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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA
CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO
BRUNA LIMA RODRIGUES
AS LENTES DE EVANDRO TEIXEIRA
SOB A DITADURA MILITAR DE 1964
RIO DE JANEIRO – RJ
2016
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BRUNA LIMA RODRIGUES
AS LENTES DE EVANDRO TEIXEIRA
SOB A DITADURA MILITAR DE 1964
Projeto de monografia apresentado como
requisito parcial para obtenção do título de
Graduado em jornalismo, pelo Curso de
Comunicação Social – Jornalismo da
Universidade Veiga de Almeida, sob
orientação do Prof. Me. Luiz Gustavo
Lacerda.
RIO DE JANEIRO – RJ
2016
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AGRADECIMENTOS
Mas tenho contado com a ajuda de Deus até o dia de hoje, e, por
este motivo, estou aqui e dou testemunho tanto aos simples
quanto aos importantes (...). (ATOS, cap. 26, vers. 22)
À Deus, seja dada, primeiramente, toda a gratidão. Ele me sustentou durante toda essa
caminhada. Desde da época da escola, quando fui desacreditada por professores e colegas, Ele
se manteve ao meu lado, justo e fiel, como diz em Sua palavra.
Agradeço aos meus pais, Lino Rodrigues, por ter me dado a fotografia como herança
genética, Ana Claudia, pelos incansáveis incentivos e palavras de amor, e Marco Antonio, que
me mostrou que eu posso conquistar o que eu quiser com esforço e perseverança. Agradeço a
minha avó, Orminda, que além do sangue e da cultura paraense que me permitiu ter, sempre
me apoiou com cada mínimo gesto de carinho e confiabilidade nos meus estudos.
Aos amigos de longuíssima data. Aos amigos que a universidade me trouxe. Duas, em
especial, se mantiveram desde o primeiro dia, em que éramos apenas calouras, Marcia Silva e
Jamile Bittencourt. Obrigada por serem parceiras de projetos, trabalhos, sonhos e conquistas.
Vocês tornaram essa jornada alegre e sempre acreditaram no meu potencial.
Agradeço ao amigo que ganhei, Evandro Teixeira. No início apenas admirava os
belíssimos trabalhos que este profissional realizou ao longo de mais de 50 anos de profissão,
após conhece-lo e conviver com ele, passei a ver que o menino do interior da Bahia
permanece ali, humilde e simples. Quem conhece Teixeira, conhece o Brasil pelo seu olhar.
Aos mestres, Luiz Gustavo Lacerda (Guto), por ter me orientado até aqui e,
principalmente, por confiar nesse trabalho e me manter firme nesse projeto, e a Diana
Damasceno, que no início me impulsionou a criar o documentário e mesmo depois disso, se
manteve andando paralelamente comigo, sempre com bons conselhos e ótimas dicas.
Muitíssimo obrigada, família, amigos e mestres. A vocês, todo o mérito que esse
projeto venha a receber.
4
RESUMO
O presente artigo relata os acontecimentos da Ditadura Militar, sob o ângulo do
premiado fotojornalista Evandro Teixeira. Para isso foi preciso contextualizar e apresentar
uma breve história da fotografia no mundo e o desenvolvimento do fotojornalismo no Brasil.
A importante dos registros de Teixeira são de grande valor, pois eles não ilustram
apenas o período críticos e delicado da nação, mas revelam o quão importante é, para a
história, que jornalistas e fotógrafos mantenham-se firmes as suas profissões e a sua ética –
mesmo sob ameaças.
Palavras-chave: fotojornalismo; Ditadura Militar; Evandro Teixeira.
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ABSTRACT
This present article reports the events of the Military Dictatorship, from the point of
view of the winning photojournalist Evandro Teixeira. For this, it was necessary to
contextualize and introduce a brief history of photography in the world and the evolution of
photojournalism in Brazil.
The importance of Teixeira's records are really valuable, for they do not only illustrate
the critical and delicate period of the nation, but reveal how important in history it is for
journalists and photographers to stay strong in their professions and their ethics - even under
threat.
Key-words: photojournalism; Military Dictatorship; Evandro Teixeira
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.........................................................................................................7
2. BREVE HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA................................................................9
2.1 FOTOJORNALISMO NO BRASIL........................................................................11
3. A DITADURA MILITAR NO BRASIL.................................................................14
4. EVANDRO TEIXEIRA............................................................................................21
5. O PROCESSO DE GRAVAÇÃO.............................................................................22
6. CONCLUSÃO............................................................................................................23
7. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................25
8. ANEXOS....................................................................................................................26
7
1. INTRODUÇÃO
A realidade da sociedade sempre foi reinterpretada por meio das informações
fornecidas através de imagens – embora não apenas através delas. Ao falarmos de fotografia,
veremos que seu início foi voltado para registros básicos do cotidiano. Fotos pessoais, em
família, de objetos, paisagens e animais. Fotografias sem nenhuma movimentação: imagem
estática. Controversamente, porém, a fotografia era vista como uma espécie de concorrente da
pintura, em tempos mais remotos.
Nosso sentimento irreprimível de que o processo fotográfico é algo
mágico tem base genuína. Ninguém supõe que uma pintura de
cavalete seja, em nenhum sentido, consubstancial a seu objeto; ela
somente representa ou alude. Mas uma foto não é apenas semelhante a
seu tema, uma homenagem a seu tema. Ela é uma parte e uma
extensão daquele tema; e um meio poderoso de adquiri-lo, de ganhar
controle sobre ele. (SONTAG, 1977, p. 87)
Essa ideia de substituição da pintura pela fotografia só foi quebrada quando as grandes
guerras começaram e, neste contexto, as informações sobre ela passaram a ser disseminadas.
Os jornais e revistas noticiavam o que ocorria durante o conflito, a fotografia, então, tornou-se
forte aliada do jornalismo e ajudou a dar credibilidade aos textos. O fotojornalismo se tornava
uma prática nas redações.
Segundo o dicionário Aurélio, o termo fotojornalismo é descrito como o jornalismo
em que a fotografia é primordial na veiculação da notícia. Aos poucos, esta prática jornalística
ganhou espaço nos veículos de comunicação de massa, ilustrou páginas de grandes revistas e
jornais, emocionou e contou diversas histórias de forma que qualquer pessoa –
independentemente da idade, do nível de escolaridade e do idioma de origem – pudesse
compreender.
A imagem não deixou de exibir o narcisismo, mas esta passou a ser levada com tanta
seriedade a ponto de ganhar categorias em grandes prêmios nacionais e mundiais. Exemplo
disso é o Prêmio Esso, que possui uma categoria específica para o fotojornalismo, todos os
anos.
Dentro do território brasileiro, o fotojornalismo foi fundamental por denunciar
inúmeros contextos. Secas no Nordeste, desastres naturais, escândalos da política, dentre
8
outros acontecimentos. O foco desta pesquisa, neste aspecto mais amplo, busca se fixar no
período histórico conhecido como Ditadura Militar, deflagrada no ano de 1964 e que teve seu
encerramento em 1985. Durante este período, fazer jornalismo se tornou um desafio diário. A
censura dominava o país, e os jornais eram proibidos de repercutir fatos que se desenrolavam
pelo Brasil. Esse divisor de águas da história brasileira, no entanto, foi desafiado e registrado
por diversos profissionais da comunicação, entre eles, o fotojornalista Evandro Teixeira.
As fotografias de Teixeira não ilustraram apenas o cenário político de mais de 20 anos
da Ditadura Militar: elas repercutiram por anos e, até hoje, são referência no debate sobre a
este período de suspensão do exercício da democracia nacional.
A câmera fotográfica foi a arma que escolhi para lutar contra a
ditadura militar. Desde o primeiro momento, quando flagrei a tomada
do Forte de Copacabana, na madrugada de 1º de abril de 1964, assumi
o compromisso de registrar imagens que revelassem às arbitrariedades
e as injustiças dos governos militares que tomaram de assalto a
democracia de nosso País. (TEIXEIRA, 2007, p. 117)
Os livros didáticos de história incorporaram as fotos do fotógrafo. O resultado do
produto de suas ideias, articulados com o domínio técnico da câmera fotográfica, geraram
outros livros e mais histórias vieram à tona. Uma de suas fotos, feita durante a Passeata dos
Cem Mil, é um dos registros mais representativos da época: ele foi motivo para a publicação
de um livro que buscou a história de algumas pessoas que foram reconhecidas na fotografia.
Apesar da asfixiante censura, da perseguição direta aos jornalistas e de um contexto de
medo nacional, porém, a população não se inquietou e foi para as ruas diversas vezes.
Evandro fez o mesmo e registrou muitos destes momentos. Entre eles, a fotografia de um
jovem sendo espancado até a morte por policiais militares.
Este trabalho de conclusão de curso pretende voltar à história e trazer à luz da
memória os acontecimentos eternizados nas lentes de Teixeira. Para complementar o trabalho,
produzimos um documentário jornalístico que deve melhor ilustrar o ponto de vista do
fotojornalista Evandro Teixeira, antes, durante e depois do período ditatorial.
O filme, que possui influência direta das técnicas do cinema, não se apresenta
ficcional, embora autoral, e deve narrar o cotidiano da vida e trabalho do fotojornalista em
questão, a fim de melhor informar sobre a relação entre fotografia e política.
9
2. BREVE HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA
A câmera obscura foi a primeira grande técnica usada para que uma imagem fosse
captada, registrada e, em seguida, reexibida. Ela consistia em “um cômodo fechado, de
qualquer dimensão, dotado de um orifício, uma pequena abertura que permite a entrada de
luz” (OLIVEIRA, 2009, p.1). Este objeto, a princípio, era utilizado para auxiliar os artistas
enquanto desenhavam.
Ilustração de uma câmera escura (www. lavfeunb.files.wordpress.com)
Os primeiros passos da fotografia, tal como conhecemos hoje, no entanto, foram dados
em 1827, através de inúmeras tentativas de fixar uma determinada projeção em um suporte.
Joseph Nicéphore Niépce é descrito como um dos pioneiros na descoberta. Após inúmeros
testes, Niépce conseguiu, finalmente, gravar uma figura sobre uma chapa de metal, ganhando
o título de inventor da heliografia – que, do grego, significa “gravar com o sol”.
Os principais resultados obtidos por Niépce por meio da câmera
obscura estão em A Vista da Janela, que mostra os telhados do
vilarejo visto de sua casa de campo de Le Gras, na vila de Saint Loup
de Varenne, perto de Chálon-sur-Saóne, sua cidade natal. Essa
heliografia é espelhada com uma imagem latente, somente visível com
angulação de luz. (OLIVEIRA, 2009, p. 6)
A imagem, porém, causou discórdia, pois a figura gravada teria sido intensamente
modificada devido à longa exposição na luz. Para que o método de Niépce obtivesse o
resultado desejado, era preciso expô-lo por 8 horas. Esse fator, de longa exposição, levou os
estudiosos a questionarem a veracidade da imagem e se perguntarem sobre o impacto do sol
10
na figura, já que o astro, ao mudar de posição, teria criado sombras no registro ao longo do
dia.
Francis Bauer deixou anotada, no verso da heliografia de A Vista da
Janela, a frase que cria discórdia entre vários pesquisadores: “Esta é a
primeira experiência bem-sucedida do Senhor Niépce para fixar
permanentemente a imagem da natureza, 1827” (OLIVEIRA, 2009, p.
6)
O francês Louis-Jacques-Mandé Daguerre, também pesquisador, entrou em contato
com Niépce a fim de saber mais sobre seus estudos. Após passarem algum tempo trabalhando
juntos, Daguerre resolveu seguir suas pesquisas sozinho.
Conta-se que, em uma noite de 1835, Daguerre guardou uma placa
subexposta dentro de um armário, onde havia adquirido uma imagem
de densidade bastante satisfatória, tornando visível a imagem em todas
as áreas atingidas pela luz (OLIVEIRA, 2009, p. 7)
Dessa forma, Daguerre torna-se o inventor do recurso que permitiu o pimeiro registro
da imagem estática e começa, assim, a comercializar o daguerriótipo. Enquanto isso, no
Brasil, o francês Hércules Florence, que residia no país desde 1824, já havia lido algumas
notícias a respeito dos estudos de Niépce e de Daguerre no Jornal do Comércio. Até que,
então, decide usar a poligrafia – o papel inimitável, cujo o objetivo era evitar a falsificação de
títulos de valor – junto à experiência da câmera obscura.
Após o endurecimento da cola, com uma agulha desenhava ou
escrevia nessa superfície, retirando a cola endurecida do fundo do
vidro para poder imprimir na prancha, utilizando-se da luz do Sol, do
cloreto de prata ou ouro, como se fossem tinta de impressão, chegando
naturamente a um processo que se aproxima muito ao da fotografia,
principalmente quando se fez uso da câmera obscura. A matriz era
colocada sobre um papel sensibilizado por cloreto de prata ou ouro, o
qual era prensado à luz do Sol, resultando em uma imagem.
(OLIVEIRA, 2009, p. 13)
O Brasil poderia ter sido o berço onde ocorreu a descoberta da fotografia, mas
Hércules Florence não publicou suas pesquisas e nem suas realizações a nenhum veículo de
imprensa da época. Aquelas que sabiam de suas descobertas, segunda a historiografia, eram
pessoas de seu círculo familiar e amigos mais próximos. Os únicos vestígios sobre suas
descobertas, atualmente, estão em manuscritos pessoais. Em 1839, no entanto, chega ao
conhecimento do mundo que Louis-Jacques-Mandé Daguerre havia fixado as imagens da
câmera obscura em uma chapa de prata.
11
A partir desse momento, Florence abandonou suas pesquisas com a
câmera obscura e sais de prata e escreveu, em uma cópia de um
diploma maçônico, conseguido por meio do processo da câmera
obscura sensibilizada com nitrato de prata, que outros tiveram mais
sorte. Divulgou suas pesquisas no jornal O Pharol Paulistano e no
Jornal do Commércio do Rio de Janeiro, sem obter êxito e
reconhecimento esperado. (OLIVEIRA, 2009, p. 19)
A partir do ano de 1839, a Academia de Ciências de Paris tornou o daguerreótipo
acessível ao público. No entanto, o primeiro equipamento só chegaria ao Brasil alguns meses
depois do anúncio de Daguerre, em 1840, trazido pelo imperador D. Pedro II – considerado o
primeiro fotógrafo da história do Brasil.
Assim, a fotografia, no seu início, era um privilégio dos mais abastados. Para estes,
registrar a própria imagem era um hábito de imenso valor em termos de status social. É
comum encontrar retratos e paisagens marcados como os primeiros registros da fotografia.
Com sua popularidade e tecnologia sendo desenvolvidas ano após ano, ainda existiam aqueles
que dissessem que a fotografia substituiria a pintura, mas as imagens obtidas pelas máquinas
fotográficas viriam a ser de interesse e de utilidade pública em breve e se destacaria como
uma técnica diferente daquela proposta pelas artes visuais.
Tais imagens são de fato capazes de usurpar a realidade porque, antes
de tudo, uma foto não é apenas uma imagem (como uma pintura é
uma imagem), uma interpretação do real; é também um vestígio, algo
diretamente decalcado do real, como uma pegada ou uma máscara
mortuária. (SONTAG, 1977, p. 86)
2.1 FOTOJORNALISMO NO BRASIL
A fotografia, desde seu desenvolvimento, foi encarada como a possibilidade do
registro visual da verdade. Desde 1880, a imagem já era utilizada em revistas, mas esta só
chegou aos jornais diários em 1904, após publicação do tabloide inglês Daily Mirror. A partir
desse momento, a fotografia se torna instrumento essencial para o jornalismo.
Para Susan Sontag1 (1977), a fotografia é um método de realçar o real, e o
fotojornalismo surge com esse propósito, isto é, de dar ênfase aos acontecimentos
__________
1 SONTAG, Susan. Sobre Fotografia. Companhia das Letras, reedição, 1977, p.94.
12
registrados. Mas existe, na terminologia, diferenças entre o profissional fotógrafo e o que
reconhecemos como repórter fotográfico. As funções e manipulações com o equipamento se
mantém iguais, mas a característica predominante no fotojornalismo é a de informar. Com os
rumores de guerras em determinadas partes do mundo, os jornais sentiram a necessidade de
mandarem repórteres e fotógrafos para registrarem os conflitos.
O fotojornalismo desenvolve, através de tempo, a reflexão do
fotógrafo em face do mundo que o cerca. Ele passa de retratista a
repórter e substitui a encomenda pela espontaneidade, a obrigação
pela liberdade, a rotina pela criatividade, a contemplação pela
acuidade psicológica. (BAHIA, 2009, p. 147)
No Brasil, a fotografia se voltava para um caráter documental. Militão Augusto de
Azevedo e Marc Ferrez foram os pioneiros na técnica, no país. São encontrados registros de
cenas urbanas de São Paulo e o início da ferrovia no Brasil. Muitos jornais e revistas da época
já adotavam as fotografias em seus exemplares, porém, as imagens ainda não eram
caracterizadas como fotojornalismo, pois elas apenas ilustravam a moda e o dia a dia das
pessoas, rechaçando um registro de episódios corriqueiros.
Em 1940, chega à revista O Cruzeiro 2 o francês Jean Manzon3, que criou um novo
formato em termos de registros fotográficos, transformando a ideia de fotojornalismo no país.
A fotografia humanista, na época, torna-se um produto nas redações. Com a entrada de novos
nomes para a Revista, entre eles José Medeiros, o ano de 1947 se torna, em termos históricos,
um divisor de águas para o fotojornalismo do país. Segundo os autores Helouise Costa e
Sergio Burgi, a revista incorporou “no início da década de 1940, o modelo da fotorreportagem,
tornando-se pioneira na implementação do fotojornalismo no Brasil”.4
__________
2 A revista O Cruzeiro foi criada por Assis Chateaubriand, em 1928. Até então ela trouxe consigo características
das revistas ilustradas estrangeiras.
3 Jean Manzon trabalhou em diversas revistas francesas. Embora ele tenha desempenhado um papel fundamental
para o fotojornalismo no Brasil, algumas de suas práticas foram consideras como espetáculo e sensacionalismo
jornalístico.
4 COSTA Helouise, BURGI Sergio, As Origens do Fotojornalismo no Brasil: um olhar sobre O Cruzeiro, São
Paulo: Instituto Moreira Salles, 2012, p. 7
13
Essa nova geração de fotógrafos, ao contrário, se inspirava na nova
linguagem visual surgida no cenário internacional do pós-guerra,
como o neoliberalismo italiano no cinema e a fotografia humanista
francesa. (BURGI, 2012, p. 33)
No mesmo ano, seria fundada a agência Magnum pelos fotógrafos Robert Capa e
Cartier-Bresson. A união dos dois profissionais traria grande impacto ao fotojornalismo
mundial. Capa e Bresson implementaram a ética e a qualidade da fotografia no trabalho,
prática que foi reproduzida em todas as redações do mundo – principalmente nas futuras
agências que surgiriam no Brasil.
Em 1947, é fundada a Magnum, agência de fotografia que possibilitou
a seus fundadores (Bresson, Capa, David Seymor e George Rodger)
afirmarem-se como defensores de uma fotojornalismo livre da
estrutura que submetia a imprensa aos interesses do poder, um
jornalismo humanista e de qualidade, adotando como prática a
proibição do uso de suas fotos fora do contexto em que foram
concebidas. (OLIVEIRA, 2009, p. 31)
Desde então, o fotojornalismo ganhou importância e passou a dar mais credibilidade
ao texto que o acompanhava. Antes, grandes parágrafos ocupavam as primeiras capas dos
jornais, agora, os impressos começaram a incorporar títulos, imagens e texto legenda em suas
capas, sendo, portanto, mais visuais que textuais. Jorge Pedro Sousa (2002) afirma que, “de
qualquer modo, como nos restantes tipos de jornalismo, a finalidade primeira do fotojornalismo,
entendido de uma forma lata, é informar”.5
Entendia-se, agora, que a imagem representava mais que um mero registro. Ela trazia
consigo uma representação da verdade, o sentimento e o impacto sobre aquele acontecimento.
Em função deste fotojornalismo, a sociedade formaria opiniões sobre diversos momentos da
época.
Uma sociedade se torna “moderna” quando uma de suas atividades
principais consiste em produzir e consumir imagens, quando imagens
que têm poderes excepcionais para determinar nossas necessidades em
relação à realidade e são, elas mesmas, cobiçados substitutos da
experiência em primeira mão se tornam indispensáveis para a saúde da
economia, para a estabilidade do corpo social e para a busca da
felicidade privada. (SONTAG, 1977, p. 86)
__________
5 SOUSA, Jorge Pedro Fotojornalismo, uma introdução à história, às técnicas e à linguagem da fotografia na
imprensa, Porto, 2002, p.8
14
A partir da década de 1960, revistas como Manchete, Realidade, e jornais como o
Jornal da Tarde, Folha de São Paulo, Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil, passam a dar
mais espaço em suas páginas para a fotografia documental. Em paralelo a essa valorização da
imagem, a história do Brasil ia sendo construída. A imagem passou a ser um meio
comunicacional de fácil compreensão. Se, antes, o rádio foi instrumento para a formação de
uma ideia de nação brasileira e de sua identidade, agora, a fotografia traria o conhecimento
das terras e cultura nacionais.
Nomes como Walter Firmo, Luís Humberto, Sebastião Salgado, Cássio Vasconcelos,
Marlene Bergamo, Cristiano Mascro e Evandro Teixeira, dentre outros, ganhariam
reconhecimento dentro e fora do país. Alguns possuem suas fotografias expostas em museus
dos Estados Unidos, Alemanha e França. Mesmo com uma crise simbólica enfrentada ao
longo dos anos de 1990, em que o fotojornalismo foi apontado como óbvio, repetitivo e clichê
– por causa da repetição de imagens –, ele se manteve fiel à sua função: informar. E este
caráter foi fundamental para a compreensão de um dos períodos mais controversos da história
brasileira: a Ditadura Militar de 1964.
3. A DITADURA MILITAR NO BRASIL
Por mais de cinquenta anos, a história do Brasil foi contata – nas escolas, nos livros
didáticos e científicos – como sendo dividida entre o antes e o depois do Golpe de 1964. Boris
Fausto foi um destes pesquisadores que se debruçou sobre o tema e relata que:
O movimento de 31 de março de 1964 tinha sido lançado,
aparentemente, para livrar o país da corrupção e do comunismo e para
restaurar a democracia. O novo regime começou a mudar as
instituições do país através dos chamados Atos Institucionais (AI) [...].
(FAUSTO, 2012, p. 257)
Os anos de 1960 mudaram o curso da história, para a nação brasileira. O então
Governo de João Goulart, o Jango, começaria um processo que culminaria com a renúncia de
Jânio Quadros. Jango já havia sofrido com as pressões dos militares no passado e, naquele
momento, vivia sob a suspeita de liderar uma luta armada. O país, economicamente,
encontrava-se em crise: a inflação chegava a 75%, em 1963, e, no ano seguinte, poderia
atingir 140%. As greves eram cada vez mais frequentes. O governo arrecadava menos que
15
valor total de seus gastos. Além disso, Jango possuía ideias e aliados considerados
comunistas, algo que não agradava uma elite empresarial e os militares da época.
Na chuvosa noite de 31 de março de 1964, enquanto o Forte de Copacabana, no Rio
de Janeiro, era invadido por um grupo militar comandado pelo coronel Cézar Montagna de
Souza, foi registrada a chegada do general Humberto de Alencar Castelo Branco, que viria a
ser o primeiro presidente do Regime Militar brasileiro.
Com o tempo, cristalizou-se em torno de 48 horas de 1964 um acordo
historiográfico entre vencedores e vencidos. A apologia dos
vencedores, procurando abrir a porteira das adesões, estabeleceu que
Jango foi derrubado pela vontade geral do povo e das Forças
Armadas. A necrologia dos vencidos, procurando fechar o diafragma
das responsabilidades, atribuiu à inércia de Jango a causa do
desmoronamento do “dispositivo” militar e político sobre o qual se
abrigava o radicalismo. Sem dúvida a inércia de Goulart foi um
detergente para as forças que o apoiavam. No entanto, ninguém
apoiava Jango supondo-o um resoluto. Além disso, nenhuma força à
esquerda do presidente tomou iniciativa militar relevante durante o dia
31. (GASPARI, 2014, p. 86-87)
A partir do dia 1º de Abril daquele ano, Jango deixaria o Rio de Janeiro com destino a
Brasília, buscando evitar qualquer tipo de conflito e derramamento de sangue diante da tensa
situação política.6 Após se exilar no Uruguai, o então presidente do senado declararia vago o
cargo de presidente da república brasileira.
Assumiu o cargo, na linha constitucional, o presidente da Câmara dos
Deputados, Ranieri Mazzilli. Mas o poder já não estava nas mãos dos
civis e sim dos comandantes militares. (FAUSTO, 2012, p. 255)
As Forças Armadas assumiram o poder do Brasil com a missão de restabelecer a
ordem política “limpando” o país do comunismo e propondo soluções econômicas. Os
políticos que apoiaram o “movimento” acreditavam que, após se cumprir esta tomada de
poder, os militares devolveriam o cargo a eles – o que não aconteceu de imediato.
O mês de Abril ficou marcado, assim, por atividades políticas de militares. Eles
afastaram e cassaram os mandatos de diversos políticos e instauraram o AI-1, o 1º Ato
__________
6 FAUSTO, Boris, História Concisa do Brasil, São Paulo: Editora Universidade de S. Paulo, 2012, p. 255
16
Institucional em 9 de Abril de 1964.7 Este manteria a Constituição de 1946, porém, com
alterações. O Ato determinou a eleição, indireta, do novo presidente da República pelo
Congresso. Também viabilizou a cassação de direitos políticos, demissões de funcionários
públicos e um regime que abafava as manifestações contra a tomada de poder. Neste contexto,
no dia 11 de Abril, o general Castelo Branco seria eleito presidente do Brasil.
A partir desses poderes excepcionais, desencadearam-se perseguições
aos adversários do regime, envolvendo prisões e torturas. Mas o
sistema ainda não era inteiramente fechado. Existia a possibilidade de
se utilizar do recurso do habeas corpus perante os tribunais e a
imprensa se mantinha relativamente livre. (FAUSTO, 2012, p.258)
O Serviço Nacional de Informação (SNI), criado na época pelo general Golbery do
Couto e Silva, que logo ficaria conhecido como uma rede de espionagem e repressão, tinha
como principal objetivo coletar e analisar informações que pudessem interferir na Segurança
Nacional.
O SNI nasceu fazendo segredo de tudo aquilo que a Presidência
precisava que fosse bem-feito. (...) O SNI foi desastroso para o país
que o cevou. Transformou-se em tribunal de instância superior para
questões políticas (...). (GASPARI, 2014, p. 170-171)
Em outubro de 1965, Castelo Branco assinaria o 2º Ato Institucional (AI-2), que
reforçava os poderes do presidente da República – podendo baixar decretos e leis – e instituiu
que a eleição para presidente e vice-presidente seria feita por maioria do congresso. Partidos
políticos já existentes, como o PSD, PTB e UND, seriam extintos e autorizada a criação de
apenas dois grupos ideológicos: foram eles a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e, o
segundo, de oposição consentida, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB)8. Em menos
de um ano no poder, o 3º Ato Institucional (AI-3) seria instaurando. Esse momento apontava
para um progresso que culminaria em um fechamento do regime: e a cada novo passo do
presidente, a linha dura9 se fortaleceria. Em Outubro de 1966, o general Arthur da Costa e
__________
7 KOSHIBA, Luiz, História Geral do Brasil: trabalho, cultura, poder, São Paulo: Atual, 2004, p. 394
8 FAUSTO, Boris, História Concisa do Brasil, São Paulo: Editora Universidade de S. Paulo, 2012, p. 262
9 As Forças Armadas dividiam-se em duas tendências: a dos liberais conservadores e a chamada linha dura. Os
primeiros defendiam a necessidade de passar o comando do governo para a classe política, logo após a ordem se
reestabelecesse. A linha dura era formada pelos militares extremistas, convictos de que só eles podiam assegurar
o fim da ameaça comunista.
17
Silva seria eleito, pelo Congresso, o novo presidente da República.
No mesmo ano, Castelo Branco assinou o AI-4, que convocava o
Congresso em caráter extraordinário para discutir e aprovar uma nova
Constituição. Elaborado por uma equipe de quatro juristas, o
anteprojeto constitucional foi aprovado pela maioria arenista (partido
governamental) no Congresso em 24 de janeiro de 1967, sem
nenhuma modificação. A Constituição de 1967 foi à quinta do Brasil e
a quarta da República. (KOSHIBA, 2004, p. 396)
Com a posse de Costa e Silva em março de 1967, a tensão entre as duas frentes
militares se intensificou. A linha dura se mostrava mais forte e poderosa sobre os outros
setores militares. Na mesma medida, os grupos contrários ao governo ditatorial se
amplificaram, ainda que clandestinamente. A União Nacional dos Estudantes (UNE), que já
havia tido a sua sede incendiada em 1964, começou a se mobilizar com mais força nesse
contexto.
Foi a partir do ano de 1968, porém, que a luta armada ganhou forma e saiu às ruas.
Embora a Ditadura Militar estivesse longe de acabar, foram as ações tomadas neste ano que
subverteram os rumos da história. A morte de um estudante durante um protesto no Rio de
Janeiro, provocada pela Polícia Militar, comoveria o país e levaria às ruas da cidade milhares
de cariocas durante o funeral.
O ponto alto da convergência dessas forças que se empenhavam na
luta pela democratização foi à chamada passeata dos 100 mil,
realizada em junho de 1968. (FAUSTO, 2012, p.264)
Com as mobilizações ganhando cada vez mais espaço nas ruas e tomando força para
combater o regime ditatorial, os militares se reuniram e tomaram como pretexto todos esses
movimentos antes de baixar o Ato Institucional nº 5 (AI-5), em 13 de dezembro de 1968. Este
ato romperia com a Constituição de 1967 e, diferente dos outros, não tinha prazo de vigência.
A capa do Jornal do Brasil do dia seguinte à promulgação estampava a manchete: “Governo
baixa Ato Institucional e coloca Congresso em recesso por tempo ilimitado”10
O Ato era uma reedição dos conceitos trazidos para o léxico político
em 1964. Restabeleciam-se as demissões sumárias, cassações de
mandatos, suspensões de direitos políticos. Além disso, suspendiam-se
as franquias constitucionais de liberdade de expressão e de reunião.
(GASPARI, 2014, p. 342)
__________
10 Jornal do Brasil (JB), 14 de dezembro de 1968, nº213.
18
O AI-5 deu ao presidente da República poderes ditatoriais. Ele podia baixar leis em
todas as esferas – federal, estadual e municipal –, tornando, inclusive, o exercício do
jornalismo como ato de risco. A censura nos veículos de comunicação aumentou, foi preciso
“reinventar” o modo de se fazer notícia. Com o Ato em vigor, muitos professores
universitários perderam o emprego, a tortura passou a ser integrante dos métodos de controle
usados pelo governo e todos aqueles que se pronunciavam contra o regime era perseguidos.
Associado a um forte esquema de repressão e à montagem de sistema
de inteligência, o AI-5 instaurou um regime de terror no país, com
prisões, torturas e desaparecimentos de várias pessoas. Muitos viram
no exílio a única saída para continuar vivos. (KOSHIBA, 2004, p.
396)
Em 1969, o presidente Costa e Silva foi afastado de seus poderes devido a um
derrame. A Junta Militar colocaria o general Emílio Médici como seu sucessor. A partir de
outubro, com o novo presidente, os Atos Institucionais foram incorporados à Constituição,
fazendo nascer, assim, a 1ª Emenda Constitucional brasileira. Nela, ficou instituída a pena de
morte para “crimes” contra a segurança nacional. Todos os meios de comunicação, que
incluíam estações de rádio, canais de televisão e as redações dos jornais, foram submetidas a
passar pelo crivo dos militares que, agora, estavam pessoalmente nas redações. Integrantes do
meio artístico também precisaram se submeter à censura. As letras das canções eram checadas
previamente e, se necessário, tinham trechos limados. Por conta desse período que mais
representou um retrocesso que um progresso nacional, a oposição se mobilizaria e buscaria o
confronto armado. Uma militância, formada principalmente por estudantes do Rio de Janeiro,
São Paulo e Belo Horizonte, tomavam as ruas.
O dilema de um grupo revolucionário não está no que acontece ao seu
adversário, mas no que acontece a ele mesmo, na sua capacidade de
sobreviver. Uma organização vence enquanto existe e perde quando se
desintegra. Seu objetivo pode ser a derrubada do governo, mas sua
luta cotidiana é pela existência. (GASPARI, 2014, p. 355)
Com o passar dos anos, a repressão, porém, não cessaria. Sindicatos viveram
episódios sob constante ameaça, reuniões e encontros em locais públicos eram vistos como
ações suspeitas, as greves foram proibidas, correspondências privadas eram violadas e
inúmeros casos de desaparecimentos vieram à tona.
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Os DOI-CODI11 se tornaram símbolos de terror e medo, e caracterizariam o governo de
Médici. O fato da censura ter se fortalecido, a liberdade de expressão ter sido suprimida e os
inúmeros casos de tortura e mortes suspeitas resultaram em um esvaziamento da resistência.
No entanto,
Os militares sabiam bem que não seria possível sustentar um regime
apenas pela força da repressão. Era preciso legitimá-lo minimamente,
por meio da opinião publica. Em clima de ufanismo, campanhas
publicitárias – do tipo “Brasil: ame-o ou deixe-o” – foram amplamente
usadas, mas a base da legitimação foi fornecida pelo programa de
intensificação do crescimento econômico. (KOSHIBA, 2004, p. 398)
O período, por outro lado, é costumeiramente evocado como “milagre econômico” e
teria durado entre os anos de 1969 a 1973. Este período viria a ser um momento de grande
incitação ao consumo. O então ministro da fazendo, Delfin Netto, colocaria em prática o
programa de crescimento acelerado. Com uma inflação baixa e um PIB (Produto Interno
Bruto) em ascensão, permitiram que uma classe média brasileira pudesse comprar produtos
que, antes, eram exclusivos da elite.
Em 1974, o general Ernesto Geisel assumiria a presidência do país. Seu governo seria
conhecido pelo início do processo de abertura política, ainda que de forma lenta e gradual.
Nesse momento, as Forças Armadas já sentiam um desgaste e o plano econômico de Delfim
Netto apresentava sinais de esgotamento. Embora a ideia do general-presidente fosse de
desmoralizar as Forças Armadas, era preciso manter para uma linha dura que instigasse poder
e ordem. A censura à imprensa declinava e, em novembro, eleições parlamentares seriam
organizadas. Mas um episódio envolvendo o jornalista Vladimir Herzog seria o propulsor de
mudanças políticas.
Em outubro de 1975, no curso de uma onda repressiva, o jornalista
Vladimir Herzog, diretor de jornalismo da TV Cultura de São Paulo,
foi intimado a comparecer ao DOI-CODI, por suspeita de ter ligação
com o PCB. Herzog apresentou-se ao DOI-CODI e dali não saiu vivo.
Sua morte foi apresentada como suicídio por enforcamento, uma
forma grosseira de encobrir a realidade: tortura seguida de morte.
(FAUSTO, 2012, p.271-272)
Em 1978, o general-presidente Geisel escolheria o general João Baptista Figueiredo
_________
11 DOI-CODI: Destacamento de Operações de Informações e o Centro de Operações de Defesa Interna.
20
como seu sucessor e, em dezembro do mesmo ano, o AI-5 seria revogado. Quando Figueiredo
assumiu o poder, em 1979, a linha dura andava constantemente insatisfeita com o fato do
MDB – partido da oposição – estar avançando dentro do Congresso. Em virtude disso, entre
1980 e 1981, uma onde de atentados marcariam época.
Bancas de jornais sofreram atentados bomba, cartas-bomba foram
enviadas à ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e, por fim, em
1981, num fracasso ato terrorista no Riocentro, os militares foram
desmascarados. Um show de música era realizado no local, quando
uma bomba foi detonada, por acidente, no colo de um sargento, que
morreu no ato, e feriu gravemente um capitão. O Exército tomou pra
si a investigação e abafou o caso. (KOSHIBA, 2004, p. 398)
A partir de 1979, com a criação da lei da Anistia, que permitia que exilados políticos
retornassem ao país, viu-se, após muito tempo, uma ampliação das liberdades públicas. Neste
mesmo ano, foi aprovada a lei que acabava com o bipartidarismo, permitindo o
pluripartidarismo e, consequentemente, o surgimento de novos partidos que atuariam como
importantes forças ideológicas.
No entanto, mesmo que o pluripartidarismo tenha dividido a oposição – como era
previsto pelos militares –, a população se unificaria em prol de eleições diretas. Em 1982,
milhões de brasileiros foram às urnas votar em vereadores e governadores – algo que não
acontecia desde que a Ditadura fora instaurada. Em 1984, o movimento das Diretas Já
mobilizaria, enfim, mais de 1 milhão de pessoas em São Paulo e mais de 500 mil no Rio de
Janeiro. Os manifestantes clamavam por Democracia!
Apesar da dimensão atingida pelo movimento, o regime conseguiu
impedir a vitória da emenda constitucional no Congresso, e a eleição
presidencial de 1985 deu-se pela via indireta do colégio eleitoral.
Enfrentaram-se Paulo Maluf, um nome do governo com sérias
restrições de boa parte da ala situacionista, e Tancredo Neves, apoiado
por um grande arco de forças políticas, a Aliança Democrática,
envolvendo inclusive vários participantes da ditadura. Tancredo
venceu a última eleição indireta. Com sua vitória, terminava
formalmente a ditadura militar. (KOSHIBA, 2004, p. 400)
Apesar de Tancredo Neves ter vencido as eleições presidenciais – sendo o primeiro
civil a alcançar o cargo após décadas – e toda uma atmosfera ditatorial se mostrar flexível, ele
nunca assumiria o poder. Em abril de 1985 Tancredo Neves viria a falecer e seu vice-
presidente, José Sarney – membro da ex- Arena –, subiria a rampa do Planalto. Em maio do
mesmo ano, porém, a legislação restabelecia as eleições diretas para a Presidência da
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República, que só ocorreram, de fato, em 1989, elegendo pela primeira vez, de forma direta,
Fernando Collor para a Presidência da República do Brasil.
Em meio a este contexto de profundas mudanças, uma parte da imprensa, que não se
resignou, manteve seus blocos, canetas e máquinas de datilografia em pleno vapor. Por trás
das câmeras, diversos fotojornalistas registraram, em imagens, os acontecimentos do período.
Entre eles está Evandro Teixeira, objeto de estudo desta pesquisa.
4. EVANDRO TEIXEIRA
Uma pequena caixa de madeira feita para projetar filmes 4 por 4, sem continuidade,
em uma parede branca: foi desta forma que Evandro Teixeira fez seu primeiro contato com
imagens. Nascido na cidade de Irajuba, interior da Bahia, o primeiro meio de comunicação
com o qual Teixeira teve contato foi o rádio. Descobriu a fotografia através da revista O
Cruzeiro e logo buscou um método de conhecer essa arte mais a fundo.
A carreira do fotojornalista possui muita relevância para a história do Brasil. Falar
sobre ela é falar, ao mesmo tempo, sobre a Ditadura Militar. Diversos intelectuais, artistas e
escritores se emocionam quando estão de frente para os registros de Teixeira.
Das lutas de rua do Rio em 68, que nos resta, mais positivo, mais
queimante do que as fotos acusadoras, tão vivas hoje como então, a
lembrar como exorcizar? (DRUMMOND, 1983).
Como dito, esse momento histórico gerou uma grande mudança política e social de
cidadãos e profissionais brasileiros. Mais de cinquenta anos após o golpe, Evandro Teixeira
ainda tem seu nome diretamente relacionado ao momento.
Em 1963, quando Evandro Teixeira passou a integrar a equipe do Jornal do Brasil, o
jornalismo fotográfico do conhecido JB era composto por uma elite da época. Um ano após a
sua efetivação no jornal, o Brasil passaria por um dos momentos mais delicados de sua
história. Teixeira foi o único fotógrafo a registrar a chegada do general Humberto Castelo
Branco, pelo lado de dentro do Forte de Copacabana/RJ. Esse momento marcou o início de
uma responsabilidade social, e, como relata, também pessoal, que o fotógrafo teria para com
toda a nação.
22
Desde então, ele foi às ruas em busca da realidade, mesmo sendo, como se esperava,
também alvo da censura. Apesar do medo cotidiano e das inúmeras ameaças, Teixeira não
baixou a objetiva. Registrou as passeatas, conflitos, desfiles militares, faixas e cartazes que
denunciavam as atrocidades do então governo ditatorial. Suas imagens percorreram as
galerias de artes de diversos países e, hoje, elas também podem ser encontradas nos livros
didáticos brasileiros.
A Sexta-feira Sangrenta, episódio ocorrido na Cinelândia, a Cavalaria em Ação na
Igreja da Candelária e a Passeata dos Cem Mil foram alguns dos títulos dados às suas
fotografias. Teixeira buscava driblar a censura através de novos ângulos e mostrar situações
adversas que não podiam ser abordadas em textos jornalísticos. Devido a isso, suas imagens
incorporaram um discurso próprio e autônomo.
Passados os anos da Ditadura, o nome de Evandro Teixeira se destaca ainda mais no
mercado internacional. O fato de ter registrado esse período peculiar do Brasil fez com que
seu nome fosse projetado internacionalmente, levando-o a receber importantes prêmios dentro
na fotografia, como o Prêmio Esso, o Prêmio Brasil Fotografia, o Concurso Internacional da
Nikon, um prêmio da UNESCO, entre outros.
Evandro não só tem importância histórica nas suas imagens como
também uma forma diferenciada de olhar os personagens e ambientes,
tanto no enquadramento como na luz e na composição. É uma forma
única, que só ele tem – conclui Olavo12 (MOREIRA, 2014, p. 251)
5. O PROCESSO DE GRAVAÇÃO
A ideia de produzir um documentário registrando o ponto de vista de Evandro
Teixeira, sobre a Ditadura Militar, surgiu após uma exposição realizada pelo Centro Cultural
Banco do Brasil (CCBB), no Rio de Janeiro. “Resistir é Preciso” reuniu registros em imagem
de diversos momentos dos anos de 1964 até 1985.
Após mais de 50 anos depois do início do período político protagonizado pelo corpo
militar nacional, foi possível observar que as maiorias das imagens que ilustram esses anos
_________
12 Antonio Olavo é fotografo e autor do livro Memórias Fotográficas de Canudos. Este livro auxiliou Evandro a
montar o livro 100 anos de Canudos.
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são as do fotógrafo Evandro Teixeira. Dentro ou fora da exposição, suas imagens circulam
por todos os livros históricos do país.
Iniciou-se, então, as pesquisas sobre a vida e obra de Evandro Teixeira, sua trajetória
profissional e pessoal através da fotografia. Por isso, optar por um documentário que fala de
forma direta, apenas com foco no único personagem e sem efeitos visuais, seria a melhor
alternativa a fim de ilustrar sua carreira. A escolha do local foi pensada para que todo o
cenário em volta do foco principal apenas agregasse a importância de sua profissão.
Exibir as fotografias, equipamentos, arquivos e todo o espaço de trabalho do fotógrafo
foi feita de forma intencional. Evandro possui história em cada canto de sua casa e de seu
escritório. Cada objeto faz parte de suas lembranças, por isso, mostrar um pouco desse lado
foi intencionalmente pensado, a fim de levar o espectador a conhecer mais histórias de
Evandro Teixeira.
5. CONCLUSÃO
O objetivo geral desse trabalho foi desenvolver um documentário que representasse
um dos momentos que marcaram a vida do Evandro Teixeira e, consequentemente, a história
do Brasil. Por isso, ilustrar de forma direta e sem a interferência da equipe de produção foi um
dos critérios a serem seguidos.
Em tempos que o digital tem ocupado a rotina de todos e o fluxo intenso de
informações tem sobrecarregado o sistema, relembrar – e para alguns reviver – um dos
períodos tão delicados do nosso país, através de lentes que possuem registros únicos, possui
valor primário, algo de que todos precisamos para compreendermos o presente em que
vivemos e construirmos o futuro que almejamos.
Evandro Teixeira tem exercido a profissão de fotojornalista a mais de 50 anos. Seu
nome é reconhecido mundialmente, e seu trabalho é usado como referência para os fotógrafos
iniciantes. Todos aqueles que possuem interesse de entrar nesse meio, deve passar pelas fotos
de Evandro. Seu olhar cuidadoso e apurado são temas de estudos dentro das universidades.
Em épocas em que a fotografia era apenas analógica, capturar o momento era privilégio de
poucos, e ser capturado pelas lentes de Evandro Teixeira, foi uma honra para poucos.
24
Portanto, apresentados as histórias da fotografia, do fotojornalismo no Brasil, do
período da Ditadura Militar e ter discorrido sobre a vida de Evandro Teixeira, apresento-lhes
o Trabalho de Conclusão de Curso para graduação em Comunicação Social com habilitação
em Jornalismo, de forma documental para registral perpetuamente as palavras do fotógrafo
Evandro Teixeira.
25
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS
BAHIA, Juarez, Jornal, História e Técnica: As Técnicas do Jornalismo, vol. 2, Rio de
Janeiro: Mauad X, 2009, p. 143 - 162
COSTA Helouise, BURGI Sergio, As Origens do Fotojornalismo no Brasil: um olhar
sobre O Cruzeiro, São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2012.
DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Diante das fotos de Evandro Teixeira, poema para
o livro Fotojornalismo, Evandro Teixeira, Rio de Janeiro, 1983.
FAUSTO, Boris, A História Concisa do Brasil, São Paulo: EDUSP, 2012, p.257.
GASPARI, Elio, As Ilusões Armadas – 1. A Ditadura Envergonhada, 2. Ed. Intrínseca,
Rio de Janeiro, 2014.
KOSHIBA, Luiz, História Geral do Brasil: trabalho, cultura, poder / Luiz Koshiba,
Denise Manzi Frayze Pereira, 1. Ed. Atual, São Paulo, 2004.
LUCENA, Luiz Carlos, Como fazer documentários: conceito, linguagem e prática de
produção, SUMMUS, São Paulo, 2012.
MOREIRA, Silvana Costa, Evandro Teixeira, um certo olhar; prefácio Marcos Eduardo
Neves, 7 Letras, Rio de Janeiro, 2014.
OLIVEIRA, Erivam Morais, O resgate da ética no fotojornalismo: a banalização das
imagens nos meios de comunicação, Revista de C. Humanas, Vol.10, Nº 2, p. 428-438,
2010.
OLIVEIRA, Erivam Morais, Fotojornalismo: uma viagem entre o analógico e o digital /
Erivam Morais de Oliveira, Ari Vicentini. Cengage Learning, São Paulo, 2009.
SONTAG, Susan. Sobre Fotografia. Companhia das Letras, reedição, 2004, p. 85-99.
SOUSA, Jorge Pedro. Fotojornalismo, uma introdução à história, às técnicas e à
linguagem da fotografia na imprensa, Porto, 2002.
TEIXEIRA, Evandro. 1968 Destinos 2008: A Passeata dos Cem Mil. Rio de Janeiro:
Textual, 2007.
26
ANEXOS
Tomada do Forte de Copacabana/ RJ, 1964
(Arquivo pessoal: Evandro Teixeira)
27
Passeata dos 100 mil/ Cinelândia, RJ, 1968
(Arquivo pessoal: Evandro Teixeira)
28
Passeata dos 100 mil/ Cinelândia, RJ, 1968
(Arquivo pessoal: Evandro Teixeira)
29
Passeata dos 100 mil/ Cinelândia, RJ, 1968
(Arquivo pessoal: Evandro Teixeira)
30
Passeata dos 100 mil/ Cinelândia, RJ, 1968
(Arquivo pessoal: Evandro Teixeira)
31
Cavalaria em ação na Igreja da Candelária/ Sexta-feira Sangrenta/ RJ, 1968
(Arquivo pessoal: Evandro Teixeira)
32
Sexta-feira Sangrenta/ Rio, 1968
(Arquivo pessoal: Evandro Teixeira)
33
Sexta-feira Sangrenta/ Rio, 1968
(Arquivo pessoal: Evandro Teixeira)
34
Sexta-feira Sangrenta/ RJ, 1968
(Arquivo pessoal: Evandro Teixeira)
35
Sexta-feira Sangrenta/ RJ, 1968
(Arquivo pessoal: Evandro Teixeira)
36
Capa do Jornal do Brasil em 2 de abril de 1964
(Arquivo pessoal: Evandro Teixeira)
37
Capa do Jornal do Brasil em 27 de junho de 1968
(Arquivo pessoal: Evandro Teixeira)
38
Capa do Jornal do Brasil em 30 de junho de 1968
(Arquivo pessoal: Evandro Teixeira)