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A TEORIA DA NORMA JURÍDICA
(DOGMÁTICA JURÍDICA)
1 CONCEITO DE LEI E DE NORMA JURÍDICA
1.1 ETIMOLOGIA E SIGNIFICADOS DO VOCÁBULO “LEI”:
Os estudos etimológicos nos informam que não há consenso quanto à origem
do termo “lei”. Para alguns, o vocábulo “lei” vem do latim legere que significa “ler”
(Isidoro de Sevilha - “Das Etimologias”). A lei é norma escrita que se lê, em oposição às
normas costumeiras, que não são escritas. Para outros, “lei” vem do verbo ligare, que
significa “obrigar”, “vincular” (Santo Tomás de Aquino - Suma Teológica - “De Legibus”).
A lei liga a pessoa a certa maneira de agir.
Etimologia: estudo da origem e da evolução das palavras.
Filologia: estudo científico do desenvolvimento de uma língua ou de famílias
de línguas, em especial a pesquisa de sua história morfológica e fonológica baseada em
documentos escritos e na crítica dos textos redigidos nestas línguas (p.ex., filologia
latina, filologia germânica etc.). (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).
Outros estudos etimológicos indicam, ainda, que “lei” vem de eligere que
significa “eleger”, “escolher” (Cícero - “De Legibus”). A lei é norma eleita pelo legislador,
como o melhor preceito para dirigir a atividade humana.
Como se observa, a palavra “lei”, na sua origem, está ligada ao conceito de
norma imperativa do comportamento humano, isto é, à lei ética, moral ou humana e
especialmente à lei jurídica (norma jurídica).
Numa ordem de generalidade decrescente, podemos observar três acepções
da palavra lei: no sentido latíssimo, compreende a lei em geral ou universal,
englobando as leis físicas ou naturais (leis químicas, físicas, biológicas, psicológicas)
que são causais, descritivas, indicativas, enumerativas, enunciativas ou constatativas e
as leis éticas ou morais que se subdividem em lei moral em sentido restrito e lei jurídica
(imperativas e normativas). Montesquieu em sua definição de lei evoca esse sentido
latíssimo quando afirma: “leis são relações necessárias que decorrem da natureza das
coisas”.
No sentido lato temos a lei humana, ética ou moral. E, no sentido restrito,
temos a lei jurídica.
Kelsen e outros alemães denominam as leis físicas ou naturais de leis
causais da natureza (sein) e as leis éticas de leis normativas, que exprimem deveres
(solen).
No mesmo sentido, Duguit distingue duas espécies de leis: “leis de causa”,
que resumem os fenômenos da vida em comum, tal como a lei da oferta e da procura
em Economia Política e “leis de fim” que fazem apelo à colaboração desejada dos
cidadãos em nome da solidariedade.
François Geny faz também a mesma divisão entre “leis indicativas ou
causais” e “leis normativas ou de fim”.
Goffredo Telles Júnior, em lição esclarecedora a esse respeito, assim se
expressa: “Os movimentos, de que as leis são fórmulas, podem ser movimentos livres,
como os do comportamento voluntário do homem (movimentos do Mundo Ético), e
podem ser movimentos não livres, como os do comportamento da matéria inconsciente (
movimentos do Mundo Físico).
Numa outra abordagem podemos classificar as leis em: leis da ordem
teórica, que dizem “o que é” e compreendem as leis naturais e matemáticas e leis de
ordem prática, que dizem “o que deve ser feito” e compreendem as leis morais
(referentes ao agir), as leis técnicas ou artísticas (referentes ao fazer) e as leis lógicas
(referentes ao pensar).
Numa análise filosófica, as leis físicas, morais, causais, de finalidade, teóricas
ou práticas com suas características próprias, representam manifestações de uma
mesma ordem cósmica e universal e essa ordem supõe a existência de uma inteligência
ordenadora que a filosofia tomista chama de “lei eterna” (pensamento divino).
Esse pensamento ordenador é chamado por muitos de “Deus”, pelos
positivistas de “O Grande Arquiteto”, por Aristóteles, de “Causa Primeira” ou “Primeiro
Motor” e por Teillhard de Chardim, de “Ômega”. Mas a existência da ordem e de um
pensamento ordenador impõe-se à ciência e à filosofia.
Dentro do universo, o mundo humano ou ético ocupa lugar eminente e seu
estudo interessa ao Direito, porque o mundo jurídico é parte do mundo ético. Assim, a
lei humana (ética ou moral) constitui uma espécie de lei cósmica e a lei jurídica é uma
espécie de lei humana.
Interessa-nos, de perto, as leis humanas, que dizem o que “deve ser” (leis de
ordem prática) e não “o que é” (leis de ordem teórica), sendo, portanto, imperativas ou
normativas e não simplesmente causais, descritivas, enumerativas, enunciativas,
indicativas ou constatativas.
Santo Tomás de Aquino em seu trabalho “De Legibus” (Suma Teológica)
define a lei humana como ordenação da razão, para o bem comum, promulgada pela
autoridade competente.
Examinemos separadamente os diversos elementos da definição tomista:
Ordenação – organizar em vista de um fim, de forma imperativa e
obrigatória, pois a lei é um preceito imperativo.
Racional - destinada a seres racionais e elaborada por seres racionais, de
acordo com princípios racionais.
Alguns autores, contrariando Santo Tomás, afirmam que a força das leis não
deriva de sua racionalidade, mas da “vontade” soberana da autoridade (Thomas
Hobbes, Jeremias Bentham). Porém, de acordo com o pensamento tomista, a vontade e
as determinações da autoridade não têm valor de lei senão quando reguladas pela
razão, pois do contrário, seria arbitrariedade e violência e não lei. E, segundo Goffredo,
a lei deve ser legítima, isto é, proveniente de fonte legítima. A fonte legítima pode ser
primária e secundária. Fonte legítima primária é a comunidade, o povo. Fonte legítima
secundária é o legislador, representante do povo. As fontes legítimas dão origem a uma
ordem jurídica legítima. (Carta aos Brasileiros – Comemoração dos 150 anos da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – Carta lida pelo seu autor,
Goffredo Telles Junior, em 08 de agosto de 1977 em pleno regime militar).
Bem comum – a lei é o instrumento normal que deve conduzir a atividade de
todos os membros da comunidade para o bem geral, conforme o disposto no art. 5º da
Lei de Introdução ao Código Civil que diz: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins
sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” (Decreto-Lei n. 4.657, de
04/9/1942, que entrou em vigor em 24/10/1942, por força do Decreto-Lei n. 4.707, de
17/9/1942).
A denominada Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) não se restringe a
estipular normas de aplicação ao Código Civil propriamente dito, embora a este
anexada. Ela estende seu império a todos os códigos e demais disposições legislativas,
seja qual for sua natureza, pública ou privada.
Promulgada – como ser racional e livre, o homem só pode obedecer aos
preceitos de que tem conhecimento. Desta forma a promulgação é importante, pois
torna a lei conhecida daqueles que estão obrigados a cumpri-la, o que se dá no caso da
lei escrita pela publicação de seu texto.
Na linguagem jurídica atual do Direito Constitucional há distinção entre
sanção, promulgação e publicação (fases finais do processo legislativo de competência
do Chefe do Poder Executivo, nas esferas municipal, estadual e federal).
Entende-se por sanção o ato em que o Chefe do Poder Executivo (Prefeito,
Governador e o Presidente da República) manifesta a sua vontade (manifestação
volitiva) de forma expressa, via despacho, ou tácita, por omissão, deixando que se
esgote o prazo constitucional de 15 (quinze) dias, confirmando a aprovação do projeto
pelo Poder Legislativo, transformando-o em lei.
Entende-se por promulgação o ato do Chefe do Poder Executivo atestando a
autenticidade da lei, isto é, sua existência, ordenando sua publicação, aplicação e
cumprimento, uma vez que passa a pertencer ao ordenamento jurídico.
Autoridade competente - as normas consuetudinárias são elaboradas pela
própria comunidade, através do Poder Social do povo, sem autoria personalizada. As
leis escritas são ordinariamente elaboradas pelo Poder Legislativo, com sanção,
promulgação e publicação pelo Chefe do Poder Executivo. Os decretos regulamentares
e de nomeação de servidores públicos são expedidos, também, pelo Chefe do Poder
Executivo. As Portarias e demais atos oficiais são baixados pelas autoridades públicas
competentes. As decisões normativas da Justiça têm por autoridade competente os
juizes.
1.2 NORMA JURÍDICA
A norma jurídica é uma regra de conduta social que tem por objetivo regular a
atividade dos homens em suas relações sociais, garantida pela eventual aplicação da
força social, tendo em vista a realização da Justiça (sentido amplíssimo).
Atualmente “lei ou norma jurídica” passou a ter um sentido mais estrito do
que “lei humana”. Desta forma, dentre as leis que regem o comportamento social dos
homens, devemos destacar as leis jurídicas ou normas jurídicas.
A expressão “norma jurídica” pode ser empregada em três sentidos
diferentes: em sentido restrito e próprio equivale à lei escrita (jus scriptum), aprovada
regularmente pelo Poder Legislativo, diferente do costume jurídico,que na origem é
direito não escrito (jus non scriptum); em sentido amplo a expressão “lei jurídica”
abrange todas as normas jurídicas escritas (jus scriptum), sejam oriundas do Poder
Legislativo, sejam normas baixadas pelo Poder Executivo (medidas provisórias,
decretos, decretos-leis, regulamentos,etc); em sentido amplíssimo, envolvendo
quaisquer regras escritas ou costumeiras (jus scriptum e jus non scriptum),
independentemente do poder que a expediu.
As normas jurídicas distinguem-se das demais regras sociais (morais,
religiosas) em primeiro lugar pela eventual aplicação da força coercitiva do poder social
(coerção potencial), significando também que elas são “imperativo-atributivas” - impõem
a uma parte o cumprimento da obrigação (imperativas) e atribui à outra parte o direito de
exigir esse cumprimento (atributivas) ou na definição de Goffredo Telles Jr, “imperativo-
autorizantes” e “normas de garantia”, diferentes das normas morais, denominadas
“normas de aperfeiçoamento”.
Em segundo lugar, a norma jurídica tem um conteúdo próprio e específico
representado pela noção de justo, pois é a justiça que dá sentido à norma jurídica.
A exigência fundamental da justiça como conteúdo ou matéria da norma
jurídica deriva de sua característica essencial – a universalidade ou generalidade que só
é possível porque todos são iguais perante a lei (princípio da igualdade ou da isonomia
expresso no caput do art. 5º da Constituição Federal, que deve ser entendido como:
“todos os iguais são iguais perante a lei e todos os desiguais são desiguais perente a
lei”). Assim, a justiça consiste em tratar igualmente os iguais, na medida em que se
igualam e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam.
Em sentido estrito justiça consiste em dar a outrem (alteridade) o que lhe
é devido, segundo uma igualdade.
A alteridade ou pluralismo de Pessoa, o devido e a igualdade
constituem as características essenciais da justiça em sentido estrito.
2 FONTES DE NORMAS JURÍDICAS
2.1 INTRODUÇÃO – De que fontes provém o Direito Positivo de uma nação?
Para respondermos a essa questão, podemos afirmar como Gurvitch, que se
trata de tema complexo e central da Filosofia do Direito, refutando a posição do
positivismo jurídico que busca encontrar as fontes da ordem jurídica unicamente nas
normas elaboradas ou aprovadas formalizadamente pelos órgãos do poder público.
2.2 CONCEITO DE FONTE DO DIREITO – Segundo Du Pasquier, procurar
a fonte de uma regra jurídica significa investigar o ponto em que ela saiu das
profundezas da vida social para aparecer na superfície do Direito, assim como em
sentido próprio, literal, entendemos por “fonte”, o ponto em que surge um veio de água
(“fontes do Direito”: expressão figurada).
Os autores costumam distinguir as fontes do Direito em: a) fontes formais
(fatos que dão a uma regra o caráter de direito positivo e obrigatório),compreendendo :
a legislação, o costume jurídico, a jurisprudência, a doutrina, o poder negocial e o poder
normativo do grupo social; b) fontes materiais (representadas pelos elementos que
concorrem para a formação do conteúdo ou matéria da norma jurídica),
compreendendo: a realidade social, isto é, o conjunto de fatos sociais que contribuem
para a formação do conteúdo do Direito e os valores que o Direito procura realizar,
fundamentalmente sintetizados no conceito amplo de justiça ou seja,a experiência social
valorada.
Miguel Reale critica a antiga distinção entre fonte formal e material do Direito,
que na sua opinião tem sido motivo de grandes equívocos na Ciência Jurídica,afirmando
a necessidade indispensável de empregarmos a expressão “fonte do Direito” para
indicar apenas os processos de produção de normas jurídicas. Tais processos, segundo
Reale ,pressupõem sempre uma estrutura de poder emanada do Estado,conferindo às
normas jurídicas a devida legitimidade e garantia executória ou autorizatória,como diria
Goffredo.
Em sua função legiferante o legislador é guiado por motivos lógicos ou
morais, os quais podem ser apreendidos se pesquisarmos a natureza filosófica deste
fenômeno jurídico (causas remotas ou razões últimas), bem como também por causas
imediatas da lei, de natureza sociológica pertencentes ao campo da Sociologia Jurídica,
tais como fatores econômicos, políticos,religiosos,naturais etc. Desta forma,o que se
costuma designar por fonte material não é outra coisa senão o estudo filosófico dos
motivos lógicos e éticos e o estudo sociológico dos fatos que condicionam o
aparecimento e as transformações das regras jurídicas,que no entender de Reale estão
fora do campo da Ciência Jurídica.
Ainda na esteira do pensamento de Reale, “o Direito resulta de um complexo
de fatores que a Filosofia e a Sociologia estudam, mas se manifesta como ordenação
vigente e eficaz, através de certas formas, diríamos mesmo de certas fôrmas,que são o
processo legislativo,os usos e costumes jurídicos,a atividade jurisdicional e o poder
negocial.” E completaríamos, citando também, o poder normativo dos grupos sociais de
que fala Goffredo. Enfim, as fontes do Direito para Reale coincidem com as formas de
poder: processo legislativo, expressão do Poder Legislativo; os usos e costumes
jurídicos, que exprimem o poder social (poder anônimo do povo); a atividade
jurisdicional, expressão do Poder Judiciário; e finalmente, a fonte negocial, expressão
do poder negocial ou da autonomia da vontade. Aqui, também, incluiríamos o poder
normativo dos grupos sociais e o Poder Executivo que Reale não cita. As formas de
poder referidas por Reale e complementadas por nós, são expressas pelos seguintes
poderes: Poder Executivo, Poder Legislativo, Poder Judiciário, Poder Negocial, Poder
Normativo dos Grupos Sociais e Poder Social do povo.
2.3 FONTES FORMAIS DO DIREITO
2.3.1 .LEGISLAÇÃO – Nas sociedades modernas, a lei é indiscutivelmente a
mais importante das fontes formais da ordem jurídica. Para comprovar esta afirmação,
podemos citar o disposto no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal de 1988, que diz:
“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da
lei”. Da mesma forma, ainda que indiretamente, o artigo 4º da Lei de Introdução ao
Código Civil, também, ratifica esta posição ao afirmar: ” Quando a lei for omissa, o juiz
decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de
direito”.
No campo do Direito a “lei”, com o qualificativo de “jurídica”, pode ser
entendida em três acepções diferentes.
a) sentido amplíssimo ou latíssimo englobando quaisquer regras
escritas (jus scriptum) ou costumeiras (jus non scriptum), independentemente do
poder que a expediu. Neste sentido envolve todas as normas de conduta do homem
no seu relacionamento com seus semelhantes, garantidas pela eventual aplicação
da força social, tendo em vista a realização da Justiça.
b) sentido amplo ou lato, indicando quaisquer normas jurídicas
escritas, sejam oriundas do Poder Legislativo, sejam os decretos, decretos-leis,
regulamentos, medidas provisórias ou outras normas baixadas pelo Poder
Executivo, bem como as oriundas do poder negocial (Reale) e do poder normativo
dos grupos sociais (Goffredo).
François Geny se refere a esse sentido amplo quando afirma que “a
legislação compreende todos os atos da autoridade cuja missão consiste em editar
regras gerais, sob forma de injunções (ordens, exigências) obrigatórias, como são as
leis propriamente ditas, os decretos, os regulamentos”.
c) sentido estrito e próprio, compreendendo apenas a norma jurídica
aprovada regularmente pelo Poder Legislativo.
No sentido próprio e estrito Brete de La Gressaye e Lacoste definem a lei
como: uma regra de direito geral, abstrata e permanente (elemento material,
constituindo o conteúdo da lei), proclamada obrigatória pela vontade da
autoridade competente (elemento formal representado pela vontade do
legislador), e expressa numa fórmula escrita (elemento instrumental).
Finalmente, é oportuno ressaltar que a legislação nunca conseguirá englobar
todos os casos ocorridos na vida social, podendo estabelecer apenas uma limitação
negativa: não se poderão retirar regras de outras fontes que estejam em contradição
com as da própria lei.
2.3.2 COSTUME JURÍDICO – O costume é a mais antiga das fontes do
Direito. Com o decurso do tempo, as leis escritas passaram a ter predominância na
formulação do Direito, mas o costume mantém-se em todos os povos.
Podemos conceituar o costume jurídico, direito costumeiro ou direito
consuetudinário como uma “norma jurídica que resulta de uma prática geral,
constante e prolongada, observada com a convicção de que é juridicamente
obrigatória” (Coviello).
O costume jurídico se diferencia das outras práticas ou usos coletivos de
natureza religiosa, moral ou social pela convicção de ser juridicamente obrigatório e não
seguido por simples respeito à tradição ou por outras razões de conveniência.
Não é inteiramente correto afirmar que o costume jurídico é “direito não
escrito’ (jus non scriptum), pois, atualmente é com freqüência formulado por escrito em
repertórios e consolidações, a fim de fixá-lo e prová-lo. Melhor seria opô-lo ao Direito
Legislado e não ao Direito escrito. (Vide Portaria JUCESP–21, de 24/4/2003 e Portaria
JUCESP–22, de 24/4/2003)
A importância do costume é, antes de tudo, de caráter histórico, nos países
de sistema jurídico Civil law, já que foi ele a fonte originária do Direito.
Vimos anteriormente que o direito costumeiro é um direito anônimo, pois não
se sabe quando, nem onde surge o costume, não havendo, pois paternidade. Tal direito
vai-se consolidando em virtude das forças de imitação, dos usos ou hábitos sociais ou
de comportamentos exemplares.
Sabemos que ainda hoje, há países de direito predominantemente
costumeiro (Inglaterra, Estados Unidos) ligados à tradição britânica do Common law,
porém, mesmo em países de direito predominantemente legislado (Civil law), o costume
tem inegável importância jurídica, variando sua importância, conforme o ramo do Direito
estudado.
Friedrich Carl von Savigny ( Frankfurt, 21/2/1779 – Berlim, 25/10/1861),
um dos mais respeitados e influentes juristas do século XIX, argumenta que o Direito
surge nas comunidades sempre na forma de costumes e que um código seria uma
forma artificial de impor normas jurídicas.
Savigny iniciou um movimento conhecido como Escola Histórica com o
objetivo de encontrar um outro fundamento para o Direito que não aquele defendido
pelo jusracionalismo, representado pelo espírito do povo (Volksgeist), que seria “o
conjunto de institutos jurídicos que habita a consciência do povo, só perceptível
através da intuição do jurídico, oriundo de práticas culturais” (CAMARGO, Margarida
Maria Lacombe. Hermenêutica e Argumentação: uma contribuição ao estudo do
direito. Rio de Janeiro: Renovar,1999, p.74). O problema, segundo Giordano Bruno
Soares Roberto, “é que esse espírito do povo seria revelado pela ciência jurídica, o
que na seqüência acabou dando origem à Jurisprudência dos Conceitos, liderada
por Puchta, que imaginava o Direito como uma série de conceitos, sendo que os
mais gerais determinam o conteúdo dos mais específicos. A esse modo de pensar,
ajusta-se, perfeitamente, a técnica da codificação” (ROBERTO, Giordano Bruno
Soares. Introdução à história do direito privado e da codificação . Belo Horizonte: Del
Rey,2003,p.47).
Com referência à lei, o costume jurídico oferece vantagens e desvantagens,
eliminando desta forma as posições extremadas que exageram a importância da lei
(enciclopedistas, voluntaristas, normativistas ou positivistas) ou acentuam a importância
do costume jurídico, como os romanistas e Savigny, o grande crítico da codificação
alemã.
A grande vantagem do costume sobre a lei é a sua adaptação à realidade,
sendo dinâmico e mutável, ao passo que as leis permanecem rígidas enquanto a
realidade social evolui.
A grande desvantagem do costume jurídico é a sua incerteza e obscuridade,
pois enquanto a lei fixa normas em termos definidos, o costume não tem formulação
escrita, fixa e clara.
Podemos destacar os seguintes critérios diferenciadores entre o Direito
Legislado e o Direito Costumeiro.
a) Quanto à origem – O Direito Legislado é sempre certo e determinado,
emanando de um órgão previamente escolhido e estruturado para editá-lo com certeza
e segurança, dentro de uma linha de atividade claramente marcada no tempo e no
espaço.
O Direito Costumeiro, como vimos, não tem origem certa, não se localizando
de maneira predeterminada. Surge dos hábitos sociais ou usos, das forças de imitação
ou de comportamentos exemplares, sem paternidade, no anonimato, que aos poucos se
convertem em costume jurídico, transformando-se em norma consuetudinária.
b) Quanto à forma de elaboração – O Direito Legislado, além de se
originar de órgão certo e determinado, sua elaboração obedece a trâmites prefixados na
Constituição Federal (art.59), que determina as várias espécies de normas legais
(emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas
provisórias, decretos legislativos e resoluções legislativas) e suas respectivas fases de
elaboração.
O percurso normal e simplificado de um Projeto de Lei ordinária no
Congresso Nacional (o mais comum do processo legislativo), pode ser proposto pelas
seguintes autoridades: deputados federais, senadores, Supremo Tribunal Federal,
Tribunais superiores e Procurador Geral da República. Os sindicatos, associações e
entidades da sociedade civil, também, podem apresentar propostas à Comissão de
Legislação Participativa. Da mesma forma, um Projeto de Lei ordinária, também pode
ser proposto por 1% (um por cento) dos eleitores, de no mínimo 5 (cinco) Estados da
federação, com 0,3% (três décimos por cento) de eleitores de cada Estado.
A Mesa da Câmara ou do Senado o recebe e o encaminha às comissões.
Cada comissão escolhe um relator que emite um parecer, que será aprovado ou
rejeitado; se rejeitado, designa outro relator e o trâmite se repete; se aprovado vai para
a próxima comissão de mérito. A Câmara possui 20 (vinte) comissões permanentes e
conforme a natureza do projeto será submetido à apreciação sucessiva das comissões
relacionadas com a sua natureza, de conformidade com o Regimento Interno. Quando o
projeto passar pela última comissão, se houver gastos envolvidos, vai para a Comissão
de Finanças e Tributação, que se rejeitá-lo será arquivado e se aprovado, passa
necessariamente pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania; se esta comissão
aprová-lo, segue para a publicação e para a Mesa, a fim de entrar na ordem do dia do
plenário. Para aprová-lo no plenário há necessidade de receber o voto da maioria dos
deputados presentes (maioria simples), desde que haja quorum pelo Regimento Interno;
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caso seja rejeitado, será arquivado. Se aprovado no plenário da Câmara, vai para o
Senado, após redação final na Câmara.
No Senado o projeto segue tramitação semelhante à da Câmara e se reber
emendas volta à Câmara para apreciá-las, seguindo o mesmo trâmite (comissões,
plenário, etc.). Se não houver emendas, segue para a sanção, promulgação e
publicação ou veto do Presidente, no todo ou em parte. Se vetado volta ao Congresso
Nacional para apreciação do veto, que será derrubado por maioria absoluta de suas
casas (metade mais um do número de deputados ou senadores). Se o Congresso
aprovar o veto total, o projeto é arquivado; se aprovar o veto parcial, segue para
promulgação e publicação pelo Presidente, porém, se derrubá-lo o projeto vira lei.
O Direito Costumeiro aparece na sociedade sem predeterminação, surgindo
da “subconsciência social”, segundo conclusões de pesquisas científicas.
c) Quanto ao sentido formal – O Direito Legislado é sempre escrito e sua
validade pode ser representada pelos requisitos da vigência (validade formal),
vigorando até o advento de uma nova lei que o revogue, salvo no caso de manifesto
desuso – perda da eficácia – tornando sua vigência apenas aparente pela falta de
aplicação; da eficácia (validade social), por ser reconhecido e cumprido pela sociedade
em função de seus bons resultados e do fundamento (validade ética) isto é, deve
alcançar o “valor do justo”.
O Direito Consuetudinário quanto ao sentido formal é direito não escrito ( jus
non scriptum), sendo, entretanto, em alguns casos, consolidado e publicado como
medida administrativa que jamais terá foro de lei no sentido estrito, porque não passou
pelos trâmites previstos nas normas constitucionais. A consolidação e publicação
(função administrativa) se realizam sem a interferência do órgão competente para
legislar (função legislativa). Assim, os “usos e costumes” comerciais mais comuns numa
determinada praça são periodicamente reunidos em compilações, pelas Juntas
Comerciais, e a seguir publicados, sem nenhum caráter impositivo, mas sim com o
objetivo de informar e orientar os interessados sobre os costumes vigentes em
determinado lugar. (Vide Portarias JUCESP nº 21 e 22, ambas de 24/4/2003).
d) Quanto aos seus efeitos práticos – A lei opera-se erga omnes (contra
todos), ou seja, tem aplicação universal e sua execução é imediata e geral, isto é,
dispensa prova de sua existência. Seus efeitos são indeclináveis, significando que as
partes e o juiz não podem contestá-la, exceto no caso de manifesto desuso. Finalmente,
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sua obrigatoriedade é absoluta, ou seja, opera-se juri et de jure (não admite prova em
contrário).
O Direito Consuetudinário mesmo quando consolidado por escrito permite a
apresentação de prova em contrário, operando-se, portanto, juris tantum. Assim, sua
obrigatoriedade é relativa, tendo em vista a possibilidade de apresentação de prova em
contrário.
Em relação à lei, o costume pode ser das seguintes espécies:
a) segundo a lei (secundum legem) – quando a lei a ele se reporta
expressamente e reconhece sua obrigatoriedade. Exemplo: artigo 569, II do Código
Civil.
b) na falta da lei (praeter legem) – quando a lei é omissa, ou seja, deixa
lacunas que são preenchidas pelo costume. Exemplo: art. 4º da LICC.
c) contra a lei (contra legem) – quando contraria o que dispõe a lei, seja no
caso do desuso, quando a lei fica letra morta ou no caso do costume ab-rogatório, que
cria uma nova regra.
A aceitação do costume contra-legem não é pacífica. De um lado, temos os
racionalistas, legicistas, positivistas ou formalistas que o rejeitam, por incompatibilidade
com a função legislativa do Estado e com a regra de que as leis só se revogam por
outras leis, conforme dispõe o caput art. 2º da LICC: “Não se destinando à vigência
temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue”. De outro lado, as
escolas de orientação histórica (Savigny), sociológica e realista, sustentam que o
costume contra legem é a “revolta dos fatos contra os Códigos” e constitui o verdadeiro
direito positivo da comunidade.
No Direito Penal Moderno, o costume não é acolhido como fonte normativa.
Vigora no Código Penal e na Constituição Federal o princípio de que não haverá
nenhum crime e nenhuma pena, sem lei preexistente (nullum crimen, nulla poena, sine
lege). Artigo 1º do Código Penal: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há
pena sem prévia cominação legal”. (art. 5º, XXXIX, CF)
2.3.3 A JURISPRUDÊNCIA
Conceito – Na linguagem jurídica, a palavra “jurisprudência” pode ter três
significados:
a) indicar a “Ciência do Direito” em sentido estrito, também denominada
“Dogmática Jurídica” ou “Jurisprudência”.
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b) referir-se ao conjunto de sentenças dos tribunais em sentido amplo, e
abranger tanto a jurisprudência uniforme como a contraditória.
c) em sentido estrito, jurisprudência é apenas o conjunto de decisões
uniformes e constantes (acórdãos) sobre casos idênticos ou semelhantes,
prolatadas pelos Tribunais, pois uma decisão isolada não constitui
jurisprudência; não se confunde também com a sentença que é uma decisão
individualizada de um caso concreto, proferida por um juiz singular ou
monocrático, ao passo que, a jurisprudência é uma norma geral aplicável a todos
os casos idênticos ou profundamente semelhantes,proferida por um colegiado
dos Tribunais.
Formação – A jurisprudência se forma através de acórdãos idênticos,
chegando alguns autores a denominá-la de “costume judiciário” em oposição ao
“costume popular”. Há, pois, uma aceitação comum, reiterada e pacífica por parte dos
tribunais, dos preceitos consubstanciados em decisões idênticas.
Costume e Jurisprudência
a) O costume é criação da consciência comum do povo (poder social do povo
– produto as subconsciência social) e origina-se de qualquer setor da coletividade. A
jurisprudência é obra exclusiva de um setor da comunidade: o dos juizes dos tribunais
(desembargadores e ministros);
b) O costume nasce naturalmente como decorrência do exercício de direitos
e obrigações, sendo espontâneo. A jurisprudência é reflexiva: provém do trabalho de
reflexão dos julgadores, que recorrem a noções técnicas e a métodos peculiares de
investigação e raciocínio para decisão de casos em conflitos.
Jurisprudência e Lei – A jurisprudência é mais flexível e maleável,
esclarecendo conceitos gerais e adequando as decisões às peculiaridades dos casos
concretos, transformando o juiz num verdadeiro criador do direito vivo (juiz: justiça viva –
lei: justiça inanimada). A lei, como vimos, permanece rígida e estabelece as normas
jurídicas em termos definidos.
Importância – Nos países de Direito Legislado (civil law) a importância da
jurisprudência é menor do que nos países da common law (direito anglo-saxão).
Washington de Barros Monteiro e Vicente Rao entendem que a jurisprudência
tem papel praticamente nulo como fonte eficaz do Direito, pois os precedentes judiciais
jamais adquirem valor de norma obrigatória e universal, e nenhum juiz é obrigado a
decidir de acordo com eles (precedentes judiciais). E, nada impede que o mesmo
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Tribunal modifique sua jurisprudência, seguindo nova orientação. Os Tribunais,
periodicamente, costumam se reunir para unificar a sua jurisprudência, editando
súmulas que representam a consolidação de alguns temas cujas decisões foram
uniformizadas. As denominadas súmulas vinculantes, como o próprio nome diz,
vinculam as decisões dos juizes às decisões contidas nas súmulas, eliminando a função
jurisdicional própria dos juizes, apesar de contribuírem para agilizar e desafogar o
Poder Judiciário.
Segundo Maria Helena Diniz, ”aqueles que acatam súmulas, com efeito
vinculante, ressaltam seu papel relevante para facilitar o Poder Judiciário,libertando-o da
análise de questões semelhantes.Ora,isso em certa medida,conduziria à perda da
independência decisória,pois os magistrados ficariam tolhidos,na busca da decisão que
proporcione inteira satisfação à sua consciência,no seu livre convencimento e na
liberdade de apreciar as peculiaridades do caso sub judice, visto que passariam a ser
meros cumpridores de norma ditada por tribunal superior. Isso seria normal em país da
commom law, onde os tribunais estão obrigados a adotar as decisões dos outros, ante a
conhecida força vinculante dos precedentes judiciais. Em países de Constituição rígida,
como o nosso, exige-se a subordinação da decisão à lei e aos princípios ético-sociais
nela subjacentes; logo, não há que se falar em vinculação judicial às súmulas dos
tribunais superiores, pois em razão da independência da magistratura, o órgão judicante
poderá alterar, conforme sua consciência e as circunstâncias do caso, tendo por base a
lei e as provas apresentadas nos autos, uma opinião jurisprudencial, anteriormente
formulada ao decidir hipótese similar. Eu diria que o ideal seria súmula, bem delimitada
e suscetível de revisão, com “eficácia vinculante relativa”, sem engessar o pensamento
do magistrado. (Jornal do Advogado – OAB SP,setembro de 2003).
A Emenda Constitucional Nº 45, de 30 de dezembro de 2004 acrescentou o
art. 103-A dando competência ao Supremo Tribunal Federal de aprovar súmula que, a
partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante, conforme o disposto
no citado artigo:
“Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação,
mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre
matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa
oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem
como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
14
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de
normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários
ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e
relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão
ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a
ação direta de inconstitucionalidade.
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula
aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal
Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão
judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da
súmula, conforme o caso”.
A Lei nº 11.417, de 19/12/2006, regulamentou o art. 103-A da Constituição
Federal e alterou a Lei nº 9.784, de 29/01/1999, disciplinando a edição, a revisão e o
cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal.
Hermann Kantorowicz (1877-1940) , natural da Posnânia, na antiga Polônia
alemã, defende a necessidade de um Direito livre, extra-legal que se manifestaria para
além do Direito Legislado, coloca-se numa posição oposta, sustentando a validade da
jurisprudência, até mesmo contrário ao texto da lei.
Entendemos que a jurisprudência atua como norma aplicável aos demais
casos idênticos ou semelhantes, enquanto não houver lei nova ou modificação da
jurisprudência, sendo, portanto, impossível não reconhecê-la como verdadeira fonte
jurídica. Assim é que as legislações estabelecem normas processuais e de organização
judiciária destinadas a promover a unificação da jurisprudência. Como exemplo,
citaremos a “Súmula” do Supremo Tribunal Federal, publicada oficialmente,
proporcionando maior estabilidade à jurisprudência e facilitando o trabalho do advogado
e do Tribunal.
2.3.4 DOUTRINA
Conceito – É o estudo de caráter científico que os juristas realizam a
respeito do Direito, seja com o propósito puramente especulativo de
conhecimento e sistematização, seja com a finalidade prática de interpretar as
normas jurídicas para a sua aplicação, decorrendo, pois, da atividade científico –
jurídica dos jurisconsultos – communis opinio doctorum.
15
Miguel Reale entende que a doutrina não é fonte do Direito, pois as fontes do
Direito produzem modelos jurídicos prescritivos (estruturas normativas de poder) que
com caráter obrigatório, disciplinam as relações sociais em suas diversas modalidades,
enquanto que a doutrina produz modelos dogmáticos ou doutrinários (esquemas
teóricos).
A finalidade dos modelos dogmáticos ou doutrinários é determinar:
a) como as fontes podem produzir modelos jurídicos válidos (prescritivos);
b) que é que esses modelos significam e,
c) como eles se correlacionam entre si para compor figuras, institutos e
sistemas.
Apesar de não ser fonte do Direito, Reale reconheceu que a doutrina é uma
das molas propulsoras e a mais racional das forças diretoras do ordenamento jurídico.
Outros autores alegam que os ensinamentos dos mestres e jurisconsultos
jamais terão força bastante para revelar a norma jurídica positiva que deve ser cumprida
pelos juizes ou pelas partes, pois os argumentos doutrinários podem ser refutados, não
constituindo uma estrutura normativa de poder que é um requisito essencial ao conceito
de fonte formal.
Por outro lado, em Roma, no período de Adriano, o Imperador deu força
obrigatória à opinião de certos jurisconsultos, quando fossem concordantes (communis
opinio doctorum).
Importância – Apesar da legislação atual não admitir expressamente a
doutrina como fonte subsidiária da lei, a mesma vem ganhando importância cada vez
maior na formação do Direito (fonte valiosa de cognição).
A doutrina exerce grande influência na legislação, buscando os legisladores
nos ensinamentos dos doutrinadores, os elementos para legislar.
A doutrina influi na decisão judicial, por proporcionar os fundamentos do
julgado, pois o juiz se vale do argumento de autoridade.
A doutrina modifica a orientação dos juizes e tribunais, através das críticas e
definições jurídicas apresentadas pelos juristas.
Atualmente não se discute a importância das contribuições doutrinárias para
a elaboração do Direito Positivo e se confirma o seu papel como fonte do Direito.
2.3.5 PODER NEGOCIAL
Conceito – A experiência jurídica não é disciplinada somente por
normas legais de caráter genérico, mas também por normas particulares e
16
individualizadas que ligam os participantes da relação jurídica. Dentre tais
normas, estão as normas negociais e dentre estas, estão as normas contratuais,
comumente denominadas cláusulas contratuais.
A atividade negocial é força geradora de normas jurídicas particulares e
individualizadas (contratos) que vinculam apenas os participantes da relação jurídica.
Características – O que caracteriza a fonte negocial é a convergência dos
seguintes elementos, segundo Miguel Reale:
a) manifestação de vontade de pessoas legitimadas a fazê-lo;
b) forma de querer que não contraria a exigida em lei;
c) objeto lícito;
d) quando não paridade, pelo menos uma devida proporção entre
participantes da relação jurídica.
Assim, quando a conduta estatuída pela norma jurídica individual
negocialmente criada é descumprida, apelamos para a sanção prevista pela norma
jurídica geral, pois as normas negociais são normas não autônomas e só se tornam
jurídicas em combinação com as normas gerais estatuidoras de sanções.
Os juristas denominam de negócios ou contratos potestativos quando se
comprova abuso do poder negocial, que ultrapassa os limites que lhe consente a lei, ou
que se desvia de sua finalidade específica, permitindo que se anule o negócio jurídico, a
fim de se evitar danos a terceiros.
O termo potestativo significa condição que põe a execução contratual na
dependência de uma convenção que está subordinada à vontade de uma ou de outra
parte.
2.3.6 O PODER NORMATIVO DOS GRUPOS SOCIAIS
Leciona Goffredo Telles Jr que os grupos sociais são fontes de normas,
pois têm o poder de criar suas próprias ordenações jurídicas que garantem a
consecução dos fins que pretendem atingir. Assim, o Estado não é o único criador
de normas e os grupos sociais como a Igreja (direito religioso), o clube (direito
estatutário), o sindicato (direito sindical), as associações esportivas (direito esportivo),
as academias de letras (direito regimental), também têm o poder de estabelecer suas
próprias ordenações jurídicas, desde que conformes com a ordenação da sociedade
política (Estado).
2.4 FONTES MATERIAIS DO DIREITO
17
Conceito: Ao lado das fontes formais que são os modos de expressão do
Direito, temos as fontes materiais que geram o conteúdo ou a matéria do Direito.
Os elementos relativos à matéria ou ao conteúdo das normas jurídicas são
extraídos pelos legisladores e aplicadores da lei, de duas fontes principais: da realidade
social (elemento sociológico) e dos valores sintetizados no conceito de justiça
(elemento axiológico),apesar da posição discordante de Reale exposta
anteriormente,que critica a divisão das fontes em materiais e formais.
2.4.1 A REALIDADE SOCIAL
Os problemas econômicos, culturais, políticos, sociais que o Direito se propõe
a resolver,a normatizar e as condições sociais de ordem econômica, política, cultural,
etc, que atuam sobre as soluções adotadas, constituem a realidade social.
O Direito sofre a influência dos seguintes fatores sociais:
a) fator econômico – as várias mudanças no ordenamento jurídico
contemporâneo decorrentes de novas realidades econômicas, comprovam a influência
do sistema econômico no Direito. Exemplo: legislação normatizando a interferência do
Estado no campo econômico, limitando preços, restringindo a liberdade contratual, o
exercício do direito de propriedade, num país onde predominava o liberalismo
econômico e a concepção individualista da propriedade;
b) fator religioso – sua influência é significativa na tutela dos direitos da
pessoa, nas relações de família e na defesa da moralidade dos costumes sociais;
c) fator moral – atualmente a religião foi substituída pela moral, pela
secularização do Direito, mas se torna difícil separar a moral dominante no Ocidente, da
moral cristã, que influi na elaboração, interpretação e aplicação do Direito;
d) fator político – as formas fundamentais de governo, como a monarquia e
a república e as formas anormais, como as ditaduras ou os totalitarismos que se apoiam
na força, bem como os regimes políticos como o presidencialismo e o parlamentarismo,
são acompanhados de um direito próprio;
Além dos fatores sociais acima descritos, o Direito sofre também a influência
dos fatores naturais – fenômenos naturais (secas, geadas, terremotos) de caráter
transitório ou os fatores naturais permanentes (clima, meios de navegação, natureza do
território, raça, dos fatores biológicos flora, fauna) , os quais constituem elementos
importantes na elaboração e aplicação de normas jurídicas.
2.4.2 VALORES SINTETIZADOS NO CONCEITO DE JUSTIÇA
18
Nosso Direito reconheceu o papel da justiça como fonte material das normas
jurídicas, pois faz freqüentes referências a ela nos dispositivos constitucionais (art.3º;
artigo 5º,inciso XXIV; artigo 170 e artigo 184 etc).
Da mesma forma, a Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), em especial em
seu artigo 4º, informa e orienta o aplicador da lei ou seu intérprete sobre as regras
gerais para se atingir o conceito de justiça. A esse respeito, podemos citar o
ensinamento de Abelardo Torré, extraído de sua obra Introducción al Derecho –
“Comumente, na falta de um preceito expresso ou de leis análogas, as legislações
remetem aos princípios gerais de direito, isto é, aos princípios da justiça, como fonte
última a que se deve recorrer para integrar o ordenamento jurídico”,
Enfim, é a justiça que dá sentido ao Direito e explica o conteúdo essencial
das normas jurídicas.
3 ESPÉCIES DE NORMAS JURÍDICAS
Abordaremos agora a questão relativa à classificação das regras jurídicas
que apresenta grande interesse prático e grande variedade de formas de classificação
em função dos diversos critérios que são utilizados.
A classificação que adotaremos se refere diretamente à lei, podendo ser
também aplicada às demais normas do Direito e se baseia no conhecimento concreto
da Jurisprudência.
3.1 1º CRITÉRIO: QUANTO À SUA HIERARQUIA
O ordenamento jurídico de cada comunidade, segundo Kelsen e outros
autores, obedece a uma estrutura piramidal (teoria da estrutura piramidal do
ordenamento jurídico) graduada ou hierarquizada em que cada norma fundamenta sua
validade em outra superior, até chegar à norma fundamental.
O ordenamento jurídico brasileiro atual apresenta a seguinte estrutura
hierárquica das normas jurídicas: (consultar os arts.59 a 69 da nossa Constituição
Federal de l988).
1 Normas constitucionais – Todas as demais normas constitucionais
estaduais e municipais (leis orgânicas) e infra-constitucionais se subordinam às normas
constitucionais integrantes do texto da nossa Constituição Federal de 1988.
No Brasil, as normas constitucionais são normas legais, ao passo que na
Inglaterra existem regras constitucionais fundadas nos costumes.
O princípio da constitucionalidade exige a conformidade de todas as demais
normas e atos inferiores, sejam federais, estaduais ou municipais, aos dispositivos
19
constitucionais. Tais normas inferiores quando em conflito com as disposições da
Constituição Federal, perdem a sua validade.
Cumpre salientar que as normas constitucionais não são apenas aquelas que
estão expressas no texto da Constituição, mas também aquelas que decorrem deste
texto por força lógica intrínseca, como princípios implícitos de estruturação estatal. Por
exemplo, se o Brasil adota a forma de República Federativa, ipso facto consagra todas
as normas jurídicas fundamentais inerentes a esse sistema.
2 Normas Complementares: A lei complementar está prevista
expressamente no texto constitucional brasileiro, de forma genérica nos artigos 5º, II e
6º e de forma específica em vários outros artigos.
A lei complementar ocupa posição intermediária entre a norma constitucional
e a lei ordinária ou lei delegada ou a medida provisória ou os decretos legislativos e as
resoluções do Congresso, Senado ou da Câmara Federal. A lei complementar ocupa
também posição intermediária no tocante ao “quorum”: – para aprová-la, a Constituição
exige maioria absoluta de votos dos membros das duas Casas do Congresso Nacional
(art 69), ao passo que as emendas à Constituição se exige um quorum de três quintos
de votos dos membros das duas casas, em dois turnos (art.60,§ 2º ), enquanto que as
leis ordinárias, em regra, é suficiente à maioria simples de votos dos presentes.
A lei complementar pode versar sobre as mais diversas matérias (vide artigo
93, 131,etc), não apresentando conteúdo especial .Manoel Gonçalves Ferreira Filho
entende que o legislador ao fixar a matéria objeto de lei complementar, teve em mente o
seguinte: resguardar certas matérias de caráter paraconstitucional, contra mudanças
constantes e apressadas, sem lhes imprimir rigidez que impedisse a modificação de seu
tratamento, quando necessário.
3 Leis ordinárias, delegadas, decretos legislativos, resoluções
legislativas, medidas provisórias e tratados internacionais.
Leis ordinárias – A lei ordinária é a norma jurídica elaborada pelo Poder
Legislativo em sua atividade comum e típica. Vimos que as leis em geral, estabelecem
normas gerais e abstratas em suas disposições, mas algumas leis cuidam de casos
particulares, como por exemplo, a doação de um bem, a concessão de títulos a
determinada pessoa, a denominação de rua, a declaração de utilidade pública de uma
instituição, etc.
As leis ordinárias situam-se no ordenamento jurídico, abaixo das normas
constitucionais e complementares e acima dos decretos regulamentares e demais atos
20
normativos inferiores, como as convenções coletivas de trabalho, contratos, atos
administrativos. Assim, podemos discutir a constitucionalidade ou inconstitucionalidade
das leis, bem como a legalidade ou ilegalidade dos decretos, convenções coletivas,
contratos, etc.
O processo de elaboração da lei passa pelas seguintes fases:
a) iniciativa – disciplinada pelo artigo 61 da CF;
b) discussão e votação do projeto de lei –realizadas pelas duas Casas do
Congresso e suas respectivas comissões (a fase mais importante);
c) apreciação, pelo Executivo – promulgação: o ato do Chefe do Poder
Executivo atestando a autenticidade da lei, isto é, sua existência, ordenando sua
publicação, aplicação e cumprimento, uma vez que passa a pertencer ao ordenamento
jurídico; sanção, união da vontade do Congresso com a do Presidente, resultando a lei
ordinária ou o veto, que retorna ao Congresso para apreciação, votação e rejeição, ou
manutenção do veto, que pode ser parcial ou total. (Vide artigos 64,65 e 66 da
Constituição Federal). O veto parcial poderá abranger texto integral de artigo, de
parágrafo, de inciso ou de alínea (art. 66,§ 2º da CF).
d) publicação – para conhecimento de todos e integrar o ordenamento
jurídico (Vide artigo 1º e seus parágrafos da LICC e artigo 84, IV da CF), pois a lei só
produzirá efeitos depois de oficialmente publicada.
Leis delegadas – ”As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da
República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional” (Vide artigo 68 e
seus parágrafos da C.F.). Trata-se de figura recente no ordenamento jurídico brasileiro.
Decretos legislativos – São normas aprovadas pelo Congresso sobre
matéria de sua exclusiva competência, como por exemplo, a ratificação de tratados
internacionais, o julgamento das contas do Presidente da República, etc. Tais atos não
são remetidos ao Presidente da República para sanção.
Resoluções legislativas – São decisões do Legislativo (Congresso, Senado
ou Câmara) sobre assuntos de seu interesse interno, como por exemplo, a decisão
sobre licença ou perda de cargo por deputado ou senador, ou na delegação de
competência ao Presidente da República para elaboração de lei delegada, referida no
artigo 68, § 2º da C.F. (caso especial).
Medidas provisórias – A medida provisória foi introduzida na atual
Constituição, no lugar do Decreto-lei, que era uma figura híbrida, pois se tratava de “lei”
editada pelo Poder Executivo.
21
A Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, publicada no
DOU de 12/09/2001, assim se expressa quanto às medidas provisórias:
Art. 1º. Os arts. 62, 64, 66 e 246 da Constituição Federal passam a vigorar
com as seguintes alterações:
“Art 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá
adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao
Congresso Nacional.
§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I – relativa a:
a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito
eleitoral;
b) direito penal, processual penal e processual civil;
c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a
garantia de seus membros;
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos
adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art.167, § 3º;
II- que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou
qualquer outro ativo financeiro;
III- reservada a lei complementar;
IV- já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e
pendente de sanção ou veto do Presidente da República.
§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos,
exceto os revistos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício
financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi
editada.
§3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão
eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias,
prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso
Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.
§ 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida
provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional.
§ 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o
mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus
pressupostos constitucionais.
22
§ 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias
contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em
cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a
votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.
§ 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida
provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua
votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional.
§ 8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos
Deputados.
§ 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as
medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão
separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional.
§ 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida
provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de
prazo.
§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta
dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas
constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por
ela regidas.
§ 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da
medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou
vetado o projeto”.
“Art.64.................................................................................................................
.............
§ 2º Se, no caso do § 1º, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não
se manifestarem sobre a proposição, cada qual sucessivamente, em até quarenta e
cinco dias, sobrestar-se-ão todas as demais deliberações legislativas da respectiva
Casa, com exceção das que tenham prazo constitucional determinado, até que se ultime
a votação.
“Art.66.................................................................................................................
.............
§ 6º Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no § 4º, o veto será
colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até
sua votação final.
23
“Art. 246. É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de
artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda
promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até a promulgação desta emenda, inclusive”.
Art. 2º As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação
desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue
explicitamente ou até a deliberação definitiva do Congresso Nacional.
Art. 3º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua
publicação.
Tratados internacionais – Tratado é a manifestação expressa de um acordo
de vontades entre Estados, evidenciando um consentimento e regulando interesses
entre as partes. Segundo Rezek, “tratado é todo acordo formal concluído entre sujeitos
de Direito Internacional Público, e destinado a produzir efeitos jurídicos” (REZEK, José
Francisco. Direito internacional público:curso elementar. 8. ed. São Paulo:Saraiva,2000).
Pela Convenção de Viena de 1969, “tratado significa um acordo internacional
concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de
um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja
sua denominação específica”. (Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de
1969).
Com relação à posição hierárquica do tratado o Acórdão da 3ª turma do
S.T.J. – Resp. 0074376 – DJ de 27/11/95 estabelece: “O tratado internacional situa-se
formalmente no mesmo nível hierárquico da lei, a ela se equiparando. A prevalência de
um ou de outra se regula pela sucessão no tempo”.
Ao disciplinar a recepção dos tratados de direitos humanos no ordenamento
jurídico brasileiro, a Emenda Constitucional nº 45/2004, de 30/12/2004, acrescentou um
§ 3º ao art. 5º, estabelecendo: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos
humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,
por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais”.
Mesmo no Supremo Tribunal Federal a matéria não é pacífica. A posição
majoritária do STF defende a paridade entre tratado e lei federal, como no acórdão
acima citado do STJ, mas há posições favoráveis à hierarquia constitucional dos
tratados de direitos humanos. Porém, com a inclusão do § 3º ao art. 5º da Constituição
Federal pela EC-45/2004 fica esclarecida a polêmica doutrinária e jurisprudencial
concernente à hierarquia dos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos.
24
Por fim, os direitos e garantias constantes dos tratados internacionais de
proteção dos direitos humanos de que o Brasil seja parte, depois de ratificados,
integram o rol dos direitos e garantias constitucionalmente protegidos. Ressaltando
ainda, que passam a ser cláusulas pétreas do texto constitucional, não podendo ser
suprimidos nem mesmo por Emenda Constitucional (Constituição Federal, art. 60, § 4º,
inciso IV).
4 Normas ou decretos regulamentares e especiais - São regras jurídicas
gerais, abstratas e impessoais, estabelecidas pelo Poder Executivo, em
desenvolvimento da lei, conforme lição de Bandeira de Melo, em sua obra Princípios
Gerais do Direito Administrativo.
Ao lado dos decretos regulamentares ou gerais, há os decretos especiais,
que dispõem sobre casos concretos e individualizados, como o decreto de nomeação de
um funcionário.
5 Normas de hierarquia inferior e normas individuais – As decisões
normativas proferidas por autoridades judiciárias ou administrativas também são regras
jurídicas que integram o ordenamento jurídico.
A Administração Pública trabalha também com portarias, avisos, ordens
internas, despachos, etc, abaixo dos regulamentos.
As convenções coletivas de trabalho, estipulações, contratos, no plano das
obrigações, os despachos e sentenças do judiciário, bem como os estatutos, regimentos
das instituições, constituem outro conjunto das normas de conduta.
Finalmente, temos as normas individuais representadas pelos contratos,
sentenças e atos semelhantes, que embora não participando da natureza da lei,
apresentam caráter vinculatório por sua força e obrigatoriedade nas relações jurídicas
entre as partes.
3.2 2º CRITÉRIO: QUANTO À OBRIGATORIEDADE OU IMPERATIVIDADE
1 Imperativas – Normas imperativas, também chamadas coativas, cogentes
ou de ordem pública são as que possuem obrigatoriedade absoluta – determinam “fazer
ou não fazer alguma coisa”, não facultando ao interessado, agir ou deixar de agir de
forma diversa do contido no dispositivo legal. Subdividem-se em imperativas stricto
sensu (imperativas positivamente) quando mandam ou determinam de forma positiva,
por exemplo, o disposto no artigo 1641, , inciso II do Código Civil (“É obrigatório o
regime de separação dos bens no casamento da pessoa maior de 60(sessenta) anos”)
e proibitivas (imperativas negativamente) quando proíbem de modo incondicionado,
25
como por exemplo, o disposto no artigo 14, § 2º da Constituição Federal (“Não podem
alistar-se como eleitores os estrangeiros e durante o período do serviço militar
obrigatório, os conscritos”).
As normas imperativas, coativas, cogentes ou de ordem pública, como vimos,
não podem deixar de ser aplicadas, nem modificadas pela vontade ou convenções dos
particulares que estão a elas subordinados.
Uma determinada norma jurídica é declarada de ordem pública ou cogente
pelo legislador, às vezes pela doutrina e outras vezes pela jurisprudência; porém, não
devemos confundi-la com o “Direito Público”, pois parte do Direito Privado é constituído
de normas de ordem pública, imperativas, cogentes, que não podem ser modificadas
pela vontade das partes. Assim também, nem todas as regras de Direito Público são de
ordem pública ou cogentes, pois o Código de Processo Civil assim dispõe: “Não
havendo qualquer estipulação no contrato, o réu só pode ser demandado no seu próprio
domicílio”. Há, portanto, possibilidade das partes convencionarem em sentido diverso,
isto é, se as partes estipularem no contrato qual o foro, será o foro avençado e
registrado na cláusula contratual, também chamado de “foro de eleição”.
2 Dispositivas – Normas dispositivas também denominadas indicativas ou
relativamente cogentes são as que se limitam a permitir determinado ato ou a suprir a
manifestação da vontade das partes, determinando normas geris de conduta e
estabelecendo alternativas.
As normas dispositivas podem ser permissivas, ou seja, apenas permitem,
tal como dispõe o artigo 1639 do Código Civil: “É lícito aos nubentes, antes de celebrado
o casamento, estipular, quanto aos seus bens o que lhes aprouver”; podem ser também
supletivas, isto é, suprem a falta de manifestação da vontade das partes e só se
aplicam quando os interessados não disciplinarem suas relações.
Como exemplo de normas supletivas, citamos o artigo 1640 do Código Civil:
“Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens,
entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial”.
Algumas normas dispositivas ainda podem ser permissivas-supletivas,
quando permitem e suprem ao mesmo tempo. É o caso de uma pessoa que empresta a
outra R$10.000,00 pelo espaço de dois anos. O contrato nada mais estabelece, porém,
tal contrato se caracteriza como bilateral - empréstimo, implicando, pois, em restituição,
de uma parte a outra, decorrido o tempo avençado. Aos interessados era lícito
estabelecer uma taxa de juros, mas não o fizeram, havendo, pois, silêncio no contrato a
26
esse respeito. Deverá ou não ser cobrada uma taxa de juros neste caso? Aqui surge o
problema das normas dispositivas permissivo-supletivas. Os juros serão ou não
cobrados, dependendo da natureza da relação. Se a relação for de natureza civil, os
juros não estipulados não serão considerados; mas, se a obrigação for de natureza
mercantil, ter-se-á como estabelecida a taxa de juros, acompanhada da mora.
3.3 3º CRITÉRIO : QUANTO À SANÇÃO OU VIOLAÇÃO
1 Normas jurídicas “mais que perfeitas” (leges plus quam perfectae)
São normas jurídicas cuja violação acarreta as seguintes conseqüências:
a) nulidade do ato;
b) restabelecimento da situação anterior;
c) imposição de uma pena ou castigo. Como exemplo, temos a norma
jurídica contida no artigo 235 do Código Penal: ”Contrair alguém sendo casado, novo
casamento: Pena-reclusão de 2 a 6 anos”. Assim aquele que violar tal preceito terá
como conseqüência a nulidade do ato e responderá pelo crime de bigamia com a pena
a ser aplicada de 2 a 6 anos.
2 Normas jurídicas perfeitas (leges perfectae) – Tais normas quando
violadas determinam a nulidade automática ou a possibilidade de anulação do ato.
Assim um menor que aliena um seu bem imóvel sem estar devidamente representado,
isto é, sem o seu representante legal, terá o ato anulado, mas não sofrerá pena pela
infração cometida.
3 Normas jurídicas menos que perfeitas (leges minus quam perfectae)
São aquelas cuja violação não acarreta a nulidade ou anulabilidade do ato,
mas ocasiona outras penalidades. Exemplo: a norma do artigo 563, combinado com o
artigo 555,ambas do Código Civil dispõem que: “A doação pode ser revogada por
ingratidão do donatário ou por inexecução do encargo” (art.555), e: “A revogação por
ingratidão não prejudica os direitos adquiridos por terceiros,nem obriga o donatário a
restituir os frutos percebidos antes da citação válida;mas sujeita-o a pagar os
posteriores,e,quando não possa restituir em espécie as coisas doadas,a indenizá-la
pelo meio-termo do seu valor” (art.563).
4 Normas jurídicas imperfeitas (leges imperfectae) – Não são dotadas de
sanção e sua violação não acarreta nem a nulidade do ato, nem outra penalidade,
sendo também chamadas de obrigações naturais ou normas programáticas. São leis
meramente formais que objetivam orientar ou dificultar determinados atos ou
estabelecer diretrizes e programas. Como exemplo, citaremos o artigo 205 da
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Constituição Federal: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho”.
3.4 4º CRITÉRIO : QUANTO AO CONTEÚDO DE COMANDO
1 Normas jurídicas preceptivas – Determinam que se faça alguma coisa,
estabelecem um “status”, reconhecem ou identificam outras normas como pertencentes
ao sistema vigente. Ordenam positivamente através de preceito.
2 Normas jurídicas proibitivas – Ordenam proibitivamente, isto é, negam a
alguém a prática de certos atos.
3 Normas jurídicas permissivas – Facultam fazer ou omitir algo.
4 Normas jurídicas interpretativas – Tais normas subdividem-se em
autênticas quando interpretam uma lei em referência a outra lei, operando, pois,
através de outra lei; doutrinárias quando interpretam uma lei com base doutrinária e
jurisprudenciais quando a interpretação é com base jurisprudencial.
3.5 5º CRITÉRIO : QUANTO À NATUREZA DE SUAS DISPOSIÇÕES
1 Normas jurídicas substantivas – Definem relações jurídicas ou criam
direitos, como as disposições do Código Civil, Penal, Comercial.
2 Normas jurídicas adjetivas ou processuais – Regulam o modo ou o
processo para o cumprimento das leis substantivas, como as disposições do Código do
Processo Civil, Código de Processo Penal, etc. Tais normas, no dizer de João Mendes
“não podem existir ou ser concebidas, sem outras leis que elas tendem a fazer
observar”.
3.6 6º CRITÉRIO : QUANTO À SUA APLICAÇÃO
1 Normas jurídicas auto-aplicáveis – Apresentam vigência imediata ou no
prazo legal e predominam no ordenamento jurídico, pois em geral, as leis são auto-
aplicáveis, entrando em vigor, sem outras formalidades, na data de sua publicação ou
dentro dos prazos estabelecidos.
2 Normas jurídicas dependentes de complementação ou
regulamentação –Exigem , para sua vigência, a criação de novas normas
complementares e constituem exceção. Essa vigência pode ser expressa ou implícita ,
quando resulta do sentido da disposição.
3.7 7º CRITÉRIO : QUANTO À SISTEMATIZAÇÃO
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1 Normas jurídicas codificadas – Formam um corpo orgânico de normas
sobre determinado campo do Direito, não constituindo, entretanto, um conjunto de leis,
mas uma lei única, que dispõe de modo organizado sobre um ramo ou setor do Direito.
É o caso da legislação codificada – Código Civil, Penal, Comercial, que predomina no
Direito moderno.
2 Normas jurídicas consolidadas – A Consolidação reune, de modo
sistemático, leis esparsas já existentes e em vigor, sobre determinada matéria. Como
exemplo significativo, temos a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) baixada pelo
Decreto-lei nº 5.452/43, de 1º/05/43.
3 Normas jurídicas esparsas ou extravagantes – São leis editadas
isoladamente, chamadas antigamente de “leis extravagantes”, tais como a lei da
falência, do salário-mínimo, etc.
3.8 8º CRITÉRIO: QUANTO À ESFERA DO PODER PÚBLICO OU
TERRITÓRIO OU ESPAÇO
Todo sistema jurídico cobre um dado “espaço social”, vinculado a um certo
território, sob a proteção de um poder soberano.
A estrutura política e administrativa brasileira atribui competência normativa
própria à União, aos Estados e os Municípios, emanando nossas normas jurídicas,
paralelamente de três esferas de poder público, originando três espécies distintas.
1 Normas jurídicas federais – Compreendem as normas constitucionais e
suas leis complementares, as leis, códigos, medidas provisórias e decretos federais,
editados pela União ou qualquer de seus órgãos.
2 Normas jurídicas estaduais – Representadas pela Constituição dos
Estados e respectivas leis complementares, leis ordinárias, códigos e decretos
estaduais.
3 Normas jurídicas municipais – Representadas pelas leis orgânicas dos
municípios, leis, decretos, posturas e demais normas editadas pelos órgãos municipais.
A Constituição Federal, em seus artigos 22,23,24,25,29 e 30, fixa a
competência normativa da União, dos Estados e dos Municípios quanto à atividade
legiferante destas esferas de poder público.
4 ESTRUTURA E VALIDADE DA NORMA JURÍDICA
Todo produto cultural é, em substância, constituído de um valor incorporado a
um dado natural mediante uma técnica adequada. Em se tratando de cultura
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espiritual, como é o caso do Direito é necessário levar em conta um quarto elemento, a
forma através da qual se expressam os seus juízos e valorações.
O Direito é de fato cultura espiritual, em conseqüência apresenta, ao lado dos
elementos constitutivos, o elemento formal correspondente. Os elementos constitutivos
são: idéia de justiça (valor), a matéria social (dado social) e a técnica jurídica. O
elemento formal é representado pela norma jurídica.
A norma jurídica (elemento formal) é uma regra de conduta que exprime um
dever, uma regra de “dever ser”, prescrevendo o que se deve fazer para alcançar
determinado fim. Vimos que o Direito tem por fonte material a experiência social
valorada (justiça), a qual é disciplinada por normas jurídicas, as quais constituem a
medida da conduta do homem na vida em sociedade. Assim, podemos entender que a
norma jurídica é a verdadeira célula do Direito, seu elemento constitutivo básico.
As normas jurídicas são, pois, regras que prescrevem a conduta adequada para
conseguir ordem e segurança nas relações sociais.
A forma da norma jurídica é sempre a de um imperativo, um juízo, prescrevendo
um dever - imperativo positivo (fazer) ou negativo (não fazer).
Em alguns sistemas normativos, como a Religião, a Moral, o imperativo é
categórico, impõe-se de forma incondicional, ao passo que no Direito, o imperativo é
hipotético, dependendo de condições determinadas na própria norma.
A fórmula do imperativo categórico (Religião, Moral) é: “deve ser A” (deve-se
amar ao próximo, socorrer os necessitados, amar o pai e a mãe).
A fórmula do imperativo hipotético (Direito) é: “se for B, deve ser A”(quem mata
sofre pena de prisão, ou, são brasileiros os nascidos no Brasil.
A hipótese “se for B” chama-se suporte jurídico e a conclusão “deve ser A” ,
chama-se dispositivo. O suporte jurídico representa o fato jurídico e o dispositivo
constitui o dever ou a pretensão (destinatário da norma, que nem sempre é destinatário
certo e quase sempre são todos os membros da sociedade, particulares ou não).
A estrutura da norma jurídica (disposição de suas partes como medida da
conduta humana em sociedade) é uma estrutura binária, isto é, compõe-se de duas
partes:
a) hipótese normativa verificada, na qual se prevê um fato, a qual chamaremos
de F;
b) uma conseqüência que se liga ao fato previsto, a qual chamaremos de C
(preceito ou dispositivo). Desta forma, temos o seguinte esquema: Se F(fato) é –
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C(conseqüência) deve ser, ou seja, se a norma prevê a hipótese de um fato e este fato
ocorrer (se o fato se enquadrar naquilo previsto pela norma) haverá sempre uma
conseqüência. Por exemplo: uma norma constitucional diz que o Brasil é uma República
Federativa, constituída sob o regime representativo, pela união indissolúvel dos
Estados, Distrito Federal e Municípios (artigo 1º da Constituição Federal). Explicando o
esquema temos: Se o Brasil é (hipótese normativa verificada) uma República
Federativa, seus princípios devem ser (conseqüência) obedecidos.
Pelo exposto, verifica-se que a norma jurídica tem por natureza, um juízo
hipotético de valor, prescrevendo sempre fatos de forma genérica, sem a previsão de
casos particulares, a não ser em raríssimas exceções como leis que dispões sobre
denominações de logradouros públicos (ruas, praças, etc), escolas, órgão públicos, etc.
Excetuando tais casos, as normas são estabelecidas em esquemas genéricos,
atribuindo a determinadas categorias de fatos ou acontecimentos, determinadas
categorias de conseqüências.
Kelsen, em sua obra Teoria Pura do Direito, afirma que as proposições jurídicas
são juízos hipotéticos que enunciam ou traduzem que, sob certas condições ou
pressupostos, devem intervir certas conseqüências.
Franco Montoro, em sua obra Estudos de Filosofia do Direito, faz um amplo
estudo sobre a estrutura lógica da norma jurídica. A fórmula que Montoro apresenta
para sintetizar a estrutura completa da norma jurídica é a seguinte:
Se H (hipótese) é – deve ser P (prestação) – Se P não é – devem ser
conseqüências negativas ou Se P é – devem ser conseqüências positivas. Exemplo: Se
F é eleitor (H) – deve votar (P). Se F não votou (H) - deve ser multado (P) ou não
poderá retirar seu passaporte ou ainda não poderá inscrever-se em concurso público
(conseqüências negativas).
Por outro lado – Se F votou (H) – deve ter seu título assinado pelo Presidente
da Mesa ou pode tirar seu passaporte ou inscrever-se em concurso público, etc
(conseqüências positivas). Enfim, ocorrendo a hipótese (H), deve ser a prestação (P).
Se a prestação não é cumprida, devem ser efetivadas conseqüências positivas.
Para ajustar os esquemas genéricos das normas à realidade dos casos
concretos o juiz realiza um trabalho de interpretação e aplicação da norma jurídica,
surgindo aqui a importância da jurisprudência, pois o Direito, não prevendo casos
particulares, admite a possibilidade de colocar pressupostos aos fatos que ocorrem na
sociedade.
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Quando, entretanto, as normas jurídicas não deixam vislumbrar qualquer
hipótese, faz-se a conversão lógica (conversão da estrutura gramatical para a lógica).
Exemplo: o artigo 9º, inciso I, do Código Civil diz: “Serão registrados em registro público
os nascimentos, casamentos e óbitos. Realizando a conversão – Se houver
nascimentos, casamentos ou óbitos (hipótese) deverão cada um ser registrado em
registro público (conseqüência).
Nem sempre um artigo de lei corresponde a uma única norma jurídica, podendo
um único artigo de lei conter vários preceitos conjugados. Exemplo: o artigo 1210 do
Código Civil diz – “O possuidor tem direito de ser mantido na posse, em caso de
turbação, restituído, no esbulho,e segurado de violência iminente,se tiver justo receio
de ser molestado”. Utilizando a conversão e o esquema temos: se houver turbação o
possuidor será mantido na posse. Se houver esbulho, a posse lhe será restituída. Se
tiver justo receio de ser molestado, deverá ser segurado de violência iminente. No
primeiro caso (turbação), a ação cabível será de manutenção de posse e no segundo
caso (esbulho) a ação cabível será de reintegração de posse. Explicando, se houver
turbação (hipótese normativa verificada), o possuidor deverá ser mantido na posse
(conseqüência), o mesmo acontecendo no caso de esbulho (restituído na posse). Assim
também, um mesmo artigo pode conter vários preceitos conjugados, estabelecendo
várias conseqüências. Exemplo: o artigo 8º do Código Civil diz: “Se dois ou mais
indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos
comorientes precedeu aos outros (hipótese normativa verificada), presumir-se-ão
mortos”. (1ª conseqüência), isto é, mortos ao mesmo tempo (2ª conseqüência)
Turbação: todo fato impeditivo do livre uso da posse, contra a vontade do
possuidor.
Esbulho: ato violento em virtude do qual uma pessoa é despojada, contra sua
vontade, daquilo que lhe pertence ou está em sua posse, sem que assista ao
violentador qualquer direito ou autoridade, com que possa justificar seu ato.
Quando analisamos a natureza do juízo contido na norma jurídica, isto é,
quando falamos em juízo hipotético de valor, estamos nos referindo a um ato mental
puro, mediante o qual se atribui a um ser, certa qualidade, de maneira necessária, tema
este pertencente à Filosofia do Direito. A atribuição a um ser, de certa qualidade, de
maneira necessária pode ocorrer no plano existencial ou da realidade e no plano da
valoração. Tal afirmação se ajusta perfeitamente com a teoria tridimensional do Direito
defendida por Miguel Reale, a qual considera o Direito como fato, valor e norma.
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Para que uma norma jurídica seja legitimamente obrigatória, isto é, válida, há
necessidade de atender a três aspectos essenciais da validade: vigência como validade
formal, eficácia como validade fática, e o fundamento axiológico como validade ética.
Para que uma norma jurídica tenha vigência é imprescindível a presença dos
seguintes requisitos:
1º) legitimidade do órgão que a elabora;
2º) a matéria objeto da norma deve estar contida na competência do órgão
(competência ratione materiae do órgão)
3º) legitimidade dos procedimentos legais para a sua produção.
Vimos, portanto, que a vigência (validade formal) diz respeito ao tempo em que
uma lei entra em vigor e deixa de vigorar, bem como a competência e legitimidade dos
órgãos e processos envolvidos em sua produção - validade jurídica que empresta ao
Direito, indeclinável obrigatoriedade temporal e espacial.
A eficácia (validade fática ou social) se refere ao cumprimento e ao
reconhecimento pelos seus destinatários, dos comandos jurídicos, isto é, quando uma
lei tem aptidão para produzir bons resultados (reconhecimento, respeito, cumprimento e
aplicação pelos membros da sociedade).
O fundamento axiológico (validade ética) é representado pela justiça, pois
toda norma jurídica tem por finalidade (teleologia) implantar uma ordem justa na vida
social. O sentido da norma jurídica é, pois, uma tentativa de dirigir a liberdade humana à
justiça, dando a cada um (alteridade) o que lhe é devido, segundo certa igualdade;
porém, não devemos nos esquecer da sábia lição de Miguel Reale, quando nos ensina
que cada época histórica tem um ideal de justiça, que depende da escala de valores
dominantes na sociedade.
O aspecto moral, ético ou axiológico de uma lei pode estar aparente ou velado,
como por exemplo, nas leis de trânsito, consideradas amorais. Neste caso, o aspecto
moral velado está justamente no cumprimento obrigatório pelo reconhecimento de que
tais leis ditas amorais estão sempre voltadas para o interesse social, impedindo que o
elemento axiológico seja desnaturado.
5 CONTROLE JURÍDICO : SANÇÃO E COAÇÃO
A sanção e a coação são meios de garantia do cumprimento da norma jurídica.
A sanção consiste, em temos gerais, nas conseqüências da inobservância do
dever jurídico; em sentido estrito é o castigo prescrito para quem infringe a obrigação
jurídica.
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Em regra, toda norma é garantida por sanções (execução forçada, prisão, multa,
incapacidade).
A força empregada para efetivar as sanções constitui a coação, que geralmente
é privilégio do Estado (força pública), admitindo-se o uso da força particular
excepcionalmente, como por exemplo, na legítima defesa.
A sanção desempenha dupla função: garantia da ordem (ameaça) evitando o
desrespeito da norma e reparação, reintegrando a ordem jurídica e indenizando a vítima
dos prejuízos causados pelo infrator às suas próprias custas.
A sanção jurídica diferencia-se da sanção moral por ser organizada, enquanto
que a sanção moral existe difusa no meio social, só ocorrendo em forma de repulsa ou
repúdio da opinião pública quando se depara com um fato menos recomendável aos
costumes.
A principal característica da sanção moral é a bifrontalidade do homem, ou seja,
a atuação que se dá nos planos da consciência individual e coletiva.
A norma jurídica, como vimos, difere das demais normas por duas razões
básicas: a bilateralidade e a coercibilidade.
A bilateralidade se afirma na estrutura imperativo-atributiva da norma jurídica:
prescreve um dever ou obrigação de fazer ou não fazer algo e confere ao mesmo tempo
uma pretensão ou poder de exigir o cumprimento desse dever. É bilateral porque aciona
ambos os lados (pólos) de uma relação jurídica intersubjetiva – de um lado, atribuindo
um direito e de outro, impondo uma obrigação. Exemplo: a norma que obriga o devedor
a pagar a conta, dá ao credor o direito de exigir o pagamento (exigibilidade recíproca),
A coercibilidade ou coatividade é o poder que tem a norma jurídica de fazer-se
cumprir com o emprego da força física. Quando esse cumprimento não é possível de
fato, utiliza-se de outras formas indiretas:
a) impondo uma sanção contra o faltoso;
b) obrigando-o a reparar os danos causados com a sua falta;
c) anulando-se os atos praticados em violação de seu dever.
Enfim, a coação representa um recurso de última instância para dar
cumprimento à norma – aplicação da força organizada nos casos em que o simples
enunciado da sanção não foi suficiente para que a norma jurídica fosse respeitada.
A palavra coação pode ser entendida em duas acepções. A primeira acepção
diz respeito à aplicação da violência não organizada para viciar o ato jurídico. Tal
aplicação pode se revestir de dois sentidos: coação moral (vis compulsiva) quando faz
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trepidar a vontade de alguém pela imposição de “força psicológica”. Exemplo: alguém
conhecendo o segredo de uma pessoa usa desse recurso como arma psicológica
(coação moral - vis compulsiva); coação física (vis absoluta) quando faz trepidar a
vontade de alguém pela imposição da força física.
O artigo 151 e seguintes do Código Civil, trata da coação e a interpretação dada
aos sentidos vis compulsiva e vis absoluta que é a seguinte: as imposições de força
psicológica ou física devem ser de tal forma aplicadas que venham a incutir ao paciente
“forte temor de dano”, à sua pessoa, à sua família ou aos seus bens, bem como também
devem ser impostas de maneira irresistível.
A segunda acepção de coação se refere à aplicação da força organizada pelo
Estado, buscando compelir o cidadão ao cumprimento da norma.
6 INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS
Conceito – Interpretar é descobrir o sentido e o alcance da norma jurídica,
envolvendo, portanto, três elementos:
1 Descobrir o sentido – A norma jurídica, como parte do mundo da cultura
possui uma “significação”, “sentido” ou “finalidade”. Quando a interpretamos procuramos
revelar o sentido apropriado para a vida real, com vistas a uma aplicação justa.
2 Descobrir o alcance – Duas leis com o mesmo sentido podem ter alcances
diferentes. Como exemplo, poderemos citar o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis
Federais e a CLT que estabelecem o preceito de descanso semanal remunerado
(sentido), mas a primeira estende-se aos servidores públicos civis federais e a segunda,
aos empregados das empresas (alcance diferente).
3 Norma jurídica – A norma jurídica em sua acepção ampla, abrange desde as
normas constitucionais até as normas contratuais, de caráter individual e todas precisam
ser interpretadas e não apenas as leis no sentido estrito.
INTERPRETAÇÃO DE TODAS AS NORMAS: Mesmo em face da clareza do
texto, este comporta sempre uma interpretação; portanto, a máxima “In claris cessat
interpretatio”, não tem razão de ser. Luis RECÁSENS SICHES, professor da
Universidade Autônoma do México, em sua obra sobre Filosofia da exegese, refere-se a
um cartaz colocado na entrada de uma exposição, onde se lia: “É proibido entrar cães”.
Mesmo com a clareza do enunciado, uma senhora, portando um ursinho no ombro,
pretendia entrar no recinto, alegando não ser o animal um cão. Desconhecia aquela
senhora que por trás da letra da lei, esconde-se o espírito que a vivifica., que chamamos
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de mens legis, que no caso em tela é o de prevenir os visitantes da exposição dos
aborrecimentos causados por animais, quer urso ou cão.
HERMENÊUTICA: A hermenêutica, a rigor não é sinônimo de interpretação,
pois, como vimos, interpretar é fixar o verdadeiro sentido e alcance de uma norma
jurídica, tarefa do exegeta, que realiza a exegese, com base na hermenêutica, que em
sentido técnico, é a teoria científica da interpretação.
INTERPRETAÇÃO AUTÊNTICA E NÃO AUTÊNTICA (KELSEN): Quando o
jurista interpreta uma norma jurídica, estabelece as possíveis significações da mesma,
não podendo optar por qualquer delas, pois sua tarefa consiste apenas em criar
condições para uma decisão possível do órgão aplicador do Direito. Esta interpretação
jurídico-científica é denominada por Kelsen de não autêntica. Por outro lado, quando o
órgão aplicador do Direito, obrigado a solucionar o caso “sub judice”, recebe a
informação normativa dos órgãos superiores mediante as normas gerais que lhe são
dirigidas e escolhe uma entre as várias possibilidades interpretativas que lhe oferece a
norma geral e decide, por exemplo, através de uma sentença (norma individual) o caso
concreto, Kelsen a chama de interpretação autêntica, porque a autoridade competente
cria o Direito para o caso concreto, realizando a subsunção, que é a aplicação da norma
geral e abstrata ao caso individual e concreto, buscando a eqüidade, que é a realização
da justiça do caso concreto.
6.1 ESPÉCIES DE INTERPRETAÇÃO – A interpretação pode ser classificada
segundo diferentes critérios:
6.1.1 QUANTO À SUA ORIGEM – Quanto à sua origem ou à fonte de que
emana, a interpretação pode ser:
a) judiciária ou usual – É a interpretação que os juizes realizam ao sentenciar;
b) legal ou autêntica – É a interpretação do próprio legislador, através de outra
lei, chamada “lei interpretativa”;
c) administrativa – É a interpretação realizada pelos órgãos da administração,
desde o Presidente da República até as autoridades de menor nível, mediante
despachos, instruções, portarias, ordens, etc.;
d) doutrinária ou científica – É a que realizam os juristas em suas obras e
pareceres, à luz dos princípios filosóficos e científicos do Direito e da realidade social.
6.1.2 QUANTO ÀS TÉCNICAS UTILIZADAS – São os processos lógicos ou
não, utilizados para desvendar as várias possibilidades de aplicação da norma jurídica e
se dividem em:
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a) gramatical ou filológica - – É a interpretação que busca o sentido literal do
texto normativo, alicerçando-se em regras de lingüística, atendendo à pontuação,
colocação dos vocábulos, origem etimológica, etc.;
b) lógico-sistemática – Alguns mestres da Escola de Exegese, levados pelo
grande apego ao texto, distinguiram a interpretação lógica da interpretação sistemática.
A interpretação lógica cuidaria apenas do valor lógico das palavras, sem se
preocupar em situar o texto no sistema geral do ordenamento jurídico. A interpretação
sistemática viria num segundo momento, ou melhor, num terceiro momento para
elucidar dúvidas possivelmente ainda existentes, após a exegese gramatical e lógica.
Hoje compreendemos que é impossível separar essas duas ordens de
pesquisa, a lógica e a sistemática, pois interpretar logicamente um texto de Direito é
situá-lo ao mesmo tempo no conjunto geral do ordenamento jurídico (sistemática),
preocupando-se com o valor lógico dos termos empregados (lógica). As normas
jurídicas devem ser entendidas organicamente, dependendo umas das outras, exigindo
reciprocidade através de um nexo que a ratio juris explica e determina.
Assim, ao mesmo tempo em que procuramos desvendar o sentido e o alcance
da norma, estudando-a por meio de raciocínios lógicos, analisando os períodos da lei e
combinando-os entre si com o escopo de atingir perfeita compatibilidade, temos que
inseri-la num sistema, relacionando-a com outras, relativas ao mesmo objeto.
c) Histórica - Baseia-se na averiguação dos antecedentes da norma. Refere-se
ao histórico do processo legislativo e às circunstâncias fáticas que a precederam, às
causas ou necessidades que induziram o órgão a elaborá-la, ou seja, às condições
culturais ou psicológicas sob as quais o preceito normativo surgiu (occasio legis), tendo
sempre em vista a razão da norma (ratio legis), isto é, os resultados que visa atingir.
d) Sociológica ou teleológica – Objetiva adaptar a finalidade da norma às
novas exigências sociais. Essa adaptação está prevista no artigo 5º da Lei de
Introdução ao Código Civil, que prescreve: “Na aplicação da lei o Juiz atenderá aos fins
sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
6.1.3 QUANTO A SEUS EFEITOS OU RESULTADOS – Os efeitos do ato
interpretativo nos conduzem às seguintes interpretações:
a) declarativa – A interpretação é declarativa quando se limita a declarar o
pensamento expresso na lei, sem estendê-lo a casos não previstos ou restringi-los
mediante exclusão de casos inadmissíveis;
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b) extensiva – Quando o intérprete conclui que o alcance da norma é mais
amplo do que indicam seus termos, significando que o legislador escreveu menos do
que queria dizer (minus scripsit quam voluit), devendo a lei ser aplicada em
determinadas situações não previstas expressamente;
c) restritiva – Quando o legislador escreveu mais do que realmente pretendia
(plus scripsit quam voluit), forçando o intérprete a restringir o sentido da lei, a fim de dar-
lhe aplicação razoável e justa, impedindo que produza efeitos injustos e danosos, já que
suas palavras abrangem hipóteses que nelas, na realidade, não se contêm.
7 LACUNAS DO DIREITO: ANALOGIA E PRINCÍPIOS GERAIS
Vimos anteriormente que o Direito é uma realidade dinâmica que abrange
fatos, valores e normas (Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale). Logo, o
sistema jurídico é aberto e se compõe de um subsistema fático, valorativo e normativo,
que apresenta lacunas normativas, na ausência de preceito normativo sobre um caso,
lacunas ontológicas, quando houver norma, mas ela não corresponder aos fatos
sociais, e lacunas axiológicas na ausência de norma justa.
Posto isto, não podemos acolher as teorias que concebem o sistema jurídico
com seus subsistemas, como fechado, baseando-se no princípio de que “tudo que não
está proibido, está permitido”. Entendemos que o problema das lacunas é inerente ao
sistema jurídico e deriva do caráter dinâmico do Direito e as sentenças judiciais não
suprimem as lacunas, mas integram normas ao preencherem lacunas, nem os
processos judiciais eliminam os conflitos, mas apenas põem-lhes um fim (coisa julgada).
A dinamicidade do Direito o torna lacunoso e ao mesmo tempo sem lacunas,
ou seja, é lacunoso porque não há normas para todos os casos concretos e sem
lacunas porque seu dinamismo produz soluções para as mais diversas decisões
judiciais, quer dos juizes, quer dos legisladores. Logo, o sistema jurídico, é aberto, é
completável e suas lacunas são provisórias, pois sobre elas não há uma decisão
unânime, final e definitiva o que torna as lacunas aporéticas, isto é, sem saída,
ocasionando uma dificuldade ou dúvida racional decorrente de uma impossibilidade
objetiva na obtenção de uma conclusão ou decisão definitiva.
Quando não é possível aplicar a norma geral ao caso individual (subsunção)
por haver lacuna, utilizamos os artigos 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil para
preenchê-la, os quais apresentam meios supletivos para realizar a integração do Direito.
Tais meios supletivos são representados pela analogia, os princípios gerais do direito,
os costumes e a eqüidade (mecanismos de integração do Direito).
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O princípio constitucional da legalidade, expresso no art. 5º, II, da
Constituição Federal, segundo o qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude da lei, constitui uma norma geral exclusiva, que
permite certo comportamento, se inexistir lei proibindo ou obrigando-o.
Pela análise lógica do princípio da legalidade, somos levados a
concluir que a existência em nosso ordenamento jurídico de normal geral exclusiva,
elimina a possibilidade de lacunas.
Nossos magistrados quando julgam a conduta de qualquer pessoa,
deveriam pesquisar a existência ou não de lei proibindo-o ou obrigando-o. Se a
encontrar não há que se falar em lacunas. E, se não a encontrar, a conduta em
julgamento deve ser considerada permitida,e, da mesma forma, não há, também,
que se falar em lacunas. Portanto, um ordenamento jurídico que contém uma norma
geral exclusiva, que se aplica às situações não disciplinadas de modo específico,
não poderia ser considerado lacunoso. Nesta linha de raciocínio, o disposto no art.
4º da Lei de Introdução ao Código Civil, que determina a aplicação da analogia, dos
princípios gerais de direito ou dos costumes, como mecanismos integradores do
Direito estaria em conflito com a regra geral exclusiva, criando uma situação
antinômica, com a prevalência da norma constitucional sobre o Decreto-lei nº 4.657,
de 04/9/1942 (Lei de Introdução ao Código Civil). Como resolver essa questão?
Para Bobbio a norma geral exclusiva não garante a completude do
ordenamento jurídico, quando este contém uma norma geral sobre o preenchimento
de lacunas,que se reveste de natureza inclusiva, isto é, incluímos no campo das
condutas normatizadas aquela para a qual não existe nenhuma norma específica e,
no caso brasileiro, aplicamos o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, como
norma geral inclusiva.
Em conseqüência do acima exposto, para Bobbio, as lacunas se
verificam não na falta de normas disciplinadoras de condutas, mas na falta de
critério de escolha entre a norma geral exclusiva, que permite tudo que não for
normatizado como proibido ou obrigatório, e a norma geral exclusiva, que disciplina
as ações em caso de ausência de lei.
Kelsen tem um posicionamento diferente sobre as lacunas. O juiz,
diante de uma conduta qualquer, deve considerar se o direito a liga à sanção. Em
caso positivo, o julgamento deve ser no sentido de impor a pena estabelecida. Em
caso negativo, se o direito não sanciona a conduta em questão, deve-se considerá-
39
la lícita, não existindo possibilidade de lacunas. Como todas as normas são
reduzidas à estrutura de um imperativo sancionador (dado certo comportamento,de
ser uma sanção), para Kelsen, o juiz que vê lacuna no direito está, na verdade,
pretendendo aplicar sanção a uma conduta não-sancionada ou deixar de aplicar
sanção a conduta sancionada;
Na ótica de Kelsen, o julgador só considera que há lacunas no
ordenamento quando não o satisfaz a solução por este oferecida. Em termos mais
precisos, as lacunas são vistas por Kelsen como uma ficção, a possibilitar a
compatibilização dos pressupostos lógico-operacionais do Direito com os postulados
éticos de quem tem a competência para o aplicar.
À luz do pensamento lógico jurídico, a negação das lacunas é
condição da logicidade do sistema jurídico. Um sistema incapaz de ser considerado
completo, de algum modo, não deve ser qualificado de lógico.
Anteriormente, quando estudamos as fontes formais do Direito, cuidamos dos
costumes e quando tratamos da justiça (Axiologia Jurídica), abordamos a eqüidade.
Resta-nos apenas a analogia e os princípios gerais de direito para
completarmos o estudo sobre os elementos integradores do Direito.
Sinteticamente, Tércio Sampaio Ferraz Jr. em sua Enciclopédia Saraiva do
Direito, conceitua e fundamenta a analogia da seguinte forma: “um procedimento
quase lógico, que envolve duas fases: a constatação (empírica), por comparação,
de que há semelhança entre fatos-tipos diferentes e um juízo de valor que mostra
a relevância das semelhanças sobre as diferenças, tendo em vista uma decisão
jurídica procurada”.
As espécies de analogia são: analogia legis, que consiste na aplicação da
norma existente destinada a reger caso semelhante ao previsto e analogia juris, que se
fundamenta num conjunto de normas para extrair elementos que possibilitem sua
aplicação ao caso concreto não previsto, mas similar, constituindo na prática a autêntica
analogia.
Não podemos confundir a analogia com a interpretação extensiva, pois na
analogia não há lei prevista para o caso e se recorre à norma que resolve casos
semelhantes; já na interpretação extensiva, o hermeneuta alarga o âmbito da lei,
havendo, pois, lei prevista, ausência de lacuna e necessidade de abranger mais casos.
Podemos citar alguns exemplos de analogia, tais como:
- se a pessoa física tem responsabilidade civil, a jurídica também tem.
40
- se dolo anula compra, anula qualquer contrato;
- no testamento prevalece o que melhor assegure a vontade do testador;
isto depois é aplicado à doação.
- o artigo 8º do Código Civil dispõe sobre comoriência, entendendo-se
mortes simultâneas num mesmo país, aplicado depois a mortes em países diferentes.
- o artigo 10 e seus parágrafos, da Lei 6.515, de 26/12/77, que revogou os
artigos 315 a 328 do Código.Civil anterior de 1916, autoriza o juiz para dispor sobre
guarda do menor, isto depois é aplicado à tutela, alterando a ordem de precedência dos
parentes.(tutela-vide artigos 1728 a 1766 do Código Civil)
Princípios gerais de direito são normas de valor genérico que orientam a
compreensão do sistema jurídico em sua aplicação e integração.
Os princípios gerais de direito apresentam natureza múltipla, pois decorrem
dos subsistemas normativos, originam-se das idéias políticas e sociais vigentes e são
reconhecidos pelas nações civilizadas que apresentem afinidades culturais, podendo
variar, conforme a época histórica referida.
Na aplicação dos princípios gerais de direito, Limongi França sugere ao juiz o
seguinte roteiro, extraído da Enciclopédia Saraiva do Direito:
O juiz empregando dedução, indução e juízos valorativos deve:
- buscar os princípios da instituição a que se refere o caso;
- sendo isto inócuo, deve procurar os que informam o livro ou parte do
diploma onde se insere a instituição, depois o do diploma onde se encontra o livro, em
seguida o da disciplina a que corresponde o diploma, até chegar aos princípios gerais
de todo o direito escrito, de todo o regime jurídico-político e da sociedade das nações;
- procurar princípios de direito costumeiro;
- recorrer ao direito comparado;
- invocar elementos de justiça, entrando na seara da Filosofia do Direito.
Alguns juristas entendem que os brocardos jurídicos são a tradução prática
dos princípios gerais do direito e em sua grande maioria apresenta origem romana,
aparecendo em forma de máxima ou aforisma; porém, nem todo princípio geral de
direito aparece sob a forma de brocardo jurídico.
Muitos princípios gerais de direito são encontrados em normas jurídicas,
como os abaixo trnacritos:
“Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece” (artigo
3º da Lei de Introdução ao Código Civil).
41
“Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas
consubstanciadas do que ao sentido literal da linguagem” (artigo 112 do Código Civil).
“Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão
em virtude de lei” (artigo 5º, inciso II da Constituição Federal do Brasil).
O sistema jurídico civil brasileiro acolhe os seguintes princípios, dentre
outros:
princípio da moralidade;
princípio da igualdade de direitos e deveres;
princípio da proibição de locupletamento ilícito;
princípio da função social da propriedade;
princípio de que ninguém pode transferir ou transmitir mais direitos do que
tem;
princípio de que a boa fé se presume e a má fé deve ser provada;
princípio da preservação da autonomia da instituição familiar;
princípio de que ninguém pode invocar a própria malícia;
princípio da exigência de justa causa nos negócios jurídicos;
princípio de que o dano causado por dolo ou culpa deve ser reparado;
princípio de que as obrigações contraídas devem ser cumpridas;
princípio do equilíbrio dos contratos;
princípio da autonomia da vontade e da liberdade de contratar;
Dentre os princípios mais gerais e universais do Direito, podemos citar:
princípio de justiça e segurança - supremo objetivo do Direito.
princípio de eqüidade - abrandamento da justiça, justiça do caso concreto.
princípio de isonomia - todos são iguais perante a lei.
princípio da liberdade, dentro dos limites legais.
princípio de solidariedade humana - Previdência Social.
princípio de responsabilidade dos governantes.
Finalmente, apresentamos abaixo alguns brocardos jurídicos mais citados
em vários ordenamentos jurídicos, inclusive nos países da Commom Law.
Ninguém que pode condenar está impedido de absolver.
Tudo o que pode ser vendido, pode ser trocado.
O ônus da prova cabe a quem afirma o fato.
Em dúvida é melhor absolver que condenar.
Tudo quanto por direito se contrata, por contrato se extingue.
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Ninguém deve ser condenado sem ser ouvido.
Nem tudo que é lícito é justo.
A lei manda, permite, proíbe ou pune.
Fazer justiça é repor equilíbrio.
Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido.
8. ANTINOMIAS DO DIREITO
A superação das antinomias, eliminando o conflito entre as normas
jurídicas, segundo os teóricos do Direito (doutrinadores) se resolve com a aplicação
dos seguintes critérios: cronológico,hierárquico e o da especialidade.
Critério cronológico: por este critério, a norma posterior prevalece
sobre a anterior, ou seja, a norma jurídica mais recente revoga a mais antiga, em
função do pressuposto do constante aperfeiçoamento do Direito Positivo.
Critério hierárquico: segundo este critério, a norma jurídica superior na
escala hierárquica das leis prevalece sobre a inferior. Se um dispositivo
constitucional é antinômico em relação a uma lei complementar, prevalece a norma
constitucional em prejuízo da norma de lei complementar. Esta, por sua vez , deve
ser respeitada em detrimento da norma de lei ordinária.
Critério da especialidade: com base neste critério, a norma especial
prevalece sobre a geral. Assim, as regras sobre o contrato de compra e venda
constantes do Código Civil não se aplicam às relações de consumo se o Código de
Defesa do Consumidor contiver disposição diversa, porque esta última é mais
específica, referindo-se apenas aos contratos envolvendo consumidores, ao passo
que as primeiras inseridas no Código Civil são aplicáveis aos contratos em geral.
Os critérios utilizados para a eliminação das antinomias, muitas vezes
não são suficientes para superá-las e se tornam impotentes, pois nem sempre são
absolutos quando aplicados individualmente. Há casos de conflitos entre os próprios
critérios. Suponhamos que a norma A, posterior e inferior à norma B, que embora
anterior é superior na escala hierárquica. De acordo com o critério cronológico,seria
aplicada a norma A, mas segundo o hierárquico,deve prevalecer a norma B. Tal
situação recebe o nome de “antinomia de segundo grau”, já que a incompatibilidade
não reside apenas nas normas em questão, mas igualmente nos critérios de sua
superação.
As antinomias de segundo grau são resolvidas com a aplicação de
outros critérios. O conflito entre o cronológico e o hierárquico é resolvido em favor
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deste último, isto é, aplica-se a norma mais antiga e superior hierarquicamente,
desprezando-se a mais nova e inferior. Entre o cronológico e o da especialidade,
este prevalece, uma vez que a norma geral posterior não revoga a norma especial
anterior.
Entretanto, se ocorrer antinomia de segundo grau entre o critério
hierárquico e o da especialidade, ensina Norberto Bobbio em sua obra Teoria
dell’ordinamento giuridico(1960), que inexiste meio seguro para se optar por ou
outro, tendo em vista a igual importância dos valores relacionados com cada um
deles. O critério da hierarquia decorre do valor segurança e o da especialidade é
imposição da justiça.
Existe,também,uma outra situação em que os critérios adotados pelo
Direito se revelam insuficientes para a solução das antinomias. Trata-se do conflito
entre duas normas editadas concomitantemente, de hierarquia e âmbito de
incidência idênticos. Por exemplo, dois dispositivos de uma mesma lei tributária,
definindo, para determinado imposto, alíquotas com valores diferentes.
Nas situações acima descritas (antinomia de segundo grau entre
hierarquia e especialidade e/ou identidade de hierarquia, cronologia e âmbito de
incidência), configura-se a chamada antinomia real, ou seja, não existe critério para
superá-la. Segundo Bobbio e Kelsen, deparando-se com antinomias reais, devemos
considerar como válidas as duas normas antinômicas e podemos escolher qualquer
uma delas.
Embora a maioria dos teóricos do Direito aceitem os critérios de
superação das antinomias, de primeiro e de segundo grau, nem sempre são
aplicados, ocorrendo situações em que prevalece a norma anterior sobre a posterior,
a inferior sobre a superior e a geral sobre a especial. Nesses casos, em que as
antinomias são resolvidas sem a devida observância dos critérios hermenêuticos
admitidos, verifica-se, rigorosamente falando, a antinomia real, no entendimento de
Fábio Ulhoa Coelho.
Para a Teoria Pura do Direito defendida por Kelsen, não há
incompatibilidade possível entre normas, o que significa que não há antinomias,
desde que as normas conflitantes sejam editadas pelos órgãos competentes e
consideradas válidas pelas autoridades investidas da função jurisdicional
(competentes para dizer o direito). A validade das normas jurídicas atributivas de
competência é dada por uma norma básica, fundamental, que determina a
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obediência aos elaboradores da Constituição (constituintes). Ora, estes
determinaram a obediência às leis aprovadas pelo Poder Legislativo e às decisões
proferidas pelos membros do Poder Judiciário. Pelo pensamento kelseniano,
obedecer os constituintes, em outras palavras significa obedecer os legisladores e
os magistrados, no exercício das respectivas esferas de competência.
9 APLICAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS NO TEMPO E NO ESPAÇO
9.1 INTRODUÇÃO – Miguel Reale, estudando a natureza lógica da aplicação
do Direito, entende que há certa confusão quando se aborda o problema da aplicação
do Direito, pois a chamada aplicação da lei no tempo e no espaço, refere-se,
fundamentalmente à eficácia do Direito no âmbito temporal e espacial, objeto de estudo
da Teoria Geral do Direito e, mais especificamente, da Teoria Geral do Direito Civil ou
de Direito Internacional Privado. Assim, continua Reale, “o que em sentido técnico e
próprio se denomina ‘aplicação’, é uma forma de eficácia” e cita o seguinte exemplo:
“Um juiz brasileiro chamado a decidir sobre a situação patrimonial de um casal de
italianos residentes no Brasil, mas casados na Itália, reconhece a eficácia da lei pessoal
dos cônjuges e aplica-a no Brasil; nesse caso, caracteriza-se a eficácia da norma
italiana, para que produza efeitos no território nacional”. Neste exemplo, aplicar
equivale, pois, a assegurar eficácia a uma regra. Enfim, verificamos, que embora haja
íntima correlação entre os problemas da eficácia do Direito, e sua aplicação, devemos
dar à expressão “aplicação do Direito” uma conotação mais abrangente, implicando
também uma série de atos de caráter lógico e axiológico, escolhendo a norma jurídica
possivelmente aplicável ao caso sub judice, percorrendo o raciocínio do juiz, da norma
ao fato concreto e vice-versa, até formar a sua convicção jurídica, fundamento de sua
decisão.
Após estas considerações iniciais, na esteira do pensamento do ilustre
jurisfilósofo brasileiro Miguel Reale, limitaremos nossos estudos, fundamentalmente à
vigência das normas jurídicas no tempo e no espaço.
Procurando ainda introduzir o tema, seria oportuno e aconselhável,
afirmarmos que todas as normas jurídicas têm seu campo de aplicação limitado, não
apenas ao tempo ou espaço, mas também à matéria e às pessoas, dentro dos quais
elas têm vigência ou validade. Em relação à matéria, tal limitação nos leva a dividir o
Direito em seus diversos ramos públicos e privados, surgindo daí, os vários campos de
aplicação limitados às relações jurídicas de natureza comercial (Direito Comercial),
45
trabalhista (Direito do Trabalho), civil (Direito Civil ), no ramo privado e as relações
jurídicas de natureza constitucional (Direito Constitucional), administrativa (Direito
Administrativo), penal, processual penal e civil (Direito Penal, Direito Processual Penal e
Direito Processual Civil) no ramo público, por exemplo .Em relação às pessoas , há
“normas gerais” que se aplicam a todas as pessoas indistintamente, como são, em
geral, as normas do Direito Civil ou Penal; há “normas especiais”, que se aplicam a
determinada categoria de pessoas, como menores, funcionários públicos, ferroviários,
professores, etc. e finalmente há “normas individuais”, como as contratuais,
testamentárias, as sentenças, despachos e outras de aplicação personalizada.
Examinaremos, neste estudo, alguns dos problemas principais relativos ao
âmbito temporal e espacial englobados pela expressão consagrada de vigência das leis
no tempo e no espaço, como nos referimos anteriormente, compreendendo também os
conflitos das leis no tempo e no espaço estudados respectivamente pelo chamado
Direito Intertemporal, retroativo ou transitório e pelo Direito Internacional Privado.
9.2 VIGÊNCIA DAS LEIS NO TEMPO
Por pertencerem ao mundo mutável da cultura, as leis nascem, modificam-se
e morrem.
No Brasil, temos uma lei geral de aplicação das normas jurídicas, no dizer de
Haroldo Valladão, representada pela Lei de Introdução ao Código Civil (denominação
inadequada), que disciplina o nascimento, vigência, modificação e revogação das leis,
nos seguintes termos:
a) Artigo 1º - “Salvo disposições contrárias, a lei começa a vigorar, em todo o
país, quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.” A publicação é feita
normalmente no Diário Oficial da União (leis federais), Diário Oficial do Estado (leis
estaduais) e no Diário Oficial do Município ou imprensa local (leis municipais).
Denomina-se “vacatio legis”, o tempo que vai da publicação da lei à sua entrada em
vigor.
b) § 1º do artigo 1º - “Nos Estados estrangeiros a obrigatoriedade da lei
brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente publicada”
c) § 3º do artigo 1º - “Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova
publicação de seu texto destinada à correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos
anteriores começará a correr da nova publicação”.
d) § 4º do artigo 1º - “As correções a texto de lei já em vigor consideram-se
“lei nova”, sujeita, naturalmente, aos prazos normais das demais leis.”
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As leis, geralmente, “entram em vigor na data de sua publicação” constando
tal expressão de seu próprio texto; porém, poderá constar de seu texto, disposição
diferente (“salvo disposição em contrário”).
A extensão da vigência de uma lei está disciplinada, nos seguintes termos:
c) Artigo 2º - “Não se destinando a vigência temporária, a lei terá vigor até
que outra a modifique ou revogue”.
Face ao disposto no artigo 2º da LICC, depreendem-se as seguintes
situações:
a) vigência temporária: quando o legislador estabelece prazo para sua
vigência ou subordina as disposições das leis a um fato ou situação jurídica, como, por
exemplo, o estado de calamidade pública;
b) derrogação (vigência parcial): quando uma parte da lei é modificada por
outra lei, passando o novo texto a vigorar nos prazos indicados;
c) revogação: quando uma lei torna sem efeito outra lei, que é a situação
mais comum. A revogação pode ser “total”, chamada de “ab-rogação”, consistindo em
tornar sem efeito toda a lei ou parcial, denominada “derrogação” e consiste em tornar
sem efeito uma parte da lei (derrogação simples) ou substituí-la por outro texto
(modificação ou reforma).
Nossa legislação (LICC) admite os seguintes casos de revogação, expressos
no § 1º do artigo 2º: “A lei posterior revoga a anterior, quando expressamente o declare
(revogação expressa), quando seja com ela incompatível (revogação tácita ou implícita)
ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior” (também
revogação tácita ou implícita). Cumpre salientar o disposto no § 2º do artigo 2º (LICC),
que diz: “A lei nova, que estabelece disposições gerais ou especiais a par das já
existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”.
Com referência à possibilidade assentada de revogação da lei pelo costume,
apesar da disposição expressa na Lei de Introdução, alguns autores a admitem.
Argumentam que se um costume jurídico contrário a lei permanece como vida real do
Direito, sendo até reconhecido e aplicado pelos Tribunais, a lei se transforma em letra
morta e foi de fato revogada pelo costume ou pelo desuso.
As normas jurídicas se revogam por outras da mesma hierarquia ou de
hierarquia superior (princípio geral). Assim, uma nova Constituição revoga a
Constituição anterior e todas as leis, regulamentos, portarias, etc., que lhe sejam
contrários, e passam a ser “inconstitucionais”; da mesma forma, uma lei ordinária
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revoga as leis anteriores e as normas de menor hierarquia, como os regulamentos,
portarias, resoluções, etc., passando tais normas para a categoria de “ilegais”.
9.3 O CONFLITO DAS LEIS NO TEMPO OU O PROBLEMA DA
RETROATIVIDADE.
O conflito das leis no tempo nasce quando, para a mesma situação jurídica,
existem duas normas incompatíveis: a revogada e a atual. Nesta colisão da lei nova
com a antiga, o jurista deve estudar até que ponto a lei antiga pode gerar efeitos e até
que ponto a lei nova não pode impedir esses efeitos da lei antiga. Esse estudo recebe
as mais diversas denominações, tais como: “conflitos de leis no tempo”, “retroatividade
ou irretroatividade”, “aplicação do Direito em relação ao tempo”, “superveniência da lei
no tempo”, “direito transitório”, prevalecendo a denominação “Direito Intertemporal”, que
no dizer de Carlos Maximiliano, é denominação clara e sintética, elegante e
compreensiva.
As disposições do Direito Intertemporal tanto podem ser estabelecidas
através de normas legislativas chamadas disposições transitórias, vigorando por tempo
determinado e solucionando conflitos ocorrentes, como através de princípios jurídicos,
que estabelecem as grandes linhas de Direito Intertemporal, representados basicamente
pelos princípios da retroatividade e não-retroatividade da lei. Pelo princípio da
retroatividade, a nova lei pode abarcar situações jurídicas que vêm do passado e pelo
princípio da não-retroatividade, a lei nova não pode abarcar as situações jurídicas
abrangidas pelas leis antigas.
Os juristas que defendem a tese da retroatividade apelam para a razão de
ordem social, afirmando que a lei nova deve representar a melhor maneira de regular
determinada situação, sendo, portanto, razoável sua aplicação a todos os casos
presentes, futuros e inclusive pretéritos.
Os defensores da “irretroatividade” das leis, em maior número, argumentam
que a segurança e a estabilidade jurídica decorrem da certeza que temos de que o
nosso direito de hoje não será violado, pela lei de amanhã, pois entendem que o Direito
não existe para trazer insegurança, mas sim para conservar a paz social.
Entendemos que a retroatividade ou a irretroatividade são inaceitáveis como
princípios absolutos, à luz do Direito moderno, pois há casos em que a lei deve retroagir
e casos em que não podemos admitir a retroação.
No Direito brasileiro, a Constituição promulgada em 05 de outubro de 1988,
em seu artigo 5º, inciso XXXVI, fixa os casos gerais em que a lei não pode ter efeito
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retroativo, ratificando o teor do artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, com nova
redação dada pela Lei 3.238/57, nos seguintes termos: “A lei não prejudicará o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
DIREITO ADQUIRIDO
Com base no § 2º do artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil
“consideram-se adquiridos assim, os direitos que o seu titular, ou alguém por ele,
possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo préfixo ou
condição pré-estabelecida, inalterável a arbítrio de outrem”.
O sábio autor do Código Civil de 1916, Clóvis Beviláqua, em seu Código Civil
Comentado assim se refere a esse assunto: “direito adquirido é um bem jurídico, criado
por um fato capaz de produzi-lo, segundo as prescrições da lei então vigente, que se
aplica ao caso; uma capacidade legal do agente; finalmente, é preciso que o direito em
questão tenha passado a fazer parte de um patrimônio”. Vimos, portanto, que a
definição corrente e esposada pela nossa legislação, não admite direito adquirido fora
do âmbito patrimonial, havendo, porém, vozes discordantes a esse respeito, como A.
Machado Paupério que admite a existência do direito adquirido fora do domínio
patrimonial. Porém, de modo genérico, o direito adquirido é o que se integrou em nosso
patrimônio, mesmo que não se tenha ainda consumado.
O direito adquirido não implica necessariamente em direito consumado.
É o caso, por exemplo, de um servidor público que adquiriu estabilidade no
serviço público por um preceito constitucional (vide artigo 19 e seus parágrafos do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988), cuja
declaração de estabilidade ainda não foi apostilada em seu título de estabilidade.
Apesar de o direito ainda não se ter declarado, esse servidor público adquiriu um direito
patrimonial (segurança patrimonial), que deverá se reconhecido por qualquer lei
posterior.
Não podemos confundir, também, o direito adquirido com a faculdade de
direito ou expectativa de direito.
A faculdade de direito é um mero poder conferido a determinada pessoa,
para realizar esta ou aquela ação. Não é propriamente um direito, mas um modelo pelo
qual o direito se manifesta em dadas circunstâncias (Clóvis Bevilaqua). Enfim, a
faculdade consiste na possibilidade do próprio exercício ou não do direito subjetivo.
Assim, porque tenho o direito de propriedade, com relação a determinado imóvel, tenho
também a faculdade de usá-lo, alugá-lo, emprestá-lo ou vendê-lo.
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A expectativa de direito é a possibilidade de alguém vir a ter um direito, não
conferindo, obviamente, direito propriamente. É muito mais uma probabilidade de direito
que uma possibilidade, diferenciando-se da faculdade, pois a expectativa é uma
faculdade jurídica abstrata, em virtude de que o direito em que se funda ainda não foi
deferido. Neste caso, a lei retroage devido à inexistência de direito adquirido. É o caso
dos inscritos em concurso sem ainda tê-lo prestado. Têm apenas expectativa de direito,
mas não o têm ainda, e não têm meios legais de que lançar mão, se não se realizar o
concurso, caso haja nesse meio tempo lei superveniente que lhes contrarie o futuro
direito, como por exemplo, uma lei efetivando os servidores interinos ou admitidos em
caráter temporário, inviabilizando a realização do concurso.
Procurando fugir às dificuldades criadas pela noção de direito adquirido,
alguns juristas preferiram substituí-la pela de “fato consumado” ou “fato perfeito” e pelo
princípio tempus regit factum, ou seja, os fatos se regem pela lei em vigor à espera de
sua ocorrência. De acordo com tal princípio, os efeitos produzidos por uma determinada
lei anterior, conservam-se com a capacidade de produzir novos efeitos, mesmo sob a
vigência de nova lei.
A teoria dos fatos consumados, parte, portanto, do princípio de que todo fato
jurídico praticado na vigência de uma lei será por ela regulado, mesmo no caso de vir a
produzir efeitos sob o império de outra lei. Isto, porém, só se dá em matéria de interesse
exclusivamente privado, caso contrário, não seriam possíveis leis como as da abolição
da escravatura, que extinguiram abruptamente quaisquer efeitos do regime legal
anterior. Não se pode, entretanto, admitir a proibição genérica da retroatividade, sob
pena de inviabilizar a segurança na vida da sociedade.
ATO JURÍDICO PERFEITO
Baseando-se na teoria dos fatos consumados, surgiu o segundo limite à
retroatividade das leis: o ato jurídico perfeito, ou seja, o consumado segundo a lei
vigente ao tempo em que foi celebrado, cujo conceito legal encontramos no § 2º do
artigo 3º da Lei de Introdução ao Código Civil, nos seguintes termos: “Reputa-se ato
jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se
efetuou”.
Paul Roubier entende que as três etapas do tempo (presente, passado e
futuro) condicionam três possibilidades de aplicação da lei. Se a lei se aplica ao
presente diz-se que tem efeito imediato; se aplica ao passado, tem efeito retroativo e
se aplica ao futuro, tem efeito deferido. Para ele, não deve retroagir a lei que afeta o
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fato consumado sob a vigência da lei anterior (efeito retroativo), porém, os atos jurídicos
celebrados durante a vigência da lei nova, são por ela regulados (efeito imediato), o
mesmo acontecendo com atos jurídicos que ocorrerão na vigência da lei nova (efeito
deferido).
O princípio da aplicação imediata da lei, como vimos, alcança atos jurídicos
que ainda não se completaram e se aplica ao Direito Processual, cuja lei nova rege os
processos em curso, iniciados sob o império da lei revogada.
COISA JULGADA
Finalmente, o Direito brasileiro impede a aplicação retroativa da lei à coisa
julgada, conforme preceitua o artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal e o artigo
6º da Lei de Introdução ao Código Civil, que define, nos seguintes termos:
“Chama-se coisa julgada, ou caso julgado, a decisão judicial de que já
não caiba recurso” (artigo 6º, § 3º), ou seja, a sentença do juiz de que não cabe mais
recurso, que não pode ser mais modificada, cuja questão decidida por ela não pode ser
renovada em juízo, que nenhuma lei nova pode modificar. (Vide Ação Rescisória – Art.
485 do C. P. C.)
A rigor, como leciona Franco Montoro, o “ato jurídico perfeito” e a “coisa
julgada” são dois casos especiais de “direito adquirido” e são por isso, geralmente
estudados pela doutrina sob essa última denominação.
Em síntese, a regra é a retroatividade das leis, com os limites impostos pelo
princípio da irretroatividade nos casos de direito adquirido, ato jurídico perfeito ou coisa
julgada, acolhidos pelo ordenamento jurídico brasileiro através de preceito
constitucional.
No Direito Penal a regra é a irretroatividade e as normas novas só
retroagem quando forem mais benéficas - princípio da retroatividade benéfica (vide
C.F.: artigo 5º, inciso XL).
Vigoram, portanto, no Direito Penal, dois princípios especiais:
a) como regra, a lei penal não tem efeito retroativo, aplicando-se aos casos
futuros, conforme dispõe o artigo 1º do Código Penal: “Não há crime sem lei anterior
que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal (princípio da reserva legal –
C.F., artigo 5º, inciso XXXIX);
b) como exceção, a lei nova aplica-se retroativamente se for mais favorável
ao infrator, conforme o disposto no artigo 2º do Código Penal: “Ninguém pode ser
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punido por fato que a lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela
a execução e os efeitos penais da sentença condenatória”.
“Parágrafo único – A lei posterior que, de outro modo favorece o agente,
aplica-se ao fato não definitivamente julgado e, na parte em que comina pena menos
rigorosa ainda ao fato julgado por sentença condenatória irrecorrível” .
9.4 VIGÊNCIA DAS LEIS NO ESPAÇO
Em princípio, toda lei tem seu espaço territorial de aplicação que engloba as
terras ou o território propriamente dito, as águas e a atmosfera “territoriais”, porém, os
Estados Modernos, admitem a aplicação, em certas circunstâncias, de leis estrangeiras,
em seu território, facilitando as relações internacionais.
O Direito Internacional Privado se dedica a estudar a aplicação de leis
estrangeiras e as normas a serem aplicadas em tais casos, são fixadas pela lei nacional
ou por tratados internacionais.
Da aplicação extraterritorial do Direito, surgem dois sistemas possíveis:
a) sistema da territorialidade, pelo qual deve-se aplicar a todas as pessoas
e coisas, situadas no território de um país, o direito desse país (lex non valet extra
territorium), que prevaleceu no regime feudal;
b) sistema da extraterritorialidade, pelo qual se aplica a lei da origem das
pessoas (lei pessoal) e imperou entre os bárbaros que invadiram o Império Romano, os
quais eram nômades (princípio da personalidade das leis).
A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XXXI, acolhe o princípio da
personalidade das leis nos seguintes termos: “a sucessão de bens de estrangeiros
situados no País será regulada pela lei brasileira do cônjuge ou dos filhos brasileiros,
sempre que não lhes seja mais favorável à lei pessoal do ‘de cujus’”.
Entendemos que nenhum desses sistemas deve funcionar de forma absoluta,
pois o sistema da territorialidade criaria um isolamento completo de um Estado em
relação aos outros e os sistema da extraterritorialidade poderia comprometer a própria
soberania nacional e a ordem interna pela aplicação diuturna do direito estrangeiro.
Atualmente o Direito Internacional Privado se inclina pela doutrina da
territorialidade moderada.
O Direito brasileiro acolhe o princípio da territorialidade nos seguintes
termos:
- “para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-
se-á a lei do país em que estiverem situados” (artigo 8º da LICC);
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- “para qualificar e reger as obrigações aplicar-se-á a lei do país em que se
constituírem” (artigo 9º da LICC).
O ordenamento jurídico do Brasil acolhe o princípio da lei pessoal ou da
extraterritorialidade nos seguintes termos:
Art. 7º da LICC - “A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as
regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de
família”
Art. 10. da LICC – “A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do
país em que era domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza
e a situação dos bens”.
Com referência à autoridade competente para conhecer e julgar as ações
no caso de possíveis conflitos de jurisdição, nossas normas dispõem que “é competente
a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de
ser cumprida a obrigação” (art. 12 da LICC).
Com relação à extradição, assim dispõem as normas constitucionais
brasileiras:
Art. 5º, inciso II da CF/88 - “Nenhum brasileiro será extraditado, salvo o
naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de
comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da
lei”.
Art. 5º, inciso LII da CF/88 - “Não será concedida a extradição de estrangeiro
por crime político ou de opinião”.
Finalmente, com respeito à perda da eficácia de leis, atos, sentenças e
declarações estrangeiras, o art. 17 da LICC assim preceitua: “As leis, atos e sentenças
de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no
Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”.
LEITURA COMPLEMENTAR
LEI (SILVA, De Plácido e Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro:
Forense,1998,481p)
Derivado do latim lex, de legere (escrever), em sentido amplo, é tomado o vocábulo com conceito diverso do que lhe é atribuído por sua etimologia: o que está escrito.
Assim, geralmente, quer exprimir a ordem física, guardada pelos corpos naturais em suas ações ou em seus efeitos. É, na linguagem de Montesquieu, “a relação necessária que deriva da natureza das coisas”. Ou, como compreende Comte, “as relações
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constantes de sucessão e semelhança entre os fenômenos, em virtude das quais nos é permitido prever certos fenômenos”. É a constância na variedade.
Desse modo, revelando-se condições necessárias regedoras dos fenômenos ou das relações constantes entre os mesmos fenômenos, essas leis, que se dizem naturais, não impõem normas de conduta, nem estabelecem preceitos ao que vai acontecer, declarando apenas o que acontece, sem qualquer intervenção da vontade humana.
Cada grupo ou série de fenômenos, constituindo uma ciência, traz consigo suas próprias leis. E elas se dizem, segundo denominação da matéria a que pertencem, leis físicas, leis biológicas, leis astronômicas, leis sociais, leis econômicas.
Lei. No conceito jurídico, dentro de seu sentido originário, é a regra jurídica escrita, instituída pelo legislador, no cumprimento de um mandato, que lhe é outorgado pelo povo
Considerando-a neste aspecto, é que Gaius a definiu: Lex est quod populus jubet et constituit (aquilo que o povo ordena e constitui).
Está aí revelada a natureza do jus scriptum que é a própria lei.Não é outro o sentido que nos dá Justiniano, nas Institutas de seu Corpus Júris
Civilis: quod populus Romanus, senatore magistratu interrogante, veluti consule, constituebat.
A lei, pois, é o preceito escrito, formulado solenemente pela autoridade constituída, em função de um poder, que lhe é delegado pela soberania popular, que nela reside a suprema força do Estado.
E, neste sentido, diz-se o commune praeceptum ou norma geral obrigatória, instituída e imposta coercitivamente à obediência geral.
Corresponde a esse sentido a perfeita definição do insigne Clóvis Beviláqua: “ A ordem geral obrigatória que, emanando de uma autoridade competente reconhecida, é imposta coativamente à obediência de todos”.
É a lei que institui a ordem jurídica, em que se funda a regulamentação, evolutivamente estabelecida, para manter o equilíbrio entre as relações do homem na sociedade, no tocante a seus direitos e a seus deveres.
Nela (ordem jurídica) assenta o conjunto de regras obrigatórias, formuladas para proteção de todos os interesses e para norma de conduta de todas as ações.
E porque sejam estabelecidas pelo próprio homem, impondo-se ao respeito e obrigatoriedade de todos, bem se diferenciam das leis naturais.
As leis jurídicas caracterizam-se, essencialmente, pela sua generalidade (universalidade) e obrigatoriedade.
Seu caráter de generalidade, em virtude do que, em princípio, as leis não se estabelecem ou se prescrevam para cada pessoa, mas para todos em geral, já era assente entre os romanos, conforme alude Ulpiano: “Jura non in singulas personas, sed generaliter constituuntur”.
A obrigatoriedade da lei decorre da própria ordem jurídica preexistente, e se firma na sanção ou coercibilidade, imposta para fazer valer a regra que nela se institui, sob promessa de recompensa, para quem a observa, ou de castigo, para quem a transgride.
A sanção, pois, é o meio coercitivo posto em ação para que a lei se cumpra, sanção esta que possui seu próprio sentido.
A respeito da sanção legal, a lei jurídica distingue-se de todas as demais.A sanção, que a torna obrigatória, mostra-se efetiva pela coação material, mesmo
com o emprego da força (manu militari), em virtude da qual o poder público faz cumprir o preceito legal.
E é sanção que se distingue da que se observa na transgressão ou não cumprimento de outras leis.
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Assim, a sanção na lei moral resulta no remorso ou na inquietude da consciência. Na lei religiosa, no temor às penas ou castigo eterno. Na lei social, no desprezo ou perda da estima de seus semelhantes. Na lei natural, nas conseqüências que o fato possa trazer ao transgressor.
A inflexibilidade da lei, em relação à sua obrigatoriedade e generalidade, é revelada no aforismo: “Dura lex, sed lex” (a lei é dura, mas é lei).
Quer isto significar que a lei deve ser obedecida, não importa a regra que venha instituir ou o princípio que venha estabelecer.
Mas semelhante assertiva não quer exprimir que qualquer disposição possa ser imposta pela lei. Esta há que obedecer aos princípios da própria ordem jurídica, não impondo regras nem normas irregulares e absurdas, que fujam aos fundamentos do próprio Direito, firmados em seus preceitos: Honeste vivere, neminem laedere, suum cuique tribuere.
Nesta razão acentuava Ulpiano: “in rebus novis constituendis evidens esse utlitas debet, ut recedatur ab eo jure, quod diu aequum visum est”, isto é , não deve o legislador, na constituição do direito novo, afastar-se do direito antigo, que se mostre provindo da equidade.
A lei, em princípio, é constituída por dois elementos fundamentais: conceito e forma.Seu conceito promana do espírito, que nela se fixa.É o mens legis dos romanos. É o seu pensamento, seu intuito.A forma é o lectum, o escrito: as palavras em que se formula ou se exprime seu
conceito.São, neste aspecto, oportunas as palavras de Sêneca: “ Legem brevem esse
oportet, quo facilius ab imperitis teneatur” (Para que os não doutos a compreendam e melhor se recordem da lei, deve essa ser breve e clara).
Quer isso significar que a lei deve ser clara e concisa em seu enunciado, isto é, em sua forma, para que, melhor compreendida, seja melhor acatada e melhor ainda aplicada.
Lei. A noção de lei, como regra jurídica obrigatória, deve ser tomada em seus sentidos formal e material.
Na acepção material, indica-se a regra abstrata e permanente, tendo por conteúdo uma norma de Direito objetivo.
No sentido formal, é todo ato ou disposição emanada do órgão político, a que se atribui o poder de legislar, que não venha criar uma norma agendi, mas sim contenha uma deliberação ou uma decisão particular.
Assim, somente em relação à forma, dá-se-lhe o nome de lei, embora se trate, por
vezes, de uma decisão particular, sem o caráter de generalidade e de obrigatoriedade,
que é da natureza intrínseca da lei.
Lei. Em sentido mais amplo, ainda, é o vocábulo empregado para significar toda proposição, tendo um caráter obrigatório, mesmo em relação às convenções ou contratos particulares.
Mesmo entre os romanos, já era tido neste conceito. E, desse modo, entre eles encontramos lex, significando pactos ou contratos, ou mesmo indicando a determinação ou regra fundamental de um contrato.
Nesta acepção, pois, lex é a condição imposta nos contratos, ou seja, a condição em virtude da qual os contratos se executam e se realizam.
Assim é que dizemos ser o contrato, nas sociedades, a sua lei privada (lex privata), que prevalecerá, desde que não atente contra as leis materiais instituídas.
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GUIA DE ESTUDO
TEMA: O DIREITO COMO NORMA
SUBTEMA: CONCEITO DE LEI E DE NORMA JURÍDICA
1. Descreva a origem do vocábulo “lei” segundo estudos etimológicos.
2. Qual o sentido da palavra “lei” que se depreende pela análise de suas origens
etimológicas?
3. Utilizando-se do critério da generalidade decrescente, observamos três acepções da
palavra “lei”. Descreva-as.
4. Como os autores abaixo relacionados distinguem as leis naturais das leis humanas?
4.1 Kelsen; 4.2 Duguit; 4.3 Geny; 4.4 Goffredo Telles Júnior.
5. Numa outra abordagem, distinta da questão anterior, como podemos classificar as
leis?
6. Quais conclusões que podemos extrair da análise filosófica do conjunto de todas as
leis do universo?
7. Faça um paralelo entre as leis humanas e as leis da natureza, qualificando-as.
8. Descreva a definição de Santo Tomás de Aquino sobre lei humana e faça uma
análise de seus elementos constitutivos.
9. Conceitue norma jurídica e explique o emprego de seus três sentidos diferentes.
10. Faça a distinção entre normas jurídicas e as demais regras sociais.
SUBTEMA: FONTES DE NORMAS JURÍDICAS
11. De que fontes provêm o Direito Positivo de uma nação?
12. O que se entende por fonte do Direito e quais as suas modalidades?
13. Qual a posição de Miguel Reale referente à expressão “fonte do direito?”
SUBTEMA: FONTES FORMAIS DO DIREITO
LEGISLAÇÃO
14. Explique porque a lei é a mais importante fonte formal da ordem jurídica brasileira.
15. No campo do Direito, a lei pode ser entendida em três acepções diferentes.
Explique-as.
16. Defina lei no sentido próprio e estrito.
17. O que se entende por limitação negativa quando se utiliza regras de outras fontes
que não a legislação?
COSTUME JURÍDICO
18. Conceitue costume jurídico.
19. O que diferencia o costume jurídico de outras práticas ou usos coletivos.
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20. É correto afirmar que o costume jurídico é direito não escrito? Justifique.
21. Como surge o Direito Costumeiro?
22. Como classificar os sistemas jurídicos com base em suas fontes relevantes?
23. Quais as vantagens e desvantagens do costume jurídico em relação à lei?
24. Descreva os critérios diferenciadores entre o Direito Legislado e o Direito
Costumeiro, levando-se em conta:
a) a origem
b) a forma de elaboração
c) o sentido formal
d) os efeitos práticos
25. Quais são as espécies de costume em relação à lei ? Descreva-as.
26. O costume contra-legem é aceito pacificamente? Justifique.
JURISPRUDÊNCIA
27. O que se entende por jurisprudência e como ela se forma?
28. Faça um paralelo entre jurisprudência e costume jurídico e jurisprudência e lei.
29. Descreva a importância da jurisprudência.
DOUTRINA
30. Conceitue doutrina.
31. Qual a posição de Miguel Reale referente à doutrina como fonte do Direito?
Justifique.
32. E a posição dos demais estudiosos do assunto no Direito atual e no Direito
Romano?
33. Qual a importância da doutrina na formação do Direito?
PODER NEGOCIAL
34. O que é poder negocial?
35. Quais as características que dão validade ao poder negocial? O que fazer quando
descumprido?
36. O que são contratos potestativos?
PODER NORMATIVO DOS GRUPOS SOCIAIS
37. Por que os grupos sociais são fontes de normas?
SUBTEMA: FONTES MATERIAIS DO DIREITO
38. O que se entende por fontes materiais do Direito?
39. Descreva os fatores sociais que influenciam o ordenamento jurídico.
40. Justifique porque a Justiça é considerada fonte material de Direito.
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SUBTEMA: ESPÉCIES DE NORMAS JURÍDICAS
41. O que se entende por “estrutura piramidal do ordenamento jurídico?”
42. Estruture hierarquicamente as normas jurídicas do ordenamento jurídico brasileiro.
43. O que são normas constitucionais, complementares, leis ordinárias, leis delegadas,
decretos legislativos, resoluções legislativas, medidas provisórias, tratados
internacionais, normas ou decretos regulamentares, normas de hierarquia inferior e
normas individuais?
44. Como são classificadas as normas jurídicas quanto à obrigatoriedade ou
imperatividade?
45. O que são normas imperativas e quais suas modalidades?
46. O que são normas dispositivas e quais suas modalidades?
47. Como são classificadas as normas jurídicas quanto à sanção ou violação?
48. O que são normas jurídicas “mais que perfeitas?” (leges plus quam perfectae)?
49. O que são normas jurídicas “perfeitas?” (leges perfectae)?
50. O que são normas jurídicas “menos que perfeitas?” (leges minus quam perfectae)?
51. O que são normas jurídicas “imperfeitas?” (leges imperfectae)?
52. Como são classificadas as normas jurídicas quanto ao conteúdo de comando?
53. O que são normas jurídicas preceptivas, proibitivas, permissivas e interpretativas?
54. Como são classificadas as normas jurídicas quanto à natureza de suas disposições?
55. O que são normas substantivas e adjetivas ou processuais?
56. Como são classificadas as normas jurídicas quanto à sua aplicação?
57. O que são normas jurídicas auto-aplicáveis e dependentes de regulamentação ou
complementação?
58. Como são classificadas as normas jurídicas quanto à sua sistematização?
59. O que são normas jurídicas codificadas, consolidadas e esparsas ou extravagantes?
60. Como são classificadas as normas jurídicas quanto à esfera do Poder Público ou
território ou espaço?
SUBTEMA: ESTRUTURA E VALIDADE DA NORMA JURÍDICA
61. Quais são os elementos constitutivos do produto cultural de natureza espiritual e do
Direito?
62. O que se entende por sistemas normativos de imperativo categórico e de imperativo
hipotético? Exemplifique.
63. Explique porque a estrutura da norma jurídica é binária.
64. Explique porque a norma jurídica tem por natureza um juízo hipotético de valor.
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65. Como Franco Montoro descreve a estrutura lógica da norma jurídica?
66. O que significa conversão lógica?
67. Um artigo de lei corresponde sempre a uma única norma jurídica? Justifique.
68. O que significa juízo hipotético de valor? Qual sua relação com a teoria
tridimensional do Direito de Miguel Reale?
69. Quando podemos considerar uma norma jurídica como válida? Justifique e explique
todos os atributos de validade.
70. O aspecto moral, ético ou axiológico de uma lei pode estar aparentemente velado?
Exemplifique.
71. O que dizem os estudos de Miguel Reale sobre a natureza lógica da aplicação do
Direito?
72. Justifique essa afirmativa: Todas as normas jurídicas têm seu campo de aplicação
limitado ao tempo ou espaço, à matéria e às pessoas.
73. Como a Lei de Introdução ao Código Civil disciplina o nascimento, a vigência, a
modificação e a revogação das leis?
74. A lei pode ser revogada pelo costume jurídico? Justifique.
75. Quando ocorre um conflito das leis no tempo? Que nome recebe esse estudo?
76. Fale sobre as disposições do Direito Intertemporal de forma genérica?
77. Fale sobre o princípio da retroatividade e suas razões.
78. Fale sobre o princípio da irretroatividade e suas razões.
79. Justifique porque a retroatividade ou irretroatividade das leis são inaceitáveis como
princípios absolutos.
80. Descreva os casos gerais em que a lei não pode ter efeito retroativo no Brasil.
81. O que é direito adquirido?
82. Direito adquirido implica em direito consumado? Justifique.
83. Como diferenciar o direito adquirido com a faculdade de direito ou expectativa de
direito?
84. O que se entende por teoria dos fatos consumados?
85. O que se entende por ato jurídico perfeito? Qual a sua fundamentação legal?
86. O que afirma Paul Roubier sobre as três etapas do tempo conjugadas com as três
possibilidades de aplicação da lei?
SUBTEMA: CONTROLE JURÍDICO: SANÇÃO E COAÇÃO
87. Fale sobre a sanção, explicando o seu conceito, como efetivá-la, sua função e seus
tipos.
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88. A norma jurídica difere das demais normas por duas razões básicas. Descreva-as.
89. Fale sobre a coação, explicando seu conceito e suas acepções.
SUBTEMA: INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS
90. O que é interpretar uma norma jurídica?
91. Critique essa afirmação: “In claris cessat interpretatio”.
92. O que é Hermenêutica?
93. O que se entende por interpretação autêntica e não-autêntica, segundo Kelsen?
94. Descreva as formas de interpretação quanto à origem.
95. Descreva as formas de interpretação quanto às técnicas utilizadas.
96. Descreva as formas de interpretação quanto a seus efeitos ou resultados.
SUBTEMA: LACUNAS DO DIREITO: ANALOGTIA E PRINCÍPIOS GERAIS
97. Por que o Direito é lacunoso?
98. Descreva os elementos integradores do Direito.
99. O que se entende por analogia? Quais suas espécies?
100. Diferencie analogia, de interpretação extensiva.
101. Cite alguns exemplos de analogia.
102. O que se entende por princípios gerais de direito? Qual a sua natureza?
103. Como aplicar os princípios gerais do direito, segundo Limongi França?
104. Cite alguns exemplos de princípios gerais de direito.
105. Cite alguns exemplos de brocardos jurídicos mais utilizados.
106. O que se entende por coisa julgada? Qual a sua fundamentação legal?
107. Como funciona a retroatividade e a irretroatividade no Direito Penal? Qual a
fundamentação legal?
108. Toda lei tem seu espaço territorial de aplicação? Justifique.
109. Os sistemas de territorialidade e da extraterritorialidade podem funcionar de forma
absoluta? Explique-os e justifique.
110. O Direito brasileiro acolhe o princípio da territorialidade e da extraterritorialidade em
quais termos?
111. Com referência à autoridade competente, à extradição e à perda da eficácia das
leis, atos, sentenças e declarações estrangeiras, o que dispõem as normas brasileiras?
SUBTEMA: LEI – LEITURA COMPLEMENTAR EXTRAÍDA DO VOCABULÁRIO
JURÍDICO DE PLÁCIDO E SILVA
112. Formule um Guia de Estudo sobre o texto “LEI”.
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