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TERAPIA COGNITIVA DA DEPRESSO
AARON T. Beck
University of Pennsylvania
A. JOHN RUSH
Southwestern Medical School
BRIAN F. SHAW
University of Western Ontario
GARV EMERY
University of Southern California
Traduo: VERA RIBEIRO
Psicloga Clnica
ZAHAR EDITORES
RIO DE JANEIRO
Prefcio 1
1. Uma Viso Geral 15 O problema da depresso 15 Valor da psicoterapia na depresso 16 Definio da terapia cognitiva 17 Novos aspectos da terapia cognitiva 20 Modelos cognitivos: perspectiva histrica 21 O modelo cognitivo da depresso 24 Revolues cognitivas: paradigmas cientficos e depressivos 33 Pr-requisitos para o exerccio da terapia cognitiva da depresso 35 Limitaes da terapia cognitiva 38 Armadilhas comuns na aprendizagem da terapia cognitiva 39 Maximizando o impacto da terapia cognitiva 43
2. O Papel das Emoes na Terapia Cognitiva 46 Identificao e expresso de emoes 48 O papel das emoes na relao teraputica 51 Descarga emocional 53
3. A Relao Teraputica: Emprego da Terapia Cognitiva 56 Caractersticas desejveis do terapeuta 56 A interaco teraputica 60 A cooperao teraputica 64 Reaces de "transferncia" e "contratransferncia" 68
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4. Estrutura da Entrevista Teraputica 71 Reconhecer o "paradigma pessoal" do paciente 71 Estrutura formal da terapia cognitiva 82
5. A Entrevista Inicial 94 Comeando a entrevista inicial 94 Traduzindo a "queixa principal" num "sintoma-alvo" 100 Objectivos teraputicos da entrevista inicial 101 Seleccionando sintomas-alvo 103 Neutralizando os sintomas-alvo 104 Focalizando o processamento inadequado de informaes 105 Feedback na entrevista inicial 106 Resumo 108
6. Tratamento Sesso a Sesso: O Curso Tpico da Terapia 110 Viso geral das sesses 110 Histrico do caso 111
7. Emprego de Tcnicas Comportamentais 122 Mudana cognitiva atravs da mudana comportamental 122 O planejamento de actividades 125 Tcnicas de mestria e prazer 132 Prescrio de tarefas graduadas 136 Ensaio cognitivo 139 Treinamento de auto-afirmao e representao de papis 140 Tcnicas comportamentais: sua lgica e seu momento 142
8. Tcnicas Cognitivas 145 A lgica das tcnicas cognitivas 145 Explicando a lgica ao paciente 146 Tcnicas de reatribuio 159 A anotao dos pensamentos disfuncionais 165 Utilizao do contador de pulso 167
9. O Enfoque dos Sintomas-alvo 169 Seleco de alvos e tcnicas 170 Sintomas afectivos 171 Sintomas motivacionais 184 Sintomas cognitivos 187 Sintomas comportamentais 198 Sintomas fisiolgicos 205
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Contexto social dos sintomas 206
10. Tcnicas Especficas Para o Paciente Suicida 208 Avaliando o risco de suicdio 208 A inteno suicida como um continuum 209 Explorando os motivos do suicdio 210 Inclinando a balana contra o suicdio 212 Aumento dos desejos suicidas na terapia 221
11. Entrevista com um Paciente Deprimido Suicida 223 Parte 1: formulando perguntas para extrair informaes vitais 225 Parte 2: ampliando as perspectivas da paciente 225 Parte 3: "terapia alternativa" 226 Parte 4: obtendo dados mais precisos 226 Parte 5: fechamento 226
12. Pressuposies Depressognicas 240 Identificando as pressuposies disfuncionais 242 Modificando pressuposies 247 As pressuposies como "alvos" 248 Modificao dos devos 250 As pressuposies como "contratos pessoais" 251 As suposies como profecias autoconsumatrias 254 Pressuposies subjacentes aos erros cognitivos 256 Relacionar vantagens x desvantagens das pressuposies disfuncionais 256 O papel da aco da mudana das pressuposies 258 Usando o paciente para fornecer contra-argumentos 260 Atacando as pressuposies acerca do valor pessoal 260 Expondo a arbitrariedade das pressuposies 263 Utilidade das pressuposies a longo e a curto prazos 264
13. Integrao do Trabalho de Casa na Terapia 266 Fornecendo a lgica do trabalho de casa 266 A prescrio de trabalhos para casa 269 Facilitando a realizao de tarefas 270 Identificando relaes disfuncionais ao trabalho de casa 273 Montando as programaes de actividade 276 Programando actividades para aumentar o prazer 277 Programando actividades para aumentar o sentimento de mestria 278 Registros escritos e deveres 279 O papel do paciente na concepo de trabalhos de casa 282 Trabalhos de casa especializados 284
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Preparando o caminho para as dificuldades previsveis 285 Sugesto de plano de trabalhos para casa 286
14. Problemas Tcnicos 288 Orientaes para o terapeuta 289 Crenas contrateraputicas dos pacientes 291 Comportamentos contrateraputicos do paciente 303
15. Problemas Associados ao Trmino e Recada 309 Preparando o trmino 309 Preocupaes do paciente quanto ao encerramento 311 Encerramento prematuro 314 Recada aps o tratamento 317
16. Terapia Cognitiva de Grupo para Pacientes deprimidos Steven D. Hollon e Brian
F. Shaw 319 Introduo 319 Terapia de grupo para a depresso consideraes gerais 319 Consideraes clnicas especiais 321 Aspectos formais 325 Conduzindo as sesses teraputicas 330 Exemplos de manobras teraputicas caractersticas 336 Experincias empricas com a terapia cognitiva de grupo 339 Concluses 342
17. A Terapia Cognitiva e os Medicamentos Antidepressivos 343 Introduo 343 Avaliando o paciente 347 Aumentando a adeso medicao atravs das tcnicas de mudana cognitiva
359
18. Estudos Sobre os Efeitos da Terapia Cognitiva 372 Estudos sistemticos: voluntrios deprimidos 373 Estudos sistemticos: pacientes clnicos deprimidos 374 Resumo 379
Apndice Materiais 383 Inventrio Beck 385 Escala de ideao suicida 388 Tabela de verificao de competncia para terapeutas cognitivos 393 Razes possveis para o no cumprimento das atribuies de auto-ajuda 399 Protocolo de pesquisa para estudo dos efeitos no centro de terapia cognitiva
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401
Outros materiais e recursos tcnicos 404
Referncias bibliogrficas 405
PREFCIO
Uma monografia que introduz uma nova abordagem para a compreenso e
terapia psicolgica da depresso justifica alguns dados sobre seu desenvolvimento
histrico.
Este trabalho representa a combinao de muitos anos de pesquisa e prtica
clnica. Sub muitos aspectos, ele o produto final de contribuies directas de
numerosos indivduos: clnicos, pesquisadores e pacientes, Alm dessas contribuies
especficas, a terapia cognitiva provavelmente reflecte modificaes graduais que vm
ocorrendo nas cincias do comportamento h vrios anos, mas que s recentemente
emergiram como uma tendncia principal, No momento, no possvel determinar
que impacto teve a chamada "revoluo cognitiva nu psicologia" sobre o
desenvolvimento da terapia cognitiva.
A fim de colocar este volume dentro de sua perspectiva particular, gostaria que
o leitor se reportasse evoluo primitiva do modelo cognitivo e da terapia da
depresso e outras neuroses, resumida em meu volume anterior, Depression,
publicado em 1967. Meu trabalho seguinte, Cognitive therapy and the emotional
disorders, publicado em 1976, apresentou uma ampla extenso das aberraes
cognitivas especficas de cada neurose, uma descrio detalhada dos princpios gerais
da terapia cognitiva e um esboo mais abrangente da terapia cognitiva da depresso.
As origens primeiras de minhas formulaes acerca da terapia cognitiva da
depresso no me so muito claras no momento. Tanto quanto posso recordar, os
primeiros movimentos se manifestaram em meu projecto,
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iniciado em 1956, para validar certos conceitos psicanalticos da depresso.
Acreditava que aquelas formulaes psicanalticas estivessem corre tas, e que no
tinham conseguido alcanar maior aceitao devido a certas "resistncias" naturais dos
psiclogos acadmicos e dos psiquiatras, atribuveis, em parte, falta de dados de
suporte emprico. Acreditando que seria possvel desenvolver tcnicas para levar
adiante os estudos controlados necessrios, empenhei-me numa srie de investigaes
destinadas a fornecer dados convincentes. Um segundo e talvez mais forte motivo era
meu desejo de apontar a configurao psicolgica precisa caracterstica da depresso,
com o objectivo de desenvolver uma forma breve de psicoterapia, dirigida
especificamente ao alvio dessa psicopatologia focal.
Conquanto as descobertas iniciais de meus estudos empricos parecessem apoiar
minha crena nos factores psicodinmicos especficos da depresso, a saber, a
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hostilidade retroflectida, expressa como uma "necessidade de sofrer", experimentos
posteriores trouxeram um nmero de descobertas inesperadas que pareciam
contradizer essa hiptese. Tais anormalidades levaram-me a uma avaliao crtica da
teoria psicanaltica da depresso e, por fim, avaliao da estrutura completa da
psicanlise. Os dados de pesquisa anmalos levaram finalmente concluso de que os
pacientes deprimidos no tm uma necessidade de sofrer. Na verdade, as
manipulaes experimentais indicaram que o paciente deprimido se inclinava, mais do
que o no deprimido, a evitar comportamentos evocadores de rejeio ou
desaprovao, favorecendo respostas eliciadoras da aceitao e aprovao de outrem.
Essa discrepncia acentuada entre as descobertas de laboratrio e a teoria clnica
levaram a uma "reavaliao agonizante" de meu prprio sistema de crenas.
Ao mesmo tempo, tornei-me algo dolorosamente consciente de que a promessa
anterior da psicanlise, dos primeiros anos de 1950, no se mantivera ao chegar-se
metade ou ao final daquela dcada, na medida em que meus companheiros no estudo
da psicanlise e outros colegas chegavam a seu sexto e stimo anos de anlise, sem
qualquer melhora marcante em seu comportamento ou em seus sentimentos! Mais
ainda, observei que muitos de meus pacientes deprimidos reagiam desfavoravelmente
s intervenes teraputicas baseado na hiptese da "hostilidade retroflectida" ou da
"necessidade de sofrer".
Minha reformulao completa da psicopatologia da depresso, assim como de
outros distrbios neurticos, resultou de novas observaes clnicas, de estudos
experimentais e correlacionais, e de minhas tentativas repetidas de procurar dar
sentido s provas que pareciam contradizer a teoria psicanaltica. A descoberta de
pesquisa, segundo a qual os pacientes deprimidos no tinham uma necessidade de
sofrer, estimulou-me a buscar novas explicaes para seu comportamento, o qual, pelo
menos na superfcie, parecia reflectir uma necessidade de sofrimento. De que outra
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maneira seria possvel explicar a autocrtica severa dos pacientes, sua m interpretao
de experincias positivas numa perspectiva negativista, e o que parecia ser a expresso
mxima da hostilidade autodirigida, ou seja, seus desejos suicidas?
Voltando a minhas observaes sobre os sonhos "masoquistas" que
constituram a base de meu estudo original, passei a buscar uma variada gama de
explicaes alternativas para os temas persistentes ou frequentes, nos quais o sonhador
depressivo aparecia como um perdedor: obstaculizado numa tentativa de alcanar
algum objectivo importante, ou perdendo algo de valor, ou aparecendo doente,
defeituoso ou feio. Realmente, medida que me concentrei mais nas descries que o
paciente fazia de si mesmo e de suas experincias, pude notar que ele constantemente
adoptava uma construo negativa acerca de si prprio e de suas experincias de vida.
Essas construes, semelhantes ao contedo imagtico de seus sonhos, se afiguravam
como distores da realidade.
A pesquisa sistemtica adicional, compreendendo o desenvolvimento e
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testagem de novos instrumentos, validou a noo de que o paciente depressivo
distorce sistematicamente suas experincias de forma negativa. Descobrimos que o
paciente em depresso apresentava uma viso global negativa de si mesmo, do mundo
externo e do futuro, a qual se expressava de modo aparente numa vasta gama de
distores cognitivas negativas. medida que se acumularam provas atestando o
papel proeminente das distores cognitivas negativas, busquei, concomitantemente,
aliviar a sintomatologia depressiva do indivduo, atravs do desenvolvimento de
tcnicas visando corrigir suas distores, pelo emprego da lgica e de normas de
esclarecimento, e ajustar seu sistema de processamento de informaes realidade.
Muitos estudos adicionais ampliaram nosso conhecimento acerca de como um
paciente em depresso avalia seu desempenho e faz previses sobre seu desempenho
futuro. Esses experimentos demonstraram que, em certas condies especficas, uma
sucesso gradativa de sucessos no atingimento de um objectivo tangvel podia ter um
efeito poderoso na reverso do autoconceito e das expectativas negativas e, assim,
melhorar directamente sua sintomatologia depressiva.
Desse modo, esse estudo acrescentou uma poderosa nova forma de abordagem
das tcnicas que eu j descrevera anteriormente para a correco de distores
cognitivas, ou seja, o uso de experimentos factuais para testar as crenas errneas ou
exageradamente negativas do paciente. A ideia de testar hipteses em situaes
verdadeiras de vida cristalizou-se no conceito genrico de "empirismo cooperativo".
Ao tratar as experincias cotidianas do paciente como um campo de testes para
a verificao de suas vrias crenas sobre si mesmo, tornamo-nos capazes de estender
enormemente o processo teraputico: quase toda
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experincia ou interaco apresentava uma oportunidade potencial de o paciente testar
suas previses e interpretaes negativistas. Assim, o conceito de trabalho de casa, ou,
como o chamamos mais tarde, "autoterapia ampliada", expandiu grandemente o
impacto das sesses teraputicas.
O movimento da terapia comportamental contribuiu substancialmente para o
desenvolvimento da terapia cognitiva. O behaviorismo metodolgico, com sua nfase
na especificao de objectivos isolados, delineando os procedimentos instrumentais
concretos para o atingimento desses objectivos e fornecendo um feedback tangvel e
imediato, acrescentou novas dimenses terapia cognitiva (e, na verdade, levou
alguns autores a reintitular nossa abordagem como "terapia behaviorista cognitiva").
A relao desta monografia consiste largamente no fruto das conferncias
semanas realizadas durante muitos anos no Departamento de Psiquiatra da
Universidade da Pensilvnia. As conferncias consistiam na apresentao de
problemas especficos com pacientes, os participantes manifestavam-se livremente a
partir de sua prpria experincia e colaboravam oferecendo sugestes. Essas sugestes
eram formalizadas numa srie de manuais de tratamento, que culminaram no presente
volume. Tantos participantes daquelas conferncias fizeram contribuies valiosas ao
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corpo de conhecimentos que gradualmente acumulvamos, que seria impossvel citar
mesmo os principais colaboradores. Somos gratos aos participantes, e estamos certos
de que eles tm perfeito conhecimento de sua inestimvel ajuda.
Queremos agradecer em especial queles nossos colegas que forneceram
material, sugestes e comentrios relevantes a cada um dos diversos manuais de
tratamento que precederam a esta monografia. Entre os mais activos estiveram Marika
Kovacs, David Burns, Ira Herman e Steven Hollon. Tambm somos extremamente
gratos a Michael Mahoney, que leu todo o manuscrito e fez numerosas sugestes
editoriais. Gostaramos ainda de agradecer a Stirling Moorey por sua prestimosa
assistncia nos estgios finais da preparao deste livro.
A contribuio de Ruth L. Greenberg, do incio ao trmino deste esforo, foi de
tal modo ampla que no encontramos palavras adequadas para expressar nosso
reconhecimento.
Finalmente, os autores oferecem seus agradecimentos sinceros aos dactilgrafos
Lee Fleming, Marilyn Starr e Barbara Marinelli.
Uma observao sobre a linguagem "sexista": ao falarmos, em termos gerais
sobre "0 terapeuta" ou "o paciente", utilizamos pronomes masculinos ("ele", "dele").
Este uso no implica, de modo algum, que nos retiramos apenas a terapeutas e
pacientes do sexo masculino. Mantivemos o uso tradicional em vista da simplicidade e
flexibilidade que ele permite.
Captulo 1
UMA VISO GERAL
O PROBLEMA DA DEPRESSO
Algumas autoridades estimaram que ao menos 12% da populao adulta teve ou ter
um episdio de depresso de suficiente gravidade clnica para justificar um tratamento
(Schuyler e Katz, 1973). Nos ltimos 15 anos, centenas dos estudos sistemticos
relevantes ao substrato biolgico da depresso e da quimioterapia da depresso foram
publicados. Vrias publicaes de rgos governamentais, assim como do sector
privado, tm sugerido que alguns avanos bem definidos foram alcanados na
compreenso da psicobiologia da depresso e no tratamento deste distrbio pela
quimioterapia.
A despeito deste quadro um tanto rseo, o clnico se v diante de uma situao
intrigante. Embora tenha havido avanos na quimioterapia da depresso, no h prova
de que a incidncia da depresso tenha diminudo. De mais a mais, a taxa de suicdios,
que tem sido genericamente considerada como um ndice da incidncia da depresso,
no mostrou decrscimo, mas antes um aumento nos ltimos anos, Alm disso, a
ausncia de resposta de baixa na taxa de suicdios toma-se ainda mais significativa, se
se levar em conta o enorme dispndio de esforos voltados para o estabelecimento e
manuteno de centros de preveno do suicdio em todo o pas.
Um relatrio especial do Instituto Nacional de Sade Mental sobre Os
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distrbios depressivos, preparado em 1973 por Secunda, Katz, Friedman e Schuyler,
estabeleceu que a depresso responde por 75% de todas as hospitalizaes
psiquitricas e que, em qualquer uno considerado, 15% de todos os adultos entre 18 e
74 anos podem sofrer de sintomas depressivos significativos. Em termos de custo em
dlares, os autores sugerem
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uma faixa entre 0,3 bilhes e 0,9 bilhes de dlares. Estes autores tambm reiteraram
que "O nus da terapia para a grande maioria das enfermidades depressivas (75% de
todas as hospitalizaes psiquitricas) recai pesadamente em modalidades teraputicas
psicossociais".
VALOR DA PSICOTERAPIA NA DEPRESSO
O valor do desenvolvimento de uma psicoterapia eficaz para a depresso,
estabelecendo suas indicaes e contra-indicaes, e ainda seu papel na conduta geral
do paciente, parece bastante evidente. Visto que parece que a psicoterapia praticada,
em vrios graus e formas, no tratamento de quase todos os pacientes depressivos,
toma-se crucial definir formas especficas de psicoterapia e determinar sua eficcia -
para que o usurio possa verificar se este servio dispendioso est levando ao
atingimento de resultados benficos. Ademais, existem outras razes para definir e
testar modalidades teraputicas especficas.
1. Embora as drogas antidepressivas sejam obviamente menos dispendiosas do
que a psicoterapia, nem todos os pacientes deprimidos respondem a essa medicao.
As melhores estimativas, baseadas num exame detido de numerosos estudos
controlados da quimioterapia da depresso, indicam que apenas 60 a 65% dos
pacientes mostram uma ntida melhora como resultado de tratamento com uma droga
tricclica comum (ver Beck, 1973, p. 86). Da, devem-se desenvolver mtodos para
auxiliar os 35% a 40% de pessoas deprimidas que no so ajudadas em sua
experincia inicial com drogas antidepressivas.
2. Muitos pacientes que poderiam responder s drogas, ou se recusam a tomar a
medicao por objeces pessoais, ou desenvolvem efeitos colaterais que os levam a
interromper a ingesto dos medicamentos.
3. possvel que, a longo prazo, a confiana na quimioterapia possa
indirectamente reduzir a utilizao, pelo paciente, de seus prprios recursos
psicolgicos para lidar com a depresso. A vasta bibliografia sobre a "atribuio",
sugere a possibilidade de que pacientes tratados com drogas atribuiro seus problemas
a uma descompensao qumica, e atribuiro sua melhora aos efeitos da droga
(Shapiro e Morris, 1978). Consequentemente, como indica a pesquisa
sociopsicol6gica, esses pacientes se tomam menos inclinados a utilizar ou desenvolver
seus prprios mecanismos de
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enfrentamento para lidar com a depresso. A taxa relativamente elevada de recada,
em pacientes previamente tratados com drogas (que chega a atingir 50% no ano
seguinte interrupo do tratamento), sugere que o argumento acima seja vlido.
A sabedoria convencional sugere que um processo eficaz de psicoterapia pode
ser mais benfico que a quimioterapia, a longo prazo, visto que o paciente pode
aprender com sua experincia psicoteraputica. Assim, pode-se esperar de tais
pacientes que sejam capazes de lidar mais eficazmente com suas depresses
posteriores, abortar depresses incipientes, e, possivelmente, tomar-se at mesmo
capazes de prevenir novas depresses.
O facto de que o ndice de suicdios no declinou, a despeito do uso
amplamente disseminado de drogas antidepressivas, sugere que, apesar de a
quimioterapia poder resolver temporariamente as crises suicidas, ela no tem um
efeito mantenedor que imunize o paciente contra novas tentativas de suicdio no
futuro. A pesquisa indica que existe um ncleo psicolgico central no paciente suicida
- a desesperana (ou "expectativas negativistas generalizadas"). Resultados positivos
do uso de uma abordagem directa da desesperana em pacientes deprimidos sugerem
que a terapia cognitiva pode ter "efeitos anti-suicidas" mais prolongados que o uso da
quimioterapia.
DEFINIO DA TERAPIA COGNITIVA
A terapia cognitiva uma abordagem activa, directiva, estruturada o de prazo
limitado usada no tratamento de uma variedade de distrbios psiquitricos (ex.:
depresso, ansiedade, fobias, queixas ligadas a dores. etc.). Fundamenta-se numa base
lgica terica subjacente, segundo a qual o afecto e o comportamento de um indivduo
so largamente determinados pelo modo como ele estrutura o mundo (Beck, 1967,
1976). Suas cognies ("eventos" verbais ou pictricos em seu sistema consciente)
baseiam-se em atitudes ou suposies (esquemas) desenvolvidas a partir de
experincia prvias. Por exemplo, se uma pessoa interpreta toda as suas experincias
em termos de ser competente ou adequada, seu pensamento podo estar dominado pelo
esquema "A menos que eu faa tudo com perfeio, sou um fracasso".
Consequentemente, reage s situaes em termos de adequao,
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mesmo quando elas no esto relacionadas a ser o indivduo pessoalmente competente
ou no.
As tcnicas teraputicas especficas empregadas so usadas dentro do quadro do
modelo cognitivista da psicopatologia, e no acreditamos que a terapia possa ser
levada a cabo de modo eficaz sem o conhecimento da teoria. As tcnicas teraputicas
destinam-se a identificar, testar no real e corrigir conceituao distores e as crenas
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disfuncionais (esquemas) subjacentes a essas cognies. O paciente aprende a
dominar problemas e situaes anteriormente consideradas insuperveis, atravs da
reavaliao e correco de seu pensamento. O terapeuta cognitivista ajuda o paciente a
pensar e agir mais realstica e adaptativamente com respeito a seus problemas
psicolgicos, dessa forma reduzindo os sintomas.
Uma diversidade de tcnicas cognitivas e comportamentais so empregadas na
terapia cognitiva. As tcnicas cognitivas objectivam delinear e testar, especificamente,
as falsas concepes e suposies inadaptativas do paciente. Esta abordagem insiste
em experincias de aprendizagem altamente especficas, destinadas a ensinar ao
paciente as seguintes operaes: (1) observar e controlar seus pensamentos negativos
automticos (cognies); (2) reconhecer os vnculos entre a cognio, o afecto e o
comportamento; (3) examinar as evidncias a favor e contra seus pensamentos
automticos distorcidos; (4) substituir as cognies tendenciosas por interpretaes
mais orientadas para o real; e (5) aprender a identificar e alterar as crenas
disfuncionais que o predispem a distorcer suas experincias.
Vrias tcnicas verbais so usadas para explorar a lgica subjacente e a base de
cognies e suposies especficas. O paciente recebe, inicialmente, uma explicao
acerca da base lgica da terapia cognitiva. A seguir, aprende a reconhecer, controlar e
anotar seus pensamentos negativistas no Registro Dirio de Pensamentos
Disfuncionais (ver Apndice). As cognies e pressuposies subjacentes so
discutidas e examinadas quanto a sua lgica, validade, adaptabilidade e ampliao de
comportamentos positivos, em oposio manuteno da patologia. Por exemplo, a
tendncia, no paciente deprimido, a sentir-se responsvel por resultados negativos, ao
mesmo tempo que constantemente deixa de reconhecer o prprio xito como mrito
seu, identificada e discutida. A terapia focaliza os "sintomas-alvo" especficos (ex.:
impulsos suicidas). As cognies que sustentam tais sintomas so identificadas (ex.:
"Minha vida no tem nenhum valor e no posso mudar isso") e submetidas
investigao lgica e emprica.
Um dos poderosos componentes do modelo psicoterpico da aprendizagem
que o paciente passa a incorporar muitas das tcnicas teraputicas usadas pelo
terapeuta. Por exemplo, os pacientes se descobrem, com frequncia, assumindo
espontaneamente o papel do terapeuta ao questionar algumas de Suas concluses ou
previses. Eis alguns exemplos de auto-questionamento que pudemos observar: Qual
a prova de minha concluso?
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Existem outras explicaes? Quo sria a perda? Quando ela realmente retira de
minha vida? Qual o grau de dano para mim, se um estranho pensar mal de mim? O
que tenho a perder se tentar ser mais afirmativo?
Esse tipo de autoquestionamento desempenha um papel relevante na
generalizao de tcnicas cognitivas da entrevista para situaes externas. Sem esse
questionamento, o indivduo deprimido est extremamente preso a padres
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automticos estereotipados, fenmenos ao qual poderamos chamar de "pensamento
sem reflexo".
Tcnicas behavioristas so usadas com pacientes mais gravemente deprimidos,
no apenas para modificar o comportamento, mas tambm para () cognies associadas a comportamentos especficos. Visto que o paciente geralmente requer
essas tcnicas mais activas ao incio do tratamento, apresentaremos o material
relacionado s estratgias behavioristas (Captulo 7) antes da exposio das tcnicas
cognitivistas (Captulo 8). Uma amostra das estratgias behavioristas inclui uma
Tabela Semanal de Actividades, na qual o paciente lana suas actividades de hora em
hora; uma Tabela de Mestria e Prazer, na qual classifica as actividades listadas em seu
registro por hora; e Atribuies de Tarefas Graduadas, segundo as quais o paciente
empreende uma sequncia de tarefas para atingir um objectivo que considere difcil ou
impossvel. Alm disso, as tarefas de carcter behaviorista destinam-se a auxiliar o
paciente a testar cognies e suposies inadaptativas.
Um problema importante com o qual se depara o terapeuta a tomada de
decises com respeito escolha e poca adequada para tipos particulares de
intervenes. Como ser possvel observar nos Captulos 7 e 8, tanto as tcnicas
behavioristas como as cognitivas tm suas caractersticas prprias de vantagens e
aplicaes na terapia cognitiva. O paciente bloqueado, preocupado, com uma faixa
estreita de ateno, encontra grande dificuldade em entregar-se introspeco. De
fato, suas preocupaes e sua ideao perseverativa podem agravar-se com esse
procedimento. Ademais, os mtodos behavioristas so relativamente poderosos para
contrapor-se a sua inrcia e mobiliz-lo em direco a actividades construtivas. Alm
disso, uma experincia de sucesso no atingimento de um objectivo comportamental
tende a ser mais poderosa que mtodos cognitivistas para contradizer crenas errneas
do tipo "Sou incapaz de fazer qualquer coisa".
Conquanto as tarefas comportamentais possam ter efeito mais impressionante
na refutao de crenas errneas, as tcnicas cognitivistas podem ser o tipo ptimo de
interveno para corrigir a tendncia do paciente a formular interferncias incorre tas
quanto a acontecimentos especfi-
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cos. Consideremos uma paciente que concluiu que seus amigos no gostam dela
porque no lhe telefonaram nos ltimos dias. Essa paciente deveria ser instada a
exercitar tcnicas cognitivistas, como a identificao dos processos "lgicos" que
levaram quela concluso, examinando todas as evidncias e considerando
explicaes alternativas. Uma tarefa comportamental seria irrelevante para lidar com
esse tipo de problema cognitivo.
Esses princpios sero da mxima importncia na implementao de uma
terapia coerente. medida que o terapeuta adquire experincia, torna-se capaz de
utilizar uma "rvore de decises" na conduta das entrevistas. Mais do que seleccionar
estratgias num modelo de ensaio e erro, ele ir escolher a tcnica mais aplicvel a
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cada sintoma ou problema particular.
A terapia consiste, geralmente, em 15 a 25 sesses com intervalo de uma
semana entre as sesses. Os pacientes moderada a gravemente deprimidos de uma
forma habitual requerem duas entrevistas semanais, por um perodo mnimo de 4 a 5
semanas e, a seguir, entrevistas semanais por 10 a 15 semanas. Geralmente, reduzimos
a frequncia para uma vez a cada duas semanas, por ocasio das ltimas visitas, e
recomendamos uma "terapia de reforo" aps completar-se o cujo normal do
tratamento. As visitas de acompanhamento podem ser marcadas a intervalo regulares
ou deixadas a critrio do paciente. Verificamos que o paciente tpico retoma para trs
ou quatro visitas "de reforo" durante o ano seguinte ao trmino da terapia formal.
NOVOS ASPECTOS DA TERAPIA COGNITIVA
Que existe de novo acerca desse tipo de psicoterapia? A terapia cognitiva difere da
psicoterapia convencional em dois aspectos Importantes: na estrutura formal das
entrevistas e nos tipos de problemas focalizados.
"Empirismo Cooperativo": Em contraste com as psicoterapias mais tradicionais,
como a terapia psicanaltica ou a terapia centrada no cliente, O terapeuta que aplica a
terapia cognitiva est continuamente em aco e deliberadamente interagindo com o
paciente. O terapeuta estrutura a terapia de acordo com um esquema particular, que
atrai a participao e a colaborao do paciente. Uma vez que o paciente deprimido se
apresenta inicialmente confuso, preocupado ou perturbado, o terapeuta o auxilia a
organizar seu pensamento e seu comportamento - com vistas a ajud-lo a enfrentar as
exigncias da vida cotidiana, Conquanto a colaborao do paciente na formulao do
plano de tratamento possa estar seriamente limitada por seus sintomas nesse estgio, o
terapeuta precisa usar sua habilidade e desenvoltura para estimular o paciente a tornar-
se activamente engajada nas diversas operaes teraputicas. Constatamos que as
tcnicas psicanalticas clssicas, tais como a associao livre e aco minimizada do
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terapeuta, afectam negativamente o paciente deprimido, por lhe facultarem mergulhar
mais profundamente no pantanal de suas preocupaes negativistas.
Contrastando com a terapia psicanaltica, o contedo da terapia cognitiva se
centra nos problemas do "aqui-e-agora". Pouca ateno dada s recordaes da
infncia, excepto para esclarecer observaes actuais. O impulso principal dirigido
investigao dos pensamentos e sentimentos do paciente durante a sesso teraputica e
entre diferentes sesses, No fazemos interpretaes de factores inconscientes. O
terapeuta cognitivista colabora activamente com o paciente na explorao de suas
experincias psicolgicas, no estabelecimento de planejamentos de actividades e no
preparo de tarefas a serem realizadas em casa.
A terapia cognitiva contrasta com a terapia behaviorista por sua maior nfase
nas experincias internas (mentais) do paciente, tais como pensamentos, sentimentos,
-
desejos, devaneios e atitudes. A estratgia global da terapia cognitiva pode ser
diferenciada das demais escolas teraputicas por sua nfase na investigao emprica
dos pensamentos, inferncias, concluses e pressuposies automticas do paciente.
Formulamos a ideia e as crenas disfuncionais do paciente sobre si mesmo, suas
experincias e seu futuro como hipteses, e buscamos ento testar a validade dessas
hipteses de forma sistemtica. Assim, quase toda experincia pode proporcionar a
oportunidade para um experimento relevante para as vises ou crenas negativistas do
paciente. Se o paciente acredita, por exemplo, que todas as pessoas que ele encontra
lhe voltam as costas por averso, poderamos auxili-lo a estabelecer um sistema para
julgar as reaces das outras pessoas e motiv-lo, a seguir, a fazer avaliaes
objectivas das expresses faciais e movimentos corporais das outras pessoas. Se o
paciente acredita ser incapaz de desincumbir-se de simples procedimentos de higiene,
poderamos planejar, em conjunto, uma tabela ou grfico de referncia que ele
pudesse usar para anotar seu grau de sucesso no desempenho dessas actividades.
MODELOS COGNITIVOS: PERSPECTIVA HISTRICA
Os pressupostos gerais nos quais se baseia a terapia cognitiva incluem os seguintes:
1. A percepo e a experincia, em geral, so processos activos, que
compreendem tanto dados de inspeco como de introspeco.
2. As cognies do paciente representam uma sntese dos estmulos internos e
externos.
3. A maneira como uma pessoa avalia uma situao geralmente se evidencia em
suas cognies (pensamentos e imagens visuais).
22
4. Essas cognies constituem a "corrente de conscincia" ou campo fenomenal
da pessoa, que reflecte a configurao que a pessoa tem de si mesma, seu mundo, seu
passado e seu futuro.
5. Alteraes no contedo das estruturas subjacentes da pessoa afectam seu
estado afectivo e seus padres comportamentais.
6. Atravs da terapia psicolgica um paciente pode tomar conhecimento de suas
distores cognitivas.
7. A correco desses constructos disfuncionais falhos pode levar melhoria
clnica.
As origens filosficas da terapia cognitiva podem ser buscadas nos filsofos
estoicistas, especialmente em Zeno de Ctio (sculo IV a.C.), Crsipo, Ccero,
Sneca, Epicteto e Marco Aurlio. Epicteto escreveu, no Enchiridion: "Os homens no
so perturbado pelas coisas, mas pelas vises que tm delas". Assim como o
estoicismo, filosofias orientais como o taosmo e o budismo enfatizaram que as
emoes humanas se baseiam em ideias. O controle dos sentimentos mais intensos
-
pode ser alcanado pela modificao das ideias de uma pessoa.
Freud (1900/1953) inicialmente apresentou o conceito de que os sintomas e
efeitos se baseiam em ideias inconscientes. A Psicologia Individual de Alfred Adler
enfatizava a importncia de compreender o paciente dentro do quadro de suas prprias
experincias conscientes. Para Adler, a terapia consistia em tentar deslindar a forma
como uma pessoa percebia e vivenciava o mundo. Adler (1931/1958) afirmou:
"No sofremos pelo choque de nossas experincias o chamado trauma mas fazendo
delas exactamente aquilo que serve a nossos propsitos. Somos autodeterminados pelo
significado que atribumos a nossas experincias; e provavelmente existe sempre algo
de errado envolvido, quando tomamos certas experincias especficas como base para
nossa vida futura. Os significados no so determinados pelas situaes, mas antes
determinamos a ns mesmos pelos significados que atribumos as situaes. "
Alguns outros autores, cujo trabalho emergiu da tradio psicanaltica, ou foi
por ela influenciado, contriburam com importantes conceituaes para o
desenvolvimento da psicoterapia cognitiva. (Para uma viso abrangente, ver Raimy,
1975). Alguns dos novos autores influentes nesse grupo so Alexander (1950),
Horney (1950), Saul (1947) e Sullivan (1953).
A nfase filosfica na experincia consciente subjectiva provm dos trabalhos
de Kant, Heidegger e Husserl. Esse "Movimento fenomonolgico" influenciou
substancialmente o desenvolvimento da psicologia moderna neste grupo de
psicoterapias. A utilizao da abordagem fenomenolgica em estados patolgicos
especficos exemplificada pelos trabalhos
23
de Jaspers (1413/1968), Binswanger (1944-45/1958) e Straus (1966). A influncia do
psiclogos do desenvolvimento, como Piaget (1947/1950, 1932/1960), tambm fica
evidenciada na formulao da psicoterapia cognitiva.
Progressos recentes na psicologia behaviorista tambm enfatizaram a
importncia lias cognies do paciente. Bowers (1973) argumentou a favor de um
modelo interacional entre o sujeito e os acontecimentos do meio circundante e contra
o "situacionismo" das abordagens behavioristas clssicas. Uma nfase crescente na
reestruturao cognitiva ou na modificao de cognies est reflectida no trabalho de
Arnold Lazarus (1972), que afirma que " possvel dizer que a maior parte dos
esforos psicoteraputicos se centra na correco de falsos conceitos" (p. 165). Essa
correco de falsos conceitos, diz Lazarus, pode preceder ou acompanhar a mudana
de comportamento.
Um nmero progressivamente maior de psicoterapeutas norte-americanos
delineou, mais especificamente, a maneira pela qual o terapeuta poderia modificar
cognies de uma forma sistmica durante a psicoterapia. Kelly (1955) desenvolveu
uma terapia de constructo pessoal para alterar a experincia diria consciente e
-
contnua do paciente. Na terapia de "papis fixos", o paciente assume um papel
baseado em pressuposies acerca do mundo e de si prprio que no so congruentes
com suas crenas habituais. Nesse novo papel, o paciente confrontado cara a cara
com pressuposies que vinha fazendo acerca de si prprio e de sua interaco com o
outro. Kelly se referiu a essas pressuposies ou crenas subjacentes como
"constructos pessoais".
Mais recentemente, Berne (1961, 1964) e Frank (1961) acrescentaram mtodos
e concertuaes diferentes s terapias destinadas a alterar a experincia consciente
contnua ou as cognies do paciente.
O trabalho de Ellis (1957, 1962, 1971, 1973) forneceu um mpeto significativo
ao desenvolvimento histrico das terapias cognitivo-behavioristas. Ellis associa o
acontecimento do meio, ou Ativador (A), s Consequncias (C) emocionais, atravs
da interferncia das Crenas (C). Assim, sua Psicoterapia Racional Emotiva visa
tornar o paciente consciente de suas crenas irracionais e das consequncias
emocionais inadequadas dessas crenas. A Psicoterapia Racional Emotiva se destina a
modificar essas crenas irracionais subjacentes. A utilizao de outras tcnicas para
trazer essas crenas conscincia e modific-las foi enfatizada por Maultsby (1975).
Contribuies recentes ao desenvolvimento da terapia cognitiva por autores de
orientao behaviorista (Mahoney, 1974; Meichenbaum, 1977;
24
Goldfried and Davison, 1976; e Kazdin e Wilson, 1978) forneceram uma base terica
e emprica mais firme para novos incrementos nesta rea.
A terapia cognitiva da depresso inclui um grupo de tcnicas inter-relacionadas,
destiladas no crisol da experincia clnica com pacientes depressivos. As tcnicas
especficas so empregadas dentro do enquadre de uma teoria acerca da estruturao
psicolgica da depresso (Beck, 1976). Como indicamos anteriormente, necessrio
compreender o modelo cognitivo da teoria da depresso, a fim de utilizar as tcnicas
especficas da terapia cognitiva.
O MODELO COGNITIVO DA DEPRESSO
O modelo cognitivo da depresso evoluiu de observaes clnicas sistemticas e de
testes experimentais (Beck, 1963, 1964, 1967). Essa interaco de uma abordagem
clnica e experimental permitiu um desenvolvimento progressivo do modelo e da
psicoterapia derivada dele (ver Beck, 1976).
O modelo cognitivo postula trs conceitos especficos para explicar o substrato
psicolgico da depresso: (1) a trade cognitiva, (2) esquemas, e (3) erros cognitivos
(processamento defeituoso da informao).
CONCEITO DE TRADE COGNITIVA
-
A trade cognitiva consiste de trs padres cognitivos principais que induzem o
paciente a encarar a si mesmo, seu futuro e suas experincias de uma forma
idiossincrtica. O primeiro componente da trade gira em torno da viso negativista
que o paciente tem de si mesmo. Ele se percebe como defeituoso, inadequado, doente
ou carente. Tende a atribuir suas experincias desprazeirosas a defeitos psicolgicos,
morais ou fsicos existentes em si prprio. A seu ver, o paciente acredita que, por
causa de seus supostos defeitos, indesejvel e sem valor. Tende a subestimar ou
criticar a si mesmo por tais defeitos. Finalmente, acredita no ter os atributos que
considera essenciais obteno da felicidade e do contentamento.
O segundo componente da trade cognitiva consiste na tendncia da pessoa
deprimida a interpretar suas experincias correntes de uma forma negativista. Ela
percebe o mundo como lhe fazendo solicitaes absurdas e/ou colocando obstculos
insuperveis ao atingimento de seus objectivos de vida. Interpreta mal suas
interaces com seu meio circundante, animado ou inanimado, como demonstraes
de derrota ou privao. Essas falsas interpretaes se tornam evidentes quando o
paciente traduz, de modo negativista, situaes para as quais existem interpretaes
alternativas mais plausveis. A pessoa deprimida pode dar-se conta de que suas
interpreta-
25
es negativas iniciais so tendenciosas, se persuadida a reflectir sobre essas
explicaes alternativas menos negativistas. Dessa forma, pode chegar a aperceber-se
de que alinhavou os fatos de modo a que atendessem a suas concluses negativistas
pr-formadas.
O terceiro componente da trade cognitiva consisto numa viso negativista do
futuro. medida que a pessoa deprimida faz projeces a longo prazo, antecipa que
suas dificuldades ou sofrimentos presentes se prolongara-o indefinidamente. Prev
sofrimentos, frustraes e privaes incessantes. Quando considera a possibilidade de
encarregar-se de uma tarefa especfica no futuro prximo, espera falhar.
O modelo cognitivo v os demais sinais e sintomas da sndrome depressiva
como conscincias da activao dos padres cognitivos negativistas. Por exemplo, se
o paciente erroneamente pensa que est sendo rejeitado, reagir com o mesmo efeito
negativo (por exemplo, tristeza, raiva) que ocorre diante da rejeio real. Se acredita
erroneamente que um pria social, sente-se solitrio.
Os sintomas motivacionais (por exemplo, paralisia da vontade, desejos de fuga
e evitao etc.) podem ser explicados como consequncias das cognies negativas. A
paralisia da vontade resulta do pessimismo e do desamparo do paciente. Se ele antev
um resultado negativo, no ir comprometer-se com um objectivo ou tarefa. Os
desejos suicidas podem ser compreendidos como uma expresso extrema do desejo de
escapar daquilo que parecem ser problemas insolveis ou uma situao intolervel. A
pessoa deprimida pode ver-se como uma carga sem valor e consequentemente,
acreditar que todos, inclusive ela prpria, se sentiro melhor quando estio ver morta.
-
A crescente dependncia tambm compreensvel em termos cognitivos. Por
perceber-se como inepto e desamparado e por superestimar as dificuldades de tarefas
normais, ele espera sair-se mal em suas incumbncias. Assim, o paciente tende a
buscar ajuda e segurana nos outros, a quem considera mais competentes e capazes.
Finalmente, o modelo cognitivo tambm pode explicar os sintomas fsicos da
depresso. A apatia e a baixa energia podem resultar da crena do paciente de estar
condenado ao fracasso em todos os seus esforos. Uma viso negativista do futuro
(um sentimento de inutilidade) pode levar a "inibies psicomotoras".
ORGANIZAO ESTRUTURAL DO PENSAMENTO DEPRESSIVO
Um segundo ingrediente fundamental no modelo cognitivo consiste no conceito de
esquemas. Esse conceito utilizado para explicar por que um
26
paciente deprimido mantm suas atitudes causadoras de sofrimento e auto-derrotistas,
a despeito de provas objectivas de falares positivos em sua vida.
Qualquer situao composta de uma pletora de estmulos. O indivduo volta-se
selectivamente para estmulos especficos, combina-os num padro e conceitualiza a
situao. Embora pessoas diferentes possam conceitualizar de maneiras diversas uma
mesma situao, uma dada pessoa tende a ser coerente em suas respostas a tipos
semelhantes de acontecimentos. Padres cognitivos relativamente estveis formam a
base da regularidade nas interpretaes de conjuntos especficos de situaes. O termo
"esquema" designa esses padres cognitivos estveis.
Quando uma pessoa se depara com uma circunstncia particular, um esquema
relacionado aquela circunstncia activado. O esquema a base para a modelagem
dos dados em cognies (definidas como qualquer ideao com contedo verbal ou
pictrico). Assim, um esquema constitui a base para separar, diferenciar e codificar os
estmulos com que se confronta o indivduo. Ele categoriza e avalia suas experincias
atravs de uma matriz de esquemas.
Os tipos de esquemas empregados determinam como um indivduo ir estruturar
experincias diversas. Um esquema pode permanecer inactivo por longos perodos de
tempo, mas pode ser energizado por dados de entrada especficos do meio (por
exemplo, situaes tensionantes). Os esquemas activados numa situao especfica
determinam directamente o modo como a pessoa responde. Em estados
psicopatolgicos como a depresso, as conceituaes do paciente sobre situaes
especficas so distorcidas para conformar-se aos esquemas disfuncionais
predominantes. O parcamento ordenado de um esquema apropriado a um estmulo
especfico fica perturbado pela intromisso desses esquemas idiossincrticos
excessivamente activos. medida em que esses esquemas idiossincrticos se tornam
mais activos, eles so evocados por uma variedade mais ampla de estmulos, que a
eles se relacionam menos logicamente. O paciente perde muito de seu controle
-
voluntrio sobre seus processos de pensamento e se torna incapaz de invocar outros
esquemas mais adequados.
Em depresses mais brandas, o paciente geralmente capaz de perceber seus
pensamentos negativos com alguma objectividade. medida que a depresso se
agrava, seu pensamento fica progressivamente mais dominado por ideias negativas,
embora possa no existir nenhuma ligao lgica entre as situaes reais e suas
interpretaes negativistas. Na proporo em que teus esquemas idiossincrticos
preponderantes conduzem a distores da realidade e, consequentemente, a erros
sistemticos no pensamento da pessoa deprimida, ela se torna menos capaz de cogitar
da noo de que suas interpretaes negativistas esto erradas. Nos estados mais
agudos de depresso, o pensamento do paciente pode ficar completamente dominado
pelo esquema idiossincrtico: ele fica totalmente preocupado com pensa-
27
mentos negativistas perseverativos e repetitivos e pode parecer-lhe
extraordinariamente difcil concentrar-se em estmulos externos (por exemplo, ler ou
responde perguntas), ou envolver-se em actividades mentais voluntrias
(computaes, solucionamento de problemas, rememoraes). Em tais casos,
inferimos que a organizao cognitiva idiosincrtica tornou-se autnoma. A
organizao cognitiva depressiva pode tornar-se to independente de estimulao
externa, que o indivduo no mais responde a mudanas em seu meio imediato.
PROCESSAMENTO FALHO DE INFORMAES
Os erros sistemticos no pensamento da pessoa deprimida preservam a crena do
paciente na validade de seus conceitos negativistas, a despeito da presena de
evidncia contraditria (ver Beck, 1967).
1. A inferncia arbitrria (conjunto de respostas) se refere ao processo de se
chegar a uma concluso especfica na ausncia de provas para sustent-la, ou quando
as provas so contrrias concluso.
2. A abstraco selectiva (conjunto de estmulos) consiste em focalizar um
detalhe retirado do contexto, ignorando outros aspectos mais salientes da situao e
conceituando a totalidade da experincia com base nesse fragmento.
3. A hipergeneralizao (conjunto de respostas) se refere ao padro segundo o
qual se chega a uma regra ou concluso geral na base de um ou mais incidentes
isolados, e se aplica o conceito, em espectro amplo, a situaes relacionadas e no
relacionadas ao(s) incidente(s).
4. O exagero e a minimizao (conjunto de respostas) se reflectem em erros na
avaliao do significado ou magnitude de um acontecimento, grosseiros a ponto de se
constiturem em distores.
-
5. A personalizao (conjunto de respostas) diz respeito propenso do paciente
a relacionar ocorrncias externas a si mesmo, quando no existe base para estabelecer
essa relao.
6. O pensamento absolutista, dicotmico (conjunto de respostas) se manifesta na
tendncia a colocar todas as experincias em uma de suas categorias opostas; por
exemplo, perfeito ou defeituoso, imaculado ou mundo, santo ou pecador. Na descrio
de si mesmo, o paciente selecciona a categorizao negativa extrema.
Uma forma de compreender a desordem do pensamento na depresso
conceitu-lo em termos de modalidades "primitivas" ou "amadurecidas" de organizar
a realidade. Evidentemente, as pessoas deprimidas tendem a estruturar suas
experincias de maneira relativamente primitiva.
28
Tendem a fazer amplos julgamentos globais acerca de fatos que influenciam sua vida.
Os significados que inundam sua conscincia esto propensos a ser extremados,
negativos, categricos, absolutos e arbitrrios. A resposta emocional se inclina, dessa
forma, a ser negativa e extremada. Em contraste com essa modalidade primitiva de
pensamento, a reflexo mais amadurecida automaticamente integra as situaes de
vida cm muitas dimenses ou qualidades (em oposio a uma categoria nica), em
lermos quantitativos, mais que qualitativos, e de acordo com padres relativistas, mais
que absolutistas. No pensamento primitivo, a complexidade, variabilidade e
diversidade das experincias e do comportamento humanos ficam reduzidas a umas
poucas categorias simplistas.
As caractersticas do pensamento depressivo tpico parecem anlogas s descritas
por Piaget (1932/1960) em suas descries do pensamento infantil. Empregamos o
rtulo "primitivo" para esse tipo de pensamento a fim de distingui-lo do pensamento
mais adaptativo, observado em estgios posteriores do desenvolvimento. As
caractersticas diferenciadoras dessas formas de pensamento esto esquematizadas
abaixo:
Pensamento "Primitivo"
1. No dimensional e global: Eu sou medroso.
Pensamento "Amadurecido"
Multidimensional: sou moderadamente medroso, muito generoso e
razoavelmente inteligente.
Pensamento "Primitivo"
2. Absolutista e moralista: Sou um covarde desprezvel.
Pensamento "Amadurecido"
Relativista e no-arbitrrio: Sou mais medroso que a maioria das pessoas que
conheo.
-
Pensamento "Primitivo"
3. Invariante: Sempre fui e sempre serei um covarde.
Pensamento "Amadurecido"
Varivel: Meus medos variam de poca e de situao a situao.
Pensamento "Primitivo"
4. "Diagnstico do carcter": Tenho um defeito de carcter.
Pensamento "Amadurecido"
"Diagnstico comportamental": Evito muito as situaes e tenho muitos medos.
Pensamento "Primitivo"
5. Irreversibilidade: Uma vez que sou basicamente fraco, no h basicamente
fraco, no h nada que se possa fazer a respeito.
Pensamento "Amadurecido"
Reversibilidade: Posso aprender formas de enfrentar situaes e lutar contra
meus medos.
De acordo com essa representao esquemtica, observamos que o paciente
depressivo tende a encarar suas experincias como privaes ou fracassos totais (no-
dimensional) e como irreversveis (Fixas). Concomitantemente, ele se categoriza
como um "perdedor" (categrico, arbitrrio) e como condenado (dficits irreversveis
de carcter).
29
A maior parte desta monografia dedicada descrio das maneiras pelas quais
possvel identificar tais padres de pensamento idiossincrtico e estratgias para
contrabalan-los. Sugestes especficas para lidar com o pensamento absolutista e
dicotmico podem ser encontradas na seco sobre Sintomas Cognitivos, no Captulo
9.
PREDISPOSIO DEPRESSO E PRECIPITAO DA DEPRESSO
O modelo cognitivo fornece uma hiptese acerca da predisposio depresso.
Resumidamente, a teoria prope que as experincias primrias fornecem a base para a
formao de conceitos negativistas acerca de si mesmo, do futuro e do mundo externo.
Tais conceitos negativos (esquemas) podem estar latentes, mas podem ser activados
por circunstncias especficas que sejam anlogas s experincias originalmente
responsveis pelo engaste da atitude negativa.
Por exemplo, a ruptura de uma situao conjugal pode activar o conceito de
perda irreversvel associado com a morte de um dos puis na infncia.
Alternativamente, a depresso pode ser disparada por uma anormalidade ou doena
fsica que activa a crena latente de uma pessoa de estar destinada a uma vida de
-
sofrimento. Situaes de vida desagradveis - e mesmo extremamente adversas no
produzem necessariamente uma depresso, a menos que a pessoa seja particularmente
sensvel quele tipo especfico de situao, pela natureza de sua organizao
cognitiva.
Em resposta a situaes traumticas, o indivduo normal ainda conserva o
interesse e avalia realisticamente outros aspectos no traumticos de sua vida. Por
outro lado, o pensamento da pessoa inclinada depresso se torna marcantemente
limitado e desenvolvem-se ideias negativas acerca de todos os aspectos de sua vida.
Existe um farto suporte emprico para o modelo cognitivo da depresso. Estudos
naturalistas, observaes clnicas e estudos experimentais foram recentemente revistos
(Beck e Rush, 1978). Atravs de estudos, foram documentadas a presena e a
intercorrelao dos constituintes da "trade cognitiva" em associao com a depresso.
Vrios estudos atestam a presena de dficits cognitivos especficos (por exemplo,
raciocnio abstraio e ateno selectiva comprometidos) em pessoas deprimidas ou em
suicidas.
UM MODELO DE INTERAO RECPROCA
Nossa discusso sobre a teoria cognitiva da depresso pode parecer unilateral acto
aqui; talvez parea que o paciente pode desenvolver uma depres-
30
so independentemente de suas experincias interpessoais. Parte dessa aparente nfase
exagerada nos aspectos "intrapsquicos" da depresso resultado do foco proposital
no indivduo e em sua construo da realidade. Vamos ento expandir a unidade de
observao para abranger os aspectos importantes de seu meio circundante (por
exemplo, a famlia, amigos, parentes, empregador, etc.).
Como se acha assinalado por Bandura (1977), o comportamento de uma pessoa
influencia outras pessoas, cuja aco, por sua vez, influencia o indivduo. Uma possua
caindo em depresso pode afastar-se de outras pessoas significativas. Alienados dessa
maneira, os "outros significativos" podem responder com rejeio ou crtica, as quais,
por sua vez, activam ou agravam a auto-rejeio e a autocrtica do prprio sujeito.
(Alternativamente, a rejeio por parte de outrem pode ser o primeiro elo na cadeia
que conduz depresso clnica). As conceituaes negativas resultantes da levam o
paciente (que pode agora estar clinicamente deprimido) a um maior isolamento.
Assim, o crculo vicioso pode perdurar at que o paciente fique to deprimido a ponto
de poder tornar-se inacessvel a tentativas de outrem no sentido de ajud-lo e
demonstrar-lhe amor a afeio.
Uma relao interpessoal harmoniosa, por outro lado, pode fornecer proteco
contra o desenvolvimento de uma depresso amplamente difundida. Assim, um
sistema forte de apoio social pode fornecer uma prova to poderosa de aceitao,
respeito e afecto, que neutraliza a tendncia a tendncia do paciente a desvalorizar-se.
-
Alm disso, o tratamento do paciente deprimido , com frequncia, grandemente
facilitado pelo uso de um membro da famlia ou amigo ntimo que sirva como
representante da realidade social, para auxiliar o paciente a testar a validade de seu
pensamento negativista. Quando as interaces contraproducentes com outros
significativos contribuem para a manuteno da depresso, uma forma de "terapia de
casais", aconselhamento conjugal ou terapia da famlia pode ser indicada.
Convm enfatizar que os pacientes deprimidos podem variar consideravelmente
quanto a terem suas depresses agravadas ou aliviadas por outras pessoas. Algumas
depresses so relativamente no-reactivas e evoluem num curso inexorvel, a
despeito de influncia favorveis do meio circundante.
PRIMAZIA DOS FACTORES COGNITIVOS NA DEPRESSO
Algumas questes importantes foram levantadas quanto primazia dos factores
cognitivos na sndrome da depresso. Como assinala Schreiber (1978), as distores
negativas poderiam ser encaradas no mesmo nvel que os sintomas afectivos,
motivacionais, comportamentais e vegetativos, simplesmente como uma manifestao
ou sintoma da depresso. Na verdade, muitas
31
descries contemporneas consideram a depresso uma perturbao afectiva, pura e
simplesmente, ignorando completamente os aspectos cognitivos.
Em nossa conceituao da depresso, tentamos dar algum sentido aos fenmenos
altamente diversificados da depresso, dispondo-os numa sequncia lgica coerente.
A maneira pela qual os sinais e sintomas de uma perturbao podem ser arranjados,
com o objectivo de construir relaes significativas (embora hipotticas), pode ser
ilustrada por uma analogia.
Consideremos um paciente que se apresenta a seu mdico com uma fraqueza
generalizada, dores no peito, respirao difcil e ruidosa, tosse crnica e escarros de
sangue. Para dispor esses fenmenos numa sequncia compreensvel, seramos
forados a centrar nossa ateno em suas dores no peito como o primeiro elo na
reaco em cadeia. Poderamos ento traar a seguinte sequncia: dores no peito
dificuldade respiratria + tosse escarros de sangue e fraqueza generalizada. A hiptese de trabalho seria a de que o paciente tem uma leso nos pulmes, que
responderia plos sintomas respiratrios e dores no peito. Vamos admitir que o
mdico tenha que confiar inteiramente nos relatos do paciente e em seu prprio exame
clnico. Se ele fosse ento capaz de demonstrar (aps a percusso e a auscultao do
peito) alguma anormalidade na rea relevante do pulmo, por exemplo, uma rea com
densidade aumentada, teramos alguma prova que servisse de apoio a formulao
preliminar. Alm disso, se o mdico pudesse fazer regredir a doena pela reduo ou
eliminao da densidade aumentada do pulmo (por exemplo, atravs de exerccios
-
respiratrios, repouso absoluto ou imobilizao cirrgica do pulmo), obteramos
comprovao adicional para a ideia da patognese da molstia.
A essa altura, entretanto, no seria possvel fazer qualquer afirmao definitiva
quanto causa imediata da enfermidade (possivelmente uma infeco pulmonar ou
um tumor), nem quanto a sua causa fundamental (possivelmente uma bactria, uma
toxina ou um agente carcinognico). Poderamos apenas afirmar que, constrangidos
plos dados disponveis fornecidos pelo paciente e em vista das informaes limitadas
provenientes do exame directo, teramos uma razovel possibilidade de atribuir a
primazia na sequncia de sintomas a patologia pulmonar. Teramos que contentar-nos
com a prova de que a leso pulmonar seria um factor contributivo ou um mecanismo
de manuteno da doena. Sob muitos aspectos, nossa formulao acerca da depresso
anloga a essa configurao hipottica de sinais e sintomas.
Assim, a partir de um "corte transversal" da sintomatologia da depresso,
chegamos ao ponto cm que deveramos procurar a psicopatologia primria no modo
peculiar atravs do qual o indivduo v a si mesmo, suas experincias e seu futuro (a
"trade cognitiva"), e em sua forma idiossincrtica de processar a informao
(inferncia arbitrria, memria selectiva, hipergeneralizao, etc.). Nossa experincia
clnica e nosso trabalho expe-
32
mental sugerem que o paralelo estabelecido com uma leso pulmonar pode ser til. As
manifestaes mais rebuscadas na depresso podem desviar o clnico (assim como o
paciente) de chegar sequer a notar o ponto exacto de patologia significativa. Da
mesma forma que, no caso de um "tumor silencioso" no pulmo, os sintomas mais
acentuados podem ser a dor fsica, a tosse e a fraqueza, tambm na depresso os
sintomas dominantes podem ser o sofrimento psquico, a agitao e a perda de
energia. Se o diagnosticador no pesquisar uma outra patologia, pudera perder na
cadeia de talos o fenmeno primrio, ou seja, a perturbao do pensamento.
Urge enfatizar que nossa explicao, at aqui, se baseia na anlise dos fenmenos
da depresso. Nossos instrumentos de observao, neste nvel de anlise, no
fornecem dados relacionados "causa" fundamental. As construes negativistas da
realidade pelo paciente podem ser postuladas como o primeiro elo na cadeia de
sintomas (ou "fenmenos"). Uma formulao desse tipo fornece uma vasta srie de
hipteses testveis. Apreciaes crticas recentes da bibliografia existente sobre o
assunto citaram mais de trinta e cinco estudos correctivos e experimentais que apoiam
essas hipteses (Beck e Rush, 1978; Hollon e Beck, no prelo).
Como se mencionou anteriormente, o modelo cognitivo no se dirige, contudo,
questo da possvel etiologia fundamental ou causa da depresso unipolar: por
exemplo, predisposio hereditria, aprendizagem falha, dano cerebral, anormalidades
bioqumicas, etc., ou qualquer combinao delas.
Outro desafio ao modelo cognitivo diz respeito questo da predisposio
depresso. Esse problema, com referencia ao modelo cognitivo, centra-se no modo
-
como as peculiaridades da organizao cognitiva contribuem para a susceptibilidade a
perturbao ou para a sua precipitao. Nossa formulao sobre o papel das estruturas
cognitivas inadaptativas predisponentes baseia-se, em parte, na observao clnica
prolongada, bem como na especulao lgica. No nos parece plausvel que os
mecanismos cognitivos aberrantes sejam criados de novo a cada vez que um indivduo
vivncia uma depresso. Parece mais digno de crdito supor que ele tenha alguma
anomalia relativamente duradoura em seu sistema psicolgico. Assim, precisamos
fazer nossa anlise longitudinal em termos estruturais. Um conjunto de "estruturas
cognitivas" (esquemas) disfuncionais, formado em poca anterior, activado quando a
depresso precipitada (seja por tenso psicolgica, desequilbrio bioqumico,
estimulao hipotalmica, ou qualquer outro agente). A formao e o modo de
activao dos esquemas depressognicos j foi exposta anteriormente (Bock, 1967).
33
REVOLUES COGNITIVAS; PARADIGMAS CIENTFICOS E DEPRESSIVOS
Em certo sentido, a terapia cognitiva da depresso apresenta uma soluo proposta
para os "paradoxos da depresso" (Beck, 1976, pp. 102-05). Os fenmenos da
depresso se caracterizam por uma inverso ou distoro de muitos dos princpios
geralmente aceitos acerca da natureza humana: o "instinto de sobrevivncia", os
impulsos sexuais, a necessidade de dormir e alimentar-se, o "princpio do prazer", e
mesmo o "instinto maternal". Esses paradoxos podem tornar-se compreensveis dentro
do enquadre daquilo a que os autores contemporneos em psicologia se referem como
"a revoluo cognitiva em psicologia" (Dember, 1974; Mahoney, 1977; Weimer e
Palermo, 1974). Embora a mudana em direco ao estudo dos processos cognitivos
possa ser encarada como uma continuao da extensa dialctica entre a psicologia
intrapsquica e o situacionismo, ou dos mais amplos conflitos filosficos entre o
mentalismo e o fisicalismo, existem provas de que um novo paradigma cientfico pode
estar surgindo.
O paradigma cientfico (no sentido empregado por Kuhn, 1962) que engloba o Modelo Cognitivo da Depresso compreende muito mais do que uma teoria
e uma terapia. Ele inclui tambm um domnio anteriormente negligenciado (a
organizao cognitiva), uma tecnologia e ferramentas conceituais utilizadas para a
obteno de dados nesse domnio, um conjunto de princpios geralmente aceitos para
a construo da teoria e, finalmente, uma tecnologia especializada para recolher e
avaliar as comprovaes que apoiam a teoria. Como no caso de outros paradigmas,
estabeleceram-se "normas de comprovao" para determinar que informaes so
admissveis e como podem ser interpretadas de modo confivel. Alm disso, visto
estarmos lidando com a aplicao prtica da teoria, o paradigma tambm se estende a
um sistema de psicoterapia, com seu conjunto caracterstico de normas para obteno
e interpretao de dados, alm de um projecto de pesquisa desenvolvido para avaliar
melhoras atribuveis aos procedimentos teraputicos.
-
O que h de revolucionrio sobre o novo paradigma cientfico da depresso? Em
primeiro lugar, ele se centra no paradigma pessoal do paciente (ver Captulo 4, p. 71).
Em segundo lugar, conceitua-se esse paradigma depressivo em termos de uma
"revoluo cognitiva". De modo caracterstico, a organizao cognitiva da pessoa
deprimida sofreu uma revoluo (ou talvez "circunvoluo"), que produz uma
reverso acentuada na maneira como o paciente constri a realidade. Contrastando
com a noo usual de revoluo cientfica, geralmente encarada como representativa
de progresso, a "revoluo depressiva" constitui uma regresso.
Nosso novo paradigma cientfico da depresso afirma: O paradigma pessoal do
paciente, quando est cm estado depressivo, produz uma viso
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distorcida dele mesmo e de seu mundo. Sim ideias e crenas negativistas assemelham-
se a uma representao verdicas da realidade para ele, ainda que paream artificiais
para outras pessoas e mesmo para ele prprio, quando no est deprimido. Suas
observaes e interpelaes dos acontecimentos so moldadas por esse quadro
conceituai - equivalente descrio de paradigma cientfico de Kuhn. As alteraes
grosseiras em sua organizao cognitiva levam a um processamento incorrecto das
informaes, em consequncia do qu ele sofre de uma ampla variedade de sintomas
dolorosos. Utilizamos nosso paradigma cientfico primeiramente para compreender e,
em segundo lugar, para modificar o paradigma pessoal incorrecto, a fim de que ele
no mais propicie observaes e interpretaes esprias. Propomos, alm disso, que,
quando o paradigma pessoal do paciente revertido e reajustado realidade (numa
espcie de "contra-revoluo"), sua depresso comea a desaparecer.
O conceito de uma revoluo cognitiva na depresso tem implicaes para a
pesquisa da psicopatologia (assim como da psicoterapia) dessa condio. Muito da
pesquisa e estudos anlogos da depresso "subclnica" presumiram uma continuidade
dos estados normais aos patolgicos. Se o estado clnico da depresso for
qualitativamente diferente do estado de no-depresso, os pesquisadores podero
sentir necessidade de pr de lado seus princpios de trabalho (ex.: teoria do
condicionamento, processamento de informaes), aplicveis ao estudo dos indivduos
normais, e de adoptar um paradigma diferente para estudar a depresso. Essa alterao
no tipo de teoria aplicvel ao normal, em oposio personalidade anormal, pode ser
ilustrada no seguinte exemplo.
Uma das caractersticas primrias do paciente gravemente deprimido sua
relativa indiferena aos dados provenientes do meio circundante. A despeito do que
esteja ocorrendo em torno dele, o paciente tende a perseverar sobre lemas ligados
privao, falibilidade ou doena. Em termos metafricos, a organizao cognitiva
torna-se relativamente autnoma e remi uma corrente contnua de ideias negativistas
estereotipadas dos acontecimentos externos imediatos, mas, em sua maior parte,
representam reverberaes de uma ideao negativista repetitiva, divorciada da
situao presente do meio circundante. Desse modo, formulaes como o modelo da
-
interaco recproca de Bandura no se aplicariam a tal estado psicopatolgico. O
"modelo cognitivo autnomo" poderia ser mais adequado ao desenvolvimento de
hipteses e ao delineamento de experimentos para estudar a pessoa psicologicamente
perturbada.
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PR-REQUISITOS PARA O EXERCCIO DA TERAPIA COGNITIVA DA
DEPRESSO
1. O psicoterapeuta que trata de pacientes deprimidos deve ter uma slida
compreenso da sndrome clnica da depresso. A partir de sua educao e
treinamento formais, ele precisa de instruo bsica nas tcnicas de entrevista
necessrias para definir o "estado mental" do paciente e obter uma histria adequada.
Deve estar totalmente familiarizado com a mirade de manifestaes clnicas da
sndrome e com as vicissitudes do processo clnico e de seu resultado. Esses aspectos
clnicos incluem o conhecimento acerca das remisses espontneas, do ndice de
recidivas e do risco de suicdio.
Os terapeutas no devem ater-se a definies idiossincrticas da depresso,
ditadas por alguma "escola" especfica de psiquiatria ou psicologia, mas sim aderir s
descries amplamente aceitas das sndromes. Por exemplo, a descrio da
sintomatologia, processo clnico e nosologia da depresso, expostas em Depression,
causes and treatment (Beck, 1967), foram de um modo geral aceitas como definitivas
por pesquisadores e clnicos, a despeito de suas prprias teorias sobre a natureza e
etiologia da depresso. Desse modo, aquele texto (ou um texto equivalente) deveria
ser utilizado pelo investigador ou terapeuta como uma estrutura bsica para lidar com
essa condio.
Acreditamos que a tendncia de muitos psicoterapeutas a ignorar as categorias
nosolgicas tradicionais e a concentrar-se simplesmente nos problemas do paciente
limitadora e pode levar a consequncias desastrosas, Embora simpatizemos com a
filosofia do "tratar o paciente e no a doena", existem razes substanciais para
separar as perturbaes psicolgicas em classes e, consequentemente, para empregar
tcnicas sensveis para se chegar ao diagnstico correio.
A depresso, por exemplo, tem vrias caractersticas altamente diferenciadoras.
Primeiramente, ela apresenta um conjunto especfico de sintomas e comportamentos
discriminveis que a diferenciam de outras neuroses. Em segundo lugar, tende a seguir
um curso peculiar. Uma depresso tpica habitualmente comea de forma branda,
atinge um pico de gravidade e, a seguir, geralmente declina em intensidade, at que
sua caracterstica de durao limitada e "remisses espontneas" sejam repetidamente
observadas pelos clnicos. A depresso tende a ser episdica, com perodos
intercalados livres de sintomas. A natureza da durao limitada da depresso distingue
essa sndrome de outras, como as fobias e as neuroses obsessivo-compulsivas, e
mesmo da ansiedade crnica, que pode perdurar por toda a vida sem quaisquer
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alteraes significativas. Em terceiro lugar, em vista da complicao letal que quase
especificamente prpria dessa sndrome, ou seja, o suicdio, o diagnstico da
depresso particularmente
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importante. Em quarto lugar, alguns tratamentos somticos especficos foram
empregados com sucesso na depresso. As drogas tricclicas, por exemplo, tm
emprego altamente selectivo nessa sndrome. O tratamento com eletrochoque muitas
vezes produz resultados notveis em casos seleccionados de depresso, embora tenda
a piorar outras condies, como a neurose de ansiedade. Em quinto lugar, um conjunto
de provas que se vem acumulando indica existir um tipo peculiar de distrbio
biolgico na depresso, possivelmente relacionado a uma depleo de
neurotransmissores. Em sexto lugar, h algumas provas de que certos tipos de doenas
depressivas (ex.: depresses bipolares) tm um acentuado determinante hereditrio.
Em stimo lugar, descobrimos, em nossas pesquisas, que o contedo especfico das
distores cognitivas e as pressuposies subjacentes diferem dos encontrados em
outros distrbios. Finalmente, os tipos de factores precipitadores (quando se
encontram presentes) podem divergir nas vrias perturbaes neurticas. Os
precipitadores da depresso giram em tomo de uma perda real ou percebida; em outras
sndromes, como a ansiedade, os factores desencadeantes especficos esto mais
ligados ameaa ou ao perigo.
Um resumo conciso da sintomatologia e do diagnstico diferencial dos distrbios
depressivos pode ser consultado no Captulo 17 (Terapia Cognitiva e Medicamentos
Antidepressivos), nesta monografia. Antes de tomar uma deciso acerca da escolha do
tratamento para um paciente depressivo, o clnico deve dominar o material constante
daquele captulo. De outra forma, poder descobrir, para seu prprio desapontamento,
que esteve tratando um manaco-depressivo cclico com uma abordagem
exclusivamente psicolgica, enquanto o paciente deveria estar sendo medicado com
ltio. Do mesmo modo, o clnico deve ser sensvel presena de distrbios afectivos
graves e da depresso psictica, para no correr o risco de recusar injudiciosamente a
medicao antidepressiva eficaz. Alm disso, precisa saber como e quando combinar a
medicao antidepressiva com a terapia cognitiva.
Existe um risco de que o clnico inexperiente possa fixar sua ateno numa faceta
da depresso e ignorar os numerosos componentes afectivos, motivacionais,
cognitivos, comportamentais e psicolgicos. Sabemos de vrias ocasies em que um
terapeuta, cegado pela teoria, anunciou, com orgulho, modificaes numa rea, por
exemplo, melhora nas relaes inter-pessoais, nvel de actividade aumentado ou uma
aparente reduo da tristeza. Poucos dias mais tarde, o paciente cometeu suicdio!
2. Uma vez que o suicdio a complicao letal da depresso, o clnico precisa
de habilidades especficas para o reconhecimento do paciente suicida e para a
determinao do risco de suicdio. Mesmo um paciente com uma depresso branda
pode suicidar-se; ademais, no so incomuns as tentativas de suicdio durante a
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psicoterapia. O clnico precisa estar alerta para os indicadores de aumento do risco de
suicdio durante o tratamen-
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to, a fim de estar preparado a tomar decises cruciais acerca de assuntos tais como
notificar a famlia do paciente sobre o risco de suicdio, recomendar hospitalizao,
receitar precaues especificas no hospital etc.
Algumas instrues para a avaliao do risco de suicdio podem ser encontradas
na monografia The prediction of suicide (Beck, Resnik e Lettieri, 1974) e tambm no
artigo que descreva a Escala de Ideao Suicida (Beck, Kovacs e Weissman, no
prelo). A interveno psicolgica rpida, especialmente quando o terapeuta capaz de
isolar e reverter o sentimento de abandono subjacente, discutida com detalhes no
Captulo 10.
3. O candidato a terapeuta cognitivo deve ser, primeiramente, um bom
psicoterapeuta. Deve possuir as caractersticas necessrias, tais como a capacidade de
responder ao paciente numa atmosfera de relacionamento humano com interesse, aceitao e simpatia. No importa quo proficiente ele seja no emprego tcnico de
estratgias cognitivas, ficar seriamente obstrudo em seu trabalho se no for dotado
dessas caractersticas interpessoais essenciais.
Constatamos que terapeutas com formao e experincia distintas podem exercer
com sucesso a terapia cognitiva. Terapeutas com prtica em terapia psicodinmica
frequentemente mostram empatia, sensibilidade e habilidade ao lidar com as reaces
transferenciais. Terapeutas behavioristas, por outro lado, geralmente se mostram
qualificados para empregar as tcnicas teraputicas especficas.
4. O terapeuta dotado de conhecimento, calor humano, empatia e aceitao no
pode esperar atingir bons resultados na terapia cognitiva da depresso simplesmente
com base no estudo dessa monografia. Ele precisar, alm disso, satisfazer aos
seguintes pr-requisitos:
a. Ter uma compreenso clara do modelo cognitivo da depresso, como se acha
descrito em Depression: causes and treatment (Captulos 15, 17 e 18) e no Captulo 5
da Cognitive therapy and the emotional disorders (Beck, 1976).
b. Compreender a estrutura conceitual da terapia cognitiva, como est delineada
no ltimo volume citado anteriormente (Captulos 2, 3, 4, 9, 10 e 12), bem como seu
emprego especial no tratamento da depresso (Captulo 11).
c. Ter formao especfica num centro de terapia cognitiva. Isso deve incluir
superviso na terapia de pacientes deprimidos. A importncia do treinamento
intensivo, incluindo um perodo prolongado no Centro de Terapia Cognitiva.
Descobrimos que, aps um curso intensivo de trs meses, incluindo a superviso do
tratamento de dois ou trs pacientes deprimidos, menos que 25% dos estagirios
(consistindo de psiquiatras e psiclogos) satisfizeram sequer aos critrios mnimos de
competncia cm terapia cog-
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nitiva. Os 25% continuaram com superviso semanal de seus casos e, ao final de um
ano, a maioria deles parecia ter alcanado um nvel razovel de competncia (ver
Tabela de Verificao de Competncia para Terapeutas Cognitivos, no Apndice). Em
geral, nossa experincia indica um perodo de seis meses a dois anos para o
atingimento dos critrios de competncia.
d. Fazer treinamento em seminrios, grupos de estudo dirigido e instituies e
utilizao de "video-tapes" e transcries comentadas. Esse treinamento tambm
requer superviso contnua de um instrutor qualificado, a intervalos semanais, at que
sejam satisfeitos os critrios de competncia.
LIMITAES DA TERAPIA COGNITIVA
Vrios estudos sistemticos da terapia cognitiva no tratamento de depresso (ver
Captulo 18) apontam esta abordagem como promissora. Entretanto, necessrio um
volume considervel de pesquisa adicional para corroborar as descobertas dos estudos
iniciais e definir os limites de aplicabilidade do mtodo, em termos dos tipos
especficos de depresso (por exemplo, a presena de caractersticas "borderline") e de
outras caractersticas do paciente (nvel educacional, atitudes face psicoterapia em
oposio quimioterapia, propenso mental psicologia, "fora egica" e vrios
factores demogrficos).
Devido ao fato de que se toma necessrio um amplo conjunto de informaes
para que se possa definir o papel da terapia cognitiva no tratamento da depresso,
esperamos que esta monografia venha a ser usada por aqueles investigadores que
buscam levantar as questes mais srias acerca do emprego e da utilidade da terapia
cognitiva.
Os profissionais que empregam as estratgias delineadas neste manual devem ter
em mente as seguintes advertncias:
1. A no ser com o objectivo de pesquisa, a terapia deve restringir-se aos tipos de
pacientes que, segundo confirmao dos estudos de pesquisa realizados, mostram-se
receptivos a esta abordagem. (Os leitores devem examinar os relatrios originais de
estudos controlados resumidos no Captulo 18.) Tais estudos demonstraram a eficcia
da terapia cognitiva no tratamento de estudantes universitrios deprimidos,
encaminhados a uma
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clnica de higiene mental, a uma clnica comunitria de sade mental, ou a um
departamento universitrio de pacientes psiquitricos externos.
2. A eficcia desta terapia foi comprovada apenas com pacientes deprimidos
externos unipolares e no-psicticos. Assim, procedimentos padronizados de
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tratamento devem ser empregados com depressivos graves ou bipolares, com
pacientes altamente regredidos ou com pacientes de tendncia suicida acentuada (por
exemplo, hospitalizao e terapias "somticas"). Uma discusso sobre a combinao
da terapia cognitiva com medicamentos antidepressivos pode ser encontrada no
Captulo 17.
3. A medicao antidepressiva teve sua eficcia comprovada por um grande
nmero de estudos. Sendo assim, a terapia cognitiva deve ser reservada aos casos de
pacientes deprimido unipolares, para os quais o clnico considere essa abordagem
prefervel medicao antidepressiva; (a) o paciente recusa a medicao com drogas;
(b) prefere uma abordagem psicolgica, na esperana de que a experincia de
aprendizagem possa reduzir sua tendncia depresso; (c) sofre de efeitos colaterais
intolerveis com medicao antidepressiva, ou sofre de algum problema de sade que
torna contra-indicado o uso de medicamentos antidepressivos; (d) provou-se resistente
a tentativas adequadas de tratamento com drogas antidepressivas.
ARMADILHAS COMUNS NA APRENDIZAGEM DA TERAPIA COGNITIVA
No ensino da terapia cognitiva, pudemos observar alguns defeitos e erro comuns na
abordagem teraputica dos estagirios:
1. Desprezo pela Relao Teraputica: o candidato a terapeuta frequentemente se
enamora a tal ponto das tcnicas, que esquece a importncia do estabelecimento de
uma boa relao teraputica com o paciente. Os problemas interpessoais com o
paciente representam uma das dificuldades mais comuns dos terapeutas, ao iniciarem
sua aprendizagem da terapia cognitiva. O terapeuta jamais deve perder de vista o fato
de que est empenhado, com outro ser humano, numa tarefa muito complexa. Deve
ser particularmente sensvel para o seguinte:
a. A importncia da discusso e da expresso das relaes emocionais do
paciente (Captulo 2).
b. O estilo de comunicao usual do paciente. O terapeuta deve adaptar seu
prprio estilo pessoal para que se entrose com o do paciente. Felizmente, uma vez que
a terapia cognitiva activa, o terapeuta tem oportunidade de desenvolver um grande
repertrio de estilos. s vezes, por exemplo, pode ter que ler extremamente ative,
enquanto, em outras vezes, relativamente contido; alguns
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pacientes exigem um volume considervel de instruo, enquanto outros requerem
encorajamento para tomar a iniciativa.
c. A ruptura das operaes adaptativas interpessoais do paciente como resultado
da depresso. O terapeuta precisa reconhecer os enormes obstculos comunicao
causados pela depresso: dificuldades de concentrao, comunicao e formulao de
problemas verbalmente, e de estabelecimento de relao afectiva. Alguns pacientes
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deprimidos ficam praticamente mudos, precisando o terapeuta tomar a iniciativa de
imaginar o que pode estar perturbando o paciente e obter deste um retorno apropriado
de informaes, para alterar ou aprofundar suas conjecturas. Outros pacientes podem
experimentar uma presso to intensa no sentido de certificar-se de que so
compreendidos, que o terapeuta deve manter-se relativamente passivo.
d. A hipersensibilidade do paciente quanto a qualquer aco ou afirmativa que
possa ser interpretada como rejeio, indiferena ou desencorajamento. As reaces
exageradas ou as interpretaes erradas do paciente podem fornecer valiosos insights,
mas o terapeuta deve estar alerta para sua ocorrncia e preparar uma estrutura para a
utilizao construtiva dessas reaces distorcidas.
2. Exagerada submisso ao mtodo, inconstncia ou cautela excessiva. Os novos
terapeutas tendem a descambar para uma das duas posturas teraputicas opostas. Na
nsia de dominar os aspectos tcnicos, repetem como papagaios seus modelos de
papel ("Os Mestres"), ao invs de integrar a abordagem teraputica a seu prprio estilo
natural. Dessa forma, assemelham-se a robs, activamente empenhados em proferir
clichs ou empregar "truques" que os pacientes podem identificar rapidamente, a
partir de sua prpria leitura do material na terapia cognitiva. No outro extremo, o
terapeuta pode esticar a elasticidade do modelo cognitivo, para "experimentar"
qualquer tcnica especfica que o atraa, sem nenhuma considerao quanto a sua
adequao face aquele paciente especfico, naquele momento particular. Tais
terapeutas tendem tambm a saltar de uma tcnica a outra, sem testar a eficcia ou as
limitaes de qualquer uma delas.
Por outro lado, o nefito pode mostrar-se excessivamente cauteloso, por temor de
"fazer a coisa errada" e perturbar o paciente. Como consequncia, pode recolher-se ao
silncio ou seguir mecanicamente o protocolo padronizado de tratamento. Felizmente,
a estratgia global da terapia cognitiva fornece vrias salvaguardas, tais como a
obteno de "feedback" do paciente quanto a seu entendimento das comunicaes do
terapeuta e quanto a quaisquer reaces contraproducentes que possa manifestar face
maneira de ser, tcnicas ou sugestes do terapeuta (Captulos 3 e 4).
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3. Reducionismo Excessivo ou Posicionamento Simplista. Muitos estagirios
acreditam que a terapia cognitiva envolve apenas o levar pessoas a reconhecerem e
corrigirem seu pensamento negativista. Muitas vezes, o terapeuta no est
suficientemente instrudo em termos do modelo cognitivo dos distrbios emocionais,
difcil, seno impossvel, conduzir uma terapia cognitiva com sucesso, na ausncia de
uma compreenso ampla da teoria qual ela se relaciona.
Conquanto seja verdadeiro que o modelo cognitivo tenta reduzir um distrbio
extremamente complexo a um nmero finito de conceitos, cada paciente traz um
padro idiossinc