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A TEORIA DA NORMA JURÍDICA (DOGMÁTICA JURÍDICA) 1 CONCEITO DE LEI E DE NORMA JURÍDICA 1.1 ETIMOLOGIA E SIGNIFICADOS DO VOCÁBULO “LEI”: Os estudos etimológicos nos informam que não há consenso quanto à origem do termo “lei”. Para alguns, o vocábulo “lei” vem do latim legere que significa “ler” (Isidoro de Sevilha - “Das Etimologias”). A lei é norma escrita que se lê, em oposição às normas costumeiras, que não são escritas. Para outros, “lei” vem do verbo ligare, que significa “obrigar”, “vincular” (Santo Tomás de Aquino - Suma Teológica - “De Legibus”). A lei liga a pessoa a certa maneira de agir. Etimologia: estudo da origem e da evolução das palavras. Filologia: estudo científico do desenvolvimento de uma língua ou de famílias de línguas, em especial a pesquisa de sua história morfológica e fonológica baseada em documentos escritos e na crítica dos textos redigidos nestas línguas (p.ex., filologia latina, filologia germânica etc.). (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). Outros estudos etimológicos indicam, ainda, que “lei” vem de eligere que significa “eleger”, “escolher” (Cícero - “De Legibus”). A lei é norma eleita pelo legislador, como o melhor preceito para dirigir a atividade humana. Como se observa, a palavra “lei”, na sua origem, está ligada ao conceito de norma imperativa do comportamento humano, isto é, à lei ética, moral ou humana e especialmente à lei jurídica (norma jurídica).

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A TEORIA DA NORMA JURÍDICA

(DOGMÁTICA JURÍDICA)

1 CONCEITO DE LEI E DE NORMA JURÍDICA

1.1 ETIMOLOGIA E SIGNIFICADOS DO VOCÁBULO “LEI”:

Os estudos etimológicos nos informam que não há consenso quanto à origem

do termo “lei”. Para alguns, o vocábulo “lei” vem do latim legere que significa “ler”

(Isidoro de Sevilha - “Das Etimologias”). A lei é norma escrita que se lê, em oposição às

normas costumeiras, que não são escritas. Para outros, “lei” vem do verbo ligare, que

significa “obrigar”, “vincular” (Santo Tomás de Aquino - Suma Teológica - “De Legibus”).

A lei liga a pessoa a certa maneira de agir.

Etimologia: estudo da origem e da evolução das palavras.

Filologia: estudo científico do desenvolvimento de uma língua ou de famílias

de línguas, em especial a pesquisa de sua história morfológica e fonológica baseada em

documentos escritos e na crítica dos textos redigidos nestas línguas (p.ex., filologia

latina, filologia germânica etc.). (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).

Outros estudos etimológicos indicam, ainda, que “lei” vem de eligere que

significa “eleger”, “escolher” (Cícero - “De Legibus”). A lei é norma eleita pelo legislador,

como o melhor preceito para dirigir a atividade humana.

Como se observa, a palavra “lei”, na sua origem, está ligada ao conceito de

norma imperativa do comportamento humano, isto é, à lei ética, moral ou humana e

especialmente à lei jurídica (norma jurídica).

Numa ordem de generalidade decrescente, podemos observar três acepções

da palavra lei: no sentido latíssimo, compreende a lei em geral ou universal,

englobando as leis físicas ou naturais (leis químicas, físicas, biológicas, psicológicas)

que são causais, descritivas, indicativas, enumerativas, enunciativas ou constatativas e

as leis éticas ou morais que se subdividem em lei moral em sentido restrito e lei jurídica

(imperativas e normativas). Montesquieu em sua definição de lei evoca esse sentido

latíssimo quando afirma: “leis são relações necessárias que decorrem da natureza das

coisas”.

No sentido lato temos a lei humana, ética ou moral. E, no sentido restrito,

temos a lei jurídica.

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Kelsen e outros alemães denominam as leis físicas ou naturais de leis

causais da natureza (sein) e as leis éticas de leis normativas, que exprimem deveres

(solen).

No mesmo sentido, Duguit distingue duas espécies de leis: “leis de causa”,

que resumem os fenômenos da vida em comum, tal como a lei da oferta e da procura

em Economia Política e “leis de fim” que fazem apelo à colaboração desejada dos

cidadãos em nome da solidariedade.

François Geny faz também a mesma divisão entre “leis indicativas ou

causais” e “leis normativas ou de fim”.

Goffredo Telles Júnior, em lição esclarecedora a esse respeito, assim se

expressa: “Os movimentos, de que as leis são fórmulas, podem ser movimentos livres,

como os do comportamento voluntário do homem (movimentos do Mundo Ético), e

podem ser movimentos não livres, como os do comportamento da matéria inconsciente (

movimentos do Mundo Físico).

Numa outra abordagem podemos classificar as leis em: leis da ordem

teórica, que dizem “o que é” e compreendem as leis naturais e matemáticas e leis de

ordem prática, que dizem “o que deve ser feito” e compreendem as leis morais

(referentes ao agir), as leis técnicas ou artísticas (referentes ao fazer) e as leis lógicas

(referentes ao pensar).

Numa análise filosófica, as leis físicas, morais, causais, de finalidade, teóricas

ou práticas com suas características próprias, representam manifestações de uma

mesma ordem cósmica e universal e essa ordem supõe a existência de uma inteligência

ordenadora que a filosofia tomista chama de “lei eterna” (pensamento divino).

Esse pensamento ordenador é chamado por muitos de “Deus”, pelos

positivistas de “O Grande Arquiteto”, por Aristóteles, de “Causa Primeira” ou “Primeiro

Motor” e por Teillhard de Chardim, de “Ômega”. Mas a existência da ordem e de um

pensamento ordenador impõe-se à ciência e à filosofia.

Dentro do universo, o mundo humano ou ético ocupa lugar eminente e seu

estudo interessa ao Direito, porque o mundo jurídico é parte do mundo ético. Assim, a

lei humana (ética ou moral) constitui uma espécie de lei cósmica e a lei jurídica é uma

espécie de lei humana.

Interessa-nos, de perto, as leis humanas, que dizem o que “deve ser” (leis de

ordem prática) e não “o que é” (leis de ordem teórica), sendo, portanto, imperativas ou

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normativas e não simplesmente causais, descritivas, enumerativas, enunciativas,

indicativas ou constatativas.

Santo Tomás de Aquino em seu trabalho “De Legibus” (Suma Teológica)

define a lei humana como ordenação da razão, para o bem comum, promulgada pela

autoridade competente.

Examinemos separadamente os diversos elementos da definição tomista:

Ordenação – organizar em vista de um fim, de forma imperativa e

obrigatória, pois a lei é um preceito imperativo.

Racional - destinada a seres racionais e elaborada por seres racionais, de

acordo com princípios racionais.

Alguns autores, contrariando Santo Tomás, afirmam que a força das leis não

deriva de sua racionalidade, mas da “vontade” soberana da autoridade (Thomas

Hobbes, Jeremias Bentham). Porém, de acordo com o pensamento tomista, a vontade e

as determinações da autoridade não têm valor de lei senão quando reguladas pela

razão, pois do contrário, seria arbitrariedade e violência e não lei. E, segundo Goffredo,

a lei deve ser legítima, isto é, proveniente de fonte legítima. A fonte legítima pode ser

primária e secundária. Fonte legítima primária é a comunidade, o povo. Fonte legítima

secundária é o legislador, representante do povo. As fontes legítimas dão origem a uma

ordem jurídica legítima. (Carta aos Brasileiros – Comemoração dos 150 anos da

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – Carta lida pelo seu autor,

Goffredo Telles Junior, em 08 de agosto de 1977 em pleno regime militar).

Bem comum – a lei é o instrumento normal que deve conduzir a atividade de

todos os membros da comunidade para o bem geral, conforme o disposto no art. 5º da

Lei de Introdução ao Código Civil que diz: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins

sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” (Decreto-Lei n. 4.657, de

04/9/1942, que entrou em vigor em 24/10/1942, por força do Decreto-Lei n. 4.707, de

17/9/1942).

A denominada Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) não se restringe a

estipular normas de aplicação ao Código Civil propriamente dito, embora a este

anexada. Ela estende seu império a todos os códigos e demais disposições legislativas,

seja qual for sua natureza, pública ou privada.

Promulgada – como ser racional e livre, o homem só pode obedecer aos

preceitos de que tem conhecimento. Desta forma a promulgação é importante, pois

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torna a lei conhecida daqueles que estão obrigados a cumpri-la, o que se dá no caso da

lei escrita pela publicação de seu texto.

Na linguagem jurídica atual do Direito Constitucional há distinção entre

sanção, promulgação e publicação (fases finais do processo legislativo de competência

do Chefe do Poder Executivo, nas esferas municipal, estadual e federal).

Entende-se por sanção o ato em que o Chefe do Poder Executivo (Prefeito,

Governador e o Presidente da República) manifesta a sua vontade (manifestação

volitiva) de forma expressa, via despacho, ou tácita, por omissão, deixando que se

esgote o prazo constitucional de 15 (quinze) dias, confirmando a aprovação do projeto

pelo Poder Legislativo, transformando-o em lei.

Entende-se por promulgação o ato do Chefe do Poder Executivo atestando a

autenticidade da lei, isto é, sua existência, ordenando sua publicação, aplicação e

cumprimento, uma vez que passa a pertencer ao ordenamento jurídico.

Autoridade competente - as normas consuetudinárias são elaboradas pela

própria comunidade, através do Poder Social do povo, sem autoria personalizada. As

leis escritas são ordinariamente elaboradas pelo Poder Legislativo, com sanção,

promulgação e publicação pelo Chefe do Poder Executivo. Os decretos regulamentares

e de nomeação de servidores públicos são expedidos, também, pelo Chefe do Poder

Executivo. As Portarias e demais atos oficiais são baixados pelas autoridades públicas

competentes. As decisões normativas da Justiça têm por autoridade competente os

juizes.

1.2 NORMA JURÍDICA

A norma jurídica é uma regra de conduta social que tem por objetivo regular a

atividade dos homens em suas relações sociais, garantida pela eventual aplicação da

força social, tendo em vista a realização da Justiça (sentido amplíssimo).

Atualmente “lei ou norma jurídica” passou a ter um sentido mais estrito do

que “lei humana”. Desta forma, dentre as leis que regem o comportamento social dos

homens, devemos destacar as leis jurídicas ou normas jurídicas.

A expressão “norma jurídica” pode ser empregada em três sentidos

diferentes: em sentido restrito e próprio equivale à lei escrita (jus scriptum), aprovada

regularmente pelo Poder Legislativo, diferente do costume jurídico,que na origem é

direito não escrito (jus non scriptum); em sentido amplo a expressão “lei jurídica”

abrange todas as normas jurídicas escritas (jus scriptum), sejam oriundas do Poder

Legislativo, sejam normas baixadas pelo Poder Executivo (medidas provisórias,

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decretos, decretos-leis, regulamentos,etc); em sentido amplíssimo, envolvendo

quaisquer regras escritas ou costumeiras (jus scriptum e jus non scriptum),

independentemente do poder que a expediu.

As normas jurídicas distinguem-se das demais regras sociais (morais,

religiosas) em primeiro lugar pela eventual aplicação da força coercitiva do poder social

(coerção potencial), significando também que elas são “imperativo-atributivas” - impõem

a uma parte o cumprimento da obrigação (imperativas) e atribui à outra parte o direito de

exigir esse cumprimento (atributivas) ou na definição de Goffredo Telles Jr, “imperativo-

autorizantes” e “normas de garantia”, diferentes das normas morais, denominadas

“normas de aperfeiçoamento”.

Em segundo lugar, a norma jurídica tem um conteúdo próprio e específico

representado pela noção de justo, pois é a justiça que dá sentido à norma jurídica.

A exigência fundamental da justiça como conteúdo ou matéria da norma

jurídica deriva de sua característica essencial – a universalidade ou generalidade que só

é possível porque todos são iguais perante a lei (princípio da igualdade ou da isonomia

expresso no caput do art. 5º da Constituição Federal, que deve ser entendido como:

“todos os iguais são iguais perante a lei e todos os desiguais são desiguais perente a

lei”). Assim, a justiça consiste em tratar igualmente os iguais, na medida em que se

igualam e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam.

Em sentido estrito justiça consiste em dar a outrem (alteridade) o que lhe

é devido, segundo uma igualdade.

A alteridade ou pluralismo de Pessoa, o devido e a igualdade

constituem as características essenciais da justiça em sentido estrito.

2 FONTES DE NORMAS JURÍDICAS

2.1 INTRODUÇÃO – De que fontes provém o Direito Positivo de uma nação?

Para respondermos a essa questão, podemos afirmar como Gurvitch, que se

trata de tema complexo e central da Filosofia do Direito, refutando a posição do

positivismo jurídico que busca encontrar as fontes da ordem jurídica unicamente nas

normas elaboradas ou aprovadas formalizadamente pelos órgãos do poder público.

2.2 CONCEITO DE FONTE DO DIREITO – Segundo Du Pasquier, procurar

a fonte de uma regra jurídica significa investigar o ponto em que ela saiu das

profundezas da vida social para aparecer na superfície do Direito, assim como em

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sentido próprio, literal, entendemos por “fonte”, o ponto em que surge um veio de água

(“fontes do Direito”: expressão figurada).

Os autores costumam distinguir as fontes do Direito em: a) fontes formais

(fatos que dão a uma regra o caráter de direito positivo e obrigatório),compreendendo :

a legislação, o costume jurídico, a jurisprudência, a doutrina, o poder negocial e o poder

normativo do grupo social; b) fontes materiais (representadas pelos elementos que

concorrem para a formação do conteúdo ou matéria da norma jurídica),

compreendendo: a realidade social, isto é, o conjunto de fatos sociais que contribuem

para a formação do conteúdo do Direito e os valores que o Direito procura realizar,

fundamentalmente sintetizados no conceito amplo de justiça ou seja,a experiência social

valorada.

Miguel Reale critica a antiga distinção entre fonte formal e material do Direito,

que na sua opinião tem sido motivo de grandes equívocos na Ciência Jurídica,afirmando

a necessidade indispensável de empregarmos a expressão “fonte do Direito” para

indicar apenas os processos de produção de normas jurídicas. Tais processos, segundo

Reale ,pressupõem sempre uma estrutura de poder emanada do Estado,conferindo às

normas jurídicas a devida legitimidade e garantia executória ou autorizatória,como diria

Goffredo.

Em sua função legiferante o legislador é guiado por motivos lógicos ou

morais, os quais podem ser apreendidos se pesquisarmos a natureza filosófica deste

fenômeno jurídico (causas remotas ou razões últimas), bem como também por causas

imediatas da lei, de natureza sociológica pertencentes ao campo da Sociologia Jurídica,

tais como fatores econômicos, políticos,religiosos,naturais etc. Desta forma,o que se

costuma designar por fonte material não é outra coisa senão o estudo filosófico dos

motivos lógicos e éticos e o estudo sociológico dos fatos que condicionam o

aparecimento e as transformações das regras jurídicas,que no entender de Reale estão

fora do campo da Ciência Jurídica.

Ainda na esteira do pensamento de Reale, “o Direito resulta de um complexo

de fatores que a Filosofia e a Sociologia estudam, mas se manifesta como ordenação

vigente e eficaz, através de certas formas, diríamos mesmo de certas fôrmas,que são o

processo legislativo,os usos e costumes jurídicos,a atividade jurisdicional e o poder

negocial.” E completaríamos, citando também, o poder normativo dos grupos sociais de

que fala Goffredo. Enfim, as fontes do Direito para Reale coincidem com as formas de

poder: processo legislativo, expressão do Poder Legislativo; os usos e costumes

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jurídicos, que exprimem o poder social (poder anônimo do povo); a atividade

jurisdicional, expressão do Poder Judiciário; e finalmente, a fonte negocial, expressão

do poder negocial ou da autonomia da vontade. Aqui, também, incluiríamos o poder

normativo dos grupos sociais e o Poder Executivo que Reale não cita. As formas de

poder referidas por Reale e complementadas por nós, são expressas pelos seguintes

poderes: Poder Executivo, Poder Legislativo, Poder Judiciário, Poder Negocial, Poder

Normativo dos Grupos Sociais e Poder Social do povo.

2.3 FONTES FORMAIS DO DIREITO

2.3.1 .LEGISLAÇÃO – Nas sociedades modernas, a lei é indiscutivelmente a

mais importante das fontes formais da ordem jurídica. Para comprovar esta afirmação,

podemos citar o disposto no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal de 1988, que diz:

“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da

lei”. Da mesma forma, ainda que indiretamente, o artigo 4º da Lei de Introdução ao

Código Civil, também, ratifica esta posição ao afirmar: ” Quando a lei for omissa, o juiz

decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de

direito”.

No campo do Direito a “lei”, com o qualificativo de “jurídica”, pode ser

entendida em três acepções diferentes.

a) sentido amplíssimo ou latíssimo englobando quaisquer regras

escritas (jus scriptum) ou costumeiras (jus non scriptum), independentemente do

poder que a expediu. Neste sentido envolve todas as normas de conduta do homem

no seu relacionamento com seus semelhantes, garantidas pela eventual aplicação

da força social, tendo em vista a realização da Justiça.

b) sentido amplo ou lato, indicando quaisquer normas jurídicas

escritas, sejam oriundas do Poder Legislativo, sejam os decretos, decretos-leis,

regulamentos, medidas provisórias ou outras normas baixadas pelo Poder

Executivo, bem como as oriundas do poder negocial (Reale) e do poder normativo

dos grupos sociais (Goffredo).

François Geny se refere a esse sentido amplo quando afirma que “a

legislação compreende todos os atos da autoridade cuja missão consiste em editar

regras gerais, sob forma de injunções (ordens, exigências) obrigatórias, como são as

leis propriamente ditas, os decretos, os regulamentos”.

c) sentido estrito e próprio, compreendendo apenas a norma jurídica

aprovada regularmente pelo Poder Legislativo.

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No sentido próprio e estrito Brete de La Gressaye e Lacoste definem a lei

como: uma regra de direito geral, abstrata e permanente (elemento material,

constituindo o conteúdo da lei), proclamada obrigatória pela vontade da

autoridade competente (elemento formal representado pela vontade do

legislador), e expressa numa fórmula escrita (elemento instrumental).

Finalmente, é oportuno ressaltar que a legislação nunca conseguirá englobar

todos os casos ocorridos na vida social, podendo estabelecer apenas uma limitação

negativa: não se poderão retirar regras de outras fontes que estejam em contradição

com as da própria lei.

2.3.2 COSTUME JURÍDICO – O costume é a mais antiga das fontes do

Direito. Com o decurso do tempo, as leis escritas passaram a ter predominância na

formulação do Direito, mas o costume mantém-se em todos os povos.

Podemos conceituar o costume jurídico, direito costumeiro ou direito

consuetudinário como uma “norma jurídica que resulta de uma prática geral,

constante e prolongada, observada com a convicção de que é juridicamente

obrigatória” (Coviello).

O costume jurídico se diferencia das outras práticas ou usos coletivos de

natureza religiosa, moral ou social pela convicção de ser juridicamente obrigatório e não

seguido por simples respeito à tradição ou por outras razões de conveniência.

Não é inteiramente correto afirmar que o costume jurídico é “direito não

escrito’ (jus non scriptum), pois, atualmente é com freqüência formulado por escrito em

repertórios e consolidações, a fim de fixá-lo e prová-lo. Melhor seria opô-lo ao Direito

Legislado e não ao Direito escrito. (Vide Portaria JUCESP–21, de 24/4/2003 e Portaria

JUCESP–22, de 24/4/2003)

A importância do costume é, antes de tudo, de caráter histórico, nos países

de sistema jurídico Civil law, já que foi ele a fonte originária do Direito.

Vimos anteriormente que o direito costumeiro é um direito anônimo, pois não

se sabe quando, nem onde surge o costume, não havendo, pois paternidade. Tal direito

vai-se consolidando em virtude das forças de imitação, dos usos ou hábitos sociais ou

de comportamentos exemplares.

Sabemos que ainda hoje, há países de direito predominantemente

costumeiro (Inglaterra, Estados Unidos) ligados à tradição britânica do Common law,

porém, mesmo em países de direito predominantemente legislado (Civil law), o costume

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tem inegável importância jurídica, variando sua importância, conforme o ramo do Direito

estudado.

Friedrich Carl von Savigny ( Frankfurt, 21/2/1779 – Berlim, 25/10/1861),

um dos mais respeitados e influentes juristas do século XIX, argumenta que o Direito

surge nas comunidades sempre na forma de costumes e que um código seria uma

forma artificial de impor normas jurídicas.

Savigny iniciou um movimento conhecido como Escola Histórica com o

objetivo de encontrar um outro fundamento para o Direito que não aquele defendido

pelo jusracionalismo, representado pelo espírito do povo (Volksgeist), que seria “o

conjunto de institutos jurídicos que habita a consciência do povo, só perceptível

através da intuição do jurídico, oriundo de práticas culturais” (CAMARGO, Margarida

Maria Lacombe. Hermenêutica e Argumentação: uma contribuição ao estudo do

direito. Rio de Janeiro: Renovar,1999, p.74). O problema, segundo Giordano Bruno

Soares Roberto, “é que esse espírito do povo seria revelado pela ciência jurídica, o

que na seqüência acabou dando origem à Jurisprudência dos Conceitos, liderada

por Puchta, que imaginava o Direito como uma série de conceitos, sendo que os

mais gerais determinam o conteúdo dos mais específicos. A esse modo de pensar,

ajusta-se, perfeitamente, a técnica da codificação” (ROBERTO, Giordano Bruno

Soares. Introdução à história do direito privado e da codificação . Belo Horizonte: Del

Rey,2003,p.47).

Com referência à lei, o costume jurídico oferece vantagens e desvantagens,

eliminando desta forma as posições extremadas que exageram a importância da lei

(enciclopedistas, voluntaristas, normativistas ou positivistas) ou acentuam a importância

do costume jurídico, como os romanistas e Savigny, o grande crítico da codificação

alemã.

A grande vantagem do costume sobre a lei é a sua adaptação à realidade,

sendo dinâmico e mutável, ao passo que as leis permanecem rígidas enquanto a

realidade social evolui.

A grande desvantagem do costume jurídico é a sua incerteza e obscuridade,

pois enquanto a lei fixa normas em termos definidos, o costume não tem formulação

escrita, fixa e clara.

Podemos destacar os seguintes critérios diferenciadores entre o Direito

Legislado e o Direito Costumeiro.

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a) Quanto à origem – O Direito Legislado é sempre certo e determinado,

emanando de um órgão previamente escolhido e estruturado para editá-lo com certeza

e segurança, dentro de uma linha de atividade claramente marcada no tempo e no

espaço.

O Direito Costumeiro, como vimos, não tem origem certa, não se localizando

de maneira predeterminada. Surge dos hábitos sociais ou usos, das forças de imitação

ou de comportamentos exemplares, sem paternidade, no anonimato, que aos poucos se

convertem em costume jurídico, transformando-se em norma consuetudinária.

b) Quanto à forma de elaboração – O Direito Legislado, além de se

originar de órgão certo e determinado, sua elaboração obedece a trâmites prefixados na

Constituição Federal (art.59), que determina as várias espécies de normas legais

(emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas

provisórias, decretos legislativos e resoluções legislativas) e suas respectivas fases de

elaboração.

O percurso normal e simplificado de um Projeto de Lei ordinária no

Congresso Nacional (o mais comum do processo legislativo), pode ser proposto pelas

seguintes autoridades: deputados federais, senadores, Supremo Tribunal Federal,

Tribunais superiores e Procurador Geral da República. Os sindicatos, associações e

entidades da sociedade civil, também, podem apresentar propostas à Comissão de

Legislação Participativa. Da mesma forma, um Projeto de Lei ordinária, também pode

ser proposto por 1% (um por cento) dos eleitores, de no mínimo 5 (cinco) Estados da

federação, com 0,3% (três décimos por cento) de eleitores de cada Estado.

A Mesa da Câmara ou do Senado o recebe e o encaminha às comissões.

Cada comissão escolhe um relator que emite um parecer, que será aprovado ou

rejeitado; se rejeitado, designa outro relator e o trâmite se repete; se aprovado vai para

a próxima comissão de mérito. A Câmara possui 20 (vinte) comissões permanentes e

conforme a natureza do projeto será submetido à apreciação sucessiva das comissões

relacionadas com a sua natureza, de conformidade com o Regimento Interno. Quando o

projeto passar pela última comissão, se houver gastos envolvidos, vai para a Comissão

de Finanças e Tributação, que se rejeitá-lo será arquivado e se aprovado, passa

necessariamente pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania; se esta comissão

aprová-lo, segue para a publicação e para a Mesa, a fim de entrar na ordem do dia do

plenário. Para aprová-lo no plenário há necessidade de receber o voto da maioria dos

deputados presentes (maioria simples), desde que haja quorum pelo Regimento Interno;

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caso seja rejeitado, será arquivado. Se aprovado no plenário da Câmara, vai para o

Senado, após redação final na Câmara.

No Senado o projeto segue tramitação semelhante à da Câmara e se reber

emendas volta à Câmara para apreciá-las, seguindo o mesmo trâmite (comissões,

plenário, etc.). Se não houver emendas, segue para a sanção, promulgação e

publicação ou veto do Presidente, no todo ou em parte. Se vetado volta ao Congresso

Nacional para apreciação do veto, que será derrubado por maioria absoluta de suas

casas (metade mais um do número de deputados ou senadores). Se o Congresso

aprovar o veto total, o projeto é arquivado; se aprovar o veto parcial, segue para

promulgação e publicação pelo Presidente, porém, se derrubá-lo o projeto vira lei.

O Direito Costumeiro aparece na sociedade sem predeterminação, surgindo

da “subconsciência social”, segundo conclusões de pesquisas científicas.

c) Quanto ao sentido formal – O Direito Legislado é sempre escrito e sua

validade pode ser representada pelos requisitos da vigência (validade formal),

vigorando até o advento de uma nova lei que o revogue, salvo no caso de manifesto

desuso – perda da eficácia – tornando sua vigência apenas aparente pela falta de

aplicação; da eficácia (validade social), por ser reconhecido e cumprido pela sociedade

em função de seus bons resultados e do fundamento (validade ética) isto é, deve

alcançar o “valor do justo”.

O Direito Consuetudinário quanto ao sentido formal é direito não escrito ( jus

non scriptum), sendo, entretanto, em alguns casos, consolidado e publicado como

medida administrativa que jamais terá foro de lei no sentido estrito, porque não passou

pelos trâmites previstos nas normas constitucionais. A consolidação e publicação

(função administrativa) se realizam sem a interferência do órgão competente para

legislar (função legislativa). Assim, os “usos e costumes” comerciais mais comuns numa

determinada praça são periodicamente reunidos em compilações, pelas Juntas

Comerciais, e a seguir publicados, sem nenhum caráter impositivo, mas sim com o

objetivo de informar e orientar os interessados sobre os costumes vigentes em

determinado lugar. (Vide Portarias JUCESP nº 21 e 22, ambas de 24/4/2003).

d) Quanto aos seus efeitos práticos – A lei opera-se erga omnes (contra

todos), ou seja, tem aplicação universal e sua execução é imediata e geral, isto é,

dispensa prova de sua existência. Seus efeitos são indeclináveis, significando que as

partes e o juiz não podem contestá-la, exceto no caso de manifesto desuso. Finalmente,

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sua obrigatoriedade é absoluta, ou seja, opera-se juri et de jure (não admite prova em

contrário).

O Direito Consuetudinário mesmo quando consolidado por escrito permite a

apresentação de prova em contrário, operando-se, portanto, juris tantum. Assim, sua

obrigatoriedade é relativa, tendo em vista a possibilidade de apresentação de prova em

contrário.

Em relação à lei, o costume pode ser das seguintes espécies:

a) segundo a lei (secundum legem) – quando a lei a ele se reporta

expressamente e reconhece sua obrigatoriedade. Exemplo: artigo 569, II do Código

Civil.

b) na falta da lei (praeter legem) – quando a lei é omissa, ou seja, deixa

lacunas que são preenchidas pelo costume. Exemplo: art. 4º da LICC.

c) contra a lei (contra legem) – quando contraria o que dispõe a lei, seja no

caso do desuso, quando a lei fica letra morta ou no caso do costume ab-rogatório, que

cria uma nova regra.

A aceitação do costume contra-legem não é pacífica. De um lado, temos os

racionalistas, legicistas, positivistas ou formalistas que o rejeitam, por incompatibilidade

com a função legislativa do Estado e com a regra de que as leis só se revogam por

outras leis, conforme dispõe o caput art. 2º da LICC: “Não se destinando à vigência

temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue”. De outro lado, as

escolas de orientação histórica (Savigny), sociológica e realista, sustentam que o

costume contra legem é a “revolta dos fatos contra os Códigos” e constitui o verdadeiro

direito positivo da comunidade.

No Direito Penal Moderno, o costume não é acolhido como fonte normativa.

Vigora no Código Penal e na Constituição Federal o princípio de que não haverá

nenhum crime e nenhuma pena, sem lei preexistente (nullum crimen, nulla poena, sine

lege). Artigo 1º do Código Penal: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há

pena sem prévia cominação legal”. (art. 5º, XXXIX, CF)

2.3.3 A JURISPRUDÊNCIA

Conceito – Na linguagem jurídica, a palavra “jurisprudência” pode ter três

significados:

a) indicar a “Ciência do Direito” em sentido estrito, também denominada

“Dogmática Jurídica” ou “Jurisprudência”.

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b) referir-se ao conjunto de sentenças dos tribunais em sentido amplo, e

abranger tanto a jurisprudência uniforme como a contraditória.

c) em sentido estrito, jurisprudência é apenas o conjunto de decisões

uniformes e constantes (acórdãos) sobre casos idênticos ou semelhantes,

prolatadas pelos Tribunais, pois uma decisão isolada não constitui

jurisprudência; não se confunde também com a sentença que é uma decisão

individualizada de um caso concreto, proferida por um juiz singular ou

monocrático, ao passo que, a jurisprudência é uma norma geral aplicável a todos

os casos idênticos ou profundamente semelhantes,proferida por um colegiado

dos Tribunais.

Formação – A jurisprudência se forma através de acórdãos idênticos,

chegando alguns autores a denominá-la de “costume judiciário” em oposição ao

“costume popular”. Há, pois, uma aceitação comum, reiterada e pacífica por parte dos

tribunais, dos preceitos consubstanciados em decisões idênticas.

Costume e Jurisprudência

a) O costume é criação da consciência comum do povo (poder social do povo

– produto as subconsciência social) e origina-se de qualquer setor da coletividade. A

jurisprudência é obra exclusiva de um setor da comunidade: o dos juizes dos tribunais

(desembargadores e ministros);

b) O costume nasce naturalmente como decorrência do exercício de direitos

e obrigações, sendo espontâneo. A jurisprudência é reflexiva: provém do trabalho de

reflexão dos julgadores, que recorrem a noções técnicas e a métodos peculiares de

investigação e raciocínio para decisão de casos em conflitos.

Jurisprudência e Lei – A jurisprudência é mais flexível e maleável,

esclarecendo conceitos gerais e adequando as decisões às peculiaridades dos casos

concretos, transformando o juiz num verdadeiro criador do direito vivo (juiz: justiça viva –

lei: justiça inanimada). A lei, como vimos, permanece rígida e estabelece as normas

jurídicas em termos definidos.

Importância – Nos países de Direito Legislado (civil law) a importância da

jurisprudência é menor do que nos países da common law (direito anglo-saxão).

Washington de Barros Monteiro e Vicente Rao entendem que a jurisprudência

tem papel praticamente nulo como fonte eficaz do Direito, pois os precedentes judiciais

jamais adquirem valor de norma obrigatória e universal, e nenhum juiz é obrigado a

decidir de acordo com eles (precedentes judiciais). E, nada impede que o mesmo

13

Page 14: teoria geral da norma jurídica.doc

Tribunal modifique sua jurisprudência, seguindo nova orientação. Os Tribunais,

periodicamente, costumam se reunir para unificar a sua jurisprudência, editando

súmulas que representam a consolidação de alguns temas cujas decisões foram

uniformizadas. As denominadas súmulas vinculantes, como o próprio nome diz,

vinculam as decisões dos juizes às decisões contidas nas súmulas, eliminando a função

jurisdicional própria dos juizes, apesar de contribuírem para agilizar e desafogar o

Poder Judiciário.

Segundo Maria Helena Diniz, ”aqueles que acatam súmulas, com efeito

vinculante, ressaltam seu papel relevante para facilitar o Poder Judiciário,libertando-o da

análise de questões semelhantes.Ora,isso em certa medida,conduziria à perda da

independência decisória,pois os magistrados ficariam tolhidos,na busca da decisão que

proporcione inteira satisfação à sua consciência,no seu livre convencimento e na

liberdade de apreciar as peculiaridades do caso sub judice, visto que passariam a ser

meros cumpridores de norma ditada por tribunal superior. Isso seria normal em país da

commom law, onde os tribunais estão obrigados a adotar as decisões dos outros, ante a

conhecida força vinculante dos precedentes judiciais. Em países de Constituição rígida,

como o nosso, exige-se a subordinação da decisão à lei e aos princípios ético-sociais

nela subjacentes; logo, não há que se falar em vinculação judicial às súmulas dos

tribunais superiores, pois em razão da independência da magistratura, o órgão judicante

poderá alterar, conforme sua consciência e as circunstâncias do caso, tendo por base a

lei e as provas apresentadas nos autos, uma opinião jurisprudencial, anteriormente

formulada ao decidir hipótese similar. Eu diria que o ideal seria súmula, bem delimitada

e suscetível de revisão, com “eficácia vinculante relativa”, sem engessar o pensamento

do magistrado. (Jornal do Advogado – OAB SP,setembro de 2003).

A Emenda Constitucional Nº 45, de 30 de dezembro de 2004 acrescentou o

art. 103-A dando competência ao Supremo Tribunal Federal de aprovar súmula que, a

partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante, conforme o disposto

no citado artigo:

“Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação,

mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre

matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa

oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à

administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem

como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

14

Page 15: teoria geral da norma jurídica.doc

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de

normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários

ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e

relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão

ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a

ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula

aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal

Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão

judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da

súmula, conforme o caso”.

A Lei nº 11.417, de 19/12/2006, regulamentou o art. 103-A da Constituição

Federal e alterou a Lei nº 9.784, de 29/01/1999, disciplinando a edição, a revisão e o

cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal.

Hermann Kantorowicz (1877-1940) , natural da Posnânia, na antiga Polônia

alemã, defende a necessidade de um Direito livre, extra-legal que se manifestaria para

além do Direito Legislado, coloca-se numa posição oposta, sustentando a validade da

jurisprudência, até mesmo contrário ao texto da lei.

Entendemos que a jurisprudência atua como norma aplicável aos demais

casos idênticos ou semelhantes, enquanto não houver lei nova ou modificação da

jurisprudência, sendo, portanto, impossível não reconhecê-la como verdadeira fonte

jurídica. Assim é que as legislações estabelecem normas processuais e de organização

judiciária destinadas a promover a unificação da jurisprudência. Como exemplo,

citaremos a “Súmula” do Supremo Tribunal Federal, publicada oficialmente,

proporcionando maior estabilidade à jurisprudência e facilitando o trabalho do advogado

e do Tribunal.

2.3.4 DOUTRINA

Conceito – É o estudo de caráter científico que os juristas realizam a

respeito do Direito, seja com o propósito puramente especulativo de

conhecimento e sistematização, seja com a finalidade prática de interpretar as

normas jurídicas para a sua aplicação, decorrendo, pois, da atividade científico –

jurídica dos jurisconsultos – communis opinio doctorum.

15

Page 16: teoria geral da norma jurídica.doc

Miguel Reale entende que a doutrina não é fonte do Direito, pois as fontes do

Direito produzem modelos jurídicos prescritivos (estruturas normativas de poder) que

com caráter obrigatório, disciplinam as relações sociais em suas diversas modalidades,

enquanto que a doutrina produz modelos dogmáticos ou doutrinários (esquemas

teóricos).

A finalidade dos modelos dogmáticos ou doutrinários é determinar:

a) como as fontes podem produzir modelos jurídicos válidos (prescritivos);

b) que é que esses modelos significam e,

c) como eles se correlacionam entre si para compor figuras, institutos e

sistemas.

Apesar de não ser fonte do Direito, Reale reconheceu que a doutrina é uma

das molas propulsoras e a mais racional das forças diretoras do ordenamento jurídico.

Outros autores alegam que os ensinamentos dos mestres e jurisconsultos

jamais terão força bastante para revelar a norma jurídica positiva que deve ser cumprida

pelos juizes ou pelas partes, pois os argumentos doutrinários podem ser refutados, não

constituindo uma estrutura normativa de poder que é um requisito essencial ao conceito

de fonte formal.

Por outro lado, em Roma, no período de Adriano, o Imperador deu força

obrigatória à opinião de certos jurisconsultos, quando fossem concordantes (communis

opinio doctorum).

Importância – Apesar da legislação atual não admitir expressamente a

doutrina como fonte subsidiária da lei, a mesma vem ganhando importância cada vez

maior na formação do Direito (fonte valiosa de cognição).

A doutrina exerce grande influência na legislação, buscando os legisladores

nos ensinamentos dos doutrinadores, os elementos para legislar.

A doutrina influi na decisão judicial, por proporcionar os fundamentos do

julgado, pois o juiz se vale do argumento de autoridade.

A doutrina modifica a orientação dos juizes e tribunais, através das críticas e

definições jurídicas apresentadas pelos juristas.

Atualmente não se discute a importância das contribuições doutrinárias para

a elaboração do Direito Positivo e se confirma o seu papel como fonte do Direito.

2.3.5 PODER NEGOCIAL

Conceito – A experiência jurídica não é disciplinada somente por

normas legais de caráter genérico, mas também por normas particulares e

16

Page 17: teoria geral da norma jurídica.doc

individualizadas que ligam os participantes da relação jurídica. Dentre tais

normas, estão as normas negociais e dentre estas, estão as normas contratuais,

comumente denominadas cláusulas contratuais.

A atividade negocial é força geradora de normas jurídicas particulares e

individualizadas (contratos) que vinculam apenas os participantes da relação jurídica.

Características – O que caracteriza a fonte negocial é a convergência dos

seguintes elementos, segundo Miguel Reale:

a) manifestação de vontade de pessoas legitimadas a fazê-lo;

b) forma de querer que não contraria a exigida em lei;

c) objeto lícito;

d) quando não paridade, pelo menos uma devida proporção entre

participantes da relação jurídica.

Assim, quando a conduta estatuída pela norma jurídica individual

negocialmente criada é descumprida, apelamos para a sanção prevista pela norma

jurídica geral, pois as normas negociais são normas não autônomas e só se tornam

jurídicas em combinação com as normas gerais estatuidoras de sanções.

Os juristas denominam de negócios ou contratos potestativos quando se

comprova abuso do poder negocial, que ultrapassa os limites que lhe consente a lei, ou

que se desvia de sua finalidade específica, permitindo que se anule o negócio jurídico, a

fim de se evitar danos a terceiros.

O termo potestativo significa condição que põe a execução contratual na

dependência de uma convenção que está subordinada à vontade de uma ou de outra

parte.

2.3.6 O PODER NORMATIVO DOS GRUPOS SOCIAIS

Leciona Goffredo Telles Jr que os grupos sociais são fontes de normas,

pois têm o poder de criar suas próprias ordenações jurídicas que garantem a

consecução dos fins que pretendem atingir. Assim, o Estado não é o único criador

de normas e os grupos sociais como a Igreja (direito religioso), o clube (direito

estatutário), o sindicato (direito sindical), as associações esportivas (direito esportivo),

as academias de letras (direito regimental), também têm o poder de estabelecer suas

próprias ordenações jurídicas, desde que conformes com a ordenação da sociedade

política (Estado).

2.4 FONTES MATERIAIS DO DIREITO

17

Page 18: teoria geral da norma jurídica.doc

Conceito: Ao lado das fontes formais que são os modos de expressão do

Direito, temos as fontes materiais que geram o conteúdo ou a matéria do Direito.

Os elementos relativos à matéria ou ao conteúdo das normas jurídicas são

extraídos pelos legisladores e aplicadores da lei, de duas fontes principais: da realidade

social (elemento sociológico) e dos valores sintetizados no conceito de justiça

(elemento axiológico),apesar da posição discordante de Reale exposta

anteriormente,que critica a divisão das fontes em materiais e formais.

2.4.1 A REALIDADE SOCIAL

Os problemas econômicos, culturais, políticos, sociais que o Direito se propõe

a resolver,a normatizar e as condições sociais de ordem econômica, política, cultural,

etc, que atuam sobre as soluções adotadas, constituem a realidade social.

O Direito sofre a influência dos seguintes fatores sociais:

a) fator econômico – as várias mudanças no ordenamento jurídico

contemporâneo decorrentes de novas realidades econômicas, comprovam a influência

do sistema econômico no Direito. Exemplo: legislação normatizando a interferência do

Estado no campo econômico, limitando preços, restringindo a liberdade contratual, o

exercício do direito de propriedade, num país onde predominava o liberalismo

econômico e a concepção individualista da propriedade;

b) fator religioso – sua influência é significativa na tutela dos direitos da

pessoa, nas relações de família e na defesa da moralidade dos costumes sociais;

c) fator moral – atualmente a religião foi substituída pela moral, pela

secularização do Direito, mas se torna difícil separar a moral dominante no Ocidente, da

moral cristã, que influi na elaboração, interpretação e aplicação do Direito;

d) fator político – as formas fundamentais de governo, como a monarquia e

a república e as formas anormais, como as ditaduras ou os totalitarismos que se apoiam

na força, bem como os regimes políticos como o presidencialismo e o parlamentarismo,

são acompanhados de um direito próprio;

Além dos fatores sociais acima descritos, o Direito sofre também a influência

dos fatores naturais – fenômenos naturais (secas, geadas, terremotos) de caráter

transitório ou os fatores naturais permanentes (clima, meios de navegação, natureza do

território, raça, dos fatores biológicos flora, fauna) , os quais constituem elementos

importantes na elaboração e aplicação de normas jurídicas.

2.4.2 VALORES SINTETIZADOS NO CONCEITO DE JUSTIÇA

18

Page 19: teoria geral da norma jurídica.doc

Nosso Direito reconheceu o papel da justiça como fonte material das normas

jurídicas, pois faz freqüentes referências a ela nos dispositivos constitucionais (art.3º;

artigo 5º,inciso XXIV; artigo 170 e artigo 184 etc).

Da mesma forma, a Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), em especial em

seu artigo 4º, informa e orienta o aplicador da lei ou seu intérprete sobre as regras

gerais para se atingir o conceito de justiça. A esse respeito, podemos citar o

ensinamento de Abelardo Torré, extraído de sua obra Introducción al Derecho –

“Comumente, na falta de um preceito expresso ou de leis análogas, as legislações

remetem aos princípios gerais de direito, isto é, aos princípios da justiça, como fonte

última a que se deve recorrer para integrar o ordenamento jurídico”,

Enfim, é a justiça que dá sentido ao Direito e explica o conteúdo essencial

das normas jurídicas.

3 ESPÉCIES DE NORMAS JURÍDICAS

Abordaremos agora a questão relativa à classificação das regras jurídicas

que apresenta grande interesse prático e grande variedade de formas de classificação

em função dos diversos critérios que são utilizados.

A classificação que adotaremos se refere diretamente à lei, podendo ser

também aplicada às demais normas do Direito e se baseia no conhecimento concreto

da Jurisprudência.

3.1 1º CRITÉRIO: QUANTO À SUA HIERARQUIA

O ordenamento jurídico de cada comunidade, segundo Kelsen e outros

autores, obedece a uma estrutura piramidal (teoria da estrutura piramidal do

ordenamento jurídico) graduada ou hierarquizada em que cada norma fundamenta sua

validade em outra superior, até chegar à norma fundamental.

O ordenamento jurídico brasileiro atual apresenta a seguinte estrutura

hierárquica das normas jurídicas: (consultar os arts.59 a 69 da nossa Constituição

Federal de l988).

1 Normas constitucionais – Todas as demais normas constitucionais

estaduais e municipais (leis orgânicas) e infra-constitucionais se subordinam às normas

constitucionais integrantes do texto da nossa Constituição Federal de 1988.

No Brasil, as normas constitucionais são normas legais, ao passo que na

Inglaterra existem regras constitucionais fundadas nos costumes.

O princípio da constitucionalidade exige a conformidade de todas as demais

normas e atos inferiores, sejam federais, estaduais ou municipais, aos dispositivos

19

Page 20: teoria geral da norma jurídica.doc

constitucionais. Tais normas inferiores quando em conflito com as disposições da

Constituição Federal, perdem a sua validade.

Cumpre salientar que as normas constitucionais não são apenas aquelas que

estão expressas no texto da Constituição, mas também aquelas que decorrem deste

texto por força lógica intrínseca, como princípios implícitos de estruturação estatal. Por

exemplo, se o Brasil adota a forma de República Federativa, ipso facto consagra todas

as normas jurídicas fundamentais inerentes a esse sistema.

2 Normas Complementares: A lei complementar está prevista

expressamente no texto constitucional brasileiro, de forma genérica nos artigos 5º, II e

6º e de forma específica em vários outros artigos.

A lei complementar ocupa posição intermediária entre a norma constitucional

e a lei ordinária ou lei delegada ou a medida provisória ou os decretos legislativos e as

resoluções do Congresso, Senado ou da Câmara Federal. A lei complementar ocupa

também posição intermediária no tocante ao “quorum”: – para aprová-la, a Constituição

exige maioria absoluta de votos dos membros das duas Casas do Congresso Nacional

(art 69), ao passo que as emendas à Constituição se exige um quorum de três quintos

de votos dos membros das duas casas, em dois turnos (art.60,§ 2º ), enquanto que as

leis ordinárias, em regra, é suficiente à maioria simples de votos dos presentes.

A lei complementar pode versar sobre as mais diversas matérias (vide artigo

93, 131,etc), não apresentando conteúdo especial .Manoel Gonçalves Ferreira Filho

entende que o legislador ao fixar a matéria objeto de lei complementar, teve em mente o

seguinte: resguardar certas matérias de caráter paraconstitucional, contra mudanças

constantes e apressadas, sem lhes imprimir rigidez que impedisse a modificação de seu

tratamento, quando necessário.

3 Leis ordinárias, delegadas, decretos legislativos, resoluções

legislativas, medidas provisórias e tratados internacionais.

Leis ordinárias – A lei ordinária é a norma jurídica elaborada pelo Poder

Legislativo em sua atividade comum e típica. Vimos que as leis em geral, estabelecem

normas gerais e abstratas em suas disposições, mas algumas leis cuidam de casos

particulares, como por exemplo, a doação de um bem, a concessão de títulos a

determinada pessoa, a denominação de rua, a declaração de utilidade pública de uma

instituição, etc.

As leis ordinárias situam-se no ordenamento jurídico, abaixo das normas

constitucionais e complementares e acima dos decretos regulamentares e demais atos

20

Page 21: teoria geral da norma jurídica.doc

normativos inferiores, como as convenções coletivas de trabalho, contratos, atos

administrativos. Assim, podemos discutir a constitucionalidade ou inconstitucionalidade

das leis, bem como a legalidade ou ilegalidade dos decretos, convenções coletivas,

contratos, etc.

O processo de elaboração da lei passa pelas seguintes fases:

a) iniciativa – disciplinada pelo artigo 61 da CF;

b) discussão e votação do projeto de lei –realizadas pelas duas Casas do

Congresso e suas respectivas comissões (a fase mais importante);

c) apreciação, pelo Executivo – promulgação: o ato do Chefe do Poder

Executivo atestando a autenticidade da lei, isto é, sua existência, ordenando sua

publicação, aplicação e cumprimento, uma vez que passa a pertencer ao ordenamento

jurídico; sanção, união da vontade do Congresso com a do Presidente, resultando a lei

ordinária ou o veto, que retorna ao Congresso para apreciação, votação e rejeição, ou

manutenção do veto, que pode ser parcial ou total. (Vide artigos 64,65 e 66 da

Constituição Federal). O veto parcial poderá abranger texto integral de artigo, de

parágrafo, de inciso ou de alínea (art. 66,§ 2º da CF).

d) publicação – para conhecimento de todos e integrar o ordenamento

jurídico (Vide artigo 1º e seus parágrafos da LICC e artigo 84, IV da CF), pois a lei só

produzirá efeitos depois de oficialmente publicada.

Leis delegadas – ”As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da

República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional” (Vide artigo 68 e

seus parágrafos da C.F.). Trata-se de figura recente no ordenamento jurídico brasileiro.

Decretos legislativos – São normas aprovadas pelo Congresso sobre

matéria de sua exclusiva competência, como por exemplo, a ratificação de tratados

internacionais, o julgamento das contas do Presidente da República, etc. Tais atos não

são remetidos ao Presidente da República para sanção.

Resoluções legislativas – São decisões do Legislativo (Congresso, Senado

ou Câmara) sobre assuntos de seu interesse interno, como por exemplo, a decisão

sobre licença ou perda de cargo por deputado ou senador, ou na delegação de

competência ao Presidente da República para elaboração de lei delegada, referida no

artigo 68, § 2º da C.F. (caso especial).

Medidas provisórias – A medida provisória foi introduzida na atual

Constituição, no lugar do Decreto-lei, que era uma figura híbrida, pois se tratava de “lei”

editada pelo Poder Executivo.

21

Page 22: teoria geral da norma jurídica.doc

A Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, publicada no

DOU de 12/09/2001, assim se expressa quanto às medidas provisórias:

Art. 1º. Os arts. 62, 64, 66 e 246 da Constituição Federal passam a vigorar

com as seguintes alterações:

“Art 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá

adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao

Congresso Nacional.

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:

I – relativa a:

a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito

eleitoral;

b) direito penal, processual penal e processual civil;

c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a

garantia de seus membros;

d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos

adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art.167, § 3º;

II- que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou

qualquer outro ativo financeiro;

III- reservada a lei complementar;

IV- já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e

pendente de sanção ou veto do Presidente da República.

§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos,

exceto os revistos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício

financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi

editada.

§3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão

eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias,

prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso

Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.

§ 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida

provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional.

§ 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o

mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus

pressupostos constitucionais.

22

Page 23: teoria geral da norma jurídica.doc

§ 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias

contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em

cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a

votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.

§ 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida

provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua

votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional.

§ 8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos

Deputados.

§ 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as

medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão

separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional.

§ 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida

provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de

prazo.

§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta

dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas

constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por

ela regidas.

§ 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da

medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou

vetado o projeto”.

“Art.64.................................................................................................................

.............

§ 2º Se, no caso do § 1º, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não

se manifestarem sobre a proposição, cada qual sucessivamente, em até quarenta e

cinco dias, sobrestar-se-ão todas as demais deliberações legislativas da respectiva

Casa, com exceção das que tenham prazo constitucional determinado, até que se ultime

a votação.

“Art.66.................................................................................................................

.............

§ 6º Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no § 4º, o veto será

colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até

sua votação final.

23

Page 24: teoria geral da norma jurídica.doc

“Art. 246. É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de

artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda

promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até a promulgação desta emenda, inclusive”.

Art. 2º As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação

desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue

explicitamente ou até a deliberação definitiva do Congresso Nacional.

Art. 3º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua

publicação.

Tratados internacionais – Tratado é a manifestação expressa de um acordo

de vontades entre Estados, evidenciando um consentimento e regulando interesses

entre as partes. Segundo Rezek, “tratado é todo acordo formal concluído entre sujeitos

de Direito Internacional Público, e destinado a produzir efeitos jurídicos” (REZEK, José

Francisco. Direito internacional público:curso elementar. 8. ed. São Paulo:Saraiva,2000).

Pela Convenção de Viena de 1969, “tratado significa um acordo internacional

concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de

um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja

sua denominação específica”. (Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de

1969).

Com relação à posição hierárquica do tratado o Acórdão da 3ª turma do

S.T.J. – Resp. 0074376 – DJ de 27/11/95 estabelece: “O tratado internacional situa-se

formalmente no mesmo nível hierárquico da lei, a ela se equiparando. A prevalência de

um ou de outra se regula pela sucessão no tempo”.

Ao disciplinar a recepção dos tratados de direitos humanos no ordenamento

jurídico brasileiro, a Emenda Constitucional nº 45/2004, de 30/12/2004, acrescentou um

§ 3º ao art. 5º, estabelecendo: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos

humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,

por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas

constitucionais”.

Mesmo no Supremo Tribunal Federal a matéria não é pacífica. A posição

majoritária do STF defende a paridade entre tratado e lei federal, como no acórdão

acima citado do STJ, mas há posições favoráveis à hierarquia constitucional dos

tratados de direitos humanos. Porém, com a inclusão do § 3º ao art. 5º da Constituição

Federal pela EC-45/2004 fica esclarecida a polêmica doutrinária e jurisprudencial

concernente à hierarquia dos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos.

24

Page 25: teoria geral da norma jurídica.doc

Por fim, os direitos e garantias constantes dos tratados internacionais de

proteção dos direitos humanos de que o Brasil seja parte, depois de ratificados,

integram o rol dos direitos e garantias constitucionalmente protegidos. Ressaltando

ainda, que passam a ser cláusulas pétreas do texto constitucional, não podendo ser

suprimidos nem mesmo por Emenda Constitucional (Constituição Federal, art. 60, § 4º,

inciso IV).

4 Normas ou decretos regulamentares e especiais - São regras jurídicas

gerais, abstratas e impessoais, estabelecidas pelo Poder Executivo, em

desenvolvimento da lei, conforme lição de Bandeira de Melo, em sua obra Princípios

Gerais do Direito Administrativo.

Ao lado dos decretos regulamentares ou gerais, há os decretos especiais,

que dispõem sobre casos concretos e individualizados, como o decreto de nomeação de

um funcionário.

5 Normas de hierarquia inferior e normas individuais – As decisões

normativas proferidas por autoridades judiciárias ou administrativas também são regras

jurídicas que integram o ordenamento jurídico.

A Administração Pública trabalha também com portarias, avisos, ordens

internas, despachos, etc, abaixo dos regulamentos.

As convenções coletivas de trabalho, estipulações, contratos, no plano das

obrigações, os despachos e sentenças do judiciário, bem como os estatutos, regimentos

das instituições, constituem outro conjunto das normas de conduta.

Finalmente, temos as normas individuais representadas pelos contratos,

sentenças e atos semelhantes, que embora não participando da natureza da lei,

apresentam caráter vinculatório por sua força e obrigatoriedade nas relações jurídicas

entre as partes.

3.2 2º CRITÉRIO: QUANTO À OBRIGATORIEDADE OU IMPERATIVIDADE

1 Imperativas – Normas imperativas, também chamadas coativas, cogentes

ou de ordem pública são as que possuem obrigatoriedade absoluta – determinam “fazer

ou não fazer alguma coisa”, não facultando ao interessado, agir ou deixar de agir de

forma diversa do contido no dispositivo legal. Subdividem-se em imperativas stricto

sensu (imperativas positivamente) quando mandam ou determinam de forma positiva,

por exemplo, o disposto no artigo 1641, , inciso II do Código Civil (“É obrigatório o

regime de separação dos bens no casamento da pessoa maior de 60(sessenta) anos”)

e proibitivas (imperativas negativamente) quando proíbem de modo incondicionado,

25

Page 26: teoria geral da norma jurídica.doc

como por exemplo, o disposto no artigo 14, § 2º da Constituição Federal (“Não podem

alistar-se como eleitores os estrangeiros e durante o período do serviço militar

obrigatório, os conscritos”).

As normas imperativas, coativas, cogentes ou de ordem pública, como vimos,

não podem deixar de ser aplicadas, nem modificadas pela vontade ou convenções dos

particulares que estão a elas subordinados.

Uma determinada norma jurídica é declarada de ordem pública ou cogente

pelo legislador, às vezes pela doutrina e outras vezes pela jurisprudência; porém, não

devemos confundi-la com o “Direito Público”, pois parte do Direito Privado é constituído

de normas de ordem pública, imperativas, cogentes, que não podem ser modificadas

pela vontade das partes. Assim também, nem todas as regras de Direito Público são de

ordem pública ou cogentes, pois o Código de Processo Civil assim dispõe: “Não

havendo qualquer estipulação no contrato, o réu só pode ser demandado no seu próprio

domicílio”. Há, portanto, possibilidade das partes convencionarem em sentido diverso,

isto é, se as partes estipularem no contrato qual o foro, será o foro avençado e

registrado na cláusula contratual, também chamado de “foro de eleição”.

2 Dispositivas – Normas dispositivas também denominadas indicativas ou

relativamente cogentes são as que se limitam a permitir determinado ato ou a suprir a

manifestação da vontade das partes, determinando normas geris de conduta e

estabelecendo alternativas.

As normas dispositivas podem ser permissivas, ou seja, apenas permitem,

tal como dispõe o artigo 1639 do Código Civil: “É lícito aos nubentes, antes de celebrado

o casamento, estipular, quanto aos seus bens o que lhes aprouver”; podem ser também

supletivas, isto é, suprem a falta de manifestação da vontade das partes e só se

aplicam quando os interessados não disciplinarem suas relações.

Como exemplo de normas supletivas, citamos o artigo 1640 do Código Civil:

“Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens,

entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial”.

Algumas normas dispositivas ainda podem ser permissivas-supletivas,

quando permitem e suprem ao mesmo tempo. É o caso de uma pessoa que empresta a

outra R$10.000,00 pelo espaço de dois anos. O contrato nada mais estabelece, porém,

tal contrato se caracteriza como bilateral - empréstimo, implicando, pois, em restituição,

de uma parte a outra, decorrido o tempo avençado. Aos interessados era lícito

estabelecer uma taxa de juros, mas não o fizeram, havendo, pois, silêncio no contrato a

26

Page 27: teoria geral da norma jurídica.doc

esse respeito. Deverá ou não ser cobrada uma taxa de juros neste caso? Aqui surge o

problema das normas dispositivas permissivo-supletivas. Os juros serão ou não

cobrados, dependendo da natureza da relação. Se a relação for de natureza civil, os

juros não estipulados não serão considerados; mas, se a obrigação for de natureza

mercantil, ter-se-á como estabelecida a taxa de juros, acompanhada da mora.

3.3 3º CRITÉRIO : QUANTO À SANÇÃO OU VIOLAÇÃO

1 Normas jurídicas “mais que perfeitas” (leges plus quam perfectae)

São normas jurídicas cuja violação acarreta as seguintes conseqüências:

a) nulidade do ato;

b) restabelecimento da situação anterior;

c) imposição de uma pena ou castigo. Como exemplo, temos a norma

jurídica contida no artigo 235 do Código Penal: ”Contrair alguém sendo casado, novo

casamento: Pena-reclusão de 2 a 6 anos”. Assim aquele que violar tal preceito terá

como conseqüência a nulidade do ato e responderá pelo crime de bigamia com a pena

a ser aplicada de 2 a 6 anos.

2 Normas jurídicas perfeitas (leges perfectae) – Tais normas quando

violadas determinam a nulidade automática ou a possibilidade de anulação do ato.

Assim um menor que aliena um seu bem imóvel sem estar devidamente representado,

isto é, sem o seu representante legal, terá o ato anulado, mas não sofrerá pena pela

infração cometida.

3 Normas jurídicas menos que perfeitas (leges minus quam perfectae)

São aquelas cuja violação não acarreta a nulidade ou anulabilidade do ato,

mas ocasiona outras penalidades. Exemplo: a norma do artigo 563, combinado com o

artigo 555,ambas do Código Civil dispõem que: “A doação pode ser revogada por

ingratidão do donatário ou por inexecução do encargo” (art.555), e: “A revogação por

ingratidão não prejudica os direitos adquiridos por terceiros,nem obriga o donatário a

restituir os frutos percebidos antes da citação válida;mas sujeita-o a pagar os

posteriores,e,quando não possa restituir em espécie as coisas doadas,a indenizá-la

pelo meio-termo do seu valor” (art.563).

4 Normas jurídicas imperfeitas (leges imperfectae) – Não são dotadas de

sanção e sua violação não acarreta nem a nulidade do ato, nem outra penalidade,

sendo também chamadas de obrigações naturais ou normas programáticas. São leis

meramente formais que objetivam orientar ou dificultar determinados atos ou

estabelecer diretrizes e programas. Como exemplo, citaremos o artigo 205 da

27

Page 28: teoria geral da norma jurídica.doc

Constituição Federal: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será

promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno

desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho”.

3.4 4º CRITÉRIO : QUANTO AO CONTEÚDO DE COMANDO

1 Normas jurídicas preceptivas – Determinam que se faça alguma coisa,

estabelecem um “status”, reconhecem ou identificam outras normas como pertencentes

ao sistema vigente. Ordenam positivamente através de preceito.

2 Normas jurídicas proibitivas – Ordenam proibitivamente, isto é, negam a

alguém a prática de certos atos.

3 Normas jurídicas permissivas – Facultam fazer ou omitir algo.

4 Normas jurídicas interpretativas – Tais normas subdividem-se em

autênticas quando interpretam uma lei em referência a outra lei, operando, pois,

através de outra lei; doutrinárias quando interpretam uma lei com base doutrinária e

jurisprudenciais quando a interpretação é com base jurisprudencial.

3.5 5º CRITÉRIO : QUANTO À NATUREZA DE SUAS DISPOSIÇÕES

1 Normas jurídicas substantivas – Definem relações jurídicas ou criam

direitos, como as disposições do Código Civil, Penal, Comercial.

2 Normas jurídicas adjetivas ou processuais – Regulam o modo ou o

processo para o cumprimento das leis substantivas, como as disposições do Código do

Processo Civil, Código de Processo Penal, etc. Tais normas, no dizer de João Mendes

“não podem existir ou ser concebidas, sem outras leis que elas tendem a fazer

observar”.

3.6 6º CRITÉRIO : QUANTO À SUA APLICAÇÃO

1 Normas jurídicas auto-aplicáveis – Apresentam vigência imediata ou no

prazo legal e predominam no ordenamento jurídico, pois em geral, as leis são auto-

aplicáveis, entrando em vigor, sem outras formalidades, na data de sua publicação ou

dentro dos prazos estabelecidos.

2 Normas jurídicas dependentes de complementação ou

regulamentação –Exigem , para sua vigência, a criação de novas normas

complementares e constituem exceção. Essa vigência pode ser expressa ou implícita ,

quando resulta do sentido da disposição.

3.7 7º CRITÉRIO : QUANTO À SISTEMATIZAÇÃO

28

Page 29: teoria geral da norma jurídica.doc

1 Normas jurídicas codificadas – Formam um corpo orgânico de normas

sobre determinado campo do Direito, não constituindo, entretanto, um conjunto de leis,

mas uma lei única, que dispõe de modo organizado sobre um ramo ou setor do Direito.

É o caso da legislação codificada – Código Civil, Penal, Comercial, que predomina no

Direito moderno.

2 Normas jurídicas consolidadas – A Consolidação reune, de modo

sistemático, leis esparsas já existentes e em vigor, sobre determinada matéria. Como

exemplo significativo, temos a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) baixada pelo

Decreto-lei nº 5.452/43, de 1º/05/43.

3 Normas jurídicas esparsas ou extravagantes – São leis editadas

isoladamente, chamadas antigamente de “leis extravagantes”, tais como a lei da

falência, do salário-mínimo, etc.

3.8 8º CRITÉRIO: QUANTO À ESFERA DO PODER PÚBLICO OU

TERRITÓRIO OU ESPAÇO

Todo sistema jurídico cobre um dado “espaço social”, vinculado a um certo

território, sob a proteção de um poder soberano.

A estrutura política e administrativa brasileira atribui competência normativa

própria à União, aos Estados e os Municípios, emanando nossas normas jurídicas,

paralelamente de três esferas de poder público, originando três espécies distintas.

1 Normas jurídicas federais – Compreendem as normas constitucionais e

suas leis complementares, as leis, códigos, medidas provisórias e decretos federais,

editados pela União ou qualquer de seus órgãos.

2 Normas jurídicas estaduais – Representadas pela Constituição dos

Estados e respectivas leis complementares, leis ordinárias, códigos e decretos

estaduais.

3 Normas jurídicas municipais – Representadas pelas leis orgânicas dos

municípios, leis, decretos, posturas e demais normas editadas pelos órgãos municipais.

A Constituição Federal, em seus artigos 22,23,24,25,29 e 30, fixa a

competência normativa da União, dos Estados e dos Municípios quanto à atividade

legiferante destas esferas de poder público.

4 ESTRUTURA E VALIDADE DA NORMA JURÍDICA

Todo produto cultural é, em substância, constituído de um valor incorporado a

um dado natural mediante uma técnica adequada. Em se tratando de cultura

29

Page 30: teoria geral da norma jurídica.doc

espiritual, como é o caso do Direito é necessário levar em conta um quarto elemento, a

forma através da qual se expressam os seus juízos e valorações.

O Direito é de fato cultura espiritual, em conseqüência apresenta, ao lado dos

elementos constitutivos, o elemento formal correspondente. Os elementos constitutivos

são: idéia de justiça (valor), a matéria social (dado social) e a técnica jurídica. O

elemento formal é representado pela norma jurídica.

A norma jurídica (elemento formal) é uma regra de conduta que exprime um

dever, uma regra de “dever ser”, prescrevendo o que se deve fazer para alcançar

determinado fim. Vimos que o Direito tem por fonte material a experiência social

valorada (justiça), a qual é disciplinada por normas jurídicas, as quais constituem a

medida da conduta do homem na vida em sociedade. Assim, podemos entender que a

norma jurídica é a verdadeira célula do Direito, seu elemento constitutivo básico.

As normas jurídicas são, pois, regras que prescrevem a conduta adequada para

conseguir ordem e segurança nas relações sociais.

A forma da norma jurídica é sempre a de um imperativo, um juízo, prescrevendo

um dever - imperativo positivo (fazer) ou negativo (não fazer).

Em alguns sistemas normativos, como a Religião, a Moral, o imperativo é

categórico, impõe-se de forma incondicional, ao passo que no Direito, o imperativo é

hipotético, dependendo de condições determinadas na própria norma.

A fórmula do imperativo categórico (Religião, Moral) é: “deve ser A” (deve-se

amar ao próximo, socorrer os necessitados, amar o pai e a mãe).

A fórmula do imperativo hipotético (Direito) é: “se for B, deve ser A”(quem mata

sofre pena de prisão, ou, são brasileiros os nascidos no Brasil.

A hipótese “se for B” chama-se suporte jurídico e a conclusão “deve ser A” ,

chama-se dispositivo. O suporte jurídico representa o fato jurídico e o dispositivo

constitui o dever ou a pretensão (destinatário da norma, que nem sempre é destinatário

certo e quase sempre são todos os membros da sociedade, particulares ou não).

A estrutura da norma jurídica (disposição de suas partes como medida da

conduta humana em sociedade) é uma estrutura binária, isto é, compõe-se de duas

partes:

a) hipótese normativa verificada, na qual se prevê um fato, a qual chamaremos

de F;

b) uma conseqüência que se liga ao fato previsto, a qual chamaremos de C

(preceito ou dispositivo). Desta forma, temos o seguinte esquema: Se F(fato) é –

30

Page 31: teoria geral da norma jurídica.doc

C(conseqüência) deve ser, ou seja, se a norma prevê a hipótese de um fato e este fato

ocorrer (se o fato se enquadrar naquilo previsto pela norma) haverá sempre uma

conseqüência. Por exemplo: uma norma constitucional diz que o Brasil é uma República

Federativa, constituída sob o regime representativo, pela união indissolúvel dos

Estados, Distrito Federal e Municípios (artigo 1º da Constituição Federal). Explicando o

esquema temos: Se o Brasil é (hipótese normativa verificada) uma República

Federativa, seus princípios devem ser (conseqüência) obedecidos.

Pelo exposto, verifica-se que a norma jurídica tem por natureza, um juízo

hipotético de valor, prescrevendo sempre fatos de forma genérica, sem a previsão de

casos particulares, a não ser em raríssimas exceções como leis que dispões sobre

denominações de logradouros públicos (ruas, praças, etc), escolas, órgão públicos, etc.

Excetuando tais casos, as normas são estabelecidas em esquemas genéricos,

atribuindo a determinadas categorias de fatos ou acontecimentos, determinadas

categorias de conseqüências.

Kelsen, em sua obra Teoria Pura do Direito, afirma que as proposições jurídicas

são juízos hipotéticos que enunciam ou traduzem que, sob certas condições ou

pressupostos, devem intervir certas conseqüências.

Franco Montoro, em sua obra Estudos de Filosofia do Direito, faz um amplo

estudo sobre a estrutura lógica da norma jurídica. A fórmula que Montoro apresenta

para sintetizar a estrutura completa da norma jurídica é a seguinte:

Se H (hipótese) é – deve ser P (prestação) – Se P não é – devem ser

conseqüências negativas ou Se P é – devem ser conseqüências positivas. Exemplo: Se

F é eleitor (H) – deve votar (P). Se F não votou (H) - deve ser multado (P) ou não

poderá retirar seu passaporte ou ainda não poderá inscrever-se em concurso público

(conseqüências negativas).

Por outro lado – Se F votou (H) – deve ter seu título assinado pelo Presidente

da Mesa ou pode tirar seu passaporte ou inscrever-se em concurso público, etc

(conseqüências positivas). Enfim, ocorrendo a hipótese (H), deve ser a prestação (P).

Se a prestação não é cumprida, devem ser efetivadas conseqüências positivas.

Para ajustar os esquemas genéricos das normas à realidade dos casos

concretos o juiz realiza um trabalho de interpretação e aplicação da norma jurídica,

surgindo aqui a importância da jurisprudência, pois o Direito, não prevendo casos

particulares, admite a possibilidade de colocar pressupostos aos fatos que ocorrem na

sociedade.

31

Page 32: teoria geral da norma jurídica.doc

Quando, entretanto, as normas jurídicas não deixam vislumbrar qualquer

hipótese, faz-se a conversão lógica (conversão da estrutura gramatical para a lógica).

Exemplo: o artigo 9º, inciso I, do Código Civil diz: “Serão registrados em registro público

os nascimentos, casamentos e óbitos. Realizando a conversão – Se houver

nascimentos, casamentos ou óbitos (hipótese) deverão cada um ser registrado em

registro público (conseqüência).

Nem sempre um artigo de lei corresponde a uma única norma jurídica, podendo

um único artigo de lei conter vários preceitos conjugados. Exemplo: o artigo 1210 do

Código Civil diz – “O possuidor tem direito de ser mantido na posse, em caso de

turbação, restituído, no esbulho,e segurado de violência iminente,se tiver justo receio

de ser molestado”. Utilizando a conversão e o esquema temos: se houver turbação o

possuidor será mantido na posse. Se houver esbulho, a posse lhe será restituída. Se

tiver justo receio de ser molestado, deverá ser segurado de violência iminente. No

primeiro caso (turbação), a ação cabível será de manutenção de posse e no segundo

caso (esbulho) a ação cabível será de reintegração de posse. Explicando, se houver

turbação (hipótese normativa verificada), o possuidor deverá ser mantido na posse

(conseqüência), o mesmo acontecendo no caso de esbulho (restituído na posse). Assim

também, um mesmo artigo pode conter vários preceitos conjugados, estabelecendo

várias conseqüências. Exemplo: o artigo 8º do Código Civil diz: “Se dois ou mais

indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos

comorientes precedeu aos outros (hipótese normativa verificada), presumir-se-ão

mortos”. (1ª conseqüência), isto é, mortos ao mesmo tempo (2ª conseqüência)

Turbação: todo fato impeditivo do livre uso da posse, contra a vontade do

possuidor.

Esbulho: ato violento em virtude do qual uma pessoa é despojada, contra sua

vontade, daquilo que lhe pertence ou está em sua posse, sem que assista ao

violentador qualquer direito ou autoridade, com que possa justificar seu ato.

Quando analisamos a natureza do juízo contido na norma jurídica, isto é,

quando falamos em juízo hipotético de valor, estamos nos referindo a um ato mental

puro, mediante o qual se atribui a um ser, certa qualidade, de maneira necessária, tema

este pertencente à Filosofia do Direito. A atribuição a um ser, de certa qualidade, de

maneira necessária pode ocorrer no plano existencial ou da realidade e no plano da

valoração. Tal afirmação se ajusta perfeitamente com a teoria tridimensional do Direito

defendida por Miguel Reale, a qual considera o Direito como fato, valor e norma.

32

Page 33: teoria geral da norma jurídica.doc

Para que uma norma jurídica seja legitimamente obrigatória, isto é, válida, há

necessidade de atender a três aspectos essenciais da validade: vigência como validade

formal, eficácia como validade fática, e o fundamento axiológico como validade ética.

Para que uma norma jurídica tenha vigência é imprescindível a presença dos

seguintes requisitos:

1º) legitimidade do órgão que a elabora;

2º) a matéria objeto da norma deve estar contida na competência do órgão

(competência ratione materiae do órgão)

3º) legitimidade dos procedimentos legais para a sua produção.

Vimos, portanto, que a vigência (validade formal) diz respeito ao tempo em que

uma lei entra em vigor e deixa de vigorar, bem como a competência e legitimidade dos

órgãos e processos envolvidos em sua produção - validade jurídica que empresta ao

Direito, indeclinável obrigatoriedade temporal e espacial.

A eficácia (validade fática ou social) se refere ao cumprimento e ao

reconhecimento pelos seus destinatários, dos comandos jurídicos, isto é, quando uma

lei tem aptidão para produzir bons resultados (reconhecimento, respeito, cumprimento e

aplicação pelos membros da sociedade).

O fundamento axiológico (validade ética) é representado pela justiça, pois

toda norma jurídica tem por finalidade (teleologia) implantar uma ordem justa na vida

social. O sentido da norma jurídica é, pois, uma tentativa de dirigir a liberdade humana à

justiça, dando a cada um (alteridade) o que lhe é devido, segundo certa igualdade;

porém, não devemos nos esquecer da sábia lição de Miguel Reale, quando nos ensina

que cada época histórica tem um ideal de justiça, que depende da escala de valores

dominantes na sociedade.

O aspecto moral, ético ou axiológico de uma lei pode estar aparente ou velado,

como por exemplo, nas leis de trânsito, consideradas amorais. Neste caso, o aspecto

moral velado está justamente no cumprimento obrigatório pelo reconhecimento de que

tais leis ditas amorais estão sempre voltadas para o interesse social, impedindo que o

elemento axiológico seja desnaturado.

5 CONTROLE JURÍDICO : SANÇÃO E COAÇÃO

A sanção e a coação são meios de garantia do cumprimento da norma jurídica.

A sanção consiste, em temos gerais, nas conseqüências da inobservância do

dever jurídico; em sentido estrito é o castigo prescrito para quem infringe a obrigação

jurídica.

33

Page 34: teoria geral da norma jurídica.doc

Em regra, toda norma é garantida por sanções (execução forçada, prisão, multa,

incapacidade).

A força empregada para efetivar as sanções constitui a coação, que geralmente

é privilégio do Estado (força pública), admitindo-se o uso da força particular

excepcionalmente, como por exemplo, na legítima defesa.

A sanção desempenha dupla função: garantia da ordem (ameaça) evitando o

desrespeito da norma e reparação, reintegrando a ordem jurídica e indenizando a vítima

dos prejuízos causados pelo infrator às suas próprias custas.

A sanção jurídica diferencia-se da sanção moral por ser organizada, enquanto

que a sanção moral existe difusa no meio social, só ocorrendo em forma de repulsa ou

repúdio da opinião pública quando se depara com um fato menos recomendável aos

costumes.

A principal característica da sanção moral é a bifrontalidade do homem, ou seja,

a atuação que se dá nos planos da consciência individual e coletiva.

A norma jurídica, como vimos, difere das demais normas por duas razões

básicas: a bilateralidade e a coercibilidade.

A bilateralidade se afirma na estrutura imperativo-atributiva da norma jurídica:

prescreve um dever ou obrigação de fazer ou não fazer algo e confere ao mesmo tempo

uma pretensão ou poder de exigir o cumprimento desse dever. É bilateral porque aciona

ambos os lados (pólos) de uma relação jurídica intersubjetiva – de um lado, atribuindo

um direito e de outro, impondo uma obrigação. Exemplo: a norma que obriga o devedor

a pagar a conta, dá ao credor o direito de exigir o pagamento (exigibilidade recíproca),

A coercibilidade ou coatividade é o poder que tem a norma jurídica de fazer-se

cumprir com o emprego da força física. Quando esse cumprimento não é possível de

fato, utiliza-se de outras formas indiretas:

a) impondo uma sanção contra o faltoso;

b) obrigando-o a reparar os danos causados com a sua falta;

c) anulando-se os atos praticados em violação de seu dever.

Enfim, a coação representa um recurso de última instância para dar

cumprimento à norma – aplicação da força organizada nos casos em que o simples

enunciado da sanção não foi suficiente para que a norma jurídica fosse respeitada.

A palavra coação pode ser entendida em duas acepções. A primeira acepção

diz respeito à aplicação da violência não organizada para viciar o ato jurídico. Tal

aplicação pode se revestir de dois sentidos: coação moral (vis compulsiva) quando faz

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Page 35: teoria geral da norma jurídica.doc

trepidar a vontade de alguém pela imposição de “força psicológica”. Exemplo: alguém

conhecendo o segredo de uma pessoa usa desse recurso como arma psicológica

(coação moral - vis compulsiva); coação física (vis absoluta) quando faz trepidar a

vontade de alguém pela imposição da força física.

O artigo 151 e seguintes do Código Civil, trata da coação e a interpretação dada

aos sentidos vis compulsiva e vis absoluta que é a seguinte: as imposições de força

psicológica ou física devem ser de tal forma aplicadas que venham a incutir ao paciente

“forte temor de dano”, à sua pessoa, à sua família ou aos seus bens, bem como também

devem ser impostas de maneira irresistível.

A segunda acepção de coação se refere à aplicação da força organizada pelo

Estado, buscando compelir o cidadão ao cumprimento da norma.

6 INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS

Conceito – Interpretar é descobrir o sentido e o alcance da norma jurídica,

envolvendo, portanto, três elementos:

1 Descobrir o sentido – A norma jurídica, como parte do mundo da cultura

possui uma “significação”, “sentido” ou “finalidade”. Quando a interpretamos procuramos

revelar o sentido apropriado para a vida real, com vistas a uma aplicação justa.

2 Descobrir o alcance – Duas leis com o mesmo sentido podem ter alcances

diferentes. Como exemplo, poderemos citar o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis

Federais e a CLT que estabelecem o preceito de descanso semanal remunerado

(sentido), mas a primeira estende-se aos servidores públicos civis federais e a segunda,

aos empregados das empresas (alcance diferente).

3 Norma jurídica – A norma jurídica em sua acepção ampla, abrange desde as

normas constitucionais até as normas contratuais, de caráter individual e todas precisam

ser interpretadas e não apenas as leis no sentido estrito.

INTERPRETAÇÃO DE TODAS AS NORMAS: Mesmo em face da clareza do

texto, este comporta sempre uma interpretação; portanto, a máxima “In claris cessat

interpretatio”, não tem razão de ser. Luis RECÁSENS SICHES, professor da

Universidade Autônoma do México, em sua obra sobre Filosofia da exegese, refere-se a

um cartaz colocado na entrada de uma exposição, onde se lia: “É proibido entrar cães”.

Mesmo com a clareza do enunciado, uma senhora, portando um ursinho no ombro,

pretendia entrar no recinto, alegando não ser o animal um cão. Desconhecia aquela

senhora que por trás da letra da lei, esconde-se o espírito que a vivifica., que chamamos

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Page 36: teoria geral da norma jurídica.doc

de mens legis, que no caso em tela é o de prevenir os visitantes da exposição dos

aborrecimentos causados por animais, quer urso ou cão.

HERMENÊUTICA: A hermenêutica, a rigor não é sinônimo de interpretação,

pois, como vimos, interpretar é fixar o verdadeiro sentido e alcance de uma norma

jurídica, tarefa do exegeta, que realiza a exegese, com base na hermenêutica, que em

sentido técnico, é a teoria científica da interpretação.

INTERPRETAÇÃO AUTÊNTICA E NÃO AUTÊNTICA (KELSEN): Quando o

jurista interpreta uma norma jurídica, estabelece as possíveis significações da mesma,

não podendo optar por qualquer delas, pois sua tarefa consiste apenas em criar

condições para uma decisão possível do órgão aplicador do Direito. Esta interpretação

jurídico-científica é denominada por Kelsen de não autêntica. Por outro lado, quando o

órgão aplicador do Direito, obrigado a solucionar o caso “sub judice”, recebe a

informação normativa dos órgãos superiores mediante as normas gerais que lhe são

dirigidas e escolhe uma entre as várias possibilidades interpretativas que lhe oferece a

norma geral e decide, por exemplo, através de uma sentença (norma individual) o caso

concreto, Kelsen a chama de interpretação autêntica, porque a autoridade competente

cria o Direito para o caso concreto, realizando a subsunção, que é a aplicação da norma

geral e abstrata ao caso individual e concreto, buscando a eqüidade, que é a realização

da justiça do caso concreto.

6.1 ESPÉCIES DE INTERPRETAÇÃO – A interpretação pode ser classificada

segundo diferentes critérios:

6.1.1 QUANTO À SUA ORIGEM – Quanto à sua origem ou à fonte de que

emana, a interpretação pode ser:

a) judiciária ou usual – É a interpretação que os juizes realizam ao sentenciar;

b) legal ou autêntica – É a interpretação do próprio legislador, através de outra

lei, chamada “lei interpretativa”;

c) administrativa – É a interpretação realizada pelos órgãos da administração,

desde o Presidente da República até as autoridades de menor nível, mediante

despachos, instruções, portarias, ordens, etc.;

d) doutrinária ou científica – É a que realizam os juristas em suas obras e

pareceres, à luz dos princípios filosóficos e científicos do Direito e da realidade social.

6.1.2 QUANTO ÀS TÉCNICAS UTILIZADAS – São os processos lógicos ou

não, utilizados para desvendar as várias possibilidades de aplicação da norma jurídica e

se dividem em:

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Page 37: teoria geral da norma jurídica.doc

a) gramatical ou filológica - – É a interpretação que busca o sentido literal do

texto normativo, alicerçando-se em regras de lingüística, atendendo à pontuação,

colocação dos vocábulos, origem etimológica, etc.;

b) lógico-sistemática – Alguns mestres da Escola de Exegese, levados pelo

grande apego ao texto, distinguiram a interpretação lógica da interpretação sistemática.

A interpretação lógica cuidaria apenas do valor lógico das palavras, sem se

preocupar em situar o texto no sistema geral do ordenamento jurídico. A interpretação

sistemática viria num segundo momento, ou melhor, num terceiro momento para

elucidar dúvidas possivelmente ainda existentes, após a exegese gramatical e lógica.

Hoje compreendemos que é impossível separar essas duas ordens de

pesquisa, a lógica e a sistemática, pois interpretar logicamente um texto de Direito é

situá-lo ao mesmo tempo no conjunto geral do ordenamento jurídico (sistemática),

preocupando-se com o valor lógico dos termos empregados (lógica). As normas

jurídicas devem ser entendidas organicamente, dependendo umas das outras, exigindo

reciprocidade através de um nexo que a ratio juris explica e determina.

Assim, ao mesmo tempo em que procuramos desvendar o sentido e o alcance

da norma, estudando-a por meio de raciocínios lógicos, analisando os períodos da lei e

combinando-os entre si com o escopo de atingir perfeita compatibilidade, temos que

inseri-la num sistema, relacionando-a com outras, relativas ao mesmo objeto.

c) Histórica - Baseia-se na averiguação dos antecedentes da norma. Refere-se

ao histórico do processo legislativo e às circunstâncias fáticas que a precederam, às

causas ou necessidades que induziram o órgão a elaborá-la, ou seja, às condições

culturais ou psicológicas sob as quais o preceito normativo surgiu (occasio legis), tendo

sempre em vista a razão da norma (ratio legis), isto é, os resultados que visa atingir.

d) Sociológica ou teleológica – Objetiva adaptar a finalidade da norma às

novas exigências sociais. Essa adaptação está prevista no artigo 5º da Lei de

Introdução ao Código Civil, que prescreve: “Na aplicação da lei o Juiz atenderá aos fins

sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

6.1.3 QUANTO A SEUS EFEITOS OU RESULTADOS – Os efeitos do ato

interpretativo nos conduzem às seguintes interpretações:

a) declarativa – A interpretação é declarativa quando se limita a declarar o

pensamento expresso na lei, sem estendê-lo a casos não previstos ou restringi-los

mediante exclusão de casos inadmissíveis;

37

Page 38: teoria geral da norma jurídica.doc

b) extensiva – Quando o intérprete conclui que o alcance da norma é mais

amplo do que indicam seus termos, significando que o legislador escreveu menos do

que queria dizer (minus scripsit quam voluit), devendo a lei ser aplicada em

determinadas situações não previstas expressamente;

c) restritiva – Quando o legislador escreveu mais do que realmente pretendia

(plus scripsit quam voluit), forçando o intérprete a restringir o sentido da lei, a fim de dar-

lhe aplicação razoável e justa, impedindo que produza efeitos injustos e danosos, já que

suas palavras abrangem hipóteses que nelas, na realidade, não se contêm.

7 LACUNAS DO DIREITO: ANALOGIA E PRINCÍPIOS GERAIS

Vimos anteriormente que o Direito é uma realidade dinâmica que abrange

fatos, valores e normas (Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale). Logo, o

sistema jurídico é aberto e se compõe de um subsistema fático, valorativo e normativo,

que apresenta lacunas normativas, na ausência de preceito normativo sobre um caso,

lacunas ontológicas, quando houver norma, mas ela não corresponder aos fatos

sociais, e lacunas axiológicas na ausência de norma justa.

Posto isto, não podemos acolher as teorias que concebem o sistema jurídico

com seus subsistemas, como fechado, baseando-se no princípio de que “tudo que não

está proibido, está permitido”. Entendemos que o problema das lacunas é inerente ao

sistema jurídico e deriva do caráter dinâmico do Direito e as sentenças judiciais não

suprimem as lacunas, mas integram normas ao preencherem lacunas, nem os

processos judiciais eliminam os conflitos, mas apenas põem-lhes um fim (coisa julgada).

A dinamicidade do Direito o torna lacunoso e ao mesmo tempo sem lacunas,

ou seja, é lacunoso porque não há normas para todos os casos concretos e sem

lacunas porque seu dinamismo produz soluções para as mais diversas decisões

judiciais, quer dos juizes, quer dos legisladores. Logo, o sistema jurídico, é aberto, é

completável e suas lacunas são provisórias, pois sobre elas não há uma decisão

unânime, final e definitiva o que torna as lacunas aporéticas, isto é, sem saída,

ocasionando uma dificuldade ou dúvida racional decorrente de uma impossibilidade

objetiva na obtenção de uma conclusão ou decisão definitiva.

Quando não é possível aplicar a norma geral ao caso individual (subsunção)

por haver lacuna, utilizamos os artigos 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil para

preenchê-la, os quais apresentam meios supletivos para realizar a integração do Direito.

Tais meios supletivos são representados pela analogia, os princípios gerais do direito,

os costumes e a eqüidade (mecanismos de integração do Direito).

38

Page 39: teoria geral da norma jurídica.doc

O princípio constitucional da legalidade, expresso no art. 5º, II, da

Constituição Federal, segundo o qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer

alguma coisa senão em virtude da lei, constitui uma norma geral exclusiva, que

permite certo comportamento, se inexistir lei proibindo ou obrigando-o.

Pela análise lógica do princípio da legalidade, somos levados a

concluir que a existência em nosso ordenamento jurídico de normal geral exclusiva,

elimina a possibilidade de lacunas.

Nossos magistrados quando julgam a conduta de qualquer pessoa,

deveriam pesquisar a existência ou não de lei proibindo-o ou obrigando-o. Se a

encontrar não há que se falar em lacunas. E, se não a encontrar, a conduta em

julgamento deve ser considerada permitida,e, da mesma forma, não há, também,

que se falar em lacunas. Portanto, um ordenamento jurídico que contém uma norma

geral exclusiva, que se aplica às situações não disciplinadas de modo específico,

não poderia ser considerado lacunoso. Nesta linha de raciocínio, o disposto no art.

4º da Lei de Introdução ao Código Civil, que determina a aplicação da analogia, dos

princípios gerais de direito ou dos costumes, como mecanismos integradores do

Direito estaria em conflito com a regra geral exclusiva, criando uma situação

antinômica, com a prevalência da norma constitucional sobre o Decreto-lei nº 4.657,

de 04/9/1942 (Lei de Introdução ao Código Civil). Como resolver essa questão?

Para Bobbio a norma geral exclusiva não garante a completude do

ordenamento jurídico, quando este contém uma norma geral sobre o preenchimento

de lacunas,que se reveste de natureza inclusiva, isto é, incluímos no campo das

condutas normatizadas aquela para a qual não existe nenhuma norma específica e,

no caso brasileiro, aplicamos o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, como

norma geral inclusiva.

Em conseqüência do acima exposto, para Bobbio, as lacunas se

verificam não na falta de normas disciplinadoras de condutas, mas na falta de

critério de escolha entre a norma geral exclusiva, que permite tudo que não for

normatizado como proibido ou obrigatório, e a norma geral exclusiva, que disciplina

as ações em caso de ausência de lei.

Kelsen tem um posicionamento diferente sobre as lacunas. O juiz,

diante de uma conduta qualquer, deve considerar se o direito a liga à sanção. Em

caso positivo, o julgamento deve ser no sentido de impor a pena estabelecida. Em

caso negativo, se o direito não sanciona a conduta em questão, deve-se considerá-

39

Page 40: teoria geral da norma jurídica.doc

la lícita, não existindo possibilidade de lacunas. Como todas as normas são

reduzidas à estrutura de um imperativo sancionador (dado certo comportamento,de

ser uma sanção), para Kelsen, o juiz que vê lacuna no direito está, na verdade,

pretendendo aplicar sanção a uma conduta não-sancionada ou deixar de aplicar

sanção a conduta sancionada;

Na ótica de Kelsen, o julgador só considera que há lacunas no

ordenamento quando não o satisfaz a solução por este oferecida. Em termos mais

precisos, as lacunas são vistas por Kelsen como uma ficção, a possibilitar a

compatibilização dos pressupostos lógico-operacionais do Direito com os postulados

éticos de quem tem a competência para o aplicar.

À luz do pensamento lógico jurídico, a negação das lacunas é

condição da logicidade do sistema jurídico. Um sistema incapaz de ser considerado

completo, de algum modo, não deve ser qualificado de lógico.

Anteriormente, quando estudamos as fontes formais do Direito, cuidamos dos

costumes e quando tratamos da justiça (Axiologia Jurídica), abordamos a eqüidade.

Resta-nos apenas a analogia e os princípios gerais de direito para

completarmos o estudo sobre os elementos integradores do Direito.

Sinteticamente, Tércio Sampaio Ferraz Jr. em sua Enciclopédia Saraiva do

Direito, conceitua e fundamenta a analogia da seguinte forma: “um procedimento

quase lógico, que envolve duas fases: a constatação (empírica), por comparação,

de que há semelhança entre fatos-tipos diferentes e um juízo de valor que mostra

a relevância das semelhanças sobre as diferenças, tendo em vista uma decisão

jurídica procurada”.

As espécies de analogia são: analogia legis, que consiste na aplicação da

norma existente destinada a reger caso semelhante ao previsto e analogia juris, que se

fundamenta num conjunto de normas para extrair elementos que possibilitem sua

aplicação ao caso concreto não previsto, mas similar, constituindo na prática a autêntica

analogia.

Não podemos confundir a analogia com a interpretação extensiva, pois na

analogia não há lei prevista para o caso e se recorre à norma que resolve casos

semelhantes; já na interpretação extensiva, o hermeneuta alarga o âmbito da lei,

havendo, pois, lei prevista, ausência de lacuna e necessidade de abranger mais casos.

Podemos citar alguns exemplos de analogia, tais como:

- se a pessoa física tem responsabilidade civil, a jurídica também tem.

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Page 41: teoria geral da norma jurídica.doc

- se dolo anula compra, anula qualquer contrato;

- no testamento prevalece o que melhor assegure a vontade do testador;

isto depois é aplicado à doação.

- o artigo 8º do Código Civil dispõe sobre comoriência, entendendo-se

mortes simultâneas num mesmo país, aplicado depois a mortes em países diferentes.

- o artigo 10 e seus parágrafos, da Lei 6.515, de 26/12/77, que revogou os

artigos 315 a 328 do Código.Civil anterior de 1916, autoriza o juiz para dispor sobre

guarda do menor, isto depois é aplicado à tutela, alterando a ordem de precedência dos

parentes.(tutela-vide artigos 1728 a 1766 do Código Civil)

Princípios gerais de direito são normas de valor genérico que orientam a

compreensão do sistema jurídico em sua aplicação e integração.

Os princípios gerais de direito apresentam natureza múltipla, pois decorrem

dos subsistemas normativos, originam-se das idéias políticas e sociais vigentes e são

reconhecidos pelas nações civilizadas que apresentem afinidades culturais, podendo

variar, conforme a época histórica referida.

Na aplicação dos princípios gerais de direito, Limongi França sugere ao juiz o

seguinte roteiro, extraído da Enciclopédia Saraiva do Direito:

O juiz empregando dedução, indução e juízos valorativos deve:

- buscar os princípios da instituição a que se refere o caso;

- sendo isto inócuo, deve procurar os que informam o livro ou parte do

diploma onde se insere a instituição, depois o do diploma onde se encontra o livro, em

seguida o da disciplina a que corresponde o diploma, até chegar aos princípios gerais

de todo o direito escrito, de todo o regime jurídico-político e da sociedade das nações;

- procurar princípios de direito costumeiro;

- recorrer ao direito comparado;

- invocar elementos de justiça, entrando na seara da Filosofia do Direito.

Alguns juristas entendem que os brocardos jurídicos são a tradução prática

dos princípios gerais do direito e em sua grande maioria apresenta origem romana,

aparecendo em forma de máxima ou aforisma; porém, nem todo princípio geral de

direito aparece sob a forma de brocardo jurídico.

Muitos princípios gerais de direito são encontrados em normas jurídicas,

como os abaixo trnacritos:

“Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece” (artigo

3º da Lei de Introdução ao Código Civil).

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Page 42: teoria geral da norma jurídica.doc

“Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas

consubstanciadas do que ao sentido literal da linguagem” (artigo 112 do Código Civil).

“Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão

em virtude de lei” (artigo 5º, inciso II da Constituição Federal do Brasil).

O sistema jurídico civil brasileiro acolhe os seguintes princípios, dentre

outros:

princípio da moralidade;

princípio da igualdade de direitos e deveres;

princípio da proibição de locupletamento ilícito;

princípio da função social da propriedade;

princípio de que ninguém pode transferir ou transmitir mais direitos do que

tem;

princípio de que a boa fé se presume e a má fé deve ser provada;

princípio da preservação da autonomia da instituição familiar;

princípio de que ninguém pode invocar a própria malícia;

princípio da exigência de justa causa nos negócios jurídicos;

princípio de que o dano causado por dolo ou culpa deve ser reparado;

princípio de que as obrigações contraídas devem ser cumpridas;

princípio do equilíbrio dos contratos;

princípio da autonomia da vontade e da liberdade de contratar;

Dentre os princípios mais gerais e universais do Direito, podemos citar:

princípio de justiça e segurança - supremo objetivo do Direito.

princípio de eqüidade - abrandamento da justiça, justiça do caso concreto.

princípio de isonomia - todos são iguais perante a lei.

princípio da liberdade, dentro dos limites legais.

princípio de solidariedade humana - Previdência Social.

princípio de responsabilidade dos governantes.

Finalmente, apresentamos abaixo alguns brocardos jurídicos mais citados

em vários ordenamentos jurídicos, inclusive nos países da Commom Law.

Ninguém que pode condenar está impedido de absolver.

Tudo o que pode ser vendido, pode ser trocado.

O ônus da prova cabe a quem afirma o fato.

Em dúvida é melhor absolver que condenar.

Tudo quanto por direito se contrata, por contrato se extingue.

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Page 43: teoria geral da norma jurídica.doc

Ninguém deve ser condenado sem ser ouvido.

Nem tudo que é lícito é justo.

A lei manda, permite, proíbe ou pune.

Fazer justiça é repor equilíbrio.

Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido.

8. ANTINOMIAS DO DIREITO

A superação das antinomias, eliminando o conflito entre as normas

jurídicas, segundo os teóricos do Direito (doutrinadores) se resolve com a aplicação

dos seguintes critérios: cronológico,hierárquico e o da especialidade.

Critério cronológico: por este critério, a norma posterior prevalece

sobre a anterior, ou seja, a norma jurídica mais recente revoga a mais antiga, em

função do pressuposto do constante aperfeiçoamento do Direito Positivo.

Critério hierárquico: segundo este critério, a norma jurídica superior na

escala hierárquica das leis prevalece sobre a inferior. Se um dispositivo

constitucional é antinômico em relação a uma lei complementar, prevalece a norma

constitucional em prejuízo da norma de lei complementar. Esta, por sua vez , deve

ser respeitada em detrimento da norma de lei ordinária.

Critério da especialidade: com base neste critério, a norma especial

prevalece sobre a geral. Assim, as regras sobre o contrato de compra e venda

constantes do Código Civil não se aplicam às relações de consumo se o Código de

Defesa do Consumidor contiver disposição diversa, porque esta última é mais

específica, referindo-se apenas aos contratos envolvendo consumidores, ao passo

que as primeiras inseridas no Código Civil são aplicáveis aos contratos em geral.

Os critérios utilizados para a eliminação das antinomias, muitas vezes

não são suficientes para superá-las e se tornam impotentes, pois nem sempre são

absolutos quando aplicados individualmente. Há casos de conflitos entre os próprios

critérios. Suponhamos que a norma A, posterior e inferior à norma B, que embora

anterior é superior na escala hierárquica. De acordo com o critério cronológico,seria

aplicada a norma A, mas segundo o hierárquico,deve prevalecer a norma B. Tal

situação recebe o nome de “antinomia de segundo grau”, já que a incompatibilidade

não reside apenas nas normas em questão, mas igualmente nos critérios de sua

superação.

As antinomias de segundo grau são resolvidas com a aplicação de

outros critérios. O conflito entre o cronológico e o hierárquico é resolvido em favor

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Page 44: teoria geral da norma jurídica.doc

deste último, isto é, aplica-se a norma mais antiga e superior hierarquicamente,

desprezando-se a mais nova e inferior. Entre o cronológico e o da especialidade,

este prevalece, uma vez que a norma geral posterior não revoga a norma especial

anterior.

Entretanto, se ocorrer antinomia de segundo grau entre o critério

hierárquico e o da especialidade, ensina Norberto Bobbio em sua obra Teoria

dell’ordinamento giuridico(1960), que inexiste meio seguro para se optar por ou

outro, tendo em vista a igual importância dos valores relacionados com cada um

deles. O critério da hierarquia decorre do valor segurança e o da especialidade é

imposição da justiça.

Existe,também,uma outra situação em que os critérios adotados pelo

Direito se revelam insuficientes para a solução das antinomias. Trata-se do conflito

entre duas normas editadas concomitantemente, de hierarquia e âmbito de

incidência idênticos. Por exemplo, dois dispositivos de uma mesma lei tributária,

definindo, para determinado imposto, alíquotas com valores diferentes.

Nas situações acima descritas (antinomia de segundo grau entre

hierarquia e especialidade e/ou identidade de hierarquia, cronologia e âmbito de

incidência), configura-se a chamada antinomia real, ou seja, não existe critério para

superá-la. Segundo Bobbio e Kelsen, deparando-se com antinomias reais, devemos

considerar como válidas as duas normas antinômicas e podemos escolher qualquer

uma delas.

Embora a maioria dos teóricos do Direito aceitem os critérios de

superação das antinomias, de primeiro e de segundo grau, nem sempre são

aplicados, ocorrendo situações em que prevalece a norma anterior sobre a posterior,

a inferior sobre a superior e a geral sobre a especial. Nesses casos, em que as

antinomias são resolvidas sem a devida observância dos critérios hermenêuticos

admitidos, verifica-se, rigorosamente falando, a antinomia real, no entendimento de

Fábio Ulhoa Coelho.

Para a Teoria Pura do Direito defendida por Kelsen, não há

incompatibilidade possível entre normas, o que significa que não há antinomias,

desde que as normas conflitantes sejam editadas pelos órgãos competentes e

consideradas válidas pelas autoridades investidas da função jurisdicional

(competentes para dizer o direito). A validade das normas jurídicas atributivas de

competência é dada por uma norma básica, fundamental, que determina a

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Page 45: teoria geral da norma jurídica.doc

obediência aos elaboradores da Constituição (constituintes). Ora, estes

determinaram a obediência às leis aprovadas pelo Poder Legislativo e às decisões

proferidas pelos membros do Poder Judiciário. Pelo pensamento kelseniano,

obedecer os constituintes, em outras palavras significa obedecer os legisladores e

os magistrados, no exercício das respectivas esferas de competência.

9 APLICAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS NO TEMPO E NO ESPAÇO

9.1 INTRODUÇÃO – Miguel Reale, estudando a natureza lógica da aplicação

do Direito, entende que há certa confusão quando se aborda o problema da aplicação

do Direito, pois a chamada aplicação da lei no tempo e no espaço, refere-se,

fundamentalmente à eficácia do Direito no âmbito temporal e espacial, objeto de estudo

da Teoria Geral do Direito e, mais especificamente, da Teoria Geral do Direito Civil ou

de Direito Internacional Privado. Assim, continua Reale, “o que em sentido técnico e

próprio se denomina ‘aplicação’, é uma forma de eficácia” e cita o seguinte exemplo:

“Um juiz brasileiro chamado a decidir sobre a situação patrimonial de um casal de

italianos residentes no Brasil, mas casados na Itália, reconhece a eficácia da lei pessoal

dos cônjuges e aplica-a no Brasil; nesse caso, caracteriza-se a eficácia da norma

italiana, para que produza efeitos no território nacional”. Neste exemplo, aplicar

equivale, pois, a assegurar eficácia a uma regra. Enfim, verificamos, que embora haja

íntima correlação entre os problemas da eficácia do Direito, e sua aplicação, devemos

dar à expressão “aplicação do Direito” uma conotação mais abrangente, implicando

também uma série de atos de caráter lógico e axiológico, escolhendo a norma jurídica

possivelmente aplicável ao caso sub judice, percorrendo o raciocínio do juiz, da norma

ao fato concreto e vice-versa, até formar a sua convicção jurídica, fundamento de sua

decisão.

Após estas considerações iniciais, na esteira do pensamento do ilustre

jurisfilósofo brasileiro Miguel Reale, limitaremos nossos estudos, fundamentalmente à

vigência das normas jurídicas no tempo e no espaço.

Procurando ainda introduzir o tema, seria oportuno e aconselhável,

afirmarmos que todas as normas jurídicas têm seu campo de aplicação limitado, não

apenas ao tempo ou espaço, mas também à matéria e às pessoas, dentro dos quais

elas têm vigência ou validade. Em relação à matéria, tal limitação nos leva a dividir o

Direito em seus diversos ramos públicos e privados, surgindo daí, os vários campos de

aplicação limitados às relações jurídicas de natureza comercial (Direito Comercial),

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Page 46: teoria geral da norma jurídica.doc

trabalhista (Direito do Trabalho), civil (Direito Civil ), no ramo privado e as relações

jurídicas de natureza constitucional (Direito Constitucional), administrativa (Direito

Administrativo), penal, processual penal e civil (Direito Penal, Direito Processual Penal e

Direito Processual Civil) no ramo público, por exemplo .Em relação às pessoas , há

“normas gerais” que se aplicam a todas as pessoas indistintamente, como são, em

geral, as normas do Direito Civil ou Penal; há “normas especiais”, que se aplicam a

determinada categoria de pessoas, como menores, funcionários públicos, ferroviários,

professores, etc. e finalmente há “normas individuais”, como as contratuais,

testamentárias, as sentenças, despachos e outras de aplicação personalizada.

Examinaremos, neste estudo, alguns dos problemas principais relativos ao

âmbito temporal e espacial englobados pela expressão consagrada de vigência das leis

no tempo e no espaço, como nos referimos anteriormente, compreendendo também os

conflitos das leis no tempo e no espaço estudados respectivamente pelo chamado

Direito Intertemporal, retroativo ou transitório e pelo Direito Internacional Privado.

9.2 VIGÊNCIA DAS LEIS NO TEMPO

Por pertencerem ao mundo mutável da cultura, as leis nascem, modificam-se

e morrem.

No Brasil, temos uma lei geral de aplicação das normas jurídicas, no dizer de

Haroldo Valladão, representada pela Lei de Introdução ao Código Civil (denominação

inadequada), que disciplina o nascimento, vigência, modificação e revogação das leis,

nos seguintes termos:

a) Artigo 1º - “Salvo disposições contrárias, a lei começa a vigorar, em todo o

país, quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.” A publicação é feita

normalmente no Diário Oficial da União (leis federais), Diário Oficial do Estado (leis

estaduais) e no Diário Oficial do Município ou imprensa local (leis municipais).

Denomina-se “vacatio legis”, o tempo que vai da publicação da lei à sua entrada em

vigor.

b) § 1º do artigo 1º - “Nos Estados estrangeiros a obrigatoriedade da lei

brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente publicada”

c) § 3º do artigo 1º - “Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova

publicação de seu texto destinada à correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos

anteriores começará a correr da nova publicação”.

d) § 4º do artigo 1º - “As correções a texto de lei já em vigor consideram-se

“lei nova”, sujeita, naturalmente, aos prazos normais das demais leis.”

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Page 47: teoria geral da norma jurídica.doc

As leis, geralmente, “entram em vigor na data de sua publicação” constando

tal expressão de seu próprio texto; porém, poderá constar de seu texto, disposição

diferente (“salvo disposição em contrário”).

A extensão da vigência de uma lei está disciplinada, nos seguintes termos:

c) Artigo 2º - “Não se destinando a vigência temporária, a lei terá vigor até

que outra a modifique ou revogue”.

Face ao disposto no artigo 2º da LICC, depreendem-se as seguintes

situações:

a) vigência temporária: quando o legislador estabelece prazo para sua

vigência ou subordina as disposições das leis a um fato ou situação jurídica, como, por

exemplo, o estado de calamidade pública;

b) derrogação (vigência parcial): quando uma parte da lei é modificada por

outra lei, passando o novo texto a vigorar nos prazos indicados;

c) revogação: quando uma lei torna sem efeito outra lei, que é a situação

mais comum. A revogação pode ser “total”, chamada de “ab-rogação”, consistindo em

tornar sem efeito toda a lei ou parcial, denominada “derrogação” e consiste em tornar

sem efeito uma parte da lei (derrogação simples) ou substituí-la por outro texto

(modificação ou reforma).

Nossa legislação (LICC) admite os seguintes casos de revogação, expressos

no § 1º do artigo 2º: “A lei posterior revoga a anterior, quando expressamente o declare

(revogação expressa), quando seja com ela incompatível (revogação tácita ou implícita)

ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior” (também

revogação tácita ou implícita). Cumpre salientar o disposto no § 2º do artigo 2º (LICC),

que diz: “A lei nova, que estabelece disposições gerais ou especiais a par das já

existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”.

Com referência à possibilidade assentada de revogação da lei pelo costume,

apesar da disposição expressa na Lei de Introdução, alguns autores a admitem.

Argumentam que se um costume jurídico contrário a lei permanece como vida real do

Direito, sendo até reconhecido e aplicado pelos Tribunais, a lei se transforma em letra

morta e foi de fato revogada pelo costume ou pelo desuso.

As normas jurídicas se revogam por outras da mesma hierarquia ou de

hierarquia superior (princípio geral). Assim, uma nova Constituição revoga a

Constituição anterior e todas as leis, regulamentos, portarias, etc., que lhe sejam

contrários, e passam a ser “inconstitucionais”; da mesma forma, uma lei ordinária

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Page 48: teoria geral da norma jurídica.doc

revoga as leis anteriores e as normas de menor hierarquia, como os regulamentos,

portarias, resoluções, etc., passando tais normas para a categoria de “ilegais”.

9.3 O CONFLITO DAS LEIS NO TEMPO OU O PROBLEMA DA

RETROATIVIDADE.

O conflito das leis no tempo nasce quando, para a mesma situação jurídica,

existem duas normas incompatíveis: a revogada e a atual. Nesta colisão da lei nova

com a antiga, o jurista deve estudar até que ponto a lei antiga pode gerar efeitos e até

que ponto a lei nova não pode impedir esses efeitos da lei antiga. Esse estudo recebe

as mais diversas denominações, tais como: “conflitos de leis no tempo”, “retroatividade

ou irretroatividade”, “aplicação do Direito em relação ao tempo”, “superveniência da lei

no tempo”, “direito transitório”, prevalecendo a denominação “Direito Intertemporal”, que

no dizer de Carlos Maximiliano, é denominação clara e sintética, elegante e

compreensiva.

As disposições do Direito Intertemporal tanto podem ser estabelecidas

através de normas legislativas chamadas disposições transitórias, vigorando por tempo

determinado e solucionando conflitos ocorrentes, como através de princípios jurídicos,

que estabelecem as grandes linhas de Direito Intertemporal, representados basicamente

pelos princípios da retroatividade e não-retroatividade da lei. Pelo princípio da

retroatividade, a nova lei pode abarcar situações jurídicas que vêm do passado e pelo

princípio da não-retroatividade, a lei nova não pode abarcar as situações jurídicas

abrangidas pelas leis antigas.

Os juristas que defendem a tese da retroatividade apelam para a razão de

ordem social, afirmando que a lei nova deve representar a melhor maneira de regular

determinada situação, sendo, portanto, razoável sua aplicação a todos os casos

presentes, futuros e inclusive pretéritos.

Os defensores da “irretroatividade” das leis, em maior número, argumentam

que a segurança e a estabilidade jurídica decorrem da certeza que temos de que o

nosso direito de hoje não será violado, pela lei de amanhã, pois entendem que o Direito

não existe para trazer insegurança, mas sim para conservar a paz social.

Entendemos que a retroatividade ou a irretroatividade são inaceitáveis como

princípios absolutos, à luz do Direito moderno, pois há casos em que a lei deve retroagir

e casos em que não podemos admitir a retroação.

No Direito brasileiro, a Constituição promulgada em 05 de outubro de 1988,

em seu artigo 5º, inciso XXXVI, fixa os casos gerais em que a lei não pode ter efeito

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retroativo, ratificando o teor do artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, com nova

redação dada pela Lei 3.238/57, nos seguintes termos: “A lei não prejudicará o direito

adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

DIREITO ADQUIRIDO

Com base no § 2º do artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil

“consideram-se adquiridos assim, os direitos que o seu titular, ou alguém por ele,

possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo préfixo ou

condição pré-estabelecida, inalterável a arbítrio de outrem”.

O sábio autor do Código Civil de 1916, Clóvis Beviláqua, em seu Código Civil

Comentado assim se refere a esse assunto: “direito adquirido é um bem jurídico, criado

por um fato capaz de produzi-lo, segundo as prescrições da lei então vigente, que se

aplica ao caso; uma capacidade legal do agente; finalmente, é preciso que o direito em

questão tenha passado a fazer parte de um patrimônio”. Vimos, portanto, que a

definição corrente e esposada pela nossa legislação, não admite direito adquirido fora

do âmbito patrimonial, havendo, porém, vozes discordantes a esse respeito, como A.

Machado Paupério que admite a existência do direito adquirido fora do domínio

patrimonial. Porém, de modo genérico, o direito adquirido é o que se integrou em nosso

patrimônio, mesmo que não se tenha ainda consumado.

O direito adquirido não implica necessariamente em direito consumado.

É o caso, por exemplo, de um servidor público que adquiriu estabilidade no

serviço público por um preceito constitucional (vide artigo 19 e seus parágrafos do Ato

das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988), cuja

declaração de estabilidade ainda não foi apostilada em seu título de estabilidade.

Apesar de o direito ainda não se ter declarado, esse servidor público adquiriu um direito

patrimonial (segurança patrimonial), que deverá se reconhecido por qualquer lei

posterior.

Não podemos confundir, também, o direito adquirido com a faculdade de

direito ou expectativa de direito.

A faculdade de direito é um mero poder conferido a determinada pessoa,

para realizar esta ou aquela ação. Não é propriamente um direito, mas um modelo pelo

qual o direito se manifesta em dadas circunstâncias (Clóvis Bevilaqua). Enfim, a

faculdade consiste na possibilidade do próprio exercício ou não do direito subjetivo.

Assim, porque tenho o direito de propriedade, com relação a determinado imóvel, tenho

também a faculdade de usá-lo, alugá-lo, emprestá-lo ou vendê-lo.

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Page 50: teoria geral da norma jurídica.doc

A expectativa de direito é a possibilidade de alguém vir a ter um direito, não

conferindo, obviamente, direito propriamente. É muito mais uma probabilidade de direito

que uma possibilidade, diferenciando-se da faculdade, pois a expectativa é uma

faculdade jurídica abstrata, em virtude de que o direito em que se funda ainda não foi

deferido. Neste caso, a lei retroage devido à inexistência de direito adquirido. É o caso

dos inscritos em concurso sem ainda tê-lo prestado. Têm apenas expectativa de direito,

mas não o têm ainda, e não têm meios legais de que lançar mão, se não se realizar o

concurso, caso haja nesse meio tempo lei superveniente que lhes contrarie o futuro

direito, como por exemplo, uma lei efetivando os servidores interinos ou admitidos em

caráter temporário, inviabilizando a realização do concurso.

Procurando fugir às dificuldades criadas pela noção de direito adquirido,

alguns juristas preferiram substituí-la pela de “fato consumado” ou “fato perfeito” e pelo

princípio tempus regit factum, ou seja, os fatos se regem pela lei em vigor à espera de

sua ocorrência. De acordo com tal princípio, os efeitos produzidos por uma determinada

lei anterior, conservam-se com a capacidade de produzir novos efeitos, mesmo sob a

vigência de nova lei.

A teoria dos fatos consumados, parte, portanto, do princípio de que todo fato

jurídico praticado na vigência de uma lei será por ela regulado, mesmo no caso de vir a

produzir efeitos sob o império de outra lei. Isto, porém, só se dá em matéria de interesse

exclusivamente privado, caso contrário, não seriam possíveis leis como as da abolição

da escravatura, que extinguiram abruptamente quaisquer efeitos do regime legal

anterior. Não se pode, entretanto, admitir a proibição genérica da retroatividade, sob

pena de inviabilizar a segurança na vida da sociedade.

ATO JURÍDICO PERFEITO

Baseando-se na teoria dos fatos consumados, surgiu o segundo limite à

retroatividade das leis: o ato jurídico perfeito, ou seja, o consumado segundo a lei

vigente ao tempo em que foi celebrado, cujo conceito legal encontramos no § 2º do

artigo 3º da Lei de Introdução ao Código Civil, nos seguintes termos: “Reputa-se ato

jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se

efetuou”.

Paul Roubier entende que as três etapas do tempo (presente, passado e

futuro) condicionam três possibilidades de aplicação da lei. Se a lei se aplica ao

presente diz-se que tem efeito imediato; se aplica ao passado, tem efeito retroativo e

se aplica ao futuro, tem efeito deferido. Para ele, não deve retroagir a lei que afeta o

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fato consumado sob a vigência da lei anterior (efeito retroativo), porém, os atos jurídicos

celebrados durante a vigência da lei nova, são por ela regulados (efeito imediato), o

mesmo acontecendo com atos jurídicos que ocorrerão na vigência da lei nova (efeito

deferido).

O princípio da aplicação imediata da lei, como vimos, alcança atos jurídicos

que ainda não se completaram e se aplica ao Direito Processual, cuja lei nova rege os

processos em curso, iniciados sob o império da lei revogada.

COISA JULGADA

Finalmente, o Direito brasileiro impede a aplicação retroativa da lei à coisa

julgada, conforme preceitua o artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal e o artigo

6º da Lei de Introdução ao Código Civil, que define, nos seguintes termos:

“Chama-se coisa julgada, ou caso julgado, a decisão judicial de que já

não caiba recurso” (artigo 6º, § 3º), ou seja, a sentença do juiz de que não cabe mais

recurso, que não pode ser mais modificada, cuja questão decidida por ela não pode ser

renovada em juízo, que nenhuma lei nova pode modificar. (Vide Ação Rescisória – Art.

485 do C. P. C.)

A rigor, como leciona Franco Montoro, o “ato jurídico perfeito” e a “coisa

julgada” são dois casos especiais de “direito adquirido” e são por isso, geralmente

estudados pela doutrina sob essa última denominação.

Em síntese, a regra é a retroatividade das leis, com os limites impostos pelo

princípio da irretroatividade nos casos de direito adquirido, ato jurídico perfeito ou coisa

julgada, acolhidos pelo ordenamento jurídico brasileiro através de preceito

constitucional.

No Direito Penal a regra é a irretroatividade e as normas novas só

retroagem quando forem mais benéficas - princípio da retroatividade benéfica (vide

C.F.: artigo 5º, inciso XL).

Vigoram, portanto, no Direito Penal, dois princípios especiais:

a) como regra, a lei penal não tem efeito retroativo, aplicando-se aos casos

futuros, conforme dispõe o artigo 1º do Código Penal: “Não há crime sem lei anterior

que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal (princípio da reserva legal –

C.F., artigo 5º, inciso XXXIX);

b) como exceção, a lei nova aplica-se retroativamente se for mais favorável

ao infrator, conforme o disposto no artigo 2º do Código Penal: “Ninguém pode ser

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punido por fato que a lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela

a execução e os efeitos penais da sentença condenatória”.

“Parágrafo único – A lei posterior que, de outro modo favorece o agente,

aplica-se ao fato não definitivamente julgado e, na parte em que comina pena menos

rigorosa ainda ao fato julgado por sentença condenatória irrecorrível” .

9.4 VIGÊNCIA DAS LEIS NO ESPAÇO

Em princípio, toda lei tem seu espaço territorial de aplicação que engloba as

terras ou o território propriamente dito, as águas e a atmosfera “territoriais”, porém, os

Estados Modernos, admitem a aplicação, em certas circunstâncias, de leis estrangeiras,

em seu território, facilitando as relações internacionais.

O Direito Internacional Privado se dedica a estudar a aplicação de leis

estrangeiras e as normas a serem aplicadas em tais casos, são fixadas pela lei nacional

ou por tratados internacionais.

Da aplicação extraterritorial do Direito, surgem dois sistemas possíveis:

a) sistema da territorialidade, pelo qual deve-se aplicar a todas as pessoas

e coisas, situadas no território de um país, o direito desse país (lex non valet extra

territorium), que prevaleceu no regime feudal;

b) sistema da extraterritorialidade, pelo qual se aplica a lei da origem das

pessoas (lei pessoal) e imperou entre os bárbaros que invadiram o Império Romano, os

quais eram nômades (princípio da personalidade das leis).

A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XXXI, acolhe o princípio da

personalidade das leis nos seguintes termos: “a sucessão de bens de estrangeiros

situados no País será regulada pela lei brasileira do cônjuge ou dos filhos brasileiros,

sempre que não lhes seja mais favorável à lei pessoal do ‘de cujus’”.

Entendemos que nenhum desses sistemas deve funcionar de forma absoluta,

pois o sistema da territorialidade criaria um isolamento completo de um Estado em

relação aos outros e os sistema da extraterritorialidade poderia comprometer a própria

soberania nacional e a ordem interna pela aplicação diuturna do direito estrangeiro.

Atualmente o Direito Internacional Privado se inclina pela doutrina da

territorialidade moderada.

O Direito brasileiro acolhe o princípio da territorialidade nos seguintes

termos:

- “para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-

se-á a lei do país em que estiverem situados” (artigo 8º da LICC);

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- “para qualificar e reger as obrigações aplicar-se-á a lei do país em que se

constituírem” (artigo 9º da LICC).

O ordenamento jurídico do Brasil acolhe o princípio da lei pessoal ou da

extraterritorialidade nos seguintes termos:

Art. 7º da LICC - “A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as

regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de

família”

Art. 10. da LICC – “A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do

país em que era domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza

e a situação dos bens”.

Com referência à autoridade competente para conhecer e julgar as ações

no caso de possíveis conflitos de jurisdição, nossas normas dispõem que “é competente

a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de

ser cumprida a obrigação” (art. 12 da LICC).

Com relação à extradição, assim dispõem as normas constitucionais

brasileiras:

Art. 5º, inciso II da CF/88 - “Nenhum brasileiro será extraditado, salvo o

naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de

comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da

lei”.

Art. 5º, inciso LII da CF/88 - “Não será concedida a extradição de estrangeiro

por crime político ou de opinião”.

Finalmente, com respeito à perda da eficácia de leis, atos, sentenças e

declarações estrangeiras, o art. 17 da LICC assim preceitua: “As leis, atos e sentenças

de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no

Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”.

LEITURA COMPLEMENTAR

LEI (SILVA, De Plácido e Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro:

Forense,1998,481p)

Derivado do latim lex, de legere (escrever), em sentido amplo, é tomado o vocábulo com conceito diverso do que lhe é atribuído por sua etimologia: o que está escrito.

Assim, geralmente, quer exprimir a ordem física, guardada pelos corpos naturais em suas ações ou em seus efeitos. É, na linguagem de Montesquieu, “a relação necessária que deriva da natureza das coisas”. Ou, como compreende Comte, “as relações

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constantes de sucessão e semelhança entre os fenômenos, em virtude das quais nos é permitido prever certos fenômenos”. É a constância na variedade.

Desse modo, revelando-se condições necessárias regedoras dos fenômenos ou das relações constantes entre os mesmos fenômenos, essas leis, que se dizem naturais, não impõem normas de conduta, nem estabelecem preceitos ao que vai acontecer, declarando apenas o que acontece, sem qualquer intervenção da vontade humana.

Cada grupo ou série de fenômenos, constituindo uma ciência, traz consigo suas próprias leis. E elas se dizem, segundo denominação da matéria a que pertencem, leis físicas, leis biológicas, leis astronômicas, leis sociais, leis econômicas.

Lei. No conceito jurídico, dentro de seu sentido originário, é a regra jurídica escrita, instituída pelo legislador, no cumprimento de um mandato, que lhe é outorgado pelo povo

Considerando-a neste aspecto, é que Gaius a definiu: Lex est quod populus jubet et constituit (aquilo que o povo ordena e constitui).

Está aí revelada a natureza do jus scriptum que é a própria lei.Não é outro o sentido que nos dá Justiniano, nas Institutas de seu Corpus Júris

Civilis: quod populus Romanus, senatore magistratu interrogante, veluti consule, constituebat.

A lei, pois, é o preceito escrito, formulado solenemente pela autoridade constituída, em função de um poder, que lhe é delegado pela soberania popular, que nela reside a suprema força do Estado.

E, neste sentido, diz-se o commune praeceptum ou norma geral obrigatória, instituída e imposta coercitivamente à obediência geral.

Corresponde a esse sentido a perfeita definição do insigne Clóvis Beviláqua: “ A ordem geral obrigatória que, emanando de uma autoridade competente reconhecida, é imposta coativamente à obediência de todos”.

É a lei que institui a ordem jurídica, em que se funda a regulamentação, evolutivamente estabelecida, para manter o equilíbrio entre as relações do homem na sociedade, no tocante a seus direitos e a seus deveres.

Nela (ordem jurídica) assenta o conjunto de regras obrigatórias, formuladas para proteção de todos os interesses e para norma de conduta de todas as ações.

E porque sejam estabelecidas pelo próprio homem, impondo-se ao respeito e obrigatoriedade de todos, bem se diferenciam das leis naturais.

As leis jurídicas caracterizam-se, essencialmente, pela sua generalidade (universalidade) e obrigatoriedade.

Seu caráter de generalidade, em virtude do que, em princípio, as leis não se estabelecem ou se prescrevam para cada pessoa, mas para todos em geral, já era assente entre os romanos, conforme alude Ulpiano: “Jura non in singulas personas, sed generaliter constituuntur”.

A obrigatoriedade da lei decorre da própria ordem jurídica preexistente, e se firma na sanção ou coercibilidade, imposta para fazer valer a regra que nela se institui, sob promessa de recompensa, para quem a observa, ou de castigo, para quem a transgride.

A sanção, pois, é o meio coercitivo posto em ação para que a lei se cumpra, sanção esta que possui seu próprio sentido.

A respeito da sanção legal, a lei jurídica distingue-se de todas as demais.A sanção, que a torna obrigatória, mostra-se efetiva pela coação material, mesmo

com o emprego da força (manu militari), em virtude da qual o poder público faz cumprir o preceito legal.

E é sanção que se distingue da que se observa na transgressão ou não cumprimento de outras leis.

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Assim, a sanção na lei moral resulta no remorso ou na inquietude da consciência. Na lei religiosa, no temor às penas ou castigo eterno. Na lei social, no desprezo ou perda da estima de seus semelhantes. Na lei natural, nas conseqüências que o fato possa trazer ao transgressor.

A inflexibilidade da lei, em relação à sua obrigatoriedade e generalidade, é revelada no aforismo: “Dura lex, sed lex” (a lei é dura, mas é lei).

Quer isto significar que a lei deve ser obedecida, não importa a regra que venha instituir ou o princípio que venha estabelecer.

Mas semelhante assertiva não quer exprimir que qualquer disposição possa ser imposta pela lei. Esta há que obedecer aos princípios da própria ordem jurídica, não impondo regras nem normas irregulares e absurdas, que fujam aos fundamentos do próprio Direito, firmados em seus preceitos: Honeste vivere, neminem laedere, suum cuique tribuere.

Nesta razão acentuava Ulpiano: “in rebus novis constituendis evidens esse utlitas debet, ut recedatur ab eo jure, quod diu aequum visum est”, isto é , não deve o legislador, na constituição do direito novo, afastar-se do direito antigo, que se mostre provindo da equidade.

A lei, em princípio, é constituída por dois elementos fundamentais: conceito e forma.Seu conceito promana do espírito, que nela se fixa.É o mens legis dos romanos. É o seu pensamento, seu intuito.A forma é o lectum, o escrito: as palavras em que se formula ou se exprime seu

conceito.São, neste aspecto, oportunas as palavras de Sêneca: “ Legem brevem esse

oportet, quo facilius ab imperitis teneatur” (Para que os não doutos a compreendam e melhor se recordem da lei, deve essa ser breve e clara).

Quer isso significar que a lei deve ser clara e concisa em seu enunciado, isto é, em sua forma, para que, melhor compreendida, seja melhor acatada e melhor ainda aplicada.

Lei. A noção de lei, como regra jurídica obrigatória, deve ser tomada em seus sentidos formal e material.

Na acepção material, indica-se a regra abstrata e permanente, tendo por conteúdo uma norma de Direito objetivo.

No sentido formal, é todo ato ou disposição emanada do órgão político, a que se atribui o poder de legislar, que não venha criar uma norma agendi, mas sim contenha uma deliberação ou uma decisão particular.

Assim, somente em relação à forma, dá-se-lhe o nome de lei, embora se trate, por

vezes, de uma decisão particular, sem o caráter de generalidade e de obrigatoriedade,

que é da natureza intrínseca da lei.

Lei. Em sentido mais amplo, ainda, é o vocábulo empregado para significar toda proposição, tendo um caráter obrigatório, mesmo em relação às convenções ou contratos particulares.

Mesmo entre os romanos, já era tido neste conceito. E, desse modo, entre eles encontramos lex, significando pactos ou contratos, ou mesmo indicando a determinação ou regra fundamental de um contrato.

Nesta acepção, pois, lex é a condição imposta nos contratos, ou seja, a condição em virtude da qual os contratos se executam e se realizam.

Assim é que dizemos ser o contrato, nas sociedades, a sua lei privada (lex privata), que prevalecerá, desde que não atente contra as leis materiais instituídas.

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GUIA DE ESTUDO

TEMA: O DIREITO COMO NORMA

SUBTEMA: CONCEITO DE LEI E DE NORMA JURÍDICA

1. Descreva a origem do vocábulo “lei” segundo estudos etimológicos.

2. Qual o sentido da palavra “lei” que se depreende pela análise de suas origens

etimológicas?

3. Utilizando-se do critério da generalidade decrescente, observamos três acepções da

palavra “lei”. Descreva-as.

4. Como os autores abaixo relacionados distinguem as leis naturais das leis humanas?

4.1 Kelsen; 4.2 Duguit; 4.3 Geny; 4.4 Goffredo Telles Júnior.

5. Numa outra abordagem, distinta da questão anterior, como podemos classificar as

leis?

6. Quais conclusões que podemos extrair da análise filosófica do conjunto de todas as

leis do universo?

7. Faça um paralelo entre as leis humanas e as leis da natureza, qualificando-as.

8. Descreva a definição de Santo Tomás de Aquino sobre lei humana e faça uma

análise de seus elementos constitutivos.

9. Conceitue norma jurídica e explique o emprego de seus três sentidos diferentes.

10. Faça a distinção entre normas jurídicas e as demais regras sociais.

SUBTEMA: FONTES DE NORMAS JURÍDICAS

11. De que fontes provêm o Direito Positivo de uma nação?

12. O que se entende por fonte do Direito e quais as suas modalidades?

13. Qual a posição de Miguel Reale referente à expressão “fonte do direito?”

SUBTEMA: FONTES FORMAIS DO DIREITO

LEGISLAÇÃO

14. Explique porque a lei é a mais importante fonte formal da ordem jurídica brasileira.

15. No campo do Direito, a lei pode ser entendida em três acepções diferentes.

Explique-as.

16. Defina lei no sentido próprio e estrito.

17. O que se entende por limitação negativa quando se utiliza regras de outras fontes

que não a legislação?

COSTUME JURÍDICO

18. Conceitue costume jurídico.

19. O que diferencia o costume jurídico de outras práticas ou usos coletivos.

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20. É correto afirmar que o costume jurídico é direito não escrito? Justifique.

21. Como surge o Direito Costumeiro?

22. Como classificar os sistemas jurídicos com base em suas fontes relevantes?

23. Quais as vantagens e desvantagens do costume jurídico em relação à lei?

24. Descreva os critérios diferenciadores entre o Direito Legislado e o Direito

Costumeiro, levando-se em conta:

a) a origem

b) a forma de elaboração

c) o sentido formal

d) os efeitos práticos

25. Quais são as espécies de costume em relação à lei ? Descreva-as.

26. O costume contra-legem é aceito pacificamente? Justifique.

JURISPRUDÊNCIA

27. O que se entende por jurisprudência e como ela se forma?

28. Faça um paralelo entre jurisprudência e costume jurídico e jurisprudência e lei.

29. Descreva a importância da jurisprudência.

DOUTRINA

30. Conceitue doutrina.

31. Qual a posição de Miguel Reale referente à doutrina como fonte do Direito?

Justifique.

32. E a posição dos demais estudiosos do assunto no Direito atual e no Direito

Romano?

33. Qual a importância da doutrina na formação do Direito?

PODER NEGOCIAL

34. O que é poder negocial?

35. Quais as características que dão validade ao poder negocial? O que fazer quando

descumprido?

36. O que são contratos potestativos?

PODER NORMATIVO DOS GRUPOS SOCIAIS

37. Por que os grupos sociais são fontes de normas?

SUBTEMA: FONTES MATERIAIS DO DIREITO

38. O que se entende por fontes materiais do Direito?

39. Descreva os fatores sociais que influenciam o ordenamento jurídico.

40. Justifique porque a Justiça é considerada fonte material de Direito.

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SUBTEMA: ESPÉCIES DE NORMAS JURÍDICAS

41. O que se entende por “estrutura piramidal do ordenamento jurídico?”

42. Estruture hierarquicamente as normas jurídicas do ordenamento jurídico brasileiro.

43. O que são normas constitucionais, complementares, leis ordinárias, leis delegadas,

decretos legislativos, resoluções legislativas, medidas provisórias, tratados

internacionais, normas ou decretos regulamentares, normas de hierarquia inferior e

normas individuais?

44. Como são classificadas as normas jurídicas quanto à obrigatoriedade ou

imperatividade?

45. O que são normas imperativas e quais suas modalidades?

46. O que são normas dispositivas e quais suas modalidades?

47. Como são classificadas as normas jurídicas quanto à sanção ou violação?

48. O que são normas jurídicas “mais que perfeitas?” (leges plus quam perfectae)?

49. O que são normas jurídicas “perfeitas?” (leges perfectae)?

50. O que são normas jurídicas “menos que perfeitas?” (leges minus quam perfectae)?

51. O que são normas jurídicas “imperfeitas?” (leges imperfectae)?

52. Como são classificadas as normas jurídicas quanto ao conteúdo de comando?

53. O que são normas jurídicas preceptivas, proibitivas, permissivas e interpretativas?

54. Como são classificadas as normas jurídicas quanto à natureza de suas disposições?

55. O que são normas substantivas e adjetivas ou processuais?

56. Como são classificadas as normas jurídicas quanto à sua aplicação?

57. O que são normas jurídicas auto-aplicáveis e dependentes de regulamentação ou

complementação?

58. Como são classificadas as normas jurídicas quanto à sua sistematização?

59. O que são normas jurídicas codificadas, consolidadas e esparsas ou extravagantes?

60. Como são classificadas as normas jurídicas quanto à esfera do Poder Público ou

território ou espaço?

SUBTEMA: ESTRUTURA E VALIDADE DA NORMA JURÍDICA

61. Quais são os elementos constitutivos do produto cultural de natureza espiritual e do

Direito?

62. O que se entende por sistemas normativos de imperativo categórico e de imperativo

hipotético? Exemplifique.

63. Explique porque a estrutura da norma jurídica é binária.

64. Explique porque a norma jurídica tem por natureza um juízo hipotético de valor.

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65. Como Franco Montoro descreve a estrutura lógica da norma jurídica?

66. O que significa conversão lógica?

67. Um artigo de lei corresponde sempre a uma única norma jurídica? Justifique.

68. O que significa juízo hipotético de valor? Qual sua relação com a teoria

tridimensional do Direito de Miguel Reale?

69. Quando podemos considerar uma norma jurídica como válida? Justifique e explique

todos os atributos de validade.

70. O aspecto moral, ético ou axiológico de uma lei pode estar aparentemente velado?

Exemplifique.

71. O que dizem os estudos de Miguel Reale sobre a natureza lógica da aplicação do

Direito?

72. Justifique essa afirmativa: Todas as normas jurídicas têm seu campo de aplicação

limitado ao tempo ou espaço, à matéria e às pessoas.

73. Como a Lei de Introdução ao Código Civil disciplina o nascimento, a vigência, a

modificação e a revogação das leis?

74. A lei pode ser revogada pelo costume jurídico? Justifique.

75. Quando ocorre um conflito das leis no tempo? Que nome recebe esse estudo?

76. Fale sobre as disposições do Direito Intertemporal de forma genérica?

77. Fale sobre o princípio da retroatividade e suas razões.

78. Fale sobre o princípio da irretroatividade e suas razões.

79. Justifique porque a retroatividade ou irretroatividade das leis são inaceitáveis como

princípios absolutos.

80. Descreva os casos gerais em que a lei não pode ter efeito retroativo no Brasil.

81. O que é direito adquirido?

82. Direito adquirido implica em direito consumado? Justifique.

83. Como diferenciar o direito adquirido com a faculdade de direito ou expectativa de

direito?

84. O que se entende por teoria dos fatos consumados?

85. O que se entende por ato jurídico perfeito? Qual a sua fundamentação legal?

86. O que afirma Paul Roubier sobre as três etapas do tempo conjugadas com as três

possibilidades de aplicação da lei?

SUBTEMA: CONTROLE JURÍDICO: SANÇÃO E COAÇÃO

87. Fale sobre a sanção, explicando o seu conceito, como efetivá-la, sua função e seus

tipos.

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88. A norma jurídica difere das demais normas por duas razões básicas. Descreva-as.

89. Fale sobre a coação, explicando seu conceito e suas acepções.

SUBTEMA: INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS

90. O que é interpretar uma norma jurídica?

91. Critique essa afirmação: “In claris cessat interpretatio”.

92. O que é Hermenêutica?

93. O que se entende por interpretação autêntica e não-autêntica, segundo Kelsen?

94. Descreva as formas de interpretação quanto à origem.

95. Descreva as formas de interpretação quanto às técnicas utilizadas.

96. Descreva as formas de interpretação quanto a seus efeitos ou resultados.

SUBTEMA: LACUNAS DO DIREITO: ANALOGTIA E PRINCÍPIOS GERAIS

97. Por que o Direito é lacunoso?

98. Descreva os elementos integradores do Direito.

99. O que se entende por analogia? Quais suas espécies?

100. Diferencie analogia, de interpretação extensiva.

101. Cite alguns exemplos de analogia.

102. O que se entende por princípios gerais de direito? Qual a sua natureza?

103. Como aplicar os princípios gerais do direito, segundo Limongi França?

104. Cite alguns exemplos de princípios gerais de direito.

105. Cite alguns exemplos de brocardos jurídicos mais utilizados.

106. O que se entende por coisa julgada? Qual a sua fundamentação legal?

107. Como funciona a retroatividade e a irretroatividade no Direito Penal? Qual a

fundamentação legal?

108. Toda lei tem seu espaço territorial de aplicação? Justifique.

109. Os sistemas de territorialidade e da extraterritorialidade podem funcionar de forma

absoluta? Explique-os e justifique.

110. O Direito brasileiro acolhe o princípio da territorialidade e da extraterritorialidade em

quais termos?

111. Com referência à autoridade competente, à extradição e à perda da eficácia das

leis, atos, sentenças e declarações estrangeiras, o que dispõem as normas brasileiras?

SUBTEMA: LEI – LEITURA COMPLEMENTAR EXTRAÍDA DO VOCABULÁRIO

JURÍDICO DE PLÁCIDO E SILVA

112. Formule um Guia de Estudo sobre o texto “LEI”.

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