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Dívida Pública: Conceitos, Dinâmica e os Argumentos Incompletos Por Volney A Gouveia O diagnóstico de crise fiscal do Brasil merece ser mais bem compreendido, principalmente no contexto de forte crise econômica nos anos recentes. Este artigo se propõe a apresentar algumas considerações teóricas sobre dívida e déficit públicos e analisar os aspectos da dívida pública brasileira à luz das recentes discussões em torno da chama "PEC do Teto", que limita o aumento dos gastos públicos para os próximos vinte anos. Basicamente a PEC propõe reajustar os gastos públicos federais de acordo com a inflação do último ano, limitando assim aumentos reais (acima da inflação). A hipótese aqui estabelecida é a de que, apesar da alegação do governo de que não haverá redução dos gastos sociais, no longo prazo, ocorrerão impactos no gasto público per capita. A alegação do não impacto tem sentido quando avaliado a curto prazo, mas a longo prazo, sob algumas premissas, estes gastos sofrerão redução, o que trará impactos no padrão de desenvolvimento social. Outro elemento pouco discutido no debate acerca do ajuste fiscal diz respeito aos impactos da política monetária vigente sobre as contas públicas. A persistência das elevadas taxas de juros te neutralizado todo e qualquer esforço fiscal, cujo peso no orçamento público em girado em torno de 8% do PIB. Para alcançar o objetivo aqui proposto, este artigo possui um roteiro. Inicialmente são apresentados alguns conceitos básicos, procurando diferenciar "dívida pública" de "déficit público". A ideia é compreender porque as dívidas são formadas e contextualizar sua importância para a política econômica. Na sequência, será apresentada uma abordagem histórica para compreendermos que a dívida pública é um componente dinâmico das sociedades capitalistas modernas e que está associada à própria configuração das políticas de Estado, sejam elas focadas no estímulo ao crescimento econômico, sejam elas conduzidas para diminuir as disparidades socioeconômicas. A próxima etapa é tratar da dívida pública como mecanismo de ajuste macroeconômico. Intuitivamente, cenários de recessão econômica (queda do PIB) levam as autoridades econômicas a promoverem estímulos econômicos que podem acarretar no aumento do déficit; e cenários de expansão econômica (crescimento do PIB) permitem a redução do déficit e/ou o aumento do superávit. Será tratada na sequência a evolução recente da dívida e do déficit públicos e apresentada uma discussão sobre os elementos que têm gerado controvérsia no debate midiático. O propósito será o de desvendar as intenções por detrás de alguns "argumentos incompletos", notadamente aqueles que afirmam que o país vive uma crise fiscal profunda sem precedentes e que, por isso, uma reforma constitucional do tema é uma questão de "vida ou morte". Pretende-se por último apresentar algumas projeções para o desempenho do déficit e dívida públicos para um horizonte de vinte anos, Adicionalmente, serão discutidos os efeitos sobre o gasto público per capita do congelamento dos gastos a partir dos dados de 2016. Ao final, pretender-se-á argumentar que a questão da dívida pública depende de várias condicionantes e que, portanto, não se trata apenas de uma questão aritmética, na qual basta subtrair receita de despesa e se tem a dimensão do problema, mas sua dinâmica depende de diversos outros fatores os quais não têm merecida a devida importância no debate público.

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Dívida Pública: Conceitos, Dinâmica e os Argumentos Incompletos

Por Volney A Gouveia

O diagnóstico de crise fiscal do Brasil merece ser mais bem compreendido, principalmente no

contexto de forte crise econômica nos anos recentes. Este artigo se propõe a apresentar

algumas considerações teóricas sobre dívida e déficit públicos e analisar os aspectos da dívida

pública brasileira à luz das recentes discussões em torno da chama "PEC do Teto", que limita o

aumento dos gastos públicos para os próximos vinte anos. Basicamente a PEC propõe reajustar

os gastos públicos federais de acordo com a inflação do último ano, limitando assim aumentos

reais (acima da inflação). A hipótese aqui estabelecida é a de que, apesar da alegação do

governo de que não haverá redução dos gastos sociais, no longo prazo, ocorrerão impactos no

gasto público per capita. A alegação do não impacto tem sentido quando avaliado a curto

prazo, mas a longo prazo, sob algumas premissas, estes gastos sofrerão redução, o que trará

impactos no padrão de desenvolvimento social. Outro elemento pouco discutido no debate

acerca do ajuste fiscal diz respeito aos impactos da política monetária vigente sobre as contas

públicas. A persistência das elevadas taxas de juros te neutralizado todo e qualquer esforço

fiscal, cujo peso no orçamento público em girado em torno de 8% do PIB.

Para alcançar o objetivo aqui proposto, este artigo possui um roteiro. Inicialmente são

apresentados alguns conceitos básicos, procurando diferenciar "dívida pública" de "déficit

público". A ideia é compreender porque as dívidas são formadas e contextualizar sua

importância para a política econômica. Na sequência, será apresentada uma abordagem

histórica para compreendermos que a dívida pública é um componente dinâmico das

sociedades capitalistas modernas e que está associada à própria configuração das políticas de

Estado, sejam elas focadas no estímulo ao crescimento econômico, sejam elas conduzidas para

diminuir as disparidades socioeconômicas. A próxima etapa é tratar da dívida pública como

mecanismo de ajuste macroeconômico. Intuitivamente, cenários de recessão econômica

(queda do PIB) levam as autoridades econômicas a promoverem estímulos econômicos que

podem acarretar no aumento do déficit; e cenários de expansão econômica (crescimento do

PIB) permitem a redução do déficit e/ou o aumento do superávit. Será tratada na sequência a

evolução recente da dívida e do déficit públicos e apresentada uma discussão sobre os

elementos que têm gerado controvérsia no debate midiático. O propósito será o de desvendar

as intenções por detrás de alguns "argumentos incompletos", notadamente aqueles que

afirmam que o país vive uma crise fiscal profunda sem precedentes e que, por isso, uma

reforma constitucional do tema é uma questão de "vida ou morte". Pretende-se por último

apresentar algumas projeções para o desempenho do déficit e dívida públicos para um

horizonte de vinte anos, Adicionalmente, serão discutidos os efeitos sobre o gasto público per

capita do congelamento dos gastos a partir dos dados de 2016. Ao final, pretender-se-á

argumentar que a questão da dívida pública depende de várias condicionantes e que,

portanto, não se trata apenas de uma questão aritmética, na qual basta subtrair receita de

despesa e se tem a dimensão do problema, mas sua dinâmica depende de diversos outros

fatores os quais não têm merecida a devida importância no debate público.

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Diferenças entre Déficit e Dívida

Os conceitos de déficit e dívida são distintos. O déficit do governo é dado pela diferença entre

tudo que é arrecadado na forma de impostos e contribuições e tudo o que é gasto na forma de

despesas correntes, transferências e subsídios. As principais contribuições são a COFINS

(Contribuição para o Financiamento Social), a CIDE (Contribuição Incidente sobre Domínio

Econômico), contribuições à Seguridade Social (INSS). No campo dos impostos, vale destacar o

IRRF (Imposto de Renda Retido na Fonte para pessoas físicas e jurídicas), o IPI (Imposto sobre

Produtos Industrializados), o Imposto de Importação e o IOF (Imposto sobre Operações

Financeiras).

Os gastos públicos podem ser divididos em quatro grandes grupos: custeio da máquina

pública, programas sociais, investimentos e juros da dívida pública. Se o governo, para cobrir

este déficit, realiza empréstimos junto ao mercado financeiro, tem constituída a dívida. Assim,

a dívida pública nada mais é do que o déficit financiado. Enquanto o déficit está associado a

fluxo, a dívida está associada a estoque, da mesma forma que renda (fluxo) é diferente de

patrimônio (estoque). A distinção entre déficit e dívida é essencial na compreensão do debate

atual. Em 2015, o total dos gastos realizados pelo governo federal foi de R$ 2,9 trilhões e a

arrecadação ficou em R$ 2,5 trilhões, representando um déficit de praticamente R$ 0,5 trilhão.

Parte deste déficit, no qual se inclui o déficit da Previdência Social, refere-se às renúncias

fiscais concedidas a determinados setores da sociedade, cujo valor representa R$ 181

bilhões/ano. A distribuição dos gastos pode ser observada no gráfico 1 abaixo.

Grafico 1 – Distribuição dos Gastos Federais em 2015 por Valores (em mi) e Percentuais

Fonte: Secretaria do Tesouro, 2016 – Elaboração própria

Percebe-se que a principal rubrica de gastos está no custeio da máquina, programas sociais e

pagamento de juros da dívida, que chega a representar 25% do total.

. Custeio Máquina1.102.962

37%

. Investimentos189.737

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. Juros742.998

25%

. Sociais925.488

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Quando o governo apresenta déficit fiscal (gastos maiores que receitas), ele pode financiá-lo

de três formas: elevando impostos e/ou cortando gastos; emitindo dinheiro ou tomando

empréstimos por meio da emissão de títulos públicos. O aumento de impostos é de difícil

viabilidade porque a carga tributária já é elevada e a sociedade sempre reage fortemente a

qualquer tentativa de aumentar tributos. E reduzir gastos torna-se relativamente penoso

quando se considera que os gastos constitucionais devem ser cumpridos e que, portanto,

contam com o "dinheiro carimbado", reduzindo as possibilidades de os gestores públicos

aplicarem os recursos em áreas que não aquelas garantidas pela Constituição, notadamente

saúde e educação. 1

Mas a alternativa de elevar tributos não deveria ser totalmente descartada. Isto porque o

sistema tributário nacional é deveras desigual. Estudo do IPEA (Silveira F. G. - 2011) aponta

que a carga tributária incidente sobre as camadas mais ricas da população representa 21% de

sua renda média; ao passo que as camadas mais pobres respondem por 32%. Esta disparidade

é relativamente simples de se entender. Duas famílias de quatro pessoas cada, sendo uma da

classe A e outra da classe E, que vão ao mercado adquirir uma mesma cesta de produto,

pagam o mesmo valor absoluto de imposto. Se a família A ganha $ 10 mil e a família E $ 1 mil,

ambas pagarão, por exemplo, o mesmo valor de ICMS incidente sobre a cesta de consumo. Se

este valor for de $ 100, a carga incidente sobre a família A será de 1% (100/10.000), ao passo

que a família E arcará com uma carga de 10% (100/1.000). Esta anomalia ocorre porque a

estrutura tributária brasileira é excessivamente regressiva, cuja incidência de impostos se dá

bem mais sobre o consumo e produção, e bem menos sobre renda e patrimônio. Reside aqui

um aspecto da reforma que não é contemplado e sequer discutido. Uma forma de minimizar

os efeitos do combate ao déficit seria redistribuir o esforço do ajuste por meio de maior

tributação às classes sociais "do andar de cima", combatendo sonegação e tributando mais

renda e patrimônio, além da aprovação do imposto sobre grandes fortunas, e menor

tributação às classes sociais "do andar de baixo", diminuindo os tributos indiretos incidentes

sobre o consumo destas famílias. Esta é uma discussão pouco difundida na mídia: quem paga a

conta deste tipo de ajuste.

Outra forma de o Governo financiar seu déficit é emitindo dinheiro. No entanto, esta

alternativa traz riscos mais graves, pois a emissão de dinheiro pode fazer com que a inflação

aumente e a moeda se desvalorize, reduzindo seu poder de compra. Neste cenário, os agentes

econômicos menos favorecidos seriam os principais prejudicados, pois a inflação corroeria o

poder de compra de suas rendas. Teríamos por assim dizer uma forma indireta de aumento de

impostos sobre as classes sociais mais fragilizadas que já arcam com boa parte da carga de

impostos. A emissão de dinheiro é um imposto cobrado indiretamente dos mais pobres.

O financiamento do déficit por meio de empréstimos é o mais recorrente. Desde 1999, quando

o país passou a adotar o regime de metas de inflação, o Banco Central utiliza da taxa de juros

Selic, que é a mesma que remunera os títulos emitidos pelo Tesouro Nacional e funciona como

mecanismo de controle da base monetária (volume de dinheiro em circulação) da economia.

1 Aliás, este é um dos avanços que o país apresentou nos últimos anos - apesar dos discursos em contrário - que permitiram ao país avançar na diminuição das suas disparidades socioeconômicas. Caso não houvesse tais vinculações estaria o país condenado a priorizar gastos não sociais em um contexto de brutal estrutura de concentração de renda histórica e institucionalizada.

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Deste então o Tesouro vem fazendo uso do mercado de títulos públicos para financiar os

déficits governamentais. A emissão de títulos é uma prática recorrente de empréstimo para

financiar os déficits governamentais. De forma ilustrativa, supondo que o governo tenha um

déficit de 100, ele pode emitir um título com valor de face de 100 e vendê-lo a uma taxa de

juros determinada. O sucesso ou fracasso da operação dependerá da quão elevada é a taxa de

juros. Se o governo obtém êxito na venda deste título, o déficit de 100 passou a ser uma

dividia de mesmo valor, acrescido dos juros devidos que deverão ser pagos ao credor no

futuro. É essa dinâmica que interfere diretamente no grau de solvência do governo quanto à

sua capacidade de honrar tais compromissos. Particularmente no Brasil, o mercado de títulos

tem garantido duas vantagens que, em economias mais avançadas, desempenham papéis

opostos. A relação risco/retorno nestes mercados é diretamente proporcional (maior risco,

maior retorno). Mas, no Brasil, a lógica é inversa: alto retorno e baixo risco. Isto explica em

parte porque se criou no país uma cultura rentista na qual toda tentativa de redução dos juros

se transforma num campo de batalha entre autoridades econômicas e mercado financeiro.

Contexto Histórico da Dívida Brasileira: Breves Considerações

O nível de endividamento de um país não deve ser medido observando apenas o tamanho da

dívida, mas deve-se compará-lo ao PIB. O indicador dívida2/PIB é essencial para se avaliar a sua

solidez fiscal. Nos últimos 15 anos o Brasil manteve uma trajetória muito favorável do seu nível

de endividamento, assistindo a um cenário de crescimento da dívida a uma taxa inferior ao do

PIB. No período 2002-2014, a dívida variou a uma taxa média de 0,7% ao mês, enquanto o PIB

variou 0,9%. O ciclo de crescimento absorveu o aumento da dívida. Já no período recente

(2015-2016), enquanto o PIB variou 0,4% ao mês, a dívida pública consolidada do setor público

variou 1,7% no mesmo período (quase 5 vezes mais!).

Grafico 2 - Variação % do PIB Nominal e da Dívida Líquida Consolidada

Fonte: BCB, 2016

2 Utiliza-se o conceito de Dívida Líquida do Setor Público Consolidado (BCB, 2016). Para o PIB, utiliza-se o conceito nominal.

0,9%

0,7%

0,4%

1,7%

Var. % PIB Nominal Var. % Dívida Líquida Consolidada

2002-2014 2015-2016*

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O gráfico 2 mostra a magnitude das variações percentuais. Percebe-se que, no primeiro

período, a variação do PIB foi maior que a variação da dívida, revertendo-se no segundo

período, quando a variação da dívida foi muito maior que a variação do PIB. Parte da

explicação disto está nas elevadas taxas de juros praticadas, que tem elevado expressivamente

os saldos da conta de juros a ser pagos aos credores.

O gráfico 3 mostra a evolução da taxa de juros SELIC, referência para a remuneração dos

títulos da dívida, e que impactam na dinâmica da dívida pública.

Grafico 3 - Variação % do PIB Nominal e da Dívida Líquida Consolidada

Fonte: Ipeadata, 2016

A melhora do nível de endividamento no período 2002-2015 guarda relação direta com a

queda consistente da taxa de juros, que se reduziu de 19,1% ao final de 2001 para 11,7% em

dezembro de 2014. Isto equivale a dizer que, em média, o Banco Central reduziu a taxa em 0,6

p.p. a cada reunião do COPOM (Comitê de Política Monetária). Já no período de janeiro de

2015 a agosto de 2016, a taxa estava aumentou, em média, 0,18 p.p. a cada reunião do

COPOM, chegando a 14,2%. Ou seja, o ritmo de elevação das taxas de juros no Brasil no

período 2015-2016 foi quase três vezes maior que o ritmo de queda no primeiro período (0,6

p.p. versus 0,18 p.p.). Este cenário explica em parte a forte recessão imposta ao país desde

2015. A contração da base monetária em ritmo acelerado jogou a economia em uma brutal

recessão. Deu-se, assim, um “cavalo de pau no transatlântico” em nome do combate à

inflação. Tem-se então que a redução acelerada da taxa de juro SELIC é uma condição

necessária e urgente para a retomada do crescimento e da melhor gestão da dívida pública.

O gráfico 4 mostra a evolução do PIB e Dívida Líquida absolutos. No período 2011-2016

(outubro), a taxa média de crescimento do PIB, em termos nominais, foi de 0,7% e da Dívida

Líquida Consolidada de 0,9%, este último impulsionado nos anos mais recentes.

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Aumetno de 0,18

pontos percentuais

por reunião

Redução de 0,06

pontos percentuais

por Reunião

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Grafico 4 –Evolução do PIB e da Dívida Líquida Consolidada – em R$

Fonte: Ipeadata, 2016

O gráfico 5 mostra a evolução da dívida/PIB no período 2002-2015. Ela girava em torno de 60%

do PIB ao final de 2002, reduzindo-se para 33% do PIB em 2014 e elevando-se em 2015 e 2016

para 36% e 44%, respectivamente. Parte da explicação está na queda de quase 10% do PIB no

período. Observa-se que somente a partir de 2015 é que a relação dívida/PIB piora, reflexo da

queda do PIB3. Percebe-se que houve uma queda consistente no período, reflexo de um

cenário no qual o PIB cresceu e a dívida manteve-se sob controle. Já a partir de 2015 observa-

se um recrudescimento do nível do endividamento em função da queda da atividade

econômica, cujo peso da dívida passou a ser relevante.

Grafico 5 – Percentual das Dívidas Bruta e Líquida Consolidadas em relação ao PIB

Fonte: Ipeadata, 2016

3 As condições para queda do PIB neste ano foram diversas: crise financeira internacional, dificuldades políticas do governo em aprovar medidas de ajuste no Congresso, aversão dos investidores em razão dos desdobramentos da Operação Lava Jato.

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dívida bruta/PIB dívida líquida/PIB

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Percebe-se assim que o comportamento do PIB impacta diretamente na dívida. E que um dos

fatores de queda do PIB tem sido as elevadas taxas de juros.

A Dívida Pública como Mecanismo Anticíclico

A teoria econômica estabelece que as autoridades econômicas de um país devam buscar

continuamente o crescimento da economia com estabilidade de preços, geração de empregos

e distribuição de renda. A busca destes objetivos se dá por meio da utilização de instrumentos

de política econômica, que podem ser de caráter monetário, fiscal, cambial e/ou de rendas. A

gestão da dívida pública está inserida no rol de instrumentos da política fiscal. Esta deve ser

entendida como um conjunto de decisões de alterações na arrecadação e nos gastos públicos

com vistas a alcançar os objetivos econômicos. Em linhas gerais, a busca por crescimento

econômico pode levar à adoção de medidas de caráter fiscal como, por exemplo, redução de

impostos na forma de desonerações fiscais (a exemplo do que ocorreu no passado recente

com os setores automotivo, de linha branca e construção civil, que ficaram isentos de IPI), ou

mesmo elevação dos gastos públicos em setores mais dinâmicos da economia (infraestrutura,

energia, moradia, saneamento básico etc). Supondo uma situação na qual os gastos mantêm-

se inalterados, o crescimento da economia (aumento da quantidade de riqueza produzida e da

renda) leva o governo a ampliar sua arrecadação. Nesta situação, há uma tendência de se

diminuir o déficit ou aumentar o superávit fiscal. Contrariamente, se há uma recessão

econômica, a redução da atividade produtiva e da renda leva a uma redução da arrecadação,

podendo ampliar o déficit ou diminuir os superávits fiscais. Assim, é recomendável que, em

períodos de crescimento econômico, o governo realize um esforço de geração de superávits; e

em períodos de recessão, o governo utilize da política de gasto para ativar setores da

economia e minimizar os efeitos da recessão, produzindo aumento do déficit ou redução dos

superávits. A política fiscal funciona como um estabilizador do nível de atividade econômica,

utilizada para produzir superávits em momentos de crescimento e déficits (ou reduções dos

superávits) em momentos de recessão. Este movimento anti-cíclico permite que a atividade

econômica sofra menores flutuações no médio prazo, evitando-se custos em termos de

emprego e renda. Mas como esta política foi conduzida no período recente? Desde o governo

Lula, no início de 2003, o país veio se comprometendo a gerar superávits primários na casa dos

3% do PIB. A partir de 2009, quando o país sofreu os efeitos da recessão global, estes

superávits foram se reduzindo exatamente para se evitar os efeitos negativos sobre o

crescimento da economia. 4

O resultado é que as políticas anticíclicas tiveram um efeito favorável até 2014, quando ainda

se observava um crescimento na casa dos 10% em termos nominais. Os períodos recentes de

queda do PIB (2015 e 2016) não permitem utilizar a política anticíclica porque a política

errática de juros elevados dos últimos anos produziu dois grandes efeitos: desaqueceu a

atividade econômica e agravou o déficit fiscal em função do aumento da conta de juros, que

4 Vale destacar aqui que as desonerações realizadas pelo governo Lula, e aprofundadas pelo governo Dilma, mostraram-se limitadas a partir de certo momento, porque não significaram ampliação dos investimentos e manutenção dos empregos como proposto inicialmente. Isto porque a elevação das taxas de juros levou o setor privado a "pisar no freio" dos investimentos e ampliar seu portfólio de investimento em carteira, tornando ineficazes os efeitos da política fiscal de desoneração.

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avançou de 8,1% do PIB em 2014 para 10,6% do PIB ao final de 2016. Tornar-se

particularmente desafiador e ousado ter uma nova política econômica orientada para a queda

dos juros, redefinindo-se as prioridades do gasto público e retomar a atividade econômica. A

queda dos juros pressionaria menos o déficit no futuro (estima-se que, para cada ponto

percentual de queda da taxa de juros, ter-se-ia R$ 30 bilhões a menos de juros a ser pago

sobre a dívida pública, o que contribuiria expressivamente para minimizar esforço fiscal em

andamento, cujo custo está recaindo sobre a parcela mais fragilizada da população). Redefinir

as prioridades do gasto público implica em definir aqueles que arcarão com o esforço de

geração de superávits. Além da redução dos juros, que consistiria na contribuição dos credores

do governo - bancos e grandes empresas - para o ajuste fiscal, as prioridades de gasto devem

estar focadas nos segmentos mais dinâmicos e que promovam o crescimento. Neste sentido, é

preciso reverter as desonerações cujos setores não responderam aos objetivos de geração de

emprego e investimento. A ampliação dos gastos em infraestrutura pode induzir a retomada

da atividade econômica que, conjugada com a queda dos juros, destravaria as linhas de

financiamento e estimularia o consumo, retomando o investimento privado, ampliando o PIB e

a arrecadação do governo, contribuindo assim para a estabilidade da relação dívida/PIB.

Projeção para o Déficit Público: Efeito dos Juros, PIB e Gasto Público per Capita

Um componente importante do gasto, que tem pressionado o déficit público nos anos

recentes, tem sido a taxa de juros. E muito mais até do que o próprio aumento do gasto. De

2010 a 2015, enquanto a despesa pública aumentou em média 12% ao ano, o pagamento de

juros elevou-se em 21%, praticamente o dobro! Em 2010 a pagamento de juros somou R$ 290

bilhões, elevando-se para R$ 742 bilhões em 2015! O déficit nominal (que inclui a conta de

juros) ficou em R$ 503 bilhões neste ano (8,5% do PIB), mas quando se considera o déficit

primário (que exclui a conta de juros), tem-se um superávit de R$ 240 bilhões (4,1% do PIB).

Ou seja, parte expressiva do déficit tão propalado refere-se às exorbitantes taxas de juros

praticadas pelo Banco Central. A título de exemplo, das 48 reuniões realizadas pelo COPOM no

período de janeiro de 2010 a novembro de 2015, a taxa SELIC média saltou de 9,9% em 2010

para 14,1% em 2015 (variação de 4,2 pontos percentuais). A conta de juros, que representava

17,6% dos gastos totais em 2010, avançou para 25,1% em 2015 (variação de 7,5 pontos

percentuais). Caso o país mantivesse o percentual da despesa com a conta de juros de 2010

(17,6%), o gasto com juros em 2015 se reduziria em aproximadamente R$ 220 bi, gerando

assim uma redução expressiva do déficit fiscal no conceito nominal de 8,5% do PIB para 4,8%

do PIB. E o déficit primário ficaria praticamente próximo de zero ao se desconsiderar o

pagamento de juros.

A partir de algumas premissas de evolução do PIB, das despesas públicas e dos juros, é possível

estimar o déficit nominal e primário para o período 2017-2020. Algumas conclusões prévias

sobre os resultados:

a) o argumento de que a trajetória da dívida é temerária e, por isto, justifica-se o

congelamento dos gastos públicos para os próximos vinte anos, não se sustenta, pois

variações do PIB e dos juros, por si só, exercem forte impacto na dinâmica da dívida,

muito mais do que a própria evolução histórica dos gastos públicos.

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b) Em 2016, a conta de juros representou 21,7% (R$ 636 bi) do total das Despesas,

considerando a taxa média de juros Selic da ordem de 14,1%. Só a redução progressiva

da Selic em um ponto percentual por ano até o final de 2020 (dos 14,1% para 10,1%)

diminuiria o peso dos juros dos atuais 21,7% para 13,9% da Despesa Total! Isto

significaria uma economia de quase R$ 500 bilhões no período de 2017 a 2020! O

gráfico 6 apresenta os impactos econômicos na conta de juros para diferentes taxas de

juros SELIC.

Grafico 6 – Simulação de Juros da Dívida para Diferentes % da Taxa Selic

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Secretaria do Tesouro Nacional

Observa-se que em 2016 o pagamento total de juros previsto até meados do ano seria de R$

636 bi para uma taxa de juros média de 14,1%. Em 2020, este montante seria de R$ 456 bi

para uma taxa média de 10,1% (redução de R$ 45 bi para cada ponto percentual da Selic ao

ano). A deficiência do argumento do governo em torno do ajuste fiscal reside exatamente na

ausência de qualquer referência aos impactos dos juros sobre o Orçamento Público.

A partir da simulação apresentada no gráfico 6, é possível estabelecer alguns cenários para o

déficit (superávit) público nos conceitos nominal e primário para o mesmo período. O gráfico 7

apresenta cenários de déficits e superávits para o período 2017-2020. Observa-se na linha

vermelha que, na medida em que ocorrem as diminuições dos juros, o déficit nominal (que

inclui a conta de juros) evolui de -5,7% do PIB em 2016 para -1,3% do PIB em 2020 (coluna da

esquerda). E o superávit primário (que exclui a taxa de juros) evolui de 4,9% do PIB em 2016

para 5,1% do PIB em 2020 (coluna da direita).

8,0%

9,0%

10,0%

11,0%

12,0%

13,0%

14,0%

15,0%

400,0

450,0

500,0

550,0

600,0

650,0

2016 2017 2018 2019 2020

Pgto Juros da Dívida (bi R$) Taxa Selic Média Anual

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Gráfico 7 – Simulação de Juros da Dívida para Diferentes % da Taxa Selic

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Secretaria do Tesouro Nacional

Um dos principais problemas da fixação de um teto para os gastos públicos, conforme

proposta na PEC 55, é que ela não considera a evolução da população brasileira. Em 2016, a

população total era de 206,9 milhões de pessoas. O gasto social per capita em 2016 ficou em

torno de R$ 4.720,23 (R$ 992 bi / 206,9 mi pop.). Se considerarmos que este número não

aumentará em termos reais, pode-se supor que o gasto per capital tenderá a diminuir no

decorrer do tempo. A previsão é que, em 2036, a população seja 228 milhões, um aumento de

10% em 20 anos (IBGE, 2016). Os gastos sociais em 2016 ficaram em torno de R$ 992 bilhões.

Considerando que estes gastos não sofrerão aumento em termos reais, e levando-se em conta

que a população crescerá a uma taxa média de 0,5% ao ano, a estimativa é que, em 2036, a

redução dos gastos sociais atinja R$ 80 bilhões. Ou seja, este seria o valor que deixaria de ser

aplicado nos programas sociais levando-se em conta o movimento populacional. O gráfico 8

mostra os valores que serão reduzidos da rubrica Gasto Social em razão da movimentação

populacional e do congelamento dos gastos limitados à inflação do período.

4,9%

4,9%

5,0%

5,0%

5,1%

5,1%

-6,0%

-5,0%

-4,0%

-3,0%

-2,0%

-1,0%

0,0%

2016 2017 2018 2019 2020

Déficit Nominal/PIB (%) Superáviti Primário/PIB (%)

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Gráfico 8 – Estimativa de Redução dos Gastos Sociais – em milhares de reais

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Secretaria do Tesouro Nacional e IBGE

A curto prazo, os efeitos sociais da PEC 55 serão pouco percebidos. A longo prazo, o horizonte

de tempo de 20 anos promoverá impactos sociais relevantes - porque reduzirá os recursos per

capita – e a despesa pública obedecerá a uma lógica estritamente fiscalista cujo objetivo é

produzir superávits para o pagamento dos juros da dívida pública. As discussões em torno das

opções de ajuste fiscal estão ocultas, porque os “argumentos incompletos” estão dominando.

Assim, como sugestão para o equilíbrio das contas públicas e o controle do suposto déficit

estrutural, caberiam as seguintes medidas:

a) Redefinir o sistema tributário de forma a tributar mais renda e patrimônio e menos

consumo e produção.

b) Ampliar o espectro de alíquotas de imposto de renda de forma a atingir os segmentos

de maior renda.

c) Tributar os ganhos de capital. O Brasil é um dos poucos países do mundo cujos ganhos

de capital não pagam imposto de renda.

d) Reduzir os juros e, por conseqüência, os valores pagos incidentes sobre a dívida

pública.

e) Rever as políticas de desonerações que consomem somas expressivas do orçamento

f) Coordenar ações de política econômica com vistas a estimular a atividade econômica

(concessão de crédito, investimento público em setores geradores de emprego,

redução dos juros ao tomador final, etc).

g) Redesenhar o sistema de aposentadorias do Brasil a partir do princípio da justiça

social. Os sistemas atuais (INSS, servidor público e militares) guardam diferenças

profundas entre si, gerando uma brutal desigualdade na aplicação dos recursos

públicos.

Existem caminhos alternativos aos “argumentos incompletos”.

(2.232)

(8.840)

(14.977)

(21.113)

(27.249)

(32.914)

(38.106)

(43.298)

(48.018)

(52.739)

(56.515)

(60.291)

(64.081)

(67.884)

(71.701)

(75.532)

(79.377)

(83.235)

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Volney Aparecido de Gouveia – Professor Mestre em Economia

Universidade Municipal de São Caetano do Sul - Instituto Mauá de Tecnologia – Universidade

Anhembi Morumbi – Centro Universitário Fundação Santo André

Referências

BRASIL. Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, 2016. Disponível em

<<http://www.orcamentofederal.gov.br/clientes/portalsof/portalsof/orcamentos-

anuais/orcamento-2016/orcamentos_anuais_view?anoOrc=2016>> Acessado em 27/12/2016

BRASIL. Banco Central do Brasil, 2016. Disponível em

<<https://www3.bcb.gov.br/expectativas/publico/consulta/serieestatisticas>> Acessado em

22/12/2016

BRASIL. Tesouro Nacional, 2016. Disponível em <<https://www.tesouro.fazenda.gov.br/-

/estatisticas-de-financas-publicas>> Acessado em 22/12/2016

BRASIL. IBGE, 2016. Disponível em <<http://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/ >>

Acessado em 20/12/2016