Download - Trauma Raquimedular

Transcript

Medicina, Ribeiro Preto, 32: 388-400, out./dez. 1999

Simpsio: TRAUMA II Captulo II

TRAUMA RAQUIMEDULAR

SPINAL CORD INJURIES

Helton L. A. Defino

Docente da Disciplina de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo Correspondncia: Disciplina de Ortopedia e Traumatologia Av. Bandeirantes, 3900 11 andar Ribeiro Preto SP CEP: 14048-900 Fone: (0xx16) 602-3224/ 633-7559 Fax (0xx16) 633-0336 email: [email protected]

DEFINO HLA.

Trauma raquimedular. Medicina, Ribeiro Preto, 32: 388-400, out./dez. 1999.

RESUMO: O trauma raquimedular uma leso que predomina em adultos jovens do sexo masculino e, pelas caractersticas da sua etiologia, sua preveno pode ser muito efetiva, por meio de campanhas de esclarecimentos junto populao e adoo de medidas de segurana individuais ou coletivas. A abordagem teraputica do TRM deve ser multidisciplinar, desde o momento do resgate e remoo dos pacientes at a sua fase final de reabilitao. At o momento, no existe nenhum tratamento efetivo capaz de restaurar as funes da medula espinhal lesada. O tratamento realizado para a reabilitao dos pacientes, de modo que todos os esforos devem ser realizados na preveno desse tipo irreversvel de leso. UNITERMOS: Traumatismos da Medula Espinhal. Traumatismo da Coluna Vertebral.

1. INTRODUO A leso da medula espinhal (LME) ocorre em cerca de 15 a 20% das fraturas da coluna vertebral e a incidncia desse tipo de leso apresenta variaes nos diferentes pases. Estima-se que, na Alemanha, ocorram anualmente dezessete (17) casos novos por milho de habitantes, nos EUA, essa cifra varia de trinta e dois (32) a cinqenta e dois (52) casos novos anuais por milho de habitantes e, no Brasil, cerca de quarenta (40) casos novos anuais por milho de habitantes, perfazendo um total de seis (06) a oito (08) mil casos por ano, cujo custo aproximado de U$ 300,000,000,00 por ano(1,2). A leso ocorre, preferencialmente, no sexo masculino, na proporo de 4:1, na faixa etria entre 15 a 40 anos. Acidentes automobilsticos, queda de altura, acidente por mergulho em gua rasa e ferimentos por arma de fogo tm sido as principais causas de trauma388

tismo raquimedular (TRM). A freqncia dos TRM em decorrncia de ferimentos por projteis de arma de fogo tem aumentado de modo considervel, refletindo o alto nvel de violncia nos grandes centros, e a relao entre a velocidade dos veculos no momento da coliso e a ocorrncia de fraturas da coluna toracolombar foram demonstradas em estudos de percia tcnica, realizados aps os acidentes automobilsticos( 3 ). Em nossa cidade e regio, o mergulho em guas rasas representa uma importante causa de TRM, tendo sido observados sessenta e nove (69) casos entre 1989 a 1996, com o predomnio desse tipo de leso em pessoas jovens do sexo masculino, principalmente durante o vero. A anlise das principais causas de TRM em nossa cidade (acidente automobilstico, queda de altura e mergulho em gua rasa) demonstrou que esse tipo de leso passvel de preveno e poderia apresentar reduo de sua incidncia por meio de campanhas pre-

Trauma raquimedular

ventivas e de esclarecimento junto populao, de modo que a iniciativa da Liga do Trauma no tocante preveno desses traumatismos deve ser estimulada para que seja um trabalho contnuo e que procure, de modo crescente, atingir de maneira eficiente o maior nmero possvel de pessoas em nossa cidade. Como exemplo da importncia do esclarecimento junto populao, podemos citar que a entrevista com doze (12) pacientes vtimas de TRM por mergulho em gua rasa revelou que todos desconheciam a possibilidade da ocorrncia desse tipo de acidente, bem como de suas conseqncias, pois a preocupao em relao ao lazer aqutico estava voltada para o afogamento e no para outro tipo de trauma da coluna cervical(4). A localizao anatmica da leso est diretamente relacionada ao mecanismo de trauma e cerca de 2/3 das leses medulares esto localizadas no segmento cervical. Leses da medula na regio torcica ocorrem em 10% das fraturas desse segmento e em 4% das fraturas da coluna toracolombar(5).2. CONSIDERAES ANATMICAS

A coluna vertebral formada por trinta e trs (33) a trinta e quatro (34) vrtebras (07 cervicais, 12 torcicas, 05 lombares, 05 sacrais e 04 ou 05 coccgeas). O forame ou conduto vertebral formado pela parede posterior do corpo vertebral e parede anterior do arco vertebral, e a superposio dos vrios forames vertebrais forma o canal raqudeo, que aloja e protege a medula espinhal. A medula espinhal, nos adultos, possui cerca de 45 cm e estende-se desde a altura do atlas (C1) at a primeira ou segunda vrtebra lombar. A medula espinhal afila-se para formar o cone medular, do qual se estende um filamento delicado, denominado de filum terminale, que se insere prximo ao primeiro segmento coccgeo. Na parte baixa do canal vertebral, descendem as razes dos nervos espinhais caudais, que, juntamente com o filum terminale, formam a cauda eqina, que tem o seu incio no nvel de T11 e termina, caudalmente, no nvel do terceiro seg-

mento sacral, ocupando sozinha o canal vertebral abaixo de L2. (Figura 1) A medula espinhal est dividida em segmentos e as razes nervosas que emergem da medula no nvel de cada segmento so designadas por algarismos que se referem ao nvel de sua sada. Trinta e um pares de nervos espinhais originam-se da medula espinhal (08 cervicais, 12 torcicos, 05 lombares, 05 sacrais e 01 coccgeo). O primeiro par de nervo espinhal emerge entre o occipital e o atlas (C1), de modo que, na coluna cervical, o nervo emerge, cranialmente, junto a sua vrtebra correspondente. Somente a partir do primeiro segmento torcico, o nervo espinhal emerge caudal sua vrtebra correspondente. Cada raiz nervosa recebe informaes sensitivas de reas da pele denominadas de dermtomos e, similarmente, cada raiz nervosa inerva um grupo de msculos denominados de mitomos. A localizao do segmento da medula espinhal no est na mesma altura do segmento sseo vertebral correspondente; como exemplo, observamos que o segmento medular C8 est localizado no nvel entre C6C7 e o segmento medular T12 no nvel de T10. (Figura 1) A medula espinhal um grande condutor de impulsos nervosos sensitivos e motores entre o crebro e as demais regies do corpo. A medula espinhal possui tratos orientados longitudinalmente (substncia branca) circundando reas centrais (substncia cinzenta) onde a maioria dos corpos celulares dos neurnios espinhais esto localizados. Ao corte transversal, a substncia cinzenta apresenta a forma de H e pode ser subdividida em corno anterior, lateral e posterior. No corno anterior, esto localizados os corpos celulares dos neurnios motores e visceromotores (aferentes), no corno posterior os neurnios sensitivos (eferentes) e no corno lateral os neurnios do sistema simptico. As fibras motoras, oriundas do corno anFigura 1- Desenho, ilustrando a relao entre as vrteterior, juntam-se s fibras sensitivas do bras, a medula espinhal e as corno posterior para formar o nervo razes nervosas. espinhal. 389

HLA Defino

Os tratos da substncia branca constituem vias nervosas ascendentes e descendentes, que conduzem impulsos nervosos em direo ao crebro e de vrias partes do crebro para o resto do corpo (Figura 2). Os tratos mais importantes do ponto de vista clnico so os relatados a seguir. T r a t o espinotalmico ventral transmite impulsos relacionados ao tato. Possui origem na coluna posterior, cruza para o lado oposto na comissura anterior e ascende pelo funculo anterior at o tlamo. Figura 2 - Desenho, ilustrando os principais tratos da medula espinhal. 1. Fascculo grcil e cuneiforme; 2. Trato corticoespinhal lateral; 3. Trato espinocerebelar dorsal; T r a t o 4. Trato espinotalmico lateral; 5. Trato espinocerebelar ventral espinotalmico lateralmedia os impulsos da sensibilidade dolorosa e da temperatura do lado contralateral. Possui, tambm, origem 3. FISIOPATOLOGIA na coluna posterior, cruza para o lado oposto na A transferncia de energia cintica para a mecomissura anterior e ascende pelo funculo lateral ao dula espinhal, o rompimento dos axnios, a leso das tlamo. Clinicamente, pode ser avaliado, beliscando- clulas nervosas e a rotura dos vasos sangneos cause a pele ou por meio de estmulo com objetos pontia- sam a leso primria da medula espinhal, e, no estgio gudos, como agulha ou alfinete. agudo da leso (at 08 horas aps o trauma), ocorre Trato espinocerebelar ventral e dorsal- re- hemorragia e necrose da substncia cinzenta, seguida lacionados propriocepo, conduzem impulsos ao ce- de edema e hemorragia. Formam-se petquias hemorrebelo por meio da medula espinhal. rgicas na substncia cinzenta, logo no primeiro minuFascculos grcil e cuneiforme localizados to da LME, que se aglutinam dentro da primeira hora, na poro posterior da medula espinhal entre o sulco resultando na necrose central hemorrgica, que pode mediano posterior e sulco pstero-lateral, conduzem estender-se para a substncia branca nas 04 a 08 impulsos proprioceptivos, provenientes de msculos, horas seguintes, como conseqncia de uma reduo tendes e articulaes, impulsos tteis localizao e geral do fluxo sangneo no local da leso. A seguir, discriminao, e sensaes vibratrias, como as pro- clulas inflamatrias migram para o local da leso, duzidas pelo cabo do diapaso colocado sobre um osso acompanhadas de proliferao de clulas da glia, e, recoberto de pele. no perodo de 01 a 04 semanas, ocorre a formao de Trato corticoespinhal lateral e trato cor- tecido cicatricial e cistos no interior da medula espiticoespinhal ventral as vias piramidais transmi- nhal. tem o impulso motor para os motoneurnios do corA reduo do fluxo sangneo para o segmento no anterior, por meio do trato corticoespinhal lateral, lesado da medula espinhal pode ainda ser ocasionado que cruza para o lado oposto no bulbo, e do trato cor- por alterao do canal vertebral, hemorragia, edema ticoespinhal ventral, que desce sem cruzar para o lado ou reduo da presso sistmica, que conduzem oposto, na parte anterior da medula espinhal. Contro- leso adicional, denominada de leso secundria. Essa lam a fora motora e so testados por meio da contra- reduo do fluxo sangneo pode provocar a morte o voluntria ou contrao involuntria mediante es- das clulas e axnios que no foram inicialmente lesados. tmulo doloroso.

Dorsal

Ventral

390

Trauma raquimedular

A separao fsica dos tratos da medula espinhal, geralmente, no ocorre nos traumatismos no penetrantes da medula espinhal, tendo sido observada separao fsica dos axnios somente em alguns casos de ferimento por arma de fogo(6). A separao dos axnios um processo gradual, que ocorre no local da leso, aps alguns dias do traumatismo, sendo o resultado de uma srie de eventos patolgicos, relacionados leso da membrana celular e suas protenas, e no da separao fsica imediata do axnio. A interrupo da conduo do estmulo nervoso imediatamente aps o trauma, provocado pela energia cintica da leso, pode ser devida a uma despolarizao imediata da membrana do axnio, associada falha de sua repolarizao, que ocasiona perda de potssio pelo axnio(7). A isquemia do sistema nervoso central caracterizada por um grande influxo de clcio para as clulas(8), e reaes metablicas, como falha das mitocndrias e ativao das fosfolipases, proteases e adenosina trifosfatase ocorrem, e o resultado a perda de energia e colapso da membrana celular, que tambm mediado pela produo de radicais livres e ativao das fosfolipases e lipases. A impossibilidade da clula em converter completamente o oxignio para dixido de carbono e gua, promove a formao de radicais livres, que resulta em peroxidao lipdica e subseqente falha da membrana celular. Esses eventos justificam a utilizao da metilprednisolona nas primeiras 08 horas aps o TRM, que administrada com o objetivo de inibir a peroxidao lipdica(9). 4. AVALIAO CLNICA O atendimento do paciente no local do acidente de grande importncia para a sua avaliao inicial, reconhecimento de suas leses e preveno de leses adicionais durante o seu resgate e transporte para o local onde dever receber o atendimento definitivo. Devem ser sempre consideradas a presena de uma leso da coluna vertebral e a manuteno da imobilizao do paciente at que esse tipo de leso possa ser avaliado com segurana por meio de radiografias e outros exames complementares, quando necessrios. As leses instveis da coluna vertebral sem leso neurolgica, principalmente em pacientes politraumatizados, vtimas de colises em alta velocidade, inconscientes ou alcoolizados, possuem grande potencial de leso adicional das estruturas nervosas durante o resgate e transporte dos pacientes, existindo in-

meros exemplos clnicos de pacientes com quadro neurolgico normal aps o acidente, e que sofreram leso das estruturas nervosas durante o resgate e transporte. Em pacientes inconscientes e vtimas de coliso de automveis ou quedas, a possibilidade da coluna cervical estar lesada de 5 a 10% e observouse, no estudo de trezentos (300) pacientes portadores de fratura da coluna cervical, que cerca de 1/3 das fraturas no foram diagnosticadas no momento do atendimento inicial(10). A avaliao do paciente compreende a histria, exame fsico, exame neurolgico e exame radiolgico. A histria do trauma e informaes acerca do estado geral do paciente previamente ao trauma so de grande utilidade para auxiliar no esclarecimento do mecanismo de trauma e suas possveis leses associadas. A presena de traumatismo cranioenceflico, intoxicao alcolica, leses mltiplas, traumas da face e acima da clavcula aumentam a probabilidade da ocorrncia de fratura da coluna vertebral. O exame fsico geral do paciente inicia-se pela avaliao de suas vias areas com o controle da coluna cervical, da sua respirao e ventilao, e da circulao (ABC), pois a prioridade, no atendimento inicial, deve ser para a avaliao, preservao e tratamento das funes vitais bsicas. Os pacientes com fratura da coluna vertebral sem leso neurolgica apresentam dor local, que pode irradiar-se para os membros, e incapacidade funcional, acompanhada de espasmo da musculatura adjacente. Nos pacientes com leso medular, podem ser observadas respirao diafragmtica, perda da resposta ao estmulo doloroso, incapacidade de realizar movimentos voluntrios nos membros, alteraes do controle dos esfncteres, priapismo e presena de reflexos patolgicos (Babinski, Oppenheim), indicando leso do neurnio motor superior. Os pacientes com leso medular podem apresentar, tambm, queda da presso arterial, acompanhada de bradicardia, que caracteriza o denominado choque neurognico. Nesses pacientes, a leso das vias eferentes do sistema nervoso simptico medular e conseqente vasodilatao dos vasos viscerais e das extremidades, associadas perda do tnus simptico cardaco, no permitem que o paciente consiga elevar a freqncia cardaca. Essa situao deve ser reconhecida e diferenciada do choque hipovolmico, no qual a presso arterial est diminuda e acompanhada de taquicardia. A reposio de lquidos deve ser evitada no choque neurognico, para no sobrecarregar a volemia. 391

HLA Defino

O exame neurolgico consiste na avaliao da sensibilidade, da funo motora e dos reflexos. A rea de sensibilidade do paciente examinada no sentido craniocaudal, desde a regio cervical, pela avaliao da sensibilidade variao de temperatura, sensibilidade dolorosa e sensibilidade ttil, que so funes mediadas pelo trato espinotalmico lateral, cujas fibras esto na poro anterolateral da medula espinhal. A avaliao da vibrao por meio de diapaso ou da posio espacial dos membros avalia as condies do

trato posterior da medula espinhal (funculo grcil e cuneiforme). A distribuio dos dermtomos est ilustrada na Figura 3 e algumas regies anatmicas possuem relao com esses dermtomos e importncia semiolgica, como os mamilos (T4), processo xifide (T7), umbigo (T10), regio inguinal (T12-L1) e regio perineal (S2S3-S4). (Figura 4) A avaliao da funo motora tem como objetivo a determinao do grau de movimento que o paciente possui, avalia a funo dos tratos corticoespinhais, sendo insuficiente a constatao apenas da presena ou ausncia do movimento nas extremidades, que deve ser quantificado com relao ao grau de fora muscular, que determinada por meio de uma escala que varia de 0 a 5. A paralisia total considerada 0; a presena de contrao muscular palpvel ou visvel, 1; a presena de movimento ativo, mas que no vence a fora da gravidade, 2; movimento ativo que vence a fora da gravidade, 3; movimento ativo que vence alguma resistncia, 4 e movimento ativo normal, 5. Deve ser lembrado que as razes inervam mais de um msculo e que os msculos, geralmente, recebem fibras nervosas de mais de uma raiz nervosa. Os reflexos tendinosos profundos so mediados pelas clulas do corno anterior da Figura 3 - Distribuio dos dermtomos do membro superior, membro inferior e regio perineal. medula espinhal, e o

392

Trauma raquimedular

Figura 4 - Desenho, ilustrando a relao entre reas anatmicas de importncia semiolgica e seus respectivos dermtomos.

a leso medular no seja completa e permanente, e, nessa situao, o paciente apresenta ausncia total da sensibilidade, dos seus movimentos e do reflexo bulbocarvenoso, que, normalmente, est presente. O retorno desse reflexo, que pode ser obtido por meio da estimulao do pnis ou clitris, provocando contrao do esfncter anal, indica o trmino do choque medular, permitindo, ento, a determinao do dficit neurolgico aps a leso. (Figura 5) A avaliao clnica dos pacientes determina o nvel de leso neurolgica, que considerada como sendo o segmento mais caudal da medula espinhal que apresenta as funes sensitivas e motoras normais de ambos os lados. Quando o termo nvel sensitivo utilizado, refere-se ao nvel mais caudal da medula espinhal, que apresenta sensibilidade normal, podendo, do mesmo modo, ser definido o nvel motor. O nvel esqueltico da leso determinado por meio de radiografias e corresponde vrtebra lesionada. A leso medular denominada completa, quando existe ausncia de sensibilidade e funo motora nos segmentos sacrais baixos da medula espinhal, e incompleta nas situaes em que observada preservao parcial das funes motoras abaixo do nvel neurolgico e inclui os segmentos sacrais baixos da medula espinhal.

crtex cerebral exerce uma ao inibidora para evitar a sua resposta exacerbada aos estmulos recebidos. A ausncia desse reflexo pode indicar uma leso do nervo perifrico, interrompendo o arco reflexo, ou a presena de choque medular. Os reflexos tendinosos profundos, de maior importncia clnica so os reflexos: bicipital (C5), estiloradial (C6), tricipital (C7), patelar (L4) e aquileo (S1). Os reflexos abdominais e cremastricos so testes do neurnio motor superior, e a ausncia desses reflexos indica leso do neurnio motor superior, enquanto a perda assimtrica sugere leso no neurnio motor inferior. As leses do neurnio motor superior podem tambm ser diagnosticadas pela presena de reflexos patolgicos, evidenciados pelo teste de Babinski ou Oppenheim. O reflexo bulbocavernoso de grande importncia na avaliao dos pacientes com TRM, que apresentam choque medular. O choque medular pode ocorrer imediatamente aps o traumatismo da medula espinhal, mesmo que

Figura 5 - Desenho, ilustrando o reflexo bulbocavernoso e sua avaliao no sexo masculino.

393

HLA Defino

Algumas sndromes medulares tm sido descritas e elas apresentam quadro neurolgico caracterstico, dependendo da localizao da leso no interior da medula espinhal. A sndrome da medula central ocorre, principalmente, na regio cervical e apresenta comprometimento mais acentuado dos membros superiores que dos membros inferiores. Na sndrome da medula anterior, existe preservao da propriocepo e perda varivel da funo motora e da sensibilidade dor. Na sndrome de Brown-Squard, a hemiseco da medula ocasiona perda da funo motora e proprioceptiva do lado da leso e perda da sensibilidade dor e temperatura do lado oposto. Na sndrome da medula posterior, a funo motora, a sensibilidade dor e tato esto preservados, enquanto que a propriocepo est alterada. A leso da medula espinhal no nvel sacral, geralmente no nvel sseo de T12-L1 (sndrome do cone medular), resulta em incontinncia fecal, vesical e alterao da funo sexual. A sensibilidade est alterada nos 03 a 04 segmentos sacrais distais e segmentos coccgeos (anestesia em cela) e o reflexo bulbo cavernoso encontra-se ausente. A leso isolada dos nervos espinhais da cauda eqina (leso da cauda eqina) no interior do canal vertebral, geralmente, ocorre nas fraturas distais a L1-L2, e, na verdade, no so leses da medula espinhal. O quadro clnico depende da raiz atingida e podem ser observados paresia do membro inferior, arreflexia, distrbios da sensibilidade e, tambm, incontinncia fecal e vesical. O termo tetraplegia refere-se perda da funo motora e ou sensitiva nos segmentos cervicais da medula espinhal devido leso dos elementos neuronais no interior do canal vertebral. A tetraplegia, resulta em alterao das funes dos membros superiores, tronco, membros inferiores e rgos plvicos, no sendo includas nessa categoria de leso as leses do plexo braquial e nervos perifricos fora do canal vertebral. A paraplegia refere-se perda da funo motora e ou sensitiva nos segmentos torcicos, lombares e sacrais da medula espinhal, secundria leso dos elementos neurais no interior do canal vertebral. Esse termo pode ser utilizado para definir as leses da cauda eqina e cone medular, mas no para as leses do plexo lombossacro e leses dos nervos perifricos, localizadas fora do canal vertebral. 5. AVALIAO DA ASIA (AMERICAN SPINE INJURY ASSOCIATION) A Associao Americana do Trauma Raquimedular (ASIA- American Spine Injury Association) desenvolveu, em 1992, padres para a avaliao e clas394

sificao neurolgica do TRM, avaliao que apresenta, no momento, grande aceitao em nvel mundial. (Figura 6). A avaliao neurolgica baseada na sensibilidade e na funo motora, e possui uma etapa compulsria, baseada na qual determinado o nvel da leso neurolgica, o nvel motor e o nvel sensitivo, e obtmse nmeros que, em conjunto, fornecem um escore. A outra etapa opcional (avaliao da sensibilidade profunda, propriocepo, dor profunda) e no participa na formao do escore, mas acrescenta importantes informaes na avaliao clnica dos pacientes. O exame da sensibilidade do paciente realizado por meio da avaliao da sensibilidade ttil e dolorosa do paciente, pesquisada nos 28 dermtomos de ambos os lados (Figura 6), atribuindo-se uma avaliao numrica de acordo com o achado clnico: 0- ausente, 1- alterada, 2- normal e NT (no testada), quando, por qualquer motivo, a avaliao do dermtomo no puder ser realizada. O esfncter anal externo deve ser tambm examinado por meio da introduo do dedo do examinador no orifcio anal, com a finalidade de determinar-se se a leso completa ou incompleta (sensibilidade presente-sim, ou ausente-no). A avaliao da funo motora realizada por meio da avaliao de ambos os lados, de msculos denominados msculos chaves em 10 pares de mitomos, e a fora muscular graduada de acordo com a seguinte escala: 0- paralisia toral, 1- contrao palpvel ou visvel, 2- movimento ativo eliminado pela fora da gravidade, 3- movimento ativo que vence a fora da gravidade, 4- movimento ativo contra alguma resistncia, 5- normal e NT (no testada).Os msculos selecionados para a avaliao e os nveis neurolgicos correspondentes so: C5- flexores do cotovelo C6- flexores do punho C7- extensores do cotovelo C8- flexores do dedo (falanges mdia e distal) T1- abdutores (dedo mnimo) L2- flexores do quadril L3- flexores do joelho L4- dorsiflexores do tornozelo L5- extensor longo dos dedos S1- flexores plantares do tornozelo Adicionalmente ao exame dos 10 pares de mitomos mencionados, o esfncter anal externo deve ser tambm examinado para se avaliar a sua capacidade de contrao voluntria (sim ou no), que auxilia na diferenciao da leso incompleta ou completa.

Trauma raquimedular

395

Figura 6- Esquema de avaliao neurolgica dos traumatismos raquimedulares proposto pela ASIA ( American Spine Injury Association ).

HLA Defino

Opcionalmente, o diafragma, o deltide e os squio tibiais so tambm avaliados e sua fora anotada como ausente, diminuda ou normal. A somatria dos diferentes valores numricos referentes fora motora, sensibilidade ttil e sensibilidade dolorosa do Figura 7- Aplicao de trao nos membros superiores para auxiliar a visualizao da parte baixa da origem a escores, cujo coluna cervical para radiografias convencionais. valor mximo 100 para o referente avaliao motora e 112 para o da avaliao sensitiva. A avaliao da deficincia baseada na modificao da escala de Frankel et al.(11), que foi modificada pela ASIA e consiste em 05 graus de incapacidade: a) leso completa - no existe funo motora ou sensitiva nos segmentos sacrais S4-S5. c) leso incompleta - preservao da sensibilidade e perda da fora motora abaixo do nvel neurolgico, estendendo-se at os segmentos sacrais S4-S5. c) leso incompleta - funo motora preservada abaixo do nvel neurolgico, e a maioria dos msculos chaves abaixo do nvel neurolgico possui grau menor ou igual a 3. d) leso incompleta - funo motora preservada abaixo do nvel neurolgico e a maioria dos msculos chaves abaixo do nvel neurolgico possui grau maior ou igual a 3. e) normal sensibilidade e fora motora normais. 6. AVALIAO RADIOLGICA A coluna vertebral deve ser avaliada por meio de radiografias realizadas nos planos anteroposterior (AP) e lateral, procurando avaliar a assimetria, o alinhamento das vrtebras e roturas das partes moles. muito importante a visualizao de todas as vrtebras da coluna cervical e a transio cervicotorcica, e, na impossibilidade da visualizao desse segmento da coluna vertebral por meio das radiografias convencionais, a realizao das radiografias sob trao dos membros superiores (Figura7) ou a utilizao da posio do nadador podem, tambm, auxiliar (Figura 8), e utiliza-se a tomografia computadorizada nas situaes extremas. 396

Figura 8 - Posio do nadador utilizada para auxiliar a visualizao das vrtebras cervicais distais na avaliao radiogrfica.

Trauma raquimedular

As radiografias dinmicas (hiperflexo e hiperextenso) so contra-indicadas em pacientes com dficit neurolgico ou inconscientes. Esse tipo de avaliao radiolgica deve somente ser utilizada em pacientes que apresentem radiografias normais, sem alterao neurolgica e em perfeito estado de alerta, de modo que possam realizar a flexo e extenso ativa da coluna cervical de modo voluntrio e com o total controle da situao. A realizao das radiografias em AP, perfil e transoral para a observao do processo odontide permite o diagnstico de 84% das fraturas da coluna cervical. A utilizao da tomografia computadorizada permite o diagnstico de fraturas ocultas da regio cervical(12) e ela tambm muito til na avaliao da morfologia da fratura, da estabilidade do segmento lesado e da compresso do canal vertebral pelos fragmentos da vrtebra fraturada.(Figura 9).

Figura 9 - Radiografias em AP (a) e perfil (b) e tomografia computadorizada (c) de fratura de L1. Radiografia psoperatria em AP (d) e perfil (e) aps fixao anterior e posterior.

A ressonncia magntica tem auxiliado sobremaneira o diagnstico dos TRM e sempre que possvel deve ser utilizada na fase primria do diagnstico, pois ela permite uma anlise detalhada das partes moles, com melhor visualizao de contuses medulares, hematomas, leses ligamentares, hrnias discais e colees lquidas.

Figura 10 - Desenho, ilustrando os cuidados iniciais na remoo e transporte dos pacientes.

397

HLA Defino

7. TRATAMENTO O tratamento dos TRM deve ter incio no momento do atendimento inicial, ainda fora do ambiente hospitalar, durante o resgate e transporte dos pacientes, com o objetivo de evitar leses adicionais ou ampliao das leses j existentes. A imobilizao da coluna cervical deve ser realizada em todos os pacientes politraumatizados e retirada somente aps a confirmao da ausncia de leso. Cuidados especiais devem ser tomados durante o transporte dos pacientes e durante a retirada de capacetes de ciclistas ou motociclistas vtimas de acidente. (Figuras 10 e 11) Figura 11 - Desenho, ilustrando a seqncia e os cuidados necessrios na O tratamento na emergncia tem remoo do capacete. como principal objetivo a manuteno e o restabelecimento das funes vitais do paciente (ABC vias areas, respirao e cir- nas primeiras 08 horas aps o trauma. Aps esse peculao), de modo que o tratamento especfico da le- rodo, a administrao dessa droga no alcana o obso do segmento vertebral com leso medular reali- jetivo desejado e pode acarretar ainda certos efeitos zada somente aps a resoluo dessa fase. impor- nocivos. A utilizao dessas drogas, disseminada printante lembrar a ocorrncia do choque neurognico cipalmente nos EUA, tem sido objeto de crticas em (hipotenso associada bradicardia) nos pacientes com outros pases e no h consenso definitivo sobre o papel leso acima de T6 para evitar-se a administrao de protetor delas, nos traumatismos raquimedulares. lquidos e conseqente sobrecarga hdrica. O tratamento definitivo da leso, no segmento A metil prednisolona tem sido administrada at vertebral fraturado, tem, como principais objetivos, a 08 horas aps a leso da medula espinhal, com base preservao da anatomia e funo da medula espinos resultados observados no NASCIS I e II (National nhal, restaurao do alinhamento da coluna vertebral, Spinal Cord Injury Study), realizados em 1990 e 1992, estabilizao do segmento vertebral lesado, prevennos quais foi observada uma melhora neurolgica sig- o de complicaes gerais e locais, e o restabelecinificativa no grupo de pacientes em que essa droga foi mento precoce das atividades dos pacientes, devendo administrada. A metil prednisolona tem a capacidade ser realizado o mais precocemente possvel, desde que de reduzir a peroxidao lipdica e preservar a integri- as condies gerais do paciente permitam. Na imposdade das estruturas neuronais, atuando no nvel da le- sibilidade de o tratamento definitivo ser realizado, a so secundria devido isquemia e ao dos radicais reduo da fratura e realinhamento do canal vertelivres. A metil- prednisolona possui maior efeito que a bral deve ser realizado por meio de trao. dexametasona na inibio da peroxidao lipdica, e No existe at o momento nenhum tratamento outras drogas, como o mesilato de tiralazade, que da cirrgico capaz de restaurar as funes da medula esclasse dos compostos conhecidos como 21-aminoes- pinhal lesada e o objetivo do tratamento cirrgico terides ou lazarides, tm sido tambm utilizadas, pois, apenas a reduo e o realinhamento do segmento vertambm, so potentes inibidores da peroxidao lipdica tebral lesado, restaurao da estabilidade do segmene no apresentam os efeitos colaterais dos corticides. to lesado, de modo a evitar leses adicionais da meduA dose recomendada de metil-prednisolona la espinhal e favorecer a sua recuperao. Outra vande 30 mg/Kg de peso, administrada em bolo durante tagem adicional dos modernos mtodos de fixao ver15 minutos, e 45 minutos aps essa dose em bolo, ad- tebral a possibilidade da mobilizao precoce dos ministram-se 5,4 mg/Kg em infuso constante por 23 pacientes, sem a utilizao de imobilizao externa, o horas. A dose total de metil-prednisolona de 154,2 que facilita a reabilitao no perodo ps-operatrio mg/Kg de peso em 24 horas, e deve ser administrada (Figuras 9, 12 e 13). 398

Trauma raquimedular

As indicaes do tratamento cirrgico tm sido baseadas na presena de instabilidade do segmento vertebral e leso neurolgica, existindo controvrsia com relao a esse tpico. A presena de paralisia aps intervalo de quadro neurolgico normal, presena de paralisia rpida e progressiva ou paralisia incompleta, que evolui para paralisia completa, tm sido consideradas como indicaes absolutas e urgentes

de tratamento cirrgico. Nossa conduta atual tem sido no sentido de realizar a estabilizao precoce das leses, para facilitar a mobilizao precoce dos pacientes e promover de modo mais rpido sua reabilitao e reintegrao social e no no sentido de realizar sua recuperao neurolgica, uma vez que o papel da descompresso muito discutvel.

Figura 12 - Radiografia em perfil da coluna cervical aps a fixao posterior com implantes.

Figura 13 - Radiografia em perfil da coluna cervical aps corporectomia de C4, colocao de enxerto corticoesponjoso e fixao vertebral anterior com placa em H de C3 a C5.

DEFINO HLA.

Spinal cord injuries. Medicina, Ribeiro Preto, 32: 388-400, oct./dec. 1999.

ABSTRACT: Rachimedullary trauma (RMT) is a lesion that predominates among young adult males. Because of the characteristics of its etiology, it can be effectively prevented by means of educational campaigns directed at the population and by the adoption of individual or collective safety measures. The therapeutic approach to RMT should be multidisciplinary from the time of patients rescue and removal to the final rehabilitation phase. Thus far there is no effective treatment capable of restoring the functions of the injured spinal cord. Treatment consists of patient rehabilitation and therefore all efforts should be directed at preventing this irreversible type of injury. UNITERMS: Spinal Cord Injuries. Spinal Injuries.

399

HLA Defino

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS1 - MLLER EJ & MUHR G. Wirbelsulenverletzungen. Thieme, Sttutgart, p. 124-148,1997. 2 - GREVE JM. Traumatismos raquimedulares nos acidentes de trnsito e uso de equipamentos de segurana. Diagn & Trat 2: 10-13, 1997. 3 - BRIDWELL K & DE WALD RL. The textbook of spinal surnd gery, 2 ed, Lippincott-Raven, Philadelphia, 1996, 2391 p. 4 - KADURIN CL. Traumatismo raquimedular por mergulho em gua rasa. Proposta de um programa de preveno. Dissertao de Mestrado, Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto da USP, Ribeiro Preto, p. 1- 125, 1998. 5 - SLUCKY AV & EISMONT FJ. Treatment of acute injury of the cervical spine. J Bone Joint Surg 76-A: 1882-1889, 1994. 6 - BUNGE RP; PUCKETT WR & BECERRA JL. Observations on the pathology of human spinal cord injury: A review and classification of 22 new cases with defiles in from a case of chronic cord compression with extensive focal demyelination. Adv Neurol 59: 75-89, 1993. 7 - KAKULAS BA . Pathology of spinal injuries. Central Nervous System. Trauma 1: 117-129, 1985.

8 - BALENTINE JD; HOGANH EL & BANIK NL. Calcium and the pathogenesis of spinal cord injuries. In: DACEY RG JR ; WINN HR & RIMEL RW, eds. Trauma of the central nervous system. Raven Press, New York, p. 297-308, 1985. 9 - HALL ED & BRAUGLER JM. Glucocorticoid mechanism in acute spinal cord injury: A review and therapeutic rationale. Surg Neurol 18: 320-327, 1982. 10 - BOHLMAN H H. Acute fractures and dislocations of the spine: an analysis of three hundred hospitalized patients and review of the literature. J Bone Joint Surg 61-A: 1119-1122, 1979. 11 - FRANKEL HL; HANCOCK DO; HYSLOPH G; MEZLACK J; MICHAELIS LS; UNGER GH; VERNON DS & WALSH JJ. The value of postural reduction in the initial management of closed injuries of the spine with paraplegia and tetraplegia. Paraplegia 7: 179-185, 1969. 12 - POST MJ & GREEN BA . The use of computed tomography in spina trauma. Radiol Clin North Am 21: 327-375, 1983. Recebido para publicao em 08/12/1999 Aprovado para publicao em 19/01/2000

400


Top Related