Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em ComunicaçãoXXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019
TECNOLOGIAS EMERGENTES: ‘questões problemáticas’do VAR tuitadas durante a Copa 20181
EMERGENT TECHNOLOGIES: issue mapping VAR onTwitter during the FIFA World Cup 2018
Carlos d’Andréa 2
Leonardo Melgaço 3
Resumo: O objetivo é investigar como o“árbitro de vídeo” na Copa do Mundo FIFA 2018 foiapropriado e tensionado por torcedores lusófonos no Twitter. Especificamente,mapeamos a emergência de ‘questões problemáticas’ sobre tecnologia, futebol,mídia, política etc nos tuítes que tematizam essa inovação. Para tanto, assumimosuma abordagem norteada por aproximações entre comunicação e mídia e osEstudos Sociais em Ciência e Tecnologia. Iniciamos discutindo como o artefatoVAR – planejado como um '‘ajuste tecnológico’' – se integra ao dispositivomidiático que se articula ao megaevento. Com base no ‘mapeamento de questõesproblemáticas’ (MARRES, 2015), discute-se em termos teórico-metodológicoscomo a temática ‘VAR na Copa 2018’ se constitui a partir das lógicassociotécnicas da plataforma Twitter. Na análise quanti-quali baseada nas redes decoocorrências de termos dos tuítes de dois dias foram identificadas cinco questõesque revelam a diversidade de percepções sobre o VAR.
Palavras-Chave: Árbitro Assistente de Vídeo. Twitter. Dispositivo Midiático.
Abstract: This study aims to map how the "video assistant referee" (VAR) technology was'issuefied' on Twitter by Portuguese-speakers during the FIFA World Cup 2018. Inthe fist section, the artefact VAR is presented as a 'technological fix' that, in aemergent process, is articulated with the sports event and its media dispositif . Theempirical analysis is inspired by the 'issue mapping' perspective (Marres, 2015)and considers the entanglement between the topic ‘VAR during the WC2018’ andthe sociotechnical especificities of the platform Twitter. The methodology adoptedwas based on a co-work analysis of the tweets posted in two specific days. Based onthe five issues identified, the study discuss how the VAR is associated by Twitterusers not only with technology or football, but also with politics, media andeveryday life.
Keywords: Video Assistant Referee. Twitter. Issue Mapping
1. Introdução“O rei da Copa do Mundo na primeira fase” (jornal Metro), “árbitro de vídeo melhora
a Copa” (Estadão), ‘um dos grandes protagonistas do Mundial’ (HuffpostBrasil). Estas foram
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “Comunicação e Cibercultura” do XXVIII Encontro Anual daCompós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019
2 Professor do PPGCOM/UFMG. Pós-doutor pelo Departamento de Media Studies da Universidade deAmsterdã (Holanda) (bolsa CAPES), [email protected]
3 Mestrando pelo PPGCOM/UFMG (bolsista CAPES), [email protected]
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algumas das expressões utilizadas para caracterizar, durante e depois da Copa do Mundo
FIFA 2018, a participação do ‘Árbitro Assistente de Vídeo’ nas partidas do torneio. A FIFA,
por sua vez, avaliou a implementação do VAR como um “sucesso retumbante”4. Se lidas de
forma avulsa, essas perspectivas não dão conta do misto de desconfiança e fascinação
desencadeado pela introdução da nova tecnologia em um esporte cuja dinâmica é
tradicionalmente marcada pela incerteza tecnopolítica das decisões tomadas pelos árbitros.
Na prática, a adoção do ‘VAR’ – a sigla em inglês para “Vídeo Assistant Referee”
que foi rapidamente adotada por todos – significou a possibilidade do juiz principal recorrer,
ao longo de uma partida, a um conjunto de imagens selecionadas por um grupo de árbitros
auxiliares localizados em uma sala externa ao estádio. Assim, ao contrário das tecnologias
que processam imagens para, por exemplo, decidir ‘automaticamente’ se uma bola
ultrapassou ou não uma linha (COLLINS, EVANS, HIGGINS, 2016), o uso das imagens em
movimento do VAR não tem como intenção deslocar a ‘função hermenêutica’ (WISNIK,
2008) do juiz. Pelo contrário: nota-se uma complexificação da heterogênea rede de actantes
(câmeras, infra-estrutura, fones de ouvido, árbitros auxiliares, tablet na lateral do gramado
etc) envolvidos no processo decisório em torno de lances incertos de uma partida, o que,
potencialmente, amplia as apropriações do VAR enquanto ‘questão problemática’ pelos
públicos que emergem nas transmissões audiovisuais e seus desdobramentos intermidiáticos.
Neste trabalho, nos voltamos mais especificamente para os modos com que o ‘árbitro
de vídeo’ foi abordado na plataforma de mídia social que, nos últimos anos, vem
consolidando uma forte relação – inclusive institucional – com eventos esportivos
midiatizados: o Twitter. Assim, o problema de pesquisa assumido por este artigo é: como o
artefato “arbítro de vídeo” na Copa 2018 foi apropriado e tensionado por torcedores
lusófonos a partir das lógicas sociotécnicas da plataforma Twitter? Mais especificamente,
como ‘questões problemáticas’ sobre tecnologia, futebol, mídia, política etc emergem nos
tuítes sobre a inovação VAR?
Para tanto, assumimos uma abordagem norteada pelas recentes aproximações entre os
estudos de comunicação e mídia e a transdisciplinaridade dos Estudos Sociais em Ciência e
Tecnologia (em inglês, Science and Technology Studies, ou STS). Na primeira parte do
artigo, este movimento teórico-metodológico se dá no esforço em caracterizar o árbitro de
vídeo não apenas como um artefato tecnológico marcado por sua contingência e emergência,
4 https://www.fifa.com/worldcup/news/refereeing-and-var-at-the-2018-fifa-world-cup-a-new-era-for-football.
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mas também por tomá-lo como parte de um dispositivo midiático. Trata-se uma força
reguladora que orienta a ação comunicativa, uma rede produtiva que induz a agir através de
um conjunto de materialidades e práticas. Associado à regulação, o artefato é também um
‘ajuste tecnológico’ (ROSNER, 2004) projetado para enfrentar problemas anteriores.
Destacamos ainda o ‘programa de ação’ proposto pela FIFA para a Copa de 2018 e
discutimos como o uso e mesmo a percepção pública de uma tecnologia até então
desconhecida – principalmente pela heterogênea audiência de uma Copa do Mundo – foi
roteirizada visando “máximo benefício, mínima interferência’ – slogan adotado pela FIFA.
Na segunda parte do artigo, assumimos a premissa de que a emergência do VAR
enquanto ‘questão problemática’ se dá não apenas no Twitter, mas também em articulação
com especificidades tecnopolíticas que constituem esta plataforma de mídia social. Essa
indissociabilidade entre as temáticas e as materialidades em que se efetivam públicos é um
dos princípios teórico-metodológicos do ‘mapeamento de questões problemáticas’ – ou
inglês, Issue Mapping (MARRES e GERLITZ, 2015, entre outros). Com base neste
perspectiva, adotamos uma postura reflexiva para lidar com escolhas e procedimentos
metodológicos pensados a partir de um dataset inicial de 285.772 tuítes publicados por
usuários que configuraram ‘português’ como sua língua-padrão5. Por exemplo, optou-se por
concentrar a análise nos tuítes publicados em dois dias (16 e 25 de junho de 2018) que se
caracterizam não apenas pelo volume de postagens, mas principalmente pela predominância
de tuítes únicos. Assim, ao tensionar – mas não descartar – uma métrica padrão da plataforma
(o RT), procuramos enfatizar mais a dinâmica do tema do que da tecnologia, como
recomenda Marres (2015).
A análise empírica deste estudo é norteada por três movimentos complementares.
Primeiro, realizamos um processamento dos termos dos tuítes visando analisar sua co-
ocorrência de termos. As co-relações identificadas foram visualizadas em um grafo e, já no
segundo movimento, aplicou-se um parâmetro estatístico de clusterização para subdivisão da
rede por proximidade. Os clusters de palavras mais interligadas entre si foram um dos
parâmetros para a identificação – manual e qualitativa – das questões problemáticas e suas
5 A coleta via Streaming API foi realizado através software DMI-TCAT (BORRA, RIEDER, 2014) econsiderou 1) a co-ocorrência de termos em várias línguas, incluindo “juíz” e “vídeo” ou “assistente” e “vídeo”ou 2) a expressão “arbitro de vídeo'. Para o recorte de torcedores lusófonos, optou-se pela identificação depostagens pela “interface language”, que é o metadado que explicita a língua escolhida como padrão por cadausuário. Deve-se apontar, no entanto, que uma parte dos usuários define uma linguagem mais "global" comopadrão (especialmente inglês).
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nuances nos dois dias analisados (terceiro movimento analítico).
As cinco questões emergentes mapeadas variam de temáticas ligadas a usos
circunstanciais ao VAR nas partidas a percepções fictícias que ultrapassam o futebol. As
visualizações de co-ocorrências de termos e exemplos de tuítes nos permite discutir, ao final,
não só como a complexidade do artefato tecnológico em questão é tematizada no Twitter,
mas de maneira ampla, sinalizar imbricações entre futebol, mídia, cotidiano e política.
2. VAR: do artefato tecnológico ao dispositivo midiáticoTomada apenas três meses antes do início do torneio, pode-se dizer que a decisão do
Conselho da FIFA em adotar o Árbitro Assistente de Vídeo durante a Copa 2018 causou
grande surpresa. Até então, o recurso havia sido apenas testado em alguns campeonatos
nacionais europeus e, em 2017, foi adotado na Copa das Confederações. O anúncio da FIFA
acentuou as discussões em curso sobre as implicações da adoção da adoção para o futebol.
Uma pesquisa realizada no Reino Unido e publicada dias antes do início do megaevento
apontou que 52% dos torcedores acreditavam que as mudanças “aperfeiçoariam a Copa do
Mundo”, enquanto 26% opinaram que o VAR estaria “acabando com o espírito do futebol”.6
Em comum, estes posicionamentos divergentes parecem dialogar com a ampla noção
de ‘ajuste tecnológico’ (em inglês, “technological fix”) (ROSNER, 2004). De forma ampla,
“ajuste tecnológico” pode ser entendido como a adoção de soluções parciais ou completas
elaboradas para enfrentar problemas socioeconômicos oriundos da implementação de
tecnologias anteriores. Devemos considerar que, em comum, o estudo de “ajustes
tecnológicos” aborda toda a rede acionada pela tecnologia, ou seja, “se volta para pessoas que
projetam as soluções e para aqueles que são beneficiários ou vítimas do projeto” (ROSNER,
2004, p.8).
Especificamente no caso das discussões que antecedem a estréia do VAR em uma Copa
do Mundo, identifica-se de um lado visões que se alinham à proposta da tecnologia que
poderia consertar ‘erros humanos’ e ‘fazer justiça’. Por outro lado, nota-se uma resistência
que reconhece no VAR mais uma ação de “modernização do futebol” (LOPES;
HOLLANDA, 2018). Assim se integra a um processo político de elitização desse esporte e
que levaria à perda de sua dimensão subjetiva em prol de uma suposta eficácia. Esta
perspectiva pode ser sintetizada na afirmação de Liddle (2018): “Pare de tentar tornar o
6https://www.standard.co.uk/sport/football/worldcup/world-cup-2018-over-half-of-fans-think-var-will- improve-the-tournament-in-russia-this-summer-a3855966.html
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futebol perfeito”.
De forma bem mais ampla, essas diferentes percepções sobre o “ajuste tecnológico”
atribuído ao VAR ilustram bem o caráter contingente das inovações tecnológicas (BIJKER e
LAW, 1992). Tratam-se de artefatos que têm como fundamento a incerteza, que podem ou
não funcionar como previsto e que, a partir das suas materialidades e das práticas a elas
associadas, carregam e desencadeiam negociações e disputas. Esta visada se ancora em
algumas das discussões fundadoras do campo dos Estudos Sociais de Ciência e Tecnologia
(STS), que, em diferentes abordagens, vêm há décadas se debruçando sobre inúmeras
situações para revelar como objetos técnicos e o social se articulam. Além do aspecto
contingencial que caracteriza as mudanças tecnológicas, Bijker e Law (1992) apontam que
estas são concebidas a partir do “conflito, diferença ou resistência”, mesmo que essas
incertezas não estejam explícitas. Além disso, ainda que os artefatos tecnológicos sejam parte
das “estratégias dos protagonistas” (p.9), eles se efetivam como fenômenos emergentes que
podem inclusive deslocar essas estratégias.
Neste sentido, Akrich (1992) ressalta as tensões existentes entre os responsáveis por
uma inovação e seus usuários, que compreendidos de maneira mais ampla como aqueles que
afetam e são afetados pelas tecnologias. Se os ‘inovadores’ tentam estabilizar suas crenças e
intenções ao predeterminar configurações e estabelecer “pré-scripts (avisos, contratos,
conselhos etc.)”, é nos diferentes usos e apropriações de uma tecnologia que ela se efetiva, ou
se atualiza. Assim, as inovações tecnológicas oscilam entre aquilo que o designer projetou e
como os usuários se apropriam dela, ou seja, “entre o mundo inscrito no objeto e mundo
descrito por seu deslocamento” (AKRICH, 1992, p. 209).
Partindo da discussão de Akrich (1992), Latour (1992) aponta que o esforço para que
humanos sigam os comportamentos previstos pelos não humanos culmina na implementação
de “prescrições” (p.232) que formalizam as “distribuições de competências” (p.233) entre
eles. Para tanto, Latour (1992) propõe o conceito de “programa de ação”, que pode ser
entendido como aquilo que orienta e constrange ações das pessoas sobre os usos de
determinados artefatos tecnológicos. Desse modo, o programa de ação opera como um
manual, um passo a passo, comandos em continuidade, em sequência que são delegados a
humanos ou não humanos ou aos dois. Por esta perspectiva, tecnologias possuem trajetórias
passíveis de serem previstas, antecipadas. Ao serem concebidos como protocolos que
evitariam ou ao menos minimizariam situações de risco, instabilidade ou usos não
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programados ou desejados (anti-programas), os programas de ação têm uma função
moralizadora, pois induziriam atores agirem em benefício próprio ou em prol de uma
coletividade.
No caso do VAR, o slogan “mínima interferência, benefício máximo” pode ser
tomado como uma síntese do modelo normativo proposto pela FIFA para a Copa 2018. Ao
mesmo tempo que tenta invisibilizar – ou ao menos minimizar – as mediações tecnológicas e
ressaltar sua eficiência, ou sua positividade, se apoia em um detalhado protocolo que procura
ao mesmo tempo dar certa transparência ao processo e regular sua condução. A oitava edição
do “‘handbook’ de implementação para competições” publicado em abril de 2017 pela IFAB
é o documento mais completo sobre o ‘programa de ação’ do VAR e foi a base para o
protocolo adotado pela FIFA na Copa 20187. Por exemplo, uma equipe de oito árbitros
adicionais atuou na chamada Video Operation Room (VOR), uma sala localizada em Moscou
e interligada aos estádios por uma infraestrutura de fibra ótica.
Video Assistant Referee é, ao mesmo tempo, o nome do complexo artefato tecnológico,
e o nome do primeiro árbitro em comando na sala do VAR. Este conta com o auxílio de
outros três árbitros assistentes (AVAR1, AVAR2 e AVAR3). Todos os quatro são
considerados pela FIFA “top FIFA match officials”, mas as funções específicas dos
assistentes não são explicitadas na documentação. A outra parte da equipe foi composta por
quatro operadores de câmera (Replay Operators). Dois deles pré-selecionaram os ângulos
mais reveladores, a partir dos registros, e outros dois finalizaram o recorte escolhido pelo
VAR. O trabalho no VOR apoiou-se em imagens fornecidas produzidas por 33 câmeras,
sendo oito câmeras ‘super slow motion’ e quatro ‘ultra slow motion’. Caso julgue necessário,
o árbitro de campo pode rever as imagens do lance em um tablet posicionado na lateral do
gramado. Durante a Copa 2018, apenas quatro jogadas/situações eram passíveis de serem
revistas pelo monitor do VAR: 1) gols, 2) pênaltis, 3) cartões vermelhos e 4) para auxiliar na
identificação de jogadores envolvidos em um lance.
Uma outra diretriz fundamental do programa de ação do VAR na Copa 2018 aponta
que as emissoras de TV, os apresentadores e os torcedores nos estádios devem estar “bem
informados” durante o processo. Um dos procedimentos que dá suporte a esta diretriz é o
gesto (um quadrado feito com as mãos) feito pelo árbitro para sinalizar que está acionando o
7 O Handbook está disponível em: https://www.knvb.nl/downloads/bestand/9844/var-handbook-v8_final e o protocolo da Copa 2018, em https://football-technology.fifa.com/en/innovations/video-assistant-referees/
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VAR (trata-se do "Official Review Sign"). Mais importante aqui, no entanto, é o protocolo de
transmissão que define que imagens do VAR são exibidas também nos telões do estádio e nas
transmissões audiovisuais. A autorização para que os torcedores, principalmente, os
telespectadores possam ver as mesmas imagens consultadas pelo árbitro de campo explicita
uma forte dimensão midiática do artefato VAR.
Neste sentido, parece fundamental apontar que a inserção das imagens do VAR no
protocolo de transmissão televisiva estabelecido pela FIFA rearranja o dispositivo midiático
(ALZAMORA, ZILLER, D’ANDREA, 2018) criado em torno das especificidades de um
megaevento (TÁRCIA, 2016) como a Copa do Mundo de Futebol. Ao deixar de ser “apenas”
uma tecnologia voltada para aperfeiçoar as decisões tomadas pelo árbitro e emergir também
como parte da experiência midiática de se acompanhar uma partida, o artefato VAR amplia
sua dimensão reguladora. Por um lado, como aponta Lemos (2018), o VAR atua como
dispositivo panóptico que institui uma “nova pressão” disciplinadora sobre jogadores e
árbitros. De forma complementar, apontamos que também os narradores, comentaristas e,
principalmente, toda audiência conectada são induzidos a avaliar ou a julgar o que se passa
em campo e, ao se apropriarem de plataformas de mídia sociais produzem novas linhas de
força no dispositivo midiático.
Uma das mais marcantes inovações anteriores, os replays, desde a Copa de 1970,
vinham privilegiando a experiência e o envolvimento dos telespectadores sem consequência
imediata para o trabalho do árbitro. Telles (2014) destaca como gradualmente o replay
enfatizou mais a possibilidade de “ver diferente” do que “ver de novo”, figurando “inúmeras
possibilidades de tomada de decisão” por comentaristas e torcedores8. Uma das
consequências disso, aponta, é que a “objetividade no/do futebol é a verdade da máquina que
a registra” (TELLES, 2014, p.72).
Nesse sentido, podemos compreender o VAR como um “ajuste tecnológico”
(ROSNER, 2004) que, ao ser incorporado ao dispositivo midiático articulado à Copa 2018,
aproxima as percepções dos públicos e dos árbitros e rearranja as relações de poder entre eles.
Além disso, a partir de sua positividade manifestada como ‘transparência’ e ‘eficiência’, o
VAR atua em outras urgências, por exemplo reforçando o esforço da FIFA para melhorar sua
percepção pública depois de sucessivos escândalos de corrupção.
8 Vale aqui sinalizar a importância de se atentar para a singularidade do recurso “tira-teima” utilizado, por exemplo, pela Rede Globo nas Copas de 1990 e 1994.
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3. ‘Árbitro de vídeo’ no Twitter: mapeando ‘questões problemáticas’
Compreender as dinâmicas do social em seu entrelaçamento com as materialidades
em que elas se efetivam é um dos grandes desafios dos estudos contemporâneos de
comunicação e mídia (LIEVROUW, 2004). Deste modo, além de discutir a inserção das
imagens do artefato VAR no dispositivo midiático em torno da Copa 2018, nesta pesquisa
destacamos a necessidade de problematizar as singularidades sociotécnicas que compõem
esse dispositivo e, em segundo momento, construir um procedimento metodológico que
enfatize e tensione as dimensões materiais envolvidas.
Nos complexos arranjos midiáticos que caracterizam as transmissões audiovisuais ao
vivo na contemporaneidade (D’ANDRÉA, 2015), as plataformas de mídias sociais podem ser
tomadas com um ambiente privilegiado em que situações de escolhas e de incertezas (como
as decisões tomadas por árbitros em eventos esportivos) sejam repercutidas por uma
audiência conectada. O Twitter, em especial, destaca-se por seu intenso uso pela mídia
esportiva e por torcedores de futebol (BRUNS et al, 2014; VIMIEIRO, 2017), pela presença
de empresas globais que exploram suas marcas como patrocinadores oficiais e pelo próprio
envolvimento institucional da plataforma, que na Copa 2018 investiu em conteúdos de vídeos
exclusivos, incluindo um programa diário – produzido com a Fox Sports. Na edição anterior
do megaevento esportivo, em 2014, o Twitter revela que foram postados aproximadamente
672 milhões de tuítes. Já em 2018, a plataforma optou por revelar o total de impressões de
tuítes durante a Copa: 115 bilhões9.
Uma das maneiras de se conduzir o estudo em plataformas de mídias sociais como
Twitter – alinhado à perspectiva proposta por Lievrouw (2004) – é a abordagem dos métodos
digitais (ROGERS, 2016). Mais do que se apropriar de ferramentas computacionais para
coleta, processamento e visualização dos dados, essa abordagem aponta para a importância de
se orientar por uma “epistemologia da web”, ou seja, pelas formas de conhecimento
incorporadas aos meios digitais. Como desdobramento desta discussão nos aproximamos da
proposta teórico-metodológica denominada por Marres (2015) de “mapeamento de questões
problemáticas” (em inglês, “issue mapping”). Em definição ‘livre’, Marres e Gerlitz (2016)
explicam trata-se do “uso de técnicas computacionais para detecção, análise e visualização de
contestações públicas sobre temas atuais” (p.23). Para além de seus procedimentos
operacionais, vale destacar que, nesta abordagem, os públicos não estão dados a priori, isto é,
9 https://blog.twitter.com/en_us/topics/events/2018/2018-World-Cup-Insights.html
8www.compos.org.br
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se revelam a partir das questões problemáticas emergentes – controversas ou não – que os
vincula em cada situação10.
Uma das questões caras ao “mapeamento de questões problemáticas” é esforço para
se encontrar um ‘ponto de equilíbrio’ entre o estudo de uma temática e as especificidades das
materialidades – ou ‘meios’ – em elas se efetivam. Ao comparar as diferentes abordagens de
estudo de controvérsias em ambientes digitais (D’ANDRÉA, 2018), Marres (2015) defende a
importância de se assumir uma “abordagem afirmativa” que considere as ambiguidades
impostas pelo meio, sem, no entanto, estar refém às lógicas padronizadoras das tecnologias.
Nas plataformas de mídias sociais, a ‘dinâmica tecnológica’ está diretamente relacionada ao
que Gerlitz e Rieder (2018) chamam de “gramatização da ação”, que são “formas como
tweets, retweets, replies, mentions, ou hashtags (que) possibilitam às plataformas compactar,
ao invés de permitirem, ações, gramáticas e captura de dados, sequenciadas, inscrevendo
diretamente as atividades dos usuários em unidades muito formalizadas” (p.531).
Enquanto uma parte significativa das pesquisas inspiradas nos métodos digitais se
ancora, ou mesmo se limita ao estudo das ocorrências das ‘ações gramatizadas’ pelas
plataforma, autores como Rogers (2018) chamam a atenção para a importância de se ir além
de métricas baseadas na popularidade. Nesse sentido, Marres (2015, p.673) é enfática: “o
mapeamento de questões problemáticas não deve assumir a definição da plataforma daquilo
do que é considerado uma questão relevante”.
Inspirada por esta discussão, a presente pesquisa orientou suas escolhas
metodológicas de mapeamento das questões problemáticas relativas à implementação do
VAR na Copa 2018 de forma a tensionar o ‘programas de ação’ do Twitter ou, mais
especificamente, a ir além de seu recurso fundamental de mensuração de popularidade: os
retuítes. Ao analisar a distribuição por dia dos 285.772 tuítes publicados entre 05 de junho e
20 de julho de 2018 por usuários que configuraram ‘português’ como língua-padrão, foram
identificados dois dias que se destacam não só pelo volume de tuítes (estão acima da mediana
de 830 tuítes/dia), mas principalmente pelo baixo número de retuítes (estão abaixo da
mediana de 66,31% de RTs/dia). Os dois dias selecionados para um estudo das questões
emergentes são 16 de junho (em que “apenas” 41,35% dos 4917 tuítes coletados são retuítes)
10 A perspectiva de Marres (2015) se baseia em uma articulação prévia (MARRES, 2007) entre os estudossociais de Ciência e Tecnologia (STS), principalmente através dos estudos de controvérsias públicas emsociedades democráticas (por autores como Bruno Latour e Michel Callon) e a tradição pragmatista norte-americana (John Dewey e Walter Lippmann).
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e 25 de junho (45,03% dos 3509 tuítes são RTs).
O sábado dia 16 de junho foi marcado pelo primeiro uso do VAR em um jogo de Copa
do Mundo, durante a partida França 2 x 1 Austrália. Aos 10 minutos do 2º tempo, o juiz
uruguaio Andres Cunha paralisou a partida, reviu um lance anterior no monitor e marcou um
pênalti para a seleção francesa (que abriu o placar do jogo). Após o empate da Austrália
(também em um pênalti, mas sem uso do VAR), outra tecnologia – a “goal-line technology" –
foi acionada: sensores enviaram um sinal para o relógio do árbitro informando que a bola
chutada pelo atacante francês Pogba havia ultrapassado a linha do gol australiana. Além de
França x Austrália, três outros jogos aconteceram no dia 16/06 (Argentina 1 x 1 Islândia,
Peru 0 x 1 Dinamarca, Croácia 2 x 0 Nigéria) e o VAR foi acionado apenas para marcar um
pênalti (não convertido) para a seleção peruana.
O dia 25 de junho (segunda-feira) foi marcado pelo uso do “árbitro de vídeo” em lances
decisivos das partidas finais do Grupo A do torneio. No jogo Espanha x Marrocos, foi
validado a posteriori o gol de empate da Espanha sobre a seleção do Marrocos aos 45
minutos do 2º tempo. Inicialmente anulado por impedimento, o lance determinou a
classificação da Espanha para as oitavas de final (e a eliminação do time africano). Ao ser
filmado após a partida, o jogador marroquino falou “VAR is bullshit” (“VAR é uma
porcaria”, em uma tradução livre), gerando um bordão que viria a circular intensamente nos
dias seguintes. No mesmo horário aconteceu a partida Irã 1 x 1 Portugal, em que o VAR foi
acionado três vezes. O jogador Cristiano Ronaldo esteve envolvido em duas das ocorrências:
perdeu um pênalti assinalado após consulta ao VAR e recebeu apenas um cartão amarelo
após o árbitro paralisar o jogo e consultar o tablet na lateral do campo para avaliar a
possibilidade de expulsar o craque português.
Como já sinalizado, a escolha destes dois dias nos permite tensionar métricas da
plataforma Twitter e, ao ir além dos RTs, acessar uma maior diversidade de perspectivas
sobre o tema VAR. Outra singularidade dos dados das postagens coletadas nos dias 16 e 25
de junho é que, em sua maioria, eram compostas apenas por textos verbais de até 280
caracteres – 95,83% e 96,51%, respectivamente. Optou-se portanto por enfatizar, no
mapeamento de questões problemáticas, as associações entre os termos utilizados nas
discussões sobre o ‘árbitro de vídeo’ no Twitter.
Em seguida, a análise dos tuítes desses dois dias seguiu três movimentos
complementares: 1) identificação das coocorrências de termos contidos nos tuítes e sua
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visualização em um grafo; 2) uma clusterização dos termos mais associados entre si; e 3) a
partir dos clusters, mas não limitados a eles, a identificação das questões problemáticas
emergentes em cada dia. Retomando o diálogo como estudos de “mapeamento de questões
problemáticas”, optou-se pela técnica de análise textual que detecta quais termos estão
próximos de outros e que, ao identificar pares de palavras (ou bigramas), permite o
reconhecimento de ‘tópicos emergentes’. Conforme Marres e Gerlitz (2016), “análise de
coocorrência de palavras (…) permite detectar mudanças nas associações em torno de tópicos
ao longo do tempo, sem precisar se apoiar em definições de categorias pré-definidas e seu
implícito critério de relevância.” (p.29, grifos das autoras). Marres e Gerlitz (2016)
argumentam que a análise de coocorrência de termos é uma boa opção para ser evitar a mera
mensuração quantitativa de termos (que poderiam posteriormente ser visualizada por ex., em
nuvens de palavras) e, assim como a Teoria Ator-Rede, enfatizar as conexões e relações entre
actantes (no caso, representados pelos termos)11.
Para identificar pares de palavras com distância máxima, entre si, de até outras três
palavras, o ‘conteúdo’ dos milhares de tuítes de cada dia foi processado no software Wordij
(DANOWSKI, 2013). Os termos pertinentes12 podem estar em um mesmo tuíte ou tuítes
diferentes. Como os tuítes foram organizados por ordem cronológica, a ocorrência de um par
com um termo de um tuíte e com outro de um tuíte anterior ou posterior segue uma lógica
temporal que evita associações arbitrárias. Através de arquivos de grafo gerados pelo Wordji,
foi possível visualizar, no software Gephi, as redes de coocorrência de termos.
Visando identificar clusters de termos, aplicou-se o parâmetro estatístico
“Modularidade” (com resolução 1.0). Trata-se do segundo movimento de análise, que
caracteriza-se pela decomposição da extensa rede de milhares de tuítes em subunidades,
naquilo que os proponentes do algoritmo padrão do Gephi (2008) chamam de “estrutura de
comunidade” (BLONDEL et al, 2008). Segundo estes, o algoritmo visa desvelar “módulos
funcionais desconhecidos a priori” e revelar tópicos e comunidades. Retomando a linha
argumentativa de Marres (2015), também aqui tensionamos as métricas e padrões das
11 O método foi proposto nos anos 1980 para realizar estudos sobre literatura científica (CALLON et al. 1983).Ao contrário deste conjunto de texto, marcado por um grande rigor no vocabulário utilizado pelos cientistas, aocorrência de termos no Twitter é muito mais heterogênea e polissêmica, o que traz implicações fundamentaispara a presente pesquisa, como discutiremos nas considerações finais.12 A exclusão de termos não pertinentes para análise seguiu parâmetros de processamento de linguagemnatural, foram excluídas as chamadas "stop words", como artigos e preposições. Expressões típicas datecnogramática do Twitter (como 'RT') também foram excluídas, assim como termos identificados apenas umaou duas vezes no dataset.
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ambiências tecnológicas, como Gephi, que permeiam os estudos do social. Desse modo,
optamos por não equivaler os ‘tópicos’ detectados estatisticamente pela Modularidade e as
questões problemáticas a serem mapeadas.
A visualização dos clusters de termos correlacionados foi tomada como um ponto de
partida que, na terceira etapa analítica, culminou enfim na identificação de questões
problemáticas afins ao VAR. Trata-se aqui de um movimento fundamentalmente qualitativo
que tomou modularidade estatística como referência para, com base nas questões centrais do
estudo, identificar cinco questões emergentes nos dois dias estudados. As inscrições que
sintetizam estes três movimentos metodológicos são as figuras 1 e 2, que ilustram como as
questões problemáticas – assinaladas pelas áreas circulares que sobrepõem o grafo – se
articulam com os clusters de coocorrência de termos (identificados pelos nós coloridos e
pelas arestas que os conectam)13.
FIGURA 1 – Visão parcial da rede de co-ocorrências de termos e das questões problemáticas identificadas no dia 16 de junho.FONTE – Elaboração dos autores
13 Para permitir a análise a partir das visualizações da coocorrência dos termos, foram excluídos dos grafosvariações dos termos ‘árbitro’, ‘juiz’ e ‘vídeo’, que, por terem sido usados na coleta via API do Twitter,constavam, em diferentes combinações, em todos os tuítes. No Gephi, foi aplicado o algoritmo de visualizaçãoForce Atlas 2 e os graus dos nós variam entre 10 e 30.
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FIGURA 2 – Visão parcial da rede de co-ocorrências de termos e das questões problemáticas identificadas no dia 25 de junho.FONTE – Elaboração dos autores.
4. “Emergência das tecnologias” e outras questões
A questão problemática de maior repercussão foi denominada “Emergência das
Tecnologias” e engloba um extenso conjunto de termos e, consequentemente, um grande
volume de tuítes. Identificada nos dias 16 e 25 de junho, visibiliza diferentes percepções
desencadeadas pela utilização do VAR – e de outras tecnologias associadas ao futebol –
principalmente durante as partidas de futebol realizadas – mas não só – em cada dia
analisado. Deste modo, os termos e tuítes fazem referência às especificidades dos usos ou dos
não usos do artefato pela arbitragem.
A Figura 3 representa os nós que coocorreram com o termo “pênalti” no dia 16, entre
os quais estão “não”, “frança”, “copa” e “duvidoso”. As várias cores dos nós (definidas pela
modularidade) sinaliza a diversidade de termos associadas ao lance que marcou o uso
pioneiro do VAR em Copas do Mundo. Parte significativa dos tuítes registram repercussões
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iniciais e divergentes sobre a decisão (“Ainda bem q o árbitro de vídeo entrou em ação no
lance do pênalti, aquilo foi pênalti claríssimo” e “Pra qq tem árbitro de vídeo se teve um
pênalti claríssimo e ele não deu”).
FIGURA 3 – Coocorrência de termos em torno de “pênalti” no dia 16 de junho.
FONTE – Elaboração dos autores
A ocorrência inaugural desencadeia considerações sobre o não uso da tecnologia em
partidas anteriores como Portugal x Espanha, realizada no dia anterior (“Esse árbitro de
vídeo é uma bosta. Gol roubado da Espanha, pênalti duvidoso pro Portugal, e agora um
pênalti que não foi. Em nenhum momento eles falaram nada. Pra que serve essa merda?”). A
estreia efetiva do VAR na Copa 2018 desencadeou ainda um conjunto de tuítes que, a partir
de termos como “entenda”, “como” e/ou “funciona”, tiveram como o propósito de retomar e
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explicar o programa de ação do VAR (Exemplo: “Entenda o que é o árbitro de vídeo usado
em jogos da Copa https://t.co/dPfAFCEd5K”).
Já o termo “outro” se revela como uma palavra relevante por articular termos (como
“glt”, “relógio” e “vibrou”) que tematizaram a emergência de outra tecnologia da Copa 2018.
Trata-se do Goal-Line Technology (GLT) que validou o segundo gol da França. Os termos
coocorrentes fazem referência ao programa de ação desta tecnologia – um relógio vibra no
pulso do juiz para avisar ‘automaticamente’ que a bola ultrapassou a linha do gol. Vale
apontar que este ‘outro’ ajuste tecnológico foi inserido na edição anterior do megaevento, em
2014, e formalmente não faz parte do artefato “Árbitro Assistente de Vídeo”.
Inéditas e inesperadas, as emergências das diferentes tecnologias no terceiro dia do
torneio motivaram tentativas de ressaltar, inclusive a partir de imaginários tecnocientíficos,
uma suposta dimensão hipertecnológica do megaevento em curso. Por exemplo: “#FRAAUS
França marcando um gol com árbitro de vídeo (VAR) e outro com a goal-line technology
(GLT). Histórico!!! #Copa2018” e “Copa da tecnologia, com o arbitro de video, relógio que
vibra quando a bola entra no gol e rôbo Cristiano Ronaldo #Copa2018”. Por outro lado, já
no dia 16 o encadeamento de tecnologias foi foco de críticas que apontaram não as falhas em
seu programa de ação, mas sim questionaram sua adequação para a dinâmica da partida:
“esse lance de árbitro de vídeo e relógio do gol tiram toda a emoção da parada
#Copa2018”.
Já no dia 25 de junho, destacamos a rede de nós conectada ao termo “jogo” (Figura 4).
Termos como “portugal”, “irã”, “porra”, “parando” e “tecnologia” materializam discussões
que perpassam uma gama de lances específicos da partida Portugal x Irã. Os usos sucessivos
do VAR motivaram o extenso tuíte “IRÃ x POR - golaço de Portugal - 300 interferências do
árbitro de vídeo - pênalti mal marcado pra Portugal - CR7 perdeu o pênalti - CR7 socou um
jogador - mais árbitro de vídeo - pênalti mal marcado pro irã - juíz chacota mundial - mais
árbitro de vídeo”. O jogador Cristiano Ronaldo foi repetidamente citado pelo envolvimento
em mais de uma decisão do VAR: um pênalti não convertido (“Mesmo com árbitro de vídeo
vale a máxima: pênalti que não existe não entra. Cristiano Ronaldo entra para a seleta de
craques que perderem pênalti nas Copas: Platini, Zico, Baggio, Sócrates, Messi..”) e um
cartão amarelo recebido após uso do VAR para avaliar a necessidade de sua expulsão (“ctz
que o juíz falou p árbitro de vídeo "porra, dar cartão vermelho pro melhor do mundo???
não dá pra eu fazer isso, olha só a carinha dele. não, eu sei q tem que punir... mas ele é o
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cr7... tá vou dar um amarelo só pra tapear”).
FIGURA 4 – Coocorrência de termos em torno de “jogo” no dia 25 de junho
FONTE – Elaboração dos autores
Também críticos, outro tuíte denunciou que o time de Portugal estava sendo
beneficiado (“Até o árbitro de vídeo roubando a favor de Portugal. Esperar o que desse
país” e “quanto sera q portugal pago p esse arbitro de video”). No limite, notou-se as
dimensões políticas intrínsecas ao artefato criado para fazer justiça de forma “objetiva”
(“Nesse jogo de Irã × Portugal cheguei a conclusão q árbitro de vídeo só funciona a favor
de quem ele gosta”). Outras referências enaltecem a postura do árbitro da partida por ter
recorrido ao VAR: “mal conheço o juiz do jogo de portugal x irã mas ja amo pq ele faz uso
do VIDEO” e “Estou amando esse juiz com a sua humildade em consultar o árbitro de vídeo
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Portugal x Irã”.
A outra partida decisiva do Grupo A (Espanha x Marrocos) foi significativamente
menos comentada nos tuítes coletados em língua portuguesa. Uma boa sintese do uso
decisivo do VAR para a classificação da Espanha foi: “Gol legalíssimo da Espanha. A
seleção do Marrocos descuidou da marcação, mas a culpa é do árbitro de vídeo que
acertadamente confirmou o gol da Espanha? Torci muito pro Marrocos, jogaram melhor em
dois dos três jogos e de igual com a Espanha, mas são cabaço14 demais”. Também foi pouco
repercutido no dataset o protesto do jogador Nordin Ambarat. Um vídeo do jogador
simulando o quadrado imaginário retuitado no seguinte texto: “VAR is bullshit!”: Ambarat,
do Marrocos, protestou contra o árbitro de vídeo "VAR is bullshit" (VAR é uma porcaria)
https://t.co/ARziWpSf2L”.
4.1. Ajustes tecnológicos no futebol
Para além de suas emergências durante as partidas, as implicações mais amplas da
adoção do VAR para o futebol são outra questão problemática identificada nos dois dias
analisados. No dia 16, “estraga”, “moderno”, “acabando”, “graça” e “chatão” coocorrem em
torno do termo “futebol” (Figura 5) – e ajudam a compreender as avaliações iniciais e as
percepções contraditórias sobre uma possível adoção generalizada do árbitro de vídeo.
Exemplo: “A gente acha essa parada de árbitro de vídeo chatão, coisa de futebol moderno.
Mas duvido que nos precisando disso a gente vai achar ruim kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk”.
14 O termo cabaço é o nome popular dado ao hímen intacto, mas neste caso, de maneira figurativa qualifica a seleção marroquina como inexperiente. Este é um exemplo que ilustra o caráter machista e misógino de parte das manifestações ligadas ao futebol.
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FIGURA 5 – Co-ocorrência de termos em torno de “futebol” no dia 16 de junho.
FONTE – Elaboração dos autores
Chamamos atenção para o termo “transparência” que, embora não visível na Figura
5, enfatiza a positividade do VAR. A plataforma de textos e podcasts Trivela publicou um
link de seu artigo intitulado “O que melhor funcionou na primeira utilização do árbitro de
vídeo em Copas foi a transparência. https://t.co/01XfdKAlat https://t.co/YI4OhUxfSP”.
Partindo explicitamente da articulação do “programa de ação” do árbitro de vídeo com o
dispositivo midiático em que ele se insere, o autor conclui que parte do sucesso e da
contribuição do VAR ao futebol é fruto de seu protocolo que, ao exibir imagens no telão do
estádio, não negligencia o torcedor.
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No dia 25, as considerações sobre o que significaria a adoção do novo ajuste
tecnológico para o futebol parecem ser basear em uma percepção mais geral amparada pelos
vários usos ou não usos do VAR até então. A Figura 6 está organizada também em torno da
palavra “futebol” e se associa à “acabando”, “estragando” e “bagunça”. Um tuíte aponta
que “árbitro de vídeo tá estragando o futebol não tem mais juiz roubando não tem mais
bandeirinha cego não tem mais jogador simulando e ainda sendo recompensando sério,
estou enojado pelo futebol moderno”, enquanto outra postagem reforça a utilidade e
eficiência da tecnologia: “eu acho que tem que usar e abusar desse árbitro de vídeo sim. pra
que desenvolver uma tecnologia que torna o jogo mais justo se não for pra usar, né?”.
Refletindo sobre a possibilidade do VAR minimizar a autoridade do juiz em campo, outro
tuíte aponta: “Árbitro pra quê, os caras só querem ver árbitro de vídeo. Coloca o árbitro de
vídeo pra apitar então.”
FIGURA 6 – Co-ocorrência de termos em torno de “futebol” no dia 25 de junho.
FONTE – Elaboração dos autores.
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4.2. Ajustes tecnológicos no Brasil e seu futebol
As especificidades da implementação do VAR no Brasil são outra questão
problemática nos dois dias analisados. O principal ponto levantado são especulações sobre as
consequências pretéritas ou projeções futuras do uso do árbitro de vídeo em jogos disputados
por times nacionais. Tuítes publicado no dia 16 com o termo “brasil” (Figura 7) apontam o
árbitro de vídeo como um problema para times que seriam, em geral, beneficiados pela
arbitragem, por ex.: “Rapaz... acho que os dias do @Corinthians estão contados, se o árbitro
de vídeo for implantado no Brasil um dia.”. No dia 25 de junho, a questão é especificada com
referências a momentos históricos controversos: “FICO IMAGINANDO AQUI.... SE
TIVESSE ARBITRO DE VIDEO EM 1980+ FLAMENGO NÃO SERIA NEM MAIOR QUE O
VOLTA REDONDA #PÁS”.
FIGURA 7 – Coocorrência de termos em torno de “brasil” no dia 16 de junho.
FONTE – Elaboração dos autores.
Para além da arbitragem no futebol, referências a outras instâncias decisórias do país
são identificadas em tuítes do dia 16 de junho, por exemplo “Ok, vamos exigir o árbitro de
vídeo no Judiciário brasileiro. https://t.co/W5Zf3r2ecr”. As aproximações temáticas entre
tecnologia, política e futebol ficam ainda mais claras com a repercussão de um tuíte
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publicado por Guilherme Boulos – político que viria a ser candidato à presidência da
República pelo PSOL (Figura 8).
FIGURA 8 – Reprodução de tuíte (anonimizado) publicado em 16 de junho
FONTE – Elaboração dos autores.
4.3. Culturas audiovisuais
As dimensões imagéticas do VAR inspiraram apropriações e remixagens no Twitter,
tornando possível identificar uma questão problemática específica do dia da estreia do
artefato. Em comum os tuítes agrupados como “culturas audiovisuais” agregam referências
irônicas a diferentes práticas contemporânea de consumo de vídeo, o que, em certa medida,
evidencia que o artefato VAR foi imediatamente percebido como parte de um dispositivo
midiático mais complexo.
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FIGURA 9 – Coocorrência de termos em torno de “assistindo” no dia 16 de junho.
FONTE – Elaboração dos autores.
O termo “assistindo” (FIGURA 9) foi utilizado em tuítes como “Enquanto não tem
lance duvidoso, os árbitro de vídeo fica assistindo um legal porno” e “Messi tá sumido em
campo porque tá na salinha do árbitro de vídeo assistindo o show do Cristiano Ronaldo
ontem.”. Este último post brinca com a má atuação do jogador argentino naquele dia. Outra
postagem, muito retuitada, especula sobre como se daria uma adequação do VAR às
especificidades sociotécnicas de plataformas de vídeo como o YouTube: “IMAGINA O
ARBITRO DE VIDEO FAZ O REACT DO VIDEO DO JOGO E DEIXA SEU LIKE SE
INSCREVE NO CANAL". Uma quarta postagem especula como Quentin Tarantino atuaria se
fosse diretor da Video Operation Room: “Imagina o árbitro de vídeo / Só que o vídeo é
dirigido pelo Tarantino / Replay mostra zagueiro dando uma facada na cabeça do atacante /
Sangue jorrando na tela”.
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4.4. VAR no cotidiano
Uma questão emergente específica do dia 25 de junho foi identificada a partir de
termos associados a “vida”, como “imaginando”, “coisas”, “erros” e “decisões” (Figura 10).
Tratam-se de tuítes que, de forma bem-humorada, reúnem especulações sobre o quão
eficiente seria uma tecnologia como o VAR para ‘ajustar’ atitudes do dia a dia. A palavra
“ver” é a mais frequente e foi usada em postagens como: “um árbitro de vídeo na minha vida
pra ver onde foi que eu errei”.
FIGURA 10 – Coocorrência de termos em torno de “vida” no dia 25 de junho.
FONTE – Elaboração dos autores.
O perfil @MomentsBrasil – usado pela plataforma Twitter idealizado para divulgar
temas atuais para seus seguidores – aproveitou as brincadeiras e tuitou: “Já pensou se você
tivesse um árbitro de vídeo particular para consertar as bobagens que você faz? https://t.co/
WNVwAbOtJu”. O VAR foi ainda associado a um desejo de repetição de momentos
prazerosos: “Chama o árbitro de vídeo pra dar um replay no nosso beijo aí”.
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5. Considerações finais
O objetivo deste estudo foi investigar como o artefato árbitro de vídeo na Copa 2018
foi apropriado e tensionado por torcedores lusófonos a partir das lógicas sociotécnicas da
plataforma Twitter. Mais especificamente, mapeamos ‘questões problemáticas’ sobre
tecnologia, futebol, mídia, política etc que emergem nos tuítes sobre a inovação VAR.
A partir das questões problemáticas identificadas nos dois dias analisados, uma
discussão mais ampla pode ser feita em torno de como o programa de ação do VAR na Copa
2018 foi apropriado. Em geral parece-nos que os procedimentos adotados pela FIFA, embora
muito tensionados, não foram questionados, desviados de suas trajetórias planejadas. Em
nenhum momento apontou-se que o artefato VAR deu defeito, isto é, falhou em sua
performance. Construído pela e para a ‘estratégia dos protagonistas’ – retomando uma
expressão de Bijker e Law (1992) –, a inovação tecnológica foi bem compreendida no
material empírico analisado.
Pontos de tensão, no entanto, surgiram nas várias emergências contingenciais do
artefato. De diferente modos, foram questionados os vieses políticos do VAR e/ou sua
utilização por cada equipe arbitrária. Sobre este segundo aspecto, a diversidade de tuítes que
falam da relação entre o árbitro de campo e as tecnologias associadas a ele revelam um rico
espectro de percepção sobre a “distribuição de competências” (LATOUR, 1992) em torno do
VAR. Em algumas postagens, o árbitro de vídeo é apontado como eficiente o suficiente para
prescindir do juiz humano, enquanto outras perspectivas reforçam a centralidade do árbitro
principal, inclusive pela sua “humildade” em recorrer ao artefato sempre que necessário.
Se o protocolo não foi problematizado e algumas das tensões se concentraram em
torno do uso emergente do VAR, nota-se um outro incomodo constante. Especialmente na
questão problemática “Ajustes Tecnológicos no Futebol”, a indignação não se direciona para
as performances circunstanciais do VAR, mas sim para os desdobramentos e implicações de
médio e longo prazo de sua adoção no ‘futebol moderno’. O VAR pode ser eficiente, mas
isso não seria motivo suficiente para sua inserção permanente no tradicional esporte. Outras
variáveis em jogo quando as discussões são localizadas no cenário político e futebolístico
brasileiro. Nesta questão problemática, o VAR é percebido como uma inovação que, se
importada para o país que mais conquistou títulos da Copa do Mundo, resolveria não só
futuros problemas de manipulação de resultados, mas também seria capaz de redimir as
vítimas de ‘erros’ de arbitragem do passado. Aqui pouco importa a essência do futebol ou as
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críticas ao futebol moderno: o foco é corrigir problemas, intensificar forças reguladoras,
superar gambiarras – este termo, sintomaticamente, não aparece nos datasets analisados. Para
além disso, a dimensão moralizadora do VAR no Brasil ultrapassa o futebol e alcança outras
instâncias decisórias, em especial o poder judiciário, revelando uma percepção de que só
através de um ajuste tecnológico superaríamos a sensação cotidiana de estar perdendo por
‘7x1’.
Um outro desdobramento extracampo se evidencia no dia 25, quando o artefato
emerge na questão problemática “VAR no cotidiano”. Na medida que as pessoas se
familiarizaram com o VAR, projetam-se usos completamente imaginativos, que deslocam
suas possibilidades performativas. Ao ser aproximado com práticas de outros objetos técnicos
do dia a dia, aqui o VAR foi praticamente transformado em um gadget pessoal, em uma
tecnologia domesticada. Já a integração do artefato VAR ao dispositivo midiático da Copa
2018 encontrou na questão problemática “culturas audiovisuais” sua faceta mais evidente.
Logo no primeiro dia, o VAR foi associado a diversificadas práticas e materialidades já
tradicionais do universo da produção cultural, como filmes pornôs, práticas de fidelização de
audiência em plataformas de vídeo e marcas autorais do cinema estadunidense.
No entanto, para além de quais questões problemáticas emergiram, deve-se notar que
a introdução do VAR alimenta uma rede produtiva de ações comunicativas que tem na
plataforma Twitter um lócus privilegiado. Em outras palavras, o caráter emergente e
contingente do árbitro de vídeo induz a audiência conectada a se manifestar, a falar/postar
sobre, intensificando assim dinâmicas típicas do dispositivo midiático. Essas discussões
online não apenas ampliam a dimensão reguladora do VAR, como contribuem para integrar
fortemente o Twitter a megaeventos como a Copa. Esta parceria revela-se estratégica para o
modelo de negócios da plataforma.
Por fim, vale refletir sobre as limitações e potencialidades dos procedimentos
metodológicos propostos para este estudo de caso. Em especial a articulação dos três
movimentos analíticos se revelou produtiva não só para mapear as questões problemáticas,
mas também para desatrelar nossa análise de certo “programa de ação” analítico que é
induzido pela tecnogramática do Twitter. Acreditamos assim ter colaborado para o desafio
enunciado por Rogers (2018) de não se ater a lógicas ou padrões de análise tanto dos dados
plataformizados quanto dos algoritmos de visualização de redes.
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Ainda que a identificação das questões problemáticas baseadas na análise de
correlação de termos se revele um esforço fundamentalmente qualitativo, é preciso registrar a
importância de se buscar e desenvolver outras técnicas computacionais – para além da
modularidade – capazes de revelar relações. Sem querer propor aqui “ajustes tecnológicos”
entusiasmados e inocentes referentes a questões metodológicas, sinalizamos, por fim, a
potencialidade de técnicas de Inteligência Artificial, como aprendizagem de máquina, para se
aperfeiçoar a análise de uma temática com uma ou mais plataformas
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