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Às Sombras do Prata: o balanço das discussões sobre a Guerra da Tríplice Aliança no
biênio 1864-1865 pelo Senado do Império
Ricardo Gazetta da Silva1
Resumo: Almeja-se discutir durante a Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870) como foi o
processo de recepção dos eventos diplomáticos e militares pelo Senado do Império do Brasil
na fase de gestação do conflito (1864) e nos impactos do primeiro ano de operações militares
efetivas (1865). Objetiva-se diferenciar as visões sobre política externa para o Prata dentro
das relações partidárias (conservadores e liberais), analisando os discursos contidos nos Anais
do Senado. Espera-se mostrar como os conservadores tinham uma visão não ortodoxa de
guerra, defendiam cooperação com os países do Prata e uma política de alto perfil na
utilização dos rios; os liberais, ceticismo em relação a alianças com países platinos, visão
ortodoxa da guerra e política de baixo perfil na utilização dos rios. O primeiro ano de análise
se refere à atuação da Missão Saraiva no seio da tentativa de mediação da Guerra Civil no
Uruguai, que opunha as forças governistas de Anastasio Aguirre (Partido Blanco) e as
rebeldes de Venâncio Flores (Partido Colorado). O segundo se refere às apreciações do
Legislativo Imperial sobre a efetivação da Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) que
se opôs às forças paraguaias quando estas invadiram o território uruguaio como retaliação à
intervenção militar brasileira. Propõe-se relacionar as ideias de 1864, fase de escalonamento
do conflito, com as apresentadas em 1865, quando a aliança com Buenos Aires e Montevidéu
já havia se concretizado, verificando se as ideias apresentadas no primeiro ano se mantém ou
se alteram às vistas de um conflito que começava a tomar proporções maiores. Pretende-se
contribuir para reflexões acerca das percepções desta Guerra pela Câmara Alta do legislativo
brasileiro, evidenciando de que maneira as relações com os países platinos e as visões sobre
suas dinâmicas internas e externas de poder se refletiram na clivagem dualista na elite política
imperial.
1 Bacharel em Relações Internacionais (UNESP, Marília). Mestrando em História (UNESP, Assis) no programa
de História e Sociedade, desenvolvendo pesquisa na linha de História Política. Orientação de José Luís Bendicho
Beired. E-mail: [email protected].
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Introdução
A narrativa da política externa de um país pode ser composta através de documentos
produzidos fora do meio que comumente se ocupa da condução das relações exteriores, como
os atos oficiais do executivo, os tratados internacionais e as correspondências diplomáticas.
As movimentações da diplomacia, os atos de governo e as discussões havidas na imprensa
podem ressoar também no Legislativo e este produzir suas próprias interpretações dos
eventos, permitindo que se apreenda a complexa realidade das relações internacionais de um
prisma distinto dos atos oficiais. O Senado do Império do Brasil, composto de membros
vitalícios escolhidos diretamente pelo monarca a partir de lista tríplice, concentrava nomes de
já extensa carreira pública e era representativo da elite política brasileira à época. Escolhe-se
aqui essa casa legislativa como um locus em que se operam as representações2 entre as alas
políticas manifestadas pelo Partido Conservador e pelo Partido Liberal, entendendo que
ambos retratam a clivagem ideológica dessa mesma elite3.
Neste artigo, utilizam-se os discursos constantes nos Anais do Senado nos anos de
1864 e de 1865 para analisar as temáticas sobre as relações do Brasil com os países da Bacia
do Prata num contexto complexo de escalada de conflito que deu origem à Guerra da Tríplice
Aliança (1864-1870). Faz-se um trabalho comparativo entre os dois anos estudados no intuito
de se compreender as possíveis divergências existentes entre os dois partidos políticos sobre
os temas tangentes à Guerra em questão.
Entre 1864 e 1865, não houve grandes alterações das temáticas relativas ao Prata
tratadas no Senado do Império. Pode-se, entretanto, dizer que existiram certas mudanças
naturais de enfoque: a substituição do Uruguai pelo Paraguai como centro de tensões
geopolíticas na região. Nos dois períodos legislativos, houve menções a aspectos das relações
do Brasil com os países da Bacia, aqui chamados genericamente de Relações com o Rio da
Prata; referem-se tais temas a problemáticas dos processos de aproximação ou
2 Optou-se pelo conceito de representação para explicar as visões sobre política externa manifestadas pelos
Senadores para se afastar de dois pressupostos sobre o comportamento dos atores políticos: de que ocorrem
exclusivamente em função de seus interesses e de que são sempre racionais. A representação, como o conjunto
de imagens e de expressões simbólicas da sociedade por um conjunto de ideias, ajuda a entender a ação de
indivíduos e de grupos não em função de seus interesses, mas sim em função do entendimento sobre a realidade
(MERLE, 1981, p. 193). 3 CARVALHO, J.M. A Construção da Ordem: a elite política imperial. Teatro das Sombras: a política imperial.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
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distanciamento do Império com os países platinos, normalmente tangentes às possibilidades
ou não de alianças e outros tipos de acordos diplomáticos com Paraguai, Uruguai e Argentina.
As visões sobre navegabilidade dos rios sofrem inflexão considerável. Em 1864,
discute-se amplamente uma proposta de linha de barcos a vapor pelo Rio Uruguai ligando o
Brasil à República do Uruguai4. No ano seguinte, a proposta se refere a uma linha mensal de
barcos a vapor para os Estados Unidos5, não aparecendo nenhuma proposição sobre a
presença brasileira nos rios da região. Há uma fala de José Maria da Silva Paranhos
(conservador), sobre a necessidade de se buscar sempre a via do direito para se delimitar o
exercício da navegação por cada país6.
Questões financeiras e militares se mantêm nos dois anos, havendo somente maior
entrelaçamento das duas em 1865 durante as discussões para aprovar o orçamento das formas
armadas para o ano financeiro seguinte. As questões financeiras neste mesmo ano são em sua
maior parte relativas à liberação de créditos extraordinários ao Executivo devido ao esforço de
guerra empreendido pelo governo. Com bastante enfoque em 1864, a participação do poder
legislativo na política externa se faz também presente em 1865, estando a temática
diretamente relacionada nos dois anos com a questão da publicidade dos atos diplomáticos.
Em 1864, houve debates acerca de como se caracterizaria a intervenção militar
brasileira no Uruguai: “guerra” ou “represália”, suscitando posições acerca da natureza da
atuação militar brasileira na região. No ano subsequente, era a natureza da Guerra com o
Paraguai especificamente que era posta em discussão. A diplomacia empreendida pelo
Gabinete liberal foi questionada quanto à sua eficiência nos dois anos legislativos aqui
estudados. Em 1864, foi a chamada Missão Saraiva o evento diplomático sobre o qual se
pediram mais informações no Senado; no ano seguinte, o Convênio de Paz com o Uruguai do
dia vinte de fevereiro foi o tema de debates ainda mais intensos. Tratar-se-á mais adiante do
objeto de cada um.
Nos dois anos, os senadores apresentaram visões sobre as repúblicas platinas,
principalmente suas dinâmicas política e social que, de acordo com opiniões expressas,
determinar o modo de atuação internacional destes países. Isso ocorre com mais intensidade
em 1865, quando denominações pejorativas são atribuídas a Solano Lopez.
4 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro: Typ. do Correio Mercantil, 1864. Tomos I, pp.17-24).
5 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro: Typ. do Correio Mercantil, 1864. Tomos I, pp. 45-49)
6 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomos II, p. 129.
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Particularmente em 1865, a Fala do Trono (discurso do Imperador que anualmente
abria as sessões legislativas) e a resposta do Senado a ela foi criticada por José Maria da Silva
Paranhos. É justamente no primeiro ano de decurso da Guerra com o Paraguai que se
questiona a conveniência de seu conteúdo sobre política externa. Todas estas temáticas serão
aqui trabalhadas com maiores detalhes. Procurou-se somente dar um panorama de como a
Guerra da Tríplice Aliança foi recepcionada pelo Senado do Império ao longo de seu processo
gestacional e como essa mesma casa legislativa sofreu os impactos do primeiro ano de
conflito.
Os temas permanecem quase que inalterados nesses dois anos iniciais. As discussões
tornam-se mais intensos em 1865 com as críticas que se estabelecem à condução da
diplomacia pelo Gabinete de Ministros no governo do Império, sugerindo uma disputa menos
ideológico-partidária no Senado e mais um confronto entre aqueles que apoiam ou não o
posicionamento dos ministros liberais no poder. Isto fica mais nítido quando houve certa cisão
entre o gabinete progressista com os conservadores moderados, manifestada pela demissão de
Paranhos do cargo de plenipotenciário do Brasil no Rio da Prata.
Sustenta-se aqui a ideia de que o arranjo partidário que se denominou Liga
Progressista (1862-1868) não diminuiu a distancia entre liberais e conservadores; e a guinada
liberal do gabinete progressista em 1865 denotou convergência do governo com os senadores
liberais e divergência com os conservadores, conjuntura que desembocou na vitória de uma
concepção de política externa mais agressiva para o Rio da Prata.
1. A Fala do Trono
Embora não produzida diretamente pelo Legislativo, a Fala do Trono dita em partes o
ritmo dos trabalhos no Senado e na Câmara. O discurso imperial expressa claramente o que a
Coroa espera das casas de lei sobre temas que julga prioritários para o país. Diz-se em partes
porque o desejo do Imperador esbarra naturalmente em dois aspectos inescapáveis à análise
legislativa do período imperial: sua limitada atuação no campo da política externa7 em
7 De acordo com a Constituição do Império do Brasil de 1824, cabia especificamente ao Senado “conhecer dos
delitos individuais, cometidos pelos membros da família imperial, Ministros de Estado, Conselheiros de Estado,
e Senadores; e dos delitos dos Deputados, durante o período da Legislatura, conhecer da responsabilidade dos
secretários e conselheiros de Estado; expedir Cartas de Convocação da Assembleia, caso o Imperador o não
tenha feito dois meses depois do tempo, que a Constituição determina, para o que se reunirá o Senado
extraordinariamente; convocar a Assembleia na morte do Imperador para a eleição da Regência, nos casos em
5
contraposição à ampla margem de liberdade retórica que possui o Senado. Esta é uma
premissa com que a pesquisa trabalha: sendo vitalício e não suscetível à dissolução, o Senado
recusa a se ater em aspectos da política externa que constitucionalmente lhe competem,
preferindo ponderar sobre altos assuntos diplomáticos na mesma proporção da eminência
política de seus membros. Eram homens de já longa carreira política, personagens marcantes
na opinião pública, que utilizavam a tribuna do Senado não somente como casa de produção
de leis, mas também como centro propagador de ideias políticas, alimentadoras do debate
político e também alimentadas por ele, mormente no meio jornalístico8. Os debates eram
divulgados em meio impresso: parcialmente no Jornal do Commercio e posteriormente pela
Tipografia Nacional. Os discursos só eram publicados com a anuência de seus oradores que
faziam alterações e supressões no texto conforme sua conveniência9.
A relação entre Legislativo e Executivo em política externa será tratada em tópico
específico. Todavia, a Fala do Trono era uma espécie de mensuração que ajuda a determinar a
expectativa de um frente a outro. Em 1864, o Imperador somente relata à Assembleia a crise
com o Uruguai e a justificativa de nomeação da Missão Saraiva10
. Referia-se às agressões
sofridas por brasileiros e suas propriedades durante a Guerra Civil de 1864 no Uruguai, que
opôs blancos e colorados e à Missão Diplomática nomeada para negociar com o governo de
Montevidéu as reparações aos danos materiais e humanos sofridos. Já em 1865, quando o
Paraguai já invadira a Província do Mato Grosso, dom Pedro II disse esperar que os
legisladores prontamente se ocupassem do que ele chamou de circunstâncias ara a causa
nacional, e os convocou a se empenhar nessa guerra de honra11
.
Em temas relativos ao Prata, de 1864 a 1865 há uma passagem de uma postura
meramente de exposição do problema pela Coroa para uma busca de interlocução nos
assuntos da Guerra. O Imperador não fala em maior participação do Senado e da Câmara em
que ela tem lugar, quando a regência provisional o não faça. No que tange a questões de política exterior, m
atribuições conjuntas com a Câmara de Deputados o Senado fixava anualmente, sobre a informação do Governo,
as forças de mar, e terra ordinárias e extraordinárias, bem como concedia ou negava a entrada de forças
estrangeiras de terra e mar dentro do Império ou dos portos dele (MINISTÉRIO DO INTERIOR. Fundação
Projeto Rondon. A Constituição de 1842:Walter Costa Porto. Brasília, 1986) 8 CERVO, 1981, p. 6.
9 LEITE, Beatriz Westin de Cerqueira. O Senado nos Anos Finais do Império (1870-1889). Brasília: Ed. UnB,
1978. 10
ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro: Typ. do Correio Mercantil, 1864. Tomos I, p.3. 11
ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomos I.
6
decisões diplomáticas, mas os coloca como parte integrante de um corpo político que
precisava dar uma resposta unificada à agressão militar que sofrera.
Dom Pedro II, em 1865, se refere à guerra com o Paraguai como uma “guerra de
honra”. Honra indica uma série de condutas virtuosas, distintas, dignas e deferentes,
atribuídas a uma pessoa física imbuída de valores morais, individuais, adquiridos a partir de
uma vivência social, coletiva. É justamente essa dimensão coletiva que Lucien Febvre12
procura dar ao termo honra. Apoiando-se em Jacques Bossuet, afirma estar a honra no espaço
exterior ao homem, sendo o mundo que lhe dá valor. A honra possui uma dimensão exterior,
que existe em relação aos outros homens e às condutas honoríficas de uma sociedade,
impondo sacrifícios pessoais13
. Febvre discorre sobre o uso corrente do termo honra em nível
societário. A conexão com a área política ocorre quando cita Montesquieu, para quem a honra
é o princípio básico da monarquia, regime em que todas as leis se associam à honra, não se
podendo “[...] separar a dignidade do Monarca da do Reino”14
.
As leis da monarquia, encarnando os princípios de individualismo que por sua vez são
desvinculados dos súditos, atrelam ao monarca as virtudes do heroísmo, do amor à pátria, dos
sacrifícios, das renúncias individuais e do heroísmo. A honra, portanto, está na pessoa do
Monarca, que concentraria em si as características que seriam individuais e, por extensão, as
vincula ao Estado. Falando d. Pedro II em guerra de honra, fundem-se dois campos de análise.
O primeiro, guerra, relaciona-se ao Estado; o segundo, ao indivíduo. Expressa-se desta forma
na fala do Imperador uma confusão entre o que é Estado e o que é o Individuo, ao se atribuir
as atitudes honrosas ao país por ele governado. É a honra que moveu a guerra, segundo o
discurso do Imperador. A monarquia carrega o princípio moral de sua forma de governo, a
honra, na área externa, explicitando a mescla citada por Montesquieu entre a dignidade do
Monarca e a do Reino. Esboça-se o princípio da pessoalidade na face externa do Império que
advém por sua vez da individualidade do monarca e de sua capacidade de encarnar o próprio
país.
12 Faz-se referência ao livro Honra e Pátria que reúne textos e anotações de Lucien Febvre para um curso que
ministrou sobre o tema entre 1945 e 1947 no Collège de France. O autor passou os últimos dez anos de vida a
organizar os textos em formato de livro, não chegando à sua finalização. Foi publicado na década de 1980 sob
organização de Therèse Chamasson e Brigitte Mazon, professoras da École de Hautes Études en Sciences
Sociales. Nos textos, o autor procura esmiuçar o conceito de honra ao longo da história francesa, recorrendo a
fontes inclusive da literatura nacional. 13
FEBVRE, Lucien. Honra e Pátria. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998, p. 59. 14
MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1962, p. 80.
7
A atitude da Coroa de chamar o Legislativo a que trabalhasse na causa da Guerra teve
uma reação surpreendente no Senado. Após a abertura do ano legislativo, a câmara vitalícia e
a câmara eletiva preparavam em comissão própria um comunicado que se denominava
Resposta à Fala do Trono, objetivando sinalizar a recepção legislativa às propostas do
Imperador. Em 1864 e em 1865, as respostas no Senado foram de apoio irrestrito ao que a
Coroa propunha. No entanto, a surpresa ocorre quando Paranhos critica a visão de política
externa expressa pela Fala do Imperador. Plenipotenciário do Brasil no Rio da Prata até março
de 1865, Paranhos é demitido deste posto pelo Gabinete de Ministros após este considerar
insuficiente o Convênio de Paz firmado com o Uruguai no mês anterior15
.
Na Sessão do Senado no dia 26 de Junho de 1865, Paranhos discursa sobre o conteúdo
de política exterior da Fala do Trono, sinalizando quebra do apoio ao governo progressista do
qual fizera parte como diplomata e apresentara, mesmo antes de sua nomeação, respaldo à
diplomacia durante a Missão Saraiva no contexto da tensão com o governo uruguaio em 1864.
Pode-se considerar a atitude do Senador como exemplo do início das dificuldades que o
Gabinete começava a enfrentar durante a Guerra. O interessante a se destacar a essa altura é o
fato de Paranhos questionar certo posicionamento passivo do Senado em relação às diretrizes
da política exterior apresentados na Fala imperial. De acordo com suas ideias, o que o
Imperador apresentara correspondia somente a uma fração da realidade externa vivida pelo
Brasil àquela época. O senador em questão é uma voz dissonante no que se refere à resposta à
Fala do Trono ao não acatar plenamente o discurso do Monarca. Partindo do estudo da
abertura das sessões, pode-se visualizar uma mudança de postura, mesmo que não
significativa, entre a Câmara de Senadores, o Imperador e o Gabinete. Diz Paranhos,
referindo-se ao discurso de dom Pedro II:
Fala da mediação entre o governo imperial e o da Inglaterra, omitindo o
nome do augusto mediador; e da crise bancária, sem dizer a praça do
Império onde teve lugar tão importante e funesto acontecimento. Refere-se à
invasão do Mato Grosso por modo capaz de arrefecer o mais ardente
15 Trata-se do Protocolo de Paz de Villa Unión assinado em 20 de fevereiro de 1865, em que
participou Manuel Herrera y Obes, presidente uruguaio em exercício, Venâncio Flores, líder
colorado, e José Maria da Silva Paranhos, plenipotenciário do Império do Brasil. Este, pela
letra do convênio, assume a presidência da República e se comprometia a cumprir as
exigências do Brasil em punir agressores a brasileiros. DORATIOTO, F.F.M. Maldita Guerra: a nova
história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2013, pp.74-75.
8
patriotismo, detêm-se nas circunstâncias menos importantes do rompimento
do governo paraguaio, quando devera por em relevo o quadro da invasão e
de seus horrores. Finalmente, conclui recomendando-nos uma série de
medidas, todas impertinentes na quadra difícil que vamos atravessando,
graças ao gabinete de 31 de agosto. Como era possível que a comissão do
senado parafraseasse um tal discurso?16
2. Poder Legislativo e Publicidade
Segundo Amado Cervo, os textos legais do período monárquico são de centralização
absoluta da política externa nas mãos do executivo, ficando o legislativo alheio ao controle da
política exterior. Ainda de acordo com o autor, o Parlamento desempenhou a função política
de examinar questões de política externa, estudá-las, pensá-las e dominá-las ou não pela força
das ideias. O processo legislativo não é a única função do parlamento, mas também é uma
assembleia de debate político, aprovando ou censurando o governo17
. Nos dois anos de
discursos aqui em estudo, o Senado pareceu cumprir à risca a o papel de foro de discussões
políticas sem o efetivo resultado concreto em política exterior. Pelos discursos analisados,
verifica-se nos dois anos legislativos uma tendência mantida pelos partidos quando o assunto
é o papel do parlamento nas relações externas e a publicidade dos atos diplomáticos
governamentais: as vozes da ala liberal tendem a ter uma postura de maior demanda por
explicações do governo quanto às suas manobras em política externa; ao passo que os
conservadores e os liberais no governo são mais reticentes, preferindo escolher o momento
certo de fazê-lo. Embora expresso mais explicitamente pelo conservador Paranhos, há uma
postura resiliente em ambos os partidos sobre o papel do Senado sobre atribuições
constitucionais em política externa (fixação de forças de mar e terra e aprovação de tratados
que envolvam cessão de território nacional), não havendo nenhum questionamento direto
sobre tais restrições por nenhuma das alas.
Em 1864, ao discursar sobre projeto de abertura do Rio Amazonas às nações amigas, o
conservador José Maria da Silva Paranhos deixou nítida a ideia de que os acordos
internacionais que não envolvessem concessão de território a outros países dispensam a
autorização legislativa18
. Senadores da ala liberal, como Silveira da Motta, da ala liberal-
progressista, requisitara em julho daquele ano informações concernentes à Missão Saraiva,
16 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomos I e II. Apêndice, p.95. 17
CERVO, 1981, p. 5-9. 18
ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro: Typ. do Correio Mercantil, 1864. Tomos I, II e III, pp. 165-167.
9
pois esta segundo ele estaria se desviando de seu objetivo principal ao começar a negociar
com a Argentina a pacificação interna do Uruguai19
. Afirmou que o Presidente do Conselho
de Ministros se esquivara de dar informações sob o pretexto de serem melindrosas e por
serem questões diplomáticas20
. Segundo a opinião liberal expressa, questões de ordem
exterior não estariam sendo repassadas devidamente ao conhecimento do Poder Legislativo,
suscitando as respostas conservadoras de Pimenta Bueno e D. Manoel. Para o primeiro, na
política de publicidade dos atos diplomáticos “deve haver um meio termo, em que somente
interesses [governamentais] sérios devem ser ocultos”21
. De acordo com o segundo, é o
governo que decide o tipo de informações que devem ser repassadas22
.
Paranhos, Silveira da Motta e D. Manuel, embora denominados aqui como
conservador, liberal e conservador, respectivamente, pois eram oriundos desses partidos,
faziam parte neste período estudado de uma mesma ala política que se denominava
progressista. Mesmo assim, apresentaram divergência sobre este tema. Os progressistas eram
formados por liberais moderados e conservadores dissidentes que encarnavam a tentativa de
uma nova conciliação e se entendiam como um novo partido. A Liga se desfaz em 1868 após
a queda do Gabinete Zacharias, este também um conservador dissidente e presidente do
primeiro conselho progressista; há, após esse evento, uma nova polarização partidária23
.
Observou-se no tema especificamente aqui tratado que as divergências ocorreram conforme a
divergência partidária anterior à Liga, isto é, esta nova ala que se pôs ao centro de liberais e
conservadores puros não indicou convergência sobre temas de política externa.
Em junho de 1865, ao tratar da questão da demora da resposta militar do Império à
invasão da Província do Mato Grosso, o conservador Francisco Gonçalves Martins, Visconde
de São Lourenço, senador pela Bahia, apresenta uma ideia muito peculiar sobre o papel do
legislativo em tempos de guerra: os partidos políticos não estariam a favor do país, ocorrendo
o mesmo com relação às mudanças fáceis de gabinetes do governo. Diz São Lourenço:
Eu não censuraria o governo se nos quisesse mandar embora, logo que
obtivesse o recurso para o ordinário e extraordinário de nossas
19 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro: Typ. do Correio Mercantil, 1864. Tomos I, II e III, p.111.
20 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro: Typ. do Correio Mercantil, 1864. Tomos I, II e III, p.127.
21 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro: Typ. do Correio Mercantil, 1864. Tomos I, II e III, p.136.
22 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro: Typ. do Correio Mercantil, 1864. Tomos I, II e III, p.149.
23 CARVALHO, J.M. A Construção da Ordem: a elite política imperial. Teatro das Sombras: a política
imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
10
circunstâncias. Em tempos de guerra, poucas palavras e ação vigorosa. Os
ministros perdem muito tempo com as câmaras que lhes falta para os
negócios de urgência e sempre marcham um pouco mais constrangidos. Eu
dispensava o parlamento24
.
Curioso destacar que não se erguem vozes de protesto a essa ideia, proferida
justamente numa instituição legislativa que, não tendo quem interpelasse o senador por tal
consideração, revela-se conformista em certa medida quanto à sua situação secundarizada nos
processos decisórios de política externa.
Silveira da Motta, liberal, voltou em 1865 com o tema da publicidade ao cobrar
novamente do governo explicações de assuntos sobre relações externas do Império que ele
considera muito melindrosos. O senador tratou desta vez da assinatura da Tríplice Aliança,
que chegara ao conhecimento dos senadores somente por jornais estrangeiros. Silveira da
Motta não falou em poder decisório do Parlamento da assinatura de tratados, mas sim
questionou o fato de não ter sido oficialmente relatada pelo governo a Aliança quando o
assunto não mais necessitava de sigilo. Requisitou, por isso, uma cópia do tratado. Isto lhe é
negado pelo presidente do conselho de ministros segundo o qual não conviria publicá-lo
naquele momento. O Senador acaba por desistir do requerimento, mas mantém uma postura
firme no sentido de cobrar explicações sobre os arranjos diplomáticos efetuados no Prata pelo
Ministério.
Diz Silveira da Motta:
O Senado sabe, pelos jornais do Rio da Prata, e pela transcrição de trechos
nos jornais noticiosos dessa corte, que se fez um tratado de tríplice aliança
com o Estado Oriental e com a Confederação Argentina, para serem
dirigidas em comum as operações de guerra contra o inimigo também
comum, o Paraguai; porém, a notícia que se há do tratado ainda não é
oficial.25
Atribui-se a Francisco Gê Acaiaba de Montezuma, Visconde de Jequitinhonha, um
posicionamento político fora e acima dos partidos26
, não lhe sendo imputado pertencimento
nem aos conservadores nem aos liberais. Para ele, necessita-se que a política interna pouco
interfira nas relações externas, afastando estas das lutas interpartidárias. Jequitinhonha,
embora não falando especificamente sobre o papel do legislativo na diplomacia, reconheceu a
24 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomo II, p.52.
25 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomo I e II, p.133.
26 VIANNA, 1968, p. 99.
11
existência de dois campos (interno e externo) cujas lógicas são distintas e sua intersecção
perigosa para os assuntos diplomáticos.
Afirma o Visconde:
Em minha opinião, pois, senhor presidente, francamente declaro perante o
Senado que as relações exteriores devem ser superiores ou jamais afetadas
pelos vai e vens das questões internas; os partidos não devem ter influência
alguma sobre as relações exteriores. Adote-se uma política, pense-se bem
nela e, depois de adotada, siga-se a política, seja quem for o ministério27
.
Sobre a publicidade dos atos do governo no campo externo, aproxima-se da visão
liberal de Silveira da Motta. Jequitinhonha refere que na Inglaterra se publicou para o
Parlamento daquele país notas consideradas secretas para informar que o corpo diplomático
inglês em Montevidéu e em Buenos Aires sempre esteve a favor da posição do Brasil no Rio
da Prata no contexto das queixas brasileiras ao governo blanco uruguaio. Para ele, os ingleses
são amigos da verdade, pois suas notas sempre vão para domínio público28
.
3. Relações com o Rio da Prata
Neste tópico, tratam-se de ideias expostas no Senado do Império sobre as relações
externas do Brasil tangentes aos processos de aproximação ou afastamento com os países que
formam a Bacia do Rio da Prata: Argentina, Uruguai e Paraguai. Nos Anais do Senado, estes
tópicos geralmente constam sob o tema de Negócios do Prata, mas também surgiram
esporadicamente em discussões mais variadas, que não necessariamente se referiam à Bacia
Platina, como finanças e fixação das forças de terra, por exemplo. São visões às vezes não
muito homogêneas e elaboradas, mas que pontualmente podem revelar aspectos importantes
sobre como a elite política do Império entendia o relacionamento com tais países.
Verificou-se mais uma vez que entre os membros da Liga Progressista não houve
convergência sobre política exterior. As aproximações e distanciamentos foram observados na
relação entre legislativo e governo, não se podendo constatar que as opiniões manifestadas
sobre as relações com o Prata tiveram relação direta com a pertença à ala partidária. Houve
apoio de liberais no Senado ao governo quando este esta chefiado por um liberal histórico
27 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomos I e II, p. 122.
28 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomo I e II, p.123.
12
(Ferraz); aproximação esta que não ocorria quando a presidência do Conselho de Ministros
cabia a um liberal moderado e dissidente do partido conservador (Zacharias).
Entre 1864 e 1865, há uma mudança conjuntural importante no Prata que deve ser
levada em conta ao se analisarem os posicionamentos partidários. É, outrossim, inescapável a
necessidade de se considerar também a posição dos partidos no governo, o que é determinante
para avaliar suas ideias. Em 1864, o gabinete liberal defendia os processos de negociação com
o Prata, colocando a via militar como uma última opção, possuindo apoio do conservador
Paranhos (que à época ainda não tinha cargo diplomático no governo). Os liberais no senado,
destoando dos seus colegas de partido na condução do Gabinete, nutriam desconfiança em
relação a acordos com os países platinos. Entre 1864 e 1865, há uma inflexão conjuntural:
normalizam-se as relações com o Uruguai após intervenção militar e acordo de paz com o
Império, mas ocorre a invasão do Mato Grosso pelo Paraguai. Isto incorre num aumento das
responsabilidades do gabinete liberal na área externa. Nomeando o conservador Paranhos para
cargo de ministro plenipotenciário no Rio da Prata para as negociações de paz com o Uruguai,
o demite em março após a assinatura de um convênio em de fevereiro. O Gabinete alega
insuficiência do tratado, atribuindo ao texto ausência de garantias de segurança para o futuro.
Os liberais no governo mantém aproximação com o Uruguai e Argentina, mas nega qualquer
tipo de aliança com os mesmos, demorando até mesmo a anunciar oficialmente a assinatura
do Tratado da Tríplice Aliança com Buenos Aires e Montevidéu. Os liberais no Senado
apresentam-se mais próximos ao governo. Silveira da Motta, antes desconfiado da
aproximação com o Prata, considera Uruguai e Argentina como aliados naturais,
provavelmente sustentando a ação de seus correligionários na política externa; Dias Vieira, ex
ministro de negócios estrangeiros, sustenta via militar como única opção; Zacharias, ex chefe
de Gabinete, nega aliança mas acena necessidade de manutenção de acordos.
Durante as discussões sobre a Missão Saraiva, Zacharias de Góis e Vasconcelos,
senador liberal e Presidente do Conselho de Ministros em 1864, apresenta visão de uma
diplomacia mais equilibrada e mediadora com os países do Prata, inclusive comprometendo-
se com a pacificação interna do Uruguai. A guerra com esta República não seria, naquele
momento, desejável29
. Diferentemente de um liberal na condução do governo, Silveira da
Motta transparece certa desconfiança quanto ao comprometimento dos países platinos com os
29 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro: Typ. do Correio Mercantil, 1864. Tomo I, pp.123-140.
13
acordos feitos com o Império, chamando a política de apoio ao Uruguai de custosa e estéril
no seio de uma conjuntura política platina demasiado intrincada devido às complexas alianças
que se formam entre seus líderes30
.
Paranhos, conservador, encampa a estratégia do governo liberal que tendia mais aos
processos de negociação e acordos do que para a via de engajamento militar. Para ele, as
relações entre o Brasil e os países do Prata eram determinadas por um elemento geográfico, o
que constrangeria a um vínculo de interesse de paz e segurança comuns, isto é, a prezar o
governo imperial pela estabilidade doméstica do Uruguai e desejar uma aliança com a
Argentina31
. Essa aproximação com o governo liberal se revela pelo discurso de Zacharias
sobre o apoio argentino à Missão Saraiva, ao interesse em que a banda oriental (Uruguai) seja
pacificada e um recurso à ação militar em última instância32
. A convergência de ideias entre
liberais do governo e conservadores no Senado sobre a política para o Rio da Prata é
perceptível na ocasião da nomeação de Paranhos como plenipotenciário brasileiro para
negociação de um acordo de paz com Montevidéu após a invasão militar pelo Brasil do
território vizinho.
Em 1865, ainda é possível observar por uma voz ala conservadora esse apoio à
aproximação com o Prata, como em discurso feita pelo Visconde de São Lourenço, segundo o
qual a aproximação com a Argentina garantira maior presença na região platina33
O liberal
Jobim possui visão muito parecida com o apresentado pelo conservador Paranhos no ano
anterior, relacionando diretamente a invasão militar no Uruguai com a pacificação da fronteira
e a segurança do Império34
. No entanto, outra voz liberal em 1865, a de Zacharias
(anteriormente Presidente do Gabinete de Ministros), alega inexistência de aliança com o
Uruguai após sua pacificação. Houve segundo ele somente um respeito ao tratado de 27 de
agosto de 1827 em que Argentina e Brasil se comprometiam a manter a independência do
Uruguai frente a agressões externas. Para ele, as relações do Brasil com o Prata ocorrerem no
sentido de manter os tratados pactuados35
.
30 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro: Typ. do Correio Mercantil, 1864. Tomo I, p.130.
31 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro: Typ. do Correio Mercantil, 1864. Tomo I, p.145.
32 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro: Typ. do Correio Mercantil, 1864. Tomo I, p.148.
33 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomos II, p.152.
34 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomos II, p.103.
35 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomos I e II, pp.103-104.
14
O Visconde de Jequitinhonha, apartidário, apresenta certa visão de distanciamento dos
países do Prata, desconfiança em relação aos compromissos assumidos com os países da
região, atribuindo a isso as diferenças de regime entre Monarquia e República. Ao Visconde,
a quem sempre se atribuiu um posicionamento apartidário, ergue voz contrária do liberal
Silveira da Motta. Para este, Argentina e Uruguai seriam aliados naturais do Brasil36
.
Jequitinhonha explica que o apoio ao Brasil durante a intervenção militar no Uruguai
pelos corpos diplomáticos da Argentina e da Inglaterra se deveu somente à tentativa de
proteção do comércio ali existente entre os países citados. As intervenções do Império na
região somente haviam criado antipatia dos vizinhos e arruinado a política do Império no
Prata37
. Diz Jequitinhonha:
[...] toda a proteção que procuramos dar e temos dado, os benefícios feitos
sejam mal recebidos; porque aquela gente está sempre acreditando que uma
monarquia, posto que constitucional e representativa, livre como não
nenhuma outra no mundo, não pode ser amiga leal e verdadeira de repúblicas
como são a Confederação Argentina e o Estado Oriental, e assim por diante.
[...]. Deixemos que as repúblicas do Prata sigam a sua sorte, cuidemos nós
de nossas fronteiras, defendemo-las do ingresso de revoluções que assolam
aqueles países, e mostremos desta forma que o Brasil não pretende nada a
respeito das repúblicas do Sul38
.
Diferencia-se de Dias Vieira, ex-ministro de Negócios Estrangeiros de gabinete
liberal, segundo o qual a relutância do presidente blanco uruguaio Anastasio Aguirre em
negociar com o Brasil levou o Império a aumentar a violência dos meios empregados, sendo
inevitável a intervenção armada39
.
A aproximação dos liberais no Senado com o governo e a relutância deste em tornar
pública a aliança com a Argentina e o Uruguai ficaram evidentes no episódio ocorrido em 21
de junho de 1865. Nesta sessão, Silveira da Motta cobrou do governo divulgação oficial da
assinatura da Tríplice Aliança, somente noticiada pelos jornais do Prata e não no Brasil 40
. O
Senador liberal desistiu rapidamente do requerimento após o governo afirmar não ser
conveniente por ora publicar o Tratado. Silveira da Motta tocara em assuntos críticos para o
36 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomos I e II, p.120.
37 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomos I e II, pp.119-120.
38 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomos I e II, p.119.
39 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Apêndice, p.143.
40 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomos I e II, p.133.
15
governo: publicidade de atos diplomáticos e reconhecimento da aliança com Flores contra o
Paraguai. A aliança é negada pelo liberal no Zacharias. No entanto, Silveira da Motta mostra-
se mais maleável em relação às críticas ao governo dos liberais, diferentemente do ano
anterior em que tomou uma via de maior contestação do governo quando este ainda tinha
optava por negociar com o Uruguai em 1864 durante a crise com o governo Aguirre e
nomeação da Missão Saraiva. Em 1865, o governo liberal já havia mostrado sua opção pelas
armas, rompido com a atitude moderadora dos conservadores (demissão de Paranhos), e
colocado fora da publicidade os arranjos diplomáticos para alianças no Prata.
4. O Convênio de 20 de Fevereiro de 1865 entre o Império do Brasil e a República
Oriental do Uruguai
Este é o melhor exemplo de como houve distanciamento de liberais e conservadores
no governo e maior conexão entre o governo liberal e seus correligionários no Senado. Ainda
em 1864, como visto, o Gabinete preferira a negociação à guerra durante a crise com o
Uruguai (maio a agosto de 1864). Tal atitude do gabinete contrariou as suspeitas de que a
nomeação de um ministério liberal significaria atitude intervencionista do Brasil
(CARDOZO, 1961), o que mostrou aproximação neste aspecto com a política de moderação
conservadora para o Rio da Prata. Após o insucesso da Missão Saraiva (liderada pelo
Conselheiro Antônio Saraiva, liberal) e a intervenção armada no Estado Oriental, o Gabinete
nomeia José Maria da Silva Paranhos, conservador, para negociar a Paz com o Uruguai.
O mandato presidencial de Aguirre já estava findando, sendo sua sucessão disputada
por duas alas do partido blanco, vencendo aquela menos radical de Tomás Villalba, favorável
ao processo de paz com o Brasil41
. O chamado Protocolo de Paz de Villa Unión foi assinado
em 20 de fevereiro de 1865 entre Paranhos, Manuel Herrera y Obes (representante do
Presidente Villalba) e Venâncio Flores (líder colorado). No documento, previu-se que este
último assumiria a presidência do Uruguai. Ainda segundo Doratioto, Paranhos conseguira
capitular Montevidéu, último reduto blanco, sem a necessidade de mais luta armada. Porém,
assim que a notícia da assinatura chega ao Rio de Janeiro, decreta-se a demissão de Paranhos
pelo fato de o tratado não ter “[...] reparado a honra brasileira ultrajada pelo governo blanco”.
41 DORATIOTO, F.F.M. Maldita Guerra: a nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das
Letras, 2013, p.74.
16
Este ultraje se refere à queima de Tratados com o Brasil e da bandeira do Império ocorrido
sob mando de Aguirre após o fuzilamento de um combatente blanco após ser entregue a um
batalhão colorado. Responsabilizou-se o Brasil por tal execução, havendo protestos em
Montevidéu com queima da bandeira do Império e em resposta a este ato, Tamandaré quis
atacar a capital uruguaia, mas foi impedido por Paranhos; este foi acusado pelo primeiro de
falta de dignidade. Tamandaré pede demissão de seu cargo. Dias Vieira, Ministro de Negócios
Estrangeiros, e Furtado, chefe do governo liberal, recomendam ao Imperador que também
Paranhos sofra destituição, o que ocorre em 03 de março. Doratioto também afirma que
crescera um sentimento bélico por parte da opinião pública nacional, havendo identificação
com as atitudes de força42
.
As discussões no Senado sobre o convênio de 20 de fevereiro revelaram uma
convergência entre o governo liberal puro (Ferraz) e os liberais no Senado, mostrando quebra
da rápida aproximação havida entre o Gabinete e a diplomacia negociadora dos
conservadores, representada esta pelas ações de Paranhos. No Senado, os liberais posicionam-
se a favor da demissão de Paranhos. As únicas vozes de apoio ao futuro Visconde do Rio
Branco são do liberal Jobim e do conservador Visconde de São Lourenço. Nitidamente, a
demissão de Paranhos e as discussões legislativas que se seguem foram reflexos de como a
diplomacia do gabinete liberal tornou-se de mais alto perfil, mais militarizada e agressiva. Por
exemplo, o liberal Souza Franco afirmou que a demissão de Paranhos poderia levar ao Rio da
Prata um novo elemento de força, entendendo como secundário o papel que o Brasil
desempenhara no Prata43
.
Em 8 de junho de 1865, o Visconde de São Lourenço contesta as críticas de que fora
brando o Convênio de 20 de fevereiro. Para ele, o exército brasileiro procedera bem em não
fazer capitular pelas armas a cidade de Montevidéu, mostrando ser o conservador mais adepto
à negociação diplomática que à força. Diz o Visconde:
Também me causou impressão desagradável, e incompetência denunciada do
ilustre diplomata para a celebração do convênio de 20 de fevereiro, não só
porque como tal foi ele declarado nulo, como porque não entrou na razão
42 DORATIOTO, F.F.M. Maldita Guerra: a nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das
Letras, 2013, pp. 75-77. 43
ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomos II, p.123.
17
dos motivos da demissão do nosso colega. Semelhante acusação era mais
contra o governo do que em prejuízo do negociador44
.
O liberal Jobim é a única voz do partido contrário que fala a favor de Paranhos e do
Convênio, afirmando que foram exageradas as considerações feitas quanto aos insultos à
bandeira nacional45
. Ficam por conta de Furtado, chefe do Gabinete de Ministros até maio de
1865, as mais tenazes críticas a Paranhos. Durante sessão de 14 de junho daquele ano, Furtado
afirma que não se tratou dos interesses do Brasil no sentido de reparação das ofensas, mas se
cuidou prioritariamente da pacificação interna do Uruguai para fazer chegar à presidência do
país um aliado do Império46
. Furtado mostra por notas que Paranhos concebera desarrazoado
exigir satisfações do governo uruguaio quando as agressões a brasileiros e suas propriedades
já chegaram ao fim47
. Para ele, Paranhos procurara ultrajar o governo, pois “[...] homens
vaidosos, julgando-se extremamente colocados, que acreditam que os ministros não teriam
coragem para demiti-los e, aparecendo a demissão, julgam responsabilidade da Coroa”48
.
A resposta de Paranhos ocorre na sessão do dia 26 de junho, em que claramente afirma
que Furtado é seu antagonista e usou termos impróprios para o Senado quando se referira a
ele e ao Convênio. Sua destituição ocorrera dentro do direito, mas de forma injuriosa, pois
não foi seguida de nenhuma nota explicativa, expondo-o à difamação. Segundo ele: “O
gabinete do 31 de agosto estava no seu direito destituir-me, desde que eu tivesse desmerecido
de sua confiança; nunca lhe contestei esse direito. Mas como usou ele de seu incontestável
arbítrio?”49
. Lamenta que o próprio Gabinete pusera em dúvidas sua capacidade de negociar,
mas afirma ter em mão documentos que comprovam a anuência do mesmo quando ao
conteúdo firmado50
. Sendo interpelado pelo liberal Silveira da Motta, que duvida de que o
cargo de Paranhos lhe desse realmente plenos poderes para negociar sobre qualquer assunto
com Montevidéu, o ex plenipotenciário assim se dirige a Dias Vieira (ministro de negócios
estrangeiros à época da assinatura do Convênio):
44 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomos II, p.51.
45 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomos II, pp.104-106.
46 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomos II, p.83.
47 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomos II, p.85.
48 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomos II, p.88.
49 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Apêndice, p.94.
50 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Apêndice, p.96.
18
Por que S. Ex. não disse que seus plenos poderes eram uma burla, que eu
com eles não podia fazer obra, porque me faltava uma credencial? É
inconcebível que eu fosse habilitado, em nome do chefe deste Estado, para
qualquer ajuste concernente à guerra com a República Oriental e com o
Paraguai, e o próprio ministro que me mandou esses plenos poderes possa
hoje dizer, como lhe ouvimos, que aquele documento era de todo inútil, que
eu não podia negociar, porque não tinha uma carta de crença!51
.
A discussão que ocorre nesta mesma sessão entre Paranhos e Silveira da Motta mostra
como os liberais estavam mais antenados a uma necessidade de demonstração de força no Rio
da Prata. Para o liberal, o Brasil deveria ter feito Montevidéu capitular pela via das armas, ao
invés da negociação, pois não haveria resistência nesta mesma cidade52
. A falta de resistência
é negada por Paranhos, que afirma sobre a existência de forças prontas para reagir ao ataque
militar brasileiro à capital uruguaia. E para o conservador era natural a aliança com Flores na
medida em que se impunha a necessidade de negociar com o político colorado para satisfazer
as exigências do Brasil, insistindo que não se poderia seguir pela via militar quando houvesse
a possibilidade de negociação diplomática53
.
5. Navegação dos Rios da Bacia do Prata
As discussões que permeiam projetos relativos a autorizações para utilização dos rios
da bacia platina por linhas de barcos a vapor são reflexos de como o Senado pensa o modo de
gestar a presença brasileira na região. Nos dois anos, as vozes dos partidos permanecem num
mesmo tom: a conservadora defendendo uma aproximação com os países platinos pautada no
exercício da navegação obtido pela via do direito internacional; a liberal entendendo que se
devem evitar contatos que possam tornar ainda mais tensas as relações na região, sinalizando
distanciamento com os vizinhos.
Em 1864, as discussões em que este assunto aparece se travam sobre um projeto de
linha a vapor pelo Rio Uruguai partindo da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul até
a cidade de Salto, no Uruguai, ainda no início das sessões legislativas daquele ano54
. Para
Jobim, liberal, senador pela província em questão, encara o projeto como uma utopia, uma
vez que a navegação de alguns trechos não é realizável. Em convergência com o republicano
51 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Apêndice, p.97.
52 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Apêndice, pp.97-99.
53 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Apêndice, pp.100-101.
54 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro: Typ. do Correio Mercantil, 1864. Tomos I, pp.17-18.
19
Teófilo Otoni, Jobim afirma que a exploração de linhas não garante a mesma segurança às
fronteiras que ocorre quando existem populações ribeirinhas fixas utilizando áreas cultiváveis,
como acontece na Europa55
. Otoni apresenta-se cético quanto ao projeto em pauta,
defendendo a ideia de que o assunto era complexo e que o Brasil deveria evitar qualquer
medida que complicasse ainda mais suas relações com o Prata, terreno que considera
melindroso56
. Em discrepância a essas opiniões, o conservador Paranhos atenta para o fato de
que a referida linha seria de interesse para várias povoações da região do ponto de vista
comercial, auxiliando ainda as comunicações diplomáticas do Brasil, prevenindo contrabando
e aumentando a renda. Em defesa disto, baseia-se no direito de navegação dos rios que para
ele é pertencente a todos57
.
Tratando da questão da pacificação do Uruguai no ano seguinte, Jobim afirma que
existe uma atração entre este país e a província do Rio Grande, pois as benesses do comércio
iriam para o Uruguai devido à impossibilidade de se instalar um porto na província, fazendo
definhar algumas povoações brasileiras que vivem, por outro lado, o saqueio por parte de
uruguaios que viveriam, segundo o senador liberal, como beduínos58
. Paranhos segue na
defesa do direito como base da navegação dos rios da Bacia do Prata, ao discorrer sobre o
tratado de navegação assinado com o Paraguai em 1856. Para o conservador, os tratados
internacionais e a soberania compartilhada dos rios obriga a que o Império negocie qualquer
exercício do direito de navegação59
.
6. As visões do Prata: construção do imaginário político platino na elite política imperial
Embora o título deste tópico trate de um extenso tema à parte, optou-se por tratar aqui
de algumas passagens de discursos constantes nos Anais que revelam a utilização de alguns
termos que denotam certa percepção pejorativa da dinâmica política do Prata e de seus
personagens por parte dos membros do legislativo brasileiro. Percebe-se que interpretações
que fazem elo entre raça e situação política, bem como termos impróprios ao chefe do
governo paraguaio, não se atribuem especificamente a um ou outro partido.
55 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro: Typ. do Correio Mercantil, 1864. Tomos I, p.30.
56 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro: Typ. do Correio Mercantil, 1864. Tomos I, p.24.
57 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro: Typ. do Correio Mercantil, 1864. Tomos I, p.30.
58 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomos I e II, p.103.
59 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomos I e II, p.129.
20
Na mesma sessão de 16 de junho de 1865 em que fala de uma atração entre a
província do Rio Grande e o Uruguai devido a ausência de porto em território brasileiro,
Jobim (liberal) sugere uma tendência das populações do Prata a disputas políticas; de acordo
com o mesmo senador, o governo destes países atribuía ao Império a causa de suas
instabilidades.
esta gente é dada à vadiação e à vagabundagem, é um elemento constante de
desordens e de revoluções não só para nós como também para o Estado
Oriental. Se ainda aparecer algum caudilho ousado que pelo seu trato e
valentia saiba leva-la como há alguns anos aparecerão, pode contar sempre
com essa gente bem como se aparecer alguma revolução no Estado Oriental
há de acontecer o que acontece com os urubus quando há uma carniça em
qualquer parte, acodem imediatamente [...] quer o governo queira, quer não,
quer as autoridades queiram, quer não; hão de acudir onde houver alguma
revolução e caudilhos que lhes inspire confiança. O governo do Estado
Oriental acusava-nos por termos nós e as nossas autoridades favorecido a
revolução do general Flores60
Entende Jobim que as revoluções políticas por que passam os países platinos são
oriundas de uma índole espanhola mais suscetível a lutas, a desavenças, ao passo que os
povos de origem portuguesa, de melhor índole, de maior doçura e generosidade, não
conheciam tantas rupturas políticas61
. Jequitinhonha fala da inconstância da raça latina para
firmar-se em grandes empresas, sugerindo falta de perseverança em cumprir acordos62
. Ottoni
se refere ao presidente Solano Lopez como “cacique do Paraguai”, interpelado Jobim e
Zacharias, ambos liberais, que atentam para a necessidade de trata-lo por “Sua Excelência, o
Presidente do Paraguai”63
. Jobim, noutra sessão, diz não se conformar com as denominações
com as quais seus colegas se dirigem a Lopez, como selvagem, cacique, salteador64
.
7. Visões sobre Guerra e sua Natureza
Sobre este tópico, percebe-se um distanciamento dos liberais do Senado com relação
ao gabinete liberal-progressista de Zacharias, apoiado este por Paranhos. A atitude de da
diplomacia de negociação habitualmente tomada pelos conservadores se manifesta na
60 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomos I e II, p.103.
61 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomos I e II, p.104.
62 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomos I e II, p.121.
63 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomos I e II, p.149.
64 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomos I e II, p.158.
21
concepção de distinguir represália de guerra: não se entra em detalhes conceituais a respeito
do que cada termo indica, mas entendem que represália seria uma intervenção armada para
reparar algum dano causado ao país invasor e permaneceria como última alternativa à
diplomacia durante uma crise.
Em 1864, durante as discussões sobre a Missão Saraiva e no caso de o Império
precisar agir militarmente no Uruguai, Paranhos afirma existir uma diferença entre represália
e guerra. O primeiro termo se referiria a casos em que o país interviria quando a dignidade e o
interesse do Império assim o exigissem, mesmo contrariando o pacifismo do país, que ele
considera como um estado normal da política exterior brasileira65
. Em discussão anterior, o
liberal Silveira da Motta havia questionado o ministro de estrangeiros Dias Vieira sobre este
não considerar a intervenção militar como uma invasão territorial efetiva.
Mas, senhores, o nobre ministro só faltou-nos dizer hoje que ia declarar
guerra; falou-nos mesmo em guerra; disse que mandava invadir o território,
chamando a isso represálias. Não sei se os homens do Estado Oriental e o
ministro inglês, que está por lá olhando muito atentamente para tudo isto,
admitirão esse direito das gentes, em que se firma o nobre presidente do
conselho para chamar simples represálias a invasão do território66
.
No ano seguinte, não existem discussões referentes à maneira de como denominar a
intervenção militar do Império em países vizinhos. A invasão do Uruguai e a subsequente
assinatura de um convênio de paz já haviam ocorrido; as preocupações se voltavam ao
Paraguai, a que se faz referência somente o Imperador, chamando-a de guerra de honra, como
já foi tratado acima.
8. Questões Financeiras e Militares
Considerando que uma das poucas atribuições do Senado que tinham impacto na área
das relações internacionais era a votação do orçamento para as forças armadas, os discursos
referentes a este papel da casa vitalícia apresentaram opiniões sobre a condução militar da
guerra e seu impacto financeiro. As discussões havidas em 1865 se referem à votação
orçamentária para o ano financeiro de 1866-1867, que ocorreu sem alteração do projeto feito
65 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro: Typ. do Correio Mercantil, 1864. Tomo III, p. 144.
66 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro: Typ. do Correio Mercantil, 1864. Tomo II, p. 131.
22
pelo governo. As divergências não ocorrem em nível interpartidário, mas a disputa é mais
uma vez vertical, envolvendo oposição e governo liberal. Houve uma tentativa deste de se
justificar frente a conservadores e liberais sua conduta na guerra com o Paraguai.
Ainda antes da votação, São Lourenço (conservador) já criticara a demora da resposta
militar brasileira ao ataque à Província do Mato Grosso enquanto o Senado ainda debatia
assuntos que segundo ele eram frívolos frente às necessidades urgentes da guerra67
.
Jequitinhonha também discursa sobre esse mesmo tema, questionando por que as forças
brasileiras demoram a avançar desde que haviam chegado a Montevidéu. Ferraz (senador e
ministro da guerra) o responde, afirmando que a demora se devia às necessidades de escolha
das próximas manobras a serem seguidas em conjunto com o exército aliado68
. Não
imputando a nenhum partido, mais críticas à deficiência das forças armadas se fazem por
Furtado, liberal, que fora chefe do Gabinete de Ministros até o mês anterior69
. Apesar das
críticas, a proposta de fixação de forças de terra é aprovada sem emendas em 17 de junho,
assim como um crédito suplementar para o governo três dias depois e outros especificamente
para as forças armadas no dia 28 do mesmo mês, todos justificados com base no esforço do
país em ter êxito no conflito. Souza Franco posiciona-se claramente a favor do governo ao
afirmar que as críticas à falta de assistência aos soldados do Império vinham de detratores do
Brasil; dirigindo-se a Silveira da Motta, defende que a dificuldade de direcionamento das
forças militares estava ocorrendo naquele e em outros governos70
.
Considerações Finais
Nos dois anos aqui estudados (1864 e 1865), ocorria na política partidária do país a
denominada Liga Progressista (1862-1868), que congregou nos gabinetes ministeriais
políticos liberais e conservadores moderados, num momento em que se rachava a unidade
conservadora e situação política no Brasil caminhava para uma terceira via71
. No entanto, não
arrefecendo as divergências entre as alas que a compunham, a aliança entre elementos dos
dois partidos foi demasiado instável, sendo o golpe final da Liga a queda do gabinete de
67 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomo II, p. 51.
68 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomos II, pp. 78-80.
69 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomo II, p. 90.
70 ANAIS DO SENADO. Rio de Janeiro. Typ. do Correio Mercantil, 1865. Tomo II, p. 129.
71 IGLESIAS, F. Vida Política. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). História Geral da Civilização
Brasileira. São Paulo: Bertrand Brasil, 1987 (vol. 5).
23
Zacharias em 186872
. Zacharias, por exemplo, foi visto com frieza pelos liberais históricos,
pois estes desejavam um chefe de gabinete que encampasse os princípios liberais e renegasse
concepções conservadoras. Como ainda aponta Iglesias, o gabinete de 31 de agosto de 1864,
que dura até maio do ano seguinte, foi um governo nitidamente liberal e visto com ceticismo
pelos moderados.
Entende-se que a vigência de um novo programa partidário não diminui a distância
ideológica entre os membros das alas políticas. Legisladores que se denominaram
progressistas também não convergiram sobre tema de política externa. Durante a permanência
de Furtado na chefia do Gabinete Ministerial, o ano de 1865 representou a quebra da nuance
progressista do governo pela demissão do conservador Paranhos. As discussões no Senado
sobre política externa corroboram o fato de o gabinete Furtado ser nitidamente liberal como
apontado acima: é justamente neste gabinete que os liberais no Senado apresentam maior
aproximação com o governo no que se refere à política externa, imprimindo a esta uma
conotação de alto perfil, destoando daquele teor mais diplomático e de negociação durante o
gabinete Zacharias no ano anterior. Zacharias era um liberal dissidente do partido conservador
e apresentava, portanto, posições mais moderadas, o que pode explicar a convergência de
Paranhos com o governo em 1864 e quebra de apoio em 1865 durante o governo de Furtado.
A partir de maio deste ano, o governo foi comandado pelo Marquês de Olinda, conservador,
mas mantendo o Conselheiro Saraiva, liberal, no comando da pasta de estrangeiros. Este
mesmo conselheiro é que havia liderado a polêmica missão diplomática no Rio da Prata que
resultou num ultimatum ao governo uruguaio e posterior invasão militar ao país vizinho.
Este artigo explorou as interpretações políticas contemporâneas à Guerra do Paraguai
realizadas pela elite política do Império na perspectiva da divisão partidária existente.
Utilizando-se dos discursos senatoriais nos dois primeiros anos do conflito. Fez-se uma
análise comparativa para visualizar a recepção partidária dos eventos platinos em temas
correlatos à luz das mudanças ministeriais.
72 CARVALHO, J.M. A Construção da Ordem: a elite política imperial. Teatro das Sombras: a política
imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
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