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DURABILIDADE DA PAISAGEM HISTÓRICA, CULTURAL-ETNOGRÁFICA E FERROVIÁRIA NO TRECHO OURINHOS-SP A APUCARANA-PR Humberto Yamaki (1) ; Alex Assunção Lamounier (2) (1) UEL, e-mail: [email protected] (2) IPHAN, e-mail: [email protected] Resumo O estudo trata da paisagem histórica, cultural-etnográfica e ferroviária ao longo dos trilhos da antiga CFSPP no trecho Ourinhos-SP a Apucarana-PR. O relevo e a bacia hidrográfica influenciaram fortemente o traçado e definiram paisagens ao longo do eixo ferroviário, bem como a localização de patrimônios e cidades. Parte do trecho da ferrovia cortava fazendas e terras de outras Companhias de Colonização como a Nambei Tochi Kabushiki Kaisha, e tangenciava o empreendimento da Brazil Takushoku Kumiai, de capital japonês. Revelam em alguns trechos, fragmentos de paisagem etnográfica. Passados mais de oitenta anos, o eixo da ferrovia, estações, pontes metálicas e caixas d'água continuam como marcos na definição do caráter da paisagem regional. O trabalho identifica estes remanescentes do período de desenvolvimento da ferrovia e avalia a sua importância como patrimônio durável. Integra um estudo maior sobre Paisagem no Norte do Paraná que vem sendo desenvolvido através da Pesquisa Paisagem Etnográfica Paranaense, com auxilio do CNPq, e A Ferrovia e o Norte do Paraná: métodos para identificação de paisagens e estratégias à preservação, com bolsa IPHAN. Palavras Chave: Paisagem Cultural e Etnográfica, Ferrovia, Norte do Paraná, Brasil. Abstract This study deals with the historic, cultural and ethnographic landscape along the railway from Ourinhos-SP to Apucarana-PR in Southern Brazil. The topography and the water features deeply influenced the railway planning and defined the landscape of an axis and the distribution of towns and villages. A portion of the railway crosses the land of other Colonization Companies such as the enterprise of the Nambei Tochi Kabushiki Kaisha of Japanese investors. This characteristic reveals fragments of ethnographic landscapes. Having passed more than eighty years, the railway axis, stations, iron bridges and water reservoirs remains as landmarks for the definition of a regional landscape character. This research identifies these remaining components and evaluates their importance as a durable landscape. This study is a part of the Parana State Ethnographic Landscape Research sponsored by CNPq and The Railway and the Northern Parana: methods of landscapes identification and strategies of preservation, with a fellowship from IPHAN. Keywords: Cultural and Ethnographic Landscape, Railway, Northern Parana, Brazil. 1. INTRODUÇÃO O projeto da ferrovia e da "Estrada de Autos" parte da esatratégia e grande indutor na colonização das terras no Norte do Paraná recebidas em concessão pela Parana Plantations Ltd., com sede em Londres. A partir das primeiras décadas do século XX, suas subsidiárias CFSPP - Companhia Ferroviária São Paulo Paraná e CTNP - Companhia de Terras Norte do Paraná, estenderam os trilhos existentes de Ourinhos a Cambará-PR para além rio Tibagi. XIV ENTAC - Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído - 29 a 31 Outubro 2012 - Juiz de Fora 2509

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DURABILIDADE DA PAISAGEM HISTÓRICA, CULTURAL-ETNOGRÁFICA E FERROVIÁRIA NO TRECHO

OURINHOS-SP A APUCARANA-PR

Humberto Yamaki (1); Alex Assunção Lamounier (2)

(1) UEL, e-mail: [email protected](2) IPHAN, e-mail: [email protected]

ResumoO estudo trata da paisagem histórica, cultural-etnográfica e ferroviária ao longo dos trilhos da antiga CFSPP no trecho Ourinhos-SP a Apucarana-PR. O relevo e a bacia hidrográfica influenciaram fortemente o traçado e definiram paisagens ao longo do eixo ferroviário, bem como a localização de patrimônios e cidades. Parte do trecho da ferrovia cortava fazendas e terras de outras Companhias de Colonização como a Nambei Tochi Kabushiki Kaisha, e tangenciava o empreendimento da Brazil Takushoku Kumiai, de capital japonês. Revelam em alguns trechos, fragmentos de paisagem etnográfica. Passados mais de oitenta anos, o eixo da ferrovia, estações, pontes metálicas e caixas d'água continuam como marcos na definição do caráter da paisagem regional. O trabalho identifica estes remanescentes do período de desenvolvimento da ferrovia e avalia a sua importância como patrimônio durável. Integra um estudo maior sobre Paisagem no Norte do Paraná que vem sendo desenvolvido através da Pesquisa Paisagem Etnográfica Paranaense, com auxilio do CNPq, e A Ferrovia e o Norte do Paraná: métodos para identificação de paisagens e estratégias à preservação, com bolsa IPHAN.Palavras Chave: Paisagem Cultural e Etnográfica, Ferrovia, Norte do Paraná, Brasil.

AbstractThis study deals with the historic, cultural and ethnographic landscape along the railway from Ourinhos-SP to Apucarana-PR in Southern Brazil. The topography and the water features deeply influenced the railway planning and defined the landscape of an axis and the distribution of towns and villages. A portion of the railway crosses the land of other Colonization Companies such as the enterprise of the Nambei Tochi Kabushiki Kaisha of Japanese investors. This characteristic reveals fragments of ethnographic landscapes. Having passed more than eighty years, the railway axis, stations, iron bridges and water reservoirs remains as landmarks for the definition of a regional landscape character. This research identifies these remaining components and evaluates their importance as a durable landscape. This study is a part of the Parana State Ethnographic Landscape Research sponsored by CNPq and The Railway and the Northern Parana: methods of landscapes identification and strategies of preservation, with a fellowship from IPHAN.

Keywords: Cultural and Ethnographic Landscape, Railway, Northern Parana, Brazil.

1. INTRODUÇÃOO projeto da ferrovia e da "Estrada de Autos" parte da esatratégia e grande indutor na colonização das terras no Norte do Paraná recebidas em concessão pela Parana Plantations Ltd., com sede em Londres. A partir das primeiras décadas do século XX, suas subsidiárias CFSPP - Companhia Ferroviária São Paulo Paraná e CTNP - Companhia de Terras Norte do Paraná, estenderam os trilhos existentes de Ourinhos a Cambará-PR para além rio Tibagi.

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Estava sendo planejado um grande projeto de colonização através da atração de imigrantes japoneses e europeus, além de migrantes. A Ferrovia e uma Estrada Mestre acompanhavam o espigão principal do empreendimento, divisor de grandes bacias hidrográficas. Um conjunto de patrimônios e cidades foram implantados ao longo desse duplo eixo, obedecendo a um distanciamento estratégico imposto pela necessidade de infra-estrutura de suporte à ferrovia e da modulação em glebas. É importante lembrar que, ao contrário do que se afirma usualmente, a venda de lotes das glebas rurais precedia a implantação de patrimônios.A Companhia adquire inicialmente um trecho ferroviário construído por fazendeiros liderados por Barbosa Ferraz, que seguia de Ourinhos a Cambará. No trecho a partir de Cambará até os limites da propriedade da CTNP, além do rio Tibagi, a ferrovia passava por terras de propriedades de outras Companhias de Colonização ou concessões que se aceleraram a partirde 1920. A Companhia Ferroviária exigia dos proprietários a doação de uma faixa de terras de quinze metros de cada margem da ferrovia, bem como áreas para acampamento de obras, paradas e estações. Segundo documentos da Nambei Tochi Kabushiki Kaisha de capital japonês, proprietária do empreendimento Fazenda Pirianito, cortada pela ferrovia, cerca de dez por cento do total das terras foram trocadas por ações da Companhia Ferroviária. Era, portanto, um custoso mas necessário investimento, visto que seria o transporte principal de possíveis compradores e para o escoamento da futura produção de produtos agrícolas (COMISSÃO DOS FESTEJOS DE 50 ANOS DE URAÍ, 1986, p.29). No caso da Fazenda Tres Barras e Patrimônio Assahilandia, empreendimento da BRATAC - Brazil Takushoku Kumiai ou Sociedade Colonizadora do Brasil, apesar da ferrovia não atravessar suas terras, constituiu importante indutor do processo de colonização. O escritório da BRATAC foi montado inicialmente num hotel na Estação Villa Jatahy. Os compradores de lotes eram conduzidos às suas terras a partir de Jatahy. (IKEDA, 1952, p.2)

Entre outras questões, a localização da estação segundo um conjunto de implantação tipo definia a planta básica das cidades. O parcelamento da área rural atravessada pela ferrovia permitia o reconhecimento de uma paisagem etnográfica marcada pelas construções com traços culturais marcantes e a própria maneira de ocupação do solo.

As características de relevo e as bacias hidrográficas do Norte do Paraná exerceram forte influência no traçado e implantação de equipamentos suporte da ferrovia. Havia a necessidade de transposição de inúmeros rios e de contornar serras. A travessia de locais com relevo acidentado, sem movimentação de terras, e a tentativa de afastamento dos rios e córregos resultaram em trechos com curvas em seqüência e definiram a sinuosidade geral da linha férrea. Contornar as irregularidades do terreno permitia também ajustar o grau de declividade através do aumento da distância da linha.Dentre os rios de maior porte, o Paranapanema e o Tibagi foram grandes desafios. A obra da ponte do rio Tibagi, por exemplo, durou três anos. Não menos trabalhosas foram as travessias dos rios Cinzas, Laranjinha e Congonhas. A busca dos pontos mais favoráveis, rasos e com leito em rocha, era fator que definia a lógica de implantação de pontes e, por conseguinte, influenciava no traçado geral da ferrovia. O relevo tinha, além disso, uma grande importância na definição dos pontos de abastecimento de água para as locomotivas. A localização das caixas d’água se dava conforme os locais mais fáceis de captação de água, e a relação entre distância e declividade. Nas áreas mais planas e retilíneas o trem poderia percorrer maiores distâncias entre um ponto de parada e outro. Tais fatores levaram inicialmente à implantação de caixas d’água próximas a margens de rios. Outras foram implantadas em pontos estratégicos em que se localizavam as chamadas "Casas de Turma" entre estações.

Passados mais de oito décadas, ainda hoje é possível reconhecer uma grande variedade de

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paisagens a partir da linha do trem. As pontes metálicas e caixas d'água continuam marcando fortemente o que pode ser chamado de paisagem ferroviária norte paranaense. O presente trabalho integra um estudo maior sobre Paisagem no Norte do Paraná que vem sendo desenvolvido através da Pesquisa: Paisagem Etnográfica Paranaense com apoio CNPq e Métodos e A Ferrovia e o Norte do Paraná: métodos para identificação de paisagens e estratégias à preservação, com bolsa IPHAN.

2. A TRANSPOSIÇÃO DE BARREIRAS NATURAIS E A DEFINIÇÃO DE PARADAS TÉCNICAS

Um levantamento topográfico realizado em 1944, após a incorporação da Ferrovia São Paulo-Paraná pela Rede de Viação Paraná-Santa Catarina (Decreto Lei no. 6412/44) apresenta o perfil atualizado da ferrovia entre Ourinhos-SP e Apucarana-PR. Além do relevo com grande variação de nível no trecho de duzentos e sessenta e nove quilômetros, pode-se constatar a implantação de trinta estações ferroviárias, dezoito caixas d’água e cinco pontes para a travessia dos rios Paranapanema, Cinzas, Laranjinhas, Congonhas e Tibagi (Fig.1).

Figura 1 – 3ª Secção: detalhe do Perfil da Ferrovia no Trecho Ourinhos-Apucarana mostrando os desníveis a serem vencidos, a localização de estações e caixas d'água (1944)

Rede de Viação Paraná-Santa Catarina (RVPSC)

Acervo: Museu Histórico de Londrina

2.1. As caixas d’água ao longo da ferroviaDas trinta estações ferroviárias apresentadas no perfil de 1944, cerca de quatorze possuíam caixas d’água. Outras três caixas d'água foram construídas próximas a pontes e uma em "Casa de Turma” – ponto de apoio para a manutenção e administração da ferrovia.A necessidade de paradas técnicas para abastecimento de água e lenha obedecia a um ritmo estabelecido pela razão entre distância e relevo. As principais estações, localizadas em cidades consideradas importantes, tinham também caixas d’água de abastecimento de locomotivas. Os trechos mais acidentados da ferrovia exigiam um percurso menor entre estes pontos, com uma distância média de sete quilômetros entre paradas de abastecimento. Nos trechos onde o relevo apresentava menor declividade, com retas mais longas, esse intervalo podia aumentar chegando até vinte e oito quilômetros. Na maioria dos outros casos uma caixa d’água era implantada a distâncias de quinze a vinte quilômetros. Pode-se afirmar que necessidade de abastecimento de água resultou, portanto na localização de estações e paradas, influenciando a implantação de cidades a distâncias ritmadas.Quanto à capacidade de abastecimento das caixas d’água, pode-se identificar três momentos diversos relacionados à construção da Ferrovia. No primeiro trecho, entre Ourinhos e Cambará, destaca-se a Estação de Ourinhos, importante ponto de entroncamento com a Estrada de Ferro Sorocabana, com caixa d’água de capacidade de sessenta metros cúbicos. Marques dos Reis, ponto de desvio para o Ramal do Paranapanema, vem em seguida com quarenta metros cúbicos. Presidente Munhoz e Cambará possuíam capacidade para apenas

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vinte metros cúbicos. Cambará contava ainda com um carneiro hidráulico com cano de seis polegadas de bitola para captação de água. No trecho entre Andirá e Jataizinho, os pontos de abastecimento alternavam caixas d’água com capacidade de cinqüenta e cinco a sessenta metros cúbicos. Destaca-se a Estação Ferroviária de Cornélio Procópio localizada no ponto mais alto deste trecho. Contava com a maior caixa d'água entre todas, com capacidade de oitenta e sete metros cúbicos alimentada com bomba e carneiro hidráulico com cano de seis polegadas de bitola (Fig.2). A altitude era considerada, portanto, um fator importante na lógica de abastecimento das locomotivas. A localização de caixas d’água de sessenta metros cúbicos junto a travessia das pontes dos rios Cinzas, Laranjinha e Congonhas, e de uma caixa d’água de cinqüenta e cinco metros cúbicos nas imediações do ponto da Turma 21 refletia a busca pelos locais mais favoráveis à captação de água. Esta ultima ficava a somente três quilômetros de uma Estação, a Serra Morena. Reforça o papel do relevo e rios como definidores de distâncias entre os pontos de abastecimento. Situada num trecho mais plano, a capacidade da caixa d’água da Estação Londrina, a principal cidade no inicio da colonização, era de somente trinta metros cúbicos.

A partir de Londrina os pontos de abastecimento passam a ser localizados apenas nas estações e consistem, todos, de caixas d’água com capacidade de sessenta metros cúbicos. Arapongas, no ponto mais alto deste trecho, possui uma capacidade de setenta e dois metros cúbicos comprovando a relação do relevo, disponibilidade de água e importância da estação.

Figura 2 – Casa para bomba e motor para alimentação de caixa d’água: estação Cornélio Procópio (1944)

Companhia Ferroviária São Paulo-Paraná (CFSPP)

Acervo: Museu Histórico de Londrina

As caixas d'água assim construídas eram de vários formatos e materiais. As metálicas eram feitas de chapa dobrada e ficavam no alto de uma estrutura também de perfis metálicos. Podem ser observados ainda hoje nas imediações das estações de Cornélio Procópio eCongonhas (Fig. 3). Um raro exemplar circular em concreto sobrevive junto à ponte metálica sobre o rio Congonhas. Numa viagem de trem, a vista de uma caixa d’água permitia antever a travessia de um ribeirão ou a proximidade de uma cidade.

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Figura 3 – Caixa d’água em estrutura metálica na estação Cornélio Procópio

Foto: Yamaki, 2011

2.2. As pontes metálicasNa implantação da Linha Ferroviária São Paulo-Paraná, a transposição de rios e córregos exigia a busca pelos melhores e menos custoso pontos de travessia. A localização das pontes acabava definindo também parte do traçado da ferrovia. Os locais mais propícios eram as partes rasas, em ponto mais plano possível, onde a água corria sobre um leito de rocha. Nas imagens a seguir (Google Earth, anos 2000), pode-se notar a existência de corredeiras nas proximidades de pontes, permitindo visualizar o leito de rocha (Fig.4 e 5).

Figura 4 – Ponte sobre as corredeiras do rio Cinzas

Fonte: Google Earth (2000)

Figura 5 – Ponte sobre as corredeiras do rio Tibagi

Fonte: Google Earth (2000)

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3. TIPOLOGIAS DE PONTES METÁLICAS

3.1. Ponte metálica sobre o Rio ParanapanemaLogo no início da construção da ferrovia a transposição do Rio Paranapanema já se apresentou como um desafio à ligação de Cambará com a cidade de Ourinhos, no estado de São Paulo. Era o ponto de entroncamento com a importante Estrada de Ferro Sorocabana. Inicialmente, a ligação entre São Paulo e Paraná se dava através de uma ponte provisória. A ponte metálica definitiva seria inaugurada em 06 de novembro de 1927. Robusta, a ponte treliçada tinha vigamento e proteção lateral de perfis metálicos parafusados (Fig.6). No trecho Ourinhos à atual Jataizinho, todas as pontes construídas eram metálicas, porém bem mais simples do que a pioneira ponte do rio Paranapanema.

Figura 6 – Grande ponte metálica treliçada sobre o rio Paranapanema

Foto: Yamaki, 2011

3.2. Pontes metálicas sobre os Rios das Cinzas, Laranjinha e CongonhasAlém dos rios maiores como o Paranapanema e Tibagi, a ferrovia teria que atravessar inevitavelmente os rios como o Cinzas, Laranjinha e Congonhas além de outros pequenos córregos.O projeto inicial da ponte metálica treliçada sobre o rio das Cinzas, a Cinzas Bridge, de pouco mais de cento e vinte metros de vão, trazia os detalhes em inglês (Fig. 7). Não só a construtora McDonald & Gibbs Co. tinha sede Londres mas os engenheiros ferroviários que participavam da construção da ferrovia também eram britânicos.

Figura 7 – Detalhe do projeto da Cinzas Bridge, s/d

Acervo: Museu Histórico de Londrina

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Mais tarde, o projeto inicial seria substituído por um outro mais simplificado (Fig. 8). Na solução final, a estrutura treliçada foi substituída por vigas. Esta tipologia seria repetida posteriormente nas pontes dos rios Laranjinha e Congonhas.

Figura 8 – Detalhe de ponte de 6/20m de vão – rio das Cinzas – k. 67.617,90

Companhia Ferroviária São Paulo-Paraná (CFSPP)

Acervo: Museu Histórico de Londrina

A construção de pontes menores seguia a mesma tipologia construtiva tanto para os rios quanto para os córregos, com variações apenas quanto à dimensão de vigas e comprimento. A foto da ponte sobre o rio Congonhas ilustra esta tipologia de implantação e construção de pontes na ferrovia CFSPP (Fig. 9). Implantada sobre um leito de pedras, num ponto mais raso do rio, foi construída em estrutura de vigas metálicas, com “salva-vidas” para pedestres, necessário em caso da passagem do trem durante a manutenção.

Figura 9 – Ponte metálica sobre as corredeiras do rio Congonhas

Foto: Lamounier, 2011

3.3. Transposição do Rio TibagiO prolongamento da linha férrea de Cambará até as margens do Tibagi e, a partir daí até o limite oeste do Estado fazia parte dos planos da Companhia de Terras Norte do Paraná. Em 1932 os trilhos já haviam chegado a Jatahy, mas o acesso a Londrina ainda era feito através de balsas e ônibus jardineiras que realizavam o transporte de passageiros e cargas por caminhos de lama e pedra.

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A ponte ferroviária demorou de 1932 a 1935 para ser concluída. Foi projetada pelo engenheiro Josef Grobenveger que já havia elaborado projetos na Estrada de Ferro Sorocabana. A obra foi realizada pela Rangel Christoffel & Cia, de São José dos Pinhais - PR com um custo de mil contos de réis. Construída em concreto armado, tem cinco metros e sessenta centímetros de largura e duzentos e noventa e quatro metros de comprimento, com treze vãos principais de vinte metros e dois vãos finais de dezessete metros.A inauguração finalmente ocorreu no dia 28 de julho de 1935. Um arco comemorativo decorado com bandeiras e palmeiras foi construído na cabeceira da ponte (Fig.10) e também na Estação de Londrina (YAMAKI, 2006, p. 110).

Figura 10 – Arco construído na inauguração da ponte sobre o rio Tibagi em 1935

Acervo: Museu Histórico de Londrina

A ponte sobre o rio Tibagi foi considerada um dos desafios no prolongamento da ferrovia e um passo decisivo no processo de colonização das terras da CTNP. Ainda hoje, a travessia do Tibagi constitui momento marcante nestre caminho histórico do Norte do Paraná.

4. CONCLUSÃOO eixo da ferrovia projetada pela Companhia Ferroviária São Paulo Paraná entre 1928 e 32, atravessa mais de duzentos quilômetros de uma região de características geográficas marcantes e cuja ocupação foi resultado de iniciativas variadas.

Afirma-se que os elementos que definem o caráter de uma paisagem histórica são as questões funcionais e estéticas da vegetação, redes de caminhos e estradas, sistemas de usos da água, tipologias e arranjos das edificações, além de elementos do mobiliário (CALTRANS, 1999, p.8). Assim, os trilhos e a faixa de terras definida pela ferrovia, as estações, pontes e caixas d'água podem ser considerados componentes para identificação de uma paisagem histórica ferroviária.

Se considerarmos a variedade de arranjos dos componentes da paisagem e suas qualidades ou atributos associados a Companhias de Colonização, como no caso da Colônia Fazenda Pirianito, empreendimento da Nambei Tochi Kabushiki Kaisha e indiretamente da Colônia Fazenda Tres Barras da BRATAC - Brazil Takushoku Kumiai, vislumbra-se a possibilidade de definição de uma paisagem etnográfica carregada de traços culturais com significados próprios aos imigrantes japoneses e outros.

Voltando à questão das paisagens, pontes e rios, afirma-se a existência de muitos poemas breve tankas escritos por pioneiros japoneses durante a viagem de chegada à região nos anos 30. De fato, a floresta e suas floradas, súbita clareira aberta quando se passava sobre o rio, a amplidão da vista, associada ao som das rodas do trem e talvez a paisagem olfativa, iam pontuando a jornada (YAMAKI, LAMOUNIER e MARTONI, 2005). Visualizar uma caixa d'água ao longe significava ao viajante, reconhecer a proximidade de uma estação ou rio.

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A permanência desses componentes refletem qualidades como durabilidade e sua manutenção deve voltar-se a discussões que envolvam a noção, ainda pouco conhecida, de patrimônio como sustentabilidade.

Apesar da extinção do transporte de passageiros, de um cotidiano fortemente ligado aos trilhos, os elementos da paisagem ferroviária, mais do que testemunho de um passado, se mantêm como definidores de identidade enquanto componentes da paisagem ao longo dos trilhos. Relacionam-se ao que Meinig (1979, p. 165) define como configurações reconhecíveis de uma paisagem, elementos que permitem a fácil identificação de uma área ou local. Afirma ser essencial a “conotação de continuidade” de determinadas cenas, que mantêm visível a ligação entre um passado importante e os dias atuais, bem como a representação de "estabilidade, prosperidade tranqüila, coesão e intimidade”.

A Paisagem Histórico Cultural, Etnográfica e Ferroviária, com destaque para estruturas como estações, pontes e caixas d'água constituem importante patrimônio, um acervo tecnológico, cultural e turístico no Norte do Paraná.

REFERÊNCIASATTOE, W. Historic preservation. In: CATANESE, A.; SNYDER, J. (orgs.). Urban Planning. USA: Mc-Graw Hill, 1988. p. 344-365.

CALTRANS, General guidelines for identifying and evaluating historic landscapes. California, 1999

COMISSÃO DOS FESTEJOS DE 50 ANOS DE URAÍ. Os passos de 50 anos de Uraí. Uraí: 1986

IKEDA, S.; 20° Aniversario de Fundação da Colônia Três Barras, Ed. Grafica Brasileira, SP, 1952

MEINIG, D. Symbolic Landscapes: some Idealizations of American Communities. In: MEINIG, D. (org.). The interpretation of ordinary landscapes: geographical essays. Oxford: Oxford University Press, 1979. p. 164-192.

REDE DE VIAÇÃO PARANÁ-SANTA CATARINA (RVPSC). 11ª edição do Correio dos Ferroviários da Rede de Viação Paraná-Santa Catarina. Ano XXXII, Curitiba, 1965.

REDE DE VIAÇÃO PARANÁ-SANTA CATARINA (RVPSC). Integração: Edição Especial do Correio dos Ferroviários da Rede de Viação Paraná-Santa Catarina. Curitiba, set. 1969.

YAMAKI, H. Labirinto da memória: paisagens de Londrina. Londrina: ed. Humanidades, 2006.

YAMAKI, H.; LAMOUNIER, A.; MARTONI, R. Paisagens dos lugares da memória. In: VIII PRESERVE -SEMINÁRIO NACIONAL DE PRESERVAÇÃO E REVITALIZAÇÃO FERROVIÁRIA, 2005, Rio de Janeiro. Anais do VIII SEMINÁRIO NACIONAL DE PRESERVAÇÃO E REVITALIZAÇÃO FERROVIÁRIA (PRESERVE 2005). Rio de Janeiro, 2005.

AGRADECIMENTOS Esta pesquisa foi realizada com apoio do Auxílio Pesquisa e Bolsa Produtividade CNPq ao projeto Paisagem Etnográfica Paranaense (Yamaki) e ao IPHAN pela Bolsa Pesquisa ao projeto A Ferrovia e o Norte do Paraná: métodos para identificação de paisagens e estratégias à preservação (Lamounier).

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