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19A desarticação da artesegundo Adorno:antecedentes e ressonânciasRodrigo Duarte

*

O tema da “desarticação da arte” ( Entkunstung der Kunst ) é umadas contribuições mais originais da Teoria Estética de TheodorAdorno no sentido de compreender as manifestações artísticascontemporâneas. O fato de que o lósofo tenha deixado essaobra inacabada explica parcialmente as relativas obscuridade eambigüidade que cercam esse conceito, o que nos lega a tarefa desua elucidação no próprio texto de Adorno, recorrendo, para isso,também a outros (poucos) escritos em que o lósofo trata dotema. Mesmo considerando que a “desarticação” seja um con-ceito típico da formulação mais denitiva da estética adorniana,é interessante observar em que medida esse conceito mantémuma relação tanto com a tradição anterior da losoa da artequanto com seus desdobramentos posteriores.

Em vista disso, este trabalho apresenta uma primeira seção,

na qual é abordado o liame da desarticação com o tema dom da arte nos Cursos de Estética de Hegel, nos quais o lósofoaborda a perda de substância das manifestações artísticas, de ummodo inequivocamente relacionado à concepção adorniana dadesarticação. Isso faz de Hegel um involuntário antecedentedessa concepção, que é discutida na segunda seção do presentetrabalho.

Numa terceira e última seção, esse trabalho procura avaliar aatualidade do conceito de desarticação por meio de sua compa-ração com desdobramentos mais recentes da estética, como, por

exemplo, a teoria sobre a arte contemporânea (ou pós-histórica)de Arthur Danto, a qual implica num conceito de manifestaçãoestética potencialmente dissolvida no seu próprio ambiente, deacordo com o qual se torna necessária uma discussão sobre oslimites da arte em sua relação com a vivência imediata.

Se, no caso da conexão com Hegel, a antecedência paracom o conceito de desarticação só pode ser involuntária, jáque, por razões óbvias, a ele não poderia ter sido dado optarpela anidade com o ponto de vista adorniano, seu liame com opensamento de Danto é mais complexo: o caráter involuntáriodo parentesco não é dado pela impossibilidade histórica de eleconhecer a estética de Adorno, mas de ele não ter se interessadoverdadeiramente por ela no período de formação de sua losoada arte. Sua atitude atual em relação a essa vinculação é de ad-mitir sua possibilidade sem, por outro lado, se entusiasmar muitocom ela

1.

* Professor titular dodepartamento de losoada UFMG, doutor emlosoa pela UniversitätGesamthochschule Kassel(Alemanha). Publicou, entreoutros: Mímesis e racionalidade(Loyola), Adornos (Ed. UFMG)e Teoria crítica da indústriacultural (ed. UFMG).1Num encontro pessoal quetive recentemente com Danto,em Nova York, ele se expressoumais ou menos assim sobre

sua possível anidade teóricacom o lósofo frankfurtiano:“Hoje em dia várias pessoas mepõem ao lado de Adorno. Nãoposso dizer até que ponto issoprocede porque não conheçobem o pensamento dele. Poroutro lado, sinto-me lisonjeadocom a comparação”.

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20 1. A discussão hegeliana sobre o m da arte comoum (involuntário) antecedente da desarticação

A tradução do neologismo “Entkunstung” por “desarticação” levaem conta que o prexo “des”, como o alemão “ent ”, denota umanegação da suposta ação de “articar” (uma “articação”), corres-pondente a um hipotético – de fato inexistente – vocábulo alemão“Kunstung”, que diferentemente de “Kunst ”, que designa o âmbitoda arte, preserva a idéia de uma ação. Desse modo, a partir do sig-nicado literal da palavra “desarticação”, tem-se o vislumbre deuma contradição interna no próprio processo lógico e histórico dodesenvolvimento da arte, que, na verdade, não está longe de certospontos de vista apresentados e desdobrados na estética de Hegel.

Esses pontos de vista se associam ao que se entende hoje por“tese hegeliana sobre o m da arte”, que, de fato, é uma conseqüêncialógica do modo como o lósofo insere a arte no seu sistema. Consi-

derando-se que a esfera do espírito absoluto é o corolário da marchatriunfal do espírito rumo à sua realização plena, torna-se claro queHegel tinha a arte em alta conta ao concebê-la como vestíbulo dessaesfera, precedendo a religião revelada e, depois dela, a losoa. Dife-rentemente de Kant, para quem o belo da natureza é o mais autêntico,Hegel argúi que a beleza deve ser o transbordamento, à superfície, deuma espiritualidade interna ao objeto que a veicula, o que não ocorrena coisa natural, cujo núcleo racional se encontra dissociado de suaaparência fenomênica, fazendo com que sua beleza seja apenas “paranós”,não em si mesma2. Por isso, Hegel concebe a arte como únicamatriz geradora da beleza e portadora da nobre missão de salvar aconsciência potencialmente contempladora da imediatidade irrevoga-velmente sensível do belo natural (cf. VÄ I, p. 201).

Por outro lado, é sabido que a espiritualidade “interna” dasobras de arte relaciona-se também com desdobramentos históricos,que, por sua vez, pressupõem graus diferenciados de proporcionali-dade entre elementos materiais e espirituais, o que gera a concepçãodo “Desenvolvimento do ideal nas formas particulares do belo ar-tístico” (VÄ I, p. 389-546; VÄ II, p. 13-242) e do chamado “Siste-ma das artes singulares” (VÄ II, p. 245-462). No que tange àquele,Hegel propõe que a primeira forma de correlação entre elementosmateriais e espirituais seja o que ele denomina “arte simbólica”, naqual a espiritualidade se encontra ainda muito incipiente, o que seexpressa tanto numa certa rusticidade formal quanto num excessode materialidade bruta nas obras. Exemplos concretos dessa formade arte são todas as manifestações arquitetônicas e escultóricas daAntigüidade não-clássica, nas quais os enormes colossos de pedra,por um lado, e as estátuas em que a gura humana é mesclada acaracterísticas animalescas, por outro, são indícios de uma espiritua-

lidade que ainda não encontrou sua perfeita contrapartida material.Mas o desenvolvimento daquela espiritualidade leva à superação daarte simbólica e ao surgimento da “arte clássica”, na qual o perfei-to equilíbrio entre os fatores espirituais e materiais engendra umarepresentação naturalística, ainda que idealizada, da gura humanacomo habitante de ambos os mundos, o sensível e o inteligível. Acontraparte histórica dessa concepção de “arte clássica” é o período

2 G.W.F. Hegel,Vorlesungenüber die Ästhetik . Frankfurt amMain, Suhrkamp, 1989, p.166.Doravante designado por“VÄ”, seguido do número dovolume em algarismos romanos,do número da página, entreparênteses e no corpo do texto.

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21de maior orescimento da arte na Antigüidade grega, com suas pro-duções tanto visuais quanto literárias e musicais.

Hegel sugere que, se o que estivesse em questão fosse “apenas”o atingimento da forma artística perfeita, o desenvolvimento do es-pírito absoluto pararia nesse momento da história cultural, pois “aforma clássica da arte atingiu o ponto mais elevado que a sensicação

da arte pode realizar e, se nela algo é insuciente, isso é apenas a pró-pria arte e a limitação da esfera da arte” (VÄ I, p. 111). Por essa razão,a arte clássica é superada pela “arte romântica”, que signica, paraHegel, aquela produzida a partir do início da era cristã e que se ca-racteriza por um “excesso” de espiritualidade, implícito na nova idéiade interioridade que adveio com o Cristianismo, o qual começa aextrapolar suas manifestações sensíveis até transbordar e não cabermais na “limitação da esfera da arte”. Esse é um modo de compreen-der a “necessidade” do m da arte na estética de Hegel.

No entanto, para reforçar essa compreensão, pode-se abordartambém o desenvolvimento exposto no “Sistema das artes”, no qualo processo dialético relativo à proporcionalidade entre os elemen-tos espirituais e materiais se expressa nas características especícasdos diversosmétiers artísticos. Desse modo, a arquitetura, na qual amaterialidade da construção coincide com o espaço tridimensionalimediatamente dado, destinado ao abrigo da divindade, encontra-sena posição de arte menos espiritual, correspondendo à forma simbó-lica na progressão descrita acima. Sua sucessora imediata, a escultura,associa-se ao momento em que o templo começa a ser habitado pela

divindade, inaugurando, por outro lado, um momento na históriadas artes em que se instaura uma tridimensionalidade ideal, não-coincidente com aquela imediatamente dada no espaço por nós ha-bitado. Como já se poderia supor, a escultura é a arte predominantena forma de arte clássica, na qual a idealização da gura humana secoaduna perfeitamente com a concepção grega de um sistema dedivindades que habitam espaços especícos, porém não totalmentedistanciados daquele habitado pelos seres humanos.

Esse processo dialético prossegue com a descrição da pinturaenquanto arte mais espiritual que a escultura, já que, em vez de sim-plesmente instaurar uma tridimensionalidade mais ideal do espaçodado, se consuma na representação bidimensional de um espaço que,exatamente por isso, pode ser descrito como ainda muito mais idealdo que o da escultura. Entretanto, o plano bidimensional em quese desenvolve a pintura perde em idealidade para o ponto unidi-mensional que, ao se mover periodicamente, introduz um elementotemporal que ocasiona uma vibração. Com isso, produz-se o som, amatéria-prima da música, a qual, por sua vez, só é superada pela poe-sia: arte mais espiritual que a música em função de o signicado queanima os sons das palavras poder ser considerado um espaço “nuli-dimensional”, i.e., sem qualquer dimensão material, apresentando,portanto, um grau superlativo de idealidade. Assim como a arquite-tura predomina no âmbito da forma simbólica de arte e a esculturano da forma clássica, o conjunto composto por pintura, música epoesia corresponde a diferentes momentos da forma romântica daarte. Aqui, considerando que a poesia é ométier artístico mais próxi-

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22mo do discurso que caracterizará, inicialmente, a revelação religiosamanifesta no livro sagrado e, depois, a realização da losoa comogura nal do espírito absoluto, temos novamente a exposição deuma situação-limite, na qual a arte é dialeticamente superada, dandoorigem a formas “mais racionais” do espírito: “O modo peculiar daprodução artística e de suas obras não satisfaz mais nossas mais altas

necessidades; estamos para além do ponto de poder adorar, endeu-sando, obras de arte e de orarmos diante delas. (...) O pensamentoe a reexão superaram a bela arte” (VÄ I, p. 24). É exatamente poressa razão que Hegel se pronuncia sobre o caráter de “passado” daarte, mesmo tendo em vista suas produções presentes: “Por isso nossopresente não é segundo o seu estado geral favorável à arte. Em todasessas relações a arte é e permanece, segundo o aspecto da mais altadeterminação, algo passado para nós”. (VÄ I, p. 25).

Desse modo, não me parece equivocado reconhecer na situ-ação descrita acima um antecedente signicativo da desarticação,

pois, nela, tem-se a existência factual de obras em relação às quaisnos resta apenas uma apreciação cada vez mais intelectual e dis-solvente do caráter de sensibilidade racionalmente mediatizada queengendrara a relevância da arte e sua “alta colocação” (cf. VÄ I, p. 23)no sistema hegeliano.

As razões que levaram Adorno a identicar a “desarticação”no cenário contemporâneo são, entretanto, de natureza bem diferen-te do que as que levaram Hegel à sua concepção sobre o m da arte.Elas dizem respeito, por um lado, à incapacidade crescente do grandepúblico para compreender em profundidade os fenômenos estéticoscomplexos, inclusive aqueles mais tradicionais. A desarticação pode,como se verá adiante, por outro lado, também ser entendida comouma tendência intrínseca da arte mais “avançada”.

2. O conceito de desarticação em Adorno

Embora o conceito de “desarticação” (Entkunstung) seja, como jáse assinalou, característico daTeoria Estética, a primeira vez em queAdorno emprega esse termo remonta ao texto “Crítica aos musican-tes” (“Kritik des Musikanten”), cuja versão denitiva foi transmitidacomo palestra radiofônica peloSüddeutschen Rundfunk , no início de1956, e publicada, posteriormente, em Dissonâncias3. Nesse texto, emque Adorno critica o movimento de educação musical na Alemanhado pós-guerra, pelo que ele considera um esvaziamento do potencialde negatividade da música em virtude do descaso pelo apuro formal,ele usa a palavra “desarticação” exatamente nesse sentido: “A ‘de-sarticação da arte’, que eu constatei no Jazz, estende-se também aomovimento musical ( Musikbewegung); algo relacionado a trajes típi-cos, ostensivamente próximo à natureza, que faz do pretenso despre-

zo pelas formas burguesas uma espécie de honra, porque a própriafelicidade da forma, sem a qual não há qualquer arte, se corrompeu”(GS 14, p. 85).

A comparação da arte dos “musicantes” com o jazz não é, demodo algum, fortuita, uma vez que, de acordo com a conhecida críti-ca que Adorno dirige a esse estilo de música popular, nele não have-ria senão a repetição de fórmulas usadas na música erudita européia

3 A história de todas asvicissitudes relativas àpublicação desse texto é narradano “Prefácio à terceira edição”(“Vorrede zur dritten Ausgabe”)In: Theodor Adorno, Kritik

des Musikanten, In:GesammelteSchriften Band 14: Dissonanzen.Einleitung in die Musiksoziologie.Frankfurt am Main, Surhkamp,1996, p. 10et seq. (Doravanteessa edição será indicada por“GS”, seguido do número dovolume e do número da página,após vírgula, entre parêntesis).

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23dos últimos trezentos anos, apenas “modernizadas” com uma rítmicaespecíca, de origem africana, com certas transgressões harmônicas etimbrísticas e com a introdução de práticas musicais também comunsem épocas passadas, como, por exemplo, a improvisação. Em ambosos casos, quando não ocorre a pura e simples inconsciência, há umasimplicação deliberada na linguagem musical com o objetivo de re-

forço de uma certa ideologia. Em razão dessa proximidade observa-se também que, no trecho supracitado, Adorno remete ao texto sobreo jazz, “Moda atemporal” ( Zeitlose Mode), de 1953, publicado pri-meiramente na revista Merkur , nesse mesmo ano, e depois emPrismas,cuja primeira edição data de 1955. Ao comentar a enorme inuênciaque o Jazz estava tendo sobre as novas gerações em todo o mundoocidental, Adorno chama a atenção para o seu caráter intermediárioentre a pura e simples adaptação ao sistema econômico, por um lado,e a valorização de um elemento imaginativo que esse gênero musi-cal pretende sustentar, por outro. Aqui, Adorno introduz a idéia dadesarticação, empregando uma locução verbal; portanto ainda semexpressá-la no substantivo que a tornou conhecida:

As pessoas em desenvolvimento ainda não estão total-mente dominadas pela vida prossional e seu correlatopsíquico, o “princípio de realidade”. Seus impulsos esté-ticos não são simplesmente exterminados pela opressão,mas desviados. O jazz é o meio preferencial desse desvio.Às massas de jovens que acorrem à moda atemporal ano aano, provavelmente para esquecê-la depois de alguns anos,ele fornece uma solução de compromisso entre a subli-mação estética e a adaptação social. O elemento “irrealís-tico” – não valorizável em termos práticos –, imaginativo,é admitido na medida em que ele se transforma no seupróprio caráter, de modo que ele mesmo se assemelhaincansavelmente ao empreendimento real; repete em siseus mandamentos, vai ao encontro deles e, com isso, seincorpora novamente ao âmbito do qual ele queria sair. A arte é desarticada[grifos meus/ rd]: ela mesma se apre-

senta como uma parte daquela adaptação, que contradizo seu próprio princípio. A partir daí iluminam-se algunstraços peculiares do procedimento jazzístico. (GS 10.1, p.135-136).

Uma vez que a introdução desse ponto de vista reporta-se a umfenômeno da cultura de massas, torna-se evidente que, já no textosobre indústria cultural da Dialética do esclarecimento, escrita junta-mente com Max Horkheimer e publicada em meados da década de1940, há indícios muito claros daquilo que, a partir dos anos 1950,Adorno denominará “desarticação”. A ela associados estão no re-ferido texto, dentre outros fatores, o estreitamento da concepção de“estilo”, a liquidação do trágico, o desarme do caráter de sublimaçãoda arte e a instrumentalização da beleza – cristalizada na idéia de“fetichismo das mercadorias culturais”.

Não é sem razão, portanto, que a primeira vez que o termo“desarticação” aparece naTeoria Estética é numa seção desse livro

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24intitulada “Desarticação da arte; para a crítica da indústria cultural”.Aqui, Adorno se reporta ao primeiro parágrafo da obra, no qual elemenciona a perda de evidência da arte no mundo contemporâneo,asseverando que ela reage a isso não apenas com a transformação deseus procedimentos, mas também com o questionamento sobre seupróprio conceito. Ao recordar a existência, no passado, de uma “arte

menor”, que coexistia com a arte autônoma antes de vir a se tornarobjeto da administração pela indústria cultural, Adorno aponta, numtrecho que, aliás, também remete à supracitada passagem dePrismas,para o fato de que a desarticação é, antes de tudo, produto da abor-dagem que o público adestrado pela cultura de massas faz da arte queainda poderia ser considerada autêntica, abordagem que expressa suainadaptação ao processo produtivo, sem que, no entanto, o redimadas mazelas dela decorrentes:

Aqueles que são tapeados pela indústria cultural e seden-tos por suas mercadorias se encontram aquém da arte: porisso, eles percebem sua inadequação ao processo socialvital contemporâneo – não sua própria inverdade – me-nos veladamente do que aqueles que ainda se lembramdo que era uma obra de arte. Eles forçam à desarticaçãoda arte. A paixão pelo toque, por não deixar que qualquerobra seja o que ela é e por orientar cada uma no sentidode diminuir a distância do observador é um inequívocosintoma daquela tendência. A vergonhosa diferença entrea arte e a vida, que vivem e na qual não querem ser in-

comodados porque não suportariam a repugnância, devedesaparecer. Essa é a base subjetiva para a inclusão da arteentre os bens de consumo por parte dosvested interests. (GS 7, p. 32).

Um ponto de vista semelhante, o qual aponta para a possibili-dade de a desarticação advir de uma incompreensão generalizadado público, é retomado, adiante, no parágrafo “Caráter de enigma eCompreensão”, no qual Adorno comenta a vanidade de tentar con-vencer sobre a importância da arte aqueles que, em virtude de suaimersão quase total no processo produtivo e – especialmente – suasubmissão aos ditames ideológicos a ele relacionados, já perderaminteiramente a noção do que seria uma expressão artística autênti-ca:

É impossível explicar a amúsicos o que seria a arte; oponto de vista intelectual eles não poderiam trazer parasua experiência de vida. Tão hipertroado está neles oprincípio de realidade, que esse torna simplesmente umtabu o comportamento estético; provocada pela aprova-ção cultural da arte, a amusia se transforma freqüente-mente em agressão e não por acaso essa leva a consciênciageral hoje à desarticação da arte. (GS 7, p. 183).

Descreve-se, aqui, o característico comportamento coletivo nosentido da incompreensão tanto do patrimônio artístico historica-mente estabelecido quanto – talvez principalmente – da arte con-temporânea, levando ao tratamento das obras como bens de con-

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25sumo, tendo em vista, como já se apontou, uma drástica redução dadistância entre a arte e a vida, não no sentido de elevar essa, mas node degradar aquela. Esse comportamento também não é redimidopor uma consciência difusa sobre o que seria a arte autêntica, pois,sob a base econômica da superprodução mercantil, ele leva à submis-são do (desde sempre problemático) valor de uso das obras ao seu

valor de troca, i.e., o prestígio do consumo cultural renado sobre-pondo-se a uma fruição direta das obras, redundando na concepçãode “fetichismo das mercadorias culturais”, primeiramente introdu-zida por Adorno no ensaio “O fetichismo na música e a regressãoda audição” e posteriormente desenvolvida no capítulo da Dialéticado esclarecimentoreferente à indústria cultural4. Essa situação abre ca-minho para compreender a desarticação, antes de tudo, como umaprojeção, por parte desse público culturalmente expropriado, da suanulidade interior sobre as obras, degradando-as por não se pôr à suaaltura: “Enquantotábula rasa das projeções subjetivas, a obra de arteé desqualicada. Os pólos de sua desarticação são: que ela se tornatanto coisa entre coisas quanto veículo da psicologia do observador.O que as obras de arte não dizem mais, o observador substitui peloeco padronizado de si mesmo, que ele ouve delas.” (GS 7, p. 33).

O silenciamento das obras advém da incapacidade de sua in-terpretação pelas massas, de modo que a desarticação pode ser en-tendida também como incompreensão das manifestações estéticasem virtude de uma projeção depauperada, implícita na referência ao“eco padronizado de si mesmo”. Para o entendimento mais apro-

fundado desse processo, é importante recordar a teoria da “falsa pro- jeção” da Dialética do esclarecimento, exposta não no capítulo sobre aindústria cultural, mas no intitulado “Elementos do anti-semitismo”.Segundo essa teoria, a projeção assemelha o exterior ao eu, ao con-trário da mímesis, na qual o eu se assemelha ao exterior. Essa “pro- jeção normal” é um mecanismo psíquico absolutamente necessáriopara que o mundo faça sentido para o sujeito, já que, numa evidenteinspiração kantiana, os autores armam que o hiato entre a interiori-dade e a exterioridade só pode ser transposto pela atividade subjetiva,somente a partir da qual pode-se falar numa experiência do mundopropriamente dita.Essa atividade do sujeito se baseia numa reexão cuja principaltarefa é exatamente diferenciar as contribuições advindas do exteriore do interior para a formação de uma cognição – num sentido muitogeral – do mundo. Ocorre, no entanto, que os indivíduos psiquica-mente expropriados, que compõem as massas tão características docapitalismo tardio, são, quase por denição, incapazes de realizar areferida reexão, introjetando de modo mimético padrões de com-portamento impostos pelo sistema de dominação e devolvendo-osao exterior, sem qualquer contribuição própria, por meio de umaprojeção empobrecida. A ela, Adorno e Horkheimer denominam“falsa projeção”, assinalando-a como fundamento de uma percepçãoequivocada da realidade que está na base do comportamento tantodo público cativo da indústria cultural quanto das leiras que ele-geram (e elegem) tiranos e os mantêm no poder. Por isso, não seriaerrado falar na desarticação, a princípio, como a falsa projeção diri-

4 Cf. Der Fetischismus in der

Musik und die R egressiondes Horens, In: Dissonanzen. Musik in der verwalteten Welt (GS 14, p. 24et seq.). Quantoao texto sobre a indústriacultural, a referência completa é:“Kulturindustrie. Aufklärung alsMassenbetrug“, In: Dialektik der Aufklärung(GS 3, p. 180et seq.).

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26gida àqueles construtos estéticos a que se têm chamado, desde muitotempo, obras de arte.

Assim como se está de acordo sobre a relevância da proje-ção como um importante dispositivo de nossa cognição em geral,pode-se dizer que a apreciação estética depende, mesmo que preli-minarmente, do caráter projetivo de nossas percepções. Entretanto, a

ausência da atividade reexiva do sujeito não pode ser compensadapor quaisquer características estéticas das obras, por mais fortes eevidentes que sejam, e é por isso que Adorno chama a atenção, nos“Paralipomena” daTeoria estética, para o caráter sistematicamente fal-so da projeção através da qual as camadas mais amplas da população“percebem” as manifestações artísticas, rearmando o relacionamen-to entre a desarticação e a incapacidade do público – cooptadopela cultura de massas – para avaliar corretamente as manifestaçõesartísticas, chegando ao limite de não reconhecer o seu direito deexistência:

Enquanto a tese do caráter projetivo da arte ignora suaobjetividade – qualidade e teor de verdade – e permane-ce aquém de um conceito enfático de arte, ela tem pesocomo expressão de uma tendência histórica. O que elafaz à arte de modo listino corresponde à caricatura po-sitivista do esclarecimento, à razão subjetiva liberada. Seuenorme poder social atinge o interior das obras. Aque-la tendência, que, pela desarticação, gostaria de tornarimpossíveis as obras, não pode ser interrompida com oapelo de que deveria haver arte: isso não está escrito emnenhum lugar. Deve-se apenas pensar com isso toda aconseqüência da teoria da projeção: a negação da arte.Do contrário, a teoria da projeção corre para sua pejora-tiva neutralização de acordo com o esquema da indústriacultural. (GS 7, p. 399).

Já sabemos que quase todas as ocorrências do termo “desarti-cação”, naTeoria estética, se referem, de um modo ou de outro, àindústria cultural; mas seria interessante poder observar com maisdetalhes de que modo essa interfere na apreciação das obras de arte,tendo em vista os diversos âmbitos artísticos. O único desses em queAdorno é mais especíco é o domínio da música, em vista do qual,aliás, se deu o primeiro emprego do termo “desarticação”. Isso podeser pelo menos parcialmente explicado pelo fato de que as aborda-gens sobre a desarticação na principal obra estética de Adorno são contemporâneas de textos sobre música dosEscritos musicais(maisespecicamente na coletânea denominada “Inpromptus”), tais como“Pequena heresia” e “Observações sobre a vida musical alemã”, nosquais também aparecem referências explícitas àquele conceito. Noque concerne ao primeiro texto, o autor critica o que ele denomi-na “escuta atomística”, chamando a atenção para a necessidade deuma compreensão musical que dê conta das conexões especícas dalinguagem sonora sem se descuidar da percepção da música comoum todo pleno de sentido, corporicando o que ele entende como“audição estrutural”5. Segundo Adorno,

5 O conceito de “audiçãoestrutural” é apresentado doseguinte modo na tipologiada audição da “Introduçãoà sociologia da música”: “O

comportamento totalmenteadequado poderia ser chamadode audição estrutural. Seuhorizonte seria a lógica musicalconcreta: compreende-se emsua necessidade – mesmo quede modo não literalmentecausal – aquilo que se percebe”.(GS 14, p. 182).

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27É pré-artística a audição atomística, que se perde, en-fraquecida e passiva, no estímulo do momento, no somisolado agradável, na melodia previsível e facilmente me-morizável. Uma vez que, nessa audição, a capacidade sub- jetiva para a síntese se perde, ela fracassa também diante dasíntese objetiva que toda música mais amplamente orga-

nizada realiza. O procedimento atomístico, que ainda temsido o mais difundido, é certamente aquele sobre o qual achamada música leve especula e o qual ela cultiva, trans-forma-se no divertimento sensível, saboroso, a desarti-cação da arte, da qual essa, de fato, muito diligentementeao longo de séculos e apenas com insistência se libertou.Quem ouve atomisticamente não consegue perceber amúsica – porque ela então escapa aos conceitos – sensi-velmente como algo espiritual. (GS 17, p. 297).6

Desse modo, tendo em vista que mesmo o que se entende por“gosto musical” encontra-se já bastante contaminado pela “escutaatomística”, registra-se no outro texto sobre música mencionado,“Observações sobre a vida musical alemã”, a exigência de que aconsciência musical mais avançada ultrapasse aquele, i.e., “não queatrás dele rumo à barbárie. No meio da tendência universal para adesarticação da arte, essa máxima, assim como um dia o título dolivro de Adolf Loos, tem sempre caído no vazio”. (GS 17, p. 183).

Cumpre observar que, para além dessa compreensão mais “sub- jetiva” – mesmo que coletivamente entendida – da desarticação, aqual se relaciona com a projeção da indigência cultural das massassobre os construtos estéticos, há inúmeras considerações, naTeoriaEstética, que apontam para sua possível realização no pólo objetivo daapreciação estética, i.e., nas próprias obras de arte7. Uma abordagemde Adorno que, em certo sentido, faz a transição entre a compre-ensão “subjetiva” e a objetiva da desarticação ocorre no parágrafointitulado “Expressão e construção“. Nele, Adorno estabelece quea dialética entre esses dois elementos, especialmente na vanguarda“clássica”, não se realiza como ponto intermédio, mas apenas na ra-

dicalização de um deles, a partir da qual o outro advém como con-trapartida. Exemplos desse processo são: no pólo da expressão, a peçaErwartung, de Schönberg, na qual os aspectos construtivos brotam doseu característico transbordamento expressivo; no pólo construtivo, aFilarmonia Berlinense, de Scharoun, na qual a extrema funcionalidadeda construção, tendo em vista o objetivo de execução (e de audição)de música sinfônica, acaba por criar uma linguagem arquitetônica degrande expressividade. A partir da idéia de que a “expressão absolutaequivaleria à própria coisa”, Adorno retoma a discussão sobre o temabenjaminiano da aura, associando essa “equivalência à própria coisa”da expressão ao “aqui e agora” da arte aurática, que se desintegra noâmbito da reprodutibilidade técnica:

O fenômeno da aura, descrito por Benjamin com nos-tálgica negação, perverteu-se onde ele se põe e, por meiodisso, simula; onde dispositivos que, segundo a produçãoe reprodução resistem aohic et nunc, são dependentes de

6 Esse trecho é transcritoipsis litterisno texto “Belaspassagens”, também de 1965(GS 18, p. 695).7 Ulrich Müller, em seu artigo„Die Illusion der Formlosigkeit.Zur Kritik gegenwärtiger‚Entkunstung’ der Kunst”( Zeitefhrift für kritische Theorie,12/2001, p. 9-28), parece não

levar em conta esse processono pólo objetivo da apreciaçãoestética, ao observar que, “paraAdorno, desarticação signicaduas coisas: a degradaçãodas obras de arte em coisasdo cotidiano e seu abusocomo construtos de projeçãosubjetiva” (p.9, nota 1).

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28uma aparência desse tipo, como o lme comercial. Issocertamente prejudica também o que é produzido indivi-dualmente, tão logo ele conserva a aura, elabora o parti-cular e socorre a ideologia, que se faz bondosa ao que ébem individualizado, que ainda existe no mundo admi-nistrado. Por outro lado, a teoria da aura, a-dialeticamente

manejada, se presta ao abuso. Com ela, aquela desartica-ção da arte se revaloriza como mote que se ajusta à era dareprodutibilidade técnica da obra de arte. (GS 7, p. 73).

Naturalmente, tem-se até aqui pouco mais do que o que jáse estabeleceu sobre o relacionamento entre a desarticação e a in-dústria cultural – campo privilegiado da reprodutibilidade técnicados objetos estéticos. Mas, na seqüência, ao apontar para a superio-ridade do “teor de verdade” (Wahrheitsgehalt ) das obras diante dospólos expressivo e construtivo, mesmo que ambos sejam passíveis de

cooptação pelo “mundo administrado”, Adorno chama a atençãopara o efeito daquele na “coerência” (Stimmigkeit ), i.e., no caráter deintegração, dos construtos estéticos autênticos, apontando para suatendência consciente à fragmentação na linguagem, o que se mos-trará como um possível caminho “interno” – e “objetivo” – para adesarticação.

Esse caminho continua a se descortinar no parágrafo intitulado“Tecnologia”. Nele, Adorno aponta para a característica da arte depreservar desde tempos imemoriais, no seu caráter de aparência, cer-to aspecto do encantamento da magia, de onde ela adveio e a qualsuperou, num processo que deve ter durado milênios. Entretanto,numa situação de progressivo desencantamento, na qual a raciona-lidade instrumental impera quase absoluta, a simples existência deobras de arte, com seu supramencionado caráter de aparência, é umescândalo e – principalmente – uma espécie de desao aos poderesconstituídos. Por outro lado, o liame com a magia é um fardo in-suportável para a arte que possui compromisso com a verdade e, aomesmo tempo, tem sua existência no mundo desencantado. Dessemodo, para Adorno, a fase nal da arte não seria, como estabelecera

Hegel, apenas a arte romântica, devendo incluir também uma faseanti-romântica, que seria a única com poderes – em virtude de seunegrume (Schwärze) – para fazer frente ao mundo desencantado me-diante a existência de algo que não existe. Disso resulta um inarredá-vel conito, que se manifesta num antagonismo interno às obras dearte, do qual advém um outro acesso possível à desarticação:

O a priori do enfoque pura e simplesmente artístico e oestado da história já não se anam mais, se é que algumdia se harmonizaram. E essa incongruência não é possívelde ser eliminada por meio de adaptação: a verdade é, an-tes, suportá-la. Ao contrário, a desarticação da arte – nãomenos da correta quanto daquela que se vende barato– é imanente, de acordo com a tendência tecnológica daarte, impossível de ser interrompida pela invocação deuma interioridade pretensamente imediata e pura. (GS7, p. 93-4).

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29A referida imanência da desarticação da arte em consonância

com sua “tendência tecnológica” é um primeiro aceno concreto paraa possibilidade de que ela não seja apenas um reexo da incompre-ensão do público estulticado pela indústria cultural, mas tambémabra caminho para uma incorporação, através da re-tradução em lin-guagem artística, de elementos presentes no mundo administrado,

tendo em vista resultados esteticamente frutíferos. Essa possibilida-de é explicitamente posta nos parágrafos contíguos, intitulados “O‘mais’ como aparência” e “Transcendência estética e desmagiciza-ção”. No primeiro, Adorno arma que o belo da natureza advémdo fato de que ela parece dizer mais do que efetivamente é, o queinspira a constituição da beleza artística como ummais construídopelas mãos humanas, ao qual também se pode denominar de “trans-cendência” das obras. Tendo em vista essa noção, pode-se dizer quea arte se desartica, naquele sentido pejorativo supramencionado, senão atinge o patamar dessa transcendência estética (cf. GS 7, p. 122).No parágrafo seguinte, Adorno retoma, para elucidar essa concepçãode transcendência, o tema benjaminiano da aura, ao qual aquela éaproximada tendo em vista a dialética de presença e ausência que écomum a ambas. Do tratamento ambíguo dispensado por Baudelairetanto à aura quanto à transcendência, surge a idéia de que a desarti-cação, em que pese sua primeira acepção – claramente prejudicial àarte –, se agura como um caminho possível para sua sobrevivência:

Benjamin chamou a atenção, sob a temática da aura, cujoconceito, em virtude de sua clausura, se aproxima bastantedo fenômeno que se ultrapassa a si mesmo, para o fato deque o desenvolvimento com a participação de Baudelai-re tornou a aura, mais ou menos como “atmosfera”, umtabu. Já em Baudelaire, a transcendência do fenômenoartístico é efetivada e negada de uma só vez. Sob esseaspecto, a desarticação da arte se determina não apenascomo estágio de sua liquidação, mas também como suatendência de desenvolvimento. (GS 7, p. 122-123).

A idéia da desarticação como tendência do desenvolvimen-to artístico leva ao pensamento de que pode ser interessante para acriação das obras uma espécie de simulação de sua dissolução na rea-lidade empírica, o que, por sua vez, leva à indagação sobre o relacio-namento da arte com aquilo que lhe é radicalmente exterior, temaque é abordado no parágrafo intitulado “A arte e as obras de arte”,no qual aquela idéia aparecerá a partir da discussão sobre o relacio-namento das obras com o conceito de arte. Inicialmente, aponta-separa a diculdade de o conceito genérico de arte atingir as obras nassuas realizações individuais, não em virtude de deciências de seuscriadores, mas principalmente porque as obras, em proporção cres-cente, abandonam a pureza conceitual que facilitaria sua subsunção ànoção mais ampla e se tornam “impuras”, na medida em que vão aoencontro do âmbito extra-artístico, mesmo levando em consideraçãotodos os enormes problemas que esse movimento pressupõe. Como já se sugeriu, esse é também um modo de compreender a desarti-cação da arte:

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30A antinomia do puro e do impuro na arte se subordinaàquela mais geral, de que a arte não é o conceito superiorde seu gênero. Esses diferem tanto de modo especícoquanto se imbricam. A questão predileta entre os apolo-getas tradicionalistas de todos os graus, “isso ainda é mú-sica?”, é infrutífera; ao contrário é concreto analisar o que

seria a desarticação da arte ou a práxis em que a arte demodo irreetido, aquém de sua própria dialética, se apro-xima do que é exterior ao estético. (GS 7, p. 271).

Naturalmente, essa aproximação ao “que é exterior ao estéti-co” é uma faca de dois gumes, pois, se, por um lado, é uma tendênciaque poderia garantir a sobrevivência da arte numa situação em quetalvez não sejam mais cabíveis obras pura e simplesmente auráticas,por outro, uma “práxis irreetida”, que lance a arte “aquém de suaprópria dialética”, apresenta o risco de sua indistinção dos produtos

da indústria cultural, que, anal de contas, coloniza quase todos osespaços da vida cotidiana das pessoas, inclusive – talvez especial-mente – sua relação com a cultura como um todo. Esse perigo nãopassou despercebido por Adorno, que no parágrafo “Posição paracom a práxis, efeito, vivência, abalo” introduz a noção desse último(‘Erschüterung’) como um importante elemento diferenciador entreas obras e as mercadorias culturais, asseverando que, naquelas, o abalorecorda o sujeito da debilitação a que ele está submetido, inclusivepelo efeito da cultura de massas. O liame entre o abalo e a desar-ticação ocorre na medida em que essa parece ser o fundamento

“interno” através do qual aquele se realiza, de acordo com o que dizAdorno, numa passagem em que, curiosamente, o abalo é aproxima-do também da concepção kantiana do sublime:

Abalo, contraposto de modo frontal ao conceito habitualde vivência, não é qualquer satisfação particular do eu,não é semelhante ao prazer. Ele é, antes, um momento daliquidação do eu, que se compenetra, enquanto abalado,da própria limitação e nitude. Essa experiência é con-trária ao enfraquecimento do eu que a indústria cultural

promove. Para ela a idéia do abalo seria uma tolice vã; issoé a motivação mais interna da desarticação da arte. Oeu precisa, para que ele enxergue apenas um pouquinhopara fora da prisão que ele próprio é, não da distração,mas do maior tensionamento. Isso preserva o abalo, ali-ás, um comportamento involuntário, diante da regressão.Kant apresentou elmente, na estética do sublime, a forçado sujeito como sua condição. (GS 7, p. 364).

Curiosamente, não se pode distinguir claramente se aqui “de-

sarticação” se refere à despotencialização das obras pelo público ouà sua dessubstancialização pelos próprios artistas, pois na frase “isso éa motivação mais interna da desarticação da arte” não está claro seo “isso” simplesmente corrobora a rejeição do abalo pela indústriacultural (caso em que a desarticação se equivale à falsa projeçãosobre as obras) ou se, ao contrário, se contrapõe àquela rejeição (casoem que a desarticação pode se concretizar como um procedimento

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31de criação de obras intencionalmente “inauráticas”). De qualquermodo, essa ambigüidade sugere a possibilidade de insuspeitados rela-cionamentos entre os dois signicados aqui considerados. Um delesdiz respeito ao fato de que, na esteira da vanguarda européia “clás-sica” do início do século XX, não faltaram exemplos de obras quepropunham uma espécie de indistinção entre elementos da vida e da

arte, como osready-madesde Marcel Duchamp ou, algumas décadasdepois, a peça “4:33” de John Cage, composta apenas de silêncio naduração indicada pelo seu título.

Sobre Duchamp, apesar de sua importância na modernidadeartística do início do século XX, Adorno não diz uma só palavra, oque é de se estranhar, principalmente levando em consideração quesua série de objetos diretamente retirados da vida cotidiana, como omictório (“Fountain”), a pá de neve (“In advance of a broken arm”)ou o cabideiro (“Trap”), datam da década de 1910 e certamenteeram conhecidos do lósofo. No que concerne a Cage: não obstantea tendência de Adorno a certo detalhamento da desarticação noâmbito da música no primeiro sentido aqui discutido, suas referên-cias ao compositor norte-americano8 não dizem respeito diretamen-te à desarticação no segundo sentido, i.e., à intencional dissoluçãoda obra no ambiente, mas à introdução do acaso na composição mu-sical, que, embora esteja no espírito daquela, não é assim encarada demodo explícito. Essa indistinção, proposta em várias obras de Cage,entre sons musicais e ruídos ambientais, foi recentemente abordadapor Arthur Danto no tocante à inclusão do compositor nessa ten-dência comum a várias artes nos anos sessenta:

Através de todo mundo da arte no início dos anos 1960havia exemplos que pareciam tão fortemente coisas quenão eram obras de arte, que teria sido difícil dizer qualera qual. Na música, John Cage estava subvertendo a dife-rença entre sons musicais, estritamente considerados, e osruídos da mera vida.9

Desse modo, a desconsideração, por parte de Adorno, de fe-nômenos como osready-mades duchampianos e a incorporação deruídos ambientes por Cage sugere que para levar adiante o exameda “desarticação”, enquanto proximidade extrema dos construtosestéticos para com objetos comuns, tenhamos que prosseguir sema companhia do lósofo alemão, apesar de ele ter sido o criadordesse termo e, ao que me consta, um dos primeiros a apontar paraessa tendência na arte contemporânea. Por outro lado, o fato de queDanto, embora não adote o termo cunhado por Adorno, aborde tãoinsistentemente ao longo de sua obra fenômenos limítrofes entre aarte e a vida sugere a necessidade da consideração de certos aspectosde sua estética.

3. A teoria da arte contemporânea de Arthur Danto comoum (involuntário) conseqüente da desarticação da arte

De fato, Arthur Danto, apesar de oriundo de uma vertente da lo-soa analítica, essencialmente diversa da TeoriaCrítica de Adorno10,desde a década de 1960 se ocupou losocamente de obras das artes

8 Cf. GS 10.1, p. 437; GS 14, p.128 e 295; GS 16, p. 480; GS 17,p. 168 e 270; GS 18, p. 136.9 Unnatural Wonders. Essays fromthe Gap between Art and Life,New York, Farrar, Straus andGiroux, 2005, p.12et seq.10 Certamente, as diferençasfundamentais entre Adornoe Danto são um problemaque não pode ser ignorado.No entanto, me parece

frutífero aproximar ambosos autores no que concerneao tema da desarticação.Uma discussão mais amplasobre a compatibilidade ouincompatibilidade das duasestéticas é uma questão emaberto, sendo que, até agora, hámuito poucos trabalhos que,de algum modo, aproximamAdorno de Danto. Euconheço apenas dois: “For theBirds/ Against the Birds. The

Modernist Narratives of Dantoand Adorno (and Cage)”, deLydia Goehr, cuja traduçãoestá publicada emEnsaios sobre losoa e música(VladimirSafatle e Rodrigo Duarte (org.),São Paulo, Editora Humanitas,2007), e uma parte do ensaio“Entkunstung”, de Alexander

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32visuais que poderiam ser entendidas – sem sombra de dúvida – como“desarticadas”. Embora façam parte de suas considerações osready-madesduchampianos, a análise de Danto recai principalmente sobrea Pop Art de Andy Wahrol. Sua exposição de 1964 na Stable Gallery,em que o artista apresentou esculturas que não passavam de pilhasde reproduções éis de caixas de esponjas de aço Brillo, de cereais

Kellogse de sopas enlatadasCampbell, dentre outros, inspirou Dantoa redigir seu texto “O mundo da arte”, no qual ele indaga sobre omistério da transformação de objetos comuns (ou de suas imagens)em obras de arte. Sua conclusão é de que é um tipo de olhar teórico,de certo modo especializado, que tem a capacidade de produzir essa“transguração”:

Não importa que a caixa de Brillo possa não ser boa– menos ainda grande – arte. O que chama a atenção éque ela seja arte de algum modo. Mas, se ela é, porque

não o são as indiscerníveis caixas de Brillo que estão nodepósito? Ou toda a distinção entre arte e realidade caiupor terra? (...) O que, anal de contas, faz a diferença en-tre uma caixa de Brillo e uma obra de arte consistente deuma caixa de Brillo é uma certa teoria da arte. É a teoriaque a recebe no mundo da arte e a impede de recair nacondição doobjeto real que ela é.11

Se, retomando o trecho supracitado, considerarmos o primeiroconceito de desarticação aqui introduzido, observa-se uma inte-

ressante simetria entre as abordagens de Adorno e de Danto: assimcomo a massa imbecilizada pela indústria cultural pode “desarti-car” (no primeiro sentido) algo que foi produzido especialmentepara ser uma obra de arte, um público “especializado”, pertencenteao “mundo da arte”, pode ajudar a “articar” um objeto (ou suaimagem) cuja confecção não tinha originalmente em vista uma pro-dução artística, a qual só pôde advir da adoção, pelo artista, de umaradical desarticação (no segundo sentido – relativo ao risco calcu-lado de uma descaracterização da obra mediante sua aproximaçãodo âmbito extra-artístico) ao propô-lo como “obra”. Esse fato gerouuma curiosa situação, na qual o mesmo listeu que adquiria suas cai-xas de esponjas de aço Brillono supermercado se mostrou chocadoao reencontrá-las na galeria de arte como elementos de esculturas.Ele só se tranqüilizou quando a indústria cultural tornou aPop Art palatável, embora nunca tenha entendido as implicações estético-losócas desse acontecimento.

As implicações losócas da possibilidade de situações-limiteno cenário artístico contemporâneo, nas quais objetos comuns sãoindiscerníveis de obras de arte, passaram, desde meados da década de1960, a ser uma obsessão para Danto, tendo sido retomadas no seuprincipal livro de estética, A transguração do lugar comum. Nessa obra,Danto parte de uma situação ctícia, na qual meia dúzia de telasquadradas, cobertas de tinta vermelha e sicamente tão idênticasentre si quanto poderiam ser, são passíveis de consideração comoseis obras de arte totalmente diferentes, com base no fato de que, emcada uma delas, dentre outros fatores, há uma motivação diferente,

Garcia-Dütmann (in:Kunstende. Drei ästhetische Studien, Frankfurtam Main, Suhrkamp, 2000, p.64-70). Enquanto o texto deGoehr se ocupa de elencar,no que concerne à música deJohn Cage, as semelhanças eas diferenças entre Adorno eDanto, o de Garcia-Düttmann,embora incluído num textosobre a própria desarticação,é uma contundente crítica aDanto, de um ponto de vistaque se pretende autenticamenteadorniano. Há que semencionar que a crítica deGarcia-Düttmann se baseiaapenas no livroThe Philosophical Desinfranchisment of Art , valendo-se de seu enfoque bastanteespecíco para desqualicaro ponto de vista de Danto:“o elemento questionável ereacionário dessa concepçãolantrópico-antropomórca, naverdade, estritamente antropo-lógica é mais do que evidente”(p.65). Naturalmente, não estoude acordo com o juízo deGarcia Düttmann, baseando-me em razões que, por fugiremdos objetivos desse artigo, nãopoderei nomear aqui. Pretendofazê-lo num texto em que assemelhanças e diferenças entreos dois autores serão abordadas.

__________

1 O mundo da arte (tradução deRodrigo Duarte), Artelosoa, n.1, 2006, p. 21-22. (Do original: The Journal of Philosophy, v. LXI,n. 19, 15 out. 1964.)

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33um título próprio e até mesmo uma datação especíca, que varia dosséculos XV (uma imagináriaConversazione Sacraapenas iniciada porGiorgione) ao XX (uma não menos ctícia “Toalha de mesa ver-melha”, de um desconhecido discípulo de Matisse). A essa coleçãode obras diferentes, composta de objetos materialmente idênticos, opintor “J” – personagem inventado por Danto – quer adicionar sua

própria tela quadrada vermelha, o que gera o seguinte comentáriodo lósofo norte-americano:Entrementes, posso apenas observar que, embora tenhaproduzido uma obra de arte (muito minimalista), não dis-cernível à primeira vista de uma simples superfície pin-tada de vermelho, ele ainda não fez uma obra de arte apartir daquela simples superfície pintada de vermelho. Elapermanece o que ela sempre foi: um estranho na comu-nidade das obras de arte, mesmo que aquela comunida-

de contenha tantos membros indiscerníveis dela. Dessemodo, esse foi um gesto simpático, mas inútil, da partede J: ele aumentou minha pequena coleção de obras dearte, deixando intactos os liames entre essas e o mundodas meras coisas. Isso intriga a J tanto quanto a mim. Nãopode ser simplesmente porque J é um artista, pois nemtudo que um artista toca se torna arte. (...) Isso deixa en-tão apenas a opção, agora realizada por J, dedeclarar aquelapolêmica superfície vermelha como sendo uma obra dearte. Por que não? Duchamp declarou uma pá de neve

como tal e ela se tornou assim; um porta-garrafas comotal e ele se tornou assim. Admito que J tem exatamenteo mesmo direito de declarar a superfície vermelha comouma obra de arte, portando-a triunfantemente através doliame, como se ele tivesse resgatado algo raro. Tudo agorana minha coleção é obra de arte, mas nada foi claricadosobre o que foi obtido. A natureza do liame é losoca-mente obscura, apesar do sucesso da investida de J.12

Embora não se mencione explicitamente aqui, essa discussão

sobre o que torna obra de arte um objeto indiscernível de meras coi-sas (como o quadrado vermelho do exemplo) certamente tem como Leitmotiva situação criada por Andy Wahrol, ao propor as réplicasidênticas de caixas de Brillocomo obras de arte. De fato, mais adian-te, ao imaginar outra situação-limite, na qual haveria uma confusãoentre uma obra de arte de Picasso, que não passaria de uma gravatatingida de azul, um trabalho manual idêntico feito por uma criança euma falsicação da primeira, feita por um falsário prossional, Dantore-introduz a espinhosa questão sobre o que torna algo uma obra dearte, diferenciando-o de objetos idênticos existentes no mundo dasmeras coisas:

O fato requer menção porque não é, como com J, sim-plesmente que acontece de Picasso ter sido um artista quesua gravata, mas não aquela da criança, é uma obra de arte,porque a coisa tem que estar numa relação correta paracom a pessoa que causa o seu advir à existência, mesmo

12 The Transguration of the Common Place. APhilosophy of Art . Cambridge(Massaschussets)/ London,1981, p.3.

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34se acontece de ele ou ela ser artista. Houve um certosentimento de injustiça quando Wahrol encheu a StableGallery com pilhas de suas caixas de Brillo. Porque o cai-xote de Brillo do lugar-comum foi desenhado por umartista, um expressionista abstrato, que, por necessidade,foi compelido à arte comercial e a questão era: por que

as caixas de Wahrol deveriam custar US$ 200, quando oproduto daquele homem nãovalia nem um centavo.13 À parte dessa discussão sobre o valor econômico de obras, que,

de resto, é mais mercadológica do que losóca, torna-se claro que,embora nessa importante obra de Danto haja poucas menções àPop Art , é ela que está na base de suas indagações mais pormenorizadassobre a possível indiscernibilidade entre obras de arte e objetos co-muns. A partir de meados da década de 1980, em sua coletâneaOdescredenciamento losóco da arte, especialmente no texto “O m daarte”, Danto passou a associar essas indagações à tese hegeliana sobrea perda de substancialidade da arte, com a qual iniciei minha exposi-ção: “(...) o pensamento de Hegel era que por um período de tempoas energias da história coincidiram com as energias da arte, mas agoraa história e a arte devem ir em direções diferentes e, apesar de a artecontinuar podendo existir no que chamei de um modo pós-históri-co, sua existência já não porta qualquer signicância histórica”14. Éinteressante observar que, para Danto, é muito signicativo o fato deessa consciência sobre o esgotamento das possibilidades “históricas”da arte advir do seio da própria atividade artística – se uma teoria

como essa surgisse simplesmente pelo arbítrio de um lósofo, elaseria, mais do que desprezível, extremamente autoritária.Esse fato leva Danto – mais uma vez – a valorizar de modo

muito particular aPop Art , pois, segundo ele, somente com ela a artechegou à sua “autoconsciência losóca”, que seria um sinônimodo m de sua história, de um modo análogo à estética hegeliana,na qual o m da arte, como parte da autoconsciência do espírito,redundará na losoa. A diferença é que, aqui, a “decretação” dom da arte, entendido como m da história da arte, ocorre a partir daprópria criação artística e não de “cima para baixo”, mediante o des-dobramento do espírito absoluto, como queria Hegel. Não é precisoinsistir que esse ato voluntário da desistência da exclusividade do atoplasmador de forma como denidor da arte, por parte dos própriosartistas, corresponde ao segundo sentido, atribuído por Adorno, dadesarticação, embora Danto, além de não usar esse termo, só muitorecentemente reconheceu o lósofo frankfurtiano como um inter-locutor válido, ao colocar o famoso trecho inicial daTeoria estética como epígrafe de um capítulo deO abuso da beleza15.

Disso resulta que Danto pode ser um parceiro fundamental

para continuar pensando a “desarticação” para além do escopoabrangido pela reexão adorniana, considerando-se também que oque apareceu no trecho citado acima como “modo pós-histórico”de existência das obras de arte se desenvolveu até chegar na conso-lidação, em meados dos anos 1990, em Após o m da arte, da noçãode “artepós-histórica”16 ou “contemporânea”, sobre a qual arma

13 Ibidem, p.44.14

Arthur Danto,ThePhilosophical Disenfranchisement of Art . New York, ColumbiaUniversity Press, 1986, p. 84.15

Arthur Danto,The Abuse of Beauty. Aesthetics and the Concept of Art . Chicago/ La Salle, OpenCourt, 2003, p19.16Arthur Danto, After the End of Art. Contemporary Art and the Pale of History. Princeton,Princeton University Press

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