UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Centro de Ciências da Saúde
INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA
Conflitos de interesses nas pesquisas científicas
Márcia de Cássia Cassimiro
Rio de Janeiro
2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Centro de Ciências da Saúde
INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA
Márcia de Cássia Cassimiro
Conflitos de interesses nas pesquisas científicas
Dissertação apresentada ao Instituto de
Estudos em Saúde Coletiva como parte dos
requisitos para obtenção do título de Mestre
em Saúde Coletiva
Profa. Dra. Marisa Palácios da Cunha e Melo de Almeida Rego
Orientadora
Rio de Janeiro
2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Centro de Ciências da Saúde
INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA
Conflitos de interesses nas pesquisas científicas
Márcia de Cássia Cassimiro
Profa. Dra. Marisa Palácios da Cunha e Melo de Almeida Rego
Orientadora
Aprovada em: 25/02/2010
Examinadores:
_______________________________________
Profa. Dra. Marisa Palácios – IESC/UFRJ (Presidente e Orientadora)
Profa. Dra Tania Cremonini Araujo-Jorge – IOC/FIOCRUZ (titular)
Prof. Dr. Sérgio Rego – ENSP/FIOCRUZ (titular)
Profa. Dra. Sonia Maria Ramos de Vasconcelos – IBqM/CCS/UFRJ (titular)
Profa. Dra. Claudia Vater – IESC-UFRJ (suplente)
Prof. Dr. Marco Antônio Ferreira da Costa – EPSJV/IOC/FIOCRUZ (suplente)
i
ii
C345 Cassimiro, Márcia de Cássia. Conflitos de interesses nas pesquisas científicas / Márcia de Cássia Cassimiro. - Rio de Janeiro: UFRJ/ Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, 2010. 143f. : il.; 30 cm. Orientador: Marisa Palácios da Cunha e Melo de Almeida Rego Dissertação (Mestrado)-UFRJ/Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, 2010. Referências: f. 102-121 1. Relações humanas. 2. Conflito - Administração. 3. Conflito interpessoal. 4. Bioética. 5. Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos. Rego, Marisa Palácios da Cunha e Melo de Almeida. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva. III. Título.
CDD 303.6
RESUMO
Conflitos de interesses nas pesquisas científicas
Este estudo tem como objetivo analisar como os membros dos Comitês de
Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) de uma universidade federal
brasileira identificam e manejam os conflitos de interesse presentes na
condução das pesquisas científicas na universidade federal brasileira.
Pretendemos, assim, contribuir para a elaboração e implantação de uma
política de manejo do conflito de interesses. Na pesquisa, com abordagem
qualitativa, utilizamos um questionário com perguntas abertas e fechadas,
bem como entrevistas individuais para a coleta de dados. Integraram a
amostra quatro (04) CEP, com 47 participantes. Destes, três (03) membros
foram entrevistados individualmente e onze (11) em grupo, e quinze (15)
questionários foram analisados. Buscamos, nas falas, pontos de interseção
entre o que dizem os entrevistados e a literatura. Comparamos os textos e os
dados publicados por pesquisadores de várias nacionalidades e inserções
institucionais, nos periódicos, com os discursos dos participantes da pesquisa,
com o objetivo de descobrir diferenças e possíveis semelhanças. Ao
analisarmos os diversos discursos, pretendemos contribuir para a elaboração
de uma política de manejo de conflito de interesses, bem como trabalhar para
implantá-la e sugerir a realização de mais pesquisas sobre a gestão dos
conflitos de interesse no Brasil, para que possamos aprofundar nossos
conhecimentos a respeito.
Palavras-chave: conflitos de interesses, bioética, Comitê de Ética em
Pesquisa com Seres Humanos (CEP), manejo e gestão de conflitos de
interesses financeiros.
iii
ABSTRACT
Conflicts of interests in the scientific research
This study aims to analyze how members of Human Research Ethics
Committee (CEP), from a federal university in Brazil identify and manage
conflicts of interest in the conduction of the scientific research in that institution.
We intend to contribute for the elaboration and implantation of one politics of
handling of the conflict of interests. The research, with qualitative approach,
used a questionnaire with open and closed questions, as well as individual
interviews for the collection of data. The sample was composed by four (04)
CEP, with 47 participants, of these three (03) members had individually been
interviewed and eleven (11) in group, and fifteen (15) questionnaires had been
analyzed. We seek in the speeches of the members of CEP, intersection points
between what the interviewed say and the literature. We compared the texts
and the data published by researchers all over the world, with the speeches of
the research subjects, in order to discover differences and possible similarities.
When analyzing the diverse speeches, we intend to contribute to elaborate a
policy of management of conflict of interests, as well as to work to implant it
and to suggest the accomplishment of more research projects on the
management of conflicts of interest in Brazil, so that we can deepen our
knowledge about the subject.
Keyword: conflicts of interests, bioethics, Human Research Ethics Committee
(CEP), handling and management of conflicts of financial interests.
iv
LISTA DE QUADROS E GRÁFICOS
QUADROS
Quadro 1.1 - Exemplos de métodos utilizados pelas empresas farmacêuticas para
obter resultados positivos em ensaios clínicos ...................................................... p.14
Quadro 1.2 - Métodos utilizados pelas indústrias farmacêuticas para influenciar a
prescrição médica .................................................................................................. p.30
Quadro 1.3 - Resoluções do Conselho Nacional de Saúde ................................... p.40
Quadro 2.1 – Códigos dos entrevistados .................................................... p.75
Quadro 2.2 – Composição dos CEP ........................................................... p.75
Quadro 2.3 – Área de formação dos integrantes dos CEP ......................... p.76
Quadro 2.4 – Quantitativo de instrumento da amostra ................................ p.81
GRÁFICOS
Gráfico 1.1 - Políticas de conflitos de interesses das escolas médicas norte-
americanas. 2009 ................................................................................................... p.33
v
DEDICATÓRIA
A João Joaquim Cassimiro (in memoriam).
À minha mãe querida, pelo carinho e afeto,
estímulo e apoio incondicional em todos os
momentos da vida.
vi
AGRADECIMENTOS
A Deus e à minha mãe, pelos ensinamentos recebidos.
À minha orientadora, Marisa Palácios, pelas suas observações sempre
tão pertinentes e convívio tranqüilizador para orientar.
À Dra. Tania Cremonini Araujo-Jorge, cientista e Diretora do IOC, pela
confiança, respeito e apoio ao trabalho no IOC. Seu olhar interdisciplinar
incentiva a refletir sobre Bioética e constitui ótimos indícios da potencialidade
desta área na FIOCRUZ, no Brasil e no mundo.
À PG em Saúde Coletiva, pelo espaço aberto para que eu pudesse
desenvolver a pesquisa. Um agradecimento especial ao Ivisson, colega de
turma e secretário do Curso, pela eficiência gentil com que conduz seu
trabalho.
Aos Drs. Claudia Vater e Sérgio Rego, pelas contribuições ao trabalho,
à época do exame de qualificação.
Às “crianças” e colegas do GT CI, especialmente Viviane e Delvaci.
Aos membros dos CEP da pesquisa. Vocês foram fundamentais para a
realização do estudo.
Um agradecimento mais que especial à Dra. Fernanda Veneu-Lumb,
pelo diálogo franco, profissionalismo, pelas sugestões e correções. Sua ajuda
foi fundamental para tornar compreensíveis os inúmeros pontos desta
pesquisa. Infinitamente muito obrigada!
Ao Dr. Marco Antonio da Costa, pelas ótimas aulas de metodologia e
pelas sugestões para organização e elaboração das idéias que resultaram
neste trabalho.
À Mônica Jandira, Mônica Oliveira, Fabíola Ferraz, Márcia Verônica e
Regina Petri, profissionais e AMIGAS que me confortam e ajudam a transpor
os obstáculos impostos pela labuta cotidiana.
Ao CEP FIOCRUZ pelo convívio, aprendizado e comprometimento
profissional para com a nossa população.
A todos aqueles que eu não pude citar nominalmente, mas que
ajudaram direta ou indiretamente nesta pesquisa.
vii
“É o trabalhador solitário o responsável pelo primeiro
avanço numa pesquisa. Os detalhes podem ser testados
por uma equipe, mas a primeira idéia pertence à iniciativa,
ao pensamento e à percepção de um indivíduo.”
(Sir Alexander Fleming)
viii
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ...................................................................................................p.1
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ p.5
Conflitos de interesses: Um primeiro olhar ................................................... p.5
Objetivos ...................................................................................................... p. 9
CAPÍTULO 1 ......................................................................................................... p.11
Conflitos de interesses: Formas e manifestações ...................................... p.11
1.2.1. Conflitos de interesses na elaboração e resultados de pesquisas ... p.11
1.2. As relações entre pesquisadores e indústria farmacêutica e suas conseqüências para os pacientes ......................................................................... p.20
1.3. Conflitos de interesses em uma potência mundial .............................. p.26
1.3.1. Estados Unidos da América (EUA) ................................................... p.26
1.4. Conflitos de interesses no Brasil …...................................................... p.38
1.5. Manejo dos conflitos de interesses …................................................... p.42
2. Controle social dos conflitos de interesses ............................................................. p.47
2.1. As Sociedades médicas brasileiras ...................................................... p.55
2.2. Breve panorama do nascimento da Bioética......................................... p.56
2.2.1. Belmont Report (Relatório Belmont) ….............................................. p.60
2.2.2. Teoria principialista …........................................................................ p.61
2.3. Breve histórico dos abusos com seres humanos: A importância do Código de Nuremberg, da Declaração de Helsinque e do TCLE ....................................... p.63
2.3.1. Os abusos cometidos contra seres humanos ...............................…. p.63
2.3.2. O Código de Nuremberg e a Declaração de Helsinki ........................ p.64
2.3.3. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) ...................... p.65
2.4. As comissões de ética em pesquisa na prevenção aos conflitos de interesses: Experiências dos EUA, Holanda, Polônia e Finlândia …..................... p.66
2.5. Brasil: O fortalecimento contínuo baseado em princípios bioéticos …. p.69
ix
CAPÍTULO 2 .......................................................................................................... p.72
Método …..................................................................................................... p.72
2.1. Local da pesquisa …............................................................................. p.74
2.2. Sujeitos da pesquisa …......................................................................... p.74
2.3. Instrumentos utilizados para o levantamento dos dados ….................. p.77
2.3.1. Questionário …................................................................................... p.77
2.3.2. TCLE ….............................................................................................. p.77
2.3.3. Roteiro de entrevistas ….................................................................... p.78
2.3.4. Entrevista em grupo …....................................................................... p.80
2.3.5. Reunião ….......................................................................................... p.80
3. Quantitativo de instrumento da amostra ….............................................. p.80
4. Limitação do método …............................................................................ p.81 CAPÍTULO 3 …...................................................................................................... p.83
Resultado e discussão ................................................................................ p.83
3.1. Bloco1. Pergunta 1. .............................................................................. p.83
3.2. Bloco 2. Pergunta 2. …......................................................................... p.91
3.3. Bloco 3. Pergunta 3. …......................................................................... p.92
3.4. Bloco 4. Pergunta 4. …......................................................................... p.94 CAPÍTULO 4 …...................................................................................................... p.98
Conclusão …................................................................................................ p.98
Recomendações ….................................................................................... p.100 REFERÊNCIAS …................................................................................................ p.102 APÊNDICES …..................................................................................................... p.122
Apêndice I – Questionário …...................................................................... p.122
Apêndice II – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido …................ p. 129
Apêndice III – Roteiro de entrevistas …..................................................... p.131
x
1
APRESENTAÇÃO
Este estudo pretende contribuir para a elaboração e implantação de
uma política de manejo do conflito de interesses na Universidade Federal do
Rio de Janeiro. A escolha em desenvolver este tema é fortemente influenciada
pela minha experiência como Membro de Comitê de Ética em Pesquisa desde
1997, na Fundação Oswaldo Cruz, e também pela formação em Ciências
Humanas. Durante nove anos desempenhei a função de secretária em um
CEP de uma das Unidades da FIOCRUZ, localizada na zona Sul do Rio de
Janeiro, que desenvolve ensino, pesquisa e assistência na área materno-
infantil.
Em maio de 2005, deixei o IFF/FIOCRUZ, e a convite da então
pesquisadora Dra Tania Cremonini Araujo-Jorge, passei a integrar o Instituto
Oswaldo Cruz – IOC/FIOCRUZ. Naquele mesmo ano, o Dr. José Luiz Telles, à
época Coordenador convidou-me para atuar como Membro do CEP-
FIOCRUZ, onde permaneço, atualmente no segundo mandato.
O IOC foi criado em 1900 como uma iniciativa pioneira no país para a
produção de vacinas. Em seus 110 anos de existência, diversificou suas
ações e atualmente constitui um complexo que gera conhecimento, produtos e
serviços na área biomédica para atender as necessidades da saúde da
população brasileira. É crescente a preocupação do IOC com a ética em
pesquisa, tanto que a Bioética recebeu atenção especial e integrou a pauta da
campanha eleitoral da atual diretoria.
O apoio da Diretoria IOC contribui para fomentar ainda mais a cultura
sobre este tema em todos os âmbitos do IOC, em especial nos programas de
pós-graduação lato e Stricto sensu deste Instituto. O IOC está intrinsecamente
ligado à minha história de vida acadêmica na Bioética, e foi fundamental para
que eu pudesse me candidatar ao mestrado e desenvolver esta pesquisa, sob
a orientação da Profa. Dra Marisa Palácios, que me deu liberdade de criação,
depositou confiança e apoio, elementos essenciais para exercer com
responsabilidade esta função, que eu desejo com o apoio dos CEP
entrevistados ter alcançado.
2
O relacionamento entre médicos e a indústria farmacêutica recebeu
atenção considerável nos últimos anos. É o que demonstram Campbell et al.
(2007), ao entrevistaram médicos para coletar informações sobre as suas
associações financeiras com a indústria e os fatores que predizem essas
associações.
Os autores realizaram uma pesquisa nacional nos EUA, com 3.167
médicos, de seis especialidades distintas (anestesiologia, cardiologia,
medicina familiar, cirurgia geral, medicina interna e pediatria), no final 2003 e
início de 2004. De acordo com os resultados da pesquisa, a maioria dos
médicos (94%) relatou possuir algum tipo de relacionamento com a indústria
farmacêutica, e a maioria destas relações envolvia o recebimento de
alimentação no local de trabalho (83%) ou recebimento de amostras grátis de
medicamentos (78%). Mais de um terço dos entrevistados (35%) recebeu
reembolso de despesas oriundas de reuniões profissionais ou de programas
de educação médica continuada, e mais de um terço (28%) recebeu
pagamentos por consultorias, palestras, ou recrutamento de doentes para
ensaios clínicos. Os resultados indicaram que as relações entre médicos e
indústria farmacêutica são comuns e variam de acordo a especialidade e a
atividade profissional.
Vários estudos são realizados para mostrar a crescente associação
entre a fonte de financiamento de pesquisas e os resultados favoráveis de
ensaios clínicos randomizados controlados publicados em revistas médicas. É
o que demonstraram Yaphe et al. (2001), com o objetivo de determinar a
associação entre a fonte de apoio à pesquisa e os resultados publicados
destes ensaios clínicos. Os autores revisaram ensaios clínicos controlados
aleatórios (n = 314), de interesse geral publicados em cinco revistas médicas
durante um período de 2 anos. O resultado do estudo foi classificado como
positivo ou negativo. O apoio foi classificado como indústria farmacêutica ou
não-indústria. A associação entre a fonte de apoio e os resultados foi testada
com a estatística qui-quadrado. Resultados positivos foram encontrados em
77% dos estudos, achados negativos em 20% e um resultado incerto, em 3%.
Apoio de fontes comerciais foi encontrado em 68% dos ensaios. Achados
negativos foram encontrados em 13% dos que receberam apoio da indústria,
3
35% dos estudos receberam apoio da não-indústria (qui-quadrado = 18, 36, P
< 0, 0001, odds ratio = 3,54, intervalo de confiança 95% 1,90-6,62). Os
autores encontraram associação entre a fonte financiadora de apoio aos
estudos e a publicação dos resultados positivos. E concluíram que embora o
motivo para esta associação não possa ser determinado a partir dos dados
recolhidos apenas, futuros estudos podem esclarecer a importância deste
achado para pesquisadores preocupados com a relação de órgãos de
financiamento e a publicação de resultados de pesquisa.
Sabemos que não estamos sozinhas na busca pela implantação de
uma política centrada na transparência dos conflitos de interesses, isto é o
que mostra a matéria veiculada em 02 de julho de 2008, no Jornal da Band
(2008), que apresentou uma série de reportagens denunciando a indústria
farmacêutica. A primeira da série intitulada “Receita Marcada” estampa com
exclusividade o prejuízo ao consumidor, em função da relação existente entre
a indústria farmacêutica e a classe médica, alguns dos fragmentos da peça
publicitária:
Exclusivo, comida boa, hotéis de luxo, passeios com a família, esses são alguns dos presentes que os laboratórios distribuem em todo o país, para que médicos indiquem os seus remédios aos seus pacientes.
Convites para simpósios em hotéis de luxo no Brasil e
no exterior com tudo pago, jantares regados a muita comida e bebida alcoólica, brindes e sorteios de eletro-eletrônicos; desde o primeiro ano da faculdade de Medicina, os alunos já são assediados por funcionários da indústria farmacêutica. (JORNAL DA BAND, 2008).
De acordo com a matéria exibida pelo Jornal da Band (2008), em 2 de
julho de 2008, o Laboratório Novartis patrocinou um Congresso sobre
osteoporose, no período de sexta a domingo, realizado em um resort, situado
em Florianópolis (SC). A empresa ofereceu passagem aérea e hospedagem,
juntamente com desconto especial para os acompanhantes de 50 médicos.
Na manhã de sábado, os médicos assistiram a quatro palestras. O restante
do fim de semana foi livre. De acordo com a matéria, para verificar a venda
dos produtos, e quem os prescreve, a indústria farmacêutica negocia cópias
das receitas médicas diretamente com as farmácias. Ou seja, quanto maior o
4
consumo, mais dinheiro para a indústria farmacêutica. O setor fatura por ano
R$ 28 bilhões no país, 30% são investidos em marketing. Em nota, o
Laboratório Novartis, alegou que o evento teve cunho científico, e que o
objetivo do encontro foi atualizar os profissionais de saúde.
O Jornal O Globo de 30 de março de 2008 apresentou um artigo de
Pordeus (2008), intitulado “Ciência refém do marketing”. Em tom de denúncia,
Pordeus relatou o relacionamento entre médicos e indústria farmacêutica, que
vem ocorrendo no mundo, assim como os debates nos distintos segmentos
das sociedades civil e organizada, e organizações profissionais, editoriais e
promulgações de novas leis. De acordo com o artigo:
A indústria farmacêutica se tornou hoje a principal responsável pela construção da liderança intelectual e científica dos médicos. De um modo geral, são “eleitos” aqueles que estão mais diretamente envolvidos com os produtos a serem vendidos; os que desenvolvem estudos clínicos com os medicamentos do laboratório; e os que mais prescrevem esses medicamentos. (PORDEUS, 2008).
Há uma relação antagônica entre a ética do conhecimento que ordena
o conhecimento pelo conhecimento sem a preocupação com as
conseqüências dos atos, e a ética da proteção para com os seres humanos,
que requisita controle nos usos das ciências. É uma ética baseada na
compreensão, que trabalha o tempo todo com a incerteza e a contradição. É
o que Morin (1995, p. 92-95) classifica como “ética de aposta”. Por essa razão
a ação ética é freqüentemente carregada de conflitos de interesses, conflitos
de valores.
5
Introdução
Conflitos de interesses: Um primeiro olhar
A expressão conflito de interesses tem várias definições. Em Houaiss
(2001), por exemplo, o conflito de interesses é definido como um choque entre
os interesses pessoais e as obrigações precípuas de um indivíduo que exerce
um cargo de confiança, e ocorre quando dois ou mais indivíduos demonstram
interesse em um mesmo objeto ou assunto.
Thompson (1993) utilizando o primeiro significado apontado por
Houaiss, define conflito de interesses como um conjunto de condições nas
quais o julgamento de um profissional a respeito de um interesse primário
tende a ser influenciado impropriamente por um interesse secundário.
Os interesses primários são determinados pelos deveres profissionais
de um pesquisador, médico, professor ou profissional de saúde, e estão
relacionados ao paciente e à maneira como a investigação científica é
conduzida. Thompson classifica em três os interesses primários: saúde e bem-
estar do paciente, integridade na pesquisa clínica, educação dos futuros
profissionais (pesquisador, médico e professor).
Os interesses secundários são definidos como qualquer tipo de
interesse que possa afetar a prioridade do interesse primário. São prejudiciais
quando influenciam, corrompem ou distorcem a integridade e afetam o
julgamento do profissional em relação à saúde do paciente, à investigação
científica ou à educação. Estão incluídos como interesses secundários, por
exemplo, a publicação de resultados em periódicos de prestígio internacional,
o anseio por fama ou ascensão profissional, favorecimento de familiares,
fomento para pesquisas e ganho financeiro.
Spece et al. (1996), autores do livro Conflicts of interest in clinical
practice and research, apresentam os distintos personagens envolvidos em
6
uma pesquisa: o investigador, o paciente, o público, o patrocinador, a
instituição onde ocorre a pesquisa e a comunidade científica. Cada um
desses personagens tem anseios, interesses e desejos. Por exemplo, o
investigador quer ganhar reputação por meio de pesquisas efetivas, boas e
publicadas, respostas validadas e bem desenhadas e reputação justa por suas
habilidades, esforços e tempo envolvidos na pesquisa.
O paciente quer diagnóstico acurado e tratamento efetivo, baixo risco
de dano e deseja que o investigador coloque seus interesses acima dos
próprios. O público quer métodos diagnósticos e tratamentos efetivos, seguros
e baratos, a mínima demora na aplicação das pesquisas, estudos com o
menor custo possível e confiança na comunidade científica. Já o patrocinador
comercial quer pesquisa relevante para as necessidades de mercado,
achados de pesquisas no menor tempo possível, por uma questão de
contenção de despesa, proteção de interesses financeiros, tais como patentes
de medicamentos, e pesquisas conduzidas com seriedade.
A instituição onde ocorre a pesquisa busca reputação acadêmica,
subsídios financeiros para a pesquisa por parte da indústria ou de outros
financiadores, compatíveis com todos os seus interesses, proteção do
investimento, do planejamento à organização, incluindo a equipe escolhida
para a realização da pesquisa, retorno do investimento e vantagens de
marketing, associada à reputação. A comunidade científica visa à boa
reputação da Ciência em geral, bem como ao acesso a produtos e resultados
das pesquisas.
Segundo Motti (2007), esses personagens podem desempenhar
simultaneamente vários papéis e têm interesses particulares, eventualmente
conflitantes. Destacamos, como exemplo, três dos personagens: o
investigador, o patrocinador (empresa) e o paciente.
O patrocinador também tem interesses diversos. O primeiro é
desenvolver seu produto. Para isso, precisa de projetos bem feitos, do ponto
de vista científico; de certa disciplina (há um cronograma a cumprir e um
orçamento a respeitar, pois os recursos não são infinitos), além de seguir à
risca a legislação existente.
7
Já a empresa procura proteger seus interesses, seus ativos e patentes,
sendo essencial ater-se à forma com que são escritos e protegidos.
O paciente também possui seus interesses. Isto ocorre, por exemplo,
quando o indivíduo deseja participar de uma pesquisa por motivos altruístas,
mas pretende receber um tratamento efetivo e uma prioridade às suas
necessidades, não conseguida no Sistema Único de Saúde (SUS).
Segundo este a transparência e a exposição desses conflitos são
importantes e todas as informações devem constar do consentimento
assinado pelo paciente. Portanto, é imprescindível diferenciar o que é um
professor universitário, transmitindo conhecimento, de um garoto-propaganda.
Para Holmes et al. (2004), os conflitos de interesses financeiros são os
que mais chamam a atenção a princípio e podem incluir, entre outros:
consultorias; participação em sociedades; cargos de direção ou
gerenciamento de instituições; recebimento de honorários; concessões de
patentes; fundos de pesquisa; pagamento de viagens e palestras; auxílio para
congressos; presentes e brindes. Os autores afirmam ainda que os interesses
financeiros indiretos, apesar de mais difíceis de identificar, também são
importantes.
Pesquisadores da Duke University nos EUA avaliaram se os interesses
financeiros dos autores de trabalhos científicos foram revelados
consistentemente em artigos publicados sobre stents coronários. No estudo
realizado por Weinfurt et al. (2008) foram pesquisados no PubMed artigos
publicados em 2006 que forneceram evidências ou orientação quanto ao uso
de stents de artéria coronária, assim como informações sobre os interesses
financeiros dos autores. Em 746 artigos, de 2.985 autores, 83% dos artigos
não traziam menção à divulgação de conflito de interesses de nenhum autor.
Os autores da pesquisa concluíram que em raras situações os interesses
financeiros são divulgados, ou não são divulgados de forma coerente.
Segundo Smith (2006), quando médicos são pagos para realizar
pesquisas, admitir pacientes em hospitais para realizar tratamentos especiais,
eles têm conflitos de interesses financeiros. Do mesmo modo quando atuam
8
como consultores das empresas farmacêuticas, quando aceitam almoços
pagos pelas indústrias farmacêuticas ou quando possuem ações nessas
empresas.
O impacto dos conflitos de interesse financeiros sobre o
desenvolvimento da psiquiatria foi estudado por Heerlein (2007). Segundo o
autor, as indústrias farmacêuticas podem ser um trunfo importante para o
desenvolvimento da medicina, mas é necessário que os médicos aprendam a
controlar esta colaboração, para não comprometer a dependência da
profissão. Para este autor, os médicos devem honrar os fundamentos éticos e
respeitar o interesse dos pacientes acima de qualquer fonte financeira.
O conflito de interesses financeiros em pesquisa clínica provoca intenso
debate. De acordo com Kim et al. (2004), embora existam informações sobre
as perspectivas e os papéis das instituições acadêmicas, pesquisador,
indústrias patrocinadoras e periódicos científicos, pouco se sabe sobre as
perspectivas dos participantes de pesquisa. Utilizando uma base de dados
interativa sobre doenças crônicas, os autores pesquisaram os potenciais
conflitos em voluntários de pesquisa, através da internet. Os autores
analisaram a necessidade e o efeito da divulgação dos conflitos. A maioria
dos entrevistados respondeu ter informações sobre conflitos de interesse,
além de defender que os conflitos de interesse financeiros devem ser
divulgados e constar do consentimento informado (64% a 87%). Os autores
concluíram que a prática da não divulgação dos conflitos de interesses
financeiros nas pesquisas clínicas prevalece e parece contrária aos potenciais
valores dos participantes de pesquisa.
Em outro estudo, Cain et al. (2005), abordaram a discordância sobre a
necessidade de declarar o montante financeiro recebido pelos pesquisadores.
Os entrevistados se opuseram à divulgação do montante financeiro recebido
pelos pesquisadores, acreditando que os mesmos estão suscetíveis a
superestimar valores.
9
Diversos autores, no entanto, consideram que há pouca orientação
sobre como divulgar os interesses financeiros de pesquisadores para os
potenciais participantes de pesquisa. Weinfurt et al. (2006b) buscaram
determinar os interesses financeiros dos potenciais participantes de pesquisa,
a sua capacidade de compreender as informações divulgadas, suas
implicações e reações. Foram estudados 16 grupos focais em 3 cidades dos
EUA, incluindo 6 grupos de adultos saudáveis, 6 grupos de adultos com
doença crônica leve, 1 grupo de pais de crianças saudáveis, 1 grupo de pais
de crianças com leucemia ou tumor cerebral, 1 grupo de adultos com
insuficiência cardíaca, e 1 grupo de adultos com câncer. O foco das
discussões abrangeu uma variedade de tópicos incluindo relações financeiras
em pesquisa clínica, se os participantes deveriam ser informados sobre as
questões financeiras, e de que maneira as informações devem ser repassadas
aos voluntários de pesquisas. Os autores concluíram que os interesses
financeiros são importantes para os potenciais participantes de pesquisa e que
os obstáculos à efetiva divulgação necessitam melhor manejo.
A busca pela identificação e gestão dos conflitos de interesses nos
levou a formular os seguintes objetivos na pesquisa:
Objetivo Geral:
Analisar como os membros dos Comitês de Ética em Pesquisa de uma
universidade brasileira identificam e manejam os conflitos de interesses
presentes na condução das pesquisas científicas.
Objetivos específicos:
●Revisar bibliografia sobre conflitos de interesses: conceitos,
aplicações, métodos e estratégias de manejo em experiências internacionais;
e
10
●Analisar a percepção dos membros de Comitês de Ética em Pesquisa
de uma universidade brasileira sobre o que é, como identificam nos projetos e
como manejam os conflitos de interesses.
11
CAPÍTULO 1
CONFLITOS DE INTERESSES: FORMAS E MANIFESTAÇÕES
1.1.1. Conflitos de interesses na elaboração e resultados de
pesquisas
Mota (1998) oferece um exemplo dramático do poder da divulgação dos
resultados clínicos sobre as bolsas de valores e o mercado financeiro. O autor
afirma que as ações da Wellcome subiram sempre após a publicação de
resultados de ensaios clínicos envolvendo o AZT ou retrovir. Em agosto de
1989, em uma única manhã, os preços dobraram de valor após a divulgação
de resultados preliminares de um estudo com o AZT nos Estados Unidos.
Com o objetivo de estudar a relação entre o conflito de interesses e
resultados de pesquisa, Friedman et al. (2004) utilizaram três definições
distintas. A primeira é a proposta por Thompson (1993) e aborda critérios mais
amplos. Inclui toda e qualquer relação financeira, exceto o fornecimento
gratuito de drogas e equipamentos. A segunda aborda os critérios utilizados
pelo International Committee of Medical Journal Editors, que inclui exemplos
rigorosos de conflitos de interesses, tais como: consultoria, emprego,
acionista, honorários, registro de patente, exceto bolsas, prêmios,
financiamentos diversos e específicos para a pesquisa, fornecimento de
drogas e equipamentos, autores que exercem funções de palestrantes ou
membros de comitês científicos.
Os autores propuseram critérios que se aplicam a pesquisadores que
possuem algum tipo de associação financeira com empresas privadas, tais
como auxílio à pesquisa, consultoria, emprego, ações da empresa, registro de
patente na qual o autor poderá receber royalties ou financiamentos pessoais.
Está excluído o fornecimento de medicamentos e equipamentos para
12
pesquisa, prêmios, bolsas, atuação como membro de comitê consultor ou
como palestrantes. O segundo critério se aplica aos casos em que
medicamentos, tratamentos ou produtos em teste pelo pesquisador são
produzidos pela empresa patrocinadora ou pertence a mesma classe de uma
droga produzida por uma empresa concorrente. O terceiro critério se aplica
aos casos, em que o produto estudado pelo pesquisador tem potencial
comercial de trazer lucros no futuro. Já o quarto critério se aplica quando a
apresentação dos resultados principais da pesquisa nega o produto do
concorrente ou advoga positivamente, apontando um custo-benefício
mostrando que o produto pesquisado tem potencial valor comercial.
Para Angell (2008), os laboratórios farmacêuticos planejam ensaios
clínicos para serem feitos por pesquisadores que são pouco mais que mão-de-
obra contratada, sejam os testes realizados em centros acadêmicos, sejam
nos consultórios médicos. Segundo Angell:
As empresas patrocinadoras ficam com os dados, e, em ensaios realizados múltiplos centros, pode ser que nem deixem os próprios pesquisadores ver tudo. As empresas analisam e interpretam os resultados, e decidem o que __ se é que algo __ deverá ser publicado. (ANGELL, 2008, p.119).
Segundo Bhandari et al. (2004), pesquisas financiadas pela indústria
farmacêutica são mais susceptíveis estatisticamente a resultados pró-
indústria, tanto em publicações de ensaios clínicos como em intervenções
cirúrgicas. Os autores analisaram uma série consecutiva de 332 ensaios
randomizados, publicados no período de janeiro de 1999 a junho de 2001, em
8 jornais de cirurgia e 5 revistas médicas. Destes, 158 eram ensaios clínicos,
87 estudos cirúrgicos e 87 ensaios clínicos de outras terapias. Em 122 (37%)
dos ensaios, os autores declararam receber financiamento da indústria
farmacêutica. Uma análise dessa amostra não justificada de ensaios revelou
que o financiamento da indústria foi associado com uma estatística significante
de resultado a favor do novo produto da indústria farmacêutica patrocinadora
do estudo (odds ratio [OR] 1,9, 95% intervalo de confiança [CI] 1.3-3.5). A
associação permaneceu significativa após ajuste para o estudo da qualidade e
tamanho da amostra (ajuste OR 1,8, IC 95% 1,1-3,0). Houve uma diferença
13
não significativa entre os ensaios cirúrgicos (OR 8,0; IC 95% 1,1-53,2) e os
ensaios de drogas (OR 1,6, IC 95% 1,1-2,8), ambas suscetíveis de ter uma
política de resultado pró-indústria (em relação OR 5,0, IC 95% 0,7-37,5,p =
0,14).
Felizmente, do ponto de vista das empresas farmacêuticas que
financiam os ensaios clínicos, mas infelizmente para a credibilidade das
revistas, os estudos publicados raramente produzem resultados desfavoráveis
para as indústrias farmacêuticas patrocinadoras. Prova disto é o estudo
realizado por Rochon et al. (1994), no qual foram analisados 56 ensaios
clínicos de antiinflamatórios para artrite, financiados pela indústria
farmacêutica. Nenhum dos relatórios publicados apresentou resultados
desfavoráveis para a indústria que os patrocinou. Cada experimento
demonstrou que a droga da empresa patrocinadora era superior, ou melhor,
em comparação com o tratamento utilizado à época.
O marketing farmacêutico para médicos, incluindo doações e patrocínio
para as atividades de educação médica continuada, suscita sérias questões
éticas. Preocupados com essa questão, Brett et al. (2003) investigaram sobre
o grau em que médicos consideram comum a comercialização farmacêutica
de atividades como eticamente problemática, e comparar as opiniões de
médicos experientes com a de médicos em formação. Para ambas as
qualificações, os resultados mostraram que a maior parte das atividades
comerciais não levantou grandes problemas éticos. Os entrevistados tendem a
fazer distinções sobre a pertinência ética de presentes, com base no valor
monetário e no tipo de doação. Alguns opinaram que houve violação das
orientações profissionais que tratam das interações entre médicos e empresas
farmacêuticas. Os autores concluíram que, apesar da publicidade sobre
problemas éticos no relacionamento entre médicos e a indústria farmacêutica,
médicos inexperientes e experientes de uma única instituição tiveram opiniões
distintas sobre a permissibilidade da diversidade de atividades de marketing
utilizadas pelas indústrias farmacêuticas.
14
Smith (2005) reconhece a necessidade de mais financiamento público
para as pesquisas, especialmente de pesquisadores altamente qualificados
para todos os ensaios clínicos. E ressaltou que, ao invés de simplesmente
publicar, as revistas médicas deveriam adotar uma postura crítica em relação
aos ensaios clínicos. Segundo este autor, os resultados dos protocolos
clínicos deveriam ser disponibilizados em sites da internet regulamentados.
Alguns dos exemplos utilizados pelas indústrias farmacêuticas, para obtenção
de resultados satisfatórios em ensaios clínicos, estão dispostos no Quadro
1.1.
QUADRO 1.1 - Exemplos de métodos utilizados pelas empresas
farmacêuticas para obter resultados positivos em ensaios clínicos
●Avaliar o seu medicamento contra um tratamento comprovadamente inferior. ●Testar suas drogas contra uma dose muito baixa de uma droga concorrente. ●Realizar avaliação de seu medicamento contra uma dose demasiado elevada de uma droga concorrente (tornando a sua droga menos tóxica). ●Realizar ensaios pequenos demais para mostrar superioridade entre uma droga concorrente. ●Utilizar vários parâmetros, e escolher para publicar apenas aqueles que apresentam resultados favoráveis. ●Realizar ensaios multicêntricos diversos, mas publicar apenar os resultados dos centros favoráveis. ●Incluir análise de subgrupo e selecionar para publicação aqueles que são favoráveis. ●Apresentar resultados que são mais susceptíveis de impressionar, por exemplo, a redução do risco relativo e não absoluto.
(SMITH, 2005, p.2)
Lexchin et al. (2003) realizaram uma revisão sistemática de 30 estudos
comparando os resultados das pesquisas financiadas pela indústria
farmacêutica com pesquisas financiadas por outras fontes. Aproximadamente
16 dos estudos analisados eram ensaios clínicos ou meta-análise. Os
primeiros estudos apresentaram mais resultados favoráveis para as empresas
patrocinadoras do que os outros (OR = 4,05; IC95%: 2,98 - 5,51). Nenhum
15
dos 13 estudos que analisaram métodos relatou que os ensaios financiados
pela indústria farmacêutica apresentavam pobre qualidade metodológica.
Nesta linha, vale citar o estudo realizado por Bero (2005), que
evidenciou que patrocínios comerciais, ganhos pessoais e financeiros
concedidos pela indústria para pesquisadores influenciam a publicação de
resultados mais favoráveis às indústrias. Segundo a autora, as instituições de
pesquisa tentam proteger as suas próprias reputações e as de seus docentes,
estabelecendo limites para a elaboração dos relatórios financeiros e sugere
que a organização patrocinadora imponha as práticas de gestão destinadas a
reduzir os conflitos ou minimizar o financiamento. Em um quarto dos projetos
desenvolvidos por uma Universidade dos EUA foi exigida a revisão e a gestão
dos conflitos de interesses, sendo o mais comum destas decorrentes da
elevada "taxa de consultoria" paga aos pesquisadores. A autora concluiu que
existe diferença de opinião na comunidade de pesquisadores acerca da
divulgação dos interesses financeiros, que as opiniões são importantes e
necessárias para garantir um nível razoável de liberdade e para manter a
confiança pública.
Para Weinfurt et al. (2006a), estratégias para a divulgação dos
interesses financeiros em pesquisas foram adotadas por vários institutos
norte-americanos. No entanto, pouco se sabe sobre a forma como são
tomadas as decisões relativas à divulgação dos interesses financeiros das
pesquisas para os potenciais participantes, incluindo o que é divulgado e as
razões para fazer essas determinações. Os autores buscaram compreender
as atitudes, crenças e práticas da revisão institucional, sobre os conflitos de
interesses presentes nas comissões, e sobre a revelação dos interesses
financeiros em pesquisas para os potenciais participantes. Vários temas
emergiram, incluindo o manejo geral dos conflitos de interesses, as
circunstâncias em que os interesses financeiros devem ser divulgados e os
benefícios da divulgação, o que deve ser divulgado, e os efeitos negativos dos
obstáculos à divulgação.
Os entrevistados citaram várias razões para a divulgação dos dados de
pesquisa, principalmente para promover a confiança nas instituições e reduzir
16
a responsabilidade legal. Houve um consenso de que a divulgação das
informações deve ocorrer no início do processo de tomada do termo de
consentimento. Outros entrevistados discordaram sobre a necessidade de
revelar o montante financeiro de determinadas pesquisas. Para os autores,
deixar claro os objetivos da divulgação e buscar a compreensão dos
potenciais participantes de pesquisas é crucial para garantir a integridade da
investigação clínica e para proteger os direitos e interesses dos participantes.
Schulman et al. (2002), concluíram que as instituições acadêmicas
raramente se certificam de que seus pesquisadores tenham total participação
no planejamento dos ensaios, livre acesso aos dados do ensaio e o direito de
publicar suas conclusões. Acrescentaram, a este sombrio esquema, a
participação do “escritor fantasma” (ghost writer), definido na literatura médica
como aquele indivíduo que elabora o protocolo de pesquisa, planeja as
análises estatísticas e escreve o artigo sem que seu nome integre os autores
responsáveis pela publicação.
Estudo de coorte realizado na Dinamarca, no período de 1994 e 1995
por Gøtzsche et al. (2007), analisou 44 ensaios patrocinados pela indústria
farmacêutica. Em 33 dos ensaios foram evidenciados a participação de
escritores fantasmas. Os estatísticos fantasmas integravam 31 dos ensaios
clínicos. Segundos os autores, uma maneira coerente de minimizar a
prevalência desses trabalhos fantasmas é a publicação prévia dos projetos
(protocolos) de pesquisa.
A atividade de ghost-writer em algumas situações pode estar associada
ao pouco comprometimento do pesquisador com os dados dos resultados da
pesquisa.
As conseqüências da influência avassaladora resultante das pressões
dos fabricantes são sentidas também na publicação dos resultados é o que
relatam Bodenheimer (2000); Montori et al. (2005), segundo os quais
pesquisas patrocinadas pela indústria farmacêutica têm probabilidade maior
de apresentar resultados favoráveis aos novos fármacos, comparados aos
tradicionais, do que as pesquisas independentes. Segundo os autores, é
17
comum pesquisas patrocinadas pelos fabricantes de medicamentos serem
interrompidas antes do programado. São estudos com resultados falaciosos,
que costumam distorcer as conseqüências de longo prazo dos tratamentos,
quando ocorrem efeitos adversos graves.
A associação com resultados favoráveis em pesquisas acadêmicas
financiadas pela indústria é um fenômeno observado por diversos autores,
segundo demonstram Glaser et al. (2005), em uma revisão de dados
empíricos sobre as atitudes e o envolvimento de pesquisadores com a
indústria farmacêutica e seus laços financeiros. A revisão dos dados revelou
que os pesquisadores em início de carreira estão preocupados com o impacto
dos vínculos financeiros na escolha das pesquisas, condução dos estudos e
publicação, mas esta preocupação é menor entre os pesquisadores já
envolvidos com a indústria. A confiança dos pesquisadores na publicidade
como uma forma de gerir conflitos revelou falta de consciência do real impacto
de incentivos financeiros em si mesmos e em outros pesquisadores.
Diversos ensaios clínicos são escritos e publicados por pesquisadores
com conflitos de interesses financeiros não-declarados. Segundo Perlis et al.
(2005), a literatura médica considera problemático o impacto destes conflitos,
assim como a discussão sobre a divulgação dos mesmos pelos responsáveis
pelos ensaios clínicos. Na opinião dos autores, o registro dos ensaios
minimizaria o viés da publicação dos conflitos de interesse financeiros. Apesar
de evolução médica na discussão deste tema, pouco se sabe sobre o papel o
quanto as pesquisas em dermatologia são afetadas pelo conflito de interesse
financeiro.
Os autores estudaram a extensão e o impacto do patrocínio da indústria
nos conflitos de interesse nas pesquisas em dermatologia. Foram registrados
os potenciais conflitos de interesses financeiros em 179 resultados de ensaios
clínicos publicados entre 1º de outubro de 2000 a 1º de outubro de 2003, em
quatro principais jornais de dermatologia. Os resultados mostraram que 43%
dos estudos analisados incluíram pelo menos um autor com conflitos de
interesse declarado. Os estudos mais propensos a relatar resultado positivo
demonstram maior qualidade metodológica, e incluíram maior tamanho
18
amostral. A conclusão dos autores é que conflito de interesses presente nas
pesquisas clínicas da área de dermatologia está potencialmente associado
com diferenças significativas em termos de metodologia e elaboração de
relatórios.
Na opinião de Emanuel et al. (1995), o custo elevado das pesquisas,
aliado aos ganhos econômicos pelos pesquisadores em instituições de ensino
e pesquisa e os laços destes com a indústria farmacêutica, aumentam os
conflitos de interesses, que acabam afetando diretamente os cuidados para
com o paciente, o voluntário de pesquisa e a sociedade.
A preocupação de que a relação financeira entre patrocinadores e
pesquisadores produz viés aos resultados de pesquisa foi estudada por
Riechelmann et al. (2007), ao avaliarem a epidemiologia dos conflitos de
interesse entre os autores dos ensaios clínicos e os editoriais em oncologia e
as relações entre a divulgação e a fonte de financiamento dos conflitos de
interesse.
Os autores realizaram um estudo transversal dos ensaios clínicos e
editoriais dos agentes antineoplásicos e de suporte às medicações publicados
no Journal of Clinical Oncology (JCO), durante o período de um ano. Os
resultados mostraram que dos 1.533 artigos publicados no JCO, no período de
1 º de janeiro de 2005 a 31 de janeiro de 2006, 332 foram incluídos na
amostra; 289 (87%) eram ensaios clínicos, e 43 (13%) eram editoriais. Destes,
44% dos ensaios clínicos recebeu da indústria farmacêutica financiamento
integral ou parcial. Pelo menos um conflito de interesse foi divulgado em 69%
dos ensaios clínicos, e em 51% dos editoriais. Os tipos mais comuns de
conflito de interesse relatados pelos autores foram pagamentos de consultoria,
honorários e fundos para pesquisa. Os maiores níveis de interesses
financeiros relatados pelos autores foram as bolsas de pesquisa, mas a
maioria dos autores com conflitos de interesses nos EUA recebeu menos de
US$ 10,000. Na análise multivariada, os autores de ensaios clínicos
conduzidos na América do Norte (América do Norte v Europa: odds ratio [OR]
= 2,9,P = .002) e de autores com ensaios inteiramente financiados (somente
pela indústria v sem fins lucrativos: OR = 13,8,P < .001) ou parcialmente
19
financiados (tanto pela indústria sem fins lucrativos v sem fins lucrativos
apenas: OR = 5,8,P <.001) apresentaram mais relatórios propensos a conflitos
de interesses financeiros e pessoais. Os autores concluíram que conflitos de
interesses são comuns nas pesquisas clínicas na área de câncer, geralmente
sob a forma de consultoria, honorários e fundos de pesquisa. A fonte de
financiamento do estudo foi significativamente associada com a divulgação
dos conflitos de interesses.
Segundo estudo realizado por Martinson et al. (2005), em junho de
2005, a revista Nature publicou um artigo sobre o comportamento impróprio de
pesquisadores norte-americanos. Segundo a matéria os pesquisadores
entrevistados admitiram cometer fraude na pesquisa científica, tais como
falsificação de dados, modificação de projeto e de metodologia, registro
inadequado de dados, plágios, entre vários outros.
Segundo Evans apud Schneider et al. (2005), o livro Fraude e
improbidade médica na pesquisa apresenta questões relacionadas à conduta
imprópria de médicos pesquisadores. Segundo os autores há dados muito
discrepantes relatados em pesquisas, tais como: valores de gráficos e tabelas
não correlacionados com dados impressos, ausência de somatório de
variáveis nas tabelas, além de várias outras incongruências.
É o que comprova Staropoli (2003), segundo o qual há pesquisadores,
que não participam do planejamento do projeto de pesquisa, e nem tampouco
são autorizados a publicar seus resultados isoladamente. Há casos inclusive,
em que os pesquisadores não têm permissão sequer para publicar os
resultados negativos da pesquisa, porque poderiam prejudicar as ações
comerciais da empresa financiadora.
Aliado a isto, é importante ressaltar que nem todas as revistas lidam
bem com resultados negativos.
Segundo Pearson et al. (1998), o principal imperativo ético é conciliar,
na metodologia das pesquisas, mecanismos de segurança, a fim de que os
conflitos sejam minimizados.
20
Pesquisa realizada por Friedberg et al. (1999), sobre a avaliação de
conflitos de interesse em análises econômicas de novos medicamentos
usados na área de Oncologia, demonstrou que pesquisadores que possuíam
relações financeiras com fabricantes de produtos farmacêuticos estão menos
propensos a criticar a segurança ou a eficácia desses agentes. Os autores
concluíram que o patrocínio das empresas farmacêuticas estava associado
com a redução da probabilidade de relatar resultados desfavoráveis.
1.2. As relações entre pesquisadores e indústria farmacêutica e
suas conseqüências para os pacientes
Segundo Okike et al. (2007), um quarto de todos os pesquisadores
biomédicos recebe financiamento de companhias farmacêuticas. Durante a
Reunião Anual da Academia de Cirurgia Ortopédica (AAOS), em 2002, 32%
dos cirurgiões ortopédicos relataram possuir algum tipo de conflito de
interesse financeiro em suas pesquisas. Nos EUA, as agências reguladoras
de atividade médica, a indústria farmacêutica e o governo vêm buscando
estabelecer um código de conduta que delimite as relações entre médicos e a
indústria. Os pesquisadores são recrutados em instituições universitárias
apenas para executar parte de um projeto, cujo protocolo de pesquisa já fora
estabelecido pelo patrocinador.
Studdert et al. (2004) e Blumenthal (2004) afirmaram que o conflito de
interesses não só envolve a prática médico-assistencial, mas, também, a
educação médica continuada e a pesquisa biomédica, na qual a indústria
farmacêutica é responsável por cerca de 60% do financiamento.
Estudo realizado por Hampson et al. (2007), a partir de dados das
reuniões anuais da American Society of Clinical Oncology (ASCO) para
determinar a freqüência, o tipo e valor monetário dos interesses financeiros
dos pesquisadores, no período de 2004 e 2005 mostrou que de um total de
21
7.0852 resumos analisados, sendo 3.529 correspondentes ao ano 2004, e
3.556 do ano de 2005, 23% dos mais de 75% dos resumos apresentavam um
ou mais autores com interesses financeiros pessoais estimados em mais de
US$ 10.000.
Bass et al. apud Angell (2008) afirmam que os acordos entre os
laboratórios farmacêuticos e as universidades representam uma renda
bastante significativa. Segundo exemplo desses autores, o chefe da psiquiatria
da Brown University Medical School teria recebido mais de US$ 500.000
durante o ano de 1998 em honorários de consultoria. Angell cita exemplos de
arranjos acadêmico-industriais da Harvard University, entre os quais no Dana-
Faber Câncer Institute, um hospital de Harvard, um acordo que concedeu à
Novartis direitos sobre as descobertas que levem ao desenvolvimento de
novas drogas para o câncer. A firma japonesa fabricante de cosméticos
Shiseido deu ao Massachusetts General Hospital, de Harvard, US$ 180
milhões por um período de uma década para ter direitos preferenciais sobre as
descobertas dos dermatologistas do corpo docente. A Merck estava
construindo um prédio de 12 andares, para pesquisas, ao lado do Harvard
medical School. Segundo reafirmou Angell (2008), dois terços dos centros de
medicina acadêmica detinham capital em companhias iniciantes que
patrocinavam algum tipo de pesquisa.
As interações entre médicos e representantes da indústria farmacêutica
chamaram a atenção de Chimonas et al. (2007), que basearam suas
pesquisas em seis grupos focais compostos por 32 médicos norte-americanos
de San Diego, Chicago e Atlanta, dos quais 18 oriundos de cuidados primários
e 14 especialistas (cirurgia torácica, hematologia, oncologia, cardiologia,
doenças infecciosas, urologia, ortopedia, gastroenterologia, pneumologia e
medicina geriátrica). A maioria (59%) trabalhava em consultório particular, e
mais de dois terços (69%) tinha mais de 10 anos de prática médica.
O objetivo dos autores foi determinar técnicas para a gestão das
incongruências cognitivas presentes nas relações dos médicos com os
representantes farmacêuticos, e discutir sobre o entendimento dos médicos
22
acerca da relação entre conflito de interesses e o marketing no atendimento
ao paciente.
Foi realizada uma análise qualitativa das transcrições dos grupos
focais, para determinar as atitudes dos médicos sobre o significado do conflito
de interesse, suas crenças sobre a qualidade da informação veiculada e o
impacto sobre a prescrição, e sua resolução do conflito entre o desejo para
vender o produto e a assistência ao paciente. Os resultados encontrados
mostram que os médicos compreendem o conceito de conflito de interesses e
aplicam às relações profissionais. No entanto, eles mantiveram opiniões
favoráveis e atitudes contraditórias em determinadas situações. Para resolver
a dissonância, os médicos usaram diversas negações e racionalizações, tais
como evitaram pensar sobre o conflito de interesses e, discordaram que as
relações com a indústria afetam o comportamento do médico. Os autores
concluíram que, embora os médicos tenham entendido sobre o conceito de
conflito de interesses, os resultados da pesquisa sugerem que as diretrizes
propostas pela maioria das principais sociedades médicas ainda são
insuficientes para coibir os conflitos. Segundo os autores, a proibição do
envolvimento de médicos com a indústria farmacêutica pode ser uma medida
eficaz.
Herxheimer (2003), explorou o tema das relações entre a indústria
farmacêutica e as organizações de grupos de auto-ajuda e de apoio a
pacientes do Reino Unido. Segundo este autor, a relação entre as indústrias
farmacêuticas e os pacientes é uma parceria desigual, que se desenvolveu ao
longo dos anos e que suscita questões sérias.
Greco et al. (2008) discutiram os diversos níveis onde as questões de
conflito de interesse são mais propensas a acontecer, tais como nas ações
das indústrias farmacêuticas, na relação com profissionais da área da saúde,
participação das universidades e institutos de pesquisa, nas comissões de
ética de pesquisa, incluindo as possíveis pressões exercidas pelas indústrias
farmacêuticas, pelos pesquisadores, patrocinadores e mesmo das próprias
instituições. Os autores enfatizaram a inter-relação entre os conflitos de
interesse e vulnerabilidade, e também possíveis causas e soluções para
23
diminuir os riscos de exploração de voluntários em pesquisa. Os autores
também enfatizaram a necessidade de garantir o acesso a produtos que são
comprovadamente eficazes para todas as pessoas que podem necessitar
deles. Sugeriram formas possíveis de capacitar os voluntários, para que se
tornem conscientes dos seus direitos. Os autores discutiram a necessidade de
separar os interesses econômicos das reais necessidades de saúde pública e
desmistificação de argumentos econômicos utilizados para justificar a redução
das exigências éticas. Segundos os autores é necessário estabelecer a
efetiva participação de todos os interessados em um organismo internacional
que represente realmente a todos, por exemplo, OMS, a fim de avaliar,
debater e diminuir os riscos dos diversos conflitos de interesse, visando o
estabelecimento de projetos de pesquisa, que possam realmente contribuir
para a redução das disparidades obscenas na área da saúde entre os países
desenvolvidos e os países em desenvolvimento.
Bekelman et al. (2003) estudaram o impacto e gestão de conflitos de
interesse financeiros na pesquisa biomédica. Os autores analisaram sete
estudos de corte transversal. De acordo com os autores, aproximadamente
um quarto dos pesquisadores apresentaram vínculos coma a indústria
farmacêutica. Os resultados encontrados demonstram que há uma grande
variedade na política de regulação do conflito de interesses entre as
instituições acadêmicas norte-americanas.
Em 2001, uma pesquisa nacional, realizada com médicos norte-
americanos (National Survey of Physicians), mostrou que 92% dos médicos
receberam amostras de drogas, 61% receberam refeições, ingressos para
eventos ou viagens, 13% receberam outros tipos de benefícios, e 12%
receberam incentivos para participação em ensaios clínicos. Wazana (2000)
analisou 16 estudos publicados entre 1982 e 1997, de acordo com o autor, em
média, os médicos se reúnem com representantes de indústrias farmacêuticas
quatro vezes por mês e residentes aceitam seis doações por ano, oriundas
dos representantes farmacêuticos.
24
Segundo Boyd et al. (2003b), nos EUA o patrocínio na área de
pesquisa clínica vem crescendo diariamente, assim como o financiamento e o
relacionamento individual entre as indústrias farmacêuticas e os
pesquisadores. Motivos como estes tem levado o governo federal, alguns
estados, e muitas universidades a promulgarem políticas para gestão de
conflitos de interesse, visando controlar e regulamentar o financiamento
presente no relacionamento entre pesquisadores e patrocinadores.
Para explorar as possíveis implicações das políticas de conflito de
interesses dos pesquisadores clínicos, os autores entrevistaram
pesquisadores clínicos em duas instituições onde as políticas de conflitos de
interesse são distintas. A característica mais evidente das entrevistas foi o
leque de percepções e atitudes manifestadas pelos pesquisadores e suas
implicações para os gestores, profissionais, sociedades e políticos
preocupados com os conflitos de interesse. Menos da metade dos
pesquisadores entrevistados descreveram com precisão as políticas de
conflitos de interesse de seu campus. Muitos dos entrevistados reconheceram
os riscos gerais associados aos conflitos de interesse, mas consideraram que
eles não estão pessoalmente em risco. O desafio fundamental é demonstrar a
todos os pesquisadores clínicos e não-clínicos, o potencial viés da pressão da
indústria e a relevância para a adoção de políticas de conflitos de interesses
aplicável a todos os pesquisadores.
As múltiplas relações entre pesquisadores clínicos, médicos e a
indústria farmacêutica foram quantificadas por Henry et al. (2005), em uma
pesquisa realizada com médicos australianos, no período de 2002 a 2003. Os
autores utilizaram um questionário com perguntas acerca dos aspectos
presentes nas pesquisas e sobre as relações entre médicos e indústrias
farmacêuticas. Foram incluídos no estudo todos os médicos, que devolveram
o questionário preenchido sobre as suas atividades de pesquisa. O
questionário foi enviado a 2.120 médicos especialistas, 823 (39%)
responderam. Destes, 338 (41%) relataram possuir envolvimento com a
indústria farmacêutica e patrocinadores de pesquisa. As associações mais
fortes foram observadas em médicos que receberam pagamento de
consultoria feito pelas indústrias farmacêuticas (OR, 9.0; IC 95%, 3.9-20.4) e
25
pela participação em conselhos consultivos (OR, 6.9; IC 95%, 5.1-9.6). Houve
uma forte relação entre a colaboração em pesquisa e a acumulação dos
vínculos com a indústria. Os autores concluíram que os médicos especialistas
em pesquisas clínicas que apresentaram mais relações com a indústria
farmacêutica estão muito mais susceptíveis de ter múltiplos vínculos adicionais
do que aqueles que não possuem relacionamentos com a indústria
farmacêutica em suas pesquisas. Os autores sugeriram que é imprescindível
as instituições desencorajarem os pesquisadores a desenvolver múltiplos
vínculos com a indústria farmacêutica.
Estudos realizados por Timimi (2005) e Fava (2006), demonstraram que
o envolvimento da psiquiatria com a indústria farmacêutica tem influência
negativa sobre a prática clínica e a educação médica, ameaçando inclusive o
desenvolvimento independente das ciências mentais. De acordo com estes
autores, os psiquiatras devem evitar ou minimizar a interação com as
empresas farmacêuticas.
Opinião semelhante foi defendida por Helmchen (2003), ao ressaltar
que uma das premissas da intervenção psiquiátrica é a confiança do paciente
em seu terapeuta. O autor sugere um esforço internacional da comunidade
psiquiátrica, para redefinir a relação entre médicos e indústria farmacêutica,
porque o envolvimento de psiquiatras com a indústria farmacêutica tem
aumentado intensamente nos últimos anos. O autor concluiu que a
cooperação entre psiquiatras e a indústria vão desde o que é necessário e
desejável até as práticas questionáveis e inaceitáveis de má conduta. O autor
baseou sua pesquisa em uma revisão detalhada da literatura, e apresentou 27
recomendações para discussão deste assunto com as Associações
psiquiátricas, com intuito de desenvolver orientações explícitas para as
relações entre os psiquiatras e a indústria farmacêutica.
Preocupados com os conflitos de interesses financeiros intrínsecos no
processo de desenvolvimento de drogas, Gray et al. (2007) estudaram sobre
como pacientes com câncer avançado inscritos em ensaios clínicos percebiam
os conflitos de interesses dos pesquisadores.
26
Foram entrevistados 102 pacientes com câncer avançado inscritos para
ensaios clínicos em fase I. Segundo os autores, 55% dos pacientes disseram
que não ficariam preocupados se os médicos envolvidos na execução do
ensaio clínico tivessem conflitos de interesse financeiros, ao passo que 65%
dos pacientes demonstraram preocupação quanto ao envolvimento de
médicos na execução da pesquisa. A maioria dos pacientes relatou que os
potenciais conflitos de interesse devem ser divulgados (52%) para os conflitos
de interesse financeiros e 61% para outros tipos de conflitos de interesse
intrínsecos em pesquisas.
A maioria dos pacientes estaria disposta a participar de ensaios após a
aprendizagem de informações sobre conflito de interesse (63%). Os pacientes
mais jovens expressaram mais preocupação com os conflitos de interesses
financeiros do que os pacientes mais velhos (odds ratio, 6,22; 95% CI, 1,41-
27,24). Os autores concluíram que os pacientes com câncer avançado são
igualmente preocupados com os diferentes tipos de conflitos de interesse.
Ainda de acordo com os autores, os pacientes geralmente acreditam
que os conflitos de interesse devem ser divulgados aos participantes da
pesquisa. O fato de pacientes mais jovens terem expressado maior
preocupação com os conflitos financeiros, do que com outros tipos de
interesse pode ter influenciado a participação em ensaios clínicos. Os autores
sugeriram que o impacto real dos conflitos de interesse e a divulgação de
temas de pesquisa fossem avaliados com mais cautela.
1.3. Conflitos de interesses em uma potência mundial
1.3.1 Estados Unidos da América (EUA)
Estudo realizado por Cho et al. (2000) sobre as políticas de conflito de
interesses nas Universidades norte-americanas demonstrou que 55% das
políticas (n = 49) em vigor nas Universidades exigem que os professores
divulguem todos os seus conflitos, enquanto 45% (n = 40) exigem que apenas
os principais pesquisadores ou aqueles de conduzem pesquisas divulguem os
27
conflitos. Dezenove por cento das políticas (n = 17) prevêem limites aos
interesses financeiros das faculdades, empresas e patrocinadores, 12% (n =
11) especificaram limites admissíveis sobre os atrasos na publicação, e 4% (n
= 4) proíbem a participação de estudantes nos trabalhos patrocinados por
sociedade em que o corpo docente principal possua interesse financeiro. Os
autores concluíram que na amostra estudada a maioria das políticas sobre
conflitos de interesses em grandes instituições de pesquisa dos Estados
Unidos está ausente de especificidade sobre os tipos de relações com a
indústria, ou seja, o que é permitido ou proibido. A grande variação na gestão
dos conflitos de interesses entre as instituições pode causar confusões
desnecessárias entre os potenciais parceiros da indústria. A concorrência
entre universidades e empresas patrocinadoras, pode corromper os padrões
acadêmicos no longo prazo. É interesse das instituições desenvolverem
acordos sobre políticas de conflitos de interesses específicas e transparentes.
Com o objetivo de estudar a maneira como os estudantes de medicina
em fase clínica e pré-clínica interagem com a indústria farmacêutica, Hyman et
al. (2007) realizaram uma pesquisa em Harvard Medical School (HMS),
Boston, MA, USA, no período de novembro de 2003 a janeiro de 2004. Os
autores analisaram o modo como às respostas diferiram entre as classes. De
723 questionários, 418 foram respondidos e devolvidos - uma taxa de resposta
global de 58%. Um total de 107 (26%) estudantes considerou apropriado
aceitar presentes das indústrias farmacêuticas, e 76 (18%) concordaram que o
currículo médico deveria incluir eventos patrocinados pela indústria
farmacêutica. Muitos alunos 253 (61%) relataram não se sentir devidamente
instruído sobre as interações com a indústria farmacêutica. Tanto os
estudantes em fase pré-clínica, como os estudantes em fase clínica
apresentaram opiniões semelhantes para a maioria das suas respostas.
Nesta mesma linha, Steinman et al. (2001) pesquisaram, em um
programa universitário de Medicina Interna, os fatores que influenciaram o
relacionamento e as atitudes dos médicos residentes do primeiro e segundo
anos com a indústria farmacêutica. Dos noventa por cento dos residentes, de
ambos os anos que responderam (105 de 117) consideram uma atitude
28
positiva receber brindes e amostras da indústria farmacêutica. A maioria dos
entrevistados (61%) afirmou não sofrer influência em sua prescrição de
medicamentos, 16% afirmaram que o recebimento de brindes não os afeta (P
<.001). Comportamentos que foram muitas vezes incompatíveis com as
atitudes. Todos os residentes que consideraram conferência regada a almoços
(n = 13) e o recebimento de canetas (n = 18) inadequado tinham aceitado
estes tipos de brindes. Mais de dois terços concordaram que é adequado para
a instituição médica ter regras sobre as interações entre residentes e
professores com a indústria farmacêutica. Os autores concluíram que os
residentes detêm geralmente atitudes positivas para o recebimento de brindes,
acreditam que não são influenciados pela indústria farmacêutica, mas relatam
comportamentos incompatíveis com as suas atitudes. Os autores da pesquisa
sugeriram investir em programas de educação médica continuada, focado em
políticas específicas que possam auxiliar aos residentes desenvolver senso
crítico em relação à influência da indústria farmacêutica com os profissionais
de saúde.
Diversas universidades do mundo estão engendrando esforço para o
manejo do conflito de interesses. Um exemplo é a Universidade da Califórnia,
em Los Angeles – UCLA. O Guia da UCLA inclui uma síntese sobre outras
formas de conflito de interesses. Para fins da UCLA, conflito de interesses
públicos, interesse financeiro é qualquer valor econômico, incluindo relações
com entidades exteriores. Quando houver interesse financeiro, os
investigadores principais e o pessoal-chave devem divulgá-los ao patrocinador
do projeto de pesquisa. Em sua política geral de conflitos de interesses, o
Guia estabelece que nenhum de seus professores, funcionários ou gestores
devem exercer qualquer atividade que possa colocá-los em situação de
conflito de interesses. As políticas da UCLA, juntamente com outras
específicas abrangem a divulgação financeira, com medidas que foram
formuladas para cumprir as obrigações da UCLA para com o público, bem
como cumprir com diversas Leis estaduais e federais da Califórnia, que
exigem a divulgação dos interesses financeiros. De acordo com o Financial
conflicts of interest in research (2006), o item “Quando os interesses
financeiros devem ser divulgados”:
29
A divulgação de interesses financeiros é feita quando houver apoio às pesquisas, ou quando do recebimento de doações de entidades não-governamentais. Regulamentações federais exigem que a declaração de conflitos seja atualizada sempre que o pesquisador adquire novos interesses financeiros durante o curso de projeto. A regulamentação exige também o relatório de tudo que foi adquirido e gasto no projeto, do início ao término da pesquisa, independentemente da origem do recurso ser adquirido ou patrocinado pelo governo. (FINANCIAL CONFLICTS OF INTEREST IN RESEARCH, 2006).
Em The University of Michigan Standard Practice Guide (2005),
apresentam-se os procedimentos que todos os profissionais desta
Universidade devem seguir. De acordo com o Guia da Universidade de
Michigan, todos os atuais e potenciais conflitos de interesse ou compromisso
devem ser divulgados ao funcionário designado pela Universidade, avaliados
e, se verificado que os interesses são significativos, devem ser eliminados ou
geridos com base na Instrução Normativa que trata deste assunto.
Na Seção III, intitulada “Direitos e responsabilidades dos
profissionais da faculdade e membros de pessoal”, letra c, explicitam-se os
direitos e responsabilidades da Universidade no manejo dos conflitos, bem
como a divulgação das políticas se aplica a todos da Universidade, incluindo o
corpo docente e demais profissionais vinculado à mesma, e reforça-se que o
manejo dos conflitos deve ser feito em todos os níveis (escola, faculdade, ou
unidade administrativa), procedimentos de avaliação e gestão das divulgações
de conflito de interesses e de conflito de compromissos, normas e
procedimentos para todos os funcionários no que tange às suas ações para
solicitar e aceitar doações; e procedimentos para respostas e justificativas em
casos de transgressões desta política.
Segundo Moynihan (2003a) a American Medical Student Association's,
que representa 30.000 médicos estudantes, estagiários e residentes dos EUA,
tem desenvolvido uma campanha denominada Pharmfree – com o objetivo de
dar um basta aos almoços grátis, regados de brindes e amostras grátis de
medicamentos, programas de educação médica continuada patrocinados, e
aos conferencistas pagos. A aceitação de brindes, amostras grátis de drogas e
similares pelos profissionais da saúde é uma atitude fortemente combatida
30
pela associação norte-americana intitulada No Free Lunch (2009), que
defende a prática médica dissociada da promoção da indústria farmacêutica.
Os Estados Unidos têm bastante experiência e produção sobre o
manejo de conflitos de interesses. Destacamos, aqui, alguns exemplos.
Moynihan (2003b) classifica como sedutora a ação dos propagandistas
nos consultórios médicos e ambulatórios de hospitais, e apresenta quinze
métodos utilizados pelas indústrias farmacêuticas para influenciar a prescrição
médica, de acordo com o Quadro 1.2.
QUADRO 1.2. - Métodos utilizados pelas indústrias farmacêuticas
para influenciar a prescrição médica
●Convites para almoços e jantares de graça. ●Brindes e amostras grátis. ●Visitas regulares de representantes (presentes diretos). ●Viagens e estadias para eventos patrocinados pela indústria farmacêutica (presentes indiretos). ●Publicação de artigos científicos por “autores fantasmas”. ●Recursos financeiros (fundos) para associações profissionais e sociedades. ●Fundos para a manutenção de escolas médicas, disciplinas acadêmicas e autorias. ●Patrocínio de eventos de educação médica continuada, tais como congressos, simpósios, cursos de atualização e etc. ●Anúncios e propagandas patrocinados em periódicos de grande circulação médica. ●Patrocínio de associação de pacientes. ●Pagamentos de consultorias. ●Participação em ações da indústria farmacêutica. ●Pagamentos de líderes de opiniões. ●Condução de pesquisa patrocinada. ●Elaboração de diretrizes clínicas.
(MOYNIHAN, 2003)
A American Medical Student Association - AMSA (2009) defende o
marketing baseado em práticas de prescrição, o acesso global aos
medicamentos essenciais, e a eliminação dos conflitos de interesse na
medicina. A AMSA, em seu sítio intitulado Conflict of interest policies at
academic medical centers (2009) apresenta as políticas de conflitos de
31
interesse das 149 faculdades de medicina dos Estados Unidos da América. A
AMSA lançou o primeiro "PharmFree Scorecard" em 2007. O Balanced
Scorecard é um sistema de avaliação, que gradua as escolas médicas norte-
americanas sobre a presença ou ausência de uma política de regulação entre
seus alunos e professores e as indústrias farmacêuticas e de fabricação de
próteses e dispositivos para a área de saúde.
A metodologia adotada pela AMSA é riquíssima em informações, e o
seu relatório de avaliação de políticas de conflitos de interesses reflete os
resultados da avaliação sobre as políticas de conflitos de interesse das 149
faculdades de medicina norte americanas, com foco na interação entre alunos
e professores e indústria farmacêutica. O Balanced Scorecard examina os
potenciais conflitos de interesse criado pelo marketing da indústria.
Em síntese, o relatório do ano base 2008, da American Medical Student
Association Pharmfree Scorecard Archive (2009) pontua o instrumento de
coleta de dados focando nas políticas de conflitos de interesse diretamente
relacionadas ao marketing da indústria de produtos farmacêuticos e
dispositivos para a saúde com a educação médica. Os centros médicos
acadêmicos também devem ter políticas consistentes para garantir a
integridade da investigação básica e clínica, incluindo políticas que assegurem
aos pesquisadores trabalhar em colaboração com a indústria mantendo o
controle total do desenho do estudo, dados, análise e escrita. As políticas são
classificadas em cada um dos domínios listados a seguir, usando o seguinte
formato geral:
3 = Modelo de política
2 = Bom progresso em direção ao modelo de política
1 = A política é ausente ou pouco provável que tenha um efeito
substancial no comportamento
0 = Instituições que não respondem aos pedidos de informações sobre
suas políticas ou se recusam a participar recebem pontuação zero.
De acordo com o relatório, em circunstâncias excepcionais, um domínio
pode ser categorizado como Não-Aplicável (NA) e omitir o resultado. Este
modelo visa a aproximar os objetivos propostos com a realidade das políticas
32
em vigor, mas reconhecendo que pode haver diversas abordagens para um
único objetivo. A pontuação final é calculada a partir da pontuação total
acumulada para os domínios de 1 a 5, dividida pela pontuação total possível
multiplicado por 100. (Pontuação total possível = 15, a menos que um domínio
seja classificado como (NA.). Os graus são atribuídos da seguinte forma:
A ≥ 85%, B ≥ 70%, C ≥ 60%, D ≥ 40%, F <40%, I = Em processo. C* é
atribuído em duas situações: (1) políticas que se aplicam apenas aos
estudantes de medicina e/ou residentes, mas não docente, podem alcançar
um grau máximo de C*; (2) As políticas que são apenas diretrizes, sem
exigências formais, podem atingir um grau máximo de C*. A classificação Em
processo será atribuída a qualquer instituição que envie uma notificação
formal de que suas políticas estão em revisão. A instituição Sem-
comunicação receberá F.
De acordo com as políticas de conflitos de interesses das 149 escolas
médicas norte-americanas, 9% (6) receberam 36 B (24%), 18 C (12%) e 17 D
(11%). Trinta e cinco escolas (23%) recebem grau F. Um total de 5 escolas
recebeu F, porque não apresentavam novas políticas ou demonstraram
contínuo processo de desenvolvimento de política após permanecer por anos
Em processo. Atribuir pontuação F a uma escola que não tenha apresentado
políticas pode superestimar a verdadeira prevalência de políticas
inadequadas. No entanto, parece provável que a maioria das escolas que
optaram por não participar não implantou políticas fortes.
Duas escolas da Universidade da Califórnia e a Escola de Medicina de
Stanford receberam B. A Escola Adventista de Ciências da Saúde da
Universidade da Loma Linda e a Faculdade de Medicina do centro de Ciências
da Saúde da Universidade de Western receberam F. Outros resultados na
Califórnia incluíram um C e um I. A maioria das escolas médicas em
Massachusetts recebeu conceito alto no ranking. A Escola de Medicina da
Universidade de Harvard, Massachusetts, e a Escola de Medicina da
Universidade de Boston receberam B, já a Escola de Medicina da
Universidade de Tufts recebeu conceito D. As Escolas Médicas do Estado de
Nova York tiveram resultados mistos. A Escola de Medicina Mount Sinai, uma
das maiores instituições, recebeu A na pontuação. Entretanto, o restante das
10 escolas de Nova York recebeu dois C, três D, quatro F, e um I. As Escolas
33
Médicas de Illinois, algumas de prestígio nacional, melhoraram sua pontuação,
se comparada aos resultados obtidos no ano anterior.
O Balanced Scorecard não serve apenas para medir a força das
políticas de manejo de conflitos de interesses, mas também para fornecer
valiosos recursos para as instituições desenvolverem e aperfeiçoarem novas
políticas. A AMSA pode ajudar aos estudantes de medicina a promover
mudanças nas políticas de conflito de interesses, fornecer ferramentas,
palestras e modelos de gestão que possam auxiliar na formação do médico.
No gráfico 1.1, a seguir, observa-se que mais de um quinto das escolas
médicas norte-americanas (21%) melhoraram as suas políticas de conflitos em
2008. Quarenta e cinco instituições, aproximadamente um terço do total,
apresentaram graus A ou B. Isto significa um aumento substancial de mais de
29 escolas com A e B (19%) em 2008. Aproximadamente 30% dos estudantes
de medicina dos EUA estão estudando em escolas com graus A ou B.
GRÁFICO 1. 1 - Políticas de conflitos de interesses das escolas médicas
norte-americanas (2009)
Fonte: American Medical Student Association - AMSA (2009).
34
As Organizações (Conselhos) profissionais também buscam solucionar
os conflitos financeiros presentes nas pesquisas médicas. De acordo com a
American Academy of Orthopaedic Surgeons (2004), o cirurgião ortopédico
deve elaborar os relatórios de pesquisa clínica, explicitar seus vínculos
profissionais com a indústria, inclusive e declarar se atua na fabricação de
insumos e dispositivos para a saúde e divulgar qualquer interesse financeiro
recebido do fabricante.
A interação entre a indústria farmacêutica e a medicina foi o foco da
pesquisa realizada por Kerridge et al. (2005), sobre a extensão e a natureza
das relações entre a indústria farmacêutica e as organizações médicas
australianas. Os autores enviaram questionários para 63 organizações
médicas e receberam 29 respostas, tiveram uma taxa de resposta de 46%.
Dezessete dessas organizações (59%) relataram ter recebido algum tipo de
apoio de uma ou mais empresa farmacêutica. As conferências ministradas
durante o ano foram responsáveis pelo maior apoio recebido pelas
organizações, além deste foram recebidos apoio para a educação médica
continuada, pesquisa, viagens e aquisições para as bibliotecas.
A maioria das organizações tinha uma revista acadêmica ou boletim
informativo, e 10 aceitaram receitas provenientes da publicidade farmacêutica.
Vinte organizações tinham políticas ou orientações sobre a sua relação com a
indústria. Poucas organizações indicaram que não seriam capazes de
continuar suas atividades sem o apoio da indústria farmacêutica. Os autores
concluíram que estes dados indicaram um alto nível de interação entre a
indústria farmacêutica e as organizações médicas na Austrália. Enquanto a
maioria das organizações tem políticas para orientar a sua relação com a
indústria, não ficou claro se estas políticas são eficazes na prevenção de
conflitos de interesse e manutenção da confiança pública.
Dinan et al. (2006) revisaram as políticas de conflito de interesse na
área acadêmica, em 9 centros médicos dos Estados Unidos e entrevistaram
membros do Institutional Review Boards (IRB) e do Conflict of Interest
Committees (COIC) dessas instituições. Segundo os autores, muitas das
instituições utilizam processos de comunicação e gestão de conflitos de
35
interesse mais descentralizado do que os processos descritos nas suas
políticas. A maioria das instituições não tinha políticas claras e abrangentes
para orientar aos pesquisadores e voluntários de pesquisa sobre a revelação
de conflitos de interesse. Diferenças consideráveis na compreensão das
políticas de conflitos de interesse foram observadas entre funcionários do
Institutional Review Boards e do Conflict of Interest Committees.
Segundo Coleman et al. (2006), a ética na relação entre a indústria
farmacêutica e os médicos é fundamental para melhorar a descoberta de
novas drogas para a saúde pública da população. Em resposta às
inadequadas relações financeiras entre a indústria farmacêutica, os médicos e
as organizações nacionais representativas destes, foram propostas
recomendações destinadas a minimizar os conflitos de interesses, os riscos
jurídicos, e difusão de informação tendenciosa provenientes das indústrias
farmacêuticas.
Segundos os autores dessa pesquisa, apesar das iniciativas, as
práticas de prescrição médica podem ser indevidamente influenciadas pelo
marketing da indústria, levando os médicos inadvertidamente a divulgar
informações tendenciosas em favor da indústria farmacêutica. A Yale
University School of Medicine estabeleceu em seus centros acadêmicos
padrões éticos profissionais para o manejo dos conflitos, e desenvolveu
orientações para as relações dos professores com a indústria farmacêutica,
aprovadas em maio de 2005. Foram formuladas orientações para lidar com os
representantes da indústria farmacêutica nas áreas clínicas da faculdade.
Preocupada com a integridade científica de seus programas
educacionais e de pesquisa clínica, a American Society of Clinical Oncology
(2006) orientou seus associados na gestão de potenciais conflitos,
principalmente na divulgação de todos os interesses financeiros. Em sua
política geral sobre conflitos de interesses, a American Society of Clinical
Oncology exige que os participantes de programas de educação médica
continuada divulguem todos os interesses financeiros ou relacionamentos com
fins comerciais. A política de gestão de conflitos de interesses da American
Society of Clinical Oncology abrange: 1. Membros da American Society of
36
Clinical Oncology; 2. Empregados ou staff da American Society of Clinical
Oncology; 3. Profissionais da American Society of Clinical Oncology
contratados para eventos, reuniões, publicação e vários outros patrocínios; ou
4. Participação da American Society of Clinical Oncology em Conselhos
Administrativos, comissões e grupos de trabalho, ou em qualquer atividade
voluntária oficial.
A American Society of Clinical Oncology possui uma lista dos interesses
financeiros que devem ser divulgados, tais como consultorias, honorários,
transações comerciais com indústrias, todos os pagamentos relacionados com
o desenvolvimento de pesquisa clínica, além de outras remunerações, que
incluem despesas com viagens, presentes e etc.
De acordo com Bero (2005), os patrocínios comerciais, ganhos
pessoais e financeiros concedidos pela indústria para pesquisadores
influenciam a publicação de resultados favoráveis às indústrias. Segundo a
autora, as instituições de pesquisa tentam proteger as suas próprias
reputações e as de seus docentes, estabelecendo limites para a elaboração
dos relatórios financeiros e sugeriu que a organização patrocinadora imponha
as práticas de gestão destinadas a reduzir os conflitos ou minimizar o
financiamento.
Em um quarto dos projetos desenvolvidos por uma Universidade dos
EUA foi exigida a revisão e a gestão dos conflitos de interesses, sendo o mais
comum destes a elevada "taxa de consultoria" paga aos pesquisadores. O
grau de compreensão das políticas de conflitos entre os pesquisadores é
irregular. As diferenças de opinião existem na comunidade de pesquisadores
acerca da divulgação dos interesses financeiros é importante e necessária
para garantir o nível razoável de liberdade e manter a confiança pública.
Com o objetivo de entender as atitudes dos pesquisadores acerca das
políticas sobre conflitos de interesse, Lipton et al. (2004) realizaram uma
pesquisa transversal em nove faculdades do campus da Universidade da
Califórnia, Estados Unidos. Constam da pesquisa informações sobre as
avaliações gerais dos pesquisadores com tinham vínculos financeiros com a
indústria e com patrocinadores, e as reações destes pesquisadores frente ao
37
processo de implementação das políticas de conflito de interesse em seus
respectivos campi. Foram convidados para participar da entrevista 1.971
professores membros dos nove campi da Universidade da Califórnia. Destes,
779 professores participaram (39% da taxa de resposta). O estudo revelou
que a instituição era complexa, por vezes contraditória sobre os
relacionamentos acadêmicos com a indústria, e destacou lacunas na gestão
das políticas de conflitos de interesses. A maioria dos entrevistados estava
preocupada com a ilimitada relação financeira entre os pesquisadores e as
indústrias patrocinadoras. Alguns pesquisadores expressaram raiva ao longo
do processo de implementação das políticas na Universidade, rejeitando-as
sob a alegação de ferir a liberdade de cada profissional, a autodeterminação e
a integridade moral. O estudo sugeriu a necessidade de engendrar esforços
para incentivar a conscientização e a importância das políticas de conflitos de
interesses para todos os professores, visando aumentar a compreensão dos
docentes sobre os conflitos de interesses, especialmente a reavaliação dos
processos de execução das políticas em todos os níveis da Universidade.
Em meio à preocupação de que as pesquisas básica e clínica estão
cada vez mais vulneráveis às pressões das indústrias patrocinadoras, diversas
agências federais e organizações profissionais estadunidense estão
recomendando que as revistas divulguem suas políticas de conflitos de
interesse. Boyd et al. (2004c) analisaram a aplicação das políticas de conflitos
de interesse em campi da Universidade da Califórnia. Os resultados
mostraram que há variação entre os campi para definir as relações
problemáticas e para determinar as soluções adequadas para minimizar os
conflitos de interesse. O estudo sugere a importância da discussão local sobre
políticas de conflitos de interesses, que vise auxiliar a instituição para a
tomada de decisão, segundo as autoras da pesquisa há uma enorme pressão
para que haja maior regulação externa às normas profissionais.
Jagsi et al. (2009) estudaram as relações entre pesquisadores clínicos
e a indústria farmacêutica, com o objetivo de analisar a freqüência dos
conflitos de interesse nas publicações de alto impacto das pesquisas clínicas
sobre câncer. Os autores revisaram as pesquisas sobre câncer publicadas
38
em 8 jornais durante o ano de 2006, para determinar a freqüência de conflitos
de interesses, as fontes de financiamento das pesquisas e outras
características. Foi avaliada a associação entre a probabilidade de conflitos de
interesse, utilizando teste qui-quadrado. Os autores também compararam a
probabilidade de resultados positivos nos ensaios randomizados com e sem
conflitos de interesses declarados.
Os autores identificaram 1.534 pesquisas originais em oncologia, 29%
tinham conflitos de interesses (incluindo financiamentos de indústrias
farmacêuticas), 17% declararam receber financiamento de indústrias
farmacêuticas. A variação de conflitos de interesses por disciplina (P <.001),
origem continental (P <.001), e gênero (P <.001). A ocorrência de conflitos
variou consideravelmente, dependendo do local em que doença era estudada.
Os estudos com financiamentos de indústrias farmacêuticas eram mais
susceptíveis se concentrar no tratamento (62% vs 36%; P <.001), os ensaios
randomizados foram mais propensos a relatar resultados positivos quando
identificado conflitos de interesses (P = .04). Os autores concluíram que os
conflitos de interesses caracterizam uma minoria substancial das pesquisas
sobre câncer publicadas em revistas de alto impacto.
1.4. Conflito de interesses no Brasil
Em nosso país, o tema conflitos de interesses na pesquisa clínica é
pouco explorado na literatura, tendo sido estudado apenas por Alves et al.
(2007); Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (2007);
Palácios (2005) e Conselho Federal de Medicina (2000).
Preocupados com a ética na gestão pública, a discussão sobre o
gerenciamento dos conflitos de interesses, em 2004, a Escola de
Administração Fazendária, realizou o “Fórum sobre a Implementação de
Políticas sobre Conflitos de Interesses no Serviço Público (2004)”. Os
objetivos do Fórum foram rever experiências sobre o desenho e a
implementação de políticas de conflitos de interesses no setor público e
analisar como funcionam em seu ambiente nacional. O Fórum focou na
39
exploração de abordagens práticas na aplicação de diretrizes, referências e
ferramentas de gestão, visando melhorar a identificação, controle e
administração das situações de conflitos de interesses, bem como identificar
condições favoráveis para colocar em prática a política de gerenciamento de
conflitos de interesses no contexto nacional.
No Brasil, a regulamentação específica sobre a eticidade das pesquisas
em seres humanos dá-se a partir de 1988, quando da aprovação do primeiro
documento oficial brasileiro, denominado de Resolução CNS nº. 01/88 (CNS,
nº. 01/88). O foco dessa normativa visava a chamar a atenção para o
problema da ética em pesquisa com seres humanos no Brasil.
Transcorridos sete anos, o Conselho Nacional de Saúde (CNS)
constituiu um Grupo de Trabalho (GT), que iniciou uma ampla revisão da
literatura e das legislações nacional e internacional, inclusive consultas e
debates com pesquisadores, e organizações de diversos segmentos da
sociedade civil, com o objetivo de atualizar a Resolução e preencher lacunas
advindas do progresso científico.
Em 1996 foi promulgada uma nova Diretriz, denominada Resolução
CNS nº. 196/96 (CNS, nº. 196/96), fundamentada nos quatros princípios prima
facie (autonomia, não-maleficência, beneficência e justiça). A partir desta
Resolução foram criados a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa,
vinculada ao Conselho Nacional de Saúde (CONEP/CNS), e os Comitês de
Ética em Pesquisa (CEP), visando assegurar os direitos e deveres dos
voluntários de pesquisa, do Estado e da comunidade científica. O principal
instrumento de trabalho dos CEP é a Resolução CNS 196/96.
A Resolução CNS 196/96 incorpora os seguintes itens: Preâmbulo (I),
Termos e Definições (II), Aspectos Éticos da Pesquisa envolvendo Seres
Humanos (III), Consentimento Livre e Esclarecido (IV), Riscos e Benefícios
(V), Protocolo de Pesquisa (VI), Comitê de Ética em Pesquisa (VII), Comissão
Nacional de Ética em Pesquisa (VIII), Operacionalização (IX) e Disposições
Transitórias (X). A Resolução não é Lei, a sua eficácia está restrita à aceitação
pública. Conforme Oliveira:
40
As sanções aos eventuais abusos, no entanto, ficariam restritas a uma denúncia ao ministério público ou a uma condenação moral pública, que pode ter eficiência ou efeito punitivo, dependendo do fato de o infrator importar-se ou não com tal condenação. (OLIVEIRA, 2001, p.110).
Segundo Guilhem et al. (2008), a Resolução CNS 196/96 representa
um marco simbólico para a criação e a consolidação do sistema brasileiro de
revisão ética das pesquisas, do Sistema CEP/CONEP. A resolução contribuiu
de forma efetiva para a divulgação da bioética no Brasil e para a delimitação
de estudos e pesquisas em seres humanos.
Há ainda as Resoluções complementares, que são aquelas diretrizes
aprovadas após a Resolução CNS 196/96 entrar em vigor, de acordo com o
quadro 1.3.
QUADRO 1.3 - Resoluções do Conselho Nacional de Saúde
ANO RESOLUÇÃO DEFINIÇÃO 1988 01/1988 Regulamenta o credenciamento de centros de
pesquisas no país e recomenda a criação de CEP. REVOGADA
1986 196/1996 Define as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos
1997 240/1997 Define a participação de usuários no sistema CEP/CONEP e orienta sua escolha
1997 251/1997 Especifica normas para projetos em área temática especial de novos fármacos, vacinas e testes diagnósticos
1999 292/1999 Especifica normas para pesquisas coordenadas no exterior ou com participação estrangeira e pesquisas que envolvam remessa de material biológico para o exterior
2000 303/2000 Define normas para pesquisas na área de reprodução humana
2000 304/2000 Define normas para pesquisas em populações indígenas
2004 340/2004 Define diretrizes para análise de pesquisas na área de genética humana
2005 346/2005 Define a tramitação de projetos multicêntricos 2005 347/2005 Aprova diretriz para o armazenamento de material
biológico humano ou uso de material estocado em pesquisas anteriores
2007 370/2007 Estabelece normas para solicitação de registro, credenciamento ou renovação de CEP
Fonte: Brasil/MS/CNS/CONEP_RESOLUÇÕES
41
Para Lino (2007), a Resolução 196/96 é um ato administrativo
normativo do Ministério da Saúde destinado a cumprir o mandamento das Leis
8.080/90 e 8.142/90 no controle e fiscalização das ações em pesquisa
envolvendo seres humanos nos ambientes das instituições públicas ou
privadas. Como conseqüência da Resolução CNS 196/96, foi criada a
primeira legislação sanitária sobre pesquisa clínica em nosso país, a Portaria
nº. 911 da Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária (SVS), publicada em
1988 e ainda em vigor. A SVS foi substituída pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA), que passou a ser responsável pela regulação
sanitária dos ensaios clínicos no Brasil (Nishioka et al..; 2006). Spinetti (2001)
ressalta que a implantação da Resolução 196/96 trouxe mudanças
significativas para a prática em pesquisa no país, sobretudo a implantação dos
CEP e o interesse de pesquisadores de diversas áreas, além do
reconhecimento das agências de fomento e dos periódicos.
Importante destacar a relevância para dois outros importantes
documentos no marco da ética em pesquisa envolvendo seres humanos, que
corroboram com as Resoluções do CNS:
Lei 11.105, de 24 de março de 2005, a Lei de Biossegurança – que
define normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que
envolvam organismos geneticamente modificados (OGM). É o caso de
ensaios clínicos com vacinas e de pesquisas com células-tronco embrionárias
ou que envolvam questões relacionadas à biossegurança. (Brasil, 2005).
Resolução ANVISA RDC 219, de 20 de setembro de 2004 – regula a
pesquisa clínica com medicamentos, novas terapias, procedimentos médicos
e produtos para a saúde. Os protocolos devem ser submetidos, paralelamente
à revisão ética nos CEP e à avaliação da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA). Estão contempladas nesta Resolução as pesquisas com
produtos que requisitarão registro ou licenciamento no país. A avaliação ética
do protocolo é de competência do CEP e da CONEP. É de competência da
ANVISA fiscalizar com rigor à produção de medicamentos genéricos, já que é
42
desta também a responsabilidade em realizar os testes de bioequivalência e
biodisponibilidade. (ANVISA, 2004).
Resolução ANVISA RDC 39, de 05 de junho de 2008 – atualiza a
documentação requerida para a realização de pesquisa clínica no Brasil;
considerando a necessidade de aperfeiçoar a lista de documentos requeridos
à concessão de Licenciamento de Importação de medicamentos e produtos
para uso exclusivo em pesquisa clínica. O Art. 2° define que entende-se como
patrocinador a pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que apóia
financeiramente a pesquisa. (ANVISA, 2008).
A Resolução nº. 1.595/2000, do Conselho Federal de Medicina (2000)
determina que:
Ao proferir palestras ou ao escrever artigos divulgando ou promovendo produtos farmacêuticos ou equipamentos para uso na Medicina, os médicos declarem os agentes financeiros que patrocinam suas pesquisas e/ou apresentações. (RES. CFM, nº. 1.595/2000).
1.5. Manejo dos conflitos de interesses
Palácios (2005), considera que há diversas maneiras para o manejo
dos conflitos de interesses e todas apresentam vantagens e desvantagens,
mas sem dúvida é imprescindível que os diversos segmentos da sociedade
civil e organizada se articulem para discutir e negociar o que é aceitável e
quais as formas de evitar que conflitos de interesses possam resultar em
malefícios para os sujeitos da pesquisa e/ou colocar pesquisadores brasileiros
em situações de vulnerabilidade nas quais sua autonomia profissional possa
estar ameaçada. De acordo com Palácios:
Evitar conflito de interesses em pesquisas patrocinadas pela indústria farmacêutica seria evitar que o pesquisador tenha relação direta com a indústria. Nesse caso, o contrato para realização de pesquisa seria realizado com o centro de pesquisa. (PALÁCIOS, 2005, p. 97).
43
Estudo realizado por Williams-Jones et al. (2008), sobre o conteúdo e a
clareza das políticas de conflito de interesses em Universidades do Canadá,
demonstrou que as discussões sobre conflitos de interesses são abstratas e
tendem a se concentrar em interesses financeiros no âmbito da pesquisa
médica, pouca atenção tem sido atribuída a atuação dos Conflict of Interest
Committees ou as políticas que buscam gerenciar os conflitos de interesses.
Os autores fizeram as seguintes perguntas: As políticas da universidade
propostas pelos Conflict of Interest Committees são acessíveis e
compreensíveis?. Para quem se destinam essas políticas (professores,
funcionários, alunos)?. A atuação dos Conflict of Interest Committees está
claramente definida no âmbito destas políticas?, e quais os procedimentos
estabelecidos para evitar ou manejar tais conflitos?. Considerando as
questões éticas e de governo, o estudo analisou as políticas do Grupo dos
Treze (G13), dos Conflict of Interest Committees das universidades de
pesquisas canadense, utilizando ferramentas de análise automática de leitura,
análise de conteúdo ético e comparou os pontos fortes e fracos dos
documentos que norteiam essas políticas, com especial atenção à sua
clareza, legibilidade e utilidade na explicação e gestão dos conflitos de
interesses.
O site do International Committee of Medical Journal Editors – ICMJE
(2009), um grupo de editores de revistas da área médica apresenta uma
variedade de informações sobre os princípios éticos relacionados à publicação
em revistas biomédicas, além da uma série de informações sobre a política
editorial do ICMJE.
No item acerca dos conflitos de interesses há considerações éticas que
devem ser seguidas para a condução e o relato de pesquisas biomédicas.
Segundo as políticas explicitadas neste site, quando os autores submetem um
manuscrito, seja um artigo ou uma carta, eles são responsáveis por revelar
todas as relações financeiras e pessoais que possam influenciar seu trabalho.
Para evitar ambigüidade, os autores devem declarar explicitamente se
os potenciais conflitos existem ou não. Os autores devem fazer a notificação
de conflitos de interesses no original, seguinte à página do título, fornecendo
detalhes, e se necessário, anexar uma carta acompanhando o manuscrito. Os
44
autores devem identificar todos os indivíduos que participam do manuscrito,
além da assistência recebida e divulgar a fonte de financiamento recebida. Os
pesquisadores devem revelar os potenciais conflitos aos participantes do
estudo e devem declarar no original se o fizeram.
Os editores também possuem obrigações, decidem se devem publicar
as informações reveladas pelos autores sobre potenciais conflitos. As
medidas adotadas pelo ICMJE visam ao manejo dos conflitos de interesses,
porque cada vez mais, pesquisadores recebem financiamento de empresas
comerciais, fundações privadas e do governo. As condições desse
financiamento têm o potencial de viés e podem desacreditar a pesquisa
científica. De acordo com o ICMJE, os cientistas têm obrigação ética de
apresentar resultados de pesquisa confiáveis para publicação. Os autores
devem descrever o papel do patrocinador no estudo. Os editores devem
publicar regularmente declarações sobre potenciais conflitos de interesses
relacionados com os compromissos da equipe da revista.
A World Intellectual Property Organization – WIPO (2010) estabeleceu
requisitos para a divulgação financeira de seus profissionais. Segundo as
normas é obrigatória a divulgação do demonstrativo financeiro ao Comitê de
Ética, responsável pela avaliação das informações financeiras prestadas pelos
empregados de nível de supervisão, tesouraria e contratos.
A Association of American Medical Colleges (2008) explicita que,
quando em circunstâncias justificáveis, o pesquisador clínico participar de um
estudo, os interesses financeiros para conduzir as pesquisas devem ser
rigorosamente analisados e acompanhados pela instituição na qual o
pesquisador possui vínculo.
Os Conselhos profissionais também buscam solucionar os conflitos
financeiros presentes nas pesquisas médicas. De acordo com a American
Academy of Orthopaedic Surgeons (2004), o cirurgião ortopédico deve ao
elaborar os relatórios sobre pesquisa clínica, explicitar seus vínculos
profissionais com a indústria, inclusive se atua na fabricação de insumos e
dispositivos e divulgar qualquer interesse financeiro recebido do fabricante.
45
Dinan et al. (2006) revisaram as políticas de conflitos de interesses na
área acadêmica, em 9 centros médicos nos Estados Unidos e entrevistaram
membros de Institutional Review Boards (IRB) e dos Conflict of Interest
Committees (COIC) dessas instituições. Segundo os autores, muitas das
instituições utilizam processos de comunicação e gestão de conflitos de
interesse mais descentralizado do que os processos descritos em suas
políticas.
De acordo com os autores, a maioria das instituições não apresentava
políticas claras e abrangentes para orientar aos pesquisadores e voluntários
de pesquisa sobre a revelação dos conflitos de interesses. Diferenças
consideráveis na compreensão das políticas de conflitos de interesses foram
observadas tanto no Conflict of Interest Committees quanto no Institutional
Review Boards.
Preocupados com a influência da indústria farmacêutica sobre a ciência
médica, Schneider et al. (2007) analisaram as práticas de divulgação
financeira e não financeira dos conflitos de interesses nas publicações em
língua alemã, a partir de uma busca sistemática da literatura, utilizando a base
de dados do PubMed, usando o termo MeSH, ou seja, "pesquisa em serviços
de saúde". A revisão foi realizada em 10 de julho de 2006. Foram
encontrados 124 artigos em 31 revistas. Foi examinado o tipo de instrução
sobre conflitos de interesses contidos nestas revistas. Os autores buscaram
saber se a Declaração de conflitos de interesse era esperada, e de que forma
os autores perceberam a necessidade da exigência deste instrumento. Os
resultados mostraram que 13 revistas (42%) não exigem qualquer Declaração
sobre os conflitos de interesses, enquanto que em 18 jornais (58%) havia
algum tipo de comentário sobre conflitos. Dezoito revistas se referiram
explicitamente aos requisitos do International Committee of Medical Journal
Editors – ICMJE, e o restante, 16 revistas se referiram de maneira diferente
aos conflitos, mas ressaltaram em suas instruções como divulgar eventuais
conflitos de interesses, centrando principalmente nas questões financeiras.
Uma Declaração sobre os conflitos de interesse foi explicitamente
publicada em 11 dos 71 artigos (15%) foram encontradas nas revistas que
46
exigiram a Declaração com a apresentação do artigo. Relacionando o número
total de artigos incluídos, isto significa explicitamente que o leitor recebeu
informações sobre potenciais conflitos de interesses em 9% dos casos (11 dos
124 artigos). Os autores concluíram que é necessária maior sensibilização
para os possíveis conflitos de interesse nas publicações alemãs relativas à
pesquisa em saúde., sugeriram controle dos critérios de divulgação das
instruções das revistas científicas. Entre outros aspectos, a explicitação do
montante financeiro e não financeiro dos conflitos de interesses, bem como a
publicação obrigatória das demonstrações recebidas.
A principal sociedade médica do Chile propôs diretrizes para melhor
controle dos conflitos de interesses. Segundo Nogales-Gaete et al. (2004), a
percepção limitada do problema e as estratégias de comercialização
destinadas à indústria não ajudam a minimizar o problema, porque as práticas
de divulgação,das políticas de manejo dos conflitos não alcançaram toda a
sociedade médica. Os autores recomendaram uma colaboração mundial
entre as organizações internacionais, com a participação da Organização
Mundial da Saúde.
Segundo Schofferman et al. (2007), diversos médicos dizem resistir à
influência dos conflitos de interesses em virtude de sua ética, educação,
habilidades intelectuais e treinamento científico. Mas, os autores
consideraram que qualquer pessoa pode ser afetada ou corrompida, já que há
um elevado grau de suscetibilidade, pois não há pessoas imunes. O potencial
conflito de interesses é um processo inconsciente e muito sutil, intrínseco na
medicina. Além disso, o fato do médico estar consciente sobre o
conhecimento ou a existência dos conflitos de interesses não elimina o efeito
sobre a sua conduta. Por esse motivo é imprescindível o manejo dos conflitos
de interesses.
47
2. Controle social dos conflitos de interesses
Estudo realizado por Tereskerz et al. (2009), sobre a prevalência do
apoio da indústria e a relação desta com a integridade das pesquisas
demonstrou que, nos EUA, a maioria dos ensaios clínicos é financiada pela
indústria e que a influência de patrocinadores atinge de maneira prejudicial os
objetivos das pesquisas. Os autores realizam um levantamento em escolas
médicas, para analisar os acordos financeiros existentes entre os
pesquisadores e as indústrias, visando melhor conhecer os efeitos do
patrocínio da indústria aos pesquisadores.
Os resultados mostraram que a relação dos médicos com a indústria
compromete o bem-estar dos participantes de pesquisa (9%), iniciativas de
pesquisa (35%), publicação de resultados (28%), interpretação de dados de
pesquisas (25%), e o avanço científico (20%). Para os autores, nos casos
analisados as relações financeiras com a indústria foram predominantes e
necessitam, portanto, de mais pesquisas que visem ao manejo de políticas
adequadas para coibir os laços entre as universidades e os patrocinadores.
Segundo Angell (2008), nos Estados Unidos, a indústria farmacêutica
cada vez mais conta com o setor acadêmico, pelo menos um terço dos
medicamentos comercializados pelos principais laboratórios farmacêuticos é
licenciado por universidades ou pequenas empresas de biotecnologia. Angell
(2009), em Drug companies & doctors: a story of corruption, comenta sobre as
relações entre companhias farmacêuticas e pesquisadores. Para Angell a
indústria farmacêutica detém gigantesco controle sobre a maneira como os
médicos avaliam e utilizam seus produtos. Os laços das indústrias
farmacêuticas com médicos, especialmente os catedráticos das escolas
médicas de prestígio, afetam diretamente os resultados das pesquisas, a
forma de exercer a medicina e até a classificação do conceito do que é
doença.
Ainda de acordo com o artigo de Charles Grassley, senador
republicano, da Comissão de Finanças, a maioria dos médicos recebe dinheiro
ou presentes de laboratórios de uma forma ou de outra, quer como
48
consultores, palestrantes em eventos patrocinados pela indústria
farmacêutica, quer como autores-fantasma de artigos escritos pelas empresas
ou seus agentes e como “pesquisadores” de estudos que consistem
simplesmente em medicar seus pacientes com uma droga e repassar os
resultados à companhia farmacêutica. Outros recebem almoços grátis,
brindes e presentes diversos. A contrapartida da indústria é promover os
encontros entre as associações profissionais, assim como a maioria dos
cursos de atualização exigidos dos médicos para que mantenham sua licença.
Na opinião de Angell, os patrocinadores preferem as escolas médicas,
em parte porque a pesquisa é encarada com seriedade, mas, principalmente,
porque lhes permite acesso a influentes professores-médicos, os
denominados formadores de opinião, que escrevem livros e artigos em
periódicos de prestígio, lançam compêndios e guias práticos, integram painéis
consultivos da Food and Drug Administration (FDA) e outros organismos
governamentais, lideram associações profissionais e falam nos inúmeros
eventos e jantares anuais acerca dos medicamentos prescritos. Os conflitos
de interesses afetam mais do que a pesquisa; moldam diretamente a maneira
de se exercer a medicina, por sua influência na prática profissional, nas
diretrizes governamentais e nas decisões da FDA. Angell concluiu que
quebrar a dependência da classe médica à indústria farmacêutica terá que ir
além da criação de comissões e outras atitudes.
De acordo com Jibson (2006), gerir a desconfortável aliança entre
educação médica e indústria farmacêutica não tem sido uma tarefa fácil,
porque a premissa que médicos são imunes à comercialização e possuem
liberdade para participar de qualquer atividade que desejar sem ser afetados
por possíveis conflitos de interesses é contraditória, pois há um conjunto
substancial de provas mostrando claramente que a comercialização afeta a
prática médica e que a indústria está disposta a corromper qualquer um que
tenha contacto com ela. O papel que a pesquisa clínica, a indústria e a
medicina acadêmica representam é de extrema importância para a população
mundial, mas é imprescindível que este processo de evolução social e
concepção política, sejam desempenhados visando não apenas o avanço do
49
conhecimento com base em preceitos éticos moralmente aceitáveis, mas a
transparência dos vínculos e a prestação de cuidados à saúde da população.
Como sugestão para melhor identificação desses papéis, o autor
propõe que a educação médica tenha um papel crucial na resolução dos
conflitos de interesse na prática médica e durante a comercialização de
drogas. É tarefa do preceptor (educador clínico) transmitir informação,
habilidades e atitudes aos estudantes de medicina. É fato que a indústria
possui grande participação financeira na prática médica e tem um interesse
legítimo na promoção de seus produtos. Os médicos se beneficiam dos
contactos com a indústria, participando de estudos com novas drogas, com
acesso a informações privilegiadas, portanto, os resultados das pesquisas
patrocinadas pela indústria são benéficos e desejáveis.
O autor apresentou diversas recomendações para lidar com esta
situação, a primeira é que deve haver clara distinção entre educação médica e
promoção de programas. Ambas são legítimas, mas não devem ser
confundida uma com a outra. Palestrantes e participantes devem ser claros
sobre estes aspectos. Em segundo lugar, as instituições e organizações
devem ser ativas no estabelecimento, promulgação e aplicação clara e
consistente das políticas que regulam as atividades educativas. Isto deve
incluir atenção para o contato entre a indústria e os formandos em todos os
níveis. Tanto para médicos preceptores, como para outros médicos, as
políticas deveriam refletir os valores e as normas da instituição ou profissão, e
servirem como padrão pelo qual os profissionais éticos julgam as suas ações.
Os padrões garantem a integridade do programa educacional e proporcionam
uma base objetiva para o credenciamento e a credibilidade dos envolvidos
neste processo. Em terceiro lugar, os programas de treinamento devem
manter o controle sobre todas as atividades educativas. O patrocínio não deve
ser o item mais importante da seleção do conteúdo de ensino dos programas
educacionais da faculdade. Os educadores têm obrigação especial de
preservar a integridade e a independência das atividades docentes. Em
quarto lugar, a divulgação financeira deve ser clara, sincera, e completa. Os
estagiários têm direito a conhecer os laços financeiros de seus professores,
assim como todos os seus vínculos acadêmicos. Em quinto lugar, os
50
programas de educação médica devem incluir formação didática, supervisão e
instrução médica sobre as interações com a indústria.
O autor concluiu que a ética pode ajudar na gestão ao perigo inerente
desta associação de diferentes sistemas, e requer cuidadosa atenção para
que se mantenha a independência clínica e a tomada de decisão educacional.
Aliado a isto, devem ser adotadas políticas para o manejo dos conflitos de
interesses, clareza dos papéis desempenhados por todos neste cenário,
transparência dos acordos financeiros, e rigoroso auto-exame para o sucesso
do ensino e da integridade da educação médica.
No Brasil, são utilizadas diversas técnicas para seduzir e aumentar
ainda mais os lucros das indústrias farmacêuticas. A principal delas é o
marketing. Temporão (1986) cita, como exemplos, a promoção de congressos,
visitas de propagandistas aos consultórios, anúncios em revistas técnicas e
até o financiamento de viagens para que o profissional conheça parques
industriais farmacêuticos dentro e fora do País. Nascimento (2005) corrobora
com esta afirmativa e vai mais longe ao afirmar que:
Uma das características da indústria farmacêutica no país reside no fato da concorrência entre as empresas se dar essencialmente por meio das práticas de marketing na disputa de fatias no mercado, com base fundamentalmente nos nomes de fantasia de cada medicamento. Esta realidade pede investimentos em publicidade, tanto em relação ao público em geral como em torno dos médicos e odontólogos, que atuam como intermediários para aceitação dos nomes de fantasia através do receituário. (...) O mercado farmacêutico brasileiro tem registrado um significativo crescimento no faturamento da indústria nos últimos anos. Os números, entretanto, demonstram que este faturamento tem crescido fundamentalmente devido á elevação de preços e não a um aumento da produção ou do consumo. (NASCIMENTO, 2005, p.27).
Segundo Nascimento (2005), os interesses econômicos de expansão
de mercado e acumulação de capital–consubstanciados no tripé formado pela
indústria farmacêutica, agências de publicidade e empresas de comunicação _
se sobrepõem aos interesses da cidadania e da saúde pública. A pressão dos
fabricantes sobre os profissionais de saúde e as agências reguladoras, a
propaganda de medicamentos, e a desigualdade na distribuição dos
51
medicamentos entre os distintos estratos sociais, vem provocando em
diversos autores o pronunciamento eloqüentemente contra a falta de
regulação das relações médicos/pesquisadores e indústria. Corroborando
com Nascimento, Rozenfeld (2008), reafirmou que:
A pressão dos fabricantes sobre os médicos e pesquisadores sempre foi intensa. Ainda hoje, os brindes são moeda corrente para a compra das consciências. Supõe-se que essas práticas sejam mais intensas em países como o nosso, com atuação tímida da vigilância sanitária. Elas geram um campo de influência do fabricante que nada tem de científico. (ROZENFELD, 2008, p. 561).
As relações financeiras com a indústria farmacêutica são controversas,
uma vez que tais envolvimentos podem representar conflitos de interesses.
Não se sabe em que medida a indústria farmacêutica apóia a educação
médica de pesquisa e influencia o comportamento dos médicos e
pesquisadores.
Estudo realizado por Stelfox et al. (1998) discutiu a segurança dos
antagonistas de canais de cálcio e proporcionou uma oportunidade para
examinar o efeito dos conflitos de interesses financeiros. Foram pesquisados
artigos médicos, em Inglês, publicados a partir de março de 1995 a setembro
de 1996, visando analisar nestes artigos a controvérsia sobre a segurança dos
antagonistas de canais de cálcio. Os artigos foram revisados e classificados
como tendo suporte, neutro ou contendo crítica com relação ao uso de
antagonistas de canais de cálcio.
Consultaram os autores dos artigos sobre suas relações financeiras
com ambos os fabricantes dos antagonistas de canais de cálcio e com os
fabricantes de beta-bloqueadores (enzima conversora de angiotensina -
inibidores, diuréticos e nitratos). Os resultados mostraram que os autores
favoráveis ao uso de antagonistas de canal de cálcio foram significativamente
mais prováveis do que neutro ou críticos em relação aos autores que
declararam possuir relações financeiras com os fabricantes de antagonistas
de canal de cálcio (96%, contra 60% e 37%, respectivamente; P <0,001). Os
resultados demonstraram forte associação entre os autores dos artigos sobre
52
a segurança dos antagonistas de canais de cálcio e suas relações financeiras
com a indústria farmacêutica.
Resnik (2004) examinou as questões éticas e legais relacionadas com a
divulgação de conflitos de interesses para os sujeitos de pesquisa, e discutiu
alguns estudos empíricos relacionados ao tema. O autor reafirmou que os
pesquisadores têm obrigação ética de revelar eventuais conflitos de interesses
para os sujeitos de pesquisa, desde que tomem medidas para ajudar a
compreender as informações sobre os conflitos de interesses e como
interpretá-lo.
Para reforçar e clarificar a obrigação legal de divulgar os conflitos de
interesse, os regulamentos federais devem ser alterados para incluir a
divulgação dos conflitos de interesses como um dos requisitos a integrar o
consentimento informado. Os Institutional Review Boards (IRB)
desempenham um papel fundamental para ajudar os pesquisadores a revelar
eventuais conflitos de interesses pessoais e também dos sujeitos de pesquisa.
Os Institutional Review Boards devem aprovar a divulgação dos conflitos nos
Consentimentos informados, e deve exigir que os pesquisadores revelem os
seus próprios interesses financeiros, e também quaisquer interesses dos
sujeitos de pesquisa, como condição para aprovação da pesquisa.
A gestão dos conflitos de interesses nos ensaios clínicos foi discutida
por Morin et al. (2002). Segundo os autores a interação entre a pesquisa
médica sem fins lucrativos e as indústrias farmacêuticas não é nova, mas tem
aumentado consideravelmente nos últimos anos, especialmente quando
grandes ensaios clínicos são necessários.
Na opinião dos autores, o compromisso com a aplicação de elevados
padrões éticos é essencial para garantir que a confiança da sociedade na
pesquisa científica não seja corrompida, e que os participantes dos ensaios
não se tornem apenas um meio para alcançar o fim. Os autores analisaram os
conflitos de interesses na realização de ensaios clínicos em nível acadêmico,
baseados na percepção da comunidade científica. Especificamente,
discutiram os papéis de cientistas e de profissionais de clínicas diferentes e a
53
importância de assegurar o consentimento dos participantes de ensaios
clínicos.
Os autores também discutiram os potenciais conflitos de interesses que
podem surgir quando os médicos ganham com a matrícula de seus próprios
pacientes como voluntários de ensaios clínicos e analisam vários casos em
que a divulgação de informações sobre o financiamento e a compensação
podem servir para minimizar tais conflitos.
Morin et al. (2002) enfatizaram que preservar a integridade da
investigação para proteger o bem-estar dos seres humanos que se inscrevem
em ensaios é essencial, além da exigência de que os médicos tenham
formação adequada para conduzir pesquisas e estejam familiarizados com a
ética em pesquisa. Quando um paciente estiver qualificado para se inscrever
em um ensaio clínico coordenado pelo médico que o acompanha, alguém que
não seja o próprio médico deverá obter o consentimento informado deste
participante. Os autores chamam a atenção para a divulgação dos incentivos
financeiros e para as questões relacionadas com o financiamento das
pesquisas clínicas.
Segundo Elliot (2009), identificar os limites de atuação das políticas de
conflito universitário é importante, para conseguir alcançar estratégias de
gestão e possível eliminação dos conflitos. O autor considera importante a
divulgação do fomento e dos conflitos de interesses financeiros, a fim de
assegurar a independência da pesquisa e manter a integridade da ciência.
O conflito de interesses financeiros também é uma preocupação para a
oftalmologia. Segundo Jampol et al. (2009), as relações entre médicos e
indústria farmacêutica, incluindo empresas e fabricantes de dispositivos devem
ser cuidadosamente analisadas pelo público e pela mídia. Os autores
relataram que na área de oftalmologia, as indústrias podem contribuir
beneficamente para a evolução do paciente e para o apoio à pesquisa. Mas,
podem surgir problemas éticos que afetam a prática dos oftalmologistas,
pesquisadores, professores acadêmicos, e das organizações oftalmológicas.
54
Visando à transparência na relação entre a indústria e os profissionais
médicos, a American Ophthalmological Society discutiu em maio de 2008 este
tema em um simpósio. Visando melhorar o diálogo entre os médicos, os
pesquisadores e os profissionais da sociedade, os envolvidos neste cenário, o
Conselho da American Ophthalmological Society desenvolveu procedimentos
para esclarecer questões resultantes da interface entre a indústria e a
oftalmologia.
Estudo realizado por Rowan-Legg et al. (2009), comparando as
orientações éticas de editores de revistas aos autores de artigos sobre os
requisitos institucionais para a aprovação e a divulgação dos conflitos de
interesses, demonstrou que todas as revistas das áreas de anestesiologia e
radiologia exigiam comprovação da aprovação da pesquisa pelo Institutional
Review Boards (IRB), além de outros requisitos variados. Os autores do
estudo concluíram que o respeito às normas éticas têm melhorado, embora
algumas lacunas permaneçam, especialmente quanto ao alcance da
divulgação das informações e limitação dos conflitos de interesses, porque as
diretrizes éticas necessitam de clareza e normatização.
Segundo MacDonald et al. (2009), muita atenção tem sido atribuída aos
conflitos financeiros nas pesquisas em biociências. No entanto,
surpreendentemente, pouco se concentra nos conflitos de interesses que
surgem na figura do médico preceptor e das relações deste com o aluno. Os
autores examinaram um espectro de situações relacionadas aos conflitos de
interesses em Universidades do Canadá, a supervisão dos cursos de pós-
graduação e as duplas relações comumente encontradas nas pesquisas, que
culminaram em potencial interesse financeiro. Os autores afirmaram que a
avaliação do preceptor pode levar ao viés na supervisão, e listaram os
conflitos financeiros merecedores de reconhecimento, que podem ocorrer
neste cenário, e apresentaram dois conjuntos de recomendações: uma para
os supervisores individuais, e outro para as instituições e gestores.
55
2.1. As Sociedades médicas brasileiras
Preocupada com o crescente assédio da indústria farmacêutica, a
Sociedade Brasileira de Diabetes (2008), situada na Cidade do Rio de Janeiro,
Brasil, criou uma Comissão para analisar situações complexas e que
necessitam de normas de conduta ética, nas relações entre os médicos e
demais profissionais da saúde e as indústrias farmacêuticas. A Sociedade
Brasileira de Diabetes aprovou Diretrizes específicas e as disponibilizou em
sua página eletrônica sob o título de “Ética: A Relação entre Médicos e a
Indústria”.
A regulação dos conflitos de interesse incorpora o Código de Conduta
da Sociedade Brasileira de Cardiologia – SBC (2007). A Sociedade Brasileira
de Cardiologia mantém o acervo dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia
(2006), com normatização específica sobre as Políticas de Conflitos de
Interesse, com destaque para o seguinte trecho no capítulo 7:
São considerados potenciais conflitos de interesse, a
relação de um autor, diretamente, ou indiretamente através da instituição promotora da pesquisa, com empresas que eventualmente possam se beneficiar dos resultados do estudo. Os seguintes tipos de relação são considerados como potencialmente conflitantes e devem obrigatoriamente ser declarados: Se nos últimos dois anos um dos autores:
1. Recebeu honorários de consultoria, palestras,
redação de textos ou quaisquer outros tipos de serviços remunerados prestados do fabricante do produto. 2. Recebeu auxílio do fabricante do produto (verbas de pesquisa, fornecimento de equipamentos, drogas, mão de obra) relacionados ao projeto em análise ou outro projeto que envolva o mesmo produto. 3. Recebeu auxílio do fabricante do produto para participação em congressos. 4. Deteve ações do fabricante do produto. 5. Houve envolvimento do fabricante do produto na coleta, análise, interpretação ou redação dos dados. 6. É empregado de empresa que possa se beneficiar direta ou indiretamente com os resultados do estudo. (SBC, 2006).
A Sociedade Brasileira de Dermatologia (2010) faz menção em seu site
à declaração de conflitos de interesse financeiro. Segundo esta Sociedade, os
autores de trabalhos científicos devem declarar se o trabalho apresentado
recebeu qualquer suporte financeiro da indústria farmacêutica ou outra fonte
56
comercial, e declarar que nem o próprio autor ou qualquer parente de primeiro
grau possuiu interesse financeiro no assunto abordado no manuscrito. Ainda
de acordo com a referida Sociedade o autor deve explicitar em um formulário
específico disponível on-line, o tipo e a natureza do envolvimento que o
próprio ou seus parentes de primeiro graus tiveram nos últimos cinco anos
com empresas privadas ou organizações sem fins lucrativos.
A Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (2010), em seu
site explicita que os autores de manuscritos ao submeterem artigos à esta
Sociedade devem anexar a Declaração de Conflito de Interesse, segundo a
Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.595/2000, Parecer de
aprovação do CEP onde a pesquisa foi realizada, e o Consentimento
Informado, quando o artigo tratar de pesquisa clínica com seres humanos.
Nesta linha, a Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical
(2010) exige que os autores de artigos submetidos à sua revista declarem
todos os conflitos de interesses existentes durante o desenvolvimento do
estudo. Inclusive, exige que, em caso de experimentos em seres humanos, o
autor indique se os procedimentos realizados estão em acordo com os
padrões éticos do comitê de experimentação humana responsável
(institucional, regional ou nacional) e com a Declaração de Helsinki. Quando
do relato de experimentos em animais, indicar se seguiu as leis sobre o
cuidado e uso de animais em laboratório.
A revista da Associação Brasileira de Escolas Médicas – ABEM (2010)
exige dos autores a declaração de conflitos de interesses, bem como a
aprovação da pesquisa pelo CEP institucional.
2.2. Breve panorama do nascimento da Bioética
A utilização do termo Bioética ocorreu primeiramente em 1970, com a
publicação do artigo Bioethics, the science of survival, pelo oncologista Potter,
da Universidade de Wisconsin, em Madison. Potter concebeu a bioética como
57
uma nova disciplina. Para que o indivíduo alcançasse o caminho para a
sobrevivência era necessário que se estabelecesse uma ética baseada na
sobrevivência humana e nas situações de vida em ambiente saudável, que
combinaria os conhecimentos biológicos com o conhecimento dos sistemas de
valores humanos. A partir de 1971, o neologismo “bioética” foi amplamente
difundido com a publicação de sua obra intitulada “Bioethics: bridge to the
future”. Nesta o autor propõe uma ponte entre as ciências biológicas e os
valores morais, ou seja, uma ética baseada na democratização do
conhecimento científico, de acordo com Potter (1971):
(...) Bioética como forma de enfatizar os dois componentes mais importantes para se atingir uma nova sabedoria, que é tão desesperadamente necessária: conhecimento biológico e valores humanos (POTTER, 1971, p. 2).
Meses após Potter haver introduzido o neologismo Bioética, Hellegers,
da Universidade de Georgetown, em Washington, utilizou o termo “Bioética”,
mas com outro sentido. Para Reich apud Almeida (1995), segundo o modelo
Georgetown, a Bioética seria um campo interdisciplinar da própria filosofia
moral (e não entre ciência e filosofia como era para Potter), que deveria tratar
de dilemas biomédicos concretos restritos a três áreas:
a) os direitos e deveres dos pacientes e dos profissionais de saúde;
b) os direitos e deveres na pesquisa envolvendo seres
humanos; e c) a formulação de um guideline para a política pública,
o cuidado médico e a pesquisa biomédica. (REICH, 1995, p. 19-34).
Diversos fatores contribuíram para consolidação da bioética no campo
da área da investigação científica em seres humanos, especialmente os
relacionados às conquistas sociais, política e tecnológica. Segundo Diniz et
al. (2002):
Os anos 1960 foram a era da conquista dos direitos civis, o que fortaleceu o ressurgimento de movimentos sociais organizados, como o feminismo, o movimento hippie e o
58
movimento negro, entre outros grupos de minorias sociais, promovendo, com isso, um revigoramento dos debates acerca da ética normativa e aplicada. (...) Dois outros acontecimentos contribuíram para que a Bioética fosse definida como um novo campo disciplinar: as denúncias, cada vez mais freqüentes, relacionadas às pesquisas científicas com seres humanos, um tema fortemente impulsionado pelas histórias de atrocidades cometidas por pesquisadores nos campos de concentração da Segunda Guerra Mundial; e a abertura gradual da medicina, que, de uma profissão fechada e autoritária, passou a dialogar com os que David Rothman adequadamente denominou de estrangeiros em seu livro Estrangeiros à Beira do Leito: Uma História de como a Bioética e o Direito Transformaram a Medicina: primeiro os filósofos, os teólogos e os advogados e, depois, os sociólogos e os psicólogos, que passaram a opinar sobre a profissão médica, porém sob outras perspectivas profissionais. (DINIZ et al., 2002, p. 13-14).
Segundo Schramm (2002) a bioética possui o papel de descrever,
esclarecer e compreender as razões dos conflitos que envolvem agentes e
pacientes morais, utilizando todas as ferramentas disponíveis para a solução
dos conflitos. Schramm et al. (2001) defendem uma bioética da saúde
pública, denominada bioética da proteção e que serviria de alternativa para
enfrentar as crescentes necessidades coletivas na América Latina. A bioética
tem sua origem fundamentada no contexto da evolução dos países
desenvolvidos, e as transformações decorrentes do progresso científico dos
países do primeiro mundo reconhecidamente serviram para marcar uma maior
aproximação da medicina e da ética com a pesquisa clínica, e, em alguma
medida, para o fortalecimento da bioética como disciplina. Segundo Schramm
(2006):
(...) A bioética da proteção visa proteger aqueles que, devido às suas condições de vida e/ou saúde, são vulneráveis ou fragilizados a ponto de não poder realizar suas potencialidades e projetos de vida moralmente legítimos, pois as políticas públicas de saúde não os garantem. (SCHRAMM, 2006, p.147).
Já para Kottow (1995) a Bioética pode ser compreendida como:
O conjunto de conceitos, argumentos e normas que valorizam e legitimam eticamente os atos humanos, cujos efeitos afetam profunda e irreversivelmente, de maneira real ou potencial, os sistemas vitais. (KOTTOW, 1995, p.53).
59
Ainda segundo Kottow (2006), um dos traços característicos da Bioética
Latina Americana é:
Na desigualdade, toda ética terá de se inspirar em dois postulados sobre os quais não se pode transigir; a busca de justiça e o exercício da proteção. (KOTTOW, 2006, p.43).
Garrafa (2002) argumenta que devemos trabalhar a Bioética em uma
dimensão mais ampla e aplicada às situações que somente ocorrem nos
denominados “países periféricos”, ou seja, a Bioética da ética aplicada à
saúde pública e coletiva, intensificando os debates acerca dos problemas
persistentes e emergentes, tais como a exclusão social, a pobreza, a miséria e
a marginalização.
Rego et al. (2009) ressaltaram que um dos grandes desafios da bioética
seria:
Não o de não impor restrições às liberdades individuais, mas o de focar a formulação das políticas públicas nos interesses da coletividade, fundamentando-as criteriosamente do ponto vista ética. (REGO et al., 2009, p.33).
Reagindo aos sucessivos escândalos e à opinião pública, em 1974 o
congresso e governo norte-americano constituíram a National Commission for
the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research –
NCPHSBBR (Comissão nacional para a proteção dos seres humanos em
pesquisa biomédica e comportamental), cujo objetivo era identificar os
princípios éticos básicos, que deveriam nortear a experimentação em seres
humanos nas ciências do comportamento e na biomedicina. Segundo Oliveira
(2000):
Somente após a “conquista” dos direitos do homem na sociedade ocidental é que irá ocorrer a conquista da humildade, por parte de alguns sábios, no sentido de reconhecer a necessidade da Bioética como disciplina. (OLIVEIRA, 2000, p.230).
60
2.2.1. Belmont Report (Relatório Belmont)
A opinião pública estadunidense foi mobilizada por três importantes
acontecimentos que influenciaram de maneira marcante a história da saúde
pública norte-americana. Um dos acontecimentos ocorreu em 1963, no
Hospital Israelita de Doenças Crônica, em Nova York, onde foram injetadas
células cancerosas vivas em idosos doentes. O segundo ocorreu no período
de 1950 e 1970, no Hospital Estadual de Willowbrook, também em Nova York,
onde médicos injetaram vírus da hepatite em crianças com deficiência mental.
E o terceiro ocorreu em 1932, no Estado do Alabama, envolvendo 400 negros
com sífilis, recrutados para participarem de uma pesquisa sobre a evolução
natural da doença e deixados sem tratamento. Somente em 1972 após
denúncia no The New York Times a pesquisa foi interrompida. Restaram 74
pessoas vivas sem tratamento.
Como resposta a estes acontecimentos, o Governo e o Congresso
norte-americano constituíram, em 1974, a National Commission for the
Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research -
NCPHSBBR (Comissão nacional para a proteção dos seres humanos em
pesquisa biomédica e comportamental), que teve como objetivo principal
identificar os princípios éticos “básicos” que deveriam conduzir a
experimentação em seres humanos, o que ficou conhecido como o Belmont
Report (1979), ainda hoje considerado um marco histórico e normativo para a
Bioética (Reich, 1995), a partir deste Relatório três princípios éticos foram
eleitos, a saber:
1. Respeito pelas pessoas: Este princípio carrega consigo pelo menos dois outros pressupostos éticos: os indivíduos devem ser tratados como autônomos e as pessoas com autonomia diminuída (os socialmente vulneráveis) devem ser protegidas de qualquer forma de abuso;
2. Beneficência: Dentre os três princípios escolhidos,
esse é o que maior referência faz à história da deontologia médica no ocidente. Significa promover o bem-estar e os
61
interesses do paciente por intermédio da ciência médica e de seus representantes ou agentes;
3. Justiça: Esse princípio é o que mais intimamente
está relacionado às teorias da filosofia moral em vigor nos EUA por ocasião da elaboração do Relatório. Visa garantir a distribuição justa, eqüitativa e universal dos serviços de saúde e não causar riscos ou agravos. (REICH, 1995, p. 2767-2773).
Segundo Diniz et al. (2002):
(...) a estruturação mínima proposta pelo Relatório, representada pela eleição dos três princípios éticos, foi o pontapé inicial que a bioética necessitava para sua definitiva organização nos centros universitários e acadêmicos. (DINIZ et al., 2002, p.22-23).
2.2.2. Teoria Principialista
A Bioética ganhou um grande impulso e se consolidou teoricamente
nas universidades norte-americanas, com a publicação da obra em 1979,
intitulada Princípios da Ética Biomédica, de autoria do filósofo Beauchamp e
do teólogo Childress (1979). Os autores de Princípios da Ética Biomédica
integraram a National Commission for the Protection of Human Subjects of
Biomedical and Behavioral Research - NCPHSBBR (Comissão nacional para a
proteção dos seres humanos em pesquisa biomédica e comportamental),
responsável pela elaboração do Belmont Report. A proposta teórica de ambos
seguia o caminho aberto pelo Belmont Report. A questão central da teoria dos
quatro princípios, ou Teoria Principialista é equacionar os dilemas que podem
surgir durante a avaliação de uma situação em que dois ou mais princípios
entram em conflito. Segundo Jonsen (1994).
Os princípios deram destaque para as reflexões de uma maneira mais ampla, e menos operacionais dos teólogos e filósofos da época. E de maneira simples e objetiva fomentaram o diálogo entre diversos profissionais da área de saúde. (JONSEN, 1994, p. 130-147).
62
Segundo Schramm (1997):
O principialismo nasceu essencialmente da constatação de que vivemos em um mundo secularizado, politeísta, no qual não se pode mais ter como referência fundamentos centrais pelo qual a análise dos princípios de respeito á autonomia e de consentimento livre e esclarecido. (SCHRAMM, 1997, p.227-240).
Os autores do principialismo buscaram aliar princípios que eram
consagrados na ética médica (beneficência e não-maleficência), a outros dois
princípios que não estavam incorporados ainda (autonomia e justiça). O
princípio da beneficência possui larga tradição na ética médica hipocrática. O
princípio da não-maleficência está associado à máxima primum non nocere _
“acima de tudo, não cause danos”. O princípio da autonomia baseia-se nos
pressupostos de que a sociedade democrática e a igualdade de condições
entre os indivíduos são os pré-requisitos para que as diferenças morais
possam coexistir. Implica em respeitar a vontade do paciente ou do seu
representante, assim como os seus valores morais e crenças. O princípio da
justiça está mais intimamente ligado ao papel dos movimentos sociais
organizados da bioética e a atuação das sociedades como formadoras de
opinião. A despeito desta questão Almeida (1999) afirma que:
(...) Na impossibilidade de conformação de uma teoria ética unitária e de aceitação universal em sociedades plurais e democráticas, os princípios de beneficência, não-maleficência, justiça e respeito à autonomia são um conjunto de diretrizes para os profissionais de saúde frente a dilemas morais. (ALMEIDA, 1999, p.51-67).
A Teoria Principialista, segundo Oliveira (2001):
(...) Pelo modo como se originou, tem uma importância crucial para as pesquisas biomédica com seres humanos e influenciou a elaboração da Resolução CNS 196/96. Dada a funcionalidade, forneceu uma linguagem comum para reflexões mais abrangentes, um esquema claro para uma ética normativa que, tem de ser prática e produtiva, dado o volume de protocolos a serem analisados. (OLIVEIRA, 2001, p. 80).
63
2.3. Breve histórico dos abusos cometidos com seres humanos: A
importância do Código de Nuremberg, da Declaração de Helsinque e do
TCLE
2.3.1. Os abusos cometidos contra seres humanos
Diversos experimentos com seres humanos realizados em países
desenvolvidos suscitaram problemas éticos pela maneira abusiva, cruel e
desumana como foram feitos. As vítimas dessas atrocidades eram civis,
militares e crianças oriundas dos países em guerra como a Alemanha, onde
foram comprovados assassinatos, tortura e outros atos de extrema crueldade
realizados pelos médicos. Vale destacar alguns dos experimentos conduzidos
nos campos de concentração nazistas, retratados por Vieira et al. (1998):
Experimento sobre malária: Campo de concentração de Dachau (1942 a 1945), com a finalidade de comparar a eficiência de várias drogas usadas no tratamento da malária, mais de 1000 pessoas sadias foram propositalmente contaminadas com essa doença por mosquitos, ou por injeções de estratos das glândulas secretoras dos mosquitos. Muitas morreram e outras sofreram dores intensas e ficaram inválidas;
Experimento com veneno: Campo de concentração
de Buchenwald (1943 a 1944), para estudar o efeito de diversos venenos sobre seres humanos, foram administrados venenos secretamente aos indivíduos na comida. As vítimas ou morreram em conseqüência do veneno ou foram mortas imediatamente após, para ser feita a autópsia. Naquele mesmo período, indivíduos sob experimentação foram baleados com balas envenenadas; sofreram tortura até a morte.
Organização de coleção: Entre junho de 1943 e
setembro de 1944, 112 judeus foram selecionados com o propósito de completar uma coleção de esqueletos para a Universidade de Strasbourg. Antes de serem mortos, eram tiradas fotografias e feitas medidas antropométricas. Depois os corpos eram usados em pesquisas de anatomia para estudar raça, características patológicas, forma e tamanho do cérebro, além de outros testes. Em seguida, os cadáveres eram enviados para Strasbourg para dissecação. (VIEIRA et al., 1998, p.26-29).
Conforme ressaltam Guilhem et al. (2008), as atrocidades cometidas
pelos nazistas também se estenderam as crianças. Diversos abusivos foram
64
realizados em crianças, para ilustrar o horror da crueldade, Posner, citado por
Diniz e colaboradores, oferece um arrepiante testemunho relativo à pesquisa
de Mengele sobre as diferenças nas cores dos olhos entre gêmeos
adolescentes ciganos:
(...) na sala de trabalho perto da sala de dissecação, 14 gêmeos ciganos estavam esperando e chorando. Dr. Mengele não nos dirigiu uma única palavra e preparou uma seringa de dez centímetros cúbicos e outra de 15. De uma caixa, Mengele pegou Evipal e, de outra, clorofórmio, que estava em recipientes de 20 centímetros cúbicos, colocando tudo na mesa de operação. Depois disso, o primeiro gêmeo foi trazido... uma garota de quatorze anos. Dr. Mengele ordenou que se despisse a criança e que se colocasse a cabeça dela na mesa de dissecação. Então injetou Evipal intravenoso no braço direito da garota. Depois que ela adormeceu, ele sentiu o ventrículo esquerdo do coração e injetou dez centímetros cúbicos de clorofórmio. Após uma pequena convulsão, a criança estava morta... dessa maneira, todos os 14 adolescentes foram mortos (...). (SCHÜKLENK, 2000).
Mengele, então, removeu os olhos de todos os gêmeos mortos e os
enviou a Berlim para a realização de estudos futuros. Diniz et al. (2008)
ressaltam que “ao contrário do caso alemão, os japoneses utilizaram poucas
“cobaias prisioneiras”, pois o alvo principal era a população civil.
(...) A missão dos cientistas e sua equipe era a de disseminar epidemias em diferentes regiões, uma forma de guerra biológica disfarçada, porém com grande eficácia. Além da população civil, visava-se atingir plantações, de modo a causar a fome e aumentar a exposição das pessoas às epidemias. Em laboratórios bem equipados, eram realizadas vivissecções sem anestesia nos camponeses (GUILHEM et al, 2008, p.16).
2.3.2. O Código de Nuremberg e a Declaração de Helsinque
Após a Segunda Guerra Mundial, o Tribunal Militar Internacional
formulou, de maneira inédita, um posicionamento global sobre os aspectos
éticos inerentes à experimentação com seres humanos. As atrocidades
cometidas chocaram o mundo e chamaram a atenção para a urgência de criar
diretrizes (recomendações), que deveriam ser seguidas quando da realização
65
de pesquisas científicas feitas por médicos. O trabalho realizado pelo tribunal
ficou conhecido como Código de Nuremberg (1947), elaborado para auxiliar os
juízes na formulação das sentenças, dos 33 médicos alemães acusados de
“crimes de guerra e crimes contra a humanidade”. Trata-se de um decálogo,
ou seja, 10 recomendações éticas, cuja ênfase principal está atribuída ao
reconhecimento do consentimento livre e esclarecido, como peça fundamental
para que ocorra qualquer pesquisa com seres humanos.
Com base no Código de Nuremberg, focando principalmente nas
intervenções da pesquisa biomédica foi constituída a Declaração de Helsinque
(DH), elaborada pela Associação Médica Mundial, em 1964, que já sofreu
diversas revisões (Tóquio, 1975; Veneza, 1983; Hong Kong, 1989; Somerset
West, 1996; Edimburgo, 2000; Estados Unidos, 2002; Tóquio, 2004). Apesar,
das diversas revisões e modificações a DH, jamais teve modificado o seu
espírito humanista. Em seu primeiro princípio básico a DH afirma:
A pesquisa clínica deve adaptar-se aos princípios morais e científicos que justificam a pesquisa médica e deve ser baseada em experiências de laboratório e com animais ou em outros fatos cientificamente determinados. (WMA, 2004).
Segundo Greco et al. (2008), há uma pressão internacional intensa,
principalmente das indústrias farmacêuticas para que as exigências éticas
emanadas da Declaração de Helsinque (DH) sejam flexibilizadas, com o
objetivo de reduzir o nível de exigências éticas nas pesquisas realizadas em
voluntários dos países em desenvolvimento.
2.3.3. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
Diversas discussões na literatura legal, filosófica, institucional,
psicológica e médica têm ocorrido visando definir quais elementos devem
integrar o TCLE. Beauchamp et al. (1995) estabeleceram três componentes,
contemplando sete distintos itens, a saber:
I. Pré-Condições: 1. Capacidade para entender e decidir; 2. Voluntariedade no processo de tomada de decisão.
66
II. II. Elementos da Informação: 3. Explicação
sobre riscos e benefícios; 4. Recomendação de uma alternativa mais adequada; 5. Compreensão dos riscos, benefícios e alternativas.
III. III. Elementos do Consentimento: 6. Decisão
em favor de uma opção, dentre no mínimo duas propostas; 7. Autorização para a realização dos procedimentos propostos. (BEAUCHAMP et al., 1995, p. 1238-41).
Goldim (2000) ressalta a importância da utilização do TCLE em
pesquisas com seres humanos, segundo este autor:
A utilização do TCLE não garante que todos os participantes estejam plenamente cientes das questões envolvidas nesta investigação, mas ainda é a melhor forma disponível, pelo menos atualmente, para preservar o respeito a estas pessoas. (VICTORA et al., 2000, p. 79-89).
2.4. As comissões de ética em pesquisa na prevenção aos
conflitos de interesses: Experiências dos EUA, Holanda, Polônia e
Finlândia
McNeill (1993), deposita confiança no trabalho desempenhado pelas
Comissões de ética em pesquisa, discute a ética da experimentação em seres
humanos e defende que os interesses dos seres humanos não sejam
prejudicados nas pesquisas científicas. Para este autor a proteção dos
participantes de pesquisas depende da adequada análise ética feita pelas
comissões de ética em pesquisa, que seguir uma lógica radical pautada em
modelos éticos que assegure a proteção aos sujeitos de pesquisa. Ainda
segundo o autor, o sucesso dessas comissões está na busca do equilíbrio dos
interesses da ciência com os interesses dos seres humanos. O autor concluiu
que as Comissões são predominantemente influenciadas por membros de
instituições de pesquisa e pelos próprios pesquisadores, por isso que a
análise feita pelas Comissões deva proteger principalmente aos seres
humanos.
67
Na Holanda, segundo Kenter (2009) o sistema de avaliação das
pesquisas com seres humanos é descentralizado e integra o sistema de
revisão por pares. O sistema é constituído por um órgão independente do
governo, denominado Comitê Central de Pesquisa Envolvendo Seres
Humanos (ou Comitê Central), que regulamenta a revisão das propostas de
investigação por médico credenciado Comitês de Ética em Pesquisa (MREC).
A avaliação das propostas de pesquisas e todos os documentos do protocolo
de pesquisa são analisados por especialistas em uma única comissão. A
revisão das pesquisas com embriões humanos excedente é regulada
separadamente com base na lei dos embriões. O Comitê Central dá apoio aos
MREC credenciados, aos pesquisadores e aos patrocinadores. O país
desenvolveu um portal de acesso pela internet para reduzir a burocracia e
tornar o processo de fiscalização mais eficiente e transparente. O Comitê
Central estimula a confiança da sociedade nas pesquisas biomédicas,
fornecendo um registro público com dados básicos sobre as propostas de
pesquisa que foram revisadas pelos Comitês.
Czarkowski et al. (2009) realizaram uma pesquisa para determinar a
situação dos Comitês de Ética em Pesquisa, que na Polônia equivalem aos
Comitês de Bioética (BC). O BC é geralmente composto de 13 membros, 9
deles são médicos e quatro são não-médicos. Em 2006 os BC avaliaram uma
média de 27,3 ± 31,7 (variação: 0-131) de projetos com ensaios clínicos e 71,1
± 139,8 (intervalo: 0-638) de projetos de outros tipos de pesquisas médicas.
Em 2006, foi avaliada uma média de 10,3 ± 14,7 (variação: 0-71) de projetos
de pesquisa clínica foram avaliados por reunião. Após alteração das leis
polonesas (Diretiva 2001/20/CE), houve um aumento da porcentagem de
projetos avaliados. Os resultados confirmam a utilidade da criação dos BC em
universidades e faculdades médicas, institutos médicos e seções regionais de
médicos e dentistas, mas apontou para a racionalização da carga de trabalho
individual dos membros dos BC.
As relações financeiras entre os membros do Comitê de Ética e a
indústria foram estudadas por Campbell et al. (2006), em uma amostra
68
aleatória de 893 membros de Institutional Review Boards (IRB) em 100
instituições de ensino (taxa de resposta, 67,2%). Os autores aplicaram um
questionário focado nas relações financeiras que os membros do IRB podiam
ter com a indústria (por exemplo, emprego, participação em conselhos,
consultoria, recebimento de royalties, pagos por conferência).
Os resultados mostram que 36% dos membros do IRB tinham tido pelo
menos um relacionamento com a indústria. Dos entrevistados, 85,5%
disseram que nunca pensaram que a relação que outro membro de IRB
tivesse com a indústria pudesse afetar suas com o IRB. Outros entrevistados
(11,9%) disseram que raramente isto ocorreu, 2,4% disseram que ocorreu
algumas vezes, e 0,2% achavam que ocorreu com freqüência. Setenta e oito
entrevistados (15,1%) relataram que pelo menos um protocolo tenha sido
patrocinado por uma empresa ou com a qual o membro do IRB teve
relacionamento.
Dos 78 membros (62 membros votantes e 16 membros não-votantes),
57,7% relataram que sempre divulgaram a relação oficial ao IRB, 7,7%
disseram que às vezes não, 11,5% disseram que raramente declaravam o
envolvimento com empresas patrocinadoras, e 23,1% disseram que nunca
fizeram nenhum tipo de declaração sobre este assunto ao IRB.
Dos 62 membros votantes que relataram conflitos, 64,5% revelaram
que nunca analisaram projeto, 4,8% disseram que raramente analisavam,
11,3% disseram que às vezes não, e 19,4% disseram que sempre analisam. A
maioria dos entrevistados relatou que as opiniões dos membros do IRB, que
tinha experiência em trabalhar com a indústria foram benéficas na revisão dos
protocolos patrocinados pela indústria.
Os autores concluíram que as relações entre os membros do IRB com a
indústria são comuns, e os membros, por vezes, participaram das decisões
sobre protocolos patrocinados por empresas com as quais eles tinham alguma
relação financeira. Os autores sugeriram que regulamentos e políticas sejam
examinados para ter certeza de que existe uma forma adequada de lidar com
conflitos de interesses decorrentes das relações com a indústria.
Para Allen (2008), a interação entre as comissões de ética em pesquisa
e os pesquisadores é marcada pela desconfiança e por conflitos, pois a
69
conduta ética dos pesquisadores transformou a ética em pesquisa. O autor
sugeriu uma abordagem de governança alternativa, com forte foco institucional
na promoção e apoio à prática reflexiva de pesquisadores em cada etapa de
seu trabalho, objetivando estabelecer medidas que realmente facilitariam a
qualidade ética das pesquisas.
Segundo Hemminki (2005), o direito finlandês faz uma distinção legal
entre pesquisa e investigação médica de saúde, e diferencia os ensaios
clínicos. O ponto de partida das regras existentes é que os ensaios clínicos
representam menor interesse para os doentes e para a sociedade. Os
interesses comerciais não são considerados antiéticos. Os procedimentos
contrastantes de pesquisa e de cuidados de saúde podem seduzir os médicos
a introduzir inovações na prática médica, baseando-se em observações
sistemáticas e equivocadas. O autor concluiu que os objetivos e a qualidade
do trabalho dos comitês de ética devem ser avaliados continuamente, e
sugeriu a reformulação das Boas práticas clínicas da União Européia. Na
opinião do autor os Comitês de Ética não devem fomentar pesquisas pobres
simplesmente por razões legais.
2.5. Brasil: O fortalecimento contínuo baseado em princípios
bioéticos
A implantação de um CEP representa um importante avanço no cenário
da ética em pesquisa, e nas considerações éticas relativas à responsabilidade
social.
De acordo com dados exibidos no relatório, que apresenta um balanço
dos nove anos do trabalho realizado pela Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa - CONEP (BRASIL/MS/CNS/CONEP, 2008), o Brasil possuía 584
CEP credenciados, dos quais 85% funcionam em instituições de ensino,
70
pesquisa e assistência, a maioria dos CEP está localizada nas regiões Sul e
Sudeste do país.
Em 2009 o Brasil expandiu o número de CEP totalizando em abril 604
CEP, destes 400 utilizam o Sistema Nacional de Informação sobre Ética em
Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (SISNEP). O SISNEP é uma
ferramenta disponível na internet, com o objetivo de fortalecer o sistema
CEP/CONEP, desenvolvido pela CONEP e o Departamento de Informação e
Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), com a colaboração e a
participação inicial de 11 CEP. As instituições cujos CEP efetuaram o teste
inicial do SISNEP foram:
Escola Nacional de Saúde Pública - ENSP - FIOCRUZ
Faculdade de Ciências da Saúde - UNB - Universidade de Brasília
FIOCRUZ - Fundação Oswaldo Cruz
HCFMRPUSP - Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto da USP
HCFMUSP - Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo
Hospital de Clínicas de Porto Alegre - HCPA - POA-RS
Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas - IPEC - FIOCRUZ
Instituto Fernandes Figueira - IFF - Fundação Oswaldo Cruz
ISCMPA - Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS
Santa Casa de Misericórdia - Belo Horizonte – MG
O SISNEP foi implantado, visando a beneficiar os Usuários
participantes de pesquisa; facilitar o registro das pesquisas envolvendo seres
humanos, orientar a tramitação de projetos submetidos à apreciação ética,
integrar o sistema de avaliação ética das pesquisas no Brasil e implementar a
formação de um banco de dados nacional de pesquisas, agilizar a tramitação
e facilitar aos pesquisadores o acompanhamento de seus projetos, oferecer
informações para a melhoria do sistema de apreciação ética das pesquisas e
para o desenvolvimento de políticas públicas na área, e permitir o
71
acompanhamento pela população e dos diversos segmentos da sociedade,
especialmente, pelos participantes de pesquisas.
O Conselho Nacional de Saúde, por solicitação da CONEP substituiu o
SISNEP e lançou a Plataforma Brasil, em 15 de dezembro de 2009,
objetivando maior interação com agências regulatórias e de fomento a
pesquisa, instituições internacionais, editores científicos. A Plataforma Brasil é
a base nacional e unificada de registros das pesquisas com seres humanos
para todo o sistema CEP/CONEP, que articula diferentes fontes primárias de
informações sobre pesquisas com seres humanos no Brasil.
72
CAPÍTULO 2
MÉTODO
A pesquisa empreendida aqui foi parte de um projeto coordenado por
Palácios (2008), com apoio do CNPq, que tinha por objetivo estudar o conflito
de interesses na assistência e na pesquisa em saúde no complexo hospitalar
de uma universidade brasileira. Na população do estudo, além de membros de
CEP, foram incluídos pesquisadores com perfis variados, alunos e sujeitos de
pesquisa. Nesta dissertação trataremos dos dados relativos aos membros de
CEP.
Esta pesquisa foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação Stricto
sensu em Saúde Coletiva, do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC),
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e foi aprovada pelo seu
Comitê de Ética em Pesquisa.
Visando a atingir os objetivos da pesquisa, optamos por uma análise
teórico-descritiva, com abordagem qualitativa. Gaskell (2004) ressalta que a
finalidade da pesquisa qualitativa é “explorar o espectro de opiniões, as
diferentes representações do assunto em questão”. Procuramos, com esta
escolha, dar voz às distintas percepções apresentadas pelos membros dos
Comitês de Ética em Pesquisa da universidade em estudo, sobre a maneira
como estes Comitês identificam e manejam os conflitos de interesse presentes
na condução das pesquisas científicas.
Por este tipo de pesquisa oferecer uma gama de ferramentas,
escolhemos a entrevista, com base na perspectiva de que a fala do
entrevistado tem a possibilidade, segundo Minayo (1994), de ser:
Reveladora de condições e ao mesmo ter a magia de transmitir, através de um porta-voz, as representações de grupos determinados, em condições históricas, sócio-econômicas e culturais específicas. (MINAYO, 1994, p.109).
73
A proposta de análise qualitativa de dados adotada por Minayo (1994),
denominada método hermenêutico-dialético, se ajusta à nossa pesquisa, já
que um dos pressupostos de análise desse método se refere ao fato como a
ciência se constrói em uma relação dinâmica entre a razão daqueles que a
praticam e a experiência que surge na realidade concreta. Segundo a autora,
a análise do material possui as seguintes finalidades:
●ultrapassagem da incerteza: o que eu percebo na mensagem, estará lá realmente contido? Minha leitura será válida e generalizável?
●enriquecimento da leitura: como ultrapassar o olhar
imediato e espontâneo e já fecundo em si, para atingir a compreensão de significações, a descoberta de conteúdo e estruturas latentes?
●integração das descobertas: que vão além da
aparência, num quadro de referência da totalidade social no qual as mensagens se inserem. (MINAYO, 1994, 197-198).
A partir da leitura dos questionários e das transcrições, pudemos
buscar, nas falas, pontos de interseção entre o que dizem os entrevistados e a
literatura. Comparamos os textos e os dados publicados nos periódicos por
pesquisadores de várias nacionalidades e inserções institucionais, com os
discursos dos participantes da pesquisa, com o objetivo de descobrir
diferenças e possíveis semelhanças.
Esse procedimento visou a atender o objetivo da pesquisa, que é
conhecer como os membros dos Comitês de Ética em Pesquisa da
universidade identificam e manejam os conflitos de interesse presentes na
condução de pesquisas submetidas à apreciação dos CEP da universidade, a
partir da experiência de cada um desses membros dos CEP da universidade e
quais conflitos eles próprios possuem.
Com base em Minayo et al. (2008); Chizzotti (2003), Pavão (2001),
Vìctora et al. (2000) construímos as etapas da análise, da seguinte forma:
transcrição de entrevistas, análise dos questionários, codificação dos
entrevistados (integrantes dos CEP: coordenador, membro, secretária e
Representante de Usuários), e codificação dos CEP, leitura comparativa dos
textos das entrevistas, articulação entre os sentidos encontrados nos
74
depoimentos, busca por sugestões dos CEP, para identificar e manejar os
conflitos de interesse presentes na condução das pesquisas científicas na
universidade.
Para alcançar os objetivos da pesquisa, aplicamos um questionário com
perguntas abertas e fechadas, bem como realizamos entrevistas individuais e
em grupo gravadas em meio digital.
O projeto foi submetido à análise ética dos CEP da universidade, e
somente após a aprovação e liberação dos pareceres a pesquisa foi iniciada.
2.1. Local da pesquisa e composição dos CEP selecionados
Realizamos a pesquisa em 04 (quatro) dos 07 (sete) CEP, a saber:
CEP 01, CEP 02, CEP 03, e CEP 04. Visando assegurar a confidencialidade e
a preservação do anonimato os CEP foram codificados.
2.2. Sujeitos da pesquisa
A fim de preservar o anonimato dos participantes, nós os codificamos.
Preservar o anonimato dos entrevistados é essencial, por isso optamos em
codificar os CEP, e não fornecer a localização geográfica destes Comitês. Na
citação e na análise das falas, no entanto, decidimos manter a inserção
institucional dos integrantes, já que, é importante, para nós, conhecer os
discursos de cada indivíduo, segundo a função que ocupam (Coordenador,
membro, secretária ou Representante de Usuários). Observamos, no Quadro
2.1, os códigos atribuídos aos entrevistados, a partir da função destes nos
Comitês.
75
QUADRO 2.1 – Códigos dos entrevistados
Função no CEP CEP 01
CEP 02
CEP 03
CEP 04
Coordenador C-01 C-02 C-03 C-04 Membro M-01 M-02 M-03 M-04
Representante de Usuários R-01 R-02 R-03 R-04 Secretaria S-01 S-02 S-03 S-04
Comitês de Ética (CEP) CEP01 CEP02 CEP03 CEP04
No caso de mais de um membro, o participante foi identificado por
letras (M-01A, M-01B, etc.).
A composição de cada um dos CEP variou entre o mínimo de dez e o
máximo de quinze integrantes por Comitê. O critério mínimo estabelecido pela
Resolução CNS 196/96 é de sete membros. A composição dos CEP é definida
a critério da instituição, sendo pelo menos metade dos membros com
experiência em pesquisa eleitos pelos seus pares. Portanto, todos os CEP
estavam de acordo com o estabelecido na Resolução CNS 196/96, conforme
podemos melhor observar melhor no quadro 2.2:
QUADRO 2.2 – Composição dos CEP
Composição (Nº de participantes)
CEP 01
CEP 02
CEP 03
CEP 04
Nº Parcial
Coordenador 1 1 1 1 4 Membros 9 7 7 12 35
Representante de Usuário 1 1 1 1 4 Secretária 1 1 1 1 4
Total 12 10 10 15 47
Predominantemente a faixa etária dos integrantes dos CEP variou entre
41 a 50 anos, seguida da faixa etária entre 51 a 60 anos. Em apenas um CEP
houve variação (31-40) anos.
76
Em 03 CEP a coordenação era exercida por mulheres, sendo duas
médicas, e a outra, enfermeira. No outro CEP a coordenação era
desempenhada por um homem. Identificamos diversidade das linhas de
pesquisa dos integrantes (coordenadores e membros). Todos os
coordenadores integravam o quadro efetivo da universidade, assim como a
maioria (95%) dos membros era oriunda de diversos setores desta mesma
instituição.
Observamos a presença de Representante de Usuários, exigência da
Resolução CNS 240/97, em todos os 04 CEP. Em um único CEP havia duas
secretárias, em dois, uma. Já em outro não havia nenhuma exclusiva para o
Comitê. Importante ressaltar, embora não seja o foco desta pesquisa, que a
secretária constitui o primeiro contato ente o pesquisador, o CEP e a
instituição.
Visando a preservar o anonimato dos participantes, a formação dos
membros, coordenadores, Representante de Usuários e secretária será
apresentada de maneira global, sem correlacionar ao CEP ao qual estão
inseridos, conforme Quadro 2.3:
QUADRO 2.3 – Área de formação dos integrantes dos CEP
Formação Total Advogado 2
Assistente Social 3 Dentista 1
Economista 1 Enfermeiro 12 Engenheiro 1 Farmacêutico 1 Filósofo 1
Fisioterapeuta 1 Fonoaudiólogo 1 Historiador 1 Médico 13
Pedagogo 1 Psicólogo 3
Programador visual 1 Lingüista 1 Sociólogo 1
77
Os 04 CEP apresentaram formação multidisciplinar, com membros
oriundos de várias áreas do conhecimento. Portanto, estão de acordo com o
preconizado no item VII. 4 da Resolução CNS 196/976. Novamente,
2.3. Instrumentos utilizados para o levantamento de dados:
2.3.1. Questionário
Segundo Oliveira (2004), o questionário “é a forma mais usada para
coletar dados, pois possibilita medir com melhor exatidão o que se deseja”
(Oliveira, 2004, p. 120). Esta afirmação é corroborada por Abric (1994), que
considera o questionário a técnica mais utilizada no estudo das
representações. Utilizamos um questionário (Apêndice I) com 11 páginas,
totalizando 45 perguntas e a seguinte divisão em blocos:
Bloco I – Dados pessoais e de trabalho: 13 perguntas
Bloco II – Atividade no CEP: 22 perguntas
Bloco III – Conflitos de interesse: 10 perguntas
2.3.2 TCLE
Todos os 47 integrantes dos CEP foram convidados a participar da
pesquisa. Os que aceitaram assinaram o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido – TCLE (Apêndice II), autorizando a gravação da conversa. A
participação no estudo foi voluntária, mediante convite por e-mail e por
telefone com informação dos objetivos da pesquisa e garantia do pesquisador
de que as informações prestadas seriam confidenciais e sigilosas, utilizadas
apenas para esta pesquisa.
78
2.3.3. Roteiro de entrevistas
Utilizamos um Roteiro de entrevistas (Apêndice III). As entrevistas
foram gravadas e realizadas individualmente ou em grupo. Imediatamente
após, foram transcritas e analisadas.
Para Triviños (1987), a entrevista semi-estruturada tem como
característica questionamentos básicos que são apoiados em teorias e
hipóteses que se relacionam ao tema da pesquisa. O foco principal seria
colocado pelo investigador-entrevistador. De acordo com Triviños (1987), a
entrevista semi-estruturada:
“(...) favorece não só a descrição dos fenômenos sociais, mas também sua explicação e a compreensão de sua totalidade [...]” além de manter a presença consciente e atuante do pesquisador no processo de coleta de informações. (TRIVIÑOS, 1987, p. 152).
Já para Manzini (1990), a entrevista semi-estruturada está focalizada
em um assunto sobre o qual confeccionamos um roteiro com perguntas
principais, complementadas por outras questões inerentes às circunstâncias
momentâneas à entrevista. Para o autor, esse tipo de entrevista pode fazer
emergir informações de forma mais livre e as respostas não estão
condicionadas a uma padronização de alternativas.
Vale ressaltar, que tanto Triviños (1987), quanto Manzini (2003)
apresentam pontos semelhantes em relação à necessidade de perguntas
básicas e principais para atingir o objetivo da pesquisa. Dessa maneira,
Manzini salienta que é possível um planejamento da coleta de informações por
meio da elaboração de um roteiro com perguntas que atinjam os objetivos
pretendidos.
No caso desta pesquisa sobre conflitos de interesses, o roteiro
(Apêndice III) serviu para coletar as informações básicas e organizou o
processo de interação com os Comitês. Buscamos discutir, nas entrevistas,
79
os seguintes questionamentos a partir da percepção dos Membros em sua
prática cotidiana:
1. Quais conflitos devem ser objeto de controle?
2. Que conteúdo deve ter uma política de manejo em termos de
propósitos, princípios, escopo e procedimentos?
3. Como envolver os diversos segmentos da sociedade na discussão
dos conflitos de interesses, especificamente os pesquisadores?
4. Sugestões e/ou soluções apontadas para o manejo dos conflitos de
interesses.
As entrevistas foram gravadas e realizadas individualmente ou em
grupo, com o seguinte número de entrevistados por CEP: CEP 01: seis (06)
entrevistados em grupo, CEP 03: três (03) entrevistados individualmente, e
CEP 04: cinco (05) entrevistados em grupo. As 14 (quatorze) entrevistas
foram ouvidas e rigorosamente transcritas para análise.
Se a entrevista individual tem suas particularidades, a entrevista em
grupo também congrega algumas das vantagens dos métodos etnográficos.
Kahn et al. apud Minayo (1961) denominam a entrevista como sendo uma:
Conversa a dois, feita por iniciativa do entrevistador, destinada a fornecer informações pertinentes para um objeto de pesquisa, e entrada (pelo entrevistador) em temas igualmente pertinentes com vistas a este objetivo. (KAHN et al., 1961, p. 52).
Parafraseando Selltiz et al. (1987), nossas escolhas e percepção vão
ao encontro de dados da literatura, que afirmam que, ao contrário dos
questionários que apresentam índice de devolução muito baixo, as entrevistas
costumam ter um índice de respostas bem mais amplo, uma vez que é mais
comum as pessoas aceitarem falar sobre determinados temas.
80
2.3.4. Entrevista em grupo
Dois CEP cederam, antes de suas reuniões ordinárias em novembro ou
dezembro de 2009, um espaço de tempo para que apresentássemos a
pesquisa e realizássemos a entrevista em grupo. Explicamos o que se
pretendia discutir naquele encontro, tendo como ponto de partida pesquisar
sobre a percepção dos membros dos CEP em sua prática cotidiana acerca
dos conflitos, conteúdo que deve ter uma política de manejo em termos de
propósito, princípios, escopo e procedimentos.
2.3.5. Reunião
Nestes encontros, conseguimos informações que nos ajudaram
identificar quais CEP tinham interesse em participar da pesquisa. Os
membros presentes que manifestaram interesse receberam o TCLE (Apêndice
II) e o Questionário (Apêndice I). Explicamos os objetivos da pesquisa,
esclarecemos eventuais dúvidas e deixamos com o coordenador e a
secretária cópias do TCLE (Apêndice II) e do Questionário (Apêndice I). Após
uma semana, iniciamos os contatos por telefone, pessoalmente e por e-mail
para saber quem havia respondido e quando podíamos apanhar o
questionário. O contato foi importante e facilitou o rápido acesso aos dados.
3. Quantitativo de instrumentos da amostra
Observamos no Quadro 2.4, o quantitativo de instrumento aplicado e
que integrou a amostra e o número de questionários devolvidos. A
orientadora é coordenadora de um destes CEP, portanto, não integrou a
amostra. Além dela, foram excluídas as entrevistas de outros 4 (quatro)
81
Membros do mesmo CEP, porque integravam o projeto conflitos de interesse
na universidade.
QUADRO 2.4 – Quantitativo de instrumento da amostra
CEP da amostra CEP
01
CEP
02
CEP
03
CEP
04
Total
Nº de integrantes 12 10 10 15 47
Nº de entrevistados individualmente 0 3 0 0 3
Nº de entrevistados em grupo 6 0 0 5 11
Nº de questionários devolvidos 2 7 5 1 15
Nº de presentes à reunião 8 8 7 10 33
4. Limitações do método
Um dos limites foi a baixa adesão a utilização do questionário, de certa
forma compensada com as entrevistas em grupo ou individuais. Além disso,
contratempos na condução da pesquisa limitaram o tempo comprometendo o
cronograma. A demora na emissão do parecer, as idas e vindas para atender
as infindáveis exigências em alguns CEP foram alguns dos contratempos
relacionados ao processo de aprovação da pesquisa.
Ficou evidente a dificuldade em atingir metas, pois o cronograma do
pesquisador é distinto daquele do programa de pós-graduação, que, por sua
vez, é diferente da agenda dos CEP e mais ainda do prazo máximo de 24
(vinte e quatro) meses estabelecido pela CAPES, para finalização do
mestrado.
Quanto ao questionário, uma das desvantagens é o recebimento por
vezes de respostas com lacunas. Um CEP inteiro não concedeu nenhuma
entrevista individual, apesar das inúmeras tentativas feitas, este mesmo CEP
respondeu apenas um questionário.
82
Quando indagados sobre os motivos, todos disseram que o
questionário era “extenso demais ou confuso”, e que responder ou conceder
entrevista individual demandaria um tempo de que eles não dispunham, pois
estavam às vésperas do recesso das atividades acadêmicas na universidade.
Alguns disseram que iam viajar em férias.
83
CAPÍTULO 3
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Analisamos aqui as respostas obtidas dos questionários e das
entrevistas (individuais e em grupo) com os coordenadores, membros,
Representantes de Usuários e secretárias dos CEP 01, CEP 02, CEP 03 e
CEP 04. As respostas dos entrevistados transcorreram no contexto de uma
conversação informal. A interferência da pesquisadora foi a mínima possível,
evitando assim o término precoce da entrevista e interrupção da fala do
entrevistado.
Apresentaremos e discutiremos os resultados por bloco, a partir das
perguntas feitas aos entrevistados e aos que responderam ao questionário,
para que se possa ter uma compreensão global e temática das opiniões sobre
conflitos de interesses.
Analisando as falas dos três (03) entrevistados individualmente e dos
onze (11) entrevistados em grupo e dos quinze (15) questionários devolvidos é
possível observar a percepção destes quando indagados sobre:
3.1. Bloco 1: Pergunta 01. Quais conflitos de interesses devem ser objeto
de controle
Observamos, nas falas a seguir, a preocupação dos membros de CEP
com a identificação dos conflitos de interesses quando da leitura dos
protocolos de pesquisa.
84
“Devemos nos preocupar toda vez que os pacientes estejam sendo
utilizados como cobaias. Ou seja, empresas X saúde.” (M-03A - entrevistado
individualmente).
A questão do acesso ao medicamento pós-estudo é identificada como
conflitos de interesses uma vez que as empresas financiadoras não têm
aceitado a liberação para os sujeitos de pesquisa do melhor tratamento
comprovado pelo estudo após seu término. A aceitação de protocolos sem
garantia de acesso é um indicador de que o interesse do pesquisador em
participar da pesquisa superou seu interesse primário com o bem-estar dos
pacientes envolvidos.
“Todos os conflitos devem ser controlados. É fundamental garantir o
acesso ao medicamento após o término da pesquisa e assegurar ao paciente
a continuidade ao uso do remédio.” (M-03C - entrevistado individualmente).
A identificação de que ainda não há, mesmo dentro dos CEP, a
habilidade necessária para identificação das situações que possam levar os
pesquisadores a passar por cima dos melhores interesses de seus pacientes,
em função de um interesse secundário econômico ou de prestígio, está
presente na fala a seguir.
“Eu sugiro ampliação da discussão sobre este tema em diversos fóruns,
porque o assunto ainda é pouco ou nada conhecido, principalmente na área
acadêmica.” (C-04 - entrevistado em grupo).
É interessante notar nas falas a seguir que os entrevistados,
ultrapassam a identificação dos conflitos e já esboçam ações para serem
desenvolvidas para a gestão dos conflitos. Se os laboratórios que financiam
as pesquisas têm interesse nos resultados, a influência é inevitável e pode
comprometer o bem-estar do paciente e a integridade da pesquisa.
85
“A gente fica na mão dos laboratórios. Sugiro que haja controle e
explicitação de todos os conflitos, nas instituições, pesquisadores e
laboratórios.” (R-01 - entrevistado em grupo).
Limitar a relação indústria-universidade a algumas áreas?
“A Universidade tem que ter uma ação clara, quase impositiva,
explicitando quais pesquisas podem receber financiamento da indústria e o
valor aceitável.” (M-01A - entrevistado em grupo).
Ou eliminar essa relação?
“Uma medida radical é os funcionários da Universidade não aceitar
nenhum tipo de fomento. Seria o ideal em minha opinião, mas nós temos uma
limitação de verba enorme e real.” (M-01B - entrevistado em grupo).
O entrevistado a seguir extrapola os limites da universidade para
apontar que há uma naturalização da prática de receber presentes e brindes,
de toda sorte de propaganda. Tornar essas práticas objeto de reflexão ética,
“desnaturalizando” como nosso entrevistado enfatiza, é o primeiro passo para
se poder identificar conflito de interesses.
“A Medicina e demais Ciências estão impregnadas dessa relação
promíscua com os laboratórios. O laboratório paga o almoço, o tal do simpósio
satélite na hora do almoço, ninguém presta atenção a nada, mas o laboratório
vende, mostra a experiência dele no produto. Eu acho que a questão primeira
a ser atacada é desnaturalizar. Não é natural que haja conflito de interesses.”
(M-01C - entrevistado em grupo).
Esta percepção também é ressaltada por Weinfurt et al. (2009), ao
reafirmarem que “a boa gestão de conflitos de interesse deve ser baseada em
objetivos políticos claros”.
86
Em relação à divulgação ou não dos conflitos financeiros no Brasil, vale
ressaltar que a Resolução do CFM nº. 1.595/2000 determina que “os médicos
declarem os agentes financeiros que patrocinam suas pesquisas e/ou
apresentações”.
Mas, a literatura e nossos entrevistados acharam que isto só não é
suficiente. A percepção dos nossos entrevistados é que a divulgação
financeira seja explícita e que o manejo preferencialmente ocorra em todos os
segmentos da sociedade. Nossos entrevistados sugerem que a melhor
resposta aos conflitos de interesses financeiros é a divulgação, conforme se
pode observar nas falas de: C-04 e M-03B:
“A transparência e ampla divulgação das pesquisas pela instituição,
independentemente de ter ou não financiamento devem ser disponibilizadas
em local de fácil acesso para conhecimento de toda população.” (C-04 -
entrevistado em grupo).
“A transparência em tudo é fundamental, mas não é assim que as
coisas são tratadas em nosso país, não há divulgação daquilo que é
moralmente aceitável e isto gera equívocos e aumenta a corrupção e o desvio
de verbas que poderia beneficiar toda população.” (M-03B - entrevista
individual e questionário).
Identificamos similaridades nas falas dos nossos entrevistados, com as
encontradas na literatura sobre este tema. Segundo pesquisas realizadas por
Weinfurt et al. (2006), Appelbaum et al. (1982, 1987), Dresse (2002) e
Friedman et al. (2007), um dos maiores desafios para a divulgação dos
interesses financeiros é promover a compreensão informada e substancial.
Autores como Grady et al. (2006), e Hall (2007) consideram que os potenciais
participantes de pesquisa constantemente expressam o desejo de ser
informados sobre os interesses financeiros em estudos clínicos. Segundo
nosso entrevistado M-03C:
“Em pesquisa, o paciente fica vulnerável, porque é ofertado a ele um
mundo maravilhoso. Parafraseando, oferecem ao paciente o Mundo de Alice,
87
só que a ilusão acaba, por isso quando analiso projeto exijo que tudo esteja
bem claro no projeto e no TCLE. É imprescindível informar à família ou ao
acompanhante deste o que é pesquisa, quem está ganhando, o que e quanto
para realizar o estudo. Temos que exigir clareza e explicitação destas
informações no projeto.” (M-03C - entrevistado individualmente).
Para Angell (2008), o conflito de interesses é mais um sério problema
ético envolvendo os laboratórios e a produção cientifica. A autora exemplifica
como os laboratórios têm buscado instituir novos mercados, criando remédios
para doenças ainda não estabelecidas, tais como os medicamentos para
ansiedade social ou para o "transtorno da disforia pré-menstrual". A percepção
do nosso entrevistado M-03 confirma o achado na literatura, conforme
observamos a seguir:
“Outra coisa, que é uma aberração é o cadastro, aquele cartãozinho de
pseudo desconto que os laboratórios entregam aos médicos, para que estes
prescrevam determinado medicamento e o paciente seja quase que obrigado
a usar somente aquele medicamento que lhe foi prescrito e algumas vezes
sem comprovação suficiente na literatura de que é realmente eficaz. A
fabricação de doenças virou festa, para atender a determinadas indústrias
farmacêuticas.” (M-03C - entrevistado individualmente).
No Brasil, segundo Franco (2001), a ausência de políticas direcionadas
para pesquisa clínica, tais como apoio por parte dos órgãos governamentais,
falta de valorização por parte das instituições e sociedades, constitui um dos
maiores problemas para se realizar pesquisa. Segundo Nascimento (2005) e
Rozenfeld (2008), a pressão dos fabricantes sobre os médicos e
pesquisadores sempre foi intensa. Isto ocorre, segundo estes autores, pela
ausência de regulação das relações médicos/pesquisadores e indústria. A
percepção acerca da atuação nociva dos propagandistas é expressada pelo
entrevistado M-03C no seguinte depoimento:
“O propagandista tem que cumprir uma meta semanal, mensal e tudo é
quantitativo para o bolso dos envolvidos, exceto para o paciente, que mesmo
88
com o tal cartão de desconto, ainda assim tem que pagar muito caro para
adquirir o medicamento, por isso muitas vezes não consegue levar a diante o
tratamento.” (M-03C - entrevistado individualmente).
A utilização de pacientes como cobaia esteve presente na fala de um
dos membros dos CEP encontra apoio na literatura internacional sobre a
utilização de cobaias humanas. Vale ressaltar o Estudo Tuskegee, no
Alabama (EUA), com 400 portadores de sífilis. Somente em 1972, depois de
se arrastar por quatro décadas, após uma denúncia do New York Times esse
estudo foi encerrado. Importante destacar que a penicilina era a droga
indicada como tratamento básico para a sífilis desde 1943. Em 1997, o então
presidente Bill Clinton foi a público pedir desculpas à comunidade do Alabama.
Além desta pesquisa que violou todos os princípios éticos, segundo
Henry Beecher (1966), cerca de 80 abusos do tipo ocorreram nos EUA.
Beecher publicou um estudo com 22 dessas pesquisas, e mostrou ao mundo
uma realidade até então comodamente escondida: que o horror do uso de
seres humanos como cobaia não era exclusividade nazista.
No Brasil, os CEP são co-responsáveis pelas pesquisas, e, juntamente
à CONEP, decidem quais pesquisas podem ser realizadas, observando os
princípios éticos e metodológicos. Nesse contexto, as pesquisas com
cooperação estrangeira, ou as pesquisas clínicas que visam a encontrar novos
fármacos ou medicamentos, somente são aprovadas se o participante da
pesquisa e seu país tiverem algum benefício direto.
Além disto, a Resolução CNS 196/96, e as resoluções complementares,
assim como diversos outros documentos nacionais e internacionais,
respaldam os CEP legalmente, para requisitar aos pesquisadores que, ao
término dos estudos nesta área, o medicamento em teste seja garantido e
disponibilizado à população que participou da pesquisa.
Ao analisarmos os questionários, observamos que a preocupação com
a disponibilidade da droga, após o termino da pesquisa é identificada pelo
entrevistado M-03E:
“Quando analiso projeto, cobro que esteja claro no protocolo e no
TCLE, que a medicação será garantida ao voluntário e que o fornecimento da
89
droga terá continuidade sem ônus ao paciente após o término da pesquisa.”
(M-03E - questionário).
Em relação ao viés em pesquisas, ressaltamos que a preocupação
relatada por um dos nossos entrevistados foi discuta por Chalmers (2004),
Chan et al. (2004), Dickersin (2004), além de vários outros autores, os quais
consideram que os vieses tendem a levar a conclusões de que os tratamentos
médicos são mais eficazes do que eles são na verdade. Podendo, resultar em
sofrimento desnecessários e óbito, desperdício de recursos com tratamentos
sem eficácia e muitas vezes de alta periculosidade. A percepção do nosso
entrevistado M-03B ilustra com muita similaridade os estudos citados na
literatura internacional:
“Os conflitos acabam gerando viés e comprometem o financiamento de
todas as pesquisas, interferem na assistência e em todas as áreas da saúde.”
(M-03B - entrevista individual e questionário).
Os almoços grátis, amostras de medicamentos, fins de semanas em
resort e uma infinidade de outros mimos concedidos aos médicos, para que
prescrevam os medicamentos de uma determinada empresa é algo que
chamou muito a atenção dos nossos entrevistados. Ressaltamos duas falas
que consideramos marcantes sobre essa questão:
“Todos os médicos (...) que eu conheço (...) TODOS participam de no
mínimo 8 a 10 congressos nacionais e internacionais, viagens de férias. Eu
tento falar com o médico. Aí dizem “O Doutor está em Miami”. E eu pergunto:
Fazendo o que? Me responderam: “Em congresso.” “Perai”, mas não tem
nenhum congresso em Miami. (...) Depois a gente fica sabendo que o médico
passou 15 de férias em Miami, em hotel 5 estrelas, tudo pago pelo laboratório,
que são fortíssimos .” (R-01 - entrevistado em grupo).
“É uma máfia, onde vários estão imbricados, quem fabrica, vende, faz a
propaganda e prescreve, até as farmácias ganham com isso, porque informam
90
ao laboratório o cadastro do médico quando a receita chega ao balcão.” (M-
03C - entrevistado individualmente).
O assunto vem sendo amplamente discutido pelas associações
médicas estadunidenses, a este exemplo, a No Free Lunch (2009), que
defende a prática médica dissociada da promoção da indústria farmacêutica.
Moynihan (2003b) classifica como sedutora a ação dos propagandistas nos
consultórios médicos e ambulatórios de hospitais e listou os 15 métodos mais
utilizados pelas indústrias farmacêuticas que influenciam a prescrição médica.
Lamentavelmente, essa prática assola também o Brasil e foi apresentada da
seguinte maneira por nosso entrevistado M-03:
“Passou da hora de colocarmos um freio na festa dos contratos de
gaveta entre prescritores e indústria farmacêutica.” (M-03C - entrevistado
individualmente).
Ainda de acordo com três (03) dos nossos entrevistados, citamos a
seguir as falas extraídas dos questionários, que ilustram a percepção destes
acerca dos conflitos que devem ser objeto de controle:
“Financiamento de pesquisa não-declarado pelo pesquisador.” ((M-03D
- questionário).
“Financiamentos pessoais recebidos pelo pesquisador e fornecimento
de medicação para pesquisa sem que haja garantia de continuidade após o
término do estudo .” ((M-03E - questionário).
“Obtenção de benefícios indiretos, independentemente do cargo ou
função que desempenha o profissional.” ((M-03F - questionário).
91
3.2. Bloco 2. Pergunta 02. Que conteúdo deve ter uma política de manejo
em termos de propósitos, princípios, escopo e procedimentos?
Nas respostas dos entrevistados, fica evidente a necessidade de
monitorar as pesquisas aprovadas pelos CEP, CONEP e ANVISA, levando em
consideração principalmente o bem-estar do Usuário do sistema público de
saúde, o paciente ou voluntário de pesquisa, que são pessoas em sua grande
maioria vulneráveis em todos os aspectos: social, político e biológico.
Na concepção do entrevistado M-03B, o conteúdo de uma política deve
ser completo e incluir até mesmo o tipo de relacionamento financeiro com as
indústrias farmacêuticas:
“É fundamental que a política abranja a todos e seja o mais explicita
possível, minuciosa em relação ao que pode e o que não deve ser aceito,
principalmente quanto aos fomentos oriundos das indústrias farmacêuticas.”
(M-03B - entrevista individual e questionário).
As respostas dos entrevistados em grupo e individualmente, e também
aqueles que responderam ao questionário se assemelham com os estudos
citados na literatura. O caminho sinalizado pelos entrevistados é a busca pela
gestão dos conflitos e implantação de uma política “não-engessada”, mas que
possa dialogar com os personagens envolvidos neste cenário. Segundo
comentado o entrevistado M-03B:
“O manejo se torna difícil porque a questão cultural pesa muito.
Incomoda-me essa maldita corrupção, pois ela afeta todos os segmentos da
sociedade. A saúde é um bem-estar biopsicossocial, não podemos pensar o
sujeito isoladamente, o ser humano é um conjunto.” (M-03B - entrevista
individual e questionário).
Consideramos que é imprescindível ouvir a todos os segmentos da
sociedade civil e organizada, em benefício de uma política coletiva. A urgência
92
de uma discussão conjunta fica evidente nas falas dos entrevistados M-03A,
M-03C e M-01D ao reafirmarem que:
“Uma política deve visar à proteção dos Usuários respeitando os
princípios éticos já em uso”. (M-03A - entrevistado individualmente).
“Uma política de manejo de conflitos de interesse deve ter preocupação
com o sujeito vulnerável de pesquisa. O ser humano em primeiro lugar
sempre.” (M-03C - entrevistado individualmente).
“Eu acho necessário o monitoramento das pesquisas aprovadas, em
atuação conjunta que envolva a CONEP, os CEP e a Instituição.” (C-04 -
entrevistado em grupo).
“Eu acho que pensar uma política é pensar os mecanismos de controle
das pesquisas que transcende os Comitês de Ética. É pensar como dar
visibilidade ao usuário, aos Serviços, a população de um modo geral sobre as
pesquisas.” (M-01D - entrevistado em grupo).
3.3. Bloco 3. Pergunta 03. Como envolver os diversos segmentos da
sociedade na discussão dos conflitos de interesses, especificamente os
pesquisadores?
A partir das respostas dos entrevistados, evidenciamos que a discussão
dos conflitos deve ser feita dentro e fora da universidade, inclusive com a
participação de pacientes. Além disto, a discussão deve preferencialmente
contar com profissionais de diversas áreas tais como do Direito, filosofia
dentre outros. Exemplificamos com os discursos que marcaram nossa
afirmativa:
“Devemos levar a discussão para dentro da universidade e envolver
também os pacientes.” (M-03A - entrevistado individualmente).
93
“Sugiro discutir o tema conflito de interesses em fóruns diversificados,
convidar outros profissionais para o debate, além de médicos, não—médicos,
mas principalmente debatermos com os filósofos, advogados e bioeticistas.”
(M-03B - entrevistado individualmente).
“O primeiro passo vocês já deram com esta pesquisa. Acho que vocês
devem levar a pesquisa à diante, discutir os resultados desta etapa. Fácil não
é, mas servirá inclusive para fazer os pesquisadores refletirem sobre essa
história do pagamento de congressos, estadia em hotéis luxuosos, almoços
grátis, amostra-grátis, consultorias, vantagens pessoais e familiares e tantas
outras coisas.” (M-03C - entrevistado individualmente).
Brennan et al. (2006), propuseram uma política de manejo dos conflitos
nos Centros Médicos Acadêmicos dos Estados Unidos, visando à eliminação
dos conflitos existentes na relação entre os médicos e a indústria. As medidas
propostas focaram na proibição de brindes aos médicos pelos fabricantes de
medicamentos, próteses e dispositivos para a saúde, incluindo refeições e
pagamentos com viagens e programas de educação continuada.
Para Jibson (2006), é necessária melhor identificação dos papéis que
cada um representa (médico, preceptor, instituição, paciente, e indústria).
Segundo o autor, a educação médica desempenha um papel crucial na
resolução de conflitos de interesse na prática médica e durante a
comercialização de drogas. A percepção de um dos nossos entrevistados
corrobora com a literatura e traz ainda uma discussão maior à questão do
recrutamento de pacientes da esfera pública para atender ao setor privado, de
acordo com M-03B:
“O recrutamento de pacientes do setor público para o setor privado é
outra vergonha. Há prescritores que são cooptados pela indústria farmacêutica
e usam os pacientes públicos para aumentar seus lucros, porque o prescritor
não vai testar algo novo em um paciente rico, informado, culto, não. Ao invés
disto, o prescritor testa no pobre, miserável.” (M-03B - questionário).
94
Os acordos entre médicos e laboratórios existem e sempre vão existir.
A questão é dar visibilidade ao processo de maneira equânime, para que
pacientes, voluntários de pesquisas, representante de usuários e sociedade
civil possam participar dos debates. O processo deve ser inclusivo, e não
excludente, para que todos possam ser ouvidos, mesmo que não cheguemos
a um consenso. A experiência em Bioética nos ensinou que conflitos são
aqueles problemas cujas soluções lançam novos dilemas.
3.4. Bloco 4. Pergunta 04. Sugestões ou soluções apontadas para o
manejo dos conflitos de interesses
Este bloco reforça as falas anteriores dos nossos entrevistados e
finaliza com as sugestões ou soluções identificadas pelos mesmos para o
manejo ou gestão dos conflitos.
“Divulgação dos conflitos de interesses, quanto mais pessoas souberem
melhor.” (M-03A - entrevistado individualmente).
“Divulgar o que está sendo feito, quem está fazendo e como está sendo
feito é imprescindível. A comunicação é a mola propulsora.” (M-03B -
entrevistado individualmente).
“Discussão franca nos fóruns com a participação de outros profissionais
é fundamental. Aliado a isto, as ações dos CEP e da Instituição devem ser
divulgadas amplamente e em locais de fácil acesso para conhecimento de
todos. Não basta o relatório entre pesquisador CEP-CONEP.” (M-03B -
entrevistado individualmente).
“Transparência e ampla divulgação das ações do CEP e da Instituição
em locais de fácil acesso, para que as pesquisas desenvolvidas sejam de
95
conhecimento de todos e não de alguns poucos”. (C-04 - entrevistado em
grupo).
“Apresentar os resultados desta pesquisa em fóruns e buscar
mecanismos pra implantá-la.” (C-04 - entrevistado em grupo).
Segundo Palácios (2005) a reflexão sobre os conflitos deve incluir os
pesquisadores, os CEP, as instituições de pesquisa e os Usuários. Este é um
dos caminhos a ser percorrido, não esquecendo que esta batalha com a
indústria farmacêutica será árdua, com vantagens e desvantagens para todos
os envolvidos.
Medidas visando ao controle dos conflitos foram adotadas em diversos
países, tais como os Estados Unidos, Canadá e Reino Unido. Uma dessas
medidas é a utilização da declaração de conflitos, a exemplo do que é feito
desde 1998, pelo Food and Drug Administration (FDA), que exige a
explicitação dos vínculos pelos pesquisadores.
A transparência, a visibilidade e o apoio ao trabalho desempenhado
pelos CEP foram clamados pelos nossos entrevistados e constituem um
importante indício da necessidade de melhor atenção ao papel deste órgão na
instituição, principalmente assegurando boas condições de funcionamento. A
reafirmação da importância do papel dos CEP e a importância do trabalho
conjunto entre os Comitês, a CONEP e a Instituição é fundamental, para
alcançar resultados satisfatórios em benefício de todos. Citamos a seguir a
percepção de dois dos nossos entrevistados acerca deste assunto:
“Não basta delegar aos CEP esta função; é preciso uma atuação
conjunta que envolva a CONEP, os CEP e a Instituição.” (C-04 - entrevistado
em grupo).
96
“Falta este debate aqui nas regiões Sul e Sudeste imaginem em pontos
mais remotos deste Brasil. Preocupa-me e muito a falta de comunicação ou a
má utilização dela.”
Os depoimentos de nossos entrevistados estão em consonância com
dados encontrados na literatura. A este exemplo, Resnik (2004) deixa claro
que para reforçar e clarificar a obrigação legal de divulgar os conflitos de
interesse, os regulamentos federais devem ser alterados para incluir a
divulgação dos conflitos de interesse como um dos requisitos a integrar o
consentimento informado.
É preciso convidar para o debate os Conselhos Regionais de Medicina,
a Ordem dos Advogados do Brasil, os juízes, os administradores, os filósofos,
as organizações de defesa dos direitos dos pacientes, os representantes de
defesa do consumidor e etc., para que se possa pautar uma política de
manejo compatível com as normas e Leis em vigor do Brasil. De acordo com
M-03C:
“O diálogo deve estar presente, a ética em pesquisa deveria ser
discutido nas Escolas, nos cursos de graduação e sempre incluir os currículos.
A universidade ter implementado este tema nos currículos é um ótimo
indicador, mas ampliar a discussão é fundamental. Temos pessoas atuantes
no campo da área em pesquisa neste Brasil, precisamente aqui no Rio de
Janeiro.” (M-03C - entrevistado individualmente e questionário).
Todos os entrevistados foram importantes para esta pesquisa, assim
como as sugestões identificadas pelos mesmos sobre os conflitos de
interesses em sua prática cotidiana.
Reunir os depoimentos e os questionários, e analisá-los
minuciosamente foi uma tarefa laboriosa e muito prazerosa. Destacar, entre
todos os que integraram nossa amostra, uma fala que sintetizasse a
percepção de todos os CEP que participaram da pesquisa, foi mais difícil
ainda, mas esperamos ter alcançado nossos objetivos e deixamos o seguinte
97
depoimento que muito nos marcou, pois traduz a necessidade de
desdobramento desta pesquisa:
“Que esta pesquisa tenha continuidade e possa ser implantada pela
universidade como iniciativa pioneira de pessoas preocupadas não apenas
com o crescente assédio das indústrias farmacêuticas, mas principalmente
com os seres humanos vulneráveis. Sucesso e lutem pelo que acreditam,
porque ser ético neste País é mais que uma batalha, é uma guerra.” (M-03C -
entrevistado individualmente e questionário).
98
CAPÍTULO 4
CONCLUSÃO
As considerações éticas exigem plena divulgação dos conflitos de
interesses intrínsecos nas pesquisas acadêmicas, tema a ser destacado na
investigação científica, revistas, jornais e outros meios de comunicação, e
também requerem adequada gestão de tais conflitos pelas instituições. Os
conflitos de interesse são inerentes à maioria dos relacionamentos entre os
indivíduos e destes com as empresas, e certamente, a pesquisa envolvendo
seres humanos não é exceção.
As falas dos nossos entrevistados em muito se assemelham com os
textos discutidos em nossa revisão da literatura sobre os conflitos. Mais que
isso, os membros dos CEP entrevistados clamam por uma maior
sensibilização para os conflitos de interesses nas pesquisas, e nos serviços de
saúde, não apenas no Rio de Janeiro, local de realização desta pesquisa, mas
para a gestão dos conflitos no Brasil, já que está é uma preocupação mundial.
Pouco se sabe sobre a natureza, extensão e conseqüências das
relações financeiras entre a indústria e os pesquisadores brasileiros. Muitas
vezes, a participação de pesquisadores do país de acolhimento é restrita a
realização dos estudos em fase III ou IV. Por isso, é fundamental a atualização
permanente às questões éticas e bioéticas, especialmente os países em
desenvolvimento, como é o caso do Brasil.
As relações entre patrocinadores e pesquisadores foram muito
comentadas pelos nossos entrevistados. A literatura nos mostrou como esta
preocupação incômoda é uma questão mundial. Portanto, o Brasil está
inserido neste contexto e vem se preocupando cada vez mais com a
explicitação destas relações, inclusive quanto aos aspectos inerentes à autoria
99
e a publicação dos dados de pesquisa, propriedade intelectual e participação
nos benefícios econômicos gerados pelas descobertas em parcerias. As
relações entre todos os personagens devem se basear no compartilhamento
de informações e na confiança mútua. Neste sentido, as resoluções
complementares do CNS podem ser utilizadas como ferramentas legais para
os convênios técnico-científicos.
Nossos entrevistados reafirmam, assim como se vê na literatura, a
importância do CEP. Mas chamam a atenção para o fato de que há muitos
membros de CEP sem formação em ética, além da ausência de recursos
financeiros e administrativos específicos para os Comitês. Diversos
entrevistados clamam para que haja mais esforço no sentido de viabilizar
programas de capacitação, que incluam o tema Bioética para estas
comissões. O trabalho desempenhado pelos CEP depende de duas condições
essenciais: legitimidade e infra-estrutura adequada, esta última incluindo
equipe preparada, facilidades operacionais, organizacionais e orçamento
próprio.
A implantação de um CEP representa um importante avanço, nas
considerações éticas relativas à responsabilidade social. Historicamente, os
CEP nascem como resposta da cultura contemporânea às implicações morais
das tecnociências biomédicas. Por isso, as discussões sobre a ética em
populações vulneráveis devem fazer parte da formação de todos os
profissionais da Saúde e da Educação visando a prepará-los para observância
dos preceitos bioéticos.
A melhor maneira de assegurar a integridade do processo de pesquisa
é que revisores, autores, editores e representantes de Usuários evitem
vínculos que comprometam sua autonomia. Caso não seja viável, a decisão
recomendada é declarar todos os tipos de conflitos de interesses para não
comprometer a pesquisa.
No contexto brasileiro, é de fundamental importância reconhecer a força
e a legitimidade dos CEP, parceiros no processo de revisão ética e co-
responsáveis pelas pesquisas com seres humanos.
100
Recomendações
Com base no que vimos durante a pesquisa, fizemos as
recomendações a seguir:
1. Sugerimos a realização de mais pesquisas sobre a gestão dos
conflitos de interesses no Brasil, para que possamos aprofundar nossos
conhecimentos a respeito;
2. Criar um mecanismo para facilitar a divulgação dos conflitos de
interesses é uma alternativa possível. Os exemplos de outros países podem
nos ajudar a construir o(s) nosso(s). O caminho é tornar transparente a
relação conflituosa.
3. Criar mecanismos de avaliação do impacto das ações dos CEP, com
aferição da adesão às normas, da repercussão e sensibilização para o
trabalho desempenhado pelos Comitês.
4. Regulamentação mais estreita, incluindo a eliminação ou modificação
das práticas comuns relacionadas com pequenos presentes, amostras grátis
de medicamentos.
5. Constituir núcleos de pesquisas clínica e básica para conduzir
estudos direcionados para o interesse público do Brasil, com foco nas
doenças negligenciadas.
6. Incentivar jovens pesquisadores sobre o papel que representam nos
centros de pesquisa e para o desenvolvimento da Ciência.
7. Melhorar o diálogo entre a CONEP e os CEP, de forma mais
integrada e participativa. Se a interface for repensada, o intercâmbio dos CEP
com os pesquisadores certamente será promissor para todos da sociedade,
101
inclusive para os pacientes, voluntários, pesquisadores e instituições de
ensino e pesquisa.
8. A CONEP deveria auxiliar os CEP no processo de divulgação de
suas ações, formular ferramentas para tornar explicito os projetos aprovados
pelos CEP, em cada instituição, de maneira que os Usuários tenham
conhecimento das pesquisas que estão em andamento naquele local. A
Plataforma Brasil não supre esta recomendação, pois, a nosso ver, depende
do paciente ou voluntário ter acesso a internet. É fundamental que haja
transparência, explicitação e informação.
102
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122
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Centro de Ciências da Saúde
INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA
Questionário para Membros de CEP
Código CEP: ______
Projeto: Ética em pesquisa: O conflito de interesses na assistência e na
pesquisa no contexto da produção de medicamentos em uma universidade
brasileira
I – DADOS PESSOAIS E DE TRABALHO
1.1. Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino 1.2. Faixa Etária: ( )<30 ( ) Entre 31-40 ( ) Entre 41-50 ( ) Entre 51-60 ( ) 61 ou mais 1.3. Escolaridade: ( ) Nível Médio Completo ( ) Nível Médio Completo ( ) Superior completo ( ) Superior incompleto ( ) Pós-graduação completo ( ) Pós-graduação incompleto 1.4. Qual sua área de formação? 1.5. Tempo de Formação 1.6. Tem vínculo com a Universidade?
Apêndice I
123
( ) Sim Que cargo que ocupa? Há quanto tempo? ( ) Não Onde trabalha? Há quanto tempo? Caso você tenha vínculo com a Universidade responda as questões de 1.7 a 1.13. 1.7. Descreva suas atividades de ensino: Na graduação: Na residência: Na pós graduação Lato Sensu: Na pós graduação Stricto Sensu: 1.08. O(A) Sr(a) tem atividades de pesquisa? ( ) Sim Linhas de Pesquisa em que atua? É bolsista de produtividade do CNPq? ( ) Sim Nível: ( ) Sênior ( ) 1A ( ) 1B ( ) 1C( ) 1D ( ) 2 ( ) Não 1.09. Em quantos projetos de pesquisa está envolvido? ___ projetos. Em quantos é: Pesquisador Responsável: Pesquisador: Colaborador: Consultor: Outros: 1.10. Participa ou participou de pesquisas financiadas pela indústria (farmacêutica ou de equipamentos ou insumos)? ( ) Sim ( ) Pesquisa básica: ( )Pesquisa Clínica: ( ) Não 1.11. O(A) Sr(a) tem atividades de assistência? ( ) Sim ( ) Ambulatório ( ) Enfermaria ( ) Apoio diagnóstico ( ) Não 1.12. O(A) Sr(a) tem atividades de gestão ou administrativas? ( ) Sim ( ) Atividades administrativas. Especifique: ( ) Gestão na unidade acadêmica. Especifique: ( ) Gestão na unidade suplementar. Especifique: ( ) Não 1.13. Participações no último ano fora da estrutura universitária (membro de comissão, comitê, diretoria de sociedade e/ou associação)? Especifique: Período:
II- ATIVIDADE NO CEP
2.1. Função no CEP: ( ) Membro Titular ( ) Membro Suplente
124
2.2. Representante do usuário? ( ) Sim Vinculado a alguma associação específica? ( ) Sim Qual? Há quanto tempo? 2.3. Há quanto tempo atua no CEP? 2.4. Como veio compor o CEP? ( ) Convidado ( ) Indicado ( ) Eleito ( ) Outros: 2.5. Participa (participou) de alguma atividade/evento em ética em pesquisa nos últimos três anos? ( ) Sim Em qual Instituição? Ano: Carga horária: Patrocinada: ( ) Pela indústria ( ) Por agência de fomento nacional ( ) Por agência de fomento estrangeira ( ) Por outra organização: ( ) Não 2.6. Quantos projetos relata em média por reunião? 2.7. Quais os tipos de projetos costuma relatar? (de alguma especialidade, de um dos grupos I, II ou III da CONEP) 2.8. Descreva como é a discussão dos protocolos na reunião do CEP. Há mudanças nos pareceres iniciais? ( ) Sim Em que situações? ( ) Não 2.9. Qual a opinião do(a) Sr.(a) acerca do trabalho desempenhado pelo CEP? (vantagens e desvantagens para comunidade acadêmica, sujeitos de pesquisa e instituição). 2.10. Em sua opinião, quais as vantagens e desvantagens da pesquisa científica envolvendo humanos para: A instituição: Os sujeitos de pesquisa: O Pesquisador principal: Os outros pesquisadores: Os colaboradores (fora da instituição): 2.11. Quais são os financiadores das pesquisas que são avaliadas em seu CEP? Privados Nacionais: Privados Internacionais: Públicos Nacionais: Públicos Internacionais:
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2.12. A seguir estão listados alguns benefícios oferecidos pelos patrocinadores de pesquisa aos pesquisadores. O(A) Sr.(a) acredita que tais benefícios podem influenciar alguma decisão de médicos em relação a seus pacientes (escolha de medicamento, inclusão de paciente em pesquisa, etc.)? Por favor, informe o quanto o(a) Sr.(a) acredita que o benefício da coluna 1 possa influenciar de 0 (não influencia nada) a 5 (influencia muito). Esses benefícios devem ser avaliados pelo CEP como conflito de interesses?
Benefícios pessoais Grau de influência sobre a decisão do médico?
Deve ser avaliado pelo
CEP como conflito de
interesses?
Bolsa pessoal 0 1 2 3 4 5 ( ) Sim ( ) Não
Financiamentos 0 1 2 3 4 5 ( ) Sim ( ) Não
Consultorias 0 1 2 3 4 5 ( ) Sim ( ) Não
Emprego 0 1 2 3 4 5 ( ) Sim ( ) Não
Propriedade de ações da empresa
0 1 2 3 4 5 ( ) Sim ( ) Não
Fellowships 0 1 2 3 4 5 ( ) Sim ( ) Não
Participação em comitê consultor
0 1 2 3 4 5 ( ) Sim ( ) Não
Convites para palestras 0 1 2 3 4 5 ( ) Sim ( ) Não
Viagens a congressos nacionais
0 1 2 3 4 5 ( ) Sim ( ) Não
Viagens a congressos Internacionais
0 1 2 3 4 5 ( ) Sim ( ) Não
Diárias 0 1 2 3 4 5 ( ) Sim ( ) Não
Hospedagem 0 1 2 3 4 5 ( ) Sim ( ) Não
Benefícios extensivos a familiares
0 1 2 3 4 5 ( ) Sim ( ) Não
Honorários outros. 0 1 2 3 4 5 ( ) Sim ( ) Não
Possibilidade de registro de patente (royalties ou financiamentos pessoais)
0 1 2 3 4 5 ( ) Sim ( ) Não
2.13. Quando se trata de estudos multicêntricos, o(a) Sr.(a) avalia os acordos sobre propriedades dos dados? ( )Sim Quais são os principais elementos que o(a) Sr.(a) observa nestes acordos: Quando o patrocinador é a indústria: Agências de fomento internacionais: Outros financiamentos: ( ) Não
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2.14. O(A) Sr.(a) vê problema ético na questão da propriedade dos dados de pesquisa?
( ) Sim Qual? ( ) Não 2.15. Nas pesquisas que o CEP avalia, há algum controle se os resultados foram publicados? ( ) Sim Que tipo de controle? ( ) Não 2.16. O(A) Sr.(a) tem conhecimento de alguma pesquisa aprovada pelo CEP cujos resultados não foram publicados? ( ) Sim Por que não foram publicados? Como o CEP tomou conhecimento? Que medidas adotou o CEP? ( ) Não 2.17. Sobre a ação dos representantes dos laboratórios (propagandistas) em que situações o(a) Sr.(a) vê problemas éticos?
Benefícios pessoais Na Universidade No Consultório Em eventos Amostra grátis ( ) Sim ( ) Não ( ) Sim ( ) Não ( ) Sim ( ) Não Financiamento almoço grátis
( ) Sim ( ) Não ( ) Sim ( ) Não ( ) Sim ( ) Não
Viagens a congressos nacionais
( ) Sim ( ) Não ( ) Sim ( ) Não ( ) Sim ( ) Não
Viagens a congressos Internacionais
( ) Sim ( ) Não ( ) Sim ( ) Não ( ) Sim ( ) Não
Diárias ( ) Sim ( ) Não ( ) Sim ( ) Não ( ) Sim ( ) Não Hospedagem ( ) Sim ( ) Não ( ) Sim ( ) Não ( ) Sim ( ) Não Benefícios extensivos a familiares
( ) Sim ( ) Não ( ) Sim ( ) Não ( ) Sim ( ) Não
Convites para palestras
( ) Sim ( ) Não ( ) Sim ( ) Não ( ) Sim ( ) Não
Brindes até R$1.000,00
( ) Sim ( ) Não ( ) Sim ( ) Não ( ) Sim ( ) Não
Brindes acima de R$1.000,00
( ) Sim ( ) Não ( ) Sim ( ) Não ( ) Sim ( ) Não
Fornecimento de materiais, insumos e equipamento.
( ) Sim ( ) Não ( ) Sim ( ) Não ( ) Sim ( ) Não
OUTROS (indique abaixo)
2.18. Da relação entre indústria e assistência, especifique: Aspectos positivos: Aspectos Negativos: 2.19. Dos projetos avaliados no CEP, com relação ao recrutamento como, onde e quando são captados os sujeitos de pesquisa,
127
Quando há significativo benefício para o sujeito? – (quando não há ainda tratamento eficaz, tratamento revolucionário, ou seja, quando há uma grande vantagem em participar). Quando as vantagens do novo procedimento não são tão significativas, ou é uma pesquisa fase IV? 2.20. O CEP já recebeu alguma reclamação de sujeito de pesquisa que tenham sido incluídos indevidamente? ( ) Sim O que foi feito? ( ) Não E excluídos? ( ) Sim O que foi feito? ( ) Não 2.21. O CEP recebeu alguma denúncia relativa aos projetos de pesquisa? ( ) Sim Descreva a(s) situação (ões) ( ) Não 2.22. O CEP já recebeu alguma reclamação sobre sua atuação? ( ) Sim De quem? ( )CONEP ( ) Sujeito de Pesquisa ( ) Direção ( ) Outros Descreva as situações. O que foi feito? ( ) Não
III- CONFLITO DE INTERESSES
3.1. O (A) Sr.(a) acha que existe algum Conflito de Interesses relacionado a quem faz pesquisa? ( ) Sim Descreva as situações. ( ) Não 3.2. O que caracteriza o Conflito de Interesses na pesquisa clínica? Poderia dar exemplo(s) de situações de Conflito de Interesses presentes no(s) protocolo(s) que analisou?
3.4. Como o CEP intervém nas situações de Conflito de Interesses? 3.5. Em sua opinião, o Conflito de Interesses pode ser controlado/ evitado? ( ) Sim Que tipo de papel a Universidade pode ter neste controle? E a ANVISA? E a CONEP? ( ) Não 3.6. Que fatores o(a) Sr.(a) acredita serem capazes de influenciar a decisão de participar do sujeito de pesquisa?
128
3.7. Os membros de CEP podem estar expostos a situações de Conflitos de Interesses? ( ) Sim Como o(a) Sr.(a) os caracterizaria? ( ) Não 3.8. O membro de CEP sofre algum tipo de pressão de pesquisadores, gestores e/ou financiadores? ( ) Sim Especifique: ( ) Não 3.9. Acha que alguma dessas situações de Conflito de Interesses podem influir negativamente sobre o cuidado oferecido ao paciente? ( ) Sim Justifique: ( ) Não 3.10. Que outras propostas o(a) Sr.(a) apresentaria para monitorar/controlar os Conflitos de Interesses?
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Centro de Ciências da Saúde
INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE
Título: Ética em pesquisa: O conflito de interesses na assistência e na pesquisa no contexto da produção de medicamentos em uma universidade brasileira
Você foi selecionado a participar do projeto de pesquisa “Ética em pesquisa:
O conflito de interesses na assistência e na pesquisa no contexto da produção de medicamentos em uma universidade brasileira”, de responsabilidade da pesquisadora Marisa Palácios.
O projeto tem como objetivo estudar o conflito de interesses na assistência e na pesquisa no complexo hospitalar. A idéia é identificar e caracterizar de que maneira interesses secundários podem influenciar as decisões de médicos em detrimento de melhor atendimento dos pacientes. Como resultado final, o projeto pretende oferecer subsídios para elaboração de uma proposta de manejo de conflito de interesses. Serão entrevistados profissionais de saúde, alunos e pacientes com perguntas sobre conflito de interesses.
Devido à escassa reflexão sobre o tema Conflito de Interesses no Brasil, faz-se necessário desenvolver pesquisas relacionadas ao tema, a fim de tornar visíveis os conflitos, refletindo e estabelecendo acordos sobre o que é possível e o que não deve ser permitido nas pesquisas em saúde, oferecendo assim mais segurança aos sujeitos de pesquisa e mais credibilidade aos resultados de pesquisas nesta área.
Você participará da pesquisa respondendo a um dos quatro questionários (sujeito de pesquisa, alunos, membros de CEP e pesquisadores) correspondente a sua categoria. Trata- se de um questionário semi-estruturado, contendo perguntas abertas e fechadas. A aplicação dos questionários será feita pela equipe de trabalho de campo, que está devidamente treinada. O período de coleta de dados será de setembro a dezembro de 2009.
Quanto aos riscos da pesquisa, poderá haver constrangimentos com relação às situações não adequadas eticamente que serão levantadas. Esse risco será minimizado com o total anonimato. Quando situações forem apresentadas para
Instituição responsável: Instituto de Estudos em Saúde Coletiva / IESC: (21) 2598-9293 Universidade Federal do Rio de Janeiro / UFRJ
Pesquisadora responsável: Marisa Palácios Prof. Adjunta Faculdade de Medicina da UFRJ CPF- 462371277-04 RG 52-42010-5
Apêndice II
130
discussão, procurar-se-á fazer de forma a não ser possível identificar e expor qualquer funcionário ou paciente. O principal benefício para os participantes será ter um conjunto de informações sobre o complexo hospitalar que poderá resultar em melhoria das condições de exercício profissional. O projeto de pesquisa será apresentado aos CEP das unidades hospitalares, e somente será iniciada a pesquisa após sua aprovação.
Seu nome não constará no questionário e não será utilizado de maneira nenhuma em qualquer momento da pesquisa, o que garante o anonimato. Os resultados contribuirão para a caracterização dos conflitos de interesses e das situações que o favorecem ou dificultam para a elaboração de uma política de manejo de conflito de interesses. O material ficará arquivo pelo período de 5 (cinco) anos no CEP/IESC. Após esse período o material será destruído.
Sua participação é voluntária e você poderá recusar-se a participar ou retirar seu consentimento a qualquer momento da pesquisa. Você não terá qualquer penalização por isso.
O Termo só deverá ser assinado mediante ao esclarecimento de toda e
qualquer dúvida, que poderá ser explicada pela pesquisadora Marisa Palácios no telefone 9997- 5677, através do email [email protected], ou nos CEP correspondentes a instituição da pesquisadora e a unidade hospitalar.
Eu, _______________________________________________________
declaro ter sido informado e concordo em participar, como voluntário, do projeto de
pesquisa acima descrito.
______________________________________________ Nome e assinatura do participante voluntário do projeto
Rio de Janeiro, _____ de ____________ de _______.
131
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Centro de Ciências da Saúde
INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA
ROTEIRO DE ENTREVISTAS
O que se pretende discutir nesta conversa são os seguintes questionamentos
a partir da percepção dos integrantes de CEP (Coordenador, membros,
Representante de Usuários e Secretário) em sua prática cotidiana:
1. Quais conflitos de interesses devem ser objeto de controle?
2. Que conteúdo deve ter uma política de manejo em termos de propósitos,
princípios, escopo e procedimentos?
3. Como envolver os diversos segmentos da sociedade na discussão dos
conflitos de interesses, especificamente os pesquisadores?
4. Sugestões ou soluções apontadas para o manejo dos conflitos de
interesses.
Apêndice III