdos automóveis vinha ultrapassando ooutro, o que provocou uma frenagem eo descontrole de seu veículo. A provacolhida, entretanto, não lhe favorece. Olevantamento fotográfico e o croquis ela-borado pela polícia rodoviária federaldao conta de que o ponto de impactoocorreu na pista de rolamento por ondetrafegavam os automóveis. Não há ne-nhuma prova no sentido de que umestivesse ultrapassando o outro. A con-clusão possível do evento e que o réutrafegava em velocidade absolutamenteinadequada e, ao aproximar-se da cur-va, travou, vindo a perder o controle docaminhão, invadindo a pista contrária echocando-se com o primeiro automó-vel, chegando a passar por cima domesmo. O segundo, que vinha logo atrás,terminou por colidir com a lateral docaminhão, incendiando-se, a seguir. Équase inacreditável que alguém tenhasobrevivido nos automóveis, dado o es-tado em que ficaram, evidenciado pelas

fotos. Assim, inegável a culpa do ape-lante no evento. O apenamento, fixadoem 03 anos e elevado ao máximo peloconcurso material também foi correta-mente fixado. A pena acessória de sus-pensão do direito de dirigir, fixada emquantidade igual a da pena carcerária,também foi corretamente fundamenta-da, eis que o magistrado levou em contaa intensa reprovabilidade da conduta,bem como ao gravíssimo dano causado.De outro lado, a substituição da penafoi absolutamente indevida, posto queesse benefício é reservado para aquelescasos em que o encarceramento semostra desnecessário, o que, certamentenão é o caso dos autos. Entretanto, comonão houve recurso nem do ministériopublico, nem da assistência particular,nada se pode fazer” (Apelação-Crime nº70006018774, 2ª Câmara Criminal, Tri-bunal de Justiça do RS, Rel. Walter JobimNeto, 07-08-03) (grifei).

“Responsabilidade civil. Acidente detrânsito. Colisão entre veículos que, emrodovia, demandavam sentidos de dire-ção opostos. Prova. Afirmado, em le-vantamento da polícia rodoviária, devi-damente circunstanciado, inclusive comgráfico, que o ponto de impacto se si-tuou na contramão de direção do veí-culo de propriedade de um dos apelan-tes, e dirigido pelo outro, em eventosem testemunhas presenciais, confirma-se a sentença que deu pela procedênciada ação indenizatória. Apelação impro-vida” (Apelação-Crime nº 196245443, 2ªCâmara de Férias Cível, Tribunal deAlçada do RS, Rel. MarceLo BandeiraPereira, 23-01-97) (grifei).

Trata-se, pois, de analisar condutaculposa, consistente em transitar nacontramão de direção, a qual o Código

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de Trânsito Brasileiro, no art. 186, erigiuà categoria de infração grave.

Resta a análise doutrinária sobre otipo culposo.

É consabido que o crime é constitu-ído por uma conduta humana, voluntá-ria, típica, antijurídica e culpável. Quan-to à culpabilidade, em que pese a diver-gência doutrinária, pois, para DamásioE. de Jesus, por exemplo, a culpabilida-de é mero pressuposto da aplicação dapena, a maioria sustenta a constituiçãotridimensional do crime, isto é, tipicidade,antijuridicidade e culpabilidade. Segun-do a teoria normativa pura, adotada peloCódigo Penal, o dolo e a culpa deixa-ram de integrar a culpabilidade paraintegrar o tipo penal subjetivo. Então,diz-se que um fato é típico, se perfei-tamente enquadrado na descrição legal,presentes os elementos subjetivos dodolo ou culpa.

Assinala José Henrique Pierangelli (inEscritos Jurídico-Penais, RT, 1992, pp.33 e ss.), ao tratar do tipos dolosos eculposos, que “o tipo culposo reclama:a) o descumprimento do dever de cui-dado; b) a causação de um resultadolesivo a um bem juridicamente tutelado;e c) que a violação do dever de cuidadoconstitua fator determinante do resulta-do.” Tratam-se dos componentes objeti-vos da conduta culposa.

Por outro lado, conforme asseveraCezar Roberto Bitencourt (in Manual deDireito Penal, RT, 1997, p. 247), o resul-tado “[....] deve ser objetivamente previ-sível [....]. A previsibilidade objetiva sedetermina mediante juízo levado a cabocolocando-se o observador (por exem-plo, o Juiz) na posição do autor nomomento do começo da ação, e levan-do em consideração as circunstâncias

do caso concreto cognocíveis por umapessoa inteligente, mais as conhecidaspelo autor e a experiência comum daépoca sobre os cursos causais. Sendo,no entanto, imprevisível o resultado nãohaverá delito algum, pois se tratará domero acaso, do caso fortuito, que cons-tituem exatamente a negação da culpa”.Aqui, vislumbra-se o componente sub-jetivo da conduta culposa, isto é, aprevisibilidade.

Para a maioria da doutrina a culpase fundamenta na previsibilidade, quesegundo conceitua Carrara, seria a “vo-luntária omissão de diligência em calcu-lar as conseqüências possíveis e previ-síveis do próprio fato”, acrescentandoque “a essência da culpa está naprevisibilidade”.

Diz, ainda, Magalhães Noronha que“a doutrina da previsibilidade impõe-se,porque, realmente, sem ela é difícilfundamentar ou justificar um juízo deculpabilidade ou reprovação, pois ésomente fundado na possibilidade deprever o que não foi previsto, que sepode censurar alguém, por não ter tidoconduta que evitaria o resultado dano-so. A culpa tem também conteúdo nor-mativo ” (in Direito Penal, Saraiva, 1963,p. 172 ).

No que tange ao componente sub-jetivo da conduta culposa, há que sali-entar o aspecto cognitivo ou intelectual,que consiste na possibilidade de conhe-cer o perigo que a conduta cria para osbens jurídicos alheios e de prever apossibilidade do resultado em confor-midade com este conhecimento(presivibilidade).

Assim, traçadas estas consideraçõesdoutrinárias a respeito da conduta cul-posa, conclui-se que o acusado não agiu

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com o dever de cuidado que lhe eraexigível, vindo a causar a morte da vítimaF. e as lesões na vítima A.

Sua culpa vai analisada sob a moda-lidade da imprudência, isto é, prática deato perigoso e no que tange à espécie,vislumbra-se existência de culpa incons-ciente, uma vez que não previu o resul-tado, embora previsível. Agiu, ainda, deforma negligente, ao trafegar na viaoposta, inobstante consciente do acliveexistente na pista.

O agir culposo do acusado restoudelineado pelo levantamento de aciden-te de trânsito rodoviário, que atesta ainadequação da condução do veículosaveiro.

Assim, verificada a conduta culposade A. B., que dirigia de forma impru-dente, violando, com isto, o dever decuidado, vindo a causar o sinistro, cir-cunstância previsível, ante às condiçõesdo local, impõe-se a condenação pelodelito de homicídio culposo descrito napeça acusatória, em concurso formal como delito de lesões corporais culposas.

Diversamente do que alegou a defe-sa, não há falar em culpa exclusiva davítima. Consoante já referi, inobstantese possa antever a existência de culpaconcorrente da vítima, na medida emque realizou manobra à esquerda, aindaque no intuito de defender-se, inexistin-do elementos a ensejar a conclusão deque estaria obstada a ingressar na áreade vegetação que existia em sua mãode direção, à sua direita, o fato é queem direito penal não há falar em con-corrência ou compensação de culpas. E,em não se tendo provado que de outraforma tenha ocorrido o fato, é misterprevalecer a conclusão da análise técni-ca realizada que, levando em conta vários

elementos constatados in loco, concluiuque o ponto de impacto deu-se na pistaem que trafegava a vítima, logo, nacontramão de direção do acusado.

Esta, aliás, ao avistar a caminhonetevindo em sua direção fez o que eraesperado, isto é, deslocou seu veículopara o acostamento, sem êxito. Aindaque reconhecida culpa concorrente,mister rememorar que é irrelevante, pois,em se tratando de esfera penal não hácompensação de culpas.

Segue a orientação jurisprudencial,in verbis: “O fato da vítima ter concor-rido para o evento não afasta a culpa doréu, porque no campo penal não há com-pensação de culpas” (Apelação-Crime nº698140795, 1ª Câmara Criminal, Rel. Des.Jasson Ayres Torres, 21-10-98).

Inexistindo causas que excluam aação (coação física irresistível, os mo-vimentos reflexos ou estado de incons-ciência absoluta); a tipicidade (crimeputativo, crime impossível, erro de tipo,que exclui o dolo, ou imprevisibilidade,a excluir a culpa); a antijuridicidade ouilicitude (normas permissivas do art. 23do CP, causas especiais, a exemplo daexceção da verdade ou causas supra-legais, que excluem a ilicitude; a culpa-bilidade (por exclusão da imputabilida-de (doença mental, desenvolvimentomental incompleto, desenvolvimentomental retardado, menoridade, embria-guez completa acidental e dependênciaa tóxicos – arts. 26, 27 e 28, § 1º, do,CP), pela ausência de consciência atualou potencial da ilicitude, que pode serderivada de erro de proibição, ou seja,erro sobre a ilicitude do fato – art. 21do CP, erro inevitável a respeito de fatoque configuraria descriminantes putativas– art. 21, § 1º, do CP ou pela obediência

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hierárquica – art. 22, 2ª parte do CP, oupela exigibilidade de conduta diversapelo indivíduo, que isentam de pena,inexistindo, por fim, causas de extinçãoda punibilidade (art. 107 do CP), apli-cação da pena que se impõe.

Quanto ao delito de lesão corporalculposa, diante da representação (fl. 83),idêntica solução se impõe.

Ante o exposto, Julgo procedente adenúncia para condenar A. B., comoincurso nas sanções do art. 302, caput,e art. 303, caput, ambos da Lei nº 9.503/97, na forma do art. 70 do CP.

Passo à aplicar as penas, observandoos critérios de necessidade e suficiênciapara repressão e prevenção do crime.

De acordo com as circunstânciasjudiciais do art. 59 do CP, o réu nãopossui antecedentes (fl. 57); quanto àculpabilidade mostra-se pessoa plena-mente imputável e dotada de potencialconsciência da ilicitude de sua conduta,de acentuada reprovabilidade, ante àprevisibilidade, sendo-lhe de se exigirconduta diversa nas circunstâncias; a suapersonalidade e sua conduta social sãotidas como normais, ausentes elementosem contrário; os motivos não são objetode questionamento porque circunstân-cia afeita aos delitos dolosos; as cir-cunstâncias são delineadas pela direçãoimprudente e negligente, portanto pecu-liares do tipo delitivo, o que tambémvale para as conseqüências; o compor-tamento da vítima não contribuiu à in-fração penal.

Favoráveis as circunstâncias judici-ais, a pena-base para o delito do art.302, caput, do CTB é fixada no em dois(02) anos de detenção, e, para o delitodo art. 303, caput, do mesmo diplomalegal, é fixada em seis (06) meses de

detenção, que, ante à ausência de cir-cunstâncias legais e causas de aumentosão tornadas definitivas.

Diante do concurso formal de crimes,aplica-se-lhe apenas a pena mais grave,aumentada de 1/6, considerando-se onúmero de vítimas, nos termos do art. 70do CP, tornando-a, definitiva em dois (02)anos e quatro (04) meses de detenção.

O cumprimento da pena privativade liberdade será no regime aberto,consoante previsão do art. 33, § 2º, letrac, do CP.

Entendendo aplicável, in casu, o art.44 do CP, em sua nova redação dadapela Lei nº 9.714/98, porque presentesos requisitos autorizadores, em se tra-tando de delito culposo, bem comoporque compactuo com objetivo fim dalei, conforme a Exposição de Motivosdo então Projeto de Lei (nº 689, de18-12-96), o qual justifica a ampliaçãodas penas alternativas com o argumentode que “a prisão deve ser reservadapara os agentes de crimes graves e cujapericulosidade recomende seu isolamen-to do seio social. Para os crimes demenor gravidade, inobstante não seja ocaso – menor gravidade –, tenho que amelhor solução consiste em impor res-trições aos direitos do condenado, massem retirá-lo do convívio social” (Cfe.Jorge Assaf Maluly, in Boletim IBCCRIMnº 77, p. 5, abr. 1999).

Desta forma, substituo, a pena pri-vativa de liberdade aplicada, por duaspenas restritivas de direitos, as quaisconsistirão em: a) prestação de serviçoà comunidade, durante oito horas se-manais, à razão de uma hora de tarefapor dia de condenação, nos termos doart. 46, §§ 3º e 6º e do art. 55 da Leinº 9.714/98; b) prestação pecuniária,

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consistente no pagamento em dinheiroaos dependentes da vítima, em que estãoincluídos descendentes ou ascendentes,ou na ausência destes, consistirá emdestinação social, a ser indicada em sedede execução, na importância de sete(07) salários-mínimos vigentes à data dopagamento, o qual deverá ser compro-vado, em dez dias do trânsito em julga-do da sentença.

A pena privativa de liberdade é subs-tituída por penas restritivas de direitos,sem prejuízo da pena da suspensão dodireito do acusado obter habilitação paradirigir veículo automotor que perdurarádurante o prazo do cumprimento da penarestritiva de direitos aplicada, prevista noart. 302 da Lei nº 9.503/97.

Custas pelo réu.Passada em julgado:a) lance-lhe o nome do réu no rol

dos culpados;b) preencha-se e remeta-se o Bie ao

DINP e forme-se o processo de execuçãocriminal;

c) comunique-se ao TRE, para os finsdo art. 15, III da Constituição Federal; e

d) comunique-se ao DETRAN a sus-pensão da obtenção da permissão ouhabilitação para dirigir veículo automo-tor pelo período do cumprimento dapena alternativa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Passo Fundo, 12 de abril de 2004.Lizandra Cericato Villarroel – Juíza

de Direito, em substituição.

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Processo nº 101/2.02.0001202-4 – Crime de Roubo e ExtorsãoComarca de GramadoVara judicialAutor: J. P.Réu: J. C. O., J. G. S. S.Juiz Prolator: Cyro PúperiData: 05 de maio de 2004

Confissão Policial. Confissão policialassistida por advogado e corroborada poroutros elementos existentes nos autos.Validade. Álibi. Ônus da prova. Cabe àdefesa a produção de prova da ocorrên-cia de álibi que aproveite ao réu. Nuli-dade de Perícia. O exame de eficácia daarma não necessita das exigências deum exame pericial, por tratar-se tão-somente de comprovação de que a armafunciona. Latrocínio. Três vítimas. Con-curso material. Não se configura con-curso material o latrocínio praticadocontra três vítimas, tratando-se de delitouno.

Vistos.J. C. O. e J. G. S. S., qualificados

nos autos, foram denunciados como in-cursos nas sanções do art. 157, § 3º, 1ªparte (em relação a P. H.) e 2ª parte(em relação a O. e C. F.) – por duasvezes – na forma do art. 69 (concursomaterial), c/c o art. 61, inc. I, todos doCódigo Penal, em razão de: a) no dia21-04-02, por volta das 16h30min, emuma estrada vicinal, localizada emBororó, Linha Carahá, interior de Gra-mado, em comunhão de esforços econjugação de vontades, mediante gra-ve ameaça à vítima O. A. F. exercidacom emprego de armas de fogo (duas

espingardas) terem subtraído, para si,os objetos descritos na denúncia, decuja violência resultou na morte da ví-tima decorrente de trauma encefálico,na forma e circunstâncias descritas nainicial; b) nas mesmas circunstânciasde data, local e horário descritos aci-ma, em comunhão de esforços e con-jugação de vontades, mediante graveameaça à vítima P. H. H., exercida comemprego de armas de fogo (duas es-pingardas), para si, terem subtraído,para si, os mesmos bens acima referi-dos, de cuja violência resultou em le-sões corporais de natureza grave, naforma e circunstâncias descritas na ini-cial; e c) nas mesmas circunstâncias dedata, local e horário descritos acima,em comunhão de esforços e conjuga-ção de vontades, mediante grave ame-aça à vítima C. A. F., exercida comemprego de armas de fogo (duas es-pingardas), para si, terem subtraído,para si, os mesmos bens acima referi-dos, de cuja violência resultou na morteda vítima causada por lesão transfixianteencefálica, na forma e circunstânciasdescritas na inicial.

Recebida a denúncia em 10-06-02,foram os réus citados, interrogados edefendidos pela Defensoria Pública que,no prazo legal, apresentou defesa prévia.

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Após o interrogatório o MinistérioPúblico apresentou aditamento à denún-cia referente ao 2º fato diante do fale-cimento P. H. H. decorrente do empre-go da grave violência, tendo como cau-sa insuficiência respiratória aguda, doen-ça bronco obstrutiva crônica e hiperten-são arterial sistêmica (fls. 137 à 141),considerando os acusados como incur-sos nas sanções do art. 157, § 3º, 2ªparte (três vezes), na forma do art. 69(concurso material) c/c o art. 61, inc. I,todos do Código Penal.

Recebido o aditamento em 29-07-02,foram os acusados novamente interro-gados e defendidos pela DefensoriaPública.

Instruído o feito com a oitiva dastestemunhas arroladas nos autos e rea-lização de perícia técnica, em alegaçõesfinais o Ministério Público pleiteou acondenação dos acusados nos termosda denúncia; enquanto a defesa plei-teou a absolvição dos acusados por totalausência de provas a apontá-los, comsegurança, a como autores do delito.

É o Relato.Passo a decidir.1. Os acusados respondem pela prá-

tica de três latrocínios – roubo com morte– ocorridos na propriedade das vítimasP., O. e C.

1.1. A materialidade dos delitos en-contra-se sobejamente comprovadas nosautos através da comunicação de ocor-rência (fl. 10), autos de apreensão (fls.11 e 25), autos de exame pericial dearmas (fls. 37 39), autos de necropsia(fls. 123/124 e 125/126) e auto de exa-me de corpo de delito e certidão deóbito (fls. 73/74 e 129).

1.2. Os acusados confessaram a prá-tica do furto quando foram ouvidos na

fase policial e em juízo negaram pe-remptoriamente.

A defesa alega que a confissão po-licial além de se mostrar insuficientepara um juízo condenatório, não é pas-sível de credibilidade considerando ocaráter acusatório do inquérito policialcumulado com o fato dos acusadosserem interrogados sem a presença deadvogado.

Inicialmente consigno comungar ple-namente com a posição adotada peladefensoria pública ao afirmar que aconfissão policial não se mostra suficien-te a ensejar decisão condenatória quan-do obtida sem a presença de advogadoe órfão de outros elementos probatóriosnos autos, isto em decorrência da des-necessidade de salvaguardar os direitosconstitucionais do contraditório e daampla defesa na fase investigativa, decaráter eminentemente inquisitorial.

Ocorre que não é esta a situaçãodos autos, pois os acusados foram as-sistidos por defensor, quando do inter-rogatório policial, bastando para tantoverificar a indicação, no termo de inter-rogatório, da presença do Dr. G. C., oqual assinou o termo.

Acrescente-se ainda que os acusa-dos, no interrogatório policial, relataramdetalhadamente a forma como pratica-ram o delito e os objetos alvo da sub-tração, os quais foram encontrados den-tro do automóvel Brasília.

A corroborar a confissão policial –negada em juízo – temos os seguintesfatos presentes no processo:

a) com os denunciados foram apreen-didas 02 espingardas .36;

b) os acusados afirmaram que umadas duas espingardas apreendidas foiroubada da casa das vítimas;

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c) M. A. disse que a vítima tinhauma espingarda .36, mas não pode re-conhecer se era uma das apreendidas.Disse que A. vendeu a espingarda paraP. H.;

d) A. ao ser ouvido confirmou tervendido a espingarda para P. e reco-nheceu uma das armas apreendidas comos acusados como a arma que vendeupara a vítima. Justamente a arma com anumeração raspada;

e) assim não há como considerarque as confissões tenham sido forjadasna delegacia, pois os acusados foramouvidos no dia 24-04-02, referindo-sesobre a origem da arma. Já M. A. foiouvido no dia 29-04-02 e A. no dia06-05-02, ou seja, não havia como apolícia saber que uma das armas apreen-didas era de propriedade da vítima se talfato foi esclarecido/confirmado após ointerrogatório policial dos réus, o quevem a reforçar os interrogatórios policiaiscolhidos na presença de advogado.

Em juízo as acusados negaram aautoria apresentando álibi no sentido deque na data dos fatos se encontravamna casa de uma tia.

Arrolaram testemunhas – porquantoo ônus de provar o álibi é de quemalega – entretanto as testemunhas arro-ladas na denúncia assim se pronuncia-ram:

a) A. C. afirmou não ter visto osacusados na época em que foi noticiadoo latrocínio;

b) e quanto às testemunhas S. e M.O., o acusado desistiu da oitiva dasmesmas.

Já a testemunha de acusação S., tio dacompanheira de um dos acusados, afir-mou que estes apareceram na sua casa,acompanhados do pai de um deles. Pa-

rece que chegaram na noite posterior aoda prática do delito, com dois sacos deroupas e duas espingardas. Afirmou, ain-da, que antes de serem presos os acusa-dos admitiram terem matado duas pes-soas na Várzea Grande, em Gramado.

A prova, desta forma, mostra-sesuficiente para imputar a responsabili-dade dos acusados pela prática do de-lito, ou seja, a confissão policial acom-panhada de advogado, a apresentaçãode álibi em juízo não comprovado, aapreensão da espingarda da vítima P.em poder dos acusados e a afirmaçãoda testemunha S. – na casa do qual osacusados estavam antes da prisão – deque estes confessaram a morte de duaspessoas na Várzea Grande, em Grama-do.

“Furto. Confissão prestada na fasepolicial e retratada em juízo. Se a con-fissão prestada na fase policial encontrarespaldo no contexto probatório, a con-denação é o corolário lógico”(Apelação-Crime nº 70000265769, 8ª Câ-mara Criminal do TJRS, Sapiranga, Rel.Des. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira.j. 22-03-00).

“Roubo duplamente circunstanciado.Confissão extrajudicial. Prova. Confissãopolicial, na presença de curador, guar-dando harmonia com o resto da prova.Ineficácia de retratação isolada, semqualquer comprovação de constrangi-mento policial. Contexto de prova hábilpara fundar condenação. Redução daspenas. Apelo parcialmente provido”(Apelação-Crime nº 7000029444, 8ª Câ-mara Criminal do TJRS, Portão, Rel. Des.Tupinambá Pinto de Azevedo. j.10-05-00).

“Penal e processual penal. Júri. Apela-ção. 1. Decisão manifestamente contrária

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a prova dos autos. Inocorrência. Não écontrária a prova dos autos a decisãoque acolheu a tese condenatória, porqueaos jurados- que são os juízes naturais-é permitido acolherem a versão que maislhes parece verídica, visto que julgampor íntima convicção, sendo-lhes permi-tido valorar a prova sem motivar a de-cisão. 2. Álibi. Quem alega o álibi, devecomprovar de forma escorreita, sob penade ser tido como provado tudo aquiloque foi alegado. Decisão com respaldo naprova. 3. Regime integralmente fechado.Crime hediondo. Com a redação dadapela Lei nº 8.930/94 (inc. I do § 1º da Leinº 8072/90), o homicídio qualificado pas-sou a fazer parte dos crimes considera-dos hediondos, com isso, porque dispos-to expressamente o art. 2º, § 1º, da Leinº 8.072/90, é vedada a progressão deregime. À unanimidade, negaram provi-mento ao apelo defensivo”(Apelação-Crime nº 70000733071, 3ª Câ-mara Criminal do TJRS, Sarandi, Rel. Des.Saulo Brum Leal. j. 16-03-00). ReferênciaLegislativa: LF nº 8.930 de 1994; LF nº8.072 de 1990, inc. I, § 1º, art. 2º, § 1º.

1.3. Quanto a alegada nulidade doexame de eficácia das armas, frise-seque não há qualquer nulidade, pois nãose trata de exame pericial, o qual deveobservar o regramento processual pe-nal, e sim exame de objeto utilizadopara a consumação do delito.

É diferente a realização de perícia ede exame.

A perícia para fins de comprovaçãoda materialidade, no presente caso, sãoos autos de exame de corpo de delito– necropsia e lesão grave com certidãode óbito – juntamente com apreensãodos objetos subtraídos e apreensão dearmas.

Agora o exame do objeto utilizadona consumação do delito não comprovaa materialidade, mas tão-somente atestaa eficácia do objeto.

Ademais, policiais civis, acostuma-dos a manusear armas se mostram aptosa atestar a eficácia da arma.

E, por fim, a alegação genérica denulidade pelo simples fato de não ob-servar as formalidades processuais semapontar em que o exame encontra-seincorreto ou imprestável, não se mostraapta a macular a conclusão do exame.

1.4. Analiso, agora, a imputação detriplo latrocínio em concurso material.

Entendeu o Ministério Público emdenunciar os acusados pela prática detriplo latrocínio em concurso material.

Cezar Roberto Bitencourt, in Trata-do de Direito Penal, Parte Especial, vol.3, Ed. Saraiva, 2003, pp. 114/115, ponto15, assim trata da questão: Apesar de olatrocínio ser um crime complexo, man-tém sua unidade estrutural inalterada,mesmo com a ocorrência da morte demais de uma das vítimas. A pluralidadede vítimas não configura continuidadedelitiva e tampouco qualquer outra for-ma de concurso de crimes, havendo, naverdade, um único latrocínio. A própriaorientação do Supremo Tribunal Federalfirmou-se no sentido de que a plurali-dade de vítimas não implica a plurali-dade de latrocínios (Precedente do STF:HC, Rel. Min. Carlos Velloso, RT,734:625); HC nº 75006-1-SP, Rel. Min.Maurício Corrêa, j. 27-05-97). Não sepode ignorar que o crime-fim inicial-mente pretendido foi o de roubo e nãoum duplo ou triplo latrocínio, ou me-lhor, duas ou três mortes. A ocorrênciade mais de uma morte não significa aprodução de mais de um resultado, que,

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em tese, não poderia configurar o con-curso formal de crimes. Na verdade, aeventual quantidade de mortes produzi-das em um único roubo representa amaior ou menor gravidade das conse-qüências, cuja valoração tem sede nadosimetria penal, por meio das opera-doras do art. 59 do Código Penal.

Embora para a configuração do § 3ºdo art. 157 do CP seja secundária a ocor-rência da subtração patrimonial, e ofundamental seja, por excelência, a notade violência contra a pessoa, durante atentativa ou a consumação do roubo, éa danosidade social que esta condutaproduz ou pode produzir que fundamentaa exacerbada punição contida no dispo-sitivo. Mas essa “retribuição” pública jáesta contida na sanção cominada.

Magalhães Noronha, in Direito Pe-nal, Dos Crimes contra a Pessoa e dosCrimes contra o Patrimônio, vol. 2, 2ªed., Saraiva, 1963, p. 321, desvenda ointuito legislativo ao afirmar que “Naconsideração do delito complexo de la-trocínio, está patente, dessarte, que olegislador classificou crime patrimonial,por haver dado preferência à objetivida-de jurídica final, ao delito-fim ou escopodo delinqüente, que é a subtração decoisa alheia, arrimando-se, para essaorientação, ao critério doutrinário pre-dominante que classifica o delito com-plexo, consoante a espécie do bem lesa-do pelo crime-fim, ainda que inferior aoatingido pelo delito-meio”.

O único questionamento que sepoderia dar ao entendimento doutriná-rio e jurisprudencial a respeito da ma-téria é que o tratamento jurídico se dápela inserção do latrocínio nos delitoscontra o patrimônio, onde evidentementeo fim colimado pelos acusados era a

subtração patrimonial e esta é una;enquanto que caso tal delito se encon-trasse inserido dentre os delitos contraa pessoa, aí sim estar-se-ia diante deconcurso de crimes.

A questão que se coloca, muitoembora entenda-me afeito a decidir combase no entendimento doutrinária ejurisprudencial, é que o homicídio sim-ples é punido com pena de 06 a 20anos e o qualificado com pena de 12 a30 anos, o que resultaria, no caso deconcurso material, numa penalização de18 a 60 anos ou de 32 a 90 anos, nocaso de alguém cometer um triplo ho-micídio e, no caso de alguém praticarum latrocínio com 01, 02, 03 ou 10vítimas fatais, numa pena máxima de 30anos de reclusão o que, a meu sentir,quebra com a correlação crime-punição,ou seja, na necessária proporcionalidadeentre a o crime praticado e a penaimposta.

Tal discrepância ocorre ainda que seconsidere o triplo homicídio como cri-me continuado, considerando a pena--base para o delito mais grave, acresci-da de 1/6 a 2/3.

Recurso.Apelação-Crime nº 70000014530Rel. Des. Marco Antônio Ribeiro de

OliveiraEmenta: “Latrocínio. Existência de

vários indícios que, concatenados, de-monstram com certeza a autoria. Se osvários indícios, concatenados levam acerteza de que os réus praticaram odelito de latrocínio, a condenação seimpõe. Morte e lesão corporal grave.Inocorrência de concurso material. Aocorrência de morte de uma das vítimase lesão corporal grave em outra nãogera o concurso material, porque

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tratando-se de delito complexo, como olatrocínio, decomposto em crime-meio ecrime-fim, deve, por óbvio, permaneceríntegra a unidade delitiva. A ocorrênciade mais de um crime-meio deve serobjeto de análise nas circunstâncias ju-diciais. Apelação ministerial provida.(Apelação-Crime nº 70000014530, 8ªCâmara Criminal, Tribunal de Justiça doRS, Rel. Des. Marco Antônio Ribeiro deOliveira, julgado em 03-11-99).

Tribunal: Tribunal de Justiça do RSData de julgamento: 03-11-99Órgão julgador: 8ª Câmara CriminalComarca de origem: SapirangaSeção: CrimeRevista de Jurisprudência: RJTJRGS,

197/158Desta forma não reconheço a exis-

tência de três latrocínios e sim a exis-tência de tão-somente um, com plurali-dade de vítimas, o que, conseqüente-mente, afasta a possibilidade de reco-nhecimento do concurso material.

1.5. Não há qualquer questionamentoa ser feito quanto a forma consumada outentada, pois ainda que boa parte dosobjetos subtraídos tenham permanecidono local em razão da quebra do veículo,os acusados subtraíram, no mínimo, aespingarda da vítima e dinheiro.

Ademais, o STF firmou entendimen-to, ainda que a subtração tenha restadono plano da tentativa, da impossibilida-de de dissociação da figura do roubo daalusiva à morte (Súmula nº 610).

1.6. Os acusados são reincidentescomo atestam os documentos das fls.106 a 112.

2. Ante o exposto, condeno J. C. O.e J. G. S. S. como incurso nas sançõesdo art. 157, § 3º, 1ª Parte, c/c o art. 61,inc. I, ambos do Código Penal.

3. Passo a fixar a pena, considerandoas circunstâncias do art. 59 do CP.

a) J. C. O.: Culpabilidade intensa,posto que além do acusado possuir ple-nas condições de entender o caráter ilí-cito de sua conduta, tinha plenas condi-ções de se autodeterminar de modo di-verso; possui antecedentes criminais, osquais serão valorados na reincidência.

Quanto à personalidade e a condutasocial do acusado os autos não apresen-tam elementos dignos de nota; motivospróprios do delito, ou seja, o ganhofácil e o evento morte como forma deassegurar a consumação do delito con-tra o patrimônio.

As circunstâncias se mostram desfa-voráveis, pois além de desnecessária amorte, os autos de necropsia atestam aexecução de O. A. F. e C. A. F., comtiros a queima-roupa, o que indica queas vítimas estavam dominadas, não es-boçando reação;

Conseqüências desfavoráveis, pois naverdade do animus furandi dos acusa-dos resultou na dizimação de uma famí-lia, com a morte de três pessoas, o quedeve ser levado em conta em relação aolatrocínio cometido com tão-somenteuma vítima fatal. Ademais, se fossepossível justificar o roubo, decorrentede falta de recursos materiais, oportuni-dades sociais, etc., nada justificaria aeliminação de três vidas.

Nada se aferindo da conduta dasvítimas.

Diante da análise supra, com predo-minância das circunstâncias negativas eo agravamento da análise das circuns-tâncias judiciais pelo evento três víti-mas, fixo a pena-base no máximo pre-visto para o delito, qual seja, em 30(trinta) anos de reclusão.

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Fixada a pena-base no máximo pre-visto deixo de agravá-la pelo reconhe-cimento da reincidência, tornando-a de-finitiva em 30 (trinta) anos de reclusão.

Condeno-o, ainda, à pena de 50 (cin-qüenta) dias-multa à razão unitária de1/30 do maior salário mínimo vigente àépoca dos fatos, corrigido monetaria-mente desde àquela data, baseando-sena análise do art. 59 do CP, para afixação do número de dias-multa e ascondições econômicas do réu para afixação do valor do dia-multa.

b) J. G. S. S.: Culpabilidade intensa,posto que além do acusado possuir ple-nas condições de entender o caráter ilí-cito de sua conduta, tinha plenas condi-ções de se autodeterminar de modo di-verso; possui antecedentes criminais, osquais serão valorados na reincidência.

Quanto à personalidade e a condutasocial do acusado os autos não apresen-tam elementos dignos de nota; motivospróprios do delito, ou seja, o ganhofácil e o evento morte como forma deassegurar a consumação do delito con-tra o patrimônio.

As circunstâncias se mostram desfa-voráveis, pois além de desnecessária amorte, os autos de necropsia atestam aexecução de O. A. F. e C. A. F., comtiros a queima-roupa, o que indica queas vítimas estavam dominadas, não es-boçando reação;

Conseqüências desfavoráveis, pois naverdade do animus furandi dos acusa-dos resultou na dizimação de uma famí-lia, com a morte de três pessoas, o quedeve ser levado em conta em relação aolatrocínio cometido com tão-somenteuma vítima fatal. Ademais, se fossepossível justificar o roubo, decorrentede falta de recursos materiais, oportuni-

dades sociais, etc., nada justificaria aeliminação de três vidas. Nada se aferin-do da conduta das vítimas.

Diante da análise supra, com predo-minância das circunstâncias negativas eo agravamento da análise das circuns-tâncias judiciais pelo evento três víti-mas, fixo a pena-base no máximo pre-visto para o delito, qual seja, em 30(trinta) anos de reclusão.

Fixada a pena-base no máximo pre-visto deixo de agrava-la pelo reconhe-cimento da reincidência, tornando-a de-finitiva em 30 (trinta) anos de reclusão.

Condeno-o, ainda, à pena de 50(cinqüenta) dias-multa à razão unitáriade 1/30 do maior salário mínimo vigen-te à época dos fatos, corrigido moneta-riamente desde àquela data, baseando-sena análise do art. 59 do CP, para afixação do número de dias-multa e ascondições econômicas do réu para afixação do valor do dia-multa.

Considerando que os acusados res-ponderam ao processo presos, assimcomo diante da gravidade do delitopraticado por eles e as circunstâncias semostrarem desfavoráveis, não lhes con-cedo o direito de aguardar o trânsito emjulgado da sentença em liberdade,recomendando-os ao Presídio em quese encontram, onde deverão cumprir apena em regime integralmente fechado.

Transitado em julgado, lance-se onome dos réus no rol dos culpados,preenchendo-se e remetendo-se o BIE eo PJ-30, formando-se e remetendo-se oPEC à VEC responsável pelo Presídioem que se encontram.

Custas na forma da lei.Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Gramado, 05 de maio de 2004.Cyro Púperi – Juiz de Direito.

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Processo nº 151/2.01.0000567-8 – Procedimento Especial da Lei nº 6.368/76Comarca de Palmares do SulAutor: M. P.Réu: R. S. P.Inquérito Policial nº 110/00Juiz Prolator: Diego Leonardo Di Marco PiñeiroData do fato: 27-05-00Recebimento da Denúncia: 28 de julho de 2000Suspensão Condicional do Processo: de 16 de outubro de 2000 a 04 de setem-bro de 2003Data do julgamento: 1º de junho de 2004

Porte de droga para uso próprio.Confissão no interrogatório judicial.Laudo e depoimentos colhidos na polí-cia. Desnecessidade de produção deoutras provas. Julgamento antecipado dalide. Respeito ao contraditório e à ampladefesa. Princípios do Direito Adminis-trativo. Sentença condenatória.

Vistos.1. O M. P., com base no Inquérito

Policial nº 110/00, oriundo da Delegaciade Polícia de Capivari do Sul, ofereceudenúncia contra R. S. P., brasileiro,solteiro, natural de Porto Alegre, nasci-do em 07-06-76, com 23 anos de idadena data do fato, filho de Z. S. P. e deA. S. P., residente e domiciliado na P.C, Vila E., na Cidade de Porto Alegre,dando-o como incurso nas sanções doart. 16 da Lei nº 6.368/76, porque, se-gundo alegou, no dia 27-05-00, por voltadas 03h, na RS-040, Km 64, na Cidadede Capivari do Sul, o denunciado traziaconsigo, para uso próprio, aproximada-mente 10,301 gramas de maconha, subs-tância que, por conter tetraidrocanabiol,causa dependência física e psíquica, sem

autorização e em desacordo com deter-minação legal e regulamentar.

Postulou o processamento da inicialacusatória e, ao final, a procedência daação penal, arrolando, para tanto, onome de duas testemunhas.

Recebida a denúncia no dia 28-07-00,o réu foi citado, qualificado e interroga-do (fl. 108), na presença de Defensoraad hoc, confessando a prática delitiva.

O processo esteve suspenso, condi-cionalmente, entre 16-10-00 e 04-09-03,quando foi revogada a benesse, em faceda condenação do requerido por outrodelito.

É o relatório do processo.Passo à análise do caso e fundamen-

tação.2. Impõe-se, no caso, o julgamento

antecipado da lide, pois a solução dacontrovérsia prescinde, por inteiro, daprodução de outras provas.

Aplico esse instituto processual, em-bora sabedor dos inúmeros e judiciososentendimentos contrários, porque meconvenci de sua utilidade prática e, prin-cipalmente, da possibilidade teórica defazê-lo.

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A idéia, é bom que se destaque, nãoé original.

Transcrevo o seguinte texto, que bemaborda a questão: “O instituto jurídicodo julgamento antecipado da lide en-contra esteio, como se sabe, no art. 330do CPC Brasileiro. É aplicável nas hipó-teses de revelia e naquelas em que aquestão de mérito é unicamente dedireito ou, sendo de direito e de fato,não haja necessidade de se produzirprova em audiência.

“O julgamento antecipado homena-geia o princípio da economia proces-sual, permitindo uma rápida prestaçãoda tutela jurisdicional às partes e àcomunidade, evitando-se longas e des-necessárias instruções, reduzindo-se ain-da os custos do processo.

“Interessante se perquirir, portanto,sobre a possibilidade de se estender aoâmbito do Direito Processual Penal aaplicação de tão importante instituto,especialmente nos casos em que, deinício, resta clara a inocência do acusa-do e também naquelas lides penais emque o réu, desde logo, confessa cabal-mente a prática do crime a si imputado.

“A primeira hipótese acima citada jávem sendo bastante defendida na dou-trina, tendo o eminente advogado Cecílioda Fonseca Vieira Ramalho Terceiroasseverado que permitir que um ino-cente se mantenha sob a injusta sombrada espada da justiça, por vezes, é umaagressão maior que o suposto delitoimputado ao mesmo. Como sabemos, onosso processo penal é um árduo cami-nho de colheita de elementos, tudovoltado a um único fim, a verdade. Seesta verdade, ou sua semelhança, já seencontra ab initio, por que esperar todoo desenrolar da instrução para deferir a

tutela estatal eximidora da responsabili-dade do acusado, isentando-o do cons-trangimento de responder por algo quenão deve.

“Seguindo essa linha de pensamen-to, a jurisprudência pátria passou aadmitir o julgamento antecipado da lideem alguns casos, ou seja, quando háclaro convencimento da inocência doacusado, impedindo-se uma longa econstrangedora instrução criminal. A pro-pósito, veja-se: ‘Penal e processual pe-nal. Estelionato. Julgamento antecipadoda lide. Possibilidade, quando se tratarde hipótese de absolvição do réu. Reco-nhecida pela própria Justiça do Traba-lho a inexistência de relação empregatíciado réu, na atividade de pedreiro, carac-terizada restou a inexistência do delitodo art. 171 do CP. Absolvição’ (Processonº 2001.85.00.3835-8 -SPCr. – Classe07000 – 1ª Vara Federal – Juiz RicardoCésar Mandarino Barretto).

“Mais inovador e ousado, entretanto,é o estudo da segunda hipótese antesmencionada, qual seja, a de se aplicaro julgamento antecipado com desfechocondenatório, por força de confissãoincontestável feita pelo acusado às au-toridades policial e judicial.

“A confissão, no campo do direitoprocessual penal, é o reconhecimento,pelo acusado, de que praticou a infra-ção penal a si imputada.

“Também chamada de rainha das pro-vas, a confissão, segundo ensina o emi-nente Julio Fabbrini Mirabete, é elementovalioso na formação do convencimento dojulgador, sendo que ganha um valorquase absoluto quando livre, espontâ-nea e não posta em dúvida por qualquerelemento dos autos, mostrando-se sufi-ciente para embasar uma condenação.

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“Apesar disso, argumenta-se que osobstáculos ou entraves para o julgamen-to antecipado da lide processual penalseriam a falta de previsão legal e a ofensafatal aos princípios do contraditório eda ampla defesa.

“Todavia, de uma análise detida dotema, pode-se concluir por uma perti-nente e profícua aplicação analógica, naesfera penal, do instituto processual civildo julgamento antecipado da lide.

“O obstáculo legislativo, como já si-nalizado pela doutrina, pode ser venci-do por intermédio do art. 3º do CPPBrasileiro, quando afirma que a lei pro-cessual penal admitirá interpretaçãoextensiva e aplicação analógica, bemcomo o suplemento dos princípios ge-rais de direito.

“No tocante à violação aos princípiosdo contraditório e da ampla defesa, vê-se que o julgamento antecipado da lideno processo penal pode ser adequadode forma a que seja compatibilizado comaqueles relevantes postulados.

“Ora, se o réu confessar integral-mente a prática delitiva a si imputada,estando suas declarações devidamentecorroboradas pelas peças inquisitivas queinstruem o feito, tem-se que a realiza-ção do julgamento antecipado, com adispensa da colheita da prova oral, nãoensejará nenhum arranhão ao princípiodo contraditório. O que contrariar, se jáhouve a confissão cabal? Que verdadereal buscar, se já foi ela alcançada pormeio de irrefutável confissão?

“Do mesmo modo, não se podedizer que haverá afronta ao direito àampla defesa, eis que assegurada, alémda defesa pessoal pelo interrogatório, adefesa técnica por intermédio de advo-gado. O fato de se afastar, em tais

casos, a instrução criminal não signifi-ca tolher o direito à manifestação docausídico, que poderá invocar, já nadefesa prévia, benefícios legais em fa-vor do réu, como a atenuante da con-fissão, a fixação da pena no mínimolegal, o direito de apelar em liberdade,a substituição da pena privativa de li-berdade por restritiva de direitos ou afixação de um menos rigoroso regimede cumprimento de pena. Desta manei-ra, como já chegou a sugerir, em pro-posta legislativa, o ilustre Promotor deJustiça Goiano Issac Benchimol Ferreira,poderá se dar à defesa prévia um sig-nificativo valor jurídico-processual, dei-xando de ser uma peça processualmeramente formal.

“Como se sabe, não são raros oscasos simples como, por exemplo, decrimes de furto, roubo, receptação e este-lionato, em que os acusados, especial-mente quando presos em flagrante,confessam, na delegacia e em juízo, osfatos delitivos que praticaram, afastandoqualquer controvérsia fática e deixandoclaro suas culpas. Como tais confissões,em regra, estão em plena concordânciacom os demais elementos inquisitivosconstantes dos autos, torna-se absoluta-mente possível o julgamento antecipadoda lide, dispensando-se a realização dainstrução probatória pelo juízo criminal.Não fosse assim, os tribunais não admi-tiriam condenações tomando por baseapenas a confissão judicial plena e in-conteste (RT, 744/573).

“Também não se pode perder devista que somente há lide penal quandoexiste conflito de interesses entre o di-reito de punir do Estado e o direito deliberdade do réu, resultante da práticade um ato delituoso.

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SENTENÇAS 203

“Não havendo qualquer divergênciaem razão da confissão cabal feita peloréu, tem-se que inexiste lide no feito, jáestando satisfatoriamente alcançada averdade, ou seja, o fim do processopenal acusatório.

“Por que, então, prosseguir num pro-cesso judicial, se o magistrado já detém,naquele momento, um convencimentoformado? Por que ouvir vítimas, teste-munhas de acusação e de defesa, se jáhouve admissão integral do réu, confir-mando a veracidade dos fatos narradosna denúncia ministerial, estando a con-fissão em pleno acordo com os demaiselementos probatórios coligidos aosautos do inquérito policial? Em últimaanálise, por que prosseguir com o pro-cesso criminal, se não há mais contro-vérsia fática?

“Não há dúvidas de que, em casosdeste jaez, a idéia de se ter de esgotara tramitação do feito criminal, além deformalista, contraria o princípio da eco-nomia processual, pois gera instruçõesdesnecessárias e perda de tempo, im-pedindo a pronta e eficaz entrega daprestação jurisdicional penal. Ademais,nesses casos, o prosseguimento da açãopenal implica maiores e desnecessá-rias despesas ao erário, conduzindoainda a uma constrangedora exposi-ção do réu, que vê repisado o fatocriminoso que já admitiu ter praticado.

“É evidente, por outro lado, que ojulgamento antecipado na forma oraproposta só deverá ocorrer naquelescasos em que a confissão do réu forcabal, espontânea, ficando afastada amais remota hipótese de auto-imputa-ção falsa ou de insinceridade.

Os que resistem à idéia aqui defen-dida argumentam que seria mutilada a

possibilidade de ampla cognição damatéria delitiva, atropelando-se o ritoprevisto no Código de Processo Penal.Entretanto, como visto, mediante umahermenêutica prudente e cautelosa,mostra-se perfeitamente possível e viá-vel a aplicação do julgamento antecipa-do da lide no âmbito do processo penalquando inexistem divergências fáticas emrazão de confissão cabal feita pelo réu.

“Nos tempos atuais, em que a crimi-nalidade cresce alarmantemente, gerandosensação de impunidade, há de se tentartornar o processo criminal mais célere, oque é possível alcançar mediante a supe-ração do legalismo estrito e imobilista,que não atende aos fins da justiça”(Andrade, Flávio da Silva. A Confissão e oJulgamento Antecipado da Lide no Proces-so Penal. Disponível na Internet:<http://www.mundojuridico.adv.br>)

Pouco há a acrescentar do ponto-de-vista teórico. A Administração da Justiça,que se dá por meio do Poder Judiciário,deve seguir os princípios que norteiam aAdministração Pública em geral.

Seus atos, portanto, devem-se regerpelos princípios elementares da legali-dade, impessoalidade, moralidade, pu-blicidade e eficiência, bem como pelosprincípios derivados da utilidade, razoa-bilidade e economia.

E, dentro desses parâmetros baliza-dores, plenamente viável é a utilizaçãodo instituto em tela. O julgamento an-tecipado é juridicamente possível, porforça do permissivo do art. 3º do CPP.

Outrossim, em tempos como hoje,em que a criminalidade cresce alarman-temente, gerando sensação de impuni-dade, ele se mostra útil como meio detornar o processo criminal mais célere,alcançando uma maior eficiência da

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realização dos fins da Justiça. Por outrolado, utilizado com temperamentos, nãoafronta as garantias do contraditório eda ampla defesa, como bem destacadopelo citado autor.

Nessa senda, descendo ao caso emconcreto, verifico que, em seu interro-gatório, o réu R. teve a possibilidadeefetiva de, assistido por advogado, res-ponsável pela defesa técnica, contraditarpessoalmente a acusação.

Preferiu, contudo, não o fazer, con-fessando lisamente a prática delitiva (fl.108). Aliás, como já fizera na fase po-licial (fl. 11).

Ademais disso, a confissão encontrourespaldo bastante no laudo da fl. 15 e nodepoimento tomado durante o inquisitóriode K. E. F. R. (fl. 11), amigo do acusado,e do policial G. M. G. (fl. 16).

Na hipótese em liça, nada mais énecessário para tornar certas autoria ematerialidade delitiva; qualquer outraprova viria em sobejo.

Conseqüentemente, voltando-se aosprincípios de Direito Administrativo, nãose mostraria razoável, econômico ou útil,na espécie, negar aplicação ao institutodo julgamento antecipado, determinan-do a expedição de precatórias de inqui-rição do policial G. (Viamão) e do amigodo demandado (Porto Alegre), para queestes simplesmente ratificassem, em duasou três respostas, os depoimentos ante-riores. Isso se, passados mais de quatroanos desde a data do fato, ainda lem-brassem de algo relevante!

Em verdade, além de onerar desne-cessariamente o Estado, essa prática sócontribuiria para uma demora maior naprestação juridicional.

Sendo assim, como adiantado, impo-sitiva é a condenação do demandado,

inexistindo, no caso, circunstância exclu-dente da responsabilidade penal deste.

Até porque, em atenção à tese pormuitos alardeada, inexiste vício de in-constitucionalidade na incriminação doconsumo de entorpecentes, conformereiteradamente decidido pelo PretórioExcelso, a qual se faz necessária, sobre-tudo, como meio de coibir o tráficoilícito de drogas.

O traficante de entorpecentes, malmaior das sociedades modernas, nãoexiste sem o consumidor.

E a maior parte dos consumidores,que são a mola propulsora do tráfico,não são viciados, podendo ser cataloga-dos como usuários eventuais.

Dessarte, mostra-se inoponível odireito à intimidade (art. 5º, inc. X, daCF) ao interesse coletivo em proteger asaúde pública, bem jurídico tutelado peloart. 16 da Lei nº 6.368/76.

3. Diante do exposto, julgo proce-dente a denúncia, para o fim de conde-nar R. S. P. nas penas do art. 16 da Leinº 6.368/76, na forma que adiante seráindividualizada.

4. Analisando os vetores do art. 59do CP, verifico que o condenado nãoregistra, tecnicamente, antecedentes ne-gativos, para tanto não servindo a cer-tidão da fl. 101, que faz menção a fatosposteriores. Conduta social e personali-dade sem maiores dados.

Motivos, circunstâncias e conse-qüências do delito são as inerentes aotipo penal em apreço, não revelandocausa de maior desvalor na condutado réu.

Não há que se falar, no crime emapreço, em comportamento da víti-ma.

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SENTENÇAS 205

Culpabilidade moderada, tendo o con-denado consciência da ilicitude de seuato e sendo-lhe exigível conduta diversa.

Ante tais comemorativos, fixo a pena-base para o delito em 06 (seis) mesesde detenção, mínimo legal.

Em um segundo momento, verificoque o réu foi confesso. Entretanto, comoa pena já se encontra no limite mínimo,deixo de atenuá-la.

Inexistindo outras causas modifica-doras da pena privativa de liberdade,torna-a definitiva no patamar acimaestipulado.

5. Entretanto, não sendo reincidenteespecífico o condenado e ficando ascircunstâncias judiciais favoráveis a ele,concedo-lhe o benefício da substituiçãoda pena privativa de liberdade por duaspenas restritivas de direito, nos moldesdos arts. 44 e ss. do CP.

Deverá o condenado prestar servi-ços à comunidade, em entidade a serestipulada após o trânsito em julgadodesta sentença, pelo período integral dacondenação (6 meses = 6 X 30 dias =180 dias = 180 horas).

Além disso, como espécie de limita-ção de fim-de-semana, deverá freqüen-tar 90 horas de palestras em Grupos deApoio a Depedentes Químicos.

A freqüência deverá ser semanal, comcomprovação mensal nos autos.

A segunda pena restritiva de direi-tos, em caso de pedido do condenado,poderá ser cumprida durante a semana,excepcionalmente, se não existirem reu-niões de tais grupos em final-de-sema-na.

6. Em caso de revogação do bene-fício, a pena privativa de liberdadedeverá ser cumprida, inicialmente, noregime aberto.

7. Ainda, é cominada para o delitopena de multa, cumulativamente à penaprivativa de liberdade.

Vai fixada, em atenção às circuns-tâncias judiciais, em 20 dias-multa, novalor unitário de cento e cinqüenta cru-zeiros, tendo em vista a condição eco-nômica do réu.

Esse valor do dia-multa deverá seratualizado, desde a data da Lei de Tó-xicos até a data do fato, com a reali-zação das necessárias trocas de moeda.

Encontrado o valor do dia-multa nadata do fato, deverá ele ser atualizadomonetariamente até a data do efetivopagamento.

Mesmo porque, no tocante à corre-ção monetária, como é cediço, ocorreuma mera recuperação do valor efetivoda moeda, não sendo um plus que seadita, mas um minus que se evita.

8. Provimentos finais.Conforme reza o art. 50 do CP, a

multa deverá ser paga em dez dias, acontar do trânsito em julgado destasentença. Custas pelo réu, suspensa arespectiva exigibilidade.

Transitada em julgado a presente sen-tença:

a) Seja o nome do condenado lan-çado no rol dos culpados;

b) Preencha-se a ficha PJ-30 e envie-seo BIE;

c) Oficie-se ao TRE;d) Forme-se o PEC definitivo;e) Venham os autos para designação

de audiência, em que será estipulado olocal a ser cumprida a PSC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se,o réu pessoalmente.

Palmares do Sul, 1º de junho de 2004.Diego Leonardo Di Marco Piñeiro –

Juiz de Direito.

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Processo nº 00110763308 – 029802 – Delito: art. 273, § 1º-B, inc. I, do CPComarca de Porto AlegreAutora: J. P.Réu: L. A. S.Juíza prolatora: Katia Elenise Oliveira da SilvaData: 08 de julho de 2004

Crime. Venda de produto destinado afins medicinais sem registro no Órgão deVigilância Sanitária competente –art.273, § 1º-B, inc. I, do CP. Materialidadee autoria comprovadas. Absolvição pelaausência de lesividade da conduta. ODireito Penal não deve ser aplicado me-diante processo vazio de subsunção semque as necessidades sociais clamem porsua intervenção. A proteção de determi-nados valores é o que legitima a interven-ção do Direito Penal. A lesão à saúdepública não foi destacada na denúnciae tampouco foi objeto de prova durantea instrução deste feito, o que impede aresponsabilização criminal do réu. Osdanos resultantes da conduta de L. A. S.não ensejam a incidência do DireitoPenal, que deve sempre ser aplicadocomo ultima ratio. Absolvição por nãoconstituir o fato infração penal. Decisãoimprocedente.

Vistos.O M. P. denunciou L. A. S., brasilei-

ro, branco, casado, filho de E. A. S. eM. B. S., nascido em 18-09-26, residentena Avenida P. A., nesta Capital, comoincurso nas sanções do art. 273, § 1º-B,inc. I, do CP, pela prática do fatodelituoso desta forma descrito na de-núncia: “No dia 13-08-02, por volta das

10 horas, na Avenida P. A., nesta Capi-tal, o denunciado L. tinha em depósito,para vender distribuir e entregar a con-sumo, vinte e seis caixas contendo vintecomprimidos cada uma; sete caixas con-tendo dois comprimidos cada uma edezenove comprimidos avulsos do me-dicamento Pramil, substância sem regis-tro, quando exigível, no órgão de vigi-lância sanitária competente, consoanteofício anexo.

Na ocasião, policiais civis em cum-primento de mandado judicial de buscae apreensão, apreenderam o produtoreferido, além de dois comprimidos domedicamento Vorst 50 sildefanil, doiscomprimidos do medicamento Magnus50 mg; uma agenda de capa marromcom a inscrição Ritter dos Reis, umafolha de cheque do Banco Banrisul, ag.0000, conta 00.000000.0-0, no valor deR$ 70,00, em nome de L. M. A. e/ou L.A. A.; trinta e seis recortes de jornalsobre o comprimido Viagra, vinte e uma‘mala direta’ (propaganda) do medica-mento Pramil, um original ‘mala direta’do medicamento Pramil, sete bulas domedicamento Pramil, dez propagandasdo medicamento Pramil, duas bulas domedicamento Vorst 50mg Sildefanil, umabula do medicamento Segurex 50mg,uma bula do medicamento Viagra, seis

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SENTENÇAS 207

panfletos de propaganda ‘Dificuldadesde Ereção’.”

A denúncia foi recebida em 14-05-03.O réu foi devidamente citado (fl.

122v.) e interrogado (fl. 124), ocasião emque o mesmo lançou mão do seu direitoconstitucional de permanecer em silên-cio. No mesmo ato, constituiu procura-dor, que apresentou sua defesa préviaarrolando testemunhas (fls. 126/127).

Durante a instrução, foram ouvidas oitotestemunhas de acusação (fls. 150/166 e187/189) e três de defesa (fls. 183/186),tendo havido desistência da oitiva de duasarroladas pelo procurador do réu (fl. 172).

No prazo do art. 499 do CPP, oMinistério Público nada requereu (fl.190), enquanto a defesa pediu a reali-zação de perícia nos medicamentosapreendidos, o que foi indeferido poreste juízo (fl. 194).

Em suas alegações finais, o repre-sentante do parquet, entendeu caracte-rizadas a materialidade e a autoria,destacando que o crime é grave poratentar à saúde pública. Por fim, postu-lou pela procedência da ação para con-denar o réu nos termos da denúncia(fls. 197/199).

No prazo do art. 500 do CPP, adefesa, em preliminares, argüiu o re-conhecimento da inconstitucionalida-de do art. 273, § 1º-B, inc. I, do CP ea nulidade do feito. Com relação aomérito, alegou que a conduta do réufoi determinada por erro de proibição.Dessa forma, postulou pela absolviçãodo acusado com fulcro no art. 386,inc. V, do CPP, e, caso fosse outro oentendimento desse juízo, alternativa-mente, a desclassificação do delitoimputado para a sua modalidadeculposa (fls. 206/224).

Os autos vieram conclusos. É o re-latório.

Decido.Deixo de acolher a preliminar de

inconstitucionalidade do dispositivoimputado ao acusado, tendo em vistaque não atenta aos dispositivos da leimaior e, formalmente, tampouco apre-senta vícios.

Da mesma forma, com base no art.563 do CP, não entendo que este feitoesteja acometido de nulidade, uma vezque, a não realização da perícia nomaterial apreendido, não resultará emprejuízos à defesa.

A materialidade restou demonstradapelos autos de apreensão (fls. 12 e 59).

A autoria, de igual sorte, é certa emface da flagrância e dos depoimentosdos agentes da polícia civil, que descre-veram a operação que resultou na pri-são do demandado, bem como nosrelatos das testemunhas que afirmaramterem recebido medicamentos deste.

O conjunto probatório é compostopor vasta prova testemunhal.

O direito penal não deve ser aplica-do mediante processo vazio desubsunção sem que as necessidadessociais clamem por sua intervenção, nãose pode ignorar que as condutas proi-bidas pela nossa legislação invariavel-mente visam à proteção de determina-dos valores e isso é o que legitima aintervenção do direito penal.

O dispositivo ora imputado ao acu-sado tem como escopo a proteção dasaúde pública. No contexto dessa ação,desde a representação juntada aosautos pela Associação Brasileira deCombate à Falsificação, passando pelaprópria denúncia, pelas informaçõesapresentadas pela Agência Nacional de

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208 SENTENÇAS

Vigilância Sanitária, os relatos das tes-temunhas de acusação até as alegaçõesfinais da acusação, restou demonstradoque a preocupação predominante era ainexistência de registro do medicamen-to apreendido com o acusado.

A lesão à saúde pública não foidestacada na denúncia e, da mesmaforma, não foi objeto de prova durantea instrução deste feito. A prova danocividade característica do tipo é indis-pensável e, como já foi dito, não há nosautos qualquer elemento probatório queaponte à possível causação de danos àsaúde das pessoas expostas à medica-ção indevidamente importada; sendo queos médicos ouvidos na qualidade detestemunhas de acusação, inclusive, afir-maram se tratar da mesma substânciasob outra denominação.

À saúde pública, portanto, bemmerecedor de extrema proteção, nãohouve dano, o que afasta a justificaçãoda aplicação do dispositivo incrimi-nador.

A conduta do réu L., sem dúvidas,causou danos à empresa que detém apatente da propriedade industrial, aoEstado pelo não pagamento dos im-postos respectivos etc. Contudo, estascircunstâncias somente corroboram osupra sustentado, pois indicam que aconduta ilícita do réu deverá ser discu-tida e o mesmo responsabilizado emforo adequado e competente para tan-to, qual seja, o administrativo ou o civil.

Ainda, ressalto que a criminalizaçãode uma conduta só se legitima quando

necessária à proteção de determinadobem jurídico. Na hipótese dos autos,como já foi destacado, os danos resul-tantes da conduta de L. não requerema atuação do direito penal, que devesempre ser aplicado como ultima ratio.Assim, sendo as medidas civis ou admi-nistrativas suficientes, são estas quedeverão ser empregadas.

Ressalte-se, por fim, que o acusadoé réu primário e pessoa de avançadaidade, a pena cominada no dispositivoinvocado pelo parquet seria, caso apli-cada, absurdamente desproporcional,não encontrando justificação na repro-vação e prevenção colimadas pelo or-denamento.

Mister destacar que a reprovabili-dade da conduta do demandado nãoenseja aplicação de pena mais graveque aquelas cominadas ao homicídioe ao aborto, o que ocorreria caso opedido da denúncia fosse julgado pro-cedente.

Isso posto, julgo improcedente opedido feito na denúncia para absolverL. A. S., acima já qualificado, das impu-tações a ele feitas na exordial, pela prá-tica do delito descrito no art. 273, § 1º-B,inc. I, do CP, com base no art. 386, inc.III, do CPP.

Custas pelo Estado.Determino a destruição dos medica-

mentos apreendidos.Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Porto Alegre, 08 de julho de 2004Katia Elenise Oliveira da Silva –

Juíza de Direito em substituição.

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DECISÕES CÍVEIS

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Juiz prolator: Juliano da Costa StumpfData: 09 de junho de 2003

Ação civil pública. Constitucional eadministrativo. Resolução da câmara devereadores. Cotas para pagamento dedespesas com telefone e combustível.Poder discricionário. Possibilidade deexame pelo Poder Judicário. Naturezadas cotas. Legalidade. Princípios damoralidadade e razoabilidade adminis-trativa. Violação em razão das necessi-dades e obrigações para o cumprimentodo mandato. Peculiaridades do Municí-pio. Verossimilhança da alegação e pe-rigo de irreversibiilidade da situação.Concessão de medida liminar para sus-pender os efeitos da resolução.

O M. P. ajuizou ação civil públicacontra a C. V. S. M. e o M. S. M.

Alegou que foi instaurado em maio/03um inquérito civil para examinar e apuraras circunstâncias que envolvem a Resolu-ção Legislativa nº 10/03, que determina adisponibilização de cota mensal de tele-fone móvel celular e fixo com valor deR$ 600,00 e mais indenização por usode veículo particular até o limite de 130litros de combustível. Disse que as duascotas têm natureza de ajuda de custo eque não poderiam ser pagas em hipó-tese que não configure remoção doservidor para outra cidade como formade indenização pelas despesas de trans-porte e instalação. Argumentou aindaque a referida resolução se equipara aregulamento e que por isso não poderiaser meio de criar direitos, sob pena deilegalidade. Os Vereadores são servido-res públicos municipais e por isso os

regulamentos expedidos com o objetivode dispor sobre os seus direitos devemobediência estrita aos termos da LeiOrgânica Municipal. A ajuda de custoassumirá na prática um cunho remune-ratório. Alegou ainda que a referidaresolução afronta os princípios de Direi-to Administrativo e permite que os ser-vidores públicos se apropriem de di-nheiro público sem qualquer prestaçãode contas. Por fim, sustentou que todoe qualquer aumento de despesas de-pende de prévio orçamento e respeitoaos limites e valores consagrados emlei. Teceu considerações sobre a neces-sidade da concessão de medida liminare pediu, ao final, a procedência da açãopara ver declarada ilegal a ResoluçãoLegislativa nº 10/03 e ressarcidos osvalores eventualmente pagos. Juntou do-cumentos.

Intimados os réus nos termos do art.2º da Lei nº 8.437/92, apenas a C. V. semanifestou.

Argumentou a C. V. S. M. que aresolução legislativa é formalmente per-feita. Os valores consagrados na referi-da resolução não têm natureza da ajudade custo como quer fazer crer o Minis-tério Público e tampouco são os Vere-adores servidores públicos como alega-do. As cotas têm cunho indenizatório enão são pagas em pecúnia, sendo ape-nas utilizadas de acordo com a neces-sidade e até o limite estabelecido, nãointegrando os subsídios dos Vereadores.Não há possibilidade de cumulação outransferência para o período seguinte. E

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DECISÕES 211

há rígido controle quanto a utilizaçãodas cotas. A cota de telefone já existiaem Santa Maria e houve agora apenasum aumento de limite. A natureza inde-nizatória também se verifica para a cotade combustível, que somente será rece-bida se houve comprovação adequada.O sistema de cotas é utilizado por ou-tras casas legislativas e tem ainda achancela do Tribunal de Contas doEstado. Argüiu que os vereadores sãona verdade agentes políticos, não sesubmetendo ao Regimento Jurídico dosdemais servidores, já que contam comautonomia funcional, possuindo regula-mento próprio. O Poder Legislativo temautonomia e independência funcional,política e financeira, sendo de sua ex-clusiva competência estabelecer a remu-neração dos seus membros, criar cotas,etc., providências que correspondem aatos de gestão do seu orçamento. Aaprovação da resolução corresponde aato interna corporis e por isso não sesujeita a exame por parte do PoderJudiciário dada a conveniência e opor-tunidade presentes na espécie, mesmoporque configuraria isso indevida inter-ferência entre os Poderes. Pediu o inde-ferimento da medida liminar. Juntoudocumentos.

É o relatório. Decido.Trata-se de ação civil pública funda-

da na ilegalidade de Resolução da Mesada Câmara de Vereadores de Santa Mariaque autorizou o aumento e/ou paga-mento de cotas de telefone e combus-tível para cada um dos Vereadores.

Penso que o exame da medida limi-nar deve passar, de início e necessari-amente, pelo crivo dos princípios deDireito Administrativo, na medida emque entendo que não há, neste instante,

adequados e suficientes esclarecimentossobre a efetiva legalidade da providên-cia adotada pelo Legislativo Municipalse considerados apenas os aspectos maisdestacadas pela inicial e manifestaçãopreliminar.

E, para o exame da questão à luzdos princípios constitucionais que infor-mam o Direito Administrativo penso quenão há vedação ou impedimento para oJudiciário, não importando tal providên-cia em afronta à independência e har-monia dos Poderes ou ignorância dianteda existência e amplitude da conhecidadiscricionariedade administrativa.

E, ainda no que se refere a possibi-lidade de exame da questão pelo PoderJudiciário, não é demasiado invocar odireito fundamental insculpido no art.5º, inc. XXXV, da Constituição Federal,uma vez que também a violação dosreferidos princípios, em especial o damoralidade administrativa e da razoabi-lidade, configura lesão ou ameaça delesão por meio de ato da própria Admi-nistração, o que é sempre passível decontrole judicial.

Esclarecida essa circunstância, passoao exame do pedido liminar propria-mente dito.

Não há dúvida de que possui o PoderLegislativo autonomia financeira e ad-ministrativa.

Também não há margem para dúvi-da no que se refere a perfeição formalda Resolução Legislativa atacada pormeio da ação civil pública.

Quanto à natureza das cotas e acaracterização dos vereadores comoservidores públicos lato sensu ou agen-tes políticos, bem como quanto a lega-lidade propriamente dita da autoriza-ção de pagamento, penso que não há

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212 DECISÕES

condições, neste instante processual,para a necessária certeza e seguradefinição.

A questão é complexa e exige talvezoutros esclarecimentos a fim de se as-segurar ao julgador o mais completoconhecimento da situação.

Sendo assim, entendo que nesteinstante processual é viável e possível oexame da pretensão de acordo apenascom os princípios do Direito Adminis-trativo tal como consagrados no art. 37,caput, da Constituição Federal da 1988,ainda que todos não expressamente.

Como se sabe, segundo a lição deMaurice Hauriou (Précis de DroitAdministratif, 10ª ed.), citado por MariaSylvia Zanella Di Pietro, a moral admi-nistrativa “é imposta de dentro e vigorano próprio ambiente institucional econdiciona a utilização de qualquerpoder jurídico, mesmo o discricionário”.

E, complementado a lição, é válidacitação de conclusão posta por MariaSylvia Zanella Di Pietro na sua obraDireito Administrativo (Atlas, 10ª ed.,1999) no sentido de que ”a imoralidadeadministrativa surgiu e se desenvolveuligada à idéia de desvio de poder, pois seentendia que em ambas das hipóteses aAdministração Pública se utiliza demeios lícitos para atingir finalidadesmetajurídicas irregulares” (grifo no ori-ginal).

Acrescento ainda que a imoralidade,porque caracteriza desvio de poder, deveser efetivamente entendida como formade ilegalidade, sujeitando-se por isso aocontrole judicial, mesmo que se devaressalvar também que nem todos os atosimorais são ilegais.

No caso dos autos, mesmo sendodiscutível a ilegalidade da Resolução

Legislativa diante das regras postas naLei Orgânica do Município de SantaMaria, se mostra adequado pensar quea fixação ou aumento de cotas de tele-fone e combustível para uso dos vere-adores no exercício de seus mandatosofende, em princípio, a moralidadeadministrativa que deve ser observadano trato da coisa pública.

Primeiro, porque não há por enquan-to nenhum esclarecimento sobre a efe-tiva necessidade de fixação das cotas,uma vez que não se tem notícia, porexemplo, da imprescindibilidade de uti-lização de telefones celulares para oadequado exercício do mandato e dereiterados deslocamentos com veículopara o cumprimento dos deveres a eleinerentes.

Saliento, porque relevante, que nãoparece demasiado ou exagerado pensarque podem os vereadores exercer deforma satisfatória os seus mandatos como uso dos telefones fixos que certamen-te estão instalados nos gabinetes e nasdemais dependências da Casa e excep-cionalmente, com os seus telefonescelulares, o que é aliás comum nasdemais searas do Poder Público.

E, neste contexto, esclareço, já quefoi referência expressa feita pela Câma-ra de Vereadores, que se deve semprepresumir que o uso será feito no exclu-sivo interesse público, o que determinaque não há necessidade de fixação decotas e tampouco se justificam as mes-mas sob o argumento de que assim seestará disciplinando o uso mesmo emsituações de interesse exclusivamenteparticular de cada um.

Depois, porque contam os Vereado-res com estrutura também mantida peloPoder Público para que tenham todas as

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DECISÕES 213

condições para o adequado exercíciodos seus mandatos, o que determina seentenda que não precisam contar, emprincípio e por exemplo, com cotas decombustível para os deslocamentosnormais no cumprimento dos seus de-veres parlamentares.

Neste ponto, destaco que o exercí-cio normal de atividade profissional, quenão é desenvolvida apenas no interessede empregador, entidade ou Poder quese representa, mas também como atri-buto pessoal do profissional ou mem-bro de Poder, não é em regra remune-rado ou indenizado. E não o é simples-mente porque faz parte da própria ati-vidade que se abraçou e do sentimentode cumprimento dos deveres a ela ine-rentes que todos devem ter.

Assim é para os demais agentespolíticos e para a grande maioria dostrabalhadores, em especial os funcioná-rios públicos, sempre ressalvadas assituações e os deslocamentos extraordi-nários, os quais evidentemente não fo-ram objeto da Resolução Legislativaquando da fixação das cotas.

Por fim, em que pese a alegaçãocontida na manifestação preliminarprotocolada pela Câmara de Vereado-res, entendo que é também motivo parase entender aparentemente arranhada amoralidade administrativa a completainexistência de sistema de controle ouprestação de contas quando do uso dosvalores.

Nos seis artigos que compõe a Re-solução Legislativa nº 10/2003, há ape-nas a referência de que os valores serãogastos para o exercício do mandato, deforma genérica, e de que uma declara-ção firmada pelo parlamentar será sufi-ciente para justificar os deslocamentos

necessários ao exercício parlamentar(cota de combustível).

E, neste passo, não penso que érelevante o não pagamento das despesasdiretamente com dinheiro repassado aoVereador, na medida em que os gastospodem ser feitos, neste sistema, sem ocumprimento de atividade que conte comefetivo interesse público, em especial noque se refere ao combustível.

Neste contexto, a conclusão que seimpõe é no sentido de que a fixação e/ouaumento das cotas é situação que, ago-ra, se pode entender como ofensiva aosenso comum de honestidade e de jus-tiça.

Não se mostra moralmente adequa-da a fixação ou aumento das cotas detelefone e combustível, já que não hájustificativa razoável para tanto dianteda realidade que se conhece, até esteinstante, e que se relaciona com o de-sempenho da atividade parlamentar emSanta Maria.

Como se não bastasse, penso que opróprio valor das cotas poderia ser fun-damento para a conclusão de que estápreenchido o requisito da verossimilhan-ça direito alegado.

Veja-se que a Resolução Legislativanº 10/03 determinou que as cotas detelefone móvel e fixo se limitam a R$600,00 por mês, podendo o vereadoroptar pela proporcionalidade que en-tender conveniente entre um e outrosistema quando do uso da mesma.

A cota de combustível foi fixada em130 litros mensais, o que corresponde aaproximados 2,5 tanques de um auto-móvel de passeio ou utilitário de tama-nho médio, já que é comum contaremcada um deles com aproximados 50 litrosde capacidade de tanque.

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214 DECISÕES

O princípio da razoabilidade semostra presente quando houve efetivaproporcionalidade entre os meios deque se utilizou a Administração e osfins que ela pretende alcançar com amedida. E a referida proporcionalidadedeve ser avaliada de acordo com ospadrões comuns da sociedade em quese vive, consideradas também as pecu-liaridades locais, e não apenas de acor-do com os padrões que podem parecerrazoáveis apenas ao Administradorenquanto detentor de poder discricio-nário.

A lição de Celso Antônio BandeiraDe Mello (Curso de Direito Administra-tivo, Malheiros, 6ª ed., 1995) éelucidativa quando comenta e ensinasobre o princípio da razoabilidade:“Enuncia-se com este princípio que aAdministração, ao atuar no exercíciode discrição, terá de obedecer a critériosaceitáveis do ponto de vista racional,em sintonia com o senso normal depessoas equilibradas e respeitosas dasfinalidades que presidiram a outorgada competência exercida. Vale dizer:pretende-se colocar em claro que nãoserão apenas inconvenientes, mas tam-bém ilegítimas – e portantojurisdicionalmente invalidáveis – ascondutas desarrazoadas, bizarras, in-coerentes ou praticadas com descon-sideração às situações e circunstânciasque seriam atendidas por quem tivesseatributos normais de prudência, sensa-tez e disposição de acatamento às fina-lidades da lei atributiva da discriçãomanejada.[....]. É óbvio que uma provi-dência administrativa desarrazoada,incapaz de passar com sucesso pelo cri-vo da razoabilidade, não pode estar deacordo com a finalidade da lei”.

O fim que deseja o Poder Legislativoalcançar com a fixação das cotas é semdúvida o melhor e mais adequado exer-cício dos mandatos outorgados pelo povode Santa Maria aos seus Vereadores. E,para tanto, não se pode entender comorazoável a fixação de cotas de R$ 600,00para o uso de telefones e 130 litros decombustível para os deslocamentos.

A uma, porque são valores dema-siadamente altos para um Município quetem a sua população fixada em massana região urbana, não contando comzona rural de expressiva extensão, eque não passa, assim como a grandemaioria dos Municípios do Brasil – paranão dizer a totalidade – por dificuldadese escassez financeira.

A duas, porque a própria Casa Le-gislativa está bem aparelhada eestruturada para garantir aos Vereadorestodos os meios de comunicação neces-sários a bom cumprimento dos seusdeveres parlamentares, tanto que assimse fez até agora.

A três, porque contas telefônicas queatinjam R$ 600,00 exigem muitas horasde conversação, fato que se pode en-tender por notório diante do conheci-mento de que todos aqueles que usamtelefone celular e fixo com certeza pos-suem em relação ao valor de cada minutode ligação.

O uso de mais de dois tanques decombustível de um carro médio, apenaspara os deslocamentos feitos com inte-resse público, também é demasiado sea atividade é exercida efetivamente nazona urbana da cidade, não se tendonotícia, por exemplo, de sessõeslegislativas realizadas fora do prédio daCâmara de Vereadores e longe do cen-tro da cidade.

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Desta forma, mesmo que se entendaque o destino dos valores que são ga-rantidos ao Poder Legislativo pelo orça-mento municipal faz parte do seu pró-prio poder discricionário, não há dúvidade que assiste razão ao Ministério Públi-co, pelo menos liminarmente.

Isso porque foi violado o princípioda razoabilidade por meio do conteúdode uma Resolução Legislativa manifesta-mente inadequada para atingir a finali-dade legal, o que significa que seexorbitou os limites da discricionarieda-de e deve o Poder Judiciário corrigiresta forma de ilegalidade.

Portanto, ainda que se entenda quenão é possível agora o exame formal danatureza das cotas e demais circunstân-cias que envolvem a sua fixação e au-torização de pagamento, porque teme-rário, penso que está bem demonstradoque há pelo menos a violação dos prin-cípios da moralidade administrativa e darazoabilidade na espécie.

Assim, está presente no caso o pri-meiro dos requisitos a autorizar a con-cessão da medida liminar, qual seja averossimilhança do direito alegado.

O segundo dos requisitos, o perigode dano irreparável ou de difícil repa-ração, resta caracterizado pela próprianatureza da situação e do conteúdodo Resolução Legislativa e não exigemaiores divagações sobre a sua exis-tência.

Veja-se que se está a tratar de des-pesas a serem custeadas pelo PoderPúblico, isto é, pelo dinheiro público.

Uma vez autorizadas e custeadas nodecorrer da ação, obtendo o MinistérioPúblico sucesso na sua pretensão, seráde difícil reparação ou devolução aoscofres do mesmo Poder Público os va-lores gastos, seja porque talvez mere-çam exame os casos concretos, sejaporque provavelmente outras ações ju-diciais se farão necessárias diante dapossibilidade de, ao final, muitos dosatuais vereadores não estarem mais nodesempenho do mandato parlamentarem Santa Maria.

Por isso, é razoável entender que asuspensão dos efeitos da ResoluçãoLegislativa é a medida mais adequadaneste momento, evitando as despesaspelo menos até se tenha de fato umadefinição final sobre a legalidade, mo-ralidade e razoabilidade da previsão epagamento das cotas.

A conclusão, em liminar, já quepresente a verossimilhança do direitosustentado pelo Ministério Público e operigo de dano de difícil reparação aoscofres públicos, é no sentido de serdeterminada a suspensão dos efeitos daResolução Legislativa nº 10/03.

Diante do exposto, com fundamentono art. 12 da Lei nº 7.347/85, concedo amedida liminar para suspender os todosefeitos da Resolução Administrativa nº10/03 da Câmara de Vereadores de SantaMaria.

Intime-se e cite-se.Santa Maria, 09 de junho de 2003.Juliano da Costa Stumpf – Juiz de

Direito.

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Juiz prolator: Édison Luis CorsoData : 08 de setembro de 2003

Direito Tributário. Execução Fiscal.Art. 109 da Constituição Federal. Distin-ção entre Comarca e Seção Judiciária.Lei nº 5.010/66. Lei de ResponsabilidadeFiscal. Incompetência da Justiça Estadual.Competência Declinada à Justiça Fede-ral.

Vistos.Trata-se de execução fiscal que teve

seu aforamento perante a Justiça Esta-dual, embora no pólo ativo figure pes-soa que, por força do art. 109 da Cons-tituição Federal, deve litigar perante aJustiça Federal.

Em casos análogos, tenho reconheci-do a incompetência da Justiça Estadualpara o feito, determinando a remessados autos ao foro da Justiça Federal.

As primeiras decisões com esse teorque chegaram ao conhecimento do STJtiveram confirmação.

Num segundo momento foi revisadoo entendimento, passando-se à procla-mação da competência da Justiça Esta-dual para tais demandas, ante o permis-sivo do art. 109 da Constituição Federal,segundo o qual a lei poderá permitirque outras causas sejam também proces-sadas e julgadas pela Justiça Estadual.São exemplos os Conflitos de Compe-tência nºs. 31.091, 31.107 e 31.099, alémdo caso aqui em comento.

Nesse casos, restou consignado adistinção entre “Comarca” e “Seção Ju-diciária”.

Com a máxima vênia, não vejo adistinção.

Ninguém nega a plena aplicação daLei nº 6.830, de 22-09-80, às execuçõesfiscais que envolvem a União ou suasentidades autárquicas (art. 1º). Nem sedesconhece um sem número de deman-das dessa natureza que tramitam naJustiça Federal.

E não se considera inaplicável a regrado § 2º do art. 13 dessa lei aos proces-sos que tramitam na Justiça Federal, quedispõe:

§ 2º – Se não houver, na comarca,avaliador oficial ou este não puderapresentar o laudo de avaliação no prazode 15 (quinze) dias, será nomeada pes-soa ou entidade habilitada, a critério doJuiz.

Por óbvio que o legislador, afeito aojargão judicial, considera como “comar-ca” a área de atuação territorial definidaa um Juiz, seja ele Estadual ou Federal.

Como já foi dito anteriormente, DePlácido e Silva, em seu VocabulárioJurídico (Ed. Forense, Rio, 1987, vol. I),define “comarca” verbis: “Embora se atri-bua a derivação do vocábulo ao latimcomarchus (governador de uma povoa-ção), melhor se dá sua origem do ale-mão marca que quer dizer limite e trazo sentido de território com limites certosou com uma marca. Assim, designa oterritório, a circunscrição territorial,compreendida pelos os limites em que seencerra a jurisdição de um Juiz de Di-reito” (não sublinhado no original, p.459).

O mesmo autor também define cir-cunscrição, como se transcreve: Nome de

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uso na técnica administrativa, para indicarcerta divisão territorial ou a parte de ter-ritório de um país, a que se atribui certoregime administrativo, embora nem sem-pre possuindo uma alçada jurídica, naqual se assenta o poder jurisdicional deuma autoridade administrativa, civil oumilitar, para dirigir uma espécie de servi-ços públicos, ora de ordem meramenteadministrativa, ou de ordem política.

Isso é patente quando se observaque o legislador, quando quer distin-guir, distingue. Observe-se a mesma Leinº 6.030/80:

Art. 25 – Na execução oficial, qual-quer intimação ao representante judicialda Fazenda Pública será feita pessoal-mente.

Parágrafo único – A intimação de quetrata este artigo poderá ser feita mediantevista dos autos, com imediata remessa aorepresentante judicial da Fazenda Públi-ca, pelo cartório ou secretaria.

Ora, é sabido que cartório é deno-minação usual da serventia judiciária deJustiça Comum Estadual, ao passo quesecretaria é a denominação da mesmaserventia, da Justiça Federal.

Moniz de Aragão espanca qualquerdúvida: Escrivão e secretário, escrivaniae secretaria consituem denominações dis-tintas para uma só e mesma coisa. Essacorresponde aos juízos singulares, estaaos juízos colegiados.

A Justiça Federal, todavia, alterouessa tradicional distinção, adotando se-cretaria, em vez de escrivania, emborapara juízos unipessoais (Comentários aoCPC, Forense, vol. II, 6ª ed., p. 76)(grifei).

Então, se o legislador distingue adenominação de cartório e de secreta-ria, quando se refere, ora à Justiça

Comum Estadual, ora à Justiça Federal,e não faz distinção entre comarca eseção judiciária, é porque consideracomarca e seção judiciária como amesma coisa; a área de jurisdição terri-torial de um Juiz, seja ele estadual, sejafederal.

Recomenda a doutrina que o intér-prete não distinga onde o legislador nãodistinguiu.

Esse raciocínio conduz a que somen-te as causas que envolvam benefíciosprevidenciários, que têm expressa ressal-va no texto constitucional, ainda sejamadmitidas a tramitar e receber julgamen-to na Justiça Estadual. No tocante àsdemais, falta jurisdição delegada ao JuizEstadual, pois restrita essa delegação àsações de cunho previdenciário.

Caso assim, não seja entendido,impõe-se reconhecer a ausência de ju-risdição delegada ao Juiz Estadual porfalta de lei que complete o comando doart. 109 da Constituição Federal.

É o que se demonstra a seguir.A Matéria ConstitucionalComo dito, tem-se debatido no E.

STJ, a competência delegada dos JuízesEstaduais para o processo e julgamentodas causas que, originariamente, são dacompetência da Justiça Federal.

Não se está a tratar de competên-cia territorial! Trata-se, sim, da com-petência jurisdicional em razão damatéria, que, se ausente, éimprorrogável e deve ser pronuncia-da, de ofício, pelo Juiz.

O tema merece enfrentamento à vis-ta da letra da Constituição Federal.

O art. 109 da Lei Magna estabeleceque:

– Aos Juízes Federais compete pro-cessar e julgar:

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– As causas em que a União, enti-dade autárquica ou empresa pública fe-deral forem interessadas na condição deautoras, rés, assistentes ou oponentes,exceto as de falência, as de acidentesde trabalho e as sujeitas à Justiça Elei-toral e à Justiça do Trabalho.

Vale dizer, as ações que não envol-vam matéria atinente à falência, acidentedo trabalho, Justiça Eleitoral e Justiça doTrabalho e nas quais figure a União,suas empresas públicas ou entidadesautárquicas como autoras, rés assisten-tes ou oponentes, serão necessariamen-te processadas e julgadas na Justiça Fe-deral.

Todavia, o § 3º desse dispositivocontém uma exceção à competênciaabsoluta e exclusiva dos Juízes Fede-rais.

Dispõe que: “Serão processadas ejulgadas na Justiça Estadual, no foro dedomicílio dos segurados ou beneficiários,as causas em que forem parte institui-ção de previdência social e segurado,sempre que a comarca não seja sedede vara do juízo federal, e, se verifica-da essa condição, a lei poderá permitirque outras causas sejam também pro-cessadas e julgadas pela justiça estadu-al”.

Inegavelmente tem-se que o Cons-tituinte, visando facilitar aos segura-dos da previdência o exercício de suasreclamações sobre os desmandos (re-petidamente reconhecidos nos PretóriosPátrios, diga-se) do órgão previden-ciário, facultou-lhe demandar no foroque escolher, seja federal, seja esta-dual.

Tem-se, então, apenas uma exceção:causas que envolvam o órgão previden-ciário (federal) e segurado ou seus bene-

ficiários. Por óbvio, causas que versemsobre benefícios previdenciários.

Nem se insere nessa exceção todasas causas que envolvam o organismoprevidenciário federal, especialmenteaquelas em que demanda contra deve-dor seu por contribuições derivadas delei – não constitucional.

Daí, o argumento alhures invocadode que todas as causas que hoje trami-tam na Justiça Estadual e que envol-vam a previdência social (INSS) sejamremetidas à Justiça Federal não é ver-dadeiro.

Já proclamado pelo Supremo Tribu-nal Federal que pode o segurado daprevidência demandar o órgão previ-denciário nas esferas da Justiça Estadualdo Interior, porque há expressa ressalvano texto constitucional.

Isso não conduz, porém, a que, sópelo fato de figurar o órgão previden-ciário ou outro ente federal em um dospólos da relação processual, faculte-seo desenvolvimento da causa na JustiçaEstadual.

Equivocadamente, data venia, temsido examinada a parte final do § 3º doart. 109 da CF/88, quando diz que: “severificada essa condição (a comarca nãoser sede de Vara Federal), a lei poderápermitir que outras causas sejam tam-bém processadas e julgadas pela JustiçaEstadual”.

O primeiro equívoco deriva de con-siderar poderá com o mesmo sentido depodem.

Não é a mesma coisa.Poderá exige que lei venha, a partir

da edição da norma constitucional, adisciplinar essa possibilidade; ou seja,necessariamente lei posterior à Consti-tuição que discipline a matéria.

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Não se presta a esse fim a Lei nº5.010/66 que data de mais de duasdécadas de antes da Constituição pro-mulgada em outubro/88.

É sabido que na interpretação daConstituição Federal, por vezes, o verboconjugado no tempo futuro (poderá) nãoé de ser tido como impeditivo de apli-cação de lei ordinária pré-existente, queseja recepcionada pela norma Constitu-cional.

Porém, aqui, a questão não é se-mântica ou gramatical.

A Constituição deve ser compreendi-da como em conjunto, não em razão deseus dispositivos isolados.

Essa mesma norma Constitucionaltraz o art. 167, que dispõe:

“São vedados:“II – a realização de despesa ou

assunção de obrigações diretas que ex-cedam os créditos orçamentários ouadicionais”.

Por isso, a regra do art. 109, § 3º,reclama que, para tramitarem na JustiçaEstadual causas que originariamentesejam da Justiça Federal, haja expressaprevisão da fonte de receita, que, nocaso, não há.

Corolário lógico é o da não recep-ção da Lei nº 5.010/66, no tocante àdelegação de competência à JustiçaEstadual porque não há a devidaelucidação do custeio das despesas quetais demandas ensejam, tema esse nãoenfrentado nas decisões que propõem arecepção da Lei nº 5.010/66 pela atualConstituição Federal.

Por isso, examinando-se a questãodo custeio das despesas, tem-se que aLei n.º 5.010/66 não foi recepcionadapela Constituição de 1988 quando per-mite que outras causas (que envolvem

organismos federais e não tratem debenefício previdenciário) sejam proces-sadas e julgadas na Justiça Comum Es-tadual.

Tanto é assim, que já manifestadoperante o E. STJ que tramita no Con-gresso Federal que, criando varas fede-rais, dispõe que as ações hoje em tra-mitação na Justiça Estadual permane-çam nessa instância.

É curial que esse dispositivo, casoaprovado, só terá aplicação às ações quetratem de benefício previdenciário devi-do por organismo federal. Sobre esteshá expressa reserva constitucional.

Se tratar de outras demandas, a leiporventura promulgada padecerá devício de origem ab initio, caso nãoconsagre o repasse do devido custeioorçamentário do Poder Judiciário Fede-ral ao Poder Judiciário dos Estados!

Às vésperas da promulgação daConstituição/88, o Prof. Josaphat Mari-nho já esclarecia que:

“Se o Poder Judiciário conquistouautonomia administrativa e financeira,nem por isso terá a autoridadeincondicionada no uso dos recursosdisponíveis [....], haverá que atentar nosordenamentos específicos que foremestabelecidos. (in Estudos Constitucio-nais, 1989, Universidade Federal daBahia, p. 29).

Essa lição é especialmente prestimosana medida em que, sem atentar sobre oorçamento do Poder Judiciário Estadual,não se considera recepcionada lei quelhe gere encargos sem prover sobre orespectivo custeio. A autonomia admi-nistrativa e financeira do Poder Judiciá-rio Federal não põe sob jugo a auto-nomia administrativa e financeira doPoder Judiciário Estadual de forma a

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transferir-lhe encargos sem fonte decusteio. E nem a receita tributária fede-ral impõe esse ônus à receita tributáriaestadual.

O mesmo Josaphat Marinho, compropriedade escreveu que: “nos Estadosfederativos o fenômeno envolve a natu-reza do regime. A federação implica umadistribuição de funções legislativas, exe-cutivas e judiciárias entre entidadesconstitucionalmente com poderes e re-cursos específicos” (ob. cit., p. 193).

Logo, a Lei nº 5.010/66 não foi re-cepcionada pela CF/88 no tocante àdelegação de jurisdição federal aos Juízesestaduais porque não dispõe sobre ocusteio dessas despesas. Daí, imperativoque outra lei (que não a Lei nº 5.010/66) venha a disciplinar a matéria, nostermos da Constituição e, se mantiver adelegação de competência de matériafederal aos Juízes Estaduais, disponhasobre o respectivo custeio.

Até o advento dessa normatização,data venia, não têm os Juízes estaduaiscompetência para o processamento ejulgamento de causas como a ora emexame, pena de usurpação da compe-tência regulada consitucionalmente.

Não será pelo argumento ad terroremde que o envio das causas de naturezafederal (não previdenciária) que trami-tam na justiça estadual à justiça federalque se deixará de cumprir a Constitui-ção. Ao Juiz é devido velar pelo prima-do da Constituição. Nada mais perigosoao regime democrático do que flexibilizara imperativa vigência da Constituição aosabor dos interesses de momento.

Da Lei ComplementarNão fossem só os elementos

supracitados, dando conta da não re-cepção da Lei nº 5.010/66 pela Consti-

tuição/88, há recente pronunciamentolegislativo, consistente na Lei Comple-mentar nº 101/2000 vedando a possibili-dade de assunção, pela Justiça Estadual,de atividades e funções próprias daJustiça Federal. Vale dizer: além de nãopromulgada lei que permita ter-se comodelegada a jurisdição federal aos Juízesestaduais, há edição de lei complemen-tar proibitiva desse procedimento. Logo,ainda que entendida como recepciona-da, restou a Lei nº 5.010/66 derrogadapela Lei complementar 101/00.

Estabelece a alínea a do inc. I do §1º do referido diploma legal comple-mentar à Constituição, sua abrangênciaao Poder Judiciário, quer federal, querestadual.

O exercício da jurisdição federalpelos juízes estaduais, fere a letra “e” doinciso I do art. 4º do referido diploma.

A tramitação das causas originaria-mente federais, não excepcionadas pelaConstituição, perante a Justiça Estadual,sem a devida compensação orçamentá-ria, implica em renúncia de receita (ousonegação de custeio!), o que fere oinc. V do § 2º do art. 4º da referida lei.

Não se tem notícia de o Poder Exe-cutivo Federal ter disponibilizado recur-sos ao Poder Judiciário Estadual para oatendimento dessas demandas que sãooriginariamente da Justiça Federal, naforma do § 3º do art. 12 da referida lei.

A tramitação de tais demandas naJustiça Estadual implica em renúncia,pelo respectivo Poder, sem que seurepresentante (Presidente do Tribunal deJustiça Estadual) tenha sido sequer ou-vido (art. 14 da Lei Complementar nº101, de 04-05-00).

Há inegável descumprimento dosarts. 16 e 17 da Lei Complementar nº

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101/00, o que se reputa lesivo ao patri-mônio público (estadual), na forma doart. 15, da mesma Lei Complementar.

A consideração simplista da recepçãoda Lei nº 5.010/66 (ordinária) pela Cons-tituição implica em fazer tábula rasa doart. 20 da Lei Complementar nº 101 de04-05-00, especialmente porque ao Judici-ário Estadual é imposto o ônus dearregimentar pessoal (Juízes, Escrivães,Oficiais de Justiça, etc.), quiçá extra-polando os limites legais (comohodiernamente ocorre País afora) sem queo mesmo resultado seja verificado nasfinanças do Judiciário Federal (§ 3º do art.20 da Lei Complementar nº 101/00).

De atentar que o art. 21 da LeiComplementar nº 101/00 reputa nulo depleno direito o ato de despesa quedesrespeite as regras retrocitadas e, porisso, será nula a decisão judicial que,sem declarar a inconstitucionalidade domesmo édito, deixe de observá-lo.

Embora não necessário, retoma-se omagistério do eminente constituinteMarinho, quando refere: “De acordo como juízo de inegável objetividade podeasseverar-se que a federação, como for-ma de Estado, institui e disciplina acoexistência de entidades operantes emáreas definidas de poder, segundo umapartilha constitucional de competênciainsuscetível de modificação arbitrária.A divisão vertical de poderes, constitucio-nalmente estabelecida, entre a União eos Estados-Membros é que configura, emprincípio, a autonomia das unidadescongregadas, própria da federação” (inob. cit., p. 192).

“[....].“Essa soma de poderes, inalterável

sem participação dos Estados-membros,define a autonomia, o poder auto-gover-

no, como elemento inseparável do regi-me. Este traço, mais que outro qualquer,distintivo da organização federativa,porque assegura, de modo superior epermanente, a convivência de esferasdemarcadas de competência constitucio-nal” (in ob. cit., p. 192).

Diante disso, sem prejuízo do examede outras disposições, inclusive da mes-ma Lei Complementar, cuja competêncianão incumbe ao juízo de primeiro grau,senão ao MM. Presidente do Poder Judi-ciário do Estado do Rio Grande do Sul,a quem cabe discutir a questão orçamen-tária omitida na Lei nº 5.010/66, mas deimperativa observância em razão da LeiComplementar nº 101/2000, inarredávelé a declaração da clara incompetênciado Juízo Estadual para examinar causaque tem a competência originária e ex-clusiva da Justiça Federal, hipótese nãoocorrente de delegação de competênciapor não excepcionada na Constituição(repita-se, de novo) e não existente emlei de constitucionalidade plausível, já quenão recepcionada a Lei nº 5.010/66.

Diante disso, não há a menor dúvi-da da impossibilidade de o presenteprocesso receber decisão de mérito nestaesfera judiciária, pena de nulidade ab-soluta do ato decisório.

Celso Barbi, com propriedade, prele-ciona: Dada a impossibilidade de modi-ficar a competência, quando ela forabsoluta, o art. 113 (do CPC) seguindoprincípios aplicáveis ao caso, dispõe queela deve ser declarada de ofício peloJuiz. a expressão legal é imperativa: eladeve ser declarada; não pode, pois, oJuiz deixar de reconhecê-la, sempre quese convencer de sua incompetência, mes-mo que a parte não o alegue ou a issose oponham todos os litigantes.

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A declaração pelo Juiz, de ofício, deveser feita, se possível, ao despachar apetição inicial, ou quando, por qualquerforma, o processo vá ao seu conhecimen-to. Pode acontecer que o Juiz não seapercebam inicialmente, da sua incom-petência absoluta e entre a despachar oprocesso. Mas, se a qualquer momento,mais tarde, verificar que é incompeten-te, deverá declará-lo, de ofício. (Comen-tários ao CPC, Forense, vol. I, 4ª ed., p.486)

A Criação de Varas FederaisMais recentemente foi promulgada a

Lei nº 10.772, de 21-11-03 que dispõesobre a criação de 183 Varas Federaisdestinadas precipuamente à interio-rização da Justiça Federal de PrimeiroGrau onde se propunha a criação deum inc. I do art. 15 da Lei nº 5.010/66,além do estabelecimento de regra legalimpeditiva de remessa de processos quetramitasse na justiça estadual para aJustiça Federal.

Os dois dispositivos foram vetados.Nas razões de veto, exemplarmente

manifesta o Exmo. Sr. Presidente daRepública, verbis:

“Art. 9º – Não serão remetidas àJustiça Federal as execuções fiscais jáajuizadas na Justiça Estadual, na data deentrada em vigor desta Lei”.

Razões do veto“O § 3º do art. 109 da Constituição

estabelece que o processo e julgamentode causas peranate a Justiça Estadual éregra excepcional que sempre fica vin-culada a que a Comaca não seja sedede Vara de Juízo Federal, in verbis: Serãoprocessadas e julgadas na Justiça Esta-dual, no foro de domicílio dos segura-dos ou beneficiários, as causas em queforem parte instituição de previdência

social e segurado, sempre que a comar-ca não seja sede de vara do juízo fede-ral, e, se verificada essa condição, a leipoderá permitir que outras causas sejamtambém processadas e julgadas pelajustiça estadual”.

Assim, não se mostra admissível ojulgamento de processos por JuízesEstaduais em que a União seja parte,quando existir também, na sede dasComarcas Estaduais, Varas Federais de-vidamente instaladas.

Outrossim, a vedação contida nodispositivo não mantém equilíbrio entreo Estado e o particular. As ações contraa Fazenda serão redistribuídas, enquan-to as movidas pelo Fisco para receberseus créditos continuarão nos cartóriose Varas Estaduais. O veto do artigopossibilitará a remessa às novas varasFederais de modo isonômico de todasas ações, tanto movidas pelo Fiscoquanto as movidas contra o Fisco, tra-tando-se, ambas, com equidade, sempreterição do interesse público ou doparticular.

Por fim, o dispositivo em questãofere o princípio do processo civil, se-gundo o qual os atos processuais re-gem-se pela lei da época de sua prática,ou seja, a lei processual civil a seraplicada será sempre aquela do tempoda prática do ato. Trata-se, portanto, daregra tempus regit actum.

A Casa Civil opinou pelo veto ao inc.I do art. 15 da Lei nº 5.010, de 30-05-66,alterado pelo art. 8º do projeto de lei:

“Art. 15 – [....].“I – as execuções fiscais da União e

suas autarquias, ajuizadas contra deve-dores domiciliados nos territórios nãoabrangidos pela competência territorialde Varas Federais sediadas no interior”.

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Razões do vetoO veto ao art. 9º é necessário e ine-

vitável devido à inconstitucionalidade dese manter na Justiça Comum esecuçãofiscal após a instalação de Vara Federalna Comarca. No entanto, observa-se queo veto àquele dispositivo faz com que aalteração da competência constante nanova redação que se propõe ao inc. I doart. 15 da Lei nº 5.010, de 30-05-66, gerea redistribuição automática das execu-ções fiscais, antes mesmo da instalaçãode qualquer Vara Federal.

Ademais, o dispositivo apresentaredação atécnica e faz injustificada dis-tinção entre competência territorial deVara Sediada no interior e competênciaterritorial de Vara sediada na Capital.

Assim sendo, apesar de parecer maisadequando a transferência, a longo pra-zo, das execuções fiscais para as VarasFederais, propõe-se, neste momento, vetoao dispositivo por contrariedade ao in-teresse público” (sublinhado pelo signa-tário)

Consequentemente, a interpretaçãoautêntica da lei conduz à inexistênciade competência delegada aos JuízesEstaduais relativamente às execuçõesfiscais movidas pela União e suas autar-quias, eis que o Congresso Nacional nãoderrubou os vetos do Sr. Presidente daRepública

Ademais, nenhum embaraço se criapela tramitação da execução no JuízoFederal, sediado em Caxias do Sul, mascom competência territorial sobre Nova

Petrópolis e Picada Café, diante do dis-posto no parágrafo único que foi acres-centado ao art. 15 da Lei nº 5.060/66pelo art. 8º da Lei nº 10.772/03, quedispõe:

Parágrafo Único – Sem prejuízo dodisposto no art. 42 desta Lei e no art.1.213 do CPC, poderão os Juízes e au-xiliares da Justiça Federal praticar atose diligências processuais no território dequalquer dos Municípios abrangidos pelaseção, subseção ou circunscrição darespectiva Vara Federal.

Disposições FinaisEm vista do exposto, não tem este

Juízo competência para processar e jul-gar a presente demanda, quer por tercessado a competência federal delegadaem razão da instalação de Vara Federalcom competência territorial na Cidadede Caxias do Sul, quer pela não recep-ção da Lei nº 5.010/66 pela ConstituiçãoFederal promulgada em 05-10-88, querpela derrogação da Lei nº 5.010/66,quanto à delegação de competência, pelaLei Complementar nº 101/00, que pelosvetos apostos à Lei nº 10.772/03, cujasrazões confirmam o entendimento oraesposado.

Em vista disso, declaro a incompe-tência do Juízo Estadual para o proces-samento da presente execução fiscal erespectivos embargos a ela opostos edetermino a remessa dos autos ao JuízoFederal de Caxias do Sul.

Intimem-se.Édison Luis Corso – Juiz de Direito.

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Juiz prolator: André Luís de Aguiar TesheinerData: 08 de março de 2004

Reintegração de posse. Liminar defe-rida. Acesso cemitério antigo localizadoem terras particulares. Bloqueio da es-trada pelo novo proprietário. Direitopossessório reconhecido aos moradoresda comunidade local. Interesse públicona sua preservação.

Vistos.Trata-se de ação de reintegração de

posse movida por J. O. S. e outros,contra R. S. T.. Alegam os autores queneste Município existe um cemitério deidade secular, o qual teve a sua estradade acesso bloqueada no final de 2003,pela requerida. Postula, liminarmente,seja assegurado o acesso ao local, bemcomo a autorização para a continuidadede sepultamentos naquele cemitério.

Segundo o autor, de acordo com ahistoriadora Ligia Mosmann, entre osanos de 1930 e 1940, aportou nestaregião o Sr. J. M., sua esposa M. N. C.,e seus oito filhos, tendo adquirido aárea que hoje compõe o Município deParobé. Há notícia de que em 1966, J.M. faleceu, sendo sepultado no localonde viria a ser constituído o CemitérioF. M., ora objeto de litígio.

O certo é que os documentos junta-dos corroboram a afirmação de que, delonga data, aquele espaço de terra éutilizado regularmente para o sepulta-mento de pessoas desta comunidade, oque, aliás, constitui-se de fato público e

notório, inclusive já publicado em jor-nais da região e Estado.

Os documentos das fls. 28/128 com-provam o longo período em que mortossão enterrados no Cemitério F. M..Apenas a título explicativo, cito as cer-tidões de óbito que datam os anos de1923, 1933, 1945, 1950, 1965, 1981, 1982,1986, 1981, 1991, 1998, 1999, 2002, e,mais recentemente, 16-09-03 e 11-12-03.

Concluo, destarte, que a posse eraexercida pelos autores, os quaisfreqüentemente dirigiam-se até o local,seja para a realização de enterros, sejapara visitar as sepulturas de seus entesqueridos. Para alguém ser consideradopossuidor, é necessário tão-somente queexerça, pratique, ou usufrua, de fato, dealguns dos poderes inerentes ao domí-nio ou propriedade. Posse significa,segundo ao nosso Direito Positivo1 , oexercício de fato, pleno ou não, de algumdos poderes inerentes ao direito depropriedade, salvo a disposição. Segun-do Orlando Gomes, “a doutrina objetivaadmite tranqüilamente a posse por ou-trem, já que não exige a intenção dedono para que alguém seja possuidor.Permite assim, o desdobramento da re-lação possessória como um processonormal, que resulta da diversidade deforma da utilização econômica das coi-sas [....]”.

Segundo os autores, em outubro de2003 a requerida adquiriu uma fazenda

1 – Art. 1.196 do Código Civil: Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício,pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.

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DECISÕES 225

e áreas de terra adjacentes ao cemitériode F. M., passando a impedir o acesso aolocal (tal fato, além de conhecido pelacomunidade está provado pelos recortesde jornais juntados ao bojo dos autos).

Com razão os requerentes. Não podeagora a demanda pretender impedir oacesso. Certamente, quando da aquisi-ção do terreno, a demandada sabia oudevia saber da existência do cemitério,por ser aparente, constituindo-se de fatopúblico notório, como já assinalado. Senão sabia, é questão a ser discutida como anterior proprietário.

Tenho como indiscutível o direitodos autores, e da própria comunidadelocal, de continuar a freqüentar o cemi-tério. Note-se que não houve uma inva-são da propriedade da demandada, enem foi ontem ou anteontem que al-guém enterrou clandestinamente umcorpo naquele local. Como já assinala-do, trata-se de um fato que há mais de100 (cem) anos é realizado, aceito etolerado pela sociedade e pelos anterio-res proprietários do terreno, ainda quenão se trate, ao que tudo indica, de umcemitério devidamente regularizado, lem-brando-se, por outro lado, que o Muni-cípio sempre soube da existência da-quele.

Não há dúvidas de que o cemitériodeve ser preservado, possibilitando-se oacesso da comunidade, tratando-se dequestão prevista em lei, e não apenasem doutrinas e livros religiosos. Lem-bre-se que o Código Penal, em seuCapítulo II (Dos Crimes contra o Respei-to aos Mortos) protege enterros e ceri-mônias funerárias (art. 209), e definecomo crime o ato de violar ou profanarsepultura ou uma funerária (art. 210).Não há, pois, como ser negado o direito

de visitar o cemitério por parte daquelesque têm algum ente querido enterrado,especialmente quando tal conduta vemsendo realizada há dezenas de anos.

Além disso, considerando que noscemitérios há, ainda que de forma indi-vidual, a realização de culto ou liturgiaem memória dos mortos, entendo quenegar o acesso das pessoas ao cemitérioconstitui afronta à Constituição. A CartaMagna, ao elencar, exemplificativamente,os direitos e garantias individuais ecoletivas, estabelece ser “inviolável aliberdade de consciência e de crença,sendo assegurado o livre exercício doscultos religiosos e garantida, na formada lei, a proteção aos locais de culto eas liturgias” (inc. VI).

É verdade que a Constituição Fede-ral também prevê como garantia indivi-dual o direito de propriedade. No en-tanto, vislumbro interesse público noacesso ao cemitério, o qual, portanto,deve prevalecer sobre o interesse priva-do. Ademais, eventual prejuízo que tivera demandada em razão desta situação(há anos consolidada, repito) deverá, sefor o caso, ser tratado em ação própria,envolvendo ela e o anterior alienante,ou mesmo o Município.

A liminar, portanto, deve ser conce-dida, eis que presentes os requisitosexigidos pela lei processual para a suaconcessão (art. 927 do CPC): a) a possepor parte dos autores e da própriacomunidade local está provada pelafotografia de fl. 130, bem como pelasdiversas certidões de óbito juntadas, deonde se conclui que, periodicamente, ocemitério é utilizado – não por uma,mas por várias famílias; b) o impedi-mento ao acesso, além de ser fato notó-rio, está demonstrado pelas fotografias

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das fls. 132, 134 e 136 (constantes dereportagens e jornais), onde se verifica aporteira instalada; c) trata-se de possenova, lembrando-se que há certidões deóbito que datam de 16-09-03 e 11-12-03.Preenchidos, portanto, as exigências doart. 927 da lei adjetiva.

Ante o exposto, defiro a liminar,determinando que a requerida permitao livre acesso da comunidade ao local.Em caso de descumprimento, pagará ademanda multa no valor de R$ 5.000,00(cinco mil reais), além de multa diáriano valor de R$ 300,00 (trezentos reais)por dia de descumprimento.

Por outro lado, ao menos até decisãofinal, deixo de autorizar a continuidadede sepultamentos no cemitério de F. M.,

a fim de não enlear mais a situação, jádelicada.

Juntem os autores, em 5 dias, oregistro da propriedade discutida.

Concedo AJG aos requerentes.Cite-se, devendo a parte ré receber

cópia da inicial, juntamente com aemenda apresentada, que ora recebo.

Intimem-se, inclusive o MinistérioPúblico.

Remeta-se cópia desta decisão aoMinistério Público, tendo em vista anotícia de que lá tramita procedimentoenvolvendo a questão discutida.

Diligências legais.Parobé, 8 de março de 2004.André Luís de Aguiar Tesheiner –

Juiz de Direito.

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DECISÕES CRIMINAIS

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Problemas Criminais num Caso ConcretoJuiz prolator: Orlando Faccini NetoData: 25 de agosto de 2003

Inquérito policial. Princípio do pro-motor natural. Vedação a designaçãocasuística de Promotor de Justiça.Detector de mentira. Ilegalidade dessemeio de prova. Interceptação telefônica.Inviabilidade tendo em vista o tempotranscorrido da data do crime ao mo-mento presente. Investigação pessoal pelorepresentante do Ministério Público.Inadmissibilidade no caso concreto.

Não é usual a utilização deste espa-ço para a publicação de decisões, mor-mente aquelas emanadas do primeirograu de jurisdição. A prática, entretanto,de se trazer a público, em repositóriode doutrina, casos concretos, se fazcorriqueira no estrangeiro e permite,nalgumas hipóteses, desdobramentos deinequívoco interesse no mundo da ciên-cia. Talvez seja isso o que ocorre coma decisão que se traz à luz neste texto.Com efeito, nela, além de se abordar aproblemática do art. 28 do CPP, dispo-sitivo que alguns acoimam, inclusive, derepulsivo à Carta, cuida-se de discutirprincípios da relevância do PromotorNatural e da ilicitude das provas, sem seolvidar breve incursão sobre o tão atualtema da condução de investigação peloMinistério Público. Enfim, o caso emapreço propiciou-me sérias reflexões que,espero, venham agora a receber a de-vida crítica e, quiçá, uma certa dose deapreço.

Ei-la:“Vistos.

Cuida-se de apreciar requerimentode diligências formulado pelo I. Promo-tor de Justiça Dr. A. L. D. M. F., desig-nado (fls. 281 e 319) para atuar nopresente Inquérito Policial.

Em percuciente peça processual,lavrada em vinte e quatro laudas, pos-tula o ilustrado agente do MinistérioPúblico a) seja uma suspeita submetidaa aparelho vulgarmente conhecido como“detector de mentiras”, b) baixada àorigem a oitiva de testemunhas e supos-tos envolvidos com o caso, c) intercep-tação telefônica e, por fim, d) decreta-ção de sigilo judicial. Asseverou, ainda,que providenciará na realização de in-vestigação própria, elucidando a autoriado delito.

É o relatório.Retornam-me estes autos à análise,

ao depois de manifestação do I. Pro-curador-Geral de Justiça, para quem osenviei, na forma do art. 28 do CPP.

Transcrevo, para documentar, a de-cisão que determinou a remessa dofeito, in verbis: “O presente caso não édaqueles corriqueiros. Trata-se, deve-ras, de inquérito policial inauguradoem 1993, ou seja, há dez anos, no qualse almeja a descoberta do autor dehomicídio que, tudo indica, revelou-sequalificado.

Talvez por isso, o que se presume,dado não ter sido expresso nos autos,designou-se, de modo excepcional, Pro-motor de Justiça que não mais exercesuas atribuições nesta comarca.

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Saliente-se que a leitura de tão bemlançada peça, como o foi a manifesta-ção do conspícuo Dr. A. L. D. M. F., fezeste magistrado rememorar sua recenteatuação nesta comarca, caracterizada poraguçada inteligência – e este caso bemo demonstra –, o que consigno, adrede,para deixar documentado.

Do ponto de vista estritamente jurí-dico, entretanto, poder-se-ia – e issonão se fará em vista da conclusão a quese chegará – questionar a anômala de-signação. É que nesta comarca de J.atualmente exerce a representação doMinistério Público Promotora de Justiçaa quem, legalmente, incumbiria atuarno presente Inquérito. A designação,pois, de outro profissional, sem justifi-cativa de parte do chefe do MinistérioPúblico poderia – e não mais seaprofundará na tese, com a qual, ou-trossim, não me comprometo – ferir demorte princípio reconhecido pelo Su-premo Tribunal Federal, qual seja, o doPromotor Natural.

Noutra perspectiva, a espécie ver-tente estaria a suscitar discussões ou-tras, da maior relevância, dentre as quaisas concernentes aos meios de provapropugnados pelo representante doMinistério Público.

Poder-se-ia, com efeito, ingressar notema relativo à legitimidade de proce-der o titular da ação penal na formaestampada no item 86 da fl. 279, istoé, sobre se há, não do ponto de vistapragmático, no qual a assunção de in-vestigações pelo Ministério Público re-vela-se auspiciosa, mas, sim, do pontode vista constitucional, de divisão deatribuições entre órgãos do Poder Exe-cutivo, a possibilidade de se admitirpossa o Promotor de Justiça inquirir

pessoas e coletar provas a embasar açãopenal.

Como cediço, recente decisão lavra-da pelo Ministro Nelson Jobim, do Su-premo Tribunal Federal, versou o tema,acoimando de ilegal prova assim produ-zida – leia-se a assertiva do item 39 dafl. 265, por exemplo.

Igualmente, poder-se-ia trazer à dis-cussão a viabilidade de se utilizar, naespécie, do denominado “detector dementiras”. No ponto, importaria aduzirse tal aparato não se revela ofensor doprincípio da dignidade da pessoa huma-na, mormente quando utilizado contrasuspeito de infração penal, ao qual seimporia, em última análise, a produçãode prova contra si mesmo, ao arrepiodo consagrado nemo tenetur se detegere.

Fosse o caso de se aprofundar aanálise, seria imperioso salientar que,máxime em caso cuja competência cons-titucional é do Tribunal do Júri, tal meiode prova tornar-se-ia, caso manejado comhabilidade, decisivo aos Juízes leigos.

E, sobretudo, seria o caso de vislum-brar quase que uma armadilha a even-tuais suspeitos, quando, no tópico 56,da fl. 273, menciona o representante doMinistério Público que a recusa em sesubmeter a tal aparelho encetaria apresunção de autoria – com a eloqüên-cia comum ao subscritor da peça, po-der-se-ia, quiçá, manejar essa recusa emeventual plenário do júri, logrando umacondenação porque alguém não quis sesubmeter a tal meio de prova...

Seria, ademais, de se perquirir se háconteúdo ético, princípio inarredável doprocesso penal, na forma como se pre-tende dar seguimento às investigações.É que, consoante se lê à fl. 280, semexplicar o porquê, de certa maneira

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levanta-se pecha de suspeição às auto-ridades policiais da comarca, para asquais, como se diz, “de modo algum” sepode dar ciência do que é requerido.Calharia, porquanto importante, vir paraos autos a razão dessa preocupação,quando se sabe que, na forma do art.20 do CPP o inquérito policial há de sersigiloso. Ou seja, o temor do agenteministerial deveria vir explicitado nosautos.

Noutro enfoque, não obstante pugneenfaticamente por tal sigilo, afirma o re-presentante do Ministério Público sernecessária a interceptação telefônica. E ofaz, explicando no item 69 da fl. 276, queapós serem intimados para depoimento,os envolvidos irão comentar o caso, pro-vavelmente por telefone e, assim, restarãoapanhados. De todo estranhável, todavia,neste mesmo tópico, é a assertiva de queos comentários dos envolvidos entre sidar-se-iam, outrossim, por conta de “no-tícia jornalística que porventura venha aser reproduzida”.

Ora, se de um lado almeja-se a de-cretação de sigilo do caso, com vedação,inclusive, de sua baixa à Delegacia dePolícia, como, pergunta-se, supor quehaverá notícias jornalísticas a ensejar, porqualquer razão que seja, diálogos telefô-nicos entre os envolvidos, que, por es-tarem monitorados, serão encurraladosnesta teia. Expedientes como a veiculaçãode matérias em jornais que, essas mes-mas, passam a servir de base para açõespenais, têm aflorado hodier-namente.Infelizmente, a experiência demonstra,nalguns casos a fonte jornalística é jus-tamente aquele a quem interessa a inves-tigação. Tal proceder, embora lamenta-velmente tenha se tornado comum, nãose afaz ao bom direito.

O Estado, na persecução penal, édotado de instrumental que, não obs-tante írrito diante da denominada crimi-nalidade organizada, em casos como odos autos se afigura suficiente à apura-ção e investigação criminal. Não carece,pois, de enredar suspeitos, fustigando--os por meio de noticiosos para queinvoluntariamente deixem escapar suaculpa, quiçá ao telefone, facilitando ostrabalhos dos órgãos incumbidos delegitimamente formar o instrumentalacusatório. É o preço que se paga porvivermos numa democracia.

Disso tudo, todavia, não se trataránesta decisão.

Antes, ainda, de ingressar no argu-mento nuclear, cabe importante asserti-va, para que a omissão não signifiqueanuência.

O denominado “caso L” sucedeunesta já não tão pacata cidade de J. em01-04-93. De inequívoca repercussão àépoca, recentemente a efeméride com-pletou dez anos, sem deslinde, justifi-cando sua mitificação e, por conseqüên-cia, o sentimento social de descrençanos poderes constituídos.

Certo é que sua apuração se mostradificultosa, entretanto, sob qualquerperspectiva que se o analise, não se háde olvidar que a excessiva delonga dosórgãos persecutórios merecem aponta-mento.

À fl. 171 observa-se que o inquéritopolicial foi remetido ao Ministério Públi-co em 23-07-95, retornando a juízo,porém, apenas oito meses depois, semque para tal tenha havido qualquer jus-tificação.

Em 09-04-98 o inquérito policial foiremetido à Delegacia de Polícia. Lápermaneceu por dois anos, dois meses

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e dois dias, sem que nenhuma diligên-cia tenha sido realizada (fls. 245 – v., e246).

Em 09-08-00 (fl. 250 – v.),postulou oPromotor de Justiça aguardassem osautos em cartório, retornando estes aoMinistério Público em 19-12-01 (fl. 251– verso), de onde, tirante período deférias, saíram apenas em 21-02-03. Ouseja, permaneceu o Inquérito Policialmais de um ano junto ao MinistérioPúblico (fls. 253 – verso e 254 – verso),retornando a juízo, sem qualquer justi-ficativa pela demora, com a promoçãoque ora se está a analisar.

Como dito, não se está a valorar osucedido, papel que não é o do PoderJudiciário. Trata-se, sim, de deixar regis-trado, consignado, até para propiciarreflexão futura, situações fáticas existen-tes na hipótese em apreço. Além disso,consoante sobredito, coisas há que ébom assinalar, para que a omissão nãoseja interpretada como concordância.

Volvendo, agora, ao tópico relevan-te desta decisão, para a qual, por evi-dente, não se incursionará nos elemen-tos coligidos no Inquérito Policial, afas-tando, pois, qualquer prevenção deparcialidade sobre o caso, vislumbrar-se-á que a própria promoção do Minis-tério Público determina, de maneirapungente, a solução a ser alvitrada.

É de geral sabença que o princípioreitor da ação penal pública em nossosistema é o da obrigatoriedade.

Estudando-o, o Procurador de Justi-ça aposentado do Estado de São PauloJulio Fabbrini Mirabete, leciona: “O ór-gão do Ministério Público, na ação penalpública, está submetido ao princípio daobrigatoriedade (ou legalidade ou ne-cessidade) da ação penal. Não fica a

seu arbítrio ou discricionariedade moverou não a ação penal. Existindo elemen-tos que indiquem a ocorrência de umfato típico e antijurídico, é ele obrigadoa promover a ação penal” (in ProcessoPenal, Ed. Atlas, 6ª ed., p. 114).

No mesmo sentido, realçando comprecisão que para o início da ação penalnão há necessidade de prova cabal,assenta o Promotor de Justiça do Estadode São Paulo, Fernando Capez que: “NoBrasil, quanto à ação penal pública,vigora o princípio da legalidade ouobrigatoriedade, impondo ao órgão doMinistério Público, dada a natureza in-disponível do objeto da relação jurídicamaterial, a sua propositura, sempre quea hipótese preencher os requisitos míni-mos exigidos” (in Curso de ProcessoPenal, Ed. Saraiva, 3ª ed., p. 99).

Tecendo loas ao acolhimento doprincípio da obrigatoriedade pelo legis-lador pátrio, Fernando da Costa TourinhoFilho, Procurador de Justiça aposentadono Estado de São Paulo, indica a basesobre a qual se há de fundar a açãopenal, in verbis: “O princípio da legali-dade é o que melhor atende aos inte-resses do Estado. Dispondo o MinistérioPúblico dos elementos mínimos para apropositura da ação penal, devepromovê-la” (in Processo Penal, vol. 01,Ed. Saraiva, 18ª ed., p. 315).

Esses denominados “elementos mí-nimos” vêm ao encontro da peculiarcondição da ação penal, que é a justacausa, bem apreendida por Afrânio Sil-va Jardim, Promotor de Justiça no Esta-do do Rio de Janeiro. Cita-se: “Umacoisa é constatar a existência da provae outra coisa é valorá-la. É preciso deixarclaro que a justa causa pressupõe ummínimo de lastro probatório no inqué-

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rito ou peças de informação. É necessá-rio que haja alguma prova, ainda queleve. Agora, se esta prova é boa ouruim, isto já é questão pertinente aoexame do mérito da pretensão do au-tor” (in Arquivamento e Desarquiva-mento do Inquérito Policial, Direito Pro-cessual Penal, Ed. Forense, 6ª ed., p.175).

Encerrando-se a já fastidiosa citaçãodoutrinária, traz-se à colação, uma vezmais, a lição de Afrânio Silva Jardim, jáagora em monografia específica sobre oprincípio da obrigatoriedade, na qual,em conclusão, indicando tratar-se apropositura de ação penal um dever,quando presentes elementos mínimos,arremata, in verbis: “Se existir algumaprova no inquérito ou peças de infor-mação, ainda que leve ou controvertida,deve o Ministério Público apresentar adenúncia, tendo em vista o princípio daobrigatoriedade, vez que a acusação quefizer já encontrará algum suporte fático”(in Ação Penal Pública – Princípio daObrigatoriedade, Ed. Forense, 3ª ed., p.138).

De geral sabença competir ao PoderJudiciário, de certa maneira, fiscalizar oatendimento deste princípio, na formado art. 28 do CPP.

Isso ocorrerá, por evidente, nãoapenas naqueles casos em que se deixade ofertar a denúncia, propugnando oarquivamento do inquérito policial oupeças de informação, mas também quan-do, olvidando-se o dever de denunciar,requer-se diligência que implicará naprocrastinação do atendimento daqueledever.

Tal percepção do caso teve, já à fl.245, o Dr. F. V. H.t, que, não obstanteventilasse, em abril de 1998, a possibi-

lidade de aplicar o art. 28 do CPP, nãoo fez, ao argumento de para tal nãoestar autorizado pela Carta. Poderia,apesar do respeitável entendimento, tê--lo feito, entretanto, pois, como aduzFernando da Costa Tourinho Filho, emextensa defesa da constitucionalidade doart. 28 do CPP: “Entre nós, jamais houveum julgado proclamando a inconstitucio-nalidade do art. 28” (op. cit., p. 386 ).

Destaca-se, uma vez mais, que aconstatação de que há elementos míni-mos para a propositura da ação penalnão decorre de análise cognitivaaprofundada deste magistrado, por in-termédio da qual se poderia aduzir ul-terior formação antecipada de convenci-mento.

Trata-se, isto sim, de retirar da pro-moção exarada pelo representante doMinistério Público a conclusão de queas diligências que almeja propendem alhe conferir certeza plena quanto àautoria, quando, todavia, demonstrou-se com abalizadas lições doutrinárias,que para denunciar não se necessita decerteza, mas de justa causa – suportemínimo (não cabal) de provas. Tal plei-to de diligências, destarte, configura vio-lação ao princípio da obrigatoriedade daação penal.

Nesta perspectiva, veja-se o asseve-rado pelo representante do MinistérioPúblico no item 11 (fl. 258), 36 (fl. 263),37 (fl. 264) e 38 (fl. 265).

Ressalte-se, no enfoque aqui aduzido,o equívoco sistêmico do ilustrado Pro-motor de Justiça, quando refere que asprovas que pretende “podem levar àcerteza de autoria” (tópico 40 – fl. 266),a qual se impõe no nível do mérito, masnão para inaugurar a instância penal, semque isso queira dizer, é elementar, que

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se admita acusações irresponsáveis, semnenhum supedâneo que as embase.

Sucede, porém, e esse é o argumen-to derradeiro, que, se o representantedo Ministério Público identifica no In-quérito Policial elementos hábeis à for-mulação de denúncia, não o fazendo,seja por postular arquivamento, sejarequerendo diligência, de um modo oude outro estará afrontando o dever lheimposto pelo princípio da obrigatorie-dade.

Este o teor do art. 16 do CPP: “OMinistério Público não poderá requerera devolução do inquérito à autoridadepolicial, senão para novas diligências,imprescindíveis ao oferecimento da de-núncia” (o grifo é meu).

Assim é que há de ser entendido oitem 44 (fl. 266) da promoção ministe-rial, em que se lê : “Apesar de já poderinstaurar a ação penal com base nessesindícios de autoria, o Ministério Públicoentende, a fim de se delinear a acusa-ção, que devem ser realizadas diligênci-as, em face do tempo transcorrido, ondese limitará ou não o rol de denuncia-dos” (grifei).

Consoante exaustivamente expos-to, se entende o representante do Mi-nistério Público haver indícios de au-toria, deve denunciar. O tempo trans-corrido, atribuível, na espécie, mor-mente aos órgãos de persecução, nãoé argumento para deixar-se ao olvidoo princípio da obrigatoriedade que,goste-se ou não, é o vigente no siste-ma processual pátrio.

Caso entenda o representante doMinistério Público que apenas parcelados envolvidos é hábil a enfrentar delogo a ação penal, ainda assim, contraesses deve promovê-la, sem prejuízo, aí

sim, de novas diligências em relaçãoaos demais.

A demora, a delonga, a morosidadecausada no presente caso, e em tantosoutros verificados na prática forense, paraalém de transtornar a comunidade, quepassa a descrer da Justiça e acreditar naimpunidade, favorecendo quem eventual-mente mereça ser punido, mais do queisso, e, sobretudo, desgasta, atemoriza eintranqüiliza o inocente, que, apesardessa sua condição, não se livra de umavez por todos da pecha de suspeito,não alcança, em suma, a paz de espí-rito.

Por esses fundamentos, enaltecendouma vez mais o brilho da peça emana-da do I. Promotor de Justiça Dr. A. L.D. M. F., mas, não obstante, discordan-do dela, respeitosamente, como se viu,é que determino, na forma do art. 28 doCPP, subam os autos, sem tardança, aoI. Procurador-Geral de Justiça.

Não foi o caso, percebeu-se, dedeferir ou não os pleitos probatórios,porque se supõe, na forma do artigoapontado, que, ou se oferecerá de logoa denúncia, ou se insistirá no requeri-mento de provas, de modo que, apenasneste caso, apreciá-lo-ei.

Diligências legais.Anotações de estilo. J., xx de maio

de 2003.Orlando Faccini Neto – Juiz de Di-

reito.A remessa dos autos ao eminente

Procurador-Geral de Justiça, resultou noparecer das fls. 306/314, acolhido porS. Exa., com a seguinte ementa: “Homi-cídio. ‘Caso L.’. Pedido de diligênciaspelo Ministério Público. Remessa dosautos ao Procurador-Geral de Justiçaao entendimento de haver elementos

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DECISÕES 235

de convicção suficientes à oferta dedenúncia. Inexistência de promoção dearquivamento. Inaplicabilidade do art.28 do CPP. Designação de Promotorpara acompanhar as investigações. In-dicação de ofensa ao princípio do pro-motor natural. Inocorrência. Preceden-tes do STF. Questionamento da consti-tucionalidade das diligências requeri-das e da moralidade de procedimentossupostamente a serem adotados peloparquet. Necessidade de decisão judi-cial”.

A conclusão exarada, com subsídioem forte argumento doutrinário, tem comofulcro trecho coletado à fl. 310, segundoo qual: “O art. 28 do Código de ProcessoPenal apenas autoriza a remessa dos autosdo inquérito policial ao Procurador-Geralde Justiça quando existente promoçãode arquivamento por parte do Promotorde Justiça da origem”.

Esse alvitre, embora não se me afi-gure o mais correto, dado que – e issonão é o caso dos autos – com o pleitode diligências írritas poderia o Ministé-rio Público levar à prescrição certo fatocriminoso por razões ideológicas, polí-ticas ou sociais – sendo justamente ocontrole dessas possibilidades pelo Po-der Judiciário o escopo do art. 28 doCPP, não obstante, é o revelado peloChefe do Ministério Público. Destarte,vinculado está este magistrado, à luz dodispositivo legal em referência, no pros-seguimento da análise dos requerimen-tos de fls. 279/280.

Vislumbro, na espécie, franca viola-ção ao princípio do Promotor Natural.

Tem-se, sobre o tema, verdadeiroparadigma, em decisão lavrada pelo I.Ministro Celso de Mello, nos autos doHábeas-Corpus de nº 67.759.

Ao iniciar o voto, o eminente Rela-tor, egresso do Ministério Público doEstado de São Paulo, aduziu, em asser-tiva que compartilho, a relevância queo Parquet vem de desempenhar no atu-al estágio constitucional do país. Inverbis: “É indisputável que o MinistérioPúblico ostenta, em face do ordenamentoconstitucional vigente, destacada posi-ção na estrutura do Poder”.

Prosseguindo no voto, revelou queo princípio em foco “consagra uma ga-rantia de ordem jurídica, destinada tantoa proteger o membro do MinistérioPúblico, na medida em que lhe assegu-ra o exercício pleno e independente doseu ofício, quanto a tutelar a própriacoletividade, a quem reconhece o direi-to de ver atuando, em quaisquer causas,apenas o Promotor cuja intervenção sejustifique a partir de critérios abstratos epré-determinados, estabelecidos em lei”.

Consoante refere o ilustrado Minis-tro: “O postulado do Promotor Naturallimita, por isso mesmo, o poder doProcurador-Geral que, embora expres-são visível da unidade institucional, nãodeve exercer a chefia do MinistérioPúblico de modo hegemônico eincontrastável”.

À toda evidência, que o princípioconstitucional há de ser obtemperado,porquanto não mais se há de admitir oabsolutismo de normas constitucionais.Pretendendo, todavia, ver na espécie talrelativização, o parecer, nos tópicos dasfls. 308/9 enumerou exceções plausíveisao postulado do Promotor Natural, osquais, entretanto, não se aplicam ao casoconcreto.

Com efeito, não se está diante degrupo especializado do Ministério Públi-co, que propenda ao combate de certo

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gênero de crimes – algo que, para alémde não vulnerar o princípio em análisetem-se revelado salutar – e nem dianteda atuação de Coordenador de Promo-toria Criminal.

Outrossim, não se cuida de designa-ção de Promotor para auxiliar aqueleem regular exercício na comarca e nemde atuação de Procurador de Justiça,previamente designado.

Ao contrário, o que se tem, a discre-par de todas as situações referidas noparecer – e com as quais, também eu,estou de acordo – é o desiderato demanter, sem qualquer justificação no atode designação, em atuação no presentecaso, Promotor de Justiça que não maisatua na comarca, a qual, já agora, contacom nova representante do MinistérioPúblico, que, por via indireta, e semmanifestar anuência, vê-se afastada decaso que, deveras, situa-se no rol desuas atribuições.

Já se decidiu: “Importante, funda-mental é prefixar o critério de designa-ção. O réu tem direito público, subjeti-vo, de conhecer o órgão do MinistérioPúblico, como ocorre com o Juízo na-tural” (STJ, 6ª Turma, RMS nº 5867, Rel.Min. Luiz Vicente Cernicchiaro).

Tanto é assim que, na dicção do hojeSecretário de Justiça do Estado de SãoPaulo, afastado, destarte, do MinistérioPúblico daquele Estado, Alexandre deMoraes, o art. 10 da Lei Orgânica Nacio-nal do Ministério Público afasta qualquerpossibilidade de designação casuística,prevendo: “Somente competir, excepcio-nalmente, ao Procurador-Geral, a desig-nação de membro do Ministério Públicopara acompanhar inquérito policial oudiligência investigatória, devendo, porém,recair a escolha sobre o membro do

Ministério Público com atribuição para,em tese, oficiar no feito, segundo as regrasordinárias de distribuição de serviços, paraassegurar a continuidade dos serviços emcaso de vacância, afastamento temporá-rio, ausência, impedimento ou suspeiçãode titular do cargo, ou com consentimen-to deste, para, por ato excepcional efundamentado, exercer as funções pro-cessuais afetas a outro membro da ins-tituição, submetendo sua decisão previ-amente ao Conselho Superior do Minis-tério Público” (in Direito Constitucional,6ª ed., Ed. Atlas, p. 459 – grifo no ori-ginal).

Não se colhe dos autos o preenchi-mento do tópico último da doutrinacoligida, que requer, para o afastamentodo titular do cargo, o consentimentodeste, para, por ato excepcional e fun-damentado, designar-se, para exercer asfunções processuais lhe afetas, outromembro da instituição, submetida essadecisão previamente ao Conselho Supe-rior do Ministério Público.

Poder-se-ia, pois, em homenagem atal princípio, não se conhecer dos re-querimentos formulados. Entretanto, afim de evitar maior procrastinação noandamento de inquérito policial tenden-te à apuração de crime ocorrido há maisde dez anos, passa-se, já agora de modobreve, e não obstante essas considera-ções, à análise do pleito probatório.

Antes, entretanto, com base no que foisobredito, indefiro de plano o requerimen-to consignado no item 3 da fl. 318, nosentido de se proceder à intimação pessoaldo Promotor de Justiça designado.

Indefiro a utilização de detector dementira na suspeita M. R. da S.

É que se trata de prova ilícita, veda-da pelo art. 5º, LVI, da CF.

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Esse o alvitre de Fernando Capez,Promotor de Justiça no Estado de SãoPaulo, in verbis: “Provas ilícitas sãoaquelas produzidas com violação aregras de direito material, ou seja,mediante a prática de algum ilícitopenal, civil ou administrativo. Podemoscitar exemplos : a diligência de buscae apreensão sem prévia autorizaçãojudicial ou realizada a noite, a confis-são obtida mediante tortura [....], oemprego de detector de mentiras” (inCurso de Processo Penal, Ed. Saraiva, 3ªed., p. 30 – grifo meu).

O conspícuo Desembargador doTribunal de Justiça do Rio Grande doSul, Tupinambá Pinto de Azevedo, nosautos do Hábeas-Córpus nº 70003468014,assim se manifestou sobre o aparelhode detecção de mentiras: “É esdrúxula asubmissão do suspeito e de terceiro a‘detector de mentiras’, aparelho de usonão regulado no direito brasileiro e dediscutível eficiência, não servindo comoprova conclusiva para incriminar oucondenar”.

A falta de confiabilidade de referidométodo foi objeto de consideração doDesembargador Ranolfo Vieira, que noHC nº 699294104, asseverou: “Em setratando de prova não prevista em lei ecuja validade jurídica é, quando maisnão seja, discutível, não se pode dizeresteja ocorrendo, no caso, cerceamentode defesa”.

Na espécie, ainda, ter-se-ia, deferidaque fosse a prova, temerosa situação,qual seja aquela apontada no item 56 dafl. 273. Isto é, no enfoque do represen-tante do Ministério Público, a negativada suspeita em sujeitar-se ao aparatotécnico dar-lhe-ia “indícios suficientes deautoria”.

Vale dizer, com a prova pleiteadaalmeja-se, a um só tempo, violar-se oart. 5º, LVI, da Constituição, romper-secom o princípio nemo tenetur sedetegere, pelo qual ninguém é obrigadoa produzir prova contra si mesmo e, porfim, inverter-se presunção decorrente doart. 5º, LVII, da Carta, porque não ca-rece de maior divagação a estratégiaeventual de, em sendo o delito em focojungido à competência do Júri Popular,convencer os julgadores de que apenaso culpado não se submeteu a tal ouqual meio de prova.

Goste-se ou não – e sou daquelesque de lege ferenda gostariam de vermudado o trato da matéria –, certo éque em nosso sistema o acusado emgeral não se obriga a dizer a verdade.

Indefiro a interceptação telefônicapleiteada.

Como referido à fl. 292, in verbis:“Afirma o representante do MinistérioPúblico ser necessária a interceptaçãotelefônica. E o faz, explicando no item69 da fl. 276, que após serem intimadospara depoimento, os envolvidos irãocomentar o caso, provavelmente portelefone e, assim, restarão apanhados.De todo estranhável, todavia, nestemesmo tópico, é a assertiva de que oscomentários dos envolvidos entre si dar--se-iam, outrossim, por conta de “notí-cia jornalística que porventura venha aser reproduzida”.

Ora, se de um lado almeja-se a de-cretação de sigilo do caso, com vedação,inclusive, de sua baixa à Delegacia dePolícia, como, pergunta-se, supor quehaverá notícias jornalísticas a ensejar, porqualquer razão que seja, diálogos telefô-nicos entre os envolvidos, que, por es-tarem monitorados, serão encurralados

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nesta teia. Expedientes como aveiculação de matérias em jornais que,essas mesmas, passam a servir de basepara ações penais, têm afloradohodiernamente. Infelizmente, a experi-ência demonstra, nalguns casos a fontejornalística é justamente aquele a queminteressa a investigação. Tal proceder,embora lamentavelmente tenha se tor-nado comum, não se afaz ao bom di-reito.

O Estado, na persecução penal, édotado de instrumental que, não obs-tante írrito diante da denominada crimi-nalidade organizada, em casos como odos autos se afigura suficiente à apura-ção e investigação criminal. Não carece,pois, de enredar suspeitos, fustigando-os por meio de noticiosos para queinvoluntariamente deixem escapar suaculpa, quiçá ao telefone, facilitando ostrabalhos dos órgãos incumbidos delegitimamente formar o instrumentalacusatório. É o preço que se paga porvivermos numa democracia”.

Destarte, tem-se no requerimentoclaro escopo de deflagração de inusita-do método de persecução penal, que,como sobredito, afasta-se, quando me-nos de princípio nem sempre afirmado,mas vigorante, que é o da lealdadeprocessual.

É que se teria, ao menos na dicçãodo item 69 de fl. 276, agente do Estadoinsulando eventuais envolvidos no fatocriminoso, mormente pela “ divulgaçãode notícia jornalística ”, em descompassocom requerimento deste mesmo agentedo Estado, que, para o caso, requer adecretação de segredo de Justiça. Taldivulgação, que se supõe, partiria doMinistério Público, não se legitima naordem jurídica vigente e contraria, como

já afirmado, o princípio da lealdade quehá de nortear a atividade estatal.

Acresça-se que a interceptação tele-fônica, no que restringe direito funda-mental, há de se jungir aos ditames doprincípio da proporcionalidade, isto é,requer, para sua idoneidade, os requi-sitos da imprescindibilidade, da imposi-ção de menor restrição possível e demanutenção do núcleo essencial dodireito que, apenas respeitados essespressupostos, pode ser restringido.

Em verdade, tem-se, como esclareceo consagrado Ingo Wolfgang Sarlet, adignidade da pessoa humana a atuarcomo elemento limitador dos limites quea ordem constitucional imponha aosdireitos fundamentais. Esclareça-se:

“Sempre se poderá afirmar, como jáanunciado no título deste segmento, quea dignidade da pessoa auta simultane-amente como limite dos direitos e limitedos limites, isto é, barreira última contraa atividade restritiva dos direitos funda-mentais” (in Dignidade da Pessoa Hu-mana e Direitos Fundamentais na CFde 1988, Ed. Livraria do Advogado, p.120).

Não se há de olvidar, nesta perspec-tiva, que o fato sob análise sucedeu hámais de dez anos e, tomando-se comobase o quod plerumque accidit, sobreele não mais devem comentar os even-tuais envolvidos que, apenas o fariam,como se depreende do requerimento doMinistério Público, após instigados a tal.

Afora isso, na medida em que se háde exigir a imprescindibilidade para asinvestigações como requisito ao deferi-mento de interceptação telefônica,exsurge como abusivo tal requerimentoquando o próprio representante doMinistério Público, às expressas, faz

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consignar, no item 44 da fl. 266, que:“Apesar de já se poder instaurar açãopenal com base nesses indícios de au-toria, o Ministério Público entende, afim de se delinear a acusação, que devemser realizadas diligências, em face dotempo transcorrido, onde se limitará ounão o rol de denunciados”.

Consoante afirmei à saciedade nadecisão das fls. 288/302, o sistema vi-gente não permite, em inquérito policialjá relatado, a realização de novas dili-gências, a não ser que essas se revelem“imprescindíveis ao oferecimento dadenúncia” – art. 16 do CPP.

Não se consubstancia essa impres-cindibilidade no escopo manifestadoexpressamente pelo representante doMinistério Público de “delinear a acusa-ção”, máxime quando o próprio agenteministerial revela, de modo insofismável,que já poderia instaurar a ação penalcom base nos indícios de autoria cons-tantes dos autos.

Aqui, como já referido, tenho comoinequívoca a vulneração do princípio daobrigatoriedade, sobre o qual, todavia, àluz da manifestação do I. Procurador-Geralde Justiça, que não a vislumbrou em doutapeça processual, não mais se há de falar,tanto que em cogitação, efetivamente, osrequerimentos de prova formulados.

Indefiro o requerimento de determi-nação de inquirição e reinquirição detestemunhas.

Neste ponto, para além do já consig-nado acima sobre o disposto no art. 16do CPP, a confrontar com o manifesta-do pelo representante do Ministério Pú-blico, no sentido de que entende disporde elementos para inaugurar a instânciapenal, há questão de ordem formal, nãoesclarecida, e que se afigura importante.

Não se trata de ingressar aqui naconhecida celeuma sobre o poder re-quisitório do Ministério Público, frente àautoridade policial, a inviabilizar a atua-ção judicial, porque estou de acordocom aqueles que homenageiam o prin-cípio da verdade real e permitem, pois,requeira o parquet ao Poder Judiciário,a determinação da prática de diligênciaspela Polícia Judiciária.

Igualmente, não verifico qualquerilegalidade em o representante do Mi-nistério Público aduzir quais as indaga-ções que almeja ver efetuadas em sedepolicial, a suspeitos e testemunhas, dadoque, na condição de dominus litis, teminequívoco interesse no resultado doInquérito Policial, podendo, destarte,direcioná-lo.

Sucede, porém, que a atividade, porassim dizer, dirigente do Ministério Públi-co ante o Inquérito Policial não poderáusurpar a atribuição da autoridade poli-cial, que surge no nível constitucional.

Vale dizer, não obstante sejafranqueada ao Ministério Público a re-quisição ou requerimento de diligênciasa serem efetuadas na fase policial, bemcomo a fiscalização, no nível do contro-le externo, da polícia judiciária, tem-seque não lhe é dada a possibilidade deafastar de investigação a autoridadepolicial, chamando para si todo o com-plexo de atos daí decorrentes.

Em parecer transcrito nos autos doRecurso Extraordinário nº 233.072-4, re-latado pelo I. Ministro Néri da Silveira, oconceituado Juarez Tavares, Procuradorda República no Estado do Rio de Janei-ro, assim se manifestou, in verbis: “Cum-pre-nos salientar que a ação penal des-fechada contra o paciente, lastreada eminquérito penal realizado pelo próprio

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órgão do Ministério Público, constituiu,realmente, fato inusitado e estranho, facea falta de atribuição do parquet quantoao colhimento de provas com a finali-dade de instaurar ação penal, eis quecabe ao mesmo, tão somente, realizardiligências que devem ficar afetas a quemtenha a titularidade de instaurar essetipo de procedimento, isto é, a políciacivil, e, nesse passo, mister ressaltar queé necessário que as funções fiquem bemdelimitadas. Cada poder, cada órgão oumembro de Poder com suas atribuiçõese competências bem definidas, sob penade se descumprir regra, também cons-titucional, do devido processo legal. Issoporque, quando se define, estabelecem-se limites. [...]”.

Em voto-vista, prolatado nesse mes-mo Recurso Extraordinário, deixou con-signado o Excelentíssimo Ministro Mar-co Aurélio: “Indaga-se: a abertura deinquérito, sua condução, o ato de co-lher elementos dentro desse inquérito,isso pode ser tido como inerente à fi-nalidade do Ministério Público? A res-posta nos vem da própria ConstituiçãoFederal. No inciso VI, há uma referênciaà possibilidade de o Ministério Público– diretamente e não via judiciário, comonormalmente ocorre, inclusive, aqui, nestaCorte, quanto aos inquéritos situados narespectiva competência – expedir notifi-cações nos procedimentos administrati-vos. Mas em que procedimentos admi-nistrativos? No procedimento adminis-trativo penal, no inquérito policial? E,nesse caso, seria no inquérito do Minis-tério Público? Não. Naqueles casos emque se tenha a competência do próprioMinistério Público. Expedir notificações,está no preceito, nos procedimentos ad-ministrativos de sua competência.

“Há mais, Sr. Presidente, a revelarque o Ministério Público não pode, eisso lhe foi negado pelo constituinte de1988 – como eu disse – capitanear, elepróprio, à margem do crivo do Judiciá-rio, o inquérito.

“[....].“O Ministério Público não pode fa-

zer investigação porque ele será partena ação penal a ser intentada pelo Es-tado e também, não pode instaurar in-quérito no respectivo âmbito.

“A Constituição Federal encerra umgrande todo. E, se formos adiante, seformos à parte que versa sobre seguran-ça pública, veremos, no art. 144, § 4º, aexistência de um preceito a revelar queàs polícias civis, dirigidas por delegadosde polícia de carreira, incumbem, res-salvadas [....] as funções de polícia judi-ciária e a apuração de infrações penais,exceto as militares.

“Incumbem as tarefas ‘supra’ às po-lícias civis e não ao Ministério Público”.

Na espécie em exame, ao requerera inquirição e reinquirição de pessoasno curso do Inquérito Policial, algo, porsi só, não vedado, pleiteia o represen-tante do Ministério Público, já agoraingressando na órbita da ilegalidade, queos autos tenham vedado o acesso daautoridade policial – item 87 da fl. 280.

Ou seja, pretende-se o envio à au-toridade policial, tão-somente de cópiasde parte do feito, de modo a limitar suaatividade estritamente aos termos reque-ridos pelo Ministério Público, retirando--lhe da atribuição aquilo que a Consti-tuição Federal lhe reservou, ou seja, apresidência dos inquéritos policiais.

Não apenas em vista dessa inequí-voca limitação que o representante doMinistério Público pretende à atividade

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constitucionalmente reservada à PolíciaCivil que o requerimento, no ponto,causa espécie.

É que, como fiz consignar à fl. 291:“Consoante se lê à fl. 280, sem explicaro porquê, de certa maneira levanta-sepecha de suspeição às autoridades po-liciais da comarca, para as quais, comose diz, ‘de modo algum’ se pode darciência do que é requerido. Calharia,porquanto importante, vir para os autosa razão dessa preocupação, quando sesabe que, na forma do art. 20 do CPPo inquérito policial há de ser sigiloso.Ou seja, o temor do agente ministerialdeveria vir explicitado nos autos”.

De modo que se depreende consistiro requerimento, nesta parte, na cabalretirada da autoridade policial do pre-sente inquérito, cuja presidência, viareflexa, entregar-se-ia, em flagrante in-constitucionalidade, ao representante doMinistério Público, que, à fl. 279, item86, já adiantava que “irá realizar inves-tigação própria, com diligências próprias[....]” (grifo no original).

Indefiro, por derradeiro, o requeri-mento de decretação de sigilo judicialdo Inquérito.

Leciona Fernando da Costa TourinhoFilho que: “Se o inquérito policial visaà investigação, elucidação, à descobertadas infrações penais e das respectivasautorias, pouco ou quase nada valeria aação da Polícia Judiciária, se não pudes-se ser guardado o necessário sigilodurante a sua realização. O princípio dapublicidade, que domina o processo,não se harmoniza, não se afina com oinquérito policial.

“[....].”É claro que tal sigilação não é exi-

gida em todo e qualquer inquérito.

Apenas naquelas hipóteses apontadas noart. 20” (in Processo Penal, vol. 01, Ed.Saraiva, p. 199).

Ou seja, revelar-se-ia ociosa a decre-tação de sigilo, quando esse decorre daprópria lei, especificamente o art. 20 doCPP, segundo o qual ao inquérito po-licial se há de assegurar o sigilo neces-sário à elucidação do fato ou exigidopelo interesse da sociedade.

Ademais, nesta parte não trouxe orepresentante do Ministério Público asrazões de seu pleito, impedindo a com-preensão exata da finalidade almejada.

Entretanto, visto que a presentedecisão pode ser alvo de impugnaçãocujo resultado a modifique, determino,apenas até a sua preclusão, corra o feitoem segredo de Justiça, manejando-oapenas a Sra. Escrivã ou a Sra. OficialAjudante, bem como, eventualmente,quem esteja a substitui-las.

À luz do que aqui ficou consignado,indefiro, integralmente, os requerimen-tos das fls. 279/280 e ainda aquele for-mulado no item 3 da fl. 318, observado,apenas, o tópico sobredito em negrito egrifado.

Intime-se a representante do Minis-tério Público oficiante na comarca, paraque proceda como entender de direito.

D.L.Jaguarão, 25 de agosto de 2003.Orlando Faccini Neto – Juiz de

Direito”.Essa decisão foi alvo de correição

parcial, julgada em 18-08-04, pela 1ªCâmara Criminal do Tribunal de Justiçado Rio Grande do Sul, sendo Relator oDesembargador Manuel Martinez Lucas.Em decisão unânime, indeferiu-se acorreição parcial manejada, mantendo-se,destarte, na íntegra, o que foi decidido.

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Juiz prolator: João Pedro Cavalli JúniorData: 18 de junho de 2004

Prisão em flagrante. Inobservânciados requisitos legais. Desproporção deconduta e valores. Soltura.

Vistos.1. A. S. R., de profissão carroceiro,

eufemismo para a atividade de catador,analfabeto, filho de quem sequer sabeo nome e morador de nem sabe onde,foi preso pelos trabalhadores emprega-dos da multinacional do comércio dealimentos, com o apoio do militar dasegurança pública, levado à presençada Autoridade Policial e recolhido aosrigores carcerários porque tentava fur-tar nada mais, nada menos do que“aproximadamente três metros de canode cobre”, então avaliados na importân-cia de R$ 10,00, com o quê é possívelcomprar uns cinco litros de leite e al-guns pãezinhos, daqueles vendidos nogrande mercado vitimado com razoávelmargem de lucro.

Não foi assistido o conduzido porDefensor, como é de seu direito, nemindicou alguém para tomar ciência daprisão, conforme a certidão policialapócrifa, nem assinou a nota de suaculpa, por não dispor de tamanho co-nhecimento que lhe permita desenhar opróprio nome.

Agora vieram os autos para exameacerca da legalidade do ato prisional,com parecer do Ministério Público nãosó pela homologação disso, mas in-clusive pelo decreto de prisãoacautelatória da sociedade, já que, sol-

to e sem endereço fixo, o desditosonão poderia pagar seu débito para comessa mesma sociedade, mediante cum-primento da reprimenda penal previstaem dura lex, que, apesar disso, sed lex.

Essa a suma do que é trazido.2. A rica experiência do plantão ju-

diciário permite isso. Nessas madruga-das indormidas, enquanto se decreta aprisão preventiva de bando de trafican-tes interestaduais de cocaína e se exa-mina igual medida pertinente a funcio-nário público de nível superior e res-ponsável pela exação, devido à subtra-ção de muitíssimos reais dos cofrespúblicos, pode-se examinar também asituação do Sr. A. e de sua carroça (daqual, apesar de instrumento do supostodelito, não se tem notícia autuada deseu destino, quiçá porque dê mais tra-balho prender um “veículo” do que umapessoa) e dos caraminguás que de pre-juízo tentou-se deixar à “vítima”, quesugestivamente atende pelo cognome de“Big”.

Mas, além do prejuízo adicionado àdignidade humana (que goza de proteçãoconstitucional, é bom nunca esquecer) doSr. A. pela prisão e recolhimento junto àescória da sociedade, soma-se o prejuízomaterial do Estado (com a movimentaçãodo aparato policial e judicial) bem assimo incorpóreo, resultante da imagem des-ses serviços perante a mesma sociedade,a quem servir é a primeira razão de suaexistência. Daí porque já é mais do quetempo de objetivar.

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3. Diante dessa situação, porqueabsolutamente ausentes os requisitoslegais, quer de ordem formal, quer deordem material, para subsistir o atoprisional, é que determino a imediatasoltura do Sr. A. S. R., que já carregaa severidade no nome, o que é o bas-tante.

Intime-se o Ministério Público.Comunique-se à autoridade policial

responsável pela lavratura do auto deprisão em flagrante, nominalmente, comcópia da presente decisão.

Em 18-06-04, às 5h52min.João Pedro Cavalli Júnior – Juiz de

Direito, plantonista.

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Juíza prolatora: Liliane Michels OrtizData: 25 de outubro de 2004

Rejeição da denúncia. Porte de arma.Leis nºs 9.437/97 e 10.826/03. VacatioLegis indireta. Atipicidade da conduta.

Vistos.Compulsando os autos, não vislum-

bro viabilidade acusatória quanto aosdenunciados J. M. F. B. F. e O. G. S. N..

Os dois foram denunciados comoincursos nas sanções do art. 14 da Leinº 10.826/03, porte ilegal de arma defogo. Ocorre que o denunciado J. M. édono de um sítio, onde guardava quatroarmas registradas, que lhe foram furta-das, sendo que comunicou a ocorrênciado furto, e O. é arrendatário deste mesmosítio.

A Brigada Militar, em diligências,localizou o autor do delito e as pessoasque haviam adquirido as armas furta-das, todos denunciados. As armas foramrecuperadas e restituídas aos donos,conforme auto de restituição das fls. 50a 55.

O Ministério Público denunciou, alémdo autor do furto e das pessoas quecompraram as armas, também o proprie-tário do sítio e o arrendatário, o Sr. J. M.e o Sr. O., fundamentando que deti-nham as armas em depósito ilegalmen-te, com o advento da Lei nº 10.826/03.Ou seja, as vítimas da ocorrência, quetiveram as armas furtadas, com o adven-to de uma nova Lei, repentinamente tor-naram-se réus. Esse fato atenta contra obom senso e a justiça.

O fato de manter armas registradasem casa, até 23-12-03, não constituía

crime, estava amparado o art. 4º da Lei nº9.437/97, revogada pela Lei nº 10.826/03,que transforma tal conduta em crime.Temos então, como o fato aconteceu em30-12-03, uma conduta que era atípica até10 dias antes do fato, mas tipificada peloadvento da nova Lei.

Na verdade, não estamos aqui tra-tando de condutas que o senso comumreconhece como delito, tal como ohomicídio, o roubo, o estupro. Estamosfalando de uma conduta que, até diasantes era lícita e, com a edição de umanova lei, que não foi amplamentedivulgada para a população, passou aser crime.

Tanto que, nos últimos dias de de-zembro passado, os próprios Delegadosatuantes na Comarca consultaram a fir-matária desta decisão sobre a aplicabi-lidade ou não da Lei nº 10.826/03.

Ora, se Delegados, agentes do Estado,formados em Direito, tinham dúvidasquanto a aplicabilidade da Lei, como exigirde cidadãos leigos que a cumprissem?

Chama a atenção, ainda, que as armasforam devolvidas pela autoridade poli-cial aos proprietários sem que eles com-provassem possuir porte de arma.

Aliás, a própria Lei nº 10.826/03 pre-viu, em seu art. 31, que os possuidoresde armas adquiridas regularmente, po-derão entregá-las a qualquer tempo, àPolícia Federal, estabelecendo, ainda, emseu art. 32, o prazo de 180 dias a contarda publicação da Lei para que as pessoas,com armas não registradas, entregassemsuas armas na Polícia Federal.

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DECISÕES 245

Assim, também é o entendimento dosTribunais, vejamos: “(TJSC-025706)hábeas-córpus. Prisão em flagrante. Art.14 da Lei nº 10.826/03. Constrangimentoilegal configurado, a teor do dispostono art. 32 do mesmo diploma. Relaxa-mento que se impõe. O art. 32 da Leinº 10.826/03 confere o prazo de 180(cento e oitenta) dias para o possuidorde arma de fogo não registrada entregá-la à Polícia Federal, mediante indeniza-ção, caso presumida a boa-fé. Sendo oagente preso em flagrante na posse dearma de fogo nesse período, vacatiolegis indireta, constitui o ato evidenteconstrangimento ilegal, assim como adenúncia oferecida pelo fato, pois, an-tes de escoado o prazo legal, a condutade possuir arma de fogo, de uso restritoou não, sem registro, é momentanea-mente atípica” (HC nº 04.001585-2, deCaçador, Rel. Des. Maurílio Moreira Leite)

Desta forma, entendo que, mesmose tratando de crime permanente, a

conduta dos denunciados J. M. e O. erapermitida quando da vigência da Lei nº9.437/97, não podendo ser consideradatípica após 10 dias da vigência da novaLei, quando não foram respeitados, ain-da, os prazos de adequação previstosno próprio diploma legal e a mesmanão havia sido suficientemente divulgadaainda para a população.

Desta forma, rejeito a denúncia quan-to aos denunciados J. M. F. B. F. e O.G. S. N., com fulcro no art. 43, inc. I,do CPP.

Recebo a denúncia quanto aos de-mais réus, visto que há viabilidade acu-satória.

Interrogatórios dia 06-06-05, às 14h.Citem-se.Intimem-se.Defiro diligências quanto aos réus

que tiveram a denúncia recebida.Viamão, 25-10-2004.Liliane Michels Ortiz – Juíza de

Direito.

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ÍNDICES

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SENTENÇAS CÍVEIS

A

Ação civil pública. Número de Vereadores. Princípio da proporcionalidade.Cassação dos Vereadores diplomados acima do limite .................................... 96

Ação civil pública. Omissão do Município. Fiscalização de atividade extrativista.Dano ambiental. Indenização material. Dano moral coletivo ......................... 86

Alimentos. Relação pais e filhos. Imposição de limites. Despesas. Pagamentodireto ............................................................................................................................ 92

C

Compra e venda de imóvel a prazo. Equilíbrio entre as partes. Não aplica-bilidade do CDC. Litigância de má-fé .................................................................. 106

D

Dano material e moral. Hospital. Responsabilidade objetiva. Médico. Respon-sabilidade subjetiva ................................................................................................... 49

Dano material e moral. Morte do companheiro e pai. Responsabilidade daempresa contratada por processo licitatório pelos danos produzidos pelossubcontratados. Culpa “in vigilando” .................................................................... 33

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250 ÍNDICES

Dano moral. Alegação recursal ofensiva à honra da magistrada que presidiuo feito. Atipicidade penal. Indenização na seara cível ..................................... 116

Dano moral. Curso profissionalizante. Responsabilidade objetiva. Inversão doônus da prova. Devolução dos valores pagos ................................................... 77

Dano moral. Dever do pai de prestar afeto, carinho e amor ao filho ........ 55

Dano moral. Publicação de matéria em jornal. Liberdade de imprensa e vidaprivada ......................................................................................................................... 75

Dano moral. Sindicância. Inobservância de prazos estabelecidos em lei mu-nicipal. Duração razoável do processo ................................................................ 15

E

Embargos à execução. Nulidade do título executivo. Art. 515, § 3º, do CPC.Inconstitucionalidade da norma. Princípios do devido processo legal, contra-ditório, ampla defesa e duplo grau de jurisdição ............................................. 111

F

Fraude na venda de ações. Falsificação de documentos. Responsabilidade daempresa de telefonia. Denunciação à lide .......................................................... 57

I

Improbidade administrativa. Diferença entre improbidade e incompetência doadministrador .............................................................................................................. 122

Inelegibilidade de Reitor e Vice-Reitor. Legitimidade ativa do Ministério Pú-blico. Composição do Conselho Diretor da Fundação ..................................... 19

M

Mandado de segurança. Autorização de impressão de documentos fiscais.Exigência de garantia ou limitação da quantidade a ser impressa ............... 29

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ÍNDICES 251

P

Plano de saúde. Lesão ao consumidor-segurado. Renovação automática docontrato. Direito adquirido ...................................................................................... 137

Plano de saúde. Negativa de cobertura. Distinção entre atendimento deemergência e urgência ............................................................................................. 131

S

Separação judicial. Irrelevância da culpa. Dano moral. Litigância de má-fé .. 64

U

União estável. Partilha das dívidas. Negociação exclusiva por parte do cônjugevirago ........................................................................................................................... 11

SENTENÇAS CRIMINAIS

A

Associação para o tráfico de drogas. Ilicitude da escuta ambiental. Prova empres-tada. Crime formal. Indícios ................................................................................... 149

F

Furto qualificado. Princípio da insignificância .................................................... 177

H

Homicídio culposo e lesão corporal culposa no trânsito. Provável ponto deimpacto. Ausência de compensação de culpas na esfera penal .................... 183

Homicídio culposo. Médico. Parto indevidamente protelado. Cesarianaintempestiva. Inobservância de regra técnica de profissão. Culpa ................ 163

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252 ÍNDICES

Homicídio qualificado. Crime hediondo. Regime de cumprimento da pena.Incompetência do Juiz sentenciante para a fixação. Coisa julgada. Compe-tência do Juiz da execução .................................................................................... 145

L

Latrocínio. Confissão policial. Álibi. Ônus da prova. Perícia. Concurso material 193

P

Porte de droga para uso próprio. Confissão no interrogatório judicial. Julga-mento antecipado da lide ....................................................................................... 200

V

Venda de produto destinado a fins medicinais sem registro no órgão devigilância sanitária. Ausência de lesividade da conduta ................................... 206

DECISÕES CÍVEIS

A

Ação civil pública. Câmara de Vereadores. Cotas para pagamento de telefonee combustível. Princípios da moralidade e razoabilidade administrativa ...... 210

E

Execução fiscal envolvendo matéria federal. Distinção entre Comarca e SeçãoJudiciária. Incompetência da Justiça estadual ..................................................... 216

R

Reintegração de posse. Acesso a cemitério antigo localizado em terras par-ticulares. Interesse público na sua preservação ................................................. 224

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ÍNDICES 253

DECISÕES CRIMINAIS

I

Inquérito policial. Princípio do promotor natural. Detector de mentira.Interceptação telefônica. Investigação pessoal pelo representante do Minis-tério Público ............................................................................................................... 229

P

Porte de arma. Leis nºs 9.437/97 e 10.826/03. Atipicidade. Rejeição dadenúncia ...................................................................................................................... 244

Prisão em flagrante. Requisitos. Desproporção de conduta e valores .......... 242

JUÍZES PROLATORES

Alexandre Tregnago Panichi ................................................................................... 57

André Luís de Aguiar Tesheiner ............................................................................ 224

Cláudio Luís Martinewski ......................................................................................... 29

Cyro Púperi ................................................................................................................. 193

Deborah Coleto Assumpção de Moraes ............................................................... 86

Diego Leonardo Di Marco Piñeiro ........................................................................ 200

Édison Luis Corso ..................................................................................................... 216

Eduardo Augusto Dias Bainy .................................................................................. 11

Eduardo Coelho Antonello Benites ....................................................................... 19

Eduardo Furian Pontes ............................................................................................. 149

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254 ÍNDICES

Fernando Carlos Tomasi Diniz ............................................................................... 122

Giovanni Conti ........................................................................................................... 111

Gláucia Dipp Dreher ................................................................................................ 64

Inajá Martini Bigolin ................................................................................................. 137

João Pedro Cavalli Júnior ........................................................................................ 242

José Luiz John dos Santos ...................................................................................... 15

Jucelana Lurdes Pereira dos Santos ...................................................................... 92

Juliano da Costa Stumpf .......................................................................................... 210

Katia Elenise Oliveira da Silva ............................................................................... 206

Liliane Michels Ortiz ................................................................................................. 244

Lizandra Cericato Villarroel ..................................................................................... 183

Lucas Maltez Kachny ................................................................................................ 77

Luciano André Losekann ......................................................................................... 33

Margot Cristina Agostini ........................................................................................... 177

Mário Roberto Fernandes Corrêa ........................................................................... 106

Mario Romano Maggioni .......................................................................................... 55

Mauro Caum Gonçalves ........................................................................................... 116

Milene Fróes Rodrigues Dal Bó ............................................................................. 145

Munira Hanna ............................................................................................................ 131

Orlando Faccini Neto ............................................................................................... 229

Paulo Meneghetti ....................................................................................................... 75

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ÍNDICES 255

Paulo Roberto Lessa Franz ...................................................................................... 163

Roberto Carvalho Fraga ............................................................................................ 49

Viviane Miranda Becker ........................................................................................... 96

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