UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE MATEMÁTICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE MATEMÁTICA
MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM ENSINO DE MATEMÁTICA
LARISSA WEYH MONZON
A ABORDAGEM DOS NÚMEROS COMPLEXOS NO ENSINO MÉDIO
PORTO ALEGRE
2010
2
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 3
2 OS NÚMEROS COMPLEXOS NA HISTÓRIA ............................................................................. 5
3 O CONJUNTO DOS NÚMEROS COMPLEXOS ....................................................................... 10
3.1 DEFINIÇÃO ALGÉBRICA ...................................................................................................... 10
3.2 POTÊNCIAS DE .................................................................................................................... 10
3.3 DEFINIÇÃO GEOMÉTRICA .................................................................................................. 11
3.4 MÓDULOS E CONJUGADOS ............................................................................................... 11
3.5 TRIGONOMETRIA E OS NÚMEROS COMPLEXOS ........................................................ 12
4 O ENSINO DE NÚMEROS COMPLEXOS ................................................................................. 13
4.1 NOS LIVROS DIDÁTICOS ..................................................................................................... 13
4.2 NOS PCN+ ................................................................................................................................ 14
4.3 NO REFERENCIAL CURRICULAR: LIÇÕES DO RIO GRANDE.................................... 16
5 A APRENDIZAGEM ....................................................................................................................... 18
6 POR QUE E COMO ENSINAR NÚMEROS COMPLEXOS ..................................................... 19
7 CONCLUSÃO .................................................................................................................................. 22
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................... 23
3
1 INTRODUÇÃO
A partir da procura de um objeto que possa ser analisado e criticado por uma
Engenharia didática, com o intuito de melhorar seu ensino, parto para a reflexão do
ensino dos Números Complexos no ensino Médio.
A abordagem dos números complexos causa a impressão de não ter sentido,
mal compreendido pelos alunos e fora de contexto. Pela abordagem dos livros, os
números complexos são estudados somente para serem trabalhados com eles
próprios, ou seja, sem nenhuma relação com nenhum outro aspecto da matemática
ou das ciências.
Por essas razões foi buscado conhecer melhor esses números para, assim,
poder pensar e analisar o porquê o como trabalhar com uma abordagem mais
significativa desse conjunto.
O seu contexto histórico é muito interessante, pois mostra os impasses, as
limitações e as reservas que os matemáticos tiveram perante esses números, e
finalmente por que e como aceitaram esses números.
Há também sua relação direta com problemas de geometria, onde muitos
podem ser resolvidos pelas operações de números complexos, e alguns de forma
mais simples e direta, fazendo com que o aluno possa refletir e investigar uma
melhor abordagem para a resolução dos problemas propostos.
Nessa pesquisa, me dediquei a enxergar como se poderiam ensinar esses
números no ensino médio e diante dessas alternativas, ainda pude verificar que a
Geometria dinâmica seria muito bem empregada para facilitar e auxiliar ainda mais a
compreensão.
Assim, organizo este trabalho no desenvolvimento histórico do Conjunto dos
Complexos e faço uma rápida abordagem sobre sua dimensão epistemológica.
Em uma dimensão didática analiso como é atualmente o ensino desse
assunto nos livros didáticos, nos PCN e nos Referenciais Curriculares do Rio Grande
do Sul.
E finalmente, analisando a parte cognitiva, verifiquei como os alunos estão
aprendendo, a partir de obras já publicadas sobre o assunto. Assim, pude refletir se
4
é possível e como seria uma nova proposta de ensino do conteúdo de Números
Complexos no Ensino Médio, tal proposta que deixarei para fazer como um trabalho
posterior.
5
2 OS NÚMEROS COMPLEXOS NA HISTÓRIA
O surgimento dos números se deu para expressar medidas de grandeza, ou
seja, aos números positivos. Até a concepção do conjunto dos números reais (a
inclusão dos números negativos, dos racionais e irracionais) já se deu uma longa
caminhada.
O primeiro problema a requerer o uso dos números complexos foi a resolução
das equações quadráticas. As equações de segundo grau apareceram na
matemática aproximadamente 1700 anos antes de Cristo e, ocasionalmente,
levaram a radicais de números negativos, porém não foram elas que fizeram com
que os números complexos fossem abordados.
Na época, uma equação era desenvolvida para solucionar um problema
concreto, assim, se no processo de resolução aparecia uma raiz quadrada de um
número negativo, simplesmente isso indicava que o problema inicial não tinha
solução.
Vejamos alguns exemplos desses casos.
O primeiro registro de um radical de um número negativo é encontrado na
Estereometria do matemático grego Herón, publicado aproximadamente 75 d.C.
Num cálculo sobre o desenho de uma pirâmide aparece a expressão ,
mas logo em seguida, para dar continuidade aos cálculos, a expressão aparece da
seguinte maneira: .
Algum tempo depois temos no livro Arithmetica de Diophanto,
aproximadamente 275 d.C, a descrição do seguinte problema: um triângulo
retângulo tem área igual a 7 e seu perímetro é 12 unidades. Encontre o comprimento
dos seus lados.
Usando nossa notação atual, e indicando com e os catetos desse
triângulo, temos:
6
Desenvolvendo esse sistema e substituindo em função de , obtemos a
seguinte equação:
cujas raízes são:
Nesse momento, Diophanto observa que somente poderia haver solução se
, deixando de lado a expressão . Nesse exemplo, podemos
ver claramente que quando o autor se deparou com a raiz quadrada de um número
negativo passou para outro método de resolução.
Em relação a esses radicais, podemos destacar manuscritos encontrados do
tipo:
“...como na natureza das coisas um negativo não é um quadrado, ele não
tem, portanto, raiz quadrada”. (matemático indiano Mahavira, 850 d.C)
“...Não há raiz quadrada de um negativo; pois ele não é um quadrado”
(Bhaskara, século XII).
O matemático italiano Girolamo Cardano que dá um passo a frente na
resolução desses problemas que aparecem raízes de números negativos (início do
século XVI). No capítulo 37 do seu livro Ars Magna, ele considera o problema de
dividir um segmento de comprimento 10 em duas partes cujo produto seja 40.
Se chamanos de o comprimento de uma das partes, a outra terá
comprimento – , e a condição do problema se traduz na equação:
Cujas soluções são . Cardano reconhece que o problema dado
não tem solução, mas, observa que, considerando as raízes como números, ele
obtém:
x 10 - x
7
Se , então e da
multiplicação .
Na seqüência, ele chama essas soluções de raízes sofísticas da equação,
que são sutis quanto inúteis.
Raphael Bombelli era um admirador do livro de Cardano, porém achava que
sua exposição não era muito clara. Decidiu então escrever um livro, expondo os
mesmos assuntos, mas da forma que um principiante pudesse entender. Publicou
l’Algebra, em 1572, cujo objetivo principal era generalizar as fórmulas de Cardano
para resolução de equações de 3º grau para qualquer caso. No capítulo II dessa
obra, ele estuda as equações de grau não superior a 4. Um caso particular que ele
considera, é a equação . Ao aplicar a fórmula de Cardano para
descobrir uma raiz, obtém:
Também chamando essa solução de sofística, mas ele percebe que é,
de fato, uma raiz da equação.
Assim, pela primeira vez, mesmo nos deparando com raiz de um número
negativo, temos solução para a equação trabalhada.
Bombelli considerava então a possibilidade de que exista uma expressão da
forma que possa ser considerada como raiz cúbica de .
Realizando algumas operações, considerando essa possibilidade, ele encontrou que
a raiz cúbica dessa expressão era
, e que:
que já havia visto como solução da equação dada. Ou seja, ele provou, que
era solução da equação utilizando as expressões que antes eram ignoradas.
Ele diz:
Eu achei uma espécie de raiz cúbica muito diferente das outras, que
aparece no capítulo sobre o cubo igual a uma quantidade e um número....A
princípio, a coisa toda me pareceu mais baseada em sofismas que na
verdade, mas eu procurei até que achei uma prova...(BOMBELLI, 1572,
apud MILIES, 1993, p. 8).
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Impressionados pelo aspecto artificioso, tais números eram usados pelos
algebristas da época de uma forma não muito clara, não olhavam para eles
realmente como números.
No século XVII, Descartes na Geometria chamou-os de imaginários. Leibniz,
chegou a atribuir-lhes caracterização filosófica própria, considerando como uma
natureza secreta, como monstro do mundo ideal, como algo aleijado da natureza
dos números.
Moivre, no século XVIII empregou-os para estabelecer sua fórmula, uma das
fundamentais da trigonometria, concedendo aos imaginários a cidadania matemática
ao afirmar que a raiz quadrada da unidade negativa era um símbolo. Mais tarde em
1777, Euler designou-o por , e passaram a adquirir a seguinte forma:
Esse símbolo apareceu impresso pela primeira vez em 1794 e se tornou
amplamente aceito após seu uso por Gauss, em 1801.
Como podemos observar, a partir do trabalho de Bombelli que os números
complexos começaram a ser utilizados, pela sua clara necessidade na resolução de
equações de 3º grau, mas ao mesmo tempo, era claro, que tais números não
podiam existir.
Uma simples representação geométrica foi o suficiente para fazer
desaparecer todas as dúvidas e reservas que ainda existiam em cima desses
números. Foi de tal modo suficiente que não só justificou o cálculo formal dos
complexos com base nas definições formais de adição em multiplicação, como
também fez com que essas operações resultassem mais naturais sob o ponto de
vista intuitivo. A possibilidade dessa representação era clara para vários autores,
como Cotes, de Moivre, Euler e Vandermonde; todos eles tentaram resolver a
equação pensando em suas soluções como vértices de um polígono
regular de lados.
Essa representação geométrica foi realizada por um topógrafo norueguês,
Caspar Wessel, que em 1797 entregou à Academia Dinamarquesa de Ciências e
Letras um memorial Sobre a representação analítica da direção: uma tentativa,
publicada em 1799. Ele representa o complexo pelo vetor do plano com
origem O e com extremo no ponto P de coordenadas . Depois dá uma
9
representação geométrica da soma de dois complexos e ,
representando-os pelos vetores OP e OQ, respectivamente, e observando que a
soma estará representada pela diagonal do paralelogramo construído sobre OP e
OQ.
Porém, quem tornou a representação geométrica amplamente aceita foi Carl
Friederich Gauss. A Wessel cabe todas as honras dessa proeza, mas a Gauss deve-
se o mérito de ter sido o primeiro matemático a empregar os números imaginários
em trabalhos de pesquisa. Segundo Carneiro (2004), foi com os números complexos
que Gauss demonstrou quais polígonos regulares são construtíveis e de que todo
polinômio de coeficientes reais pode ser decomposto em fatores de grau máximo
dois (Teorema Fundamental da Álgebra).
A observação de Gauss a respeito da existência objetiva dos números
complexos ilustra a visão da matemática da época. Parece que o fato de esses
números poderem ser representados geometricamente lhes da essa existência.
10
3 O CONJUNTO DOS NÚMEROS COMPLEXOS
3.1 DEFINIÇÃO ALGÉBRICA
Os números complexos consistem no conjunto ℂ, onde estão definidas as
operações de adição e de multiplicação com as propriedades: comutativa,
associativa e distributiva. E, além disso, os números reais estão contidos nesse
conjunto.
Em relação ao conjunto ℂ, ainda devemos destacar:
a) Existe um número complexo com .
b) Todo número complexo pode ser escrita de uma maneira única na forma
, onde e são reais, chamada de parte real e de parte
imaginária do complexo.
Podemos operar com os números complexos de maneira análoga à que
operamos com os números reais. Por exemplo,
1) Adição:
2) Multiplicação:
Observe que, se todos os números complexos podem ser escritos da forma
, os complexos da forma são números reais e da forma
chamamos de imaginários puros, pois não possuem parte real.
Ainda, se , então e , isto é, se dois complexos são
iguais, suas partes reais e imaginárias são iguais.
3.2 POTÊNCIAS DE
Note que:
11
...
3.3 DEFINIÇÃO GEOMÉTRICA
A definição dos números complexos como , com , reais, sugere
uma relação direta entre esses números e os pares ordenados , ou seja,
Ou ainda, podemos verificar a relação do complexo , com o vetor de
origem O e extremidade no ponto P de coordenadas . Conforme a figura que
segue:
Figura 1
3.4 MÓDULOS E CONJUGADOS
b
a O
z
12
Vamos definir o conjugado de um número complexo como o
número complexo . Geometricamente o conjugado de é o simétrico a ele
em relação ao eixo da parte real.
E chama-se de módulo de o número real não negativo definido por
. Geometricamente, o módulo de z é a distância da origem ao ponto .
3.5 TRIGONOMETRIA E OS NÚMEROS COMPLEXOS
Conforme Carmo et al. (2005), a representação do número complexo
dá ênfase às coordenadas e a representação que dá ênfase ao vetor é a
representação trigonométrica.
Observe a figura:
Figura 2
, onde
13
4 O ENSINO DE NÚMEROS COMPLEXOS
4.1 NOS LIVROS DIDÁTICOS
Na análise direta de três livros didáticos utilizados nas escolas públicas e
privadas, é possível concluir que o ensino dos números complexos está de forma
isolada dos outros conteúdos do ensino médio, como menciona Oliveira (2010), o
conteúdo é apresentado faltando conexões com outras áreas, ainda que os livros
tenham recém abordado Geometria Analítica e ressalto ainda que o conteúdo de
Polinômios também se dá no mesmo ano.
Dois dos livros analisados começam com uma breve descrição histórica. O
livro 1comenta que não foram as equações de 2º grau que fizeram surgir estes
números, mas ambos começam a apresentação do conteúdo com a resolução de
uma e o livro 2 faz o seguinte comentário: “convencidos da necessidade de se dar
uma interpretação a raízes quadradas de números negativos, os matemáticos
criaram o número , chamando de unidade imaginária, tal que .” Esta
descrição passa a falsa impressão que a construção das raízes de números
negativos ocorreu de repente.
O terceiro livro revisa todos os conjuntos numéricos e então conclui:
“sabemos que, se R, então . Assim a equação não tem solução
em R. Por isso, temos que estender o conjuntos dos números reais para ter um novo
conjunto chamado de Números Complexos”.
A justificativa dessa extensão será que é vista de forma clara e convincente
para os alunos? Simplesmente temos que ter com conjunto para que possamos
resolver certos tipos de equações?
Esse tipo de abordagem faz parecer que a matemática é mágica, e
que nunca haverá obstáculos para a mesma, pois qualquer que seja a
dificuldade pode-se inventar algum conceito ... que supere essa
dificuldade....alguém decidiu que era o momento de inventar os números
complexos e simplesmente diz que . (ROSA, p. 81, 1998)
Somente o livro 3 inicia o conceito pela forma de par ordenado, mas não
apresenta o plano Argand-Gauss, o que facilitaria a interpretação do aluno para essa
14
abordagem. Resolve todas as propriedades que existiam para os números reais na
forma par ordenado.
O livro 1 apresenta a forma algébrica dos números complexos, posteriormente
a forma como par ordenado, mas somente para o conjugado do número complexo
que apresenta a interpretação geométrica, para a igualdade, e as operações de
adição, subtração, multiplicação, divisão e potenciação somente pelo interpretação
algébrica. A forma trigonométrica é apresentada utilizando o auxílio do plano, mas
para fazer realizar as operações nesse formato não aparece nenhuma
representação visual.
O livro 2 trabalha todos os itens do capítulo de Números complexos sem tocar
na forma geométrica, somente no final faz uma breve descrição como par ordenado
partindo para a forma trigonométrica.
Somente o livro 3 que apresenta um pouco mais dos complexos via
interpretação geométrica, faz além da forma como par ordenado, a interpretação por
vetores, que nenhum dos outros livros sequer menciona. Realiza as interpretações
tanto algébrica como geométrica para o conjugado, a adição, o módulo e a
multiplicação. Ainda possui um item de Outras aplicações, onde menciona a
aplicação a geometria para a rotação de coordenadas e à engenharia elétrica.
4.2 NOS PCN+
Após a leitura das Orientações Educacionais Complementares aos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN Ensino Médio +, 2002) podemos refletir
sobre várias competências e habilidades que podem ser desenvolvidas no ensino de
Números complexos, principalmente realizando uma intervenção geométrica e ainda
na sua construção histórica. Ensinar de maneira a abordar essas competências e
habilidades faz com que o ensino escolar se torne mais eficaz e válido para o
educando.
Aprender Matemática de uma forma contextualizada, integrada e
relacionada a outros conhecimentos traz em si o desenvolvimento de
competências e habilidades que são essencialmente formadoras, à medida
que instrumentalizam e estruturam o pensamento do aluno, capacitando-o
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para compreender e interpretar situações, para se apropriar de linguagens
específicas, argumentar, analisar e avaliar, tirar conclusões próprias, tomar
decisões, generalizar e para muitas outras ações necessárias à sua
formação. (PCN+, p. 111, 2002)
Entre as competências que podem ser exploradas no ensino dos números
complexos podemos destacar:
- Reconhecer e utilizar adequadamente, na forma oral e escrita, símbolos,
códigos e nomenclatura da linguagem científica;
- Ler e interpretar dados ou informações apresentados em diferentes
linguagens e representações, como tabelas, gráficos, esquemas, diagramas, árvores
de possibilidades, fórmulas, equações ou representações geométricas;
- Traduzir uma situação dada em determinada linguagem para outra; por
exemplo, transformar situações dadas em linguagem discursiva em esquemas,
tabelas, gráficos, desenhos, fórmulas ou equações matemáticas e vice-versa, assim
como transformar as linguagens mais específicas umas nas outras, como tabelas em
gráficos ou equações;
- Identificar as relações envolvidas e elaborar possíveis estratégias para
enfrentar uma dada situação-problema;
- Frente a uma situação ou problema, reconhecer a sua natureza e situar o
objeto de estudo dentro dos diferentes campos da Matemática, ou seja, decidir-se
pela utilização das formas algébrica, numérica, geométrica, combinatória ou
estatística;
- Construir uma visão sistematizada das diferentes linguagens e campos de
estudo da Matemática, estabelecendo conexões entre seus diferentes temas e
conteúdos, para fazer uso do conhecimento de forma integrada e articulada;
- Reconhecer relações entre a Matemática e outras áreas do conhecimento,
percebendo sua presença nos mais variados campos de estudo e da vida humana,
seja nas demais ciências, como a Física, Química e Biologia;
- Compreender a construção do conhecimento matemático como um processo
histórico, em estreita relação com as condições sociais, políticas e econômicas de
uma determinada época, de modo a permitir a aquisição de uma visão crítica da
ciência em constante construção, sem dogmatismos ou certezas definitivas.
16
O ensino de matemática no ensino médio é dividido nos seguintes eixos pelos
PCN+:
1. Álgebra: números e funções
2. Geometria e medidas
3. Análise de dados
Em descrição aos eixos, o documento engloba o ensino de números
complexos no primeiro item álgebra: “Os objetos de estudo são os campos
numéricos dos números reais e, eventualmente, os números complexos e as
funções e equações de variáveis ou incógnitas reais”.
Quando trata diretamente como os conteúdos devem ser trabalhados,
infelizmente não dá a devida importância ao conjunto dos números complexos como
deveria dar.
Tradicionalmente, a Matemática do ensino médio trata da ampliação
do conjunto numérico, introduzindo os números complexos. Como esse
tema isolado da resolução de equações perde seu sentido para os que não
continuarão seus estudos na área, ele pode ser tratado na parte flexível do
currículo das escolas. (PCN +, p. 122, 2002)
Como salienta Oliveira (2010), mesmo isolado dos estudos de equações, o
conjunto dos números complexos não perde seu significado, mesmo para alunos
que não vão seguir seus estudos, pois ele está estritamente relacionado com
estudos que já foram vistos (equações de 2º grau e geometria analítica, por
exemplo) desde que sejam abordados com tal articulação.
4.3 NO REFERENCIAL CURRICULAR: LIÇÕES DO RIO GRANDE
Com o objetivo de unificar o currículo do ensino das escolas estaduais do Rio
Grande do Sul, a secretaria do estado elaborou um referencial curricular para que
todas as escolas o tivessem como parâmetro no momento de preparar as suas
aulas, se baseando nas experiências de São Paulo e Minas Gerais.
A proposta de Referencial Curricular do Rio Grande do Sul contém
as habilidades e competências cognitivas e o conjunto mínimo de conteúdos
que devem ser desenvolvidos em cada um dos anos letivos dos quando
17
anos finais do ensino fundamentos e no ensino médio. (ABREU, p. 10,
2009)
Nos referenciais discutidos, o estudo de números complexos se dá no início
do terceiro ano do ensino médio, que devem ser apresentados a partir da resolução
de equações de 2º grau, bem como mencionar os aspectos históricos que
evidenciam a ampliação do conjunto dos números reais e salienta as seguintes
habilidades e competências que deve abranger:
- Reconhecer equações de 2º grau que não tem raízes reais;
- Identificar o contexto histórico que os números complexos foram
desenvolvidos;
- Reconhecer um número complexo como a resolução de uma equação de 2º
grau;
- Identificar a parte real e a parte imaginária de um complexo;
- Identificar números complexos;
- Reconhecer um número real como um número complexo;
- Identificar que o conjunto dos números reais está contido no Conjunto dos
Números Complexos;
- Representar um número complexo como um par ordenado, localizando o
plano complexo;
- Ler e interpretar diferentes linguagens e representações.
Ainda sugere que o professor decidirá, considerando os conhecimentos
prévios de seus alunos e do seu tempo, como se dará sobre a amplitude desse
estudo.
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5 A APRENDIZAGEM
Segundo Carneiro (2004) o estudo de números complexos é visto de forma
única no ensino, sendo taxados de assunto elementar, estranhos, de compreensão
difícil e de inúteis.
Analisando algumas pesquisas já realizadas em relação ao ensino dos
Números Complexos, podemos destacar o que Oliveira (2010) descobriu do seu
questionário feito a alunos que já haviam estudado o assunto:
- que nenhum aluno relaciona os números complexos com geometria, nem
rotações ou translações no plano complexo;
- todos os alunos acreditam que os números complexos vieram para a
resolução da equação de 2º grau, quando aparece uma raiz de um número negativo;
- nunca resolveram algum problema de geometria utilizando complexos;
- não assimilam a idéia de conjugado no plano complexo;
- não conhecem a relação da regra do paralelogramo com a adição de
números complexos;
- ao se tratar de problemas com o plano, apelam para cálculos algébricos de
números particulares para poder responder.
Na pesquisa de Rosa (1998), novamente todos os alunos achavam que os
números complexos surgiram para resolver equações quadráticas e a maioria dos
alunos julga os números complexos como símbolos, fora da realidade. Dos 31
alunos entrevistados, que já haviam estudado complexos, somente três souberam
representar um número complexo como par ordenado e na sua maioria
apresentando muita dificuldade nas operações com esses números.
Já os estudos de Aráujo (2006) levaram em consideração uma entrevista
realizada com 20 professores de matemática, onde foi constatado que 6 desses
iniciam suas atividades através de um problema que requer uso de complexos, 2 por
contextualização histórica e somente um no plano cartesiano. Em relação as
dificuldades que seus alunos tinham, relacionaram à falta de exercícios
interessantes e abertos nos livros didáticos. E nove dos entrevistados, ou seja,
grande parte diz que a maior dificuldade dos alunos está na forma trigonométrica e
suas aplicações.
19
6 POR QUE E COMO ENSINAR NÚMEROS COMPLEXOS
Podemos ver na descrição anterior como os números complexos são vistos
na escola, de forma isolada sem aplicação e contextualização histórica.
O questionamento de por que ensinar Números complexos é encontrado uma
resposta nos próprios PCN+ que limitou seu estudo:
Em nossa sociedade, o conhecimento matemático é necessário em
uma grande diversidade de situações, como apoio a outras áreas do
conhecimento, como instrumento para lidar com situações da vida cotidiana
ou, ainda, como forma de desenvolver habilidade de pensamento.
(PCN+, p. 111, 2002,grifo nosso)
Como Carneiro (2004) menciona, é bastante claro para quem trabalha com
matemática hoje que o segredo da aplicação dos números complexos está na suas
rotações e translações no plano e é por isso sua vasta aplicação em circuitos
elétricos, corrente alternada, astronomia, motores e mecânica quântica.
Em relação como ensinar, temos a própria história que nos diz, segundo
Milies (1993), é a representação geométrica que dá existência para esses números.
Se para grandes matemáticos era difícil a aceitação desses números, como para
nossos alunos não vai ser? E se para eles tudo fluiu quando foi dada sua
representação matemática geométrica porque queremos ensinar diferente para os
nossos alunos?
A contextualização histórica também é muito interessante, pois caracteriza a
necessidade da existência e da evolução desses números dando um significado
para os alunos.
...sua dimensão histórica e sua estreita relação com a sociedade e
a cultura em diferentes épocas ampliam e aprofundam o espaço de
conhecimentos não só nesta disciplina, mas nas suas inter-relações com
outras áreas. (PCN+, p. 111, 2002)
Oliveira (2010), na sua dissertação de mestrado defende o ensino dos
números complexos aplicados à problemas da geometria, principalmente a
problemas da geometria analítica, já que o assunto é visto no mesmo ano de ensino.
A vinculação do ensino com a geometria é bastante eficaz, primeiramente
porque torna o conteúdo mais visível para o aluno e mais interessante.
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...na matemática a ser trabalhada na escola, sempre que possível,
álgebra e geometria devem ser colocados em estreita relação. Isto contribui
para a construção de conhecimento mais pleno de significado por parte do
aluno. (CARNEIRO, p. 35, 2007)
A relação entre os números complexos e geometria faz com o aluno tenha
mais de uma opção para a resolução contribuindo com a competência que os PCN+
(2002) defendem que o “aluno precisa analisar e compreender a situação por inteiro,
decidir sobre a melhor estratégia para resolvê-la, tomar decisões, argumentar...”
Ainda segundo Carneiro (2007), Douady defende que os problemas
oferecidos aos alunos envolvam dois domínios, de modo que haja validação da
resolução.
A interação do Conjunto dos Números complexos com problemas da
Geometria analítica faz com os alunos optem pela melhor ou mais rápida solução.
De acordo com Oliveira (2010) há problemas que são muito mais simples de resolver
por meio de operações com números complexos do que por outras formas, como
por exemplo: “ABCD é um quadrado. Se A = (1,2) e B = (2,5) então determine as
coordenadas C e D”, ou o clássico O problema da ilha do tesouro.
Segundo Carneiro (2004) temos as seguintes conseqüências quando não
trabalhamos de forma adequada os números complexos na sua forma geométrica:
1ª) O iniciante permanece com uma visão demasiado formal e
algebrizante, não se beneficiando da riqueza da visualização e não
emprestando um “significado” aos números complexos. ...
2ª) Dificilmente ocorrerá ao estudante aplicar números complexos a
problemas de Geometria (ver Motta (1999)). Sobre este ponto, a experiência
didática tem sido muito ilustrativa. Um exemplo típico é o célebre “problema
da ilha do tesouro” (ver Carneiro (1999) e Carneiro et al. (2001), várias
vezes apresentado para alunos de licenciatura ou em cursos de formação
continuada para professores. Não somente não ocorre aos cursistas usar
complexos para resolver este problema, como os mesmos ficam
extremamente surpreendidos em saber que números complexos tenham
alguma aplicação a um problema “real”. (CARNEIRO, p. 9, 2004)
Em relação à dificuldade dos alunos, relatada na dissertação de Araújo
(2006), na forma trigonométrica, cabe aqui a utilização de Softwares de Geometria
21
dinâmica, o que facilitará a visualização, a manipulação e assim a compreensão dos
alunos em relação a tais números.
Para esse enfoque temos vários exemplos, Carneiro (2004) em Os números
Complexos e a Geometria dinâmica apresenta um sequência didática utilizando o
software Cabri para definição de complexos, conjugado, operações, forma
trigonométrica, unitário, inverso...
Já Batista et al (2009) realizam uma sequência online disponível em
http://www.es.cefetcampos.br/softmat/projeto_TIC/Investigando_em_C/apresentacao
.html, enfatizando a importância do uso da tecnologia no ensino: “as TICs permitem
dar maior destaque ao papel da linguagem gráfica, relativizando a importância do
cálculo e da manipulação simbólica. O enfoque gráfico favorece reflexões e análises
críticas, possibilitando procedimentos menos mecânicos do que os, puramente,
algébricos”.
E recentemente a dissertação de Oliveira (2010) que utiliza o software
Geogebra para realizar uma sequência didática que aborde o estudo dos números
complexos de uma maneira mais significativa via análise gráfica.
22
7 CONCLUSÃO
Posteriormente a este estudo é evidente que o ensino de Números
Complexos é importante, precisa ser ensinado no Ensino Médio, mas precisa de
uma abordagem mais significativa, envolvente e esclarecedora.
E concluo que essa abordagem pode ser feita, tendo em vista várias
alternativas encontradas, como o uso da contextualização histórica, da sua
apresentação geométrica, do seu uso em problemas de geometria e ainda podendo
ser melhor visualizada em softwares de geometria dinâmica, onde há uma maior
interação do aluno.
Assim, fico convencida que os Números Complexos podem e devem ser
objetivos de uma Engenharia didática, para aprimorar e desenvolver realmente o
ensino desses números.
23
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, Nanci Barbosa Ferreira. Números complexos: uma proposta de
mudança metodológica para uma aprendizagem significativa no ensino médio.
2006. 111 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências Naturais e Matemática) –
Centro de Ciências Exatas e da Terra, Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Natal, 2006.
BATISTA, Silvia Cristina Freitas; BARCELOS, Gilmara Teixeira; COSTA, Débora
Maciel da; BEHAR, Patrícia Alejandra. Investigando em C: Uma unidade de
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de novas Tecnologias na Educação, Porto Alegre, v. 7, n. 1, jul. 2009. Disponível em
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2010.
BIANCHINI, Edwaldo; PACCOLA, Herval. Curso de Matemática: volume único, ed.
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