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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS
ANA PAULA DA SILVEIRA
RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA:
ANÁLISE DA VALIDADE DA NORMA SOB O PRISMA DO
DIREITO EMPRESARIAL
Nova Lima 2012
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ANA PAULA DA SILVEIRA
RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E PRIVILÉGIO TRABALHISTA:
ANÁLISE DA VALIDADE DA NORMA SOB O PRISMA DO
DIREITO EMPRESARIAL
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu da Faculdade de
Direito Milton Campos, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito. Área de concentração: Direito Empresarial Linha de pesquisa: As sociedades empresárias e suas atividades: o novo paradigma do Direito Falimentar – a recuperação e a preservação das empresas. Orientador: Vinícius José Marques Gontijo
Nova Lima 2012
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SILVEIRA, Ana Paula da S587 r Restituição em dinheiro e privilégio trabalhista: análise da validade da norma sob o prisma do direito empresarial. / Ana Paula da Silveira. – Nova Lima: Faculdade de Direito Milton Campos / FDMC, 2012.
213 f. enc.
Orientador: Prof. Dr. Vinícius José Marques Gontijo Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre, área de Concentração Direito Empresarial junto a Faculdade de Direito Milton Campos.
Referências: f.199 - 211
1. Restituição. 2. Crédito trabalhista. 3. Direito de propriedade. I. Gontijo, Vinicius José Marques. II. Faculdade de Direito Milton Campos. III. Título
CDU 336.2 (043) 347.72
Ficha catalográfica elaborada por Emilce Maria Diniz – CRB – 6 / 1206
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Faculdade de Direito Milton Campos – Mestrado em Direito Empresarial
Dissertação intitulada “Restituição em dinheiro e privilégio trabalhista: análise da validade da norma sob o prisma do direito
empresarial”, de autoria da mestranda ANA PAULA DA SILVEIRA, para exame da banca constituída pelos seguintes professores:
Prof. Dr. Vinícius José Marques Gontijo
Orientador
Prof. Dr. Osmar Brina Corrêa-Lima
Prof. Dr. Rodolpho Barreto Sampaio Junior
Nova Lima, __ de _______ de 2012.
Alameda da Serra, nº 61 – Bairro vila da Serra – Nova Lima/MG – CEP: 34000-000 – Minas Gerais – Brasil. Tel.: (31) 3289-1900
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AGRADECIMENTOS
A todos aqueles que contribuíram para o desenvolvimento deste
trabalho, aqui expresso a minha gratidão, em especial:
À minha família, principalmente aos meus pais e minha irmã, pelo amor
incondicional, pelo apoio e pela paciência.
Ao Professor Vinícius José Marques Gontijo, meu orientador, pelos
ensinamentos, pelo comprometimento e pela dedicação.
À Professora Flávia Lasmar, pelo apoio e pela ajuda.
Aos colegas e professores do Mestrado, pela troca de conhecimentos.
Aos funcionários da Faculdade, pela presteza e disponibilidade.
Enfim, a todos que, de alguma forma, contribuíram para o
desenvolvimento desta Dissertação.
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RESUMO
O pedido de restituição consiste numa ação judicial que visa a
desconstituir o ato de arrecadação de determinado bem em processo de
falência. Por isso, em regra, ela deverá ser proposta pelo proprietário deste
bem. As suas hipóteses de cabimento estão previstas nos art. 85 e 86 da Lei
nº. 11.101/2005, dentre as quais, ganha ênfase aquela decorrente do direito de
propriedade. Normalmente, as restituições são implementadas pela entrega do
próprio bem que houver sido objeto de arrecadação. Porém, quando este não
mais existir, ela será realizada pelo seu equivalente em dinheiro segundo o
valor da avaliação do bem, quando este houver perecido em poder da massa
falida, ou pela entrega do produto apurado com a alienação do mesmo pela
massa. Ocorre, no entanto, que o art. 86, parágrafo único, da Lei nº.
11.101/2005 estabelece que as restituições em dinheiro somente serão
implementadas depois do pagamento dos créditos trabalhistas vencidos nos
três meses anteriores à decretação da falência, até o limite de cinco salários
mínimos por trabalhador. Alguns autores entendem se tratar de norma
inconstitucional por violar o direito fundamental de propriedade previsto no art.
5º, XXII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Outros,
porém, defendem-na sob o argumento de que ela prestigia a dignidade do
trabalhador. Como se verá adiante, trata-se de um tema polêmico que ainda
não tem uma solução definitiva no âmbito da doutrina e da jurisprudência.
Contudo, conforme será demonstrado no desenvolvimento desta Dissertação,
nosso entendimento está de acordo com a primeira corrente doutrinária
mencionada.
Palavras-chave: Restituição. Crédito trabalhista. Direito de propriedade.
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ABSTRACT
The restitution request is a lawsuit that seeks to deconstitute the act of
collecting certain thing in bankruptcy. Therefore, as a rule, it must be filed by the
owner of that thing. Your chances of appropriateness are foreseen in article 85
and 86 of Law no. 11.101/2005, among which earns emphasis that resulting
property rights. Normally, refunds are implemented by delivery of the goods
themselves been subject to any collection. The restitution request is a lawsuit
that seeks to deconstitute the act of collecting certain thing in bankruptcy.
Therefore, as a rule, it must be filed by the owner of that thing. Your chances of
appropriateness are foreseen in art. 85 and 86 of Law no. 11.101/2005, among
which earns emphasis that resulting property rights. Normally, refunds are
implemented by delivery of the goods themselves been subject to any
collection. However, when it no longer exists, it is held by its equivalent in
money according to the assessed value of the thing, when it perished there in
the possession of the estate, or the delivery of the product discharged from the
sale of the mass. It happens, however, that art. 86, sole paragraph, of Law no.
11.101/2005 states that cash refunds will only be implemented after the
payment of workers' claims accrued in the three months preceding the
declaration of bankruptcy, up to five minimum wages per worker. Some authors
believe it is standard unconstitutional by violating the fundamental right to
property under article 5, XXII, the Constitution of the Federative Republic of
Brazil in 1988. Others, however, defend it on the grounds that it honors the
dignity of the worker. This is a controversial topic that does not have a
permanent solution in the framework of doctrine and jurisprudence. However,
as will be demonstrated in the development of this thesis, our understanding is
consistent with the first current doctrinal mentioned.
Key words: Restitution. Labor credit. Property rights.
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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas
ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade
AI – Agravo de Instrumento
Ap. – Apelação
Art. – Artigo
BACEN – Banco Central do Brasil
C/c – combinado com
CAE – Comissão de Assuntos Econômicos
CC/2002 – Código Civil de 2002
CCJC – Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania
CCJ – Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CNI – Confederação Nacional da Indústria
CRFB/1988 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
INSS – Instituto Nacional do Seguro Social
LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
LREF – Lei de Recuperação de Empresas e Falência
OIT – Organização Internacional do Trabalho
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PL – Projeto de Lei
QGC – Quadro Geral de Credores
RE – Recurso Extraordinário
REsp – Recurso Especial
SRF – Secretaria da Receita Federal
SRP – Secretaria da Receita Previdenciária
SRFB – Secretaria da Receita Federal do Brasil
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TJRS – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
TJMG – Tribunal de Justiça de Minas Gerais
TST – Tribunal Superior do Trabalho
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 9
2 PRIVILÉGIO DO CRÉDITO TRABALHISTA NA FALÊNCIA ................. 16
2.1 Espécies de preferências legais: garantia e privilégio ...................... 16
2.2 Efeitos da falência sobre o contrato de trabalho................................ 19
2.3 Verbas que compõem o crédito trabalhista ........................................ 30
2.4 Classificações do crédito trabalhista .................................................. 35
3 AÇÃO RESTITUITÓRIA ......................................................................... 59
3.1 Conceito e finalidade ............................................................................ 59
3.2 Origem .................................................................................................... 64
3.3 Legitimidade para a ação restituitória ................................................. 73
3.4 Pressuposto e requisitos do pedido de restituição ........................... 75
3.5 Cabimento da ação restituitória ........................................................... 77
3.6 O pedido de restituição em virtude da titularidade de direito real .... 83
3.7 O pedido de restituição em virtude de contrato ................................. 87
3.7.1 Contrato de compra e venda a crédito .................................................... 87
3.7.2 Do contrato de mandato mercantil e comissão mercantil ........................ 90
3.7.3 Da administração de coisa alheia ............................................................ 94
3.7.4 Do contrato de depósito .......................................................................... 94
3.7.5 Do contrato estimatório ........................................................................... 99
3.7.6 Do contrato sobre adiantamento de câmbio .......................................... 101
3.7.7 Do contrato de alienação fiduciária em garantia e da venda com reserva
de domínio ...................................................................................................... 104
3.7.8 Do patrimônio de afetação (Lei nº. 10.931/2004) .................................. 107
3.7.9 Do contrato de arrendamento mercantil (Lei nº. 6.099/1974) ................ 110
3.8 O pedido de restituição de contribuições previdenciárias
descontadas e não recolhidas à União (Lei nº. 8.212/1991)...................... 112
3.9 O pedido de restituição com fundamento no art. 86, III, da Lei nº.
11.101/2005 ................................................................................................... 117
3.10 Distinção entre a ação restituitória e os embargos de terceiro ...... 118
4 A VALIDADE DA NORMA JURÍDICA .................................................. 125
4.1 Considerações iniciais ........................................................................ 125
4. 2 Direito Positivo e Direito Natural........................................................ 127
9
4.3 Positivismo jurídico ............................................................................. 131
4.4 A validade da norma para Hans Kelsen ............................................. 145
4.5 Pós-positivismo .................................................................................... 152
5 DIREITO/GARANTIA FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE E SUA
POSSÍVEL RELATIVIZAÇÃO ....................................................................... 155
5.1 Considerações iniciais ......................................................................... 155
5.2 Colisão entre princípios constitucionais/ direitos fundamentais .... 157
5.3 Princípio da dignidade da pessoa humana e direito fundamental de
propriedade ................................................................................................... 165
6 RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E O DIREITO DE PROPRIEDADE....... 174
7 CONCLUSÃO ........................................................................................ 190
REFERÊNCIAS ......................................................................................199
9
1 INTRODUÇÃO
A falência é um processo judicial de execução coletiva, na qual os
credores do devedor habilitam os respectivos créditos, sendo o patrimônio do
falido arrecadado e liquidado para pagamento dos credores pelos valores
constantes da decisão definitiva de habilitação dos créditos e segundo a ordem
de preferência prescrita em lei.
Para que esse procedimento logre êxito, é necessário que os credores
sejam tratados com igualdade na partilha do produto apurado com a venda dos
bens que compõem o patrimônio do devedor, ressalvados os privilégios
conferidos pela lei a determinados credores. Por isso, decretada a falência
deverá o administrador judicial arrecadar os bens e direitos que se encontrarem
em poder do falido, a fim de proceder à futura alienação para pagamento dos
credores, na ordem legal de privilégio.
Prescreve o caput do art. 108 da Lei nº. 11.101/2005 que, após a
decretação da falência e a assinatura do termo de compromisso pelo
administrador judicial, este procederá à arrecadação dos bens e documentos
em posse do falido, além da avaliação desses bens, separadamente ou em
bloco, no lugar onde se encontrarem.
É possível que, no momento em que o administrador judicial ingressa no
estabelecimento empresarial do devedor, sejam encontrados bens que, embora
estejam em sua posse, não sejam de sua propriedade. Nesse caso, o
administrador judicial não pode transigir quanto ao seu dever de arrecadá-los,
mesmo que haja terceiros que se apresentem como legítimos proprietários ou
possuidores, cabendo-lhe, apenas, anotar a reivindicação apresentada pelo
interessado, pois este é quem deverá propor a medida judicial cabível para
reaver a posse sobre o bem. Assim sendo, caberá ao proprietário do bem
indevidamente arrecadado manejar o pedido de restituição por meio de ação
própria a fim de ver reintegrada a sua posse, em conformidade com os art. 85 a
93 da Lei nº. 11.101/2005.
Dessa forma, percebe-se que a ação de restituição tem natureza
possessória (semelhante àquelas previstas nos art. 920 a 933 do Código de
Processo Civil – CPC) e visa a reintegrar o verdadeiro titular na posse sobre o
bem indevidamente arrecadado, pelo administrador judicial, em poder do falido.
10
Essa ação pode se fundar no direito de propriedade, nos termos do art. 85 da
Lei nº. 11.101/2005, ou em expressa disposição legal, conforme art. 86, II e III,
da Lei nº. 11.101/2005, e a sua propositura suspende a disponibilidade do bem
até o trânsito em julgado da ação (art. 91, caput, da Lei nº. 11.101/2005).
O pedido de restituição se fundará no direito de propriedade, nos termos
do art. 85, caput, da Lei nº. 11.101/2005, quando o legítimo proprietário do bem
arrecadado em poder do falido reclamar a sua posse ou nos casos de bens
vendidos a crédito e entregues nos quinze dias anteriores à decretação da
falência (art. 85, parágrafo único da Lei nº. 11.101/2005). Esta última situação
refere-se à restituição extraordinária, fundada na boa-fé do vendedor, conforme
será examinado.
O art. 86 da Lei nº. 11.101/2005, por sua vez, trata das hipóteses em
que a restituição se fará em dinheiro, estabelecendo, nos incisos II e III, os
casos fundados em expressa disposição de lei. Além disso, existem hipóteses
de restituição previstas em legislação especial, sendo algumas delas
corroboradas pela Lei nº. 11.101/2005, como é o caso do contrato sobre
adiantamento de câmbio (art. 75 da Lei nº. 4.728/1965 c/c art. 86, II, da Lei nº.
11.101/2005), do patrimônio de afetação (31-A a 31-F da Lei nº. 4.591/1964,
introduzido pela Lei nº. 10.931/2004, c/c art. art. 119, IX, da Lei nº.
11.101/2005), da restituição decorrente de contratos empresariais, do contrato
de arrendamento mercantil (Lei nº. 6.099/1974 e pela Resolução nº. 2.309, de
28 de agosto de 19961, do Banco Central do Brasil – BACEN), da restituição de
contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados e não
recolhidas à Previdência Social (art. 51, parágrafo único, da Lei nº.
8.212/1991).
O inciso I do art. 86 da mesma lei, embora também trate da restituição
em dinheiro, encontra o seu fundamento no direito de propriedade, tal como o
art. 85, pois se refere às hipóteses em que a coisa de propriedade de terceiro e
indevidamente arrecada não mais exista ao tempo do pedido. Nesse caso, o
mesmo dispositivo legal determina que a restituição far-se-á em dinheiro, pelo
1 BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução nº. 2.309, de 28 de agosto de 1996. Disponível
em: <http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/1996/pdf/res_2309_v4_P.pdf>. Acessado em 29 mar. 2012.
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valor de avaliação do bem ou pelo preço de venda, caso haja perecido ou
tenha sido alienado pela massa falida.
Ocorre, porém, que o próprio art. 86 da Lei nº. 11.101/2005 determina,
no seu parágrafo único, que a restituição em dinheiro apenas ocorrerá após o
cumprimento do disposto no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005, ou seja, somente
após o pagamento dos ―créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial
vencidos nos 3 (três) meses anteriores à decretação da falência, até o limite de
5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador...‖2. Isso viola o direito fundamental
de propriedade previsto no art. 5º, XXII, da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), pois o dinheiro é a expressão
financeira do direito de propriedade sobre as coisas passíveis de valorização
econômica.
Dessa forma, o tema da dissertação consiste na invalidade
constitucional do privilégio prescrito no parágrafo único do art. 86 da Lei nº.
11.101/2005 sob o prisma do direito fundamental de propriedade, previsto no
art. 5º, XXII, CRFB/1988.
O objetivo de se desenvolver a Dissertação segundo o tema proposto é
perquirir se o parágrafo único do art. 86 da Lei nº. 11.101/2005 seria
inconstitucional por violar o direito/garantia fundamental de propriedade, uma
vez que determina que o proprietário do bem indevidamente arrecadado pelo
administrador judicial somente será satisfeito após o pagamento dos credores
trabalhistas nos termos previstos no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005.
Fazendo-se uma interpretação literal de referido dispositivo, percebe-se
que o legislador visou dar preferência aos credores trabalhistas (quanto ao
pagamento das verbas de natureza salarial, vencidas nos três meses
anteriores à decretação da falência e até o limite de cinco salários mínimos por
trabalhador), nos termos do art. 151, sobre a satisfação do direito do terceiro à
restituição do valor que lhe é devido em razão do perecimento ou da alienação
do bem de sua propriedade em poder da massa falida.
No entanto, deve ser ressaltado que o terceiro que tem direito à
restituição com fundamento no art. 85, caput, da Lei nº. 11.101/2005 não é
2 BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a
extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318.
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credor, mas proprietário, e, por isso não se submete à ordem de pagamento da
execução concursal, diferentemente dos trabalhadores de uma sociedade
falida, que são credores privilegiados (uma vez que estão localizados na
primeira classe dos créditos extraconcursais e concursais).
Por isso, torna-se questionável a constitucionalidade da norma contida
no parágrafo único do art. 86 da Lei nº. 11.101/2005, pois, ao determinar o
pagamento de determinada quantia aos credores trabalhistas antes do
cumprimento das restituições em dinheiro, referido dispositivo legal pretere o
direito do proprietário do bem indevidamente arrecadado pela massa falida,
podendo este não receber a quantia que lhe caiba caso a massa não comporte.
Cumpre ressaltar que foram propostas duas Ações Diretas de
Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a
constitucionalidade de alguns dispositivos da Lei nº. 11.101/2005. A primeira,
ADI nº 3.934-23, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, impugnando os
art. 60, parágrafo único; art. 83, I e VI, ‗c‘; e art. 141, II, da Lei nº. 11.101/2005
em face dos art. 1º, III e IV; art. 6º; art. 7º, I; e art. 170 da CRFB/1988, julgada
totalmente improcedente e publicada no DJU de 06.11.2009. E a segunda, ADI
nº. 3.4244, também de relatoria do Ministro Riccardo Lewandowski, arguindo a
inconstitucionalidade dos art. 83, I e VI, ‗c‘, e §4º, art. 84, V, e art. 86, II, da Lei
nº. 11.101/2005 por suposta violação ao art. 5º, XXII, da CRFB/1988, que ainda
se encontra em tramitação. Porém, de acordo com pesquisa realizada no sítio
eletrônico oficial do STF, atualmente não tramita qualquer ação do controle
concentrado de constitucionalidade questionando especificamente a validade
do art. 86, parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005.
Para o desenvolvimento do tema acima proposto serão elaborados sete
capítulos, incluindo a introdução e a conclusão, sendo que cada capítulo
abordará um dos institutos contidos no título desta Dissertação.
3 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator:
Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2544041>. Acessado em 13 jun. 2012. 4 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3424. Relator:
Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília. Processo em tramitação. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2277278>. Acessado em 31 jul. 2012.
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Na introdução (primeiro capítulo), será apresentado o tema objeto da
Dissertação, contextualizando-o dentro do Direito Falimentar brasileiro por se
tratar de um instituto desse ramo do Direito de Empresa, além do objetivo
dessa escolha, da justificativa e da metodologia que será utilizada para o
desenvolvimento da pesquisa.
O segundo capítulo conterá a análise do privilégio do crédito trabalhista
na falência, tratando, inicialmente, da distinção entre as espécies de
preferência existentes no Direito brasileiro, depois, das verbas que compõem o
crédito trabalhista e, por último, da posição ocupada pelo crédito trabalhista na
ordem de classificação legal para pagamento dos credores.
O terceiro capítulo tratará do principal instituto desta Dissertação, o
pedido de restituição (ou ação restituitória), abordando o seu conceito,
finalidade, natureza jurídica, origem, legitimidade, pressupostos, requisitos,
cabimento, as hipóteses nas quais se admite a propositura da ação restituitória,
bem como a distinção entre o pedido de restituição e os embargos de terceiro.
O quarto capítulo conterá uma análise sobre tema de Filosofia do Direito.
Tratará da validade da norma jurídica, abordando a distinção entre Direito
Natural e Direito Positivo, o Positivismo Jurídico, a teoria da validade da norma
jurídica concebida por um dos maiores juspositivistas da história do Direito,
bem como a superação desta corrente jusfilosófica (o Pós Positivismo
Jurídico), sem, contudo, abandonar algumas construções importantes por ela
feitas, entre as quais se inclui a teoria da validade normativa de Hans Kelsen.
O quinto capítulo, por sua vez, analisará o direito/garantia fundamental
de propriedade e sua possível relativização, analisando a técnica da
ponderação de interesses de Robert Alexy como medida para solução do
problema da colisão entre princípios constitucionais ou direitos fundamentais e
fazendo um contraponto entre o princípio da dignidade da pessoa humana e o
direito/garantia fundamental de propriedade.
O sexto capítulo tratará da restituição em dinheiro e do direito/garantia
fundamental de propriedade, contrapondo a posição de autores
contemporâneos, tanto aqueles da doutrina do Direito do Trabalho, como da
doutrina do Direito de Empresa, que se manifestam (favorável ou
contrariamente) às normas jurídicas objeto de estudo (art. 85, caput; art. 86, I, e
parágrafo único; e art. 151 da Lei nº. 11.101/2005).
14
Por fim, será apresentada a conclusão desta Dissertação (sétimo
capítulo) contendo as impressões pessoais apreendidas sobre a validade
normativa da regra constante do art. 86, parágrafo único, da Lei nº.
11.101/2005 que prescreve que a restituição em dinheiro, ao proprietário do
bem indevidamente arrecadado na falência do devedor e alienado pela massa
falida ou que tenha perecido em poder desta, será realizada somente após o
pagamento dos créditos trabalhistas vencidos nos três meses anteriores à
decretação da falência, limitados a cinco salários mínimos por trabalhador (art.
151).
Essa norma pode causar sérios prejuízos aos terceiros proprietários de
bens indevidamente arrecadados na falência, titulares do direito à restituição
dos mesmos, especialmente se a massa falida não tiver recursos suficientes
para suportar o pagamento previsto no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005 antes de
proceder à implementação das restituições devidas.
A metodologia a ser utilizada para o desenvolvimento desta Dissertação
será a dogmática kelseniana, pois será analisado se o dispositivo legal em
exame (art. 86, parágrafo único, da Lei 11.101/2005) encontra-se em
consonância com a norma superior do ordenamento jurídico brasileiro que lhe
confere validade.
Dessa forma, será realizada uma pesquisa teórica, envolvendo as
normas que tratam dos institutos centrais objeto deste trabalho, além de
institutos periféricos que precisam ser abordados antes de se chegar ao ponto
central proposto; a pesquisa bibliográfica, envolvendo a doutrina e artigos
eletrônicos em sites da internet; e uma pesquisa prática, que analisará como os
Tribunais brasileiros vêm decidindo essa matéria.
Ao contrário do método indutivo (que parte da análise de casos
específicos e individualizados, para, só então, se chegar a uma análise geral e
abstrata, baseada na lei), neste trabalho será observado o método dedutivo,
pois a pesquisa partirá de uma análise geral e abstrata do assunto proposto,
baseada na norma jurídica (a Lei nº. 11.101/2005 e a CRFB/1988), para,
depois, se chegar à análise de casos concretos, segundo o entendimento dos
Tribunais brasileiros sobre a questão.
O método dedutivo é o mais adequado ao presente caso, pois será feita
uma relação de compatibilidade entre a norma infraconstitucional e a norma
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constitucional, com a posterior análise de como a matéria vem sendo decidida
pelo Poder Judiciário.
As principais obras utilizadas para desenvolver esta Dissertação são os
livros de Trajano de Miranda Valverde, Comentários à Lei de Falências, 4ª
edição, Atualizada por J. A. Penalva Santos e Paulo Penalva Santos, Rio de
Janeiro: Forense, 1999, volumes 1, 2 e 3; Frederico Augusto Monte Simionato,
Tratado de Direito Falimentar, 1ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2008 e a obra
coletiva organizada pelo Professor Doutor Osmar Brina Corrêa-Lima e Sérgio
Mourão Corrêa Lima intitulada Comentário à Nova Lei de Falência e
Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, 1ª ed.
Rio de Janeiro: Forense. 2009. Isso porque, aquela obra é um clássico que,
apesar de escrita sob a vigência do Decreto-lei nº. 7.661/1945, trabalha os
institutos mantidos pela legislação nova de forma clara, exaustiva e com
aplicação essencialmente atualizada. Já estas últimas contêm uma importante
e profunda análise do Direito Falimentar elaborado segundo as alterações
promovidas pela Lei nº. 11.101/2005, incluindo as principais críticas e
impressões do autor sobre os diversos institutos abordados neste trabalho.
Além disso, serão utilizadas diversas obras de outros ramos do Direito e
de Filosofia do Direito para desenvolver os assuntos relacionados ao tema
principal.
A elaboração desta Dissertação observará as normas da Associação
Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e o Padrão de Normatização da
Faculdade Milton Campos, no que tange à sua formatação.
16
2 PRIVILÉGIO DO CRÉDITO TRABALHISTA NA FALÊNCIA
2.1 Espécies de preferências legais: garantia e privilégio
A regra geral de que o patrimônio do devedor garante as suas dívidas
perante os seus credores em igualdade de condições sofre exceções por
expressa disposição legal, especialmente em matéria de Direito Falimentar.
São as chamadas preferências legais.
Nas palavras de Miranda Valverde,
Vigoram na falência as preferências estabelecidas pelo direito comum, civil ou comercial, ou ainda constantes de leis especiais, pois que é na falência do devedor que tais preferências encontram o seu mais amplo campo de aplicação. A Lei de Falências pode, por outra, criar privilégios e fixar certas condições para a sua validade no concurso, competindo-lhe também distribuir convenientemente os créditos pelas categorias determinadas, segundo a natureza ou qualidade dêles.
5
Primeiramente, cumpre ressaltar que, ontologicamente (ou seja, na
essência), não há distinção entre o crédito trabalhista, o crédito tributário, os
créditos com privilégio (geral ou especial) e o crédito quirografário, pois, em
todos os casos, o credor tem o patrimônio do devedor como garantia de
adimplência da obrigação. A distinção entre esses credores está na ordem
estabelecida pela lei para o pagamento dos respectivos créditos.
Gontijo6 observa que a preferência dos créditos é o gênero que
comporta duas espécies: a garantia e o privilégio. Para esse autor, enquanto o
privilégio somente pode ser conferido pela lei, a garantia pode decorrer da lei
ou do contrato.
Nesse sentido, Requião afirma que
Os institutos são perfeitamente delineados no Código Civil. O art. 1.557, com efeito, distingue entre os privilégios e os direitos reais de garantia, espécies que são do gênero preferência: ―Os títulos legais de preferência são os privilégios e os direitos reais‖.
5 VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 3ª ed. Rio de Janeiro:
Forense. 1962. Vol. II. p. 167-168. 6 GONTIJO, Vinícius José Marques. Efeitos da falência do empregador na ação de execução
de crédito trabalhista. In: Revista de Direito do Trabalho. 2007. RDT 128.
17
[...] É fácil, pois, compreender que os créditos preferenciais são de duas ordens: os resultantes de direitos reais de garantia e os créditos privilegiados. Aqueles decorrem de contratos e estes são estabelecidos pela lei.
7
A garantia é instituto de direito material que visa a assegurar o
cumprimento de uma obrigação, podendo ser real (quando tiver por título um
direito real) ou fidejussória (quando tiver por título um direito pessoal).
Na garantia pessoal ou fidejussória, há a celebração de um negócio
jurídico acessório ao principal com um terceiro estranho à relação jurídica
originária (aquele que presta a garantia), mediante a imputação pessoal da
responsabilidade pelo pagamento do débito a fim de assegurar o adimplemento
da obrigação caso o devedor principal não pague a dívida. São exemplos de
garantia fidejussória previstas no ordenamento jurídico brasileiro a fiança
(disciplinada no Código Civil de 2002 – CC/2002, nos art. 818 a 839) e o aval
(modalidade de garantia cambial prevista no CC/2002, entre outros, nos art.
897 a 900, e em leis especiais que regulam os títulos de crédito).
Essa classificação não possui maior relevância para o estudo da ordem
de pagamento dos créditos na falência, uma vez que a Lei nº. 11.101/2005
atribui ao detentor de garantia pessoal a classificação de credor quirografário.
A garantia real, por sua vez, é modalidade de direito real que visa a
garantir o adimplemento de uma obrigação por meio da afetação de um
determinado bem, integrante ou não do patrimônio do devedor (uma vez que
um terceiro também poderá ser onerado com esse gravame, caso concorde),
ao pagamento de uma dívida. Está prevista no CC/2002, nos art. 1.419 a
1.510, e comporta três espécies: o penhor, a hipoteca e a anticrese.
Penhor é o direito real sobre coisa alheia que consiste (em regra) na
entrega de um bem móvel ou imobilizado ao credor, que terá a sua posse
(assumindo a função de depositário do mesmo) até que a obrigação seja
cumprida. Ele está tratado nos art. 1.431 a 1.472 do CC/2002, entre os quais
estão previstas espécies de penhor que não implicam a transmissão da posse
sobre o bem ao credor, uma vez que os objetos dados em garantia são
destinados ao uso pelo devedor; são eles: o penhor rural (art. 1.438 a 1.446), o
7 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 17ª ed., atualizada por Rubens Edmundo
Requião. São Paulo: Saraiva. 1998. Vol.1. p. 217.
18
penhor industrial e mercantil (art. 1.447 a 1.450) e o penhor de veículos (art.
1.461 a 1.466).
A hipoteca está prevista nos art. 1.473 a 1.505 do CC/2002 e consiste no
direito real sobre coisa alheia que recai sobre bem imóvel (assim considerados,
aqueles previstos nos art. 79 a 81 do CC/2002), navio e aeronave, visando
garantir a adimplência da obrigação sem que haja, contudo, transmissão da
posse sobre o mesmo ao credor.
Por fim, a anticrese (art. 1.506 a 1.510) é o direito real sobre coisa alheia
que recai sobre bem imóvel, consistente na afetação do mesmo ao pagamento
de uma dívida por meio da percepção de seus frutos ou rendimentos para
compensação do débito.
Segundo Venosa8, todos esses direitos reais têm natureza acessória,
pois a garantia, em si, não é o negócio jurídico principal. Este consiste na
relação jurídica de natureza obrigacional que será assegurada pela garantia.
Dessa forma, a garantia é apenas um instrumento para reforçar a adimplência
da obrigação.
Na falência, os credores com direito real de garantia têm privilégio no
recebimento dos valores devidos pelo falido, estando situados na segunda
classe dos créditos concursais (art. 83, II, da Lei nº. 11.101/2005), atrás apenas
dos créditos concursais trabalhistas e acidentados do trabalho, dos créditos
extraconcursais e dos créditos prioritários.
Os credores com garantia pessoal (ou fidejussória) não têm o mesmo
privilégio na falência do devedor e, normalmente, estão classificados na sexta
classe dos créditos concursais, como quirografários, nos termos do art. 83, VI,
da Lei nº. 11.101/2005.
Entende-se, por crédito quirografário, aquele no qual o credor tem, como
garantia de adimplência da obrigação, o patrimônio do devedor globalmente
considerado, não havendo o destacamento de um bem individualizado para
garantir o pagamento da dívida.
O privilégio é instituto de direito processual e significa a ordem de
vocação dos credores na partilha da garantia comum: o patrimônio do devedor.
Por isso, o privilégio somente emerge quando vários credores promovem a
8 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 7ª ed. São Paulo: Atlas. 2007. Vol. V.
19
execução sobre o mesmo bem, na falência ou na insolvência civil. Isso porque,
os bens que integram o patrimônio do devedor respondem pelo pagamento das
dívidas por ele contraídas, com exceção dos bens absolutamente
impenhoráveis, previstos no art. 649 do CPC, e do bem de família, disciplinado
pela Lei 8.009/90.
Nesse sentido, Gontijo afirma
Em verdade, o privilégio representa a ordem de vocação do crédito na partilha dos ativos do devedor, externando-se basicamente, no caso de mais de um credor promover a execução, sobre a mesma coisa; ou, mais comumente, quando vários credores executam de maneira colegiada a garantia comum: o patrimônio do devedor.
9
Dessa forma, todos os credores do falido têm privilégio. O que os
distingue é a classe por eles ocupada segundo a ordem legal de preferência, a
qual determinará a ordem de pagamento dos créditos.
O privilégio ora mencionado não se confunde com aquele previsto no art.
83, IV e V, da Lei nº. 11.101/2005, que trata dos créditos com privilégio geral e
especial, pois estes consistem, tão somente, em dois tipos de classificação
especial de pagamento dos credores, ao lado das demais classes (entre as
quais se inserem os créditos trabalhistas e aqueles decorrentes de acidente do
trabalho). Trata-se, dessa forma, de uma relação na qual o privilégio, tratado
neste tópico, é gênero e o privilégio geral e especial são duas das oito espécies
de privilégio previstas no art. 83 da Lei nº. 11.101/2005.
Realizadas essas considerações iniciais diferenciando as duas
modalidades de preferência, cumpre passar à análise do privilégio do crédito
trabalhista na falência do empregador.
2.2 Efeitos da falência sobre o contrato de trabalho
Em razão dos princípios da unidade, da indivisibilidade e da
universalidade do Juízo, previstos nos art. 76, 115 e 126 da Lei nº.
11.101/2005, que prescrevem que o Juízo da falência (e da recuperação
9 GONTIJO, Vinícius José Marques. Efeitos da falência do empregador na ação de execução
de crédito trabalhista. In: Revista de Direito do Trabalho. 2007. RDT 128, p. 232.
20
judicial) é uno e indivisível com competência para julgar todas as ações
(universal) envolvendo os negócios do falido, a Lei de Recuperação de
Empresas e Falência (Lei nº. 11.101/2005), no Capítulo II, que trata das
Disposições Comuns à Recuperação Judicial e à Falência, traz um dos
principais efeitos da sentença que decreta a falência (ou defere o
processamento da recuperação judicial) do devedor.
Trata-se da disposição contida no art. 6º, que estabelece a suspensão
de todas as ações e execuções individuais ajuizadas em face do falido,
ressalvadas aquelas que versarem sobre quantias ilíquidas, aquelas que
tramitarem nas Justiças Especializadas e as execuções fiscais. Entre elas,
podemos citar as demandas trabalhistas propostas na Justiça do Trabalho, pois
as Varas e Tribunais do Trabalho são os órgãos jurisdicionais competentes
para conciliar e julgar os dissídios entre trabalhadores e empregadores (art.
114 da CRFB/1988).
Nesse sentido, Requião afirma que ―Apresentando-se o credor
trabalhista com crédito duvidoso, deve primeiro passar pelo filtro do julgamento
na Justiça do Trabalho, para em seguida, executando a sentença, habilitá-lo na
falência, mesmo como retardatário se for o caso‖.10
Segundo Simionato, ―As ações de natureza trabalhista na falência terão
prosseguimento com o administrador judicial que deverá ser intimado para
representar a massa falida, sob pena de nulidade do processo, podendo o
devedor funcionar como assistente‖11. Nesse caso, ainda de acordo com esse
autor12, o administrador judicial atuará na defesa da massa falida, devendo ser
diligente e não podendo transigir quanto às parcelas controversas.
Apurados os valores devidos no Juízo competente, deverá o credor
trabalhista habilitar o seu crédito na falência do seu empregador, uma vez que,
por influência dos princípios acima mencionados, não poderá iniciar a
execução na Justiça Especial.
Para evitar eventuais prejuízos com a possível demora na solução do
litígio na Justiça do Trabalho, o art. 6º, §3º, da Lei nº. 11.101/2005 permite ao
trabalhador requerer, ao Juiz do Trabalho, que oficie ao Juízo da falência
10
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998, p. 217. 11
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2008. p. 52. 12
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008, p. 52.
21
determinando a reserva da quantia que estimar devida para futura inclusão na
classe própria do Quadro Geral de Credores (QGC) após a liquidação.
Não havendo necessidade da propositura de demanda trabalhista por já
serem certos e líquidos os valores, caberá ao trabalhador habilitar o seu crédito
na falência do seu empregador perante o administrador judicial, a fim de
integrar o QGC para futuros rateios. Isso ocorre quando não houver
controvérsia sobre os valores devidos ao empregado em razão da existência
de provas sobre o respectivo crédito, como, por exemplo, o termo de rescisão
do contrato de trabalho não pago, documentos que comprovem o não
pagamento de salários, entre outros.
Percebe-se, assim, a incidência da regra do art. 6º, caput, da Lei nº.
11.101/2005 de forma mitigada em relação aos credores trabalhistas, pois
aquelas quantias que dependerem de ação judicial para serem liquidadas
serão objeto de discussão na Justiça Especializada para apuração do valor
devido, não sendo suspensas com a decretação da falência. Depois da
liquidação desses valores, não poderá o credor iniciar a execução individual na
Justiça do Trabalho, devendo habilitar o seu crédito na classe própria a fim de
integrar o QGC e participar de futuros rateios, aplicando-se, a partir de então, o
comando legal contido no mencionado dispositivo.
Da mesma forma, o prazo prescricional relativo ao cumprimento das
obrigações trabalhistas (depois de liquidadas) ficará suspenso após a sentença
que decretar a falência do devedor (ou deferir o processamento da
recuperação judicial), retomando o seu curso no dia em que transitar em
julgado a sentença de encerramento da falência (art. 6º c/c art. 157 da Lei nº.
11.101/2005). Essa regra já estava contida no art. 4713 da antiga Lei de
Falências (Decreto-lei nº. 7.661/1945) que, nas palavras de Requião,
Assim, justifica-se o princípio legal de que durante o processo da falência fica suspenso o curso da prescrição relativa a obrigações de responsabilidade do falido (art. 47). A sentença declaratória da falência, com efeito, dando início ao estado de falência, apenas suspende a prescrição; não a interrompe.
14
13
Art. 47. Durante o processo de falência fica suspenso o curso de prescrição relativa a obrigações de responsabilidade do falido. (BRASIL. Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. Diário de Justiça, 31 jul. 1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm>. Acessado em 13 mar. 2012.) 14
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998, p. 214.
22
Sabe-se que a falência de um empresário (pessoa natural ou jurídica)
produz efeitos sobre os negócios jurídicos por ele celebrados, repercutindo
sobre os contratos unilaterais e plurilaterais a depender do caso concreto. Com
o contrato de trabalho não é diferente.
Os contratos bilaterais não são automaticamente resolvidos pela
decretação da falência, cabendo ao administrador judicial, após autorização do
Comitê de Credores, decidir pelo seu cumprimento caso isso possa reduzir ou
evitar o aumento do passivo ou seja necessário à manutenção ou à
preservação do ativo (art. 117 da Lei nº. 11.101/2005). Para tanto, deverá o
contratante interpelar o administrador judicial para que se manifeste a respeito,
dentro do prazo de 10 (dez) dias, sendo que sua declaração negativa ou o seu
silêncio dão àquele o direito de pleitear a indenização cabível.
Ressalte-se que, desde a vigência da antiga Lei de Falências,
doutrinadores clássicos como Miranda Valverde15 já entendiam que a falência,
por si só, não resolve os contratos bilaterais. Nesse sentido,
As obrigações a cargo do falido, quer resultem de contratos unilaterais, quer representem a contraprestação devida por força de um contrato bilateral, já totalmente cumprido pela outra parte, o credor, vencem-se no dia da abertura da falência (art. 25
16).
Quanto aos negócios jurídicos patrimoniais bilaterais (contratos em sentido estrito), ainda não cumpridos no todo, ou em parte, pelos contraentes, é ponto firmado em doutrina e assinalado pela nossa lei, que eles, em princípio, não se resolvem com a falência de qualquer dos contraentes.
17
Segundo Simionato18, caberá ao administrador judicial decidir pelo
cumprimento ou não do contrato bilateral segundo a conveniência para a
massa falida e os interesses dos credores. E isso pode ser verificado pela
análise do agravamento da situação econômica da própria massa.
15
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. Atualizada por J. A. Penalva Santos e Paulo Penalva Santos. 4ª ed. Rio de Janeiro e São Paulo: Forense. 1999. Vol. I. 16
Refere-se ao Decreto-lei nº. 7.661/1945. 17
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1999. Vol. I, p. 297. 18
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008.
23
Felipe Peixoto Braga Netto19, em obra coordenada por Osmar Brina
Corrêa-Lima e Sérgio Mourão Corrêa Lima, afirma que a bilateralidade ou a
unilateralidade de um contrato não se caracteriza pela pluralidade de sujeitos
que o celebram, pois um contrato pressupõe sempre a presença de mais de
uma parte. A distinção reside na reciprocidade de obrigações entre os
contratantes.
Dessa forma, nos contratos unilaterais, apenas um dos contratantes tem
obrigações em relação ao outro, havendo benefício apenas para uma das
partes. Já nos contratos plurilaterais, os contratantes têm obrigações
recíprocas, com benefícios para ambas as partes, mediante vantagens e
sacrifícios por todos que o pactuam.20
O contrato de trabalho é bilateral, pois, nele, encontra-se presente mais
de uma parte, com vontades convergentes e obrigações e direitos recíprocos.
Logo, segundo a regra geral estabelecida no art. 117 da Lei nº. 11.101/2005,
esse pacto não é automaticamente rescindido com a decretação da falência do
empregador, podendo o administrador decidir permanecer com alguns
empregados até que haja a alienação do estabelecimento empresarial, caso
em que se iniciará um novo contrato de trabalho entre os empregados e o
adquirente da unidade produtiva.
Nesse sentido, Almeida afirma que
A falência, pois, por si só, não põe fim à relação de emprego, mesmo porque diversas são as hipóteses que podem ocorrer, dando continuidade às atividades mercantis, malgrado a decretação da quebra, a saber: a) Continuação do Negócio pelo Falido
21 [...]
b) Concordata Suspensiva22
[...] c) Venda do Estabelecimento na sua Integridade (o Fundo de Comércio
23) [...]
19
BRAGA NETTO, Felipe Peixoto; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Coordenação: Osmar Brina Corrêa-Lima e Sérgio Mourão Corrêa Lima. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2009. 20
BRAGA NETTO, Felipe Peixoto Braga; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 21
Almeida ressalta que, nesse caso, não será o próprio falido que dará continuidade a sua atividade, uma vez que ele perdeu a livre administração de seus bens com a sentença de quebra, mas terceira pessoa idônea nomeada pelo juiz e sob fiscalização do síndico (figura típica do Decreto-lei nº. 7.661/1945). 22
Refere-se ao Decreto-lei nº. 7.661/1945, já que a obra foi escrita quando vigia referido diploma normativo.
24
d) Continuação de Sociedade pelos Credores [...] e) Cessão do Ativo a Terceiro [...]
24
Nesse caso, os valores devidos, aos empregados, pelo trabalho
desempenhado durante o período de continuação provisória da atividade
empresarial serão considerados créditos extraconcursais (art. 83 da Lei nº.
11.101/2005) e serão pagos antes dos créditos concursais (art. 84 da Lei nº.
11.101/2005).
O contrato de trabalho, segundo Souza25, é caracterizado pela
permanência, pois ele não se esgota com o cumprimento de determinada
prestação. Para esse autor26, apesar de serem fixadas no início do contrato, as
condições de trabalho podem sofrer modificações com o tempo. Essas
alterações, em regra, devem decorrer de ajuste entre as partes e não podem
ser prejudiciais ao empregado. Poderão, contudo, ser feitas unilateralmente
pelo empregador em determinadas hipóteses, de acordo com a função
desenvolvida pelo empregado (de direção, por exemplo, quando há
necessidade de mudança do local de trabalho) ou quando não causarem
prejuízo ao obreiro. Todavia, há situações nas quais as modificações do
contrato de trabalho independem da vontade das partes envolvidas nessa
relação (a exemplo da falência do empregador). 27
De acordo com Souza28, devido à continuidade da relação de trabalho,
eventuais novos ajustes de ordem objetiva, como aumento de salário ou
transferência de local de trabalho, por exemplo, não acarretam a necessidade
da celebração de um novo contrato, uma vez que essas alterações não
implicam a sua rescisão.
Da mesma forma, o contrato de trabalho está sujeito a mudanças de
ordem subjetiva relacionadas à pessoa do empregador (em relação ao
23
A terminologia ―fundo de comércio‖ era empregada quando da vigência ―Parte Primeira‖ do Código Comercial de 1850, que tratava ―Do Comércio em Geral‖. Com o advento do CC/2002, passou a ser utilizada a expressão ―fundo de empresa‖. 24
ALMEIDA, Amador Paes de. Os Direitos Trabalhistas na Falência e Concordata do Empregador. 2ª ed. São Paulo: LTr. 1998, p. 97-103. 25
SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr. 2006. 26
SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006. 27
SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006. 28
SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006.
25
empregado, essa alteração não é possível, pois o contrato é intuito
personae).29 Mas, em regra, a alteração do polo empregador não acarreta a
extinção do contrato de trabalho, implicando apenas o instituto denominado
sucessão de empregador (ou sucessão trabalhista).
Segundo Delgado30, a sucessão de empregadores (tratada nos art. 10 e
448 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT) é o instituto jurídico ―em
virtude do qual se opera, no contexto da transferência de titularidade de
empresa ou estabelecimento, uma completa transmissão de créditos e
assunção de dívidas trabalhistas entre alienante e adquirente envolvidos‖.31
A sucessão trabalhista visa a manter inalterados os contratos de
trabalhos em curso e íntegros os direitos trabalhistas dos obreiros contratados,
mesmo diante de eventuais alterações na estrutura jurídica da entidade
empregadora. Ela pode ocorrer em virtude da alienação do controle da
sociedade empregadora, da sua fusão com outra sociedade (art. 1.119 a 1.121
do CC/2002 e art. 228 da Lei nº. 6.404/1976), da sua incorporação por outra
(art. 1.116 a 1.118 do CC/2002 e art. 227 da Lei nº. 6.404/1976) ou mesmo da
cisão (art. 229 da Lei nº. 6.404/1976), bem como pela simples alienação do
estabelecimento empresarial.
Para Delgado,
O objetivo da ordem jurídica com o instituto da sucessão trabalhista é assegurar a intangibilidade dos contratos de trabalho existentes no conjunto da organização empresarial em alteração ou transferência, ou mesmo na parcela transferida dessa organização.
32
Com isso, ocorrendo a transferência do controle de determinada
sociedade ou a alienação de parte das suas unidades produtivas, haverá a
transmissão automática de todos os direitos e obrigações trabalhistas (ainda
que contraídos antes da alienação) do sucedido ao sucessor trabalhista, que
será considerado o novo empregador para todos os fins legais.
Contudo, quando essa transferência se dá em virtude de alienação em
processo de falência (ou de recuperação judicial, conforme art. 60, parágrafo
29
SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006. 30
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr. 2006. 31
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 2006. p. 406. 32
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 2006, p. 419.
26
único, da Lei nº. 11.101/2005), não haverá a sucessão trabalhista e o
arrematante adquirirá o estabelecimento (ou a sociedade empresária) livre das
obrigações resultantes dos contratos trabalhistas anteriores, ainda que não
tenham sido integralmente adimplidas pelos pagamentos efetuados com o
produto apurado na venda do ativo do devedor (art. 14133, II c/c §2º da Lei nº.
11.101/2005). Isso ocorre porque, encerrada a falência (após o pagamento de
todas as classes de credores) os créditos ficarão subrogados no produto da
realização do ativo do falido (art. 141, I).
Todavia, conforme dispõe o §1º do mencionado art. 141, a aquisição do
estabelecimento ou da sociedade empresária livre de ônus não ocorrerá
quando o arrematante for: sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada
por esta ou pelo falido; parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou
colateral até o quarto grau, do falido ou de sócio da sociedade falida; ou
―agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão‖.34
Referida previsão legal causou polêmica, pois alguns autores da
doutrina trabalhista (a exemplo de Câmara35) criticam-na por entendê-la
violadora do princípio protetivo e da continuidade da relação de emprego,
implicando a transferência do risco da atividade empresarial aos empregados.
33
Devido à importância do mencionado dispositivo para o estudo ora realizado, optamos por citá-lo; in verbis: ―Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo: I – todos os credores, observada a ordem de preferência definida no art. 83 desta Lei, sub-rogam-se no produto da realização do ativo; II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho. § 1º O disposto no inciso II do caput deste artigo não se aplica quando o arrematante for: I – sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido; II – parente, em linha reta ou colateral até o 4o (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do falido ou de sócio da sociedade falida; ou III – identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão. § 2º Empregados do devedor contratados pelo arrematante serão admitidos mediante novos contratos de trabalho e o arrematante não responde por obrigações decorrentes do contrato anterior.‖ (BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318) 34
BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318. 35
CÂMARA, Eduardo. Alterações e Reflexos Trabalhistas da Lei de Recuperação e Falência. São Paulo: LTr. 2006.
27
O Partido Democrático Trabalhista (PDT) ajuizou uma ADI no STF,
autuada sob o número 3.934-2 (ADI nº 3.934-236), de relatoria do Ministro
Ricardo Lewandowski, questionando os art. 60, parágrafo único; art. 83, I e VI,
‗c‘; e art. 141, II, da Lei nº. 11.101/2005, por suposta violação aos art. 1º, III e
IV; art. 6º; art. 7º, I; e art. 170 da CRFB/1988. Mencionada ADI recebeu a
seguinte ementa:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 60, PARÁGRAFO ÚNICO, 83, I E IV (sic)
37, c, E 141, II,
DA LEI Nº. 11.101/2005. FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INEXISTENCIA DE OFENSA AOS ARTIGOS 1º, III E IV, 6º, 7º, I, E 170, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. ADI JULGADA IMPROCEDENTE. I – Inexiste reserva constitucional de lei complementar para a execução dos créditos trabalhistas decorrente de falência ou de recuperação judicial. II – Não há, também, inconstitucionalidade quanto à ausência de sucessão de créditos trabalhistas. III – Igualmente não existe ofensa à Constituição no tocante ao limite de conversão de créditos trabalhistas em quirografários. IV – Diploma legal que objetiva prestigiar a função social da empresa e assegurar, tanto quanto possível, a preservação dos postos de trabalho. V – Ação direta julgada improcedente. (STF. ADI nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009)
Analisando, conjuntamente, a constitucionalidade do art. 60, parágrafo
único, e do art. 141, II, da Lei nº. 11.101/2005 (em virtude da semelhança que
guardam entre si, uma vez que aquele prescreve a ausência de sucessão
trabalhista na alienação de estabelecimento em processo de recuperação
judicial e este, na falência), o Relator entendeu inexistir afronta à CRFB/1988
por dois motivos: a) em primeiro lugar, porque a CRFB/1988, segundo o
Ministro Relator, não trata expressamente sobre o direito de cobrança do
crédito trabalhista em face do adquirente dos ativos de sociedade em
recuperação judicial ou em falência; b) em segundo, por inexistir afronta direta
aos valores protegidos pela CRFB/1988, podendo-se vislumbrar, no máximo,
uma colisão entre princípios constitucionais que, no entanto, não permite
afirmar a invalidade de um deles em detrimento do outro, mas a ponderação de
36
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009. 37
A ementa citou o art. 83, IV, da Lei nº. 11.101/2005, quando, na verdade, quis se referir ao art. 83, VI, da mesma lei.
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ambos de modo que a realização de um se dê em maior ou em melhor medida
em relação ao outro.38
Segundo o Relator,
No caso, o papel do legislador infraconstitucional resumiu-se a escolher dentre os distintos valores e princípios constitucionais, igualmente aplicáveis à espécie, aqueles que entendeu mais idôneos para disciplinar a recuperação judicial e a falência das empresas, de maneira a assegurar-lhes a maior expansão possível, tendo em conta o contexto fático e jurídico com o qual se defrontou. Assim, o exame da alegada inconstitucionalidade material dos dispositivos legais que estabeleceram a inocorrência de sucessão das dívidas trabalhistas, na hipótese da alienação judicial de empresas, passa necessariamente pelo exame da adequação da escolha feita pelo legislador ordinário no tocante aos valores e princípios constitucionais aos quais pretendeu emprestar eficácia.
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Para o Ministro, além de ter resultado de amplos debates com os
diversos setores da sociedade por ela atingidos, a Lei nº. 11.101/2005 ―surgiu
da necessidade de preserva-se o sistema produtivo nacional inserido em uma
ordem econômica mundial caracterizada, de um lado, pela concorrência
predatória entre seus principais agente e, de outro, pela eclosão de crises
globais cíclicas altamente desagregadoras‖.40
O Ministro Relator41 verificou que, nesse contexto e diante da
ponderação de valores constitucionais de igual hierarquia, o legislador optou
por estabelecer que os adquirentes dos estabelecimentos ou das sociedades
empresárias alienadas judicialmente em processo de falência não assumiriam
a responsabilidade pelos débitos trabalhistas anteriores, não caracterizando,
dessa forma, o instituto da sucessão trabalhista. Segundo o Ministro42, isso é
vantajoso para os trabalhadores, pois torna mais interessante a arrematação,
aumentando as chances de lances maiores e, consequentemente, da garantia
dos próprios trabalhadores, que são os primeiros a receber. Além disso,
38
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 15-16. 39
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 17. 40
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 20. 41
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 20. 42
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 20.
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aumenta as chances de venda dos estabelecimentos em bloco, possibilitando a
continuação da atividade e a preservação dos postos de trabalho.
De acordo com o parecer do Senador Ramez Tebet para a Comissão de
Assuntos Econômicos – CAE, 2003 (p.11-13), citado pelo Ministro, ―Nada pode
ser pior para os trabalhadores que o fracasso na tentativa de vender a
empresa, pois, se esta não é vendida, os trabalhadores não recebem seus
créditos e ainda perdem seus empregos‖.43
Ainda para o Ministro,
... salta à vista que o referido diploma legal buscou, antes de tudo, garantir a sobrevivência das empresas em dificuldades – não raras vezes derivadas das vicissitudes por que passa a economia globalizada –, autorizando a alienação de seus ativos, tendo em conta, sobretudo, a função social que tais complexos patrimoniais
exercem, a teor do disposto no art. 170, III, da Lei Maior. 44
Objetivando a preservação da empresa, conforme prescreve o art. 47
(no que tange à recuperação judicial) e o art. 75 (no que diz respeito à
falência), a Lei nº. 11.101/2005 busca incentivar a aquisição em bloco,
primeiramente da sociedade empresária e, secundariamente, dos
estabelecimentos empresariais que a integram, todos da forma ―porteira
fechada‖, a fim de possibilitar ao arrematante, tanto quanto possível, prosseguir
na atividade anteriormente exercida pelo falido, mantendo ativa a unidade
produtora e preservando os postos de trabalho por ela já gerados.
Diante disso, o Ministro Relator45 finalizou entendendo que os art. 60,
parágrafo único, e 141, II, da Lei nº. 11.101/2005 são constitucionais ao
estabelecerem a ausência de sucessão trabalhista na alienação de
estabelecimento empresarial ou da própria sociedade realizada nos processos
de recuperação judicial e de falência, pois o legislador, numa ponderação de
princípios constitucionais de igual hierarquia, optou por otimizar os valores da
livre iniciativa e da função social da propriedade em detrimento de outros de
43
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 20. 44
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 21. 45
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 25.
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―igual densidade axiológica‖46, por reputar mais ―adequado ao tratamento da
matéria‖.47
Neste ponto, todos os Ministros que participaram do julgamento
(Cármem Lúcia, Ellen Gracie, Eros Grau, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio,
Carlos Britto, Gilmar Mendes, Cezar Peluzo) acompanharam o Relator e
julgaram improcedente a ADI nº. 3934-2.
Dessa forma, a partir de 06 de novembro de 2009, está pacificada a
questão da ausência de sucessão trabalhista quando a rescisão do contrato de
trabalho se dá em virtude da alienação judicial realizada em processo de
falência ou de recuperação judicial, em virtude da declaração de
constitucionalidade do art. 60, parágrafo único, e art. 141, II, da Lei nº.
11.101/2005.
2.3 Verbas que compõem o crédito trabalhista
Incluem-se na categoria privilegiada dos créditos trabalhistas a
totalidade da remuneração devida aos empregados, das indenizações
decorrentes da legislação do trabalho e de acidentes do trabalho, inclusive as
verbas rescisórias previstas nos art. 477 e seguintes c/c art. 479 da CLT,
excetuada a remuneração dos administradores das sociedades empresárias
que não sejam considerados empregados.
Os valores devidos serão corrigidos monetariamente até a data da
decretação da falência, pois a correção monetária tem a função de recompor a
desvalorização da moeda, não sendo considerado acréscimo.
Segundo Miranda Valverde, por salário, deve-se entender não apenas o
valor percebido pelo empregado em virtude da atividade desempenhada ―mas
também qualquer remuneração do trabalho, estipulada por contrato, mesmo na
forma de participação nos lucros, percentagens, comissões, prestações in
natura e gratificações‖ 48, incluindo a importância devida em virtude de férias,
46
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 25. 47
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 25. 48
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II, p. 211.
31
ainda que anotados em eventual conta-corrente que o empregado mantenha
com seu empregador.
Ainda de acordo com esse autor49, os demais valores devidos pelo
empregador ao seu empregado que não se originem das relações de trabalho,
ou nelas se baseiem, e não tenha natureza de crédito salarial ou de
indenização trabalhista, serão considerados crédito quirografário ou
privilegiado, conforme dispuser a lei.
Também estão incluídos nesta classe os valores devidos ao empregado
eleito para integrar algum cargo de direção ou o Conselho de Administração da
sociedade, aos procuradores ou mandatários comerciais e aos representantes
comerciais, pessoa natural ou jurídica, segundo Requião (art. 44 da Lei
4.886/65, alterado pela Lei 8.420/92).50
Na vigência do Decreto-lei nº. 7.661/1945, o Superior Tribunal de Justiça
(STJ) tinha entendimento sumulado no sentido de que ―Os créditos decorrentes
de serviços prestados à massa falida, inclusive a remuneração do síndico,
gozam dos privilégios próprios dos trabalhistas‖ (enunciado nº. 219 da Súmula
do STJ51).
No entanto, com a Lei nº. 11.101/2005, referido crédito foi previsto na
primeira classe dos extraconcursais (art. 84, I), ao lado dos créditos trabalhistas
pelos serviços prestados ao falido em razão da continuação provisória de suas
atividades e daqueles decorrentes de acidentes do trabalho ocorridos neste
período. Com isso, como se verá pelas explicações adiante, referido enunciado
de Súmula restou, em parte, prejudicado, pois a antiga Lei de Falências (após
a alteração introduzida pela Lei nº. 3.726/1960) prescrevia que o crédito
trabalhista teria preferência absoluta sobre quaisquer credores e seria pago,
integralmente, antes mesmo dos encargos e dívidas da massa.
Para Delgado52 e Almeida53, a extinção do estabelecimento empresarial
provocada por falência é fato inerente ao risco empresarial assumido em razão
49
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II, p. 211. 50
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998. 51
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Enunciado de Súmula nº. 219. Diário de Justiça, Brasília, 25 mar. 1999. Disponível em: <http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stj/stj__0219.htm>. Acessado em 28 mar. 2012. 52
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 2006. 53
ALMEIDA, Amador Paes de. Os Direitos Trabalhistas na Falência e Concordata do Empregador. 1998.
32
do princípio da alteridade, expresso no art. 2º da CLT. Esse princípio prescreve
que os riscos da atividade econômica são de inteira responsabilidade do
empregador, não podendo o empregado ser por eles prejudicado. Por isso, as
verbas rescisórias decorrentes da dispensa sem justa causa são assumidas
pela massa falida, que ficará isenta apenas do pagamento da multa pelo atraso
no pagamento dessas parcelas (art. 477, §§ 6º e 8º da CLT). Nesse sentido,
Delgado afirma que
A jurisprudência tem considerado que a extinção do contrato em decorrência de falência da empresa isenta a massa falida do pagamento da multa por atraso rescisório estipulada no art. 477, §§ 6º e 8º da CLT (ex OJ 201, SDI-I/TST
54; Súmula 388, TST). Não há
razão consistente, porém, para considerar-se que a falência não se enquadre nos riscos inevitáveis do empreendimento, necessariamente suportados pelo empregador (princípio da alteridade; art. 2º, caput, CLT). Em conseqüência, as parcelas rescisórias clássicas da dispensa sem justa causa também incidem na presente situação extintiva.
55
No mesmo sentido, Negrão56, mencionando decisão do TST (acórdão nº.
673.453, de 10.11.2000), ressalta que a massa falida não será obrigada ao
pagamento da multa relativa ao inadimplemento das parcelas incontroversas
(art. 467 da CLT), nem da multa pela rescisão do contrato de trabalho (art. 477,
§§ 6º e 8º, da CLT). Isso porque, não pode a massa ser penalizada por uma
conduta que o administrador judicial está impedido de praticar, já que ele não
pode fazer pagamentos fora do concurso de credores.
Os valores devidos em virtude do encerramento do contrato de trabalho
são diferentes conforme seja ele por tempo determinado ou indeterminado.
Dessa forma, as verbas devidas pela massa falida em virtude da
rescisão do contrato de trabalho por prazo indeterminado são: aviso prévio
(indenizado, no caso, em razão da rescisão do contrato de trabalho provocado
pela falência); décimo terceiro salário proporcional (art. 7º, VIII, da
CRFB/1988); férias proporcionais, acrescidas do terço constitucional (art. 7º,
XVII, da CRFB/1988); indenização pelas férias eventualmente não gozadas;
54
A OJ 201 da SDI-I do TST foi convertida no enunciado nº. 388 da Súmula deste Tribunal que tem a seguinte redação: ―Massa falida. Arts. 467 e 477 da CLT. Inaplicabilidade. A Massa Falida não se sujeita à penalidade do art. 467 e nem à multa do §8º do art. 477, ambos da CLT.‖ 55
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 2006, p. 1.135. 56
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2ª ed. São Paulo: Saraiva. 2007. Vol. 3. p. 426.
33
liberação dos depósitos de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS),
com acréscimo de 40% (quarenta por cento) do valor depositado a esse título
(de natureza indenizatória).
Negrão57, citando decisão do TST (acórdão nº. 654.319, de 23.08.2000),
afirma que, em relação ao acréscimo indenizatório devido sobre o FGTS, se
aplica o art. 18, §2º, da Lei nº. 8.036/1990 e o valor da multa pela rescisão do
contrato de trabalho cai para 20% (vinte por cento) por decorrer, a dispensa, de
força maior. Isso porque, segundo o TST, ―Na falência não se tem por
caracterizada a arbitrariedade do empregador na dispensa do empregado‖.58
No que tange aos valores devidos a título de férias vencidas e não
gozadas e ao aviso prévio, Requião59 menciona decisão da 6ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça de São Paulo no sentido de que referidas quantias também
gozam do privilégio ora tratado.
No caso dos contratos de trabalho com prazo determinado, há que se
fazer uma distinção para definir as verbas que serão pagas pela massa falida.
Assim, a extinção desse contrato pode ser normal ou anormal.
A extinção normal desse contrato de trabalho ocorre pelo advento do
respectivo termo final prefixado, gerando ao trabalhador direito ao
percebimento das seguintes parcelas: décimo terceiro salário proporcional;
férias proporcionais, acrescidas do terço constitucional (independentemente do
prazo do contrato); indenização pelas férias eventualmente não gozadas e
levantamento dos depósitos mensais de FGTS, sem o acréscimo rescisório de
40% (quarenta por cento).
Já a extinção anormal verifica-se em razão da rescisão antecipada do
contrato de trabalho, que pode ocorrer por vontade do empregado ou do
empregador. Nesses casos, deve ser analisado se os respectivos pactos têm
―cláusula de antecipação do término contratual‖60 (ou ―cláusula assecuratória
de direito recíproco de rescisão antecipada‖)61.
57
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. p. 427. 58
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3, p. 427. 59
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998, p. 330. 60
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 2006, p. 1.125. 61
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 2006, p. 1.125.
34
Não existindo referida cláusula no contrato, a massa falida deverá pagar
ao trabalhador os salários porventura devidos; o décimo terceiro salário
proporcional; as férias proporcionais, acrescidas do terço constitucional;
indenização pelas férias eventualmente não gozadas; os depósitos mensais de
FGTS, sem o acréscimo de 40% (quarenta por cento); e a indenização prevista
no art. 479 da CLT (ou seja, metade da remuneração a que teria direito o
empregado até o termo final do contrato).
Por outro lado, havendo a cláusula de rescisão antecipada no contrato
de trabalho, as verbas devidas serão as mesmas dos contratos por prazo
indeterminado, conforme prescreve o art. 481 da CLT, quais sejam: aviso
prévio indenizado; décimo terceiro salário proporcional; férias proporcionais,
acrescidas do terço constitucional; indenização pelas férias eventualmente não
gozadas; e FGTS, com acréscimo de 40% (quarenta por cento) a título de
indenização pela dispensa.
Ressalte-se que, também nesses casos, a multa de 40% (quarenta por
cento) sobre os depósitos de FGTS, devida pela rescisão do contrato de
trabalho em virtude da falência do empregador, passa para 20% (vinte por
cento) em razão do art. 18, §2º, da Lei nº. 8.036/1990 e de decisão do TST (a
exemplo do acórdão nº. 654.319, de 23.08.2000, mencionado por Negrão62).
Caso o pedido de rescisão do contrato com prazo determinado seja feito
pelo trabalhador e o pacto não tenha a cláusula mencionada, as únicas
parcelas devidas ao obreiro serão o décimo terceiro salário proporcional e as
férias proporcionais, acrescidas do terço constitucional, além da indenização
pelas férias eventualmente não gozadas (a qual sempre é devida). Havendo a
cláusula de rescisão antecipada do contrato, aplicar-se-ão as regras dos
contratos por prazo indeterminado (art. 481 da CLT), ressaltando que, nesse
caso, o aviso prévio deverá ser indenizado ao empregador (em virtude do
pedido de dispensa ter sido feito pelo empregado) e a massa falida terá direito
de crédito contra o trabalhador.
Essa última hipótese, de rescisão do contrato de trabalho por prazo
determinado a pedido do empregado é muito pouco comum na falência, uma
62
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3.
35
vez que este fato é o que normalmente ocasiona a extinção do pacto e não o
contrário.
Em relação aos juros, também se aplica a regra do art. 124 da Lei nº.
11.101/2005 aos contratos trabalhistas, sendo eles devidos somente até a data
da decretação da falência. Depois deste marco, os juros não terão curso, salvo
se a massa falida os comportar.
Assim, conjugando o caput do art. 449 da CLT63 com os dispositivos
constantes da Lei nº. 11.101/2005, verifica-se que, quando a alienação do
estabelecimento empresarial (ou a própria sociedade empresária) ocorre em
processo de falência (ou de recuperação judicial) e havendo a rescisão dos
contratos de trabalho, em que pese a inexistência de sucessão trabalhista em
virtude do comando legal contido no art. 141, II, c/c §2º, da Lei nº. 11.101/2005
os direitos dos empregados subsistirão, mas serão satisfeitos pelo pagamento
dos valores devidos (remuneração, verbas rescisórias e indenizações, inclusive
aquelas decorrentes de acidente do trabalho) até o limite da quantia apurada
com a realização do ativo (sem que haja transferência de eventual saldo
devedor ao adquirente).
2.4 Classificações do crédito trabalhista
Primeiramente cumpre ressaltar que, em virtude da redação originária do
art. 449, §1º64, da CLT, os créditos trabalhistas tinham privilégio geral quando
ocorria a falência do empregador ou do tomador de serviços.
Referido dispositivo legal prescrevia que a totalidade dos salários dos
empregados e um terço das indenizações a que tinham direito constituíam
―crédito privilegiado‖ na falência do seu empregador, sendo considerado crédito
quirografário os dois terços restantes das indenizações.
63
O art. 449, caput, da CLT prescreve que ―Os direitos oriundos da existência do contrato de trabalho subsistirão em caso de falência, concordata ou dissolução da empresa‖. 64
Art. 449 - Os direitos oriundos da existência do contrato de trabalho subsistirão em caso de falência, concordata ou dissolução da empresa. § 1º Na falência e na concordata, constituirão crédito privilegiado a totalidade dos salários devidos ao empregado e um terço das indenizações a que tiver direito, e crédito quirografário os restantes dois terços. [...] (BRASIL. Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 691-759.)
36
Ao mencionar a palavra ―privilégio‖, sem qualquer adjetivação posterior,
entendia-se que ele só podia ser o geral, uma vez essa espécie de preferência
decorre da lei e, por implicar exceção à regra da igualdade entre os credores,
deve sofrer interpretação restritiva. Nesse sentido, Gontijo afirma que
A Consolidação das Leis do Trabalho, editada em 1.º.05.1943, não cuidou de assegurar ao crédito trabalhista qualquer garantia real e mesmo o privilégio era limitado e sem definição de classe (privilégio geral, especial ou modalidade extraordinária), sendo certo que o caput do art. 449 apenas prescreveu que os direitos materiais decorrentes do contrato de emprego subsistiriam em caso de processo concursal empresarial falimentar ou, à época, concordatário; direitos como a irredutibilidade salarial ou férias remuneradas, sem, contudo, assegurar qualquer modalidade de preferência especial para o crédito daí decorrente.
65
Corroborando esse entendimento, a antiga Lei de Falências (Decreto-lei
nº. 7.661/1945), na redação original do seu art. 102 (que disciplinava a
classificação dos créditos na falência), prescrevia que os salários dos
empregados e um terço da indenização a que tinham direito constituíam
privilégio geral na falência do empregador, sendo considerado crédito
quirografário os dois terços restantes da indenização devida em virtude do
contrato de trabalho (art. 102, §3º, III, c/c §4º66).
Posteriormente, a Lei nº. 3.726, de 11 de fevereiro de 1960, alterou o art.
10267 do Decreto-lei nº. 7.661/1945 e derrogou tacitamente o §1º do art. 449 da
65
GONTIJO, Vinícius José Marques. Efeitos da falência do empregador na ação de execução de crédito trabalhista. In: Revista de Direito do Trabalho. 2007. RDT 128, p. 232. 66
Art. 102. Ressalvada a preferência dos credores por encargos ou dívidas da massa (art. 124), a classificação dos créditos, na falência, obedece à seguinte ordem: [...] 3º Têm privilégio geral: [...] III - os créditos dos empregados, em conformidade com a decisão que fôr proferida na Justiça do Trabalho; 4º São quirografários os créditos que, por esta lei, ou por lei especial não entram nas classes I, II e III dêste artigo, os saldos dos créditos não cobertos pelo produto dos bens vinculados ao seu pagamento e o restante de indenização devida aos empregados. (BRASIL. Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. Diário de Justiça, 31 jul. 1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm>. Acessado em 13 mar. 2012.) 67
Art. 102. Ressalvada a partir de 2 de janeiro de 1958, a preferência dos créditos dos empregados, por salários e indenizações trabalhistas, sôbre cuja legitimidade não haja dúvida, ou quando houver, em conformidade com a decisão que fôr proferida na Justiça do Trabalho, e, depois dêles a preferência dos credores por encargos ou dívidas da massa (art. 124), a classificação dos créditos, na falência, obedece à seguinte ordem: (Redação dada pela Lei nº 3.726, de 11.2.1960) I – créditos com direitos reais de garantia; II – créditos com privilégio especial sôbre determinados bens; IIl – créditos com privilégio geral; IV – créditos quirografários
37
CLT, para conferir privilégio absoluto aos créditos trabalhistas, incluindo
remuneração e indenizações. Com isso, a partir de 2 de janeiro 1958, os
valores devidos aos empregados passaram a gozar de privilégio sobre os
demais, sendo pagos em primeiro lugar na falência do empregador.
Alguns anos depois, foi publicado o Decreto-lei nº. 192, de 24 de
fevereiro de 1967, que, visando conceituar a expressão ―indenizações
trabalhistas‖ nos textos legais que menciona (entre as quais se incluía o
Decreto-lei nº. 7.661/1945), remeteu a matéria à redação originária do art. 449,
§1º, da CLT para afirmar que as ―indenizações trabalhistas‖ referiam-se apenas
―a um terço da indenização devida‖68.
Com o fim de corrigir o retrocesso provocado pelo Decreto-lei nº.
192/1967, foi editada a Lei nº. 6.449, de 14 de outubro de 1977, que alterou o
art. 449, §1º, da CLT para deixar expresso que ―Na falência constituirão
§ 1º Preferem a todos os créditos admitidos à falência a indenização por acidente do trabalho e os outros créditos que, por lei especial, gozarem essa prioridade. § 2º Têm o privilégio especial; I – os créditos a que o atribuírem as leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta lei; II – os créditos por aluguer de prédio locado ao falido para seu estabelecimento comercial ou industrial, sôbre o mobiliário respectivo: III – os créditos a cujos titulares a lei confere o direito de retenção, sôbre a coisa retida; o credor goza, ainda do direito de retenção sôbre os bens móveis que se acharem em seu poder por consentimento do devedor, embora não esteja vencida a dívida, sempre que haja conexidade entre esta e a coisa retida, presumindo-se que tal conexidade entre comerciantes resulta de suas relações de negócios. § 3º Têm privilégio geral: I – os créditos a que o atribuírem as leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta lei; II – os créditos dos Institutos ou Caixas de Aposentadoria e pensões, pelas contribuições que o falido dever. § 4º São quirografários os créditos que, por esta lei, ou por lei especial, não entram nas classes I, II e III deste artigo e os saldos dos créditos não cobertos pelo produto dos bens vinculados ao seu pagamento. (BRASIL. Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. Diário de Justiça, 31 jul. 1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm>. Acessado em 13 mar. 2012.) 68
Art. 1º. A preferência assegurada pelo art. 102 do Decreto-lei número 7.661, de 21 de junho de 1945, na nova redação que lhe deu a Lei número 3.726, de 11 de janeiro de 1960, bem como pelo art. 1º da Lei número 4.839, de 18 de novembro de 1965, às "indenizações trabalhistas", corresponde, na forma do disposto no § 1º do art. 499, da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a um têrço da indenização devida. (BRASIL. Decreto-lei nº 192, de 24 de fevereiro de 1967. Fixa o entendimento da expressão "indenizações trabalhistas" nos textos legais que menciona. DOU de 27 fev. 1967. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-192-24-fevereiro-1967-376010-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acessado em 04 jun. 2012.).
38
créditos privilegiados a totalidade dos salários devidos ao empregado e a
totalidade das indenizações a que tiver direito‖.69
Dessa forma, na falência regida pelo Decreto-lei nº. 7.661/1945, após a
alteração promovida pela Lei nº. 3.726/1960, entre o período de 2 de janeiro de
1958 até 24 de fevereiro de 1967 e de 14 de outubro de 1977 até a entrada em
vigor da Lei nº. 11.101/2005 (9 de junho de 2005, em razão do art. 201 desta
lei), os créditos trabalhistas gozaram de preferência absoluta sobre os demais
(chamados créditos concorrentes), inclusive sobre os encargos e dívidas da
massa falida (previstos no art. 124 do mesmo diploma normativo).
Os encargos e dívidas da massa falida eram semelhantes aos atuais
créditos extraconcursais, previstos no art. 84 da Lei nº. 11.101/2005 (com
algumas diferenças que serão brevemente expostas), sendo despesas
resultantes de trabalhos e compromissos assumidos posteriormente à
decretação da falência. Segundo Miranda Valverde,
Esta divisão corresponde à diversidade de origem das obrigações, nascendo as primeiras das relações internas da massa falida, do andamento do processo de falência e de seus incidentes, surgindo as segundas das relações dos órgãos da massa com terceiros, com o mundo exterior.
70
Assim, os encargos da massa estavam previstos no art. 124, §1º71, da
antiga lei, e compreendiam os gastos e as despesas necessárias à
69
BRASIL. Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 691-759. 70
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II, p. 271. 71
Art. 124. Os encargos e dívidas da massa são pagos com preferência sobre os créditos admitidos a falência, ressalvado o disposto nos artigos 102 e 125. (Redação dada pela Lei nº 3.726, de 11.2.1960) § 1º São encargos da massa: I – as custas judiciais do processo da falência, dos seus incidentes das ações em que a massa fôr vencida; Il – as quantias fornecidas a massa pelo síndico ou pelos credores: III – as despesas com a arrecadação, administração, realização de ativo e distribuição do seu produto, inclusive a comissão de síndico; IV – as despesas com a moléstia e o enterro do falido, que morrer na indigência, no curso do processo; V – os impostos e contribuições públicas a cargo da massa e exigíveis durante a falência; VI – as indenizações por acidentes do trabalho que, no caso de continuação de negócio do falido, se tenha verificado nesse período. [...] (BRASIL. Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. Diário de Justiça, 31 jul. 1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm>. Acessado em 13 mar. 2012.)
39
arrecadação e administração dos bens, bem como à realização do ativo para
pagamento dos créditos segundo a ordem legal de preferência.
Já as dívidas da massa, previstas no art. 124, § 2º72, do Decreto-lei nº.
7.661/1945, envolviam as custas judiciais pagas pelo credor que requereu a
falência; as obrigações resultantes de negócios jurídicos válidos praticados
pelo síndico entre as quais estavam incluídos os tributos devidos pela massa
falida em razão da continuação provisória de suas atividades, os contratos
celebrados pelo síndico, nesse período, nos interesses da massa falida, os
contratos bilaterais celebrados pelo falido (antes da decretação da falência)
que o síndico decidir cumprir; e as obrigações decorrentes de enriquecimento
ilícito da massa, as quais se assentavam no trinômio enriquecimento de um,
empobrecimento de outro e ausência de causa jurídica (desde que ocorrido
após a decretação da falência).
Antes, porém, do pagamento de todos os encargos e dívidas da massa,
deveriam ser pagos os credores trabalhistas na sua totalidade, nos termos do
art. 102, caput, da antiga lei. Os demais créditos previstos nos incisos do art.
102, os chamados créditos concorrentes, seriam pagos após os encargos e
dívidas da massa.
Requião resume a ordem de pagamento na falência regida pelo Decreto-
lei nº. 7.661/1945 da seguinte forma:
Resta-nos, pois, compulsando a legislação em seu estado atual, modernizar o esquema de classificação dos créditos apresentado naquele dispositivo de lei. É o seguinte: 1º) Crédito resultante de indenização por acidente do trabalho (art. 102, caput, do Dec.-lei nº 7.661, de 21-6-1945). 2º) a) Créditos dos salários e das indenizações dos empregados (CTN – Lei nº 5.172, de 25-10-1966, art. 186; CLT, art. 449, §1º; e Dec.-lei nº 192, de 24-2-1967) [...] b) Créditos por comissões vencidas e vincendas, indenização do aviso prévio e indenização pelo rompimento injusto do contrato, e outros créditos, devidos aos representantes comerciais (art. 44 da Lei nº 4.886, de 9-12-1965, com a redação dada pela Lei nº 8.420, de 8-5-1992).
72
Art. 124. § 2º São dívidas da massa: I – as custas pagas pelo credor que requereu a falência; II – as obrigações resultantes de atos jurídicos válidos, praticados pelo síndico; III – as obrigações provenientes de enriquecimento indevido da massa. [...] (BRASIL. Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. Diário de Justiça, 31 jul. 1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm>. Acessado em 13 mar. 2012.)
40
3º) Créditos tributários da União, Estados e Municípios, no mesmo plano de igualdade (art. 60, parágrafo único do Dec.-lei nº 960, de 17-12-1938; arts. 186 e 187 da Lei nº 5.172, de 25-10-1966; e Constituição Federal de 1988, art. 145). 4º) Créditos parafiscais tais como contribuições do SINPAS (INPS), SESC, SESI, SENAC, SENAI, FGTS, PIS etc., no mesmo plano que os créditos tributários da União. 5º) Créditos por encargos da massa (art. 124, §1º, da Lei de Falências). 6º) Créditos por dívidas da massa (art. 124, §2º, da Lei de Falências). 7º) Créditos com direitos reais de garantia. 8º) Créditos com privilégio especial sobre determinados bens. 9º) Créditos com privilégio geral. 10º) Créditos quirografários.
73
Referida classificação, porém, restou superada com a Lei nº.
11.101/2005 que alterou algumas disposições legais antigas.
Cumpre ressaltar, ainda, que, na falência regida pelo Decreto-lei nº.
7.661/1945, depois da alteração promovida pela Lei nº. 3.726/1960, os
credores trabalhistas e os acidentados do trabalho tinham privilégio absoluto no
pagamento, sendo pagos antes mesmo dos encargos e dívidas e da massa. No
entanto, tais créditos não eram pagos antes da realização das restituições
devidas, que eram feitas com precedência absoluta sobre qualquer outro
pagamento, fossem elas pelo bem específico (in natura), fossem pelo seu
equivalente em dinheiro (quando o bem não mais existisse quando de sua
implementação).
Segundo Sérgio Mourão Corrêa Lima74, em obra sob coordenação
própria e de Osmar Brina Corrêa-Lima, essa era a jurisprudência do STJ, após
sucessivos julgados da 3ª e 4ª turma.
Atualmente, porém, a literalidade da Lei nº. 11.101/2005 determina que,
em primeiro lugar, proceder-se-á às restituições devidas, desde que seja pelo
bem in natura arrecadado pelo administrador judicial e reclamado em ação
própria pelo legítimo proprietário ou pelo contratante de boa-fé que houver
vendido mercadoria a crédito ao falido e entregue nos quinze dias anteriores ao
requerimento de falência, desde que não tenham sido alienados pelo falido (art.
85).
Segundo Negrão75, feitas as restituições pela entrega do bem
especificado, a Lei nº. 11.101/2005 determina que se passe ao cumprimento do
73
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998, p. 327-328. 74
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009.
41
disposto no art. 151 (ou seja, o pagamento dos créditos trabalhistas, de
natureza estritamente salarial, vencidos nos três meses anteriores à
decretação da falência, até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador)
e das demais despesas cujo pagamento antecipado seja indispensável à
administração da falência.
De acordo com o mesmo autor76, depois disso, o administrador judicial
implementará as restituições em dinheiro dos bens indevidamente arrecadados
pela massa falida e que tenham perecido em poder desta ou tenham sido
alienados pelo administrador judicial (art. 86, parágrafo único, da Lei nº.
11.101/2005), passando-se, em seguida, ao pagamento dos créditos
extraconcursais e dos créditos concursais, respectivamente.
A princípio e de forma bastante simplificada pode-se dizer que a Lei nº.
11.101/2005 estabeleceu três ordens distintas de classificação dos créditos
admitidos ao concurso universal de credores da falência: a primeira é aquela
que Negrão 77 chama de créditos prioritários (art. 151, 150 e 86); a segunda
são os créditos extraconcursais (art. 84); e a terceira compreende os créditos
concursais (art. 83). Contudo, essa análise não é tão fácil quanto parece, pois,
dentro de cada uma dessas classes, existem várias subclasses.
Para Negrão78, existem três classes de credores prioritários, com
preferência absoluta sobre os demais credores, que serão pagos na seguinte
ordem:
a) os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência, até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador, com o dinheiro disponível em caixa (art. 151); b) as despesas cujo pagamento antecipado seja indispensável à administração da falência (art. 150); e c) as restituições em dinheiro, nas hipóteses indicadas no art. 86 (arts. 149, caput, e 86, parágrafo único).
79
75
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 76
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 77
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 78
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 79
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3, p. 520.
42
De acordo com Negrão80, as despesas de pagamento antecipado
indispensáveis à administração da falência são o gênero que compreende as
duas categorias constantes do art. 151 e 150 da Lei nº. 11.101/2005 como
espécies.
A primeira delas, com preferência absoluta no recebimento do seu
crédito, é aquela prevista no art. 151. Para que esteja incluído nessa categoria,
o crédito deve ter natureza estritamente salarial. Isso significa que, caso tenha
natureza indenizatória, o crédito trabalhista não será classificado como
prioritário e sim concursal privilegiado ou extraconcursal, conforme o caso.
Além disso, devem estar presentes o requisito temporal (o crédito deve estar
vencido nos três meses anteriores à decretação da falência) e quantitativo (a
quantia não pode ser superior a cinco salários mínimos por trabalhador).
Essa interpretação se deve à literalidade do art. 86, parágrafo único, c/c
art. 151, que determina o pagamento imediato desses credores, tão logo haja
disponibilidade em caixa, antes mesmo das restituições em dinheiro, depois
apenas das restituições in natura.
Negrão81 entende que a quantia prevista no art. 151 da Lei nº.
11.101/2005 não importa em mera antecipação dos créditos trabalhistas
concursais (art. 83, I), representando, dessa forma, uma espécie de
superprivilégio decorrente de uma nova classificação promovida pelo
mencionado dispositivo. Para ele82, enquanto o art. 151 refere-se às verbas de
natureza estritamente salarial, o art. 83, I, refere-se a qualquer crédito
decorrente da legislação trabalhista, não havendo que se falar em desconto
das quantias pagas em razão do cumprimento do disposto no art. 151 daqueles
valores devidos em virtude da classificação prevista no art. 83, I.83 Nas
palavras desse autor,
O trabalhador receberá até 5 salários mínimos se tiver trabalhado na empresa falida e fizer jus a verbas estritamente salariais relativas aos últimos três meses que antecederam à falência. Habilitará até 150
80
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 81
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 82
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 83
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3.
43
salários mínimos na classe trabalhista, pelo montante de qualquer natureza que lhe for devido pela legislação trabalhista e, ainda, o que sobejar a este valor na classe dos credores quirografários.
84
Segundo Negrão85, por serem equiparados aos créditos trabalhistas, os
valores devidos ao representante comercial estão sujeitos à mesma disciplina
daqueles. Assim sendo, o disposto no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005 também
se aplica a essa categoria profissional, da mesma forma que os art. 83, I, e 84,
I, deste diploma normativo.
Negrão86 ensina que, após o cumprimento do comando legal contido no
art. 151, procede-se ao pagamento das importâncias indispensáveis à
administração da falência, em conformidade com o art. 150 da Lei nº.
11.101/2005. Para ele87, esse dispositivo refere-se aos créditos extraconcursais
que devem ser imediatamente pagos, não podendo esperar a fase de
liquidação para tal providência. Tratam-se de ―despesas necessárias à
continuação provisória da atividade empresarial‖88 e do ―pagamento de
fornecedores, em especiais os decorrentes de contratos de prestação
simultânea (água, energia elétrica, aluguéis etc.)‖.89
Rocha, Zavanella e Silva90, Souza91, Simionato92, Abrão93, Salles94,
Junqueira95, Almeida96, Simão Filho97 e Coelho98 também entendem que o
84
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3, p. 524-525. 85
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 86
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 87
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 88
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3, p. 522. 89
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3, p. 522. 90
ROCHA, Marcelo Oliveira; ZAVANELLA, Fabiano; SILVA, Dones Manuel F. Nunes da. Dos Créditos Trabalhistas na Nova Lei de Falências. Campinas/SP: LZN. 2006. 91
SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006. 92
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 93
ABRÃO, Carlos Henrique; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Paulo F. C. Salles de Toledo e Carlos Henrique Abrão (cood.). 1ª ed. São Paulo: Saraiva. 2005. 94
SALLES, Marcos Paulo de Almeida; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei nº. 11.101/2005 – Artigo por artigo. Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Morais Pitombro (coord.). 2ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2007. 95
JUNQUEIRA, Palmyrita Sammarco; et. al. Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. Coord. Rubens Approbato Machado. 2ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2007.
44
cumprimento do disposto no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005 deve preceder a
qualquer outro pagamento, inclusive à implementação das restituições em
dinheiro previstas no art. 86 da mesma lei, em razão do comando normativo
contido no parágrafo único deste último dispositivo. Contudo, alguns desses
autores fazem observações relevantes sobre a exegese dos art. 151, 150, 149,
86, 85, 84 e 83 da Lei nº. 11.101/2005.
Souza99 ensina que a disposição contida no art. 151 da Lei nº.
11.101/2005 é uma tentativa do legislador em minimizar os prejuízos causados
aos empregados em razão do atraso no pagamento dos salários. Por isso,
denomina referida parcela de ―pronto-pago‖ 100, utilizando-se da nomenclatura
adotada no art. 16 da Lei nº 24.522/95 da Argentina.
Segundo o mesmo autor101, a legislação espanhola traz a previsão de
um fundo destinado ao pagamento de uma ―importância não superior à
resultante da multiplicação do dobro do salário mínimo ―interprofissional‖ diário
pelo número de dias de salário pendente, com no máximo 120 dias‖102, sendo
que o ―salário mínimo ―interprofissional‖ é o vigente no momento da declaração
da insolvência‖103. Esse fundo é denominado de ―FOGASA‖ (―Fondo de
Garantía Salarial‖), ―criado em 1976 e regulado, em suas linhas básicas, pelo
art. 33 do Estatuto dos Trabalhadores (ET) e pelo Decreto Real n. 505/1985, de
6 de março‖.104
96
ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de; et. al. Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. Luiz Fernando Valente de Paiva (coord.). São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil. 2005. 97
SIMÃO FILHO, Adalberto; et. al. Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2005. 98
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (Lei 11.101, de 9-2-2005). 4ª ed. São Paulo: Saraiva. 2007. 99
SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006. 100
SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006, p. 251. 101
SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006. 102
SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006, p. 252. 103
SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006, p. 252. 104
SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006, p. 252.
45
Souza105 considera que o art. 151 da Lei nº. 11.101/2005 foi tímido ao
estipular o requisito temporal para o pagamento dos créditos trabalhistas que
menciona, limitando-o aos três meses anteriores à decretação da falência. Para
ele106, o legislador deveria utilizar um critério variável relacionado ao período do
contrato de trabalho de cada empregado.
Junqueira107, interpretando mencionados dispositivos, afirma que o
pagamento, na falência, deve obedecer à seguinte ordem: a) pagamento dos
créditos trabalhistas vencidos nos três meses anteriores à decretação da
falência e até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador (art. 151); b)
implementação das restituições108 (art. 85 e 86 c/c art. 149); c) pagamento aos
credores extraconcursais (art. 84 c/c art. 149); e d) pagamento aos credores
concursais na ordem prescrita pelo art. 83.
Simão Filho109 afirma que o pagamento será feito, primeiramente,
àqueles credores definidos pela lei como de ―pagamentos imediatos contra
disponibilidade de caixa‖, depois passa-se aos credores extraconcursais e, por
último, aos credores concursais. Os primeiros (―pagamentos imediatos contra
disponibilidade de caixa‖) abrangem os seguintes créditos, respectivamente:
―Despesas indispensáveis à administração da falência (art. 150)‖; ―Despesas
decorrentes da continuação provisória das atividades (art. 150)‖; ―Créditos
decorrentes de salários vencidos nos 03 meses anteriores à quebra, até o
limite de 05 salários-mínimos por trabalhador (art. 151)‖110; e as restituições,
sejam elas pelo bem especificado, sejam pelo seu equivalente em dinheiro (art.
85 e art. 86 da Lei nº. 11.101/2005).111
105
SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006, p. 252. 106
SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006, p. 252. 107
JUNQUEIRA, Palmyrita Sammarco; et. al. Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2007, p. 253. 108
A autora não faz distinção entre as restituições em dinheiro e as restituições do bem in natura. 109
SIMÃO FILHO, Adalberto; et. al. Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2005. 110
SIMÃO FILHO, Adalberto; et. al. Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2005. 111
SIMÃO FILHO, Adalberto; et. al. Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2005.
46
Coelho112, por sua vez, explica que existem três tipos de antecipação de
pagamento na execução concursal. A primeira refere-se às despesas
indispensáveis à administração da falência (art. 150); a segunda diz respeito
aos valores indispensáveis à continuação provisória das atividades do falido; e
a terceira compreende o pagamento dos ―salários em atraso‖113 de que trata
(segundo esse autor) o art. 151 da Lei nº. 11.101/2005.
Coelho114 entende que a previsão contida no art. 151 da Lei nº.
11.101/2005 consiste em uma simples antecipação de pagamento dos créditos
concursais trabalhistas devidos pela massa falida, devendo essa quantia ser
atualizada e deduzida quando do momento do pagamento de que trata o art.
83, I. Referido adiantamento refere-se apenas às verbas de natureza salarial,
pois visa a atender aos salários em atraso dos empregados, tratando-se,
segundo esse autor, de ―medida de tutela da dignidade do empregado‖115,
devido à natureza alimentar desses valores.
Para Coelho116, por se tratar de mera antecipação do pagamento dos
créditos trabalhistas concursais, o art. 151 não estabelece uma nova espécie
de preferência do crédito trabalhista. Por isso, se não houver recursos
suficientes para o pagamento dos credores extraconcursais, não deverá o
administrador pagar os créditos trabalhistas vencidos nos três meses anteriores
à decretação da falência, até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador,
sob pena de responsabilização pessoal pela impossibilidade do pagamento dos
créditos preferenciais.
Se houver recursos para tanto, Coelho117 afirma que, após a realização
das três espécies de antecipação mencionadas, o administrador judicial
procederá ao pagamento dos créditos extraconcursais, depois implementará
112
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (Lei 11.101, de 9-2-2005). 2007. 113
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (Lei 11.101, de 9-2-2005). 2007, p. 382. 114
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (Lei 11.101, de 9-2-2005). 2007, p. 382. 115
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (Lei 11.101, de 9-2-2005). 2007, p. 382. 116
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (Lei 11.101, de 9-2-2005). 2007, p. 383. 117
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (Lei 11.101, de 9-2-2005). 2007.
47
todas as restituições devidas (em dinheiro ou pela entrega do bem
especificado) e, por último, pagará os créditos concursais.
Referido entendimento de Coelho118 é bastante peculiar e não nos
parece o melhor, pois ele coloca o terceiro (que não é credor) com direito à
restituição em dinheiro atrás dos créditos extraconcursais, ou seja, atrás dos
credores da massa falida.
Para Sztajn119, a norma contida no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005 visa
ao pagamento dos créditos trabalhistas referentes aos salários atrasados, por
isso, em regra, terão prioridade sobre os créditos concursais e extraconcursais.
No entanto, a autora120 não se manifesta sobre a posição de mencionado
crédito em relação às restituições (em dinheiro ou in natura). Ainda segundo
Sztajn121, as despesas de pagamento antecipado indispensáveis à
administração da falência e os recursos necessários à continuação provisória
da atividade empresarial (art. 150), quando houver interesse para a massa,
serão pagas com precedência absoluta, inclusive sobre os credores
trabalhistas enquadrados no art. 151, pois visam a proporcionar o próprio
desenvolvimento do processo de falência e beneficiar a comunidade de
credores.
Lima122 e Souza Junior123 interpretam esses dispositivos de outra forma.
Segundo Lima124, somente depois de implementadas todas as
restituições devidas (pelo bem especificado ou em dinheiro) é que devem ser
pagos os créditos extraconcursais, na ordem disposta no art. 84 da Lei nº.
11.101/2005. Para esse autor125, a intenção do legislador, com o art. 150, é
permitir que a sequência disposta no art. 84 seja invertida, excepcionalmente,
para realizar os pagamentos ―indispensáveis à administração da falência,
118
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (Lei 11.101, de 9-2-2005). 2007. 119
SZTAJN, Raquel; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 2005, p. 405. 120
SZTAJN, Raquel; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 2005. 121
SZTAJN, Raquel; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 2005. 122
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 123
SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei nº. 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007. 124
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 125
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009.
48
inclusive na hipótese de continuação provisória das atividades‖126. Ele127,
ainda, cita, como exemplo, a possibilidade de antecipação do pagamento das
―despesas com administração da massa‖, previstas no art. 84, III, quando
necessário; das despesas com ―arrecadação, remoção e a guarda de bens‖, a
fim de preservar o ativo do devedor e permitir o pagamento dos credores; bem
como daquelas ―indispensáveis à continuação provisória das atividades da
empresa‖, com o objetivo de preservar os bens tangíveis e intangíveis do falido
até a venda do estabelecimento empresarial (art. 140 e 141), desde que isso
seja conveniente para a massa falida; e até das ―obrigações resultantes dos
atos jurídicos válidos‖ e tributos originários de fatos geradores praticados nesse
período (art. 84, V).128
Ainda de acordo com Lima129, nesse caso, caberá ao administrador
judicial requerer, motivamente, ao Juízo da falência a antecipação do
pagamento das classes de credores extraconcursais que sejam indispensáveis
à administração da falência e/ou continuação provisória das atividades. O juiz
responsável pelo processo poderá, por sua vez, autorizar a tomada dessas
providências caso entenda necessário; tudo de forma fundamentada.
Em relação ao comando normativo contido no art. 151 da Lei nº.
11.101/2005, Lima130 entende se tratar de uma simples antecipação de
pagamento referente aos créditos trabalhistas concursais a ser feita depois do
pagamento dos créditos extraconcursais.
No mesmo sentido Souza Junior131 se posiciona. Verbis,
De acordo com o art. 149, créditos concursais só serão satisfeitos após pagos os créditos extraconcursais (art. 84) e as restituições, especialmente aquelas em dinheiro (art. 86), e se restar saldo para tanto. Em se mantendo concursal o crédito trabalhista – ainda que parte dele seja pago antecipadamente –, só poderia o administrador
126
BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318. 127
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 128
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 1.014-1.015. 129
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 1.015. 130
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 131
SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei nº. 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007.
49
realizar seu pagamento se tivesse certeza de que haveria recursos suficientes para satisfazer todos os credores extraconcursais e as restituições em dinheiro, sob pena de responder pelos prejuízos causados aos eventuais prejudicados pela pretensa inversão de ordem. Em vista de tudo isso, seria de concluir-se facilmente que, por coerência, o art. 151, assim como o art. 150, devem referir-se à antecipação de pagamento, a ocorrer só no caso de suficiência de recursos. Não se admitiria, neste caso, qualquer espécie de inversão na ordem de classificação dos créditos, não se cogitando de ―superprivilégio‖ ou título que o valha. Ocorre que, como elemento de confusão, há expressa determinação para que as restituições em dinheiro, inclusive de créditos de Adiantamento de Contrato de Câmbio – ACC (art. 86, II), só sejam realizadas após o pagamento dos valores previstos neste art. 151 (art. 86, parágrafo único). A exceção gerou preocupação do Senador Ramez Tebet em limitar os valores pagos aos trabalhadores antes do pagamento dos ACC. E é ela que fundamenta a confusão que tende a levar à defesa da prioridade absoluta dos créditos trabalhistas até 5
salários mínimos, numa espécie de ―superprivilégio‖.132
Para Souza Junior133, a classificação dos créditos trabalhistas não foi
alterada pelo art. 151 da Lei nº. 11.101/2005 e as restituições continuam com
precedência absoluta na sua satisfação, independentemente da forma que
sejam implementadas.
Segundo esse autor134, o art. 86, parágrafo único, somente será aplicado
quando o administrador verificar a existência, na massa falida, de recursos
suficientes para realizar os pagamentos que antecedem aos créditos
trabalhistas concursais (quais sejam: as restituições e os créditos
extraconcursais). Por isso, Souza Junior135 admite que o adiantamento previsto
no art. 151 seja feito parcialmente, de acordo com as condições financeiras da
massa falida, realizando-se o rateio entre os credores trabalhistas que se
enquadram no mencionado dispositivo a fim de preservar os interesses dos
terceiros titulares do direito à restituição e dos credores extraconcursais.
Em suma, Lima136 e Souza Junior137 advogam a tese de que todas as
restituições, sejam elas pelo bem in natura ou em dinheiro, devem ser
132
SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei nº. 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007, p. 511-512. 133
SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei nº. 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007. 134
SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei nº. 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007. 135
SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei nº. 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007. 136
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009.
50
implementadas antes do pagamento de qualquer credor sob pena de violação
ao direito fundamental de propriedade previsto no art. 5º, XXII, da CRFB/1988.
Assim, para esses últimos autores, a ordem de pagamento dos créditos, na
falência, é a seguinte: em primeiro lugar, realizam-se todas as restituições
devidas (art. 85 e 86); em segundo, passa-se ao pagamento dos créditos
extraconcursais (art. 84); em terceiro, realiza-se a antecipação de pagamento
prevista no art. 151; e em quarto, pagam-se os créditos concursais (art. 83).138
Referido posicionamento parece ser o mais adequado ao ordenamento
jurídico brasileiro uma vez que a CRFB/1988 alçou o direito de propriedade à
categoria de direito fundamental individual. Portanto, a legislação
infraconstitucional deve com ele se compatibilizar sob pena de
inconstitucionalidade. Ao preterir o direito fundamental de propriedade em prol
do pagamento dos credores do falido, o art. 86, parágrafo único, da Lei
11.101/2005, quando trata da restituição em dinheiro fundada no direito de
propriedade, incorre em grave vício de validade. Essa questão será examinada
com maior cuidado nos capítulos seguintes.
Os créditos extraconcursais são aqueles oriundos de obrigações
contraídas após a decretação da falência ou o deferimento da recuperação
judicial. Envolvem as custas judiciais com o processo de falência e seus
incidentes; as despesas de arrecadação, administração e liquidação do ativo;
os tributos oriundos de fatos geradores praticados após a decretação da
falência ou o deferimento da recuperação judicial; bem como das obrigações
resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial
(art. 84).
Ressalte-se que, entre os créditos extraconcursais, incluem-se os
valores decorrentes de obrigações assumidas durante a recuperação judicial
do devedor, caso esta seja convolada em falência. Em outras palavras, se o
devedor não conseguir se recuperar e a sua falência for decretada, os créditos
oriundos das obrigações assumidas nesse período serão considerados
extraconcursais e pagos com preferência sobre aqueles resultantes das
relações jurídicas anteriores ao deferimento da recuperação judicial.
137
SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei nº. 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007. 138
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009.
51
Diante do conceito apresentado, verifica-se uma grande semelhança
entre os atuais créditos extraconcursais e os antigos encargos e dívidas da
massa falida. Contudo, essas espécies de classificação não se confundem,
pois estes últimos não abarcavam os valores devidos em virtude de obrigações
e negócios jurídicos válidos praticados durante a concordata, os quais
continuavam sendo considerados créditos concorrentes no caso de decretação
da falência do concordatário e seguiam a ordem prevista no art. 102 do
Decreto-lei nº. 7.661/1945 para pagamento.
Conforme disposição legal expressa do art. 84, I, da Lei nº. 11.101/2005,
os créditos trabalhistas devidos pelos serviços prestados após a decretação da
falência e aqueles decorrentes de acidentes do trabalho ocorridos nesse
período, juntamente com os valores devidos ao administrador judicial e seus
auxiliares pelos serviços prestados durante o trâmite do processo de falência,
constituem a primeira classe dos créditos extraconcursais. Após o pagamento
desta, passa-se para as demais classes dos créditos extraconcursais, previstas
nos incisos II, III, IV e V do art. 84, quais sejam: as ―quantias fornecidas à
massa pelos credores‖; as ―despesas com arrecadação, administração,
realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do
processo de falência‖; as ―custas judiciais relativas às ações e execuções em
que a massa falida tenha sido vencida‖; as ―obrigações resultantes de atos
jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, [...] ou após a
decretação da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a
decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83‖139, que
trata das classes de créditos concursais.
Pagos todos os créditos extraconcursais, inicia-se o pagamento dos
concursais ou concorrentes, que consistem naqueles constituídos antes da
decretação da falência ou do deferimento da recuperação judicial do devedor.
Eles estão ordenados nas oito classes previstas no art. 83 da Lei nº.
11.101/2005.
139
BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318.
52
Segundo Lima140, o CC/2002 traz uma orientação geral de privilégio ao
prescrever, no seu art. 961, que ―O crédito real prefere ao pessoal de qualquer
espécie; o crédito pessoal privilegiado, ao simples; e o privilégio especial, ao
geral‖.141
Contudo, essa preferência sofre exceção, pois, conforme já mencionado,
ontologicamente, não há diferença entre o crédito trabalhista e o crédito
quirografário; ou seja, na essência, o crédito trabalhista é quirografário. Porém,
o legislador, desde 1960, atribui ao credor trabalhista privilégio sobre os demais
a depender da categoria em que se encontre e do critério temporal e/ou
quantitativo (a partir da entrada em vigor da Lei nº. 11.101/2005).
Dessa forma, a primeira classe de credores concursais prevista no inciso
I do art. 83, compreende os créditos trabalhistas até o limite de 150 (cento e
cinquenta) salários mínimos por trabalhador e os créditos decorrentes de
acidente de trabalho (sem limite quantitativo, neste caso). Os créditos que
porventura excederem à quantia acima referida serão classificados como
quirografários e cairão para a sexta posição no rateio.
Em outras palavras, tanto os créditos decorrentes de acidentes do
trabalho como os créditos trabalhistas derivados da legislação do trabalho,
todos proveniente de relações jurídicas anteriores à decretação da falência,
estão inseridos na mesma classe dos credores concursais (primeira). Porém,
enquanto aqueles serão pagos integralmente com precedência sobre os
demais credores concursais, os créditos trabalhistas (de natureza salarial ou
indenizatória) terão preferência limitada a 150 (cento e cinquenta) salários
mínimos por credor. A quantia excedente a esta será incluída entre os créditos
quirografários constantes do QGC.
Alguns autores do ramo do Direito do Trabalho como Câmara142, Rocha,
Zavanella e Silva143 e Souza144, defendem que a limitação do privilégio
140
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 141
BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 134-215. 142
CÂMARA, Eduardo. Alterações e Reflexos Trabalhistas da Lei de Recuperação e Falência. 2006. 143
ROCHA, Marcelo Oliveira; ZAVANELLA, Fabiano; SILVA, Dones Manuel F. Nunes da. Dos Créditos Trabalhistas na Nova Lei de Falências. 2006. 144
SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006.
53
trabalhista a 150 (cento e cinquenta) salários mínimos é inconstitucional por
afrontar a garantia constitucional à irredutibilidade e intangibilidade salarial em
razão da natureza alimentar dos créditos decorrentes da relação de emprego.
Além disso, para eles, viola princípios trabalhistas como da proteção e da
alteridade, pois vulnera a tutela dos empregados e transfere a estes o risco da
atividade empresarial. Para esses autores, referida limitação visa a preservar,
em maior grau, os credores do empregador do que os empregados que
percebem salários menores, pois trará maior benefício àqueles do que a estes
propriamente.
Nesse sentido, Câmara ainda afirma que ―limitar o valor a ser percebido
preferencialmente na falência, analogicamente pode ser comparado a (sic)
dedução mensal de parcela do salário dos empregados para saldar dívida do
empregador‖.145
Contudo, para a doutrina de Direito Empresarial, especialmente para
Lima146, referida limitação, além de constitucional, é necessária para evitar que
grande parte do ativo do devedor seja consumido pelo pagamento dos
trabalhadores credores de altos valores. Isso permite que todos participem do
rateio de forma proporcional caso não haja dinheiro suficiente para satisfação
de todos os créditos. Além disso, evita que sejam feitos altos pagamentos a
―falsos credores‖ que, em conluio com o devedor, porventura possam simular
elevados valores de créditos com o objetivo de propiciar, ao falido, a
recuperação de parcela das quantias despendidas para pagamento dos
créditos simulados, em prejuízo dos demais credores. Nas palavras desse
autor: ―Na prática falimentar, a limitação é louvável, porque: (a) prestigia os
trabalhadores com menor remuneração; e (b) evita fraudes recorrentes nas
falências brasileiras‖.147
Sobre essa questão, o STF, na já mencionada ADI nº. 3.934-2, ajuizada
pelo PDT, tendo sido admitido como amicus curiae o Sindicato Nacional dos
Aeroviários e a Confederação Nacional da Indústria (CNI), não vislumbrou
qualquer inconstitucionalidade no fato de o art. 83, I, da Lei nº. 11.101/2005 ter
145
CÂMARA, Eduardo. Alterações e Reflexos Trabalhistas da Lei de Recuperação e Falência. 2006, p. 37. 146
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 147
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 537.
54
limitado a preferência do crédito trabalhista a 150 (centro e cinquenta) salários
mínimos, atribuindo à eventual valor excedente a classificação de crédito
quirografário.148
Para o Relator149, Ministro Ricardo Lewandowski, essa limitação de valor
para o privilégio trabalhista não viola a CRFB/1988 porque não implica a ―perda
de direitos por parte dos trabalhadores‖150, já que esses créditos ―não deixam
de existir nem se tornam inexigíveis‖ 151, mas apenas mudam de classificação.
Ressaltando a mudança de paradigma promovida pela Lei nº.
11.101/2005 em relação ao Decreto-lei nº. 7.661/1945, passando da proteção
ao credor para a preservação da empresa enquanto entidade geradora de
renda e de riqueza, o Ministro Relator152 mencionou a adequação do art. 83, I,
da Lei nº. 11.101/2005 ao art. 7.1 da Convenção 173 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT)153 que admite a limitação do privilégio
trabalhista em caso de falência do empregador, desde que garantido o ―mínimo
essencial à sobrevivência do empregado‖154. Verbis, ―Art. 7 — 1. A legislação
nacional poderá limitar o alcance do privilégio dos créditos trabalhistas a um
montante estabelecido, que não deverá ser inferior a um mínimo socialmente
aceitável‖.155
148
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 25. 149
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009. 150
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 26. 151
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 26. 152
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 27. 153
A Convenção 173 da OIT ainda não foi ratificada pelo Brasil. 154
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 27. 155
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 27.
55
Segundo o Relator, o valor fixado no art. 83, I, da Lei nº. 11.101/2005 é
razoável e abriga ―uma preocupação de caráter distributivo‖156, pois estabelece
―um critério o mais equitativo possível no que concerne ao concurso de
credores‖.157 Ainda para ele,
... ao fixar um limite máximo – bastante razoável, diga-se – para que os créditos trabalhistas tenham um tratamento preferencial, a Lei nº. 11.101/2005 busca assegurar que essa proteção alcance o maior número de trabalhadores, ou seja, justamente aqueles que auferem os menores salários.
158
De acordo com o Ministro Ricardo Lewandowski159, referido valor não é
injusto ou arbitrário, pois, conforme dados do Tribunal Superior do Trabalho
(TST), poucos trabalhadores percebem remuneração superior a 150 (cento e
cinquenta) salários mínimos e aqueles que recebem estão entre os que
ocupam os cargos mais elevados das sociedades.
Nas palavras do Ministro,
Foi precisamente o dever estatal de proteger os direitos dos trabalhadores que determinou a fixação de regras que tornem viável a percepção dos créditos trabalhistas pelo maior número possível de credores, ao mesmo tempo em que se buscou preservar, no limite do possível, os empregos ameaçados de extinção pela eventual quebra da empresa sob recuperação ou em processo de falência.
160
Finalizando, concluiu o Relator161 que o art. 83, I e VI, da Lei nº.
11.101/2005 não viola a CRFB/1988, porque não inviabiliza o pagamento
integral do crédito trabalhista e protege o patrimônio do trabalhador,
156
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 27. 157
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 27. 158
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 27-28. 159
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 28-29. 160
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 29. 161
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 30-31.
56
principalmente dos mais vulneráveis economicamente. Da mesma forma, não
há inconstitucionalidade na fixação dos créditos trabalhistas privilegiados em
salários mínimos, pois a CRFB/1988 veda que ele seja utilizado como índice
―indexador de prestações periódicas, e não como parâmetro de indenizações
ou condenações‖. 162
Com os argumentos sinteticamente reproduzidos acima, o Relator julgou
improcedente a ADI nº. 3.934-2, no que foi acompanhado, neste ponto, pelos
Ministros Cármem Lúcia, Eros Grau, Joaquim Barbosa, Cezar Peluzo, Ellen
Gracie, Marco Aurélio e Gilmar Mendes. O Ministro Carlos Britto, isoladamente,
votou pela inconstitucionalidade do art. 83, I, da Lei nº. 11.101/2005.
O Ministro Cezar Peluzo163, acompanhando o Relator, ressaltou, ainda,
que a CRFB/1988 não traz nenhum dispositivo que reconheça a existência de
um direito subjetivo dos trabalhadores à homogeneidade no pagamento de
seus créditos na falência e na recuperação judicial, tratando-se de matéria
específica da legislação infraconstitucional.
O Ministro Marco Aurélio164, em seu voto, foi além do Ministro Cezar
Peluzo ao mencionar que a CRFB/1988 não traz nenhum dispositivo que trate
da preferência dos créditos trabalhistas na falência classificando-os como
privilegiado ou quirografário. Portanto, esta matéria é integralmente regulada
pela legislação infraconstitucional. Ressaltou, ainda, este Ministro165 que, se
alguma inconstitucionalidade há no art. 83, I, da Lei nº. 11.101/2005, esta
reside apenas na vinculação do valor do crédito trabalhista privilegiado ao
salário mínimo, em contrariedade ao disposto no art. 7º, IV, da CRFB/1988.
162
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 30-31. 163
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 43. 164
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 50-51. 165
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 50-51.
57
O Ministro Carlos Britto166, em divergência, votou pela declaração de
inconstitucionalidade, com redução de texto do art. 83, I, da Lei nº.
11.101/2005, para que sejam considerados privilegiados ―Os créditos derivados
da legislação do trabalho, limitados a legislação do trabalho‖ 167, devido à
natureza alimentar de referido crédito e do direito social ao salário. Porém,
esse entendimento foi isolado.
Com isso, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ADI 3.934-2, no
que tange à suposta inconstitucionalidade do art. 83, I, e VI, ‗c‘, da Lei
11.101/2005.
No que tange à cessão dos créditos sujeitos à falência, tem-se que o art.
286 do CC/2002 concede essa possibilidade ao credor desde que não haja
oposição da parte contrária, da lei ou da natureza da obrigação. Nesse caso,
em regra, também se aplica o art. 349 do CC/2002, que determina a
transferência, ao novo credor, de ―todos os direitos, ações, privilégios e
garantias‖168 do credor originário, pois a classificação dos privilégios baseia-se
na natureza do crédito e não do credor. Dessa forma, em regra, cedido um
crédito com privilégio especial a terceiro, este manterá o mesmo privilégio do
credor primitivo; cedido um crédito quirografário, este assim se manterá,
independentemente da pessoa do cessionário; e assim por diante.
Contudo, essa regra sofre exceção no que tange à cessão de créditos
trabalhistas, pois o §4º do art. 83 da Lei nº. 11.101/2005 prescreve que o
crédito trabalhista cedido a terceiro será considerado crédito quirografário,
caindo, dessa forma, drasticamente de classificação quando da implementação
dos pagamentos. O objetivo disso é evitar especulações financeiras em torno
da cessão de créditos trabalhistas, obstaculizando a sua ―comercialização‖ em
prejuízo dos trabalhadores.
Depois do pagamento dos créditos concursais de primeira classe, passa-
se às demais, em conformidade com o art. 83 da Lei nº. 11.101/2005, na
seguinte ordem: os ―créditos com garantia real até o limite do valor do bem
166
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 40. 167
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009, p. 40. 168
BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 134-215.
58
gravado‖; os ―créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo
de constituição, excetuadas as multas tributárias‖; os ―créditos com privilégio
especial‖ assim considerados aqueles previstos no art. 964 do CC/2002, em
outras leis civis e comerciais, salvo se houver impedimento estabelecido pela
Lei nº. 11.101/2005, e aqueles aos quais a lei confira direito de retenção sobre
o bem dado em garantia; os ―créditos com privilégio geral‖ assim entendidos
aqueles previstos no art. 965 do CC/2002, no parágrafo único do art. 67 da Lei
nº. 11.101/2005 (ou seja, os créditos quirografários sujeitos à recuperação
judicial dos fornecedores que continuaram mantendo relações jurídicas com o
devedor durante o período de recuperação, em caso de convolação desta em
falência), e aqueles ―assim definidos em outras leis civis ou comerciais, salvo
disposição contrária‖ da Lei nº. 11.101/2005; os ―créditos quirografários‖, tais
como ―aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo‖, ―os saldos dos
créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu
pagamento‖ e ―os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que
excederem o limite‖ de 150 salários mínimos por trabalhador; ―as multas
contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou
administrativas, inclusive as multas tributárias‖; os ―créditos subordinados‖
como aqueles ―previstos em lei ou contrato‖ e ―os créditos dos sócios e dos
administradores sem vínculo empregatício‖.169
Diante dessas considerações, verifica-se a existência de quatro
situações distintas para classificação do crédito trabalhista, quais sejam: ―os
créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três)
meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários-
mínimos por trabalhador‖170 (art. 151); os créditos extraconcursais (que
compreendem os créditos trabalhistas e os créditos decorrentes de acidente do
trabalho ocorridos após a decretação da falência), entre os quais se incluem os
valores devidos ao administrador judicial e seus auxiliares (art. 84, I); os
créditos concursais de primeira classe, ou seja, aqueles derivados da
legislação do trabalho, até o limite de 150 (cento e cinquenta) salários mínimos
169
BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318. 170
BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318.
59
por trabalhador, e de acidente do trabalho, sem limitação (art. 83, I); e os
créditos concursais de sexta classe, isto é, os créditos trabalhista que
excederem o limite estabelecido no art. 83, I, da Lei nº. 11.101/2005 (art. 84,
VI, ‗c‘), além daqueles dessa natureza cedidos a terceiro (art. 84, VI, ‗c‘, c/c
§4º).
Percebe-se, dessa forma, que o privilégio preconizado pela Lei nº.
11.101/2005 não é mais tão absoluto como aquele instituído pelo Decreto-lei
nº. 7.661/1945 (após alteração promovida pela Lei nº. 3.726/1960).
O legislador da Lei nº. 11.101/2005, apesar de ter estabelecido uma
nova divisão para as classes de credores que concorrem na falência (no nosso
entendimento, mais organizado que a ordem prevista na antiga lei), procurou
manter o privilégio trabalhista em cada uma delas a fim de preservar a
preferência dos trabalhadores sem prejudicar os outros credores (da mesma ou
de outra classe), além de tentar preservar a atividade empresarial.
3 AÇÃO RESTITUITÓRIA
3.1 Conceito e finalidade
A ação restituitória é uma ação incidental à ação falimentar, de rito
ordinário, proposta pelo legítimo titular de determinado bem arrecadado pelo
administrador judicial (ou síndico, segundo o Decreto-lei nº. 7.661/1945) em
poder do falido, a fim de reaver a posse sobre o mesmo. Segundo Requião, ―o
pedido de restituição constitui uma verdadeira ação de natureza incidente em
relação ao procedimento falimentar‖.171
Abrão172 ensina que a restituição não importa em empobrecimento da
massa falida, pois ela apenas destaca do patrimônio do falido o bem que não
lhe pertence, evitando-se, com isso, prejuízo a terceiro. Nas palavras desse
autor,
171
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998, p. 278. 172
ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda. – LEUD. 1991.
60
A restituição não tem o condão de per si de empobrecer a massa falida e reduzir o patrimônio que serve de garantia aos credores. Ao revés, o procedimento tem o intuito de identificar e atribuir a legitimidade em relação a determinado bem, impedindo que o súbito desapossamento acarrete prejuízo irreparável.
173
Existem duas espécies de ações restituitórias: a ordinária e a
extraordinária. Todavia, elas se diferem apenas quanto ao aspecto de direito
material, pois, no âmbito do direito processual, o procedimento é o mesmo para
ambas.
A primeira está prevista no art. 85, caput, da Lei nº. 11.101/2005 e
pauta-se no direito de propriedade, pois pode ser manejada pelo proprietário do
bem arrecadado pelo administrador judicial no juízo falimentar para reaver a
posse sobre o mesmo.
A segunda, por seu turno, é proposta pelo credor que vendeu
mercadoria a crédito ao falido e cuja entrega efetivou-se nos quinze dias
anteriores à protocolização do pedido de falência (art. 85, parágrafo único, da
Lei nº. 11.101/2005). Ela se funda no princípio da boa-fé, já que, nessas
hipóteses, o legislador presume que o devedor realizou negócio jurídico a
crédito ciente do seu estado de insolvência, em prejuízo do vendedor. No
entanto, a ação restituitória somente poderá ser ajuizada sob esse fundamento
se referidos bens não tiverem sido alienados pelo falido a terceiros de boa-fé;
caso em que deverá o credor habilitar o seu crédito na classe respectiva.
Abrão174 ensina que a ação restituitória extraordinária surgiu após o
crash da Bolsa de Nova Iorque, com o Decreto nº. 5.746/1929 que prescrevia o
cabimento do pedido de restituição a fim de permitir ao vendedor reaver ―As
coisas vendidas a crédito nos quinze dias anteriores ao requerimento da
concordata preventiva ou decreto de falência, que ainda se encontrassem em
poder do devedor‖ (art. 138, §5º, do Decreto nº. 5.746/1929).175 Essa questão
será tratada de forma mais detalhada nos próximos subtítulos deste capítulo.
O revogado Decreto-lei nº. 7.661/1945, no art. 76, previa expressamente
a possibilidade do pedido de restituição fundado em direito real ou em contrato.
Nesse sentido, afirma Miranda Valverde176 que quando fundada no direito de
173
ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991, p. 105. 174
ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991. 175
ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991, p. 14. 176
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II.
61
propriedade, a ação tem natureza real reivindicatória; por outro lado, quando
fundada em direito obrigacional, a ação tem natureza pessoal restituitória.
Verbis,
Quando o fundamento do pedido é a propriedade, temos a ação real reivindicatória, de natureza extracontratual e subsidiária; quando o pedido se baseia em relação de obrigação, de origem contratual, temos a ação pessoal restituitória.
177
Waldemar Ferreira178 também entende que essa ação tem dupla
natureza jurídica: quando fundada no direito de propriedade terá natureza de
direito real, porém com a especificidade de ser cabível apenas no processo
falimentar; se, porém, fundar-se no direito obrigacional, sua natureza será de
ação pessoal com finalidade de reivindicação. Nas palavras do autor,
Podendo-se, na conformidade do art. 76179
, pedir a restituição de coisa arrecada em poder do falido, quando devida em virtude de direito real ou contrato – tem-se, da mesma ação, duas espécies distintas. É a primeira a ação em virtude de direito real, que compete ao senhor da coisa, que foi arrecadada em poder do falido, a fim de a reaver. É a ação de reivindicação. Funda-se no direito de propriedade ou em qualquer dos direitos elementares do domínio; mas se compadece com as contingências do estado de falência. É a segunda a ação em virtude do contrato, por efeito da nulidade, condição ou inadimplência dêste. Anulado ou resolvido, devolver-se-á a coisa que, sem violência e por efeito do contrato, o falido adquirira a crédito. É a ação de restituição, ação pessoal, que contém, ínsita em sua essência, a reivindicação. Resolver-se-á o domínio, que volverá ao contratante, pela conversão do direito de crédito no de propriedade, que autorizará o pedido de restituição.
180
No mesmo sentido, Abrão afirma que ―A objetividade exposta nos
intuitos propostos, indica a existência de uma ação reivindicatória calcada no
direito real e uma reivindicatória imprópria lastreada em direito pessoal‖.181
Decretada a falência do devedor, o administrador judicial nomeado pelo
juiz será chamado a assinar o termo de compromisso de que trata o art. 33 da
Lei nº. 11.101/2005. Depois disso, ele efetuará a arrecadação dos bens e
direitos em poder do falido, procedendo a sua avaliação, isoladamente ou em
177
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II, p. 47-48. 178
FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva. 1966. Vol. 15º. 179
Refere-se ao Decreto-lei nº. 7.661/1945 180
FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva. 1966. Vol. 15º, p. 96. 181
ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991, p. 32.
62
bloco, no local onde se encontrarem, os quais ficarão sob a sua guarda ou de
outra pessoa por ele designada (art. 108 da Lei nº. 11.101/2005).
A ação restituitória, conforme ensina Simionato182, tem a única finalidade
desconstituir a arrecadação de bens de terceiro pela massa falida a fim de
evitar o enriquecimento ilícito desta em prejuízo daquele. Isso porque, o
administrador judicial tem o dever legal de arrecadar todos os bens, direitos e
documentos que encontrar na posse do falido sob pena de responsabilidade
civil, penal e destituição da função, independentemente de haver terceiro que
se apresente como legítimo titular em decorrência de direito real ou de
contrato.
Nesse caso, cabe ao administrador judicial anotar a reivindicação do
interessado, ficando este com o encargo de ajuizar a ação restituitória no juízo
falimentar, pois somente o juiz da falência é competente para declarar esse
direito e determinar a restituição do bem in natura ou o seu equivalente em
dinheiro.
A petição inicial da ação restituitória deve ser fundamentada,
descrevendo a coisa reclamada, e será autuada em autos apartados ao da
falência juntamente com os documentos que a instruem, sendo que a sua
simples distribuição já é suficiente para suspender a disponibilidade do bem até
o trânsito em julgado da demanda.
Almeida183 defende a possibilidade da antecipação de tutela na ação
restituitória, desde que haja pedido do autor, sejam obedecidas as disposições
do art. 273 do CPC e seja prestada caução pelo requerente. Verbis,
―Concluímos, por fim, sobre a possibilidade da antecipação de tutela feita em
pedido de restituição, quando preenchidas as hipóteses do artigo 273 do
Código de processo Civil e desde que garantida por meio de caução.‖184
182
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 183
ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de; et. al. Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2005. 184
ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de; et. al. Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2005, p. 322.
63
Prescreve o art. 89 da Lei nº. 11.101/2005 que, julgada improcedente a
restituitória, a sentença ―quando for o caso‖185, incluirá o reivindicante na
devida classificação do quadro geral de credores (QGC).
Já o art. 77, §5º, do Decreto-lei nº. 7.661/1945, ao dispor que ―A
sentença que negar a restituição, pode mandar incluir o reclamante na
classificação que, como credor, por direito lhe caiba‖186, parecia estabelecer
uma faculdade, ao juiz, para que assim procedesse.
Segundo Abrão187, o art. 77, §5º, do Decreto-lei nº. 7.661/1945 trazia
uma possibilidade conferida pela lei ao julgador a fim de prestigiar a economia
processual. Esse autor188, contudo, não explica se referido comando normativo
conferia uma faculdade ao juiz de determinar a inclusão do nome do autor do
pedido de restituição no QGC ou um direito subjetivo ao reivindicante
sucumbente na ação restituitória (ou seja, um dever do juiz). Nesses termos,
Poderá, outrossim, o julgador negar a restituição e, de forma específica, mandar incluir o terceiro na qualidade de credor, por direito que lhe caiba, de acordo com o disposto no artigo 77, §5º, do Decreto (sic) 7661/45. Cuida-se, a toda evidência, de mecanismo que objetiva economia processual e evita que o terceiro se veja prejudicado por eventual delonga na lide incidental, permitindo-lhe a classificação direta do seu crédito, como quirografário. Repelida a restituição, eis que indemonstrados os respectivos requisitos de fundo, sai o terceiro da situação peculiar que o nomen iuris lhe assegura e não é mais titular de um valor extraconcursal, mas apenas credor comum por força da declaração emanada do decisório.
189
O art. 89 da Lei nº. 11.101/2005, ao estabelecer que ―A sentença que
negar a restituição, quando for o caso, incluirá o requerente no quadro-geral de
credores, na classificação que lhe couber...‖190, parece conceder um direito
subjetivo ao reivindicante sucumbente e não uma faculdade ao magistrado.
Isso porque a expressão ―quando for o caso‖ não denota possibilidade. Assim,
185
BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318. 186
BRASIL. Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. Diário de Justiça, 31 jul. 1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm>. Acessado em 13 mar. 2012. 187
ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991. 188
ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991. 189
ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991, p. 143-144. 190
BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318.
64
se, ao julgar improcedente a ação restituitória, o juiz entender estar provado
que não se trata de hipótese de restituição, mas de verdadeiro crédito (sem
indícios de fraude na propositura da demanda para prejudicar a massa falida),
incluirá o nome do seu autor no QGC, na classe que couber.191
A sentença de procedência determinará a restituição do bem no prazo
máximo de quarenta e oito horas, caso em que a massa falida, se não
contestar o pedido, não será condenada em honorários advocatícios.
A decisão que julgar o pedido é recorrível por apelação sem efeito
suspensivo. Se, porém, o reivindicante pretender a restituição do bem
reclamado antes do trânsito em julgado da ação, deverá prestar caução a fim
de acautelar eventual reforma da sentença.
Obtendo êxito na restituição, o requerente deverá ressarcir, à massa
falida ou àquele que tiver sido incumbido da sua guarda, as despesas com a
conservação do bem.
Tendo de ser feita em dinheiro a restituição e havendo vários
requerentes sem que haja saldo suficiente para tanto, far-se-á o rateio
proporcional entre os reivindicantes. Mas, conforme dispõe o art. 151 da Lei nº.
11.101/2005, isso somente poderá ocorrer após o pagamento dos créditos
trabalhistas de natureza salarial vencidos nos três meses anteriores à
decretação de falência, até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador.
Percebe-se, com clareza, a preterição do direito à restituição em dinheiro em
prol do pagamento dos credores trabalhistas em grave violação ao art. 5º, XXII,
da CRFB/1988. Contudo, a validade dessa regra será mais bem analisada no
decorrer deste trabalho.
3.2 Origem
191
Apenas a título de exemplo, no julgamento do REsp nº. 501.401/MG, o Ministro Barros Monteiro, julgou improcedente a ação restituitória, mas votou pela inclusão do nome da autora reivindicante na classe dos credores quirografários do QGC. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº. 501.401/MG. Relator: Min. Carlos Alberto Menezes Direito. Segunda Seção Diário de Justiça, Brasília, 03 nov. 2004. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=420290&sReg=200201768250&sData=20041103&formato=PDF>. Acessado em 25 out. 2012)
65
Os antecedentes históricos da ação restituitória, tal como a conhecemos
hoje, é tratado por Carvalho de Mendonça192 e Requião193. Segundo esses
autores, ela teve origem na ação romana da reivindicatio (ação reivindicatória)
do Direito Civil, porém com hipóteses de cabimento mais amplas na falência,
pois fundada não apenas no direito real, mas também em direito pessoal.
O Código Napoleônico (Code de Commerce) manteve a acepção
abrangente da antiga ação reivindicatória do Direito Romano, garantindo a
qualquer pessoa o direito de reivindicar a coisa (móvel ou imóvel) que lhe
pertença quando do decreto falimentar, mas se encontre, legitimamente ou
não, em poder do falido.
Segundo Carvalho de Mendonça,
Se, pois, declarada a fallencia, se encontram na posse, ou méra detenção do devedor, bens de alheia propriedade, ou que a lei manda expressamente afastar da massa, impõem-se a separação e a restituição desses bens aos seus donos. O direito de afastar, de retirar da massa activa da fallencia, a qual se juntaram sómente de facto, bens, ou direitos de terceiros, diz-se a reivindicação na fallencia, phrase aliás não muito feliz, porque esta reivindicação é mais extensa do que a reivindicação em direito civil, desde póde ter por base não só um direito real, mas, tambem, um direito pessoal.
194
E ainda,
Os principios da reivindicação in genere, principalmente sobre as cousas moveis, são, entretanto, no instituto da fallencia, modificados para se emprestar os direitos de proprietario a credores do fallido que, dispondo, por occasião da declaração da fallencia, de uma acção pessoal (um direito obrigacional, um direito de credito), por motivos particulares, merecem da lei protecção ou condescendencia especial. No trafico, muitas vezes, o proprietario cede a outrem a posse de cousas suas, com fundamento em uma daquellas varias e multiplas relações, que se originam nas necessidades da vida mercantil.
195
192
MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro. 2ª ed. atualizada por Achilles Bevilaquia e Roberto Carvalho de Mendonça. Livro V: da Fallencia e da Concordata preventiva. Livraria Editora Freitas Bastos. 1934. Vol. VIII. 193
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998. 194
MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro. 1934. Vol. VIII, p. 273. 195
MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro. 1934. Vol. VIII, p. 275.
66
Conforme observa Requião196, o Código Comercial brasileiro de 1850197
(primeira legislação brasileira a tratar da falência), seguindo o modelo do
Código Napoleônico, criou a classe especial dos credores de domínio nos art.
873198 e 874199, que passaram a se chamar credores reivindicantes após a
edição do Decreto nº. 917, de 24 de outubro de 1890200, o qual revogou
tacitamente a ―Parte Terceira do Código Comercial‖ que tratava ―Das Quebras‖.
Nas palavras de Carvalho de Mendonça201, eram chamados
―reivindicantes‖ aqueles a quem a lei atribuía o ―direito de reivindicação‖. Essas
expressões, segundo ele, merecem crítica, ao contrário da doutrina alemã que
denomina ―separatistas‖ aqueles que possuem o ―direito de separação‖. Nestes
termos,
Na legislação allemã, o direito de reivindicar na fallencia denomina-se, conforme as fontes romanas, direito de separação (Aussonderungrecht), e aquelles a quem cabe se chamam
196
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998. 197
BRASIL. Lei nº 556, de 25 de junho de 1850. Código Comercial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L0556-1850.htm>. Acessado em 13 mar. 2012. 198
Art. 873 - Os credores do falido serão descritos em quatro relações distintas, segundo a natureza dos seus títulos: na primeira serão lançados os credores de domínio: na segunda os credores privilegiados: na terceira os credores com hipoteca: e na quarta os credores simples ou chirografários (sic). (BRASIL. Lei nº 556, de 25 de junho de 1850. Código Comercial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L0556-1850.htm>. Acessado em 13 mar. 2012.) 199
Art. 874 - Pertencem à classe de credores do domínio: 1 - Os credores de bens que o falido possuir por título de depósito, penhor, administração, arrendamento, aluguel, comodato, ou usufruto; 2 - Os credores de mercadorias em comissão de compra ou venda, trânsito ou entrega; 3 - Os credores de letras de câmbio, ou outros quaisquer títulos comerciais endossados sem transferência da propriedade (art. 361 n. 3); 4 - Os credores de remessas feitas ao falido para um fim determinado; 5 - O filho famílias, pelos bens castrenses e adventícios, o herdeiro e o legatário pelos bens da herança ou legado, e o tutelado pelos bens da tutoria ou curadoria; 6 - A mulher casada: I. pelos bens dotais, e pelos parafernais que possuísse antes do consórcio, se os respetivos títulos se acharem lançados no Registro do Comércio dentro de quinze dias subsequentes à celebração do matrimônio (art. 31): II. pelos bens adquiridos na constância do consórcio por título de doação, herança ou legado com a cláusula de não entrarem na comunhão, uma vez que se prove por documento competente que tais bens entrarão efetivamente no poder do marido, e os respectivos títulos e documentos tenham sido inscritos no Registro do Comércio dentro de quinze dias subsequentes ao do recebimento (art. 31); 7 - O dono da coisa furtada existente em espécie; 8 - O vendedor antes da entrega da coisa vendida, se a venda não for a crédito (art. 198). [...] (BRASIL. Lei nº 556, de 25 de junho de 1850. Código Comercial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L0556-1850.htm>. Acessado em 13 mar. 2012.) 200
BRASIL. Decreto nº. 917, de 24 de outubro de 1890. Reforma o codigo commercial na parte III. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-917-24-outubro-1890-518109-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acessado em 13 mar. 2012. 201
MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro. 1934. Vol. VIII.
67
separatistas ex jure dominii. Essas expressões são incontestavelmente mais justificaveis do que aquellas outras.
202
Entre os chamados credores de domínio, estavam incluídos os
proprietários de coisas que estivessem em poder do falido a título de posse ou
detenção, o credor pignoratício, o depositante, o locador, o comodante, o nu
proprietário (no caso de usufruto), bem como aqueles que tivessem confiado
bens à administração do devedor; os credores de mercadoria em comissão de
compra ou venda; os credores de letra de câmbio endossada, mas sem
transferência da propriedade; e os credores de remessas monetárias feitas
pelo falido para fim específico.
O art. 875 do Código Comercial de 1850 estabelecia quais bens não
estavam incluídos nessa classe; Verbis:
Art. 875. O depósito de gênero sem designação da espécie, e o dinheiro que vencer juros, não entram na classe de créditos do domínio; desta natureza são também as somas entregues a banqueiros para serem retiradas à vontade, vençam ou não juros.
203
O Decreto nº. 917/1890 foi posteriormente revogado pela Lei nº. 859, de
16 de agosto de 1902204, que estabeleceu, no seu art. 76205, as classes dos
202
MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro. 1934. Vol. VIII, p. 273-274. 203
BRASIL. Lei nº 556, de 25 de junho de 1850. Código Comercial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L0556-1850.htm>. Acessado em 13 mar. 2012. 204
BRASIL. Lei nº 859, de 16 de agosto de 1902. Reforma a lei sobre fallencias. Diário de Justiça, 22 ago. 1902. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1900-1909/lei-859-16-agosto-1902-584407-republicacao-108160-pl.html>. Acessado em 17 mar. 2012. 205
Art. 76. São credores reivindicantes, quer tenham acção real ou reipersecutoria, quer não, propriedade plena ou jus in re: a) o dono de cousa adquirida pelo fallido de quem não era o proprietario; b) o dono de cousa em poder do fallido por titulo de deposito, penhor, antichrese, administração, arrendamento, commodato, usofructo, uso ou habitação; c) os donos de mercadorias em commissão de compra ou venda, transito ou entrega; d) o dono de cousa, embora fungivel, em poder do fallido por effeito de mandato, inclusive dinheiro, effeitos de commercio ou titulos a elles equiparados, endossados sem transferencia de propriedade, ainda não pagos ou em poder de terceiro, em nome do fallido, na época da fallencia; e) o dono de cousa furtada, roubada, extorquida ou obtida por falsidade, estellionato ou outras fraudes; f) o dono de titulos ao portador, que forem perdidos, furtados, roubados, extorquidos ou obtidos por falsidade, estellionato ou outras fraudes, si o fallido for quem os achou ou obteve por esses meios, ou os recebeu sabendo a origem viciosa da posse; g) o vendedor de bens immoveis, embora feita a tradição, ainda não pago do preço da venda, salvo si o tiver creditado ao comprador; h) o vendedor depois da entrega da cousa vendida a credito, si reservou a propriedade até o pagamento ou si, á venda a credito, foi induzido por dolo do comprador;
68
credores reivindicantes por meio da ação real ou reipersecutória, mantendo
algumas previsões das leis anteriores.
Em 17 de dezembro de 1908, foi publicada a Lei nº. 2.024206, de autoria
de Carvalho de Mendonça, instituindo a ―Lei sobre Falência‖, cujo Título IX
tratou da reivindicação, estabelecendo no seu art. 138207 os bens que podem
ser objeto dessa ação. Essa lei também contemplava os embargos de terceiro
senhor e possuidor no art. 140208, que poderiam ser manejados por terceiros
i) o vendedor de cousa expedida ao fallido, si a este não foi entregue o conhecimento, antes de declarada a fallencia; j) a mulher casada pelos bens: I, dotaes estimados para qualquer effeito; II, paraphernaes; III, incommunicaveis sob o regimen da communhão; IV, que não respondam por dividas anteriores ao casamento; V, pelas arrhas o doações ante-nupciaes, feitas pelo futuro marido, quando insinuadas; k) os filhos menores, legitimos, legitimados ou reconhecidos, pelos bens castrenses, quasi castrenses e adventicios; l) os tutelados e curatelados pelos bens que lhes pertencerem; e quanto ás cousas adquiridas pelo tutor ou curador, em seu proprio nome, com bens ou producto de bens dos mesmos tutelados ou curatelados; m) os herdeiros e legatarios pelos bens da herança ou legado; n) os que tiverem feito remessas para um fim determinado. [...] (BRASIL. Lei nº 859, de 16 de agosto de 1902. Reforma a lei sobre fallencias. Diário de Justiça, 22 ago. 1902. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1900-1909/lei-859-16-agosto-1902-584407-republicacao-108160-pl.html>. Acessado em 17 mar. 2012) 206
BRASIL. Lei nº 2.024, de 17 de Dezembro de 1908. Reforma a lei sobre fallencias. DJU de 19.12.1908. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1900-1909/lei-2024-17-dezembro-1908-582169-publicacaooriginal-104926-pl.html>. Acessado em 13 mar. 2012. 207
Art. 138. Poderão ser reivindicados na fallencia os objectos alheios encontrados em poder do fallido, e tambem, nos seguintes casos especiaes, ainda que fundados em um direito pessoal: 1. As cousas em poder do fallido a titulo de mandato, deposito regular, penhor, antichrése, administração, arrendamentos commodato, usofructo, uso e habitação. 2. As mercadorias em poder do fallido a titulo de commissão de compra ou venda, transito ou entrega. Cessará a reivindicação si as mercadorias tiverem sido vendidas e o preço creditado em conta corrente por autorização ou ordem do dono. 3. Os titulos de credito á ordem transferidos ao fallido para effectuar a cobrança e guardar o valor por conta do dono ou mesmo a applicar a pagamentos designados, ainda que se achem em poder de terceiro, em nome do fallido, na época da declaração da fallencia. Esta disposição se applica tambem aos titulos ao portador. 4. As cousas não pagas integralmente, expedidas pelo vendedor ao fallido, emquanto não chegarem ao poder do mesmo fallido, de seu agente ou commissario. Não poderão ser reivindicadas, porém, as mercadorias que o fallido, antes da fallencia, revenderá sem fraude, á vista das facturas ou conhecimentos de transporte, entregues ou remettidos pelo vendedor, embora taes mercadorias não tivessem ainda chegado effectivamente ao poder do mesmo fallido, seu agente ou commissario. 5. As cousas vendidas a credito nas vesperas da fallencia e ainda em poder do fallido, tendo sido o vendedor induzido por dólo ou fraude do mesmo fallido. [...] (BRASIL. Lei nº 2.024, de 17 de Dezembro de 1908. Reforma a lei sobre fallencias. DJU de 19.12.1908. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1900-1909/lei-2024-17-dezembro-1908-582169-publicacaooriginal-104926-pl.html>. Acessado em 13 mar. 2012.) 208
Art. 140. Si entre os bens sequestrados ou arrecadados pela massa se acharem bens de terceiro, estes poderão logo reclamal-os por embargos de terceiro senhor e possuidor,
69
esbulhados em sua posse nas hipóteses não contempladas pela ação
reivindicatória.
Em 1929, com o crash da bolsa de valores dos Estados Unidos, houve o
aumento da insegurança jurídica devido à instabilidade econômica que se
instaurava causando a crise de diversos comerciantes, o que culminou no
crescente número de pedidos de falência e concordata. Esse fato gerou a
necessidade de maior intervenção do Estado na ordem econômica a fim de
conferir maior estabilidade às relações jurídicas tão fragilizadas à época.
A fim de proteger os interesses dos comerciantes que celebravam, entre
si, contratos de compra e venda mercantil a prazo o legislador pensou numa
ação que tivesse a mesma finalidade da ação reivindicatória, porém, como
instituto próprio do Direito Falimentar, criando a ação reivindicatória
extraordinária (além da ação reivindicatória ordinária, já existente).
Nesse contexto histórico, foi publicado o Decreto nº. 5.746, de 9 de
dezembro de 1929209, que manteve a nomenclatura até então utilizada,
tratando da reclamação reivindicatória nos art. 138 a 143 e prevendo, no art.
138210, aquilo que poderia ser reivindicado na falência.
deduzindo o seu direito em tres dias contados da data do despacho proferido em sua petição, juntando titulo de dominio e provando, no mesmo prazo, posse natural ou civil com effeitos da natural. § 1º Autoada a petição e recebida por embargos, em apartado, haverão vista os syndicos ou liquidatarios por tres dias, dentro dos quaes juntarão documentos e produzirão qualquer outra prova. § 2º Findo o triduo, o juiz dará a sua sentença, da qual cabe aggravo de petição, que poderá tambem ser interposto por qualquer credor. (BRASIL. Lei nº 2.024, de 17 de Dezembro de 1908. Reforma a lei sobre fallencias. DJU de 19.12.1908. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1900-1909/lei-2024-17-dezembro-1908-582169-publicacaooriginal-104926-pl.html>. Acessado em 13 mar. 2012) 209
BRASIL. Decreto nº 5.746, de 9 de dezembro de 1929. Modifica a Lei de Fallencias. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/116732/decreto-5746-29>. Acessado em 13 mar. 2012. 210
Art. 138. Poderão ser reivindicados na concordata preventiva e na fallencia os objectos alheios encontrados em poder do fallido, e tambem, nos seguintes casos, ainda que fundados em um direito pessoal. 1º As cousas em poder do fallido a titulo de mandato, deposito regular, penhor, antichrése, administração, arrendamento, commodato, usufructo, uso e habitação. 2º As mercadorias em poder do fallido a título de commissão de compra ou venda, trânsito ou entrega. Cessará a reivindicação si as mercadorias tiverem sido vendidas e o preço creditado em conta corrente por autorização ou ordem do dono. 3º Os titulos de crédito á ordem transferidos ao fallido para effectuar a cobrança e guardar o valor por conta do dono ou mesmo a applicar a pagamentos designados, ainda que se acham em poder de terceiro, em nome do fallido, na época da declaração da fallencia. Esta disposição se applica tambem aos titulos ao portador. 4º As cousas não pagas integralmente, expedidas pelo vendedor ao fallido, emquanto não chegarem ao poder do mesmo fallido, de seu agente ou commissario.
70
O Decreto nº. 5.746/1929 trouxe duas importantes modificações no
cabimento da ação reivindicatória: a primeira foi a previsão da reivindicatória
extraordinária (atual restituitória extraordinária), permitindo ao vendedor de
mercadorias compradas a crédito pelo falido nos quinze dias antecedentes ao
decreto falimentar reaver a posse das mesmas; a segunda foi a extensão da
reclamação reivindicatória (que até então tinha cabimento restrito à falência) à
concordata preventiva, visando à restituição de coisas existentes no patrimônio
do concordatário e podendo ter fundamento em direito real ou pessoal (art.
139211). Segundo Miranda Valverde,
Sob o título ―Da reivindicação‖, tratava a lei revogada212
do direito à restituição de coisas existentes na massa falida, baseado em duas ordens de relações jurídicas: I, direito à restituição, fundado em relação de domínio; II, direito à restituição, fundado em relação de obrigação, compreendendo: a) direito à restituição preexistente à
Não poderão ser reivindicadas, porém, as mercadorias que o fallido, antes da fallencia, revendera sem fraude, á vista das facturas ou conhecimentos de transporte, entregues ou remettidas pelo vendedor embora taes mercadorias não tivessem ainda chegado effectivamente ao poder do mesmo fallido, seu agente ou commissario. 5º As cousas vencidas a credito nos 15 dias anteriores ao requerimento da concordata preventiva ou á declaração da fallencia, que ainda se encontrarem em poder do devedor. 6º As cousas vendidas a credito nos 40 dias anteriores ao requerimento da concordata preventiva ou á declaração da fallencia, que ainda se encontrarem em poder do devedor, tendo sido o vendedor induzido por dolo ou fraude do mesmo devedor. (BRASIL. Decreto nº 5.746, de 9 de dezembro de 1929. Modifica a Lei de Fallencias. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/116732/decreto-5746-29>. Acessado em 13 mar. 2012.) 211
Art. 139. A reclamação reivindicatoria será dirigida, ao juiz, contendo a exposição do facto e allegação do direito applicavel. § 1º O juiz mandará autoar em separado o requerimento e documentos, que o instruirem, e ouvir o fallido e o syndico ou liquidatario, que responderá dentro do prazo de cinco dias, tendo em vista a disposição do art. 83, princ. § 2º O escrivão avisará, pela imprensa, nos interessados que se acha em cartorio a reclamação, sendo-lhes concedido o prazo de cinco dias a contar do dia da primeira publicação, para a contestarem, ou allegarem o que entenderem. § 3º As contestações do fallido, do syndico ou liquidatario, ou de qualquer credor, que, tenha cumprido a disposição do art. 82, serão articulado em forma de embargos e o juiz, recebendo-as marcará o prazo de dez dias para a prova. Finda a dilação, a sentença será proferida dentro do prazo de oito dias, ouvido préviamente o representante do Ministério Público. § 4º Da sentença do juiz poderão aggravar por petição o reclamante, o fallido, o syndico ou liquidatario e qualquer credor, ainda mesmo que não tivesse offerecido embargo. § 5º Não se oppondo o fallido, o syndico ou liquidatario, nem credor algum, e nenhuma duvida mais havendo sobre direito do reclamante, o juiz mandará entregar logo a cousa reclamada. § 6º A sentença que julgar improcedente a reivindicação determinará que o reivindicante faça, querendo, a declaração do seu credito nos termos do art. 82 ou 87. § 7ª As despezas da reclamação, quando não contestadas, serão por conta do reivindicante: si contestadas, serão pagas pelo vencido, sendo-o pela massa quando for vencido o syndico o liquidatario ou o fallido. (BRASIL. Decreto nº 5.746, de 9 de dezembro de 1929. Modifica a Lei de Fallencias. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/116732/decreto-5746-29>. Acessado em 13 mar. 2012) 212
Trata-se do Decreto nº 5.746/1929.
71
falência, ou que se podia efetivar independentemente da falência; b) direito à restituição decorrente do fato da falência.
213
Posteriormente, foi publicado o Decreto-lei nº. 7.661, de 21 de junho de
1945214, que consagrou a expressão ―pedido de restituição‖ e disciplinou a
ação restituitória e os embargos de terceiro nos art. 76 a 78, após o Título que
trata da arrecadação e guarda dos documentos, livros e bens do falido,
admitindo também o manejo dessa ação na concordata preventiva (art. 166215).
Referido diploma normativo restringiu as hipóteses de cabimento
previstas nas legislações anteriores (sob a denominação de ação
reivindicatória), mantendo a previsão para as situações que tutelassem o direito
real de terceiros e o direito obrigacional decorrente de contrato.
Abrão216 elogia a técnica legislativa empregada em 1945 ao afirmar:
É inolvidável nesta perspectiva que o Decreto-lei 7661/45, no tratamento da matéria concernente ao pedido de restituição é fruto de longa maturação, uma vez que, alhures, a problemática encerrava outro ângulo de abordagem. A exagerada especificação e a desnecessária estruturação dos casos foram enfrentadas pelo legislador atual sob a técnica da concisão e senso prático. Estabeleceu-se, prima facie, uma regra geral que torna despiciendo o arrolamento das hipóteses nas quais é facultada a intervenção do terceiro. A regra matriz do art. 76 contém uma facultas agendi, sendo permitido o atingimento do bem arrecadado, para efeito de devolvê-lo ao terceiro reclamante.
217
Waldemar Ferreira218, citando a exposição de motivos do projeto de lei
que deu origem ao Decreto-lei nº. 7.661/1945, afirma que a restituição de que
trata o mencionado diploma normativo não se restringe àquela proposta pelo
proprietário do bem indevidamente arrecado em poder do falido, sendo também
fundada em contrato. Nas palavras do autor,
213
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II, p. 46. 214
BRASIL. Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. DJU de 31.07.1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm>. Acessado em 13 mar. 2012. 215
Art. 166. Ressalvadas as relações jurídicas decorrentes de contrato com o devedor, cabe na concordata preventiva pedido de restituição, com fundamento no art. 76, prevalecendo, para o caso do parágrafo 2º, a data do requerimento da concordata. (BRASIL. Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. DJU de 31.07.1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm>. Acessado em 13 mar. 2012) 216
ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991. 217
ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991, p. 25. 218
FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva. 1966. Vol. 15º.
72
―O instituto da reivindicação‖ – conta da exposição ministerial justificativa do projeto, que na lei se convolou – ―sofre, no projeto, modificações que, não sendo essenciais, concorrem para que seja mais exatamente definido e aplicado. A reivindicação admitida no processo da falência não se reduz apenas à ação promovida pelo titular da propriedade, para restituição da coisa a seu dono. Estende-se, em rigor, à restituição pleiteada por quem, a título de direito real ou de contrato, tenha o direito de reaver a coisa arrecada em poder do falido. Atribui-se, excepcionalmente, êste direito ao vendedor, depois de já ter realizado a tradição da coisa.‖ Com isso, pretendeu-se dar ―ao instituto o seu verdadeiro aspecto‖ e o projeto, acrescentando-se, ―teve em mira evitar as conseqüências errôneas a que pode levar a opinião de que a reivindicação tratada na lei de falências coincide inteiramente com a tutela concedida ao proprietário privado da posse‖. Como dessa exposição resulta, a lei suprimiu a expressão reivindicatória que na anterior se tinha. Mas conservou, sob a epígrafe de pedido de restituição, o instituto da reivindicação.
219
Rubens Requião220 afirma que a legislação brasileira inspirou-se na
germânica, remodelando a restituitória a partir da reivindicatio do Direito
Romano.
Para Simionato, ―a ação de restituição deixa de ser simples ação de
reivindicação, para se tornar um instituto eminentemente falimentar, que existe
em benefício de terceiro, cuja cousa sua foi arrecadada, indevidamente, pelo
órgão da falência‖.221
A atual Lei de Recuperação de Empresas e Falência (Lei nº.
11.101/2005) tratou do pedido de restituição nos art. 85 a 93, localizados na
Seção III (Do Pedido de Restituição) do Capítulo V (da Falência), após a Seção
que trata da classificação dos créditos na falência e antes daquela que
disciplina o procedimento para decretação da falência, na qual está inserida o
art. 108 e seguintes, que regulam a arrecadação e custódia dos bens.
De acordo com Simionato222, o legislador da Lei nº. 11.101/2005 não
primou pela técnica ao inserir o pedido de restituição e os embargos de
terceiros antes da arrecadação dos bens do falido, por não haver o que restituir
antes da arrecadação. Por isso, defende que o Decreto-lei nº. 7.661/1945
tratava a matéria de forma mais técnica. Nesses termos,
219
FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva. 1966. Vol. 15º, p. 92-93. 220
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998. 221
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008, p. 606. 222
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008.
73
O regramento do pedido de restituição está disciplinado nos artigos 85-93 da Lei. [...] o pedido de restituição, artigos 85-93, foi inserido entre os capítulos da classificação de créditos (artigos 83 e 84) e do procedimento para a decretação da falência (artigos 94-102). O que será restituído quando ainda não foi sequer arrecadado? [...] O pedido de restituição, classicamente, deveria estar disciplinado após o processo de arrecadação. A medida restituitória visa a evitar que determinados bens sejam arrecadados, e por isso seu regramento lógico somente poderia vir após as normas que disciplinam a arrecadação, jamais antes.
223
A principal ratio da ação restituitória (qual seja: a reivindicação de bens
arrecadados em poder do falido que pertençam a terceiros em virtude de direito
real ou pessoal – contrato) sempre esteve presente na história do Direito
Falimentar, pois é possível a ocorrência de arrecadação de bens de terceiro
pela massa falida, já que é dever do administrador judicial (antigo síndico)
arrecadar todos os bens, documentos e livros que encontrar em poder do
devedor, quando da decretação de sua falência.
A evolução histórica caracterizada pela necessidade de aperfeiçoamento
do instituto implicou uma mudança positiva, pois aquilo que antes era tratado
como instituto de Direito Civil e protegido pela ação reivindicatória do Direito
Processual Civil ganhou disciplina própria nas diversas leis falimentares,
culminando na ação restituitória, tal como a conhecemos atualmente.
3.3 Legitimidade para a ação restituitória
O legitimado ativo a propor a ação restituitória é o terceiro que se
entende por legítimo titular do bem indevidamente arrecadado na falência, em
virtude de direito real ou de direito obrigacional (no caso da ação restituitória
ordinária), ou, ainda, o vendedor de mercadoria comprada a crédito pelo
devedor e entregue nos quinze dias anteriores ao requerimento da falência (no
caso da ação restituitória extraordinária).
Essa pessoa não é credora, portanto, não concorre com os credores do
falido ou da massa falida e tem preferência na satisfação de seu direito.
223
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008, p. 605.
74
Abrão224 assim se manifesta ao tratar da impropriedade do termo
―reivindicação‖, empregado na legislação sobre falência editada entre os anos
de 1850 a 1829. Verbis, ―A impropriedade do termo se verifica no fato de não
se tratar de credor, mas de terceiro com o vínculo – jus in re, não um jus ad
rem, isto é, não recebe a coisa em razão desta origem, mas sim pela qualidade
de proprietário‖.225 Nas palavras de Carvalho de Mendonça,
Manifesta-se sensivel a differença entre a reivindicação e o privilégio: a reivindicação tem como resultado a restituição do objecto in natura ao dono ou proprietário; o privilegio confere ao credor apenas o direito de ser pago preferencialmente a todos os outros sobre o valor ou producto da venda do objecto que lhe serve de garantia.
226
Não se trata, portanto, de privilégio e sim de preferência. Conforme
observa Gontijo227, a preferência dos créditos é o gênero que comporta duas
espécies: a garantia e o privilégio. O privilégio é instituto de direito processual e
significa a ordem de vocação dos credores na partilha da garantia comum: o
patrimônio do devedor. Já a garantia é instituto de direito material que visa
assegurar o cumprimento de uma obrigação, podendo ser real (quando tiver
por título um direito real) ou fidejussória (quando tiver por título um direito
pessoal). Enquanto o privilégio somente pode ser conferido pela lei, a garantia
pode decorrer da lei ou do contrato.
Dessa forma, nos termos do art. 149, caput, da Lei nº. 11.101/2005, o
terceiro que tem direito à restituição é o primeiro a receber o que, na falência,
lhe caiba (seja o bem específico ou outro nele subrogado, seja o seu
equivalente em dinheiro), antes mesmo dos credores extraconcursais (art. 84)
ou concursais (art. 83). De acordo com a interpretação literal do art. 86,
parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005, a única exceção a essa regra
encontra-se prevista no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005, que determina a
prioridade no pagamento dos créditos trabalhistas, de natureza estritamente
salarial, vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência, até o
limite de cinco salários mínimos por credor. Isso nos remete ao questionamento
224
ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991, p. 105. 225
ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991, p. 14. 226
MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro. 1934. Vol. VIII, p. 277. 227
GONTIJO, Vinícius José Marques. Efeitos da falência do empregador na ação de execução de crédito trabalhista. In: Revista de Direito do Trabalho. 2007. RDT 128.
75
sobre a validade de mencionado dispositivo legal, pois pretere o direito do
proprietário em receber o equivalente, em dinheiro, do bem que integra o seu
patrimônio, em prol dos credores trabalhistas. Essa análise, contudo, será feita
nos capítulos seguintes.
Por sua vez, o legitimado passivo para a ação restituitória é a massa
falida e não o falido, uma vez que, com a decretação da falência, o devedor
perderá a posse e administração de todos os bens e direitos em seu poder,
fazendo surgir um ente despersonalizado distinto (a massa falida subjetiva,
formada pela comunidade de credores), que os administrará provisoriamente
por meio do administrador judicial até a liquidação do ativo para pagamento do
passivo, na medida em que o acervo patrimonial (a massa falida objetiva,
formada pelos bens e direitos do devedor) comportar.
O falido poderá eventualmente intervir na ação restituitória como
assistente simples228 (art. 50 do CPC), mas não comporá o polo passivo da
lide.
Contudo, o art. 87, §1º, da Lei nº. 11.101/2005, confere legitimação ao
falido, ao Comitê de Credores e ao administrador judicial para impugnarem o
pedido de restituição no prazo de cinco dias a contar da intimação, valendo
como contestação qualquer manifestação contrária.
3.4 Pressuposto e requisitos do pedido de restituição
A disciplina legal da ação de restituição está localizada nos art. 85 a 93
da Lei nº. 11.101/2005, estando as hipóteses que autorizam a sua propositura
previstas nos art. 85 e 86 do mesmo diploma normativo.
Em termos semânticos, pressuposto é aquilo que se supõe
antecipadamente, é circunstância que necessariamente antecede outra. Por
outro lado, requisito é condição que deve ser satisfeita para se dar andamento
a determinado processo ou alcançar certo fim.
228
Segundo Theodoro Júnior, assistente simples é aquele que tem interesse jurídico na solução de uma lide entre duas partes e nela intervém para coadjuvar uma delas, prestando-lhe colaboração a fim de obter uma sentença favorável, sem, contudo, defender direito próprio direto, pois o proveito que poderá auferir com o resultado favorável para o assistido será apenas indireto. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 47ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2007. Vol. I.)
76
O pressuposto básico do pedido de restituição é a decretação da
falência do devedor e a preexistência de uma relação jurídica, de direito real ou
obrigacional, que o vincule ao reivindicante.
O art. 85 da Lei nº. 11.101/2005 traz os requisitos para o pedido de
restituição, quais sejam: a) para o titular de direito real, que o bem de sua
propriedade esteja na posse do devedor na data da decretação da falência e
haja a sua arrecadação pelo administrador judicial em favor da massa falida; b)
para o contratante, que tenha havido venda a crédito com entrega nos quinze
dias antecedentes à distribuição do pedido de falência, desde que não tenham
sido alienados pelo devedor e hajam sido arrecadados pelo administrador
judicial.
Nas palavras de Simionato,
Conforme a doutrina clássica, quer seja o fundamento do pedido a propriedade da coisa, quer seja uma relação obrigacional, dois requisitos são absolutamente necessários para justificar a restituição: a) que a coisa tenha sido arrecadada em poder do falido; b) que ela lhe seja devida em virtude de um direito real ou de um contrato. O objeto do pedido de restituição pode ser coisa móvel, imóvel, fungível (dinheiro), por que no caso de numerário identificável, em espécie, pode ser objeto da reivindicação [...].
229
Para Pacheco230, somente se justifica a restituição se o bem tiver sido
efetivamente arrecadado na falência ou se estiver entre os bens arrecadáveis,
mas que ainda não o foram. Nesse sentido,
... devemos frisar que somente justifica o pedido de restituição ou os embargos de terceiro o fato de ter sido arrecadado como sendo do falido bem que é de terceiro. Se o bem não é arrecadado, não se há de pensar em restituição. Entretanto, se ainda não foi arrecadado, mas se encontra entre os bens da falida e, por isso, será arrecadado, nada impede o pedido, competindo ao síndico verificar a procedência da alegação e apressar a arrecadação, nos termos do art. 70, §6º, IV
231.
No caso, porém, de o bem, cuja restituição se pede não se encontrar entre os bens arrecadados, nem sequer se encontrar entre os ainda arrecadáveis, vale dizer que não foi pelo síndico encontrado, de restituição não se pode cogitar.
232
229
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008, p. 608. 230
PACHECO, José da Silva. Processo de Falência e Concordata: comentários à Lei de Falências. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1998. 231
Refere-se ao Decreto-lei nº. 7.661/1945 232
PACHECO, José da Silva. Processo de Falência e Concordata: comentários à Lei de Falências. 1998, p. 416.
77
Waldemar Ferreira também escreve sobre isso, afirmando que ―a coisa
reivindicanda deverá achar-se na posse atual do falido‖.233
O mesmo posicionamento é manifestado pelo Superior Tribunal de
Justiça, no REsp 98.109-RS, Rel. Min. Barros Monteiro, julgado em
16/05/2002.
FALÊNCIA. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO. BEM NÃO ARRECADADO. - Não tendo sido arrecadada a coisa, descabe o pedido de restituição. O crédito será incluído como quirografário. Precedentes. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, REsp 98.109-RS, Rel. Min. Barros Monteiro, Quarta Turma, DJ 16/09/2002)
234
Percebe-se, dessa forma, que o art. 85 da Lei nº. 11.101/2005, enumera,
ao mesmo tempo, o pressuposto e os requisitos autorizadores do pedido de
restituição, restando ao art. 86 do mesmo diploma prescrever os casos em que
a restituição far-se-á em dinheiro.
3.5 Cabimento da ação restituitória
O art. 85 da Lei nº. 11.101/2005 prescreve que:
Art. 85. O proprietário de bem arrecadado no processo de falência ou que se encontre em poder do devedor na data da decretação da falência poderá pedir sua restituição. Parágrafo único. Também pode ser pedida a restituição de coisa vendida a crédito e entregue ao devedor nos 15 (quinze) dias anteriores ao requerimento de sua falência, se ainda não alienada.
235
Segundo Simionato236, a ação restituitória de que trata o caput do art. 85
da Lei nº. 11.101/2005 é cabível com fundamento no direito real ou em
233
FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva. 1966. Vol. 15, p. 89. 234
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial n. 98.109/RS. Relator: Min. Barros Monteiro. Quarta Turma. Diário de Justiça, Brasília, 16 set. 2002. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=199600369755&pv=010000000000&tp=51>. Acessado em 16 mar. 2012. 235
BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318. 236
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008.
78
contrato. Esse autor237 critica a redação do referido dispositivo ao autorizar o
pedido de restituição de bem ―que se encontre em poder do devedor na data da
decretação da falência‖238, sob o fundamento de ser o art. 76, caput, do
revogado Decreto-lei nº. 7.661/1945 mais claro ao prever que ―pode ser pedida
a restituição de coisa arrecadada em poder do falido quando seja devida em
virtude de direito real ou de contrato‖239. Nesse sentido, afirma que, apesar da
difícil compreensão, não há diferença entre ambos os dispositivos legais, já que
eles têm o mesmo significado, admitindo-se a ação restituitória em razão de
direito real ou obrigacional. Nas palavras do autor,
Dizia o art. 76, caput, do saudoso Decreto-lei 7.661, que pode ser pedida a restituição de coisa arrecada em poder do falido quando seja devida em virtude de direito real ou de contrato. A Lei 11.101/05, obviamente, conseguiu piorar a redação da antiga Lei, dizendo que o proprietário de bem arrecadado no processo de falência ou em (sic) que se encontre em poder do devedor na data da decretação da falência poderá pedir a sua restituição (art. 85). A expressão ―ou em (sic) que se encontre em poder do devedor‖ significa, com outras palavras, o direito à restituição derivante de certos contratos, ou, como dizia a Lei de 1945, quando seja devida em virtude de contrato. A péssima redação não impede a boa interpretação do art. 85, caput, e não é pelo fato que a Lei 11.101/05 deixou de fazer constar expressamente referência à restituição nos contratos que isso poderia causar confusão na aplicação deste dispositivo legal.
240
Ressalte-se, contudo, que a ação restituitória somente terá cabimento
depois da efetiva arrecadação dos bens, não bastando a simples decretação
da falência do devedor.
Apesar de Negrão241 não manifestar com veemência a crítica acima
mencionada, ele admite a restituição em virtude de contrato:
O direito – antigo e novo – pressupõe que o devedor e a massa detêm a coisa reivindicada, situação que pode decorrer de inúmeros contratos anteriormente firmados. Uma vez demonstrado, por instrumento hábil, que o domínio da coisa arrecada pertence ao
237
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 238
BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318. 239
BRASIL. Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. Diário de Justiça, 31 jul. 1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm>. Acessado em 13 mar. 2012. 240
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008, p. 610. 241
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3.
79
reivindicante, a restituição será de rigor, mesmo se a posse decorra de contrato como ocorre nos casos acima mencionados e, ainda, na locação de bens móveis, comodato, depósito etc.
242
No mesmo sentido, Ulhoa Coelho243 afirma existirem quatro tipos de
pedido de restituição na Lei nº. 11.101/2005, dentre os quais se encontram
aqueles fundados em direito real e em direito obrigacional:
a) aquele fundado em direito real sobre o bem arrecadado; b) o fundado na entrega de mercadoria às vésperas da falência, cujo objetivo é coibir a prática da má-fé; c) na antecipação nos contratos de câmbio; d) aquele que atende ao contratante de boa-fé, nas hipóteses de resolução do contrato celebrado com o devedor agora falido.
244
Em sentido contrário, Marcus Elidius Michelli de Almeida245, em obra sob
a coordenação de Luiz Fernando Valente de Paiva, entende não ser mais
cabível o pedido de restituição com fundamento em contrato. Verbis:
A nova redação dada pela Lei 11.101/05, ao abordar o pedido de restituição, estabelece a possibilidade do mesmo quando se tratar de bem de propriedade do requerente, ao invés da redação da lei anterior que estabelecia ser possível o pedido quando estivéssemos diante de um bem devido em razão de direito real ou de contrato. Verifica-se, assim, que o atual texto reduz a uma única hipótese a restituição, qual seja, ser proprietário do bem. Neste caso, devemos interpretar propriedade da forma mais ampla, uma vez que a lei não fez nenhuma restrição. Conclui-se, portanto, que não existe mais a possibilidade de pedido de restituição fundado meramente na existência de contrato, reduzindo assim o alcance do pedido de restituição.
246
Lima247 também trata da matéria de forma diferente, admitindo que a
ação restituitória se fundamente, em regra, no direito real de propriedade e,
excepcionalmente, no direito obrigacional, desde que haja expressa disposição
legal a respeito. Nestes termos,
242
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3, p. 472. 243
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 8ª ed. São Paulo: Saraiva. 2005. Vol. 3. 244
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 2005. Vol. 3, p. 332. 245
ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de; et. al. Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2005. 246
ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de; et. al. Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2005, p. 309. 247
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009.
80
Portanto, o direito de restituição assegurado pela legislação falimentar apenas faz aportar, no âmbito dos processos de execução concursal, a garantia fundamental à propriedade, insculpida no art. 5º da Constituição da República. [...] As três situações, descritas no parágrafo único do art. 85 e nos incisos II e III do art. 86, não revelam direito real de propriedade; são excepcionais, porque versam sobre direito obrigacional de crédito. Por não se enquadrarem na regra do caput do art. 85 da Lei de Falências, as hipóteses precisaram ser expressamente descritas pelo legislador, de forma a equipará-las à regra.
248
Muitas hipóteses que Simionato249 trata como direito à restituição
decorrente de contrato250, Lima251 explica que têm origem no direito de
propriedade.
Conforme se observa dos posicionamentos acima colacionados, apesar
de a Lei nº. 11.101/2005 não estabelecer de forma expressa, é forte a
tendência doutrinária em admitir a ação restituitória em virtude de direito
obrigacional (ou seja, decorrente de contrato). Por esse motivo, trataremos da
matéria segundo o entendimento de Simionato252.
Deve-se mencionar, ainda, uma controvérsia doutrinária existente sobre
a palavra ―coisa‖ empregada no art. 76 do Decreto-lei nº. 7.661/1945 e em
diversos dispositivos que tratam do pedido de restituição na Lei nº.
11.101/2005 (a exemplo do art. 85, parágrafo único, e do art. 86, I).
Há quem entenda, a exemplo de Miranda Valverde253, que esse
vocábulo remete àquilo que é corpóreo, querendo indicar que apenas os bens
materiais podem ser objeto de restituição na falência.
Objeto do pedido de restituição, quer fundado em direito real, quer em contrato, há de ser coisa corpórea, móvel ou imóvel (corpus certum), arrecadada em poder do falido, a qual deverá ser designada por seus sinais característicos, se é móvel, pela sua situação e confrontações, se é imóvel.
254
248
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 586-587. 249
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 250
Como o contrato de mandato mercantil e comissão mercantil, da administração de coisa alheia, do contrato de depósito, do contrato estimatório, do contrato de alienação fiduciária em garantia e da venda com reserva de domínio, inclusive no caso do contrato de arrendamento mercantil e dos valores descontados dos salários dos trabalhadores a título de contribuição previdenciária e não recolhidos à União. 251
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 252
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 253
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II. 254
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II, p. 49.
81
Por outro lado, existe posição em sentido contrário, como aquela
defendida por Requião255, no sentido de que houve um equívoco do legislador
ao empregar o termo ―coisa‖ querendo se referir a ―bens‖. Segundo esse
autor256, podem ser objeto de restituição na falência todos os bens, materiais
ou imateriais, de terceiros que se encontrem em poder do falido e sejam
arrecadados pela massa. Verbis:
Difícil seria a um tribunal negar ao titular de uma patente de invenção, por exemplo, arrecadada pelo síndico em poder do falido devido a um contrato de licença, que não se lhe reconhecesse o direito de reclamar a restituição da mesma. A patente, sabe-se, constitui apenas o certificado da concessão de privilégio, isto é, de um direito imaterial ou incorpóreo.
257
Abrão258 também defende o cabimento do pedido de restituição nessa
hipótese. Para ele, ―bens incorpóreos, marcas e patentes podem estar na
alçada do falido no momento da arrecadação, tornando correto que o terceiro
exija a integração daquilo que foi arrecadado e o afastamento da situação
comum de rateio‖.259
Pacheco260, após citar ambas as correntes doutrinárias, filia-se à
segunda posição acima mencionada. Nestes termos:
Expostas as duas orientações, no campo doutrinário, cabe-nos concluir que: a) O legislador, ao redigir o art. 76
261, usou, propositadamente, a
palavra ―coisa‖, para designar o bem material quantificado e medível, o bem corpóreo, em consonância com a doutrina, consubstanciada na 1ª orientação, por nós acima esboçada
262.
b) Contudo, existindo bens incorpóreos, apreendidos pela arrecadação e sobre eles tenha alguém qualquer vínculo real ou obrigacional, capaz de justificar o pedido de restituição, não se pode deixar de ter este como viável e procedente. Desde que haja bens arrecadados – corpóreos ou incorpóreos, materiais ou imateriais – sobre os quais não tenha o falido ou a
255
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998. 256
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998. 257
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998, p. 282. 258
ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991. 259
ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991, p. 30. 260
PACHECO, José da Silva. Processo de Falência e Concordata: comentários à Lei de Falências. 1998. 261
Refere-se ao Decreto-lei nº. 7.661/1945 262
Orientação segundo a qual se entende cabível o pedido de restituição apenas para reaver a posse de bens materiais.
82
massa qualquer direito ou titularidade, e esta seja demonstrada por terceiro, cabível o pedido de restituição.
263
No mesmo sentido, Pontes de Miranda explica que ―não há distinguir-se
dos direitos sôbre os bens corpóreos os direitos sôbre os bens incorpóreos,
nem dos direitos reais os pessoais, uma vez que se nega a titularidade pelo
falido, pelo menos, a penhorabilidade abstrata do bem.‖264
Entendendo-se que a ação restituitória possa ter por objeto bem
corpóreo ou incorpóreo, convém que se faça referência a palavra ―bem‖, cujo
significado é mais amplo que ―coisa‖, já que esta última nos remete àquilo que
seja palpável.
Prosseguindo na explanação; o pedido de restituição é cabível ainda que
os bens arrecadados em poder do falido já tenham sido alienados pela massa
falida (após a declaração da falência) ou que hajam perecido, caso em que a
restituição far-se-á em dinheiro pelo valor da alienação ou da avaliação.
Todavia, segundo Negrão265, caso o bem tenha sido consumido ou
alienado pelo falido (ou seja, em data anterior à sentença falimentar), não é
cabível a ação restituitória e o terceiro que se apresenta como legítimo titular
será considerado credor do falido, devendo habilitar seu crédito na classe
respectiva (normalmente quirografário) dos créditos concursais (art. 83 da Lei
nº. 11.101/2005). Isso porque, segundo esse autor266, nesse caso, a massa
falida será terceira em relação ao negócio jurídico entabulado entre o devedor
e aquele que se apresenta como titular do bem, não podendo ser prejudicada
pelos atos culposos ou dolosos praticados pelo falido. Nesses termos,
O privilégio decorrente do credor concentra-se no próprio bem, que, uma vez desaparecido, faz igualmente extingui-lo. Seria injusto transferir a outros bens o privilégio que o credor perdeu. O falido, eventualmente, responderá criminalmente pelo fato, mas a massa não se obriga a esse ressarcimento.
267
263
PACHECO, José da Silva. Processo de Falência e Concordata: comentários à Lei de Falências. 1998, p. 420-421. 264
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi. 1960. Tomo XXVIII. p. 81 265
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 266
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 267
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3, p. 471.
83
Negrão268, citando diversos acórdãos, (dentre eles, os mais recente são:
Recurso Especial n. 176.011-SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j.
31-8-2000; Recurso Especial n. 142.720-RS, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 24-
11-1998; Recurso Especial n. 93.677-SP, Rel. Min. César Asfor Rocha, j. 15-
10-1998) afirma que a jurisprudência do STJ é pacífica nesse sentido.
Enumerados os casos passíveis de restituição, passemos à análise
individualizada de cada um deles na seguinte ordem: ação restituitória fundada
na titularidade de direito real, ação restituitória fundada em contrato e ação
restituitória prevista em legislação especial.
3.6 O pedido de restituição em virtude da titularidade de direito real
O primeiro caso que autoriza o ajuizamento da ação restituitória está
previsto no art. 85, caput, da Lei nº. 11.101/2005 e fundamenta-se na
titularidade do direito real de propriedade, ainda que já tenha havido alienação
do bem.
Segundo Negrão269, três são os requisitos para que a ação restituitória
seja manejada com esse fundamento: a arrecadação do bem em poder do
falido; ser ele devido em virtude do direito real de propriedade; e a
possibilidade de perda ou alienação do bem arrecadado após a sentença que
decreta a falência. Nesse sentido:
Decorre de disposição legal, portanto, que os requisitos essenciais para o exercício do direito à restituição são: a) a coisa deve ter sido arrecadada, depois da falência, em poder do falido; b) a coisa é devida ao reivindicante em virtude de direito real de propriedade; c) a coisa pode ter sido consumida ou alienada posteriormente ao decreto de falência pela massa.
270
A razão na qual se baseia esse fundamento está no fato de o direito real
de propriedade consistir também em um direito e, ao mesmo tempo, em uma
268
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3, p. 471. 269
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 270
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3, p. 470.
84
garantia fundamental, conforme será tratado no capítulo pertinente. Por isso,
não é razoável que se imponha ao terceiro que espere o final do processo
falimentar para que obtenha a tutela do seu direito, pois ele não é credor e sim
proprietário.
De acordo com Fassi e Gebhardt,
A ideia que preside o comando legal, é que o terceiro que é dono de bem que o falido conserva em seu poder, não espere o resultado do concurso geral, mas obtenha resposta e o retorno imediato dos bens entregues sem intenção de transferir o domínio, pagando a comunidade de credores pelos gastos de conservação que foram desembolsados.
271
Assim sendo, ressarcida a massa falida das despesas com a
conservação do bem, impõe-se a sua imediata restituição ao proprietário a fim
de dar cumprimento ao próprio comando normativo contido no art. 5º, XXII, da
CRFB/1988.
O direito de propriedade será novamente examinado no capítulo
pertinente, mas, a princípio, é importante pontuar que consiste no direito real
previsto no Título III do Livro III da Parte Especial do CC/2002, que assegura
ao seu titular todos os poderes inerentes ao domínio sobre determinada coisa,
facultando-lhe usar, gozar e dela dispor, bem como reavê-la do poder de quem
injustamente a possua ou detenha (art. 1.228, CC/2002).
A arrecadação do bem pela massa falida não lhe retira nenhum dos
poderes inerentes ao domínio mencionados no art. 1.228 do CC/2002, por isso
o reivindicante não busca a declaração do seu direito de propriedade ou seu
domínio sobre o bem e sim o restabelecimento de sua posse. Para tanto,
deverá provar o domínio sobre o bem que lhe pertence e a mera detenção ou
posse injusta da massa falida sobre o mesmo.
271
Texto original: ―La idea que preside la directiva legal, es que el tercero que es dueño de bienes que conserva en su poder el fallido, no aguarde el resultado del concurso general, sino que obtenga respuesta en la pronta devolución de los bienes dados sin intención de transferir el dominio, bien que solventándole al concurso los gastos de conservación que hubiera desembolsado.‖ (FASSI, Santiago C.; GEBHARDT, Marcelo. Concursos y quiebras: comentario exegético de la ley 24.522, Jurisprudencia aplicable. 8ª ed. Ciudad de Buenos Aires: Editorial Astrea de Alfredo y Ricardo DePalma. 2005, p. 463)
85
Nos termos do art. 1.200 do CC/2002, ―é justa a posse que não for
violenta, clandestina ou precária‖272. Disso retira-se, a contrario sensu, a
definição do que seja posse injusta.
A posse é violenta, quando obtida por meio do uso da força física. É
clandestina, quando obtida de modo furtivo ou às escondidas, ou seja, sem o
que seu titular tome ciência. E, por fim, é precária, quando alguém recebe a
coisa com a obrigação de restituí-la, mas deixa de devolvê-la ao seu legítimo
titular.
A massa falida, ao arrecadar indevidamente bem de propriedade de
terceiro, tem a posse precária do mesmo. E a posse precária não é passível de
convalidação. Conforme ensina Simionato,
... a posse precária, ou seja, da massa falida sobre o bem indevidamente arrecadado, jamais convalesce. A massa retém indevidamente a coisa e a sentença que mandar restituir é a prova que a posse foi precária. A posse precária é uma posse viciada, morta, que o direito não quer tolerar. Por isso, não convalesce, jamais. Esse vício da posse, morta desde seu nascimento, não permite que ela produza efeitos no mundo jurídico.
273
Há detenção quando alguém detém poder sobre algo por meio de mera
permissão ou tolerância, de forma expressa ou tácita (art. 1.208 do CC/2002).
Caracteriza-se a permissão quando o verdadeiro proprietário ou
possuidor da coisa cede-a a outrem para que dela faça uso, devendo ser,
portanto, prévia. Já a tolerância, por seu turno, ocorre quando alguém assume
o poder sobre algo para usá-lo, diante das vistas do legítimo titular, e este, por
ato de benevolência, permite que nessa situação continue; é, portanto, a
posteriori.
Dessa forma, é perfeitamente factível que a massa falida seja detentora
de um bem que encontre em seu estabelecimento e seja utilizado para a
continuação provisória de suas atividades, por simples tolerância ou permissão
do legítimo proprietário, tendo, portanto, a posse precária sobre o mesmo.
Em que pese o art. 85, caput, da Lei nº. 11.101/2005 se referir
expressamente ao proprietário, Simionato entende que todos os direitos reais
272
BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 134-215. 273
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008, p. 609.
86
previstos no art. 1.225 do CC/2002 são passíveis da ação restituitória. Nesses
termos:
Conforme o art. 1.225 do Código Civil, são direitos reais: a) a propriedade; b) a superfície; c) as servidões; d) o usufruto; e) o uso; d) a habitação; g) o direito do promitente comprador; h) o penhor; i) a hipoteca; j) a anticrese
274. Em todos esses casos o direito de
restituição é certo.275
Esse entendimento está embasado na redação do art. 76, caput, do
Decreto-lei nº. 7.661/1945, que trazia a possibilidade da ação restituitória com
fundamento em direito real, sem distinções. Verbis: ―Art. 76. Pode ser pedida a
restituição de coisa a arrecadada em poder do falido quando seja devida em
virtude de direito real ou de contrato. [...]‖276
Miranda Valverde277 ensina que o pedido de restituição baseia-se em
qualquer espécie de direito real (embora, na prática, tenha como fundamento
mais frequente o direito de propriedade). Nesses termos,
O pedido de restituição de coisa arrecada em poder do falido, ou se alicerça em direito real, isto é, ―na propriedade em qualquer de suas manifestações‖, ou em relação de obrigação preexistente à falência, ou desta decorrente, a qual assegura ao reclamante o direito de reaver a coisa arrecada.
278
Em qualquer hipótese que se entenda cabível a ação restituitória (seja
ela fundada em direito real de propriedade ou em qualquer outro direito real),
não mais existindo o bem ao tempo da propositura da demanda, a restituição
dar-se-á em dinheiro pelo preço apurado na sua venda ou pelo valor de
avaliação, caso tenha perecido em poder da massa falida. Em ambos os casos,
o valor será corrigido monetariamente (art. 86, I, da Lei nº. 11.101/2005).
Todavia, não se pode descuidar do comando contido no parágrafo único
do art. 86 da Lei nº. 11.101/2005, o qual prescreve que as restituições em
dinheiro a que se referem o caput do mencionado dispositivo somente poderão
274
A Lei 11.481/2007 inseriu mais dois direitos reais no art. 1.125 do CC/02: a concessão de uso especial para fins de moradia e a concessão de direito real de uso. 275
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008, p. 608. 276
BRASIL. Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. DJU de 31.07.1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm>. Acessado em 13 mar.2012. 277
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II. 278
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II, p. 47.
87
ser realizadas após o cumprimento do disposto no art. 151 da mesma lei, que,
por sua vez, determina o pagamento prioritário dos créditos trabalhistas de
natureza salarial vencidos nos três meses anteriores à decretação de falência,
obedecendo-se ao limite de cinco salários mínimos por trabalhador.
Conclui-se, dessa forma, que o legislador ordinário que elaborou a Lei
nº. 11.101/2005, em dispositivo de duvidosa constitucionalidade, optou por dar
preferência aos credores trabalhistas sobre quaisquer outros, inclusive sobre
os titulares do direito à restituição que, como já tratado, não são credores.
3.7 O pedido de restituição em virtude de contrato
3.7.1 Contrato de compra e venda a crédito
Nos termos do parágrafo único do art. 85 da Lei nº. 11.101/2005,
―também pode ser pedida a restituição de coisa vendida a crédito e entregue ao
devedor nos 15 (quinze) dias anteriores ao requerimento de sua falência, se
ainda não alienada‖.279
O fundamento dessa modalidade de ação restituitória encontra-se,
segundo Simionato280 e Abrão281, na equidade. Isso porque o legislador
presume que o devedor, ao celebrar contrato de compra a crédito dias antes do
requerimento de sua falência, já tinha conhecimento do seu estado de ruína
econômica. Por esse motivo o ordenamento jurídico deve proteger o vendedor
de boa-fé, tutelando-a nas relações negociais.
Conforme já explicado, trata-se da ação restituitória extraordinária que
surgiu, no ordenamento jurídico brasileiro, com o art. 38, §5º, do Decreto nº
5.746/1929.
Originariamente, permitia-se que o terceiro pedisse a restituição de
coisas vendidas a crédito nos quinze dias anteriores à decretação da falência
279
BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318. 280
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 281
ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991.
88
ou da concordata preventiva, desde que o bem ainda estivesse em poder do
devedor.
O Decreto-lei nº. 7.661/1945, no entanto, modificou a disciplina
normativa dessa modalidade de restituição para definir que o prazo de quinze
dias anteriores à decretação da falência seja contado da data da entrega das
mercadorias e não da realização do negócio jurídico.
Dessa forma, enquanto na legislação do ano de 1929 fixava, como
marco inicial, a data da realização do negócio jurídico, a lei de 1945
estabeleceu que o dia a quo seria a efetiva entrega da mercadoria.
A atual lei de falência, por sua vez, contém redação semelhante ao art.
76, §2º, do Decreto-lei nº. 7.661/1945, com uma ressalva. Enquanto este
dispositivo exigia que a mercadoria não houvesse sido alienada pela massa
falida, o art. 85, parágrafo único, da Lei 11.101/2005 impõe que o bem, para
ser objeto dessa espécie de restituição, não tenha sido alienado pelo falido
(segundo a doutrina e a jurisprudência majoritária, conforme menciona
Negrão282).
O mesmo entendimento se infere pela leitura do enunciado nº 495 da
Súmula do STF que dispõe,
A restituição em dinheiro da coisa vendida a crédito, entregue nos quinze dias anteriores ao pedido de falência ou de concordata, cabe, quando, ainda que consumida ou transformada, não faça o devedor prova de haver sido alienada a terceiro.
283
Nesse sentido, também se manifesta Requião; verbis: ―Destaca-se,
portanto, o direito se a cousa foi vendida pelo devedor antes da falência; nesse
caso, o credor se habilita como quirografário‖.284
Essa ressalva visa a tutelar a boa-fé nas relações negociais, protegendo
terceiros adquirentes da mercadoria comprada, originariamente, a crédito.
Pelo mesmo motivo, não poderá o vendedor obstar a entrega das
mercadorias alienadas a crédito ao devedor e ainda em trânsito se este as
282
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 283
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Enunciado de Súmula nº 495. Diário de Justiça, Brasília, 10 dez. 1969. Disponível em: <http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stf/stf_0495.htm>. Acessado em 29 mar. 2012. 284
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998, p. 280.
89
houver revendido, sem fraude, antes do requerimento da falência (art. 119, I,
da Lei nº. 11.101/2005).
Negrão285 ensina que, por outro lado, sendo a coisa alienada pelo
administrador judicial ou tendo perecido em poder da massa falida, o vendedor
terá direito à restituição em dinheiro, limitada ao valor de venda, no primeiro
caso, ou ao preço apurado na avaliação, no segundo.
O fato que determina se o pedido de restituição tem ou não cabimento
(de acordo com o art. 76, §2º, do Decreto-lei nº. 7.661/1945 e o art. 85,
parágrafo único, da Lei 11.101/2005) é a data da entrega da mercadoria, ou
seja, é aquela em que o devedor obteve a posse sobre os bens, não
importando que a data em que efetivamente se deu a transferência da
propriedade (data da compra) seja superior a 15 (quinze) dias. Dessa forma, se
a entrega da mercadoria for feita em período superior ao previsto, não será
cabível o pedido de restituição e o vendedor deverá habilitar o seu crédito na
respectiva classe. Nesse sentido dispõe o enunciado nº 193 do STF que,
embora editado anteriormente à Lei nº. 11.101/2005, continua tendo aplicação.
Simionato286 explica que o terceiro com direito à restituição não poderá
exigir a diferença por eventual desvalorização dos bens.
No mesmo sentido, Carvalho de Mendonça afirma que
O reivindicante não tem direito de reclamação contra a massa, quando, por um acontecimento frequente no commercio, as mercadorias reivindicadas acharem preço inferior áquelle mediante o qual haviam sido vendidas. O reivindicante suportará esse prejuizo da differença, pois sómente elle deve soffrer as consequencias da sua
confiança. 287
Negrão288 entende, ainda, que se o reivindicante não pedir, ao juízo da
falência, a reserva do valor necessário à satisfação do seu direito à restituição
e iniciar-se o pagamento dos credores antes de resolvida a ação restituitória,
não poderá exigir a repetição dos rateios já realizados, restando-lhe, apenas, o
direito ao recebimento dos valores ainda não atribuídos até a satisfação de seu
285
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 286
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 287
MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro. 1934. Vol. VIII, p. 238. 288
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3.
90
direito, descontadas as custas pelo retardamento. Isso, para o autor289, se deve
à aplicação analógica do art. 10, §§3º e 4º, da Lei nº. 11.101/2005.
Nesse sentido também é o entendimento de Abrão290 ao afirmar que
eventual atraso na propositura da ação restituitória prejudicará o terceiro
legitimado, pois, na falência, é vedada a repetição dos rateios já realizados.
Simionato291 trata, também, da hipótese de ter sido decretada a falência
do vendedor da mercadoria comprada a crédito. Para ele292, nesse caso,
operada a tradição simbólica da mercadoria (ou seja, havendo a transferência
da propriedade, mas não da posse) e ainda não efetuado o pagamento pelo
comprador, terá este direito à restituição de referidos bens, caso arrecadados
pelo administrador judicial, devendo recolher, à massa falida, o preço ajustado
entre ele e o vendedor falido.
O mesmo doutrinador293 explica que, por outro lado, se o comprador
houver pago antecipadamente o preço da mercadoria, não caberá a ação
restituitória para haver o bem arrecadado, nem para reaver a quantia paga,
devendo o adquirente habilitar o seu crédito na classe dos quirografários.
Ultrapassada a análise da ação restituitória fundada no art. 85, parágrafo
único, da Lei 11.101/2005, cabe passar ao exame do pedido de restituição que
Simionato294 defende estar embasado em outras espécies de contratos
empresariais.
3.7.2 Do contrato de mandato mercantil e comissão mercantil
Ambos os contratos estavam previstos no Código Comercial de 1850,
sendo o mandato mercantil, nos art. 140 a 164 e a comissão mercantil, nos art.
165 a 190 do Código Comercial de 1850, posteriormente revogados pelo
CC/2002 que passou a disciplinar a matéria a fim de unificar o direito
289
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 290
ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991, p. 105. 291
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 292
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 293
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 294
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008.
91
obrigacional. Todavia, apesar de revogados referidos dispositivos, os conceitos
desses institutos continuam aplicáveis para definir essas espécies contratuais.
O mandato mercantil é o contrato por meio do qual um empresário
(denominado mandante ou comitente), por instrumento público ou particular,
confia a terceira pessoa (chamada mandatário) a gestão de seus negócios
empresariais, que agirá em nome do mandante e a este obrigando.
O CC/2002 passou a tratar do contrato de mandato nos art. 653 a 692,
revogando os dispositivos do Código Comercial de 1850 que disciplinavam a
matéria, e aplicando-se ao direito obrigacional em geral, ou seja, tanto às
relações jurídicas entre particulares, como naquelas celebradas entre
empresários.
A falência do mandatário extingue o contrato, podendo o mandante
reclamar a restituição dos bens entregues àquele para a execução do pacto
firmado desde que sejam objetos do mandato, se encontrem em poder do
mandatário quando da decretação de sua falência e sejam arrecadados pela
massa falida.
Contudo, cabe salientar que, para que se torne possível a restituição, é
necessário que os bens confiados ao mandatário estejam individualizados e
destacados no patrimônio deste, pois a restituição far-se-á pelo próprio bem
entregue ao falido ou aquele subrogado em seu lugar.
Segundo Simionato295, se o objeto do contrato consistir na compra de
bens pelo mandatário e este o fizer utilizando-se de fundos próprios, o
mandante somente terá direito à restituição depois de pagar o preço à massa
falida. Por outro lado, sendo essa aquisição realizada pelo mandatário com
recursos adiantados pelo mandante para tal finalidade, este terá direito à
restituição do respectivo bem.
Na hipótese, porém, de falência do mandatário antes do cumprimento do
contrato, o mandante terá direito à restituição do numerário entregue, desde
que este se encontre identificado e destacado do patrimônio do mandatário
falido; caso contrário, não será possível a restituição e o mandante será credor,
devendo habilitar o seu crédito como quirografário.296
295
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II. 296
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II.
92
Também é possível que o objeto do mandato recaia sobre quantia em
dinheiro (como, por exemplo, a cobrança de uma dívida), caso em que,
igualmente, somente será possível a restituição da quantia que estiver
individualizada e destacada do patrimônio do mandatário falido. Não sendo
possível identificar o numerário, por já ter se confundido com os bens do falido,
não poderá o mandante pedir a sua restituição, devendo habilitar seu crédito na
falência do mandatário na respectiva classe. Nesse sentido, ensina Valverde,
O direito à restituição de coisa entregue ao mandatário, abstraindo-se mesmo da relação de domínio, para só se agitar a questão dentro das regras que normalizam o contrato de mandato, acha-se prêso à existência de coisa certa, em espécie, entregue pelo mandante ao mandatário e ainda permanecendo, como tal, no patrimônio do último. Se o dinheiro não foi individuado, não é possível identificá-lo no patrimônio do falido, pois se operou a confusão. O mandante terá, assim, direito de crédito contra o mandatário, correspondente à importância do dinheiro por êste recebido e aos juros devidos, porquanto é materialmente impossível a restituição do próprio dinheiro e inconcebível a restituição do valor do dinheiro. E será um crédito quirografário.
297
Esse é o entendimento sumulado do STF, manifestado no enunciado nº
417. Verbis: ―Pode ser objeto de restituição, na falência, dinheiro em poder do
falido, recebido em nome de outrem, ou do qual, por lei ou contrato, não tivesse
ele a disponibilidade‖.298
Referido enunciado de Súmula também pode fundamentar a ação
restituitória no que tange aos contratos de mandato mercantil, comissão
mercantil, depósito, estimatório e na ação restituitória para haver o valor das
contribuições previdenciárias descontadas da remuneração dos empregados e
não recolhidas à União (Lei nº. 8.212/1991).
A comissão mercantil, por sua vez, é o contrato por meio do qual o
comissário (que deve necessariamente ser empresário), em seu próprio nome,
realiza a aquisição e venda de bens à conta do comitente (que pode ou não ser
empresário), sem mencionar ou declarar o nome deste. Dessa forma, o
comissário ficará diretamente obrigado para com as pessoas com quem
297
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II, p. 60-61. 298
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Enunciado de Súmula nº 417. Diário de Justiça, Brasília, 06, 07 e 08 julho 1964. Disponível em: <http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stf/stf_0417.htm>. Acessado em 28 mar. 2012.
93
contratar, as quais não terão direito de ação contra o comitente, nem este
contra elas, salvo se aquele ceder seu direito a qualquer das partes.
Os artigos do Código Comercial de 1850 que tratavam desse negócio
jurídico foram revogados pelo CC/2002, que passou a discipliná-los nos art.
693 a 709.
O comissário, ao receber a mercadoria para venda, ficará como
depositário da coisa até que o negócio se concretize ou até que a ordem de
venda seja revogada pelo comitente. Se o comissário falir com os bens em seu
poder, o contrato de comissão se extingue e o comitente terá direito à
restituição dos mesmos.
Segundo Carvalho de Mendonça299, o dinheiro recebido pelo comissário
também pode ser restituído quando da falência deste, salvo se creditado em
conta-corrente por autorização ou ordem do comitente; hipótese em que este
será credor daquele e deverá habilitar o seu crédito como quirografário. Por
outro lado, se o comissário receber a mercadoria do comitente com a
determinação de não a vender sem ordem expressa e aquele a vende sem
autorização deste, o comitente terá direito à restituição do preço recebido na
falência do comissário. Nestes termos, Carvalho de Mendonça escreve:
A reivindicação do committente não se limite, porém, ás mercadorias, no todo ou em parte, encontradas ainda não vendidas em poder do commissario, por ocasião da fallencia deste. O preço recebido pelo commissario antes da sua fallencia substitue a mercadoria (pretium succedit loco rei), salvo se é creditado em conta-corrente, por auctorização ou ordem do dono (committente), caso em que este passa a ser credor chirographario. Se o commissario, recebendo a mercadoria com determinação expressa do committente de não vendel-a sem ordem ou aviso prévio, transgride essa instrucção, e a vende, o committente póde reivindicar o preço na fallencia daquelle.
300
Por fim, ainda segundo Carvalho de Mendonça301, na hipótese de
comissão de compra, o comissário, ao receber o valor para adquirir a
mercadoria, será considerado comprador em relação ao terceiro vendedor e
mandatário para com o comitente, não adquirindo a propriedade dos bens
299
MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro. 1934. Vol. VIII. 300
MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro. 1934. Vol. VIII, p. 293-294. 301
MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Commercial Brasileiro. 1934. Vol. VIII, p. 293-294.
94
comprados. Dessa forma, falindo o comissário antes da expedição das
mercadorias ao comitente, este, na qualidade de proprietário em virtude do
contrato de comissão, poderá ajuizar a ação restituitória para imitir-se na posse
das mesmas.
Dessa forma, percebem-se dois contratos eminentemente mercantis nos
quais, apesar de a Lei nº. 11.101/2005 nada mencionar a respeito, a ação
restituitória tem cabimento em virtude da própria natureza da avença
celebrada.
3.7.3 Da administração de coisa alheia
Segundo Simionato302, igualmente é cabível o pedido de restituição
quando o falido atuar na administração de coisa alheia. Isso porque, nesse tipo
de contrato, o devedor terá a posse e administração de bens de terceira
pessoa e deverá atuar como se proprietário fosse, tendo deveres para com
aquele que lhe confiou o bem em administração, dentre os quais se incluem a
diligência, a lealdade e a prestação de contas.
Em caso de falência do administrador, a restituição se impõe em favor
daquele que lhe entregou os bens, já que o proprietário é o terceiro e não o
falido.
3.7.4 Do contrato de depósito
O depósito voluntário (previsto nos art. 627 a 646 do CC/2002) é um
contrato por meio do qual alguém (depositante) entrega um bem móvel
infungível a outra pessoa (depositário) para que o guarde por determinado
período.
Determina o art. 631 do CC/2002 que, ―Salvo disposição em contrário, a
restituição da coisa deve dar-se no lugar em que tiver de ser guardada. As
302
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008.
95
despesas de restituição correm por conta do depositante‖.303 Contudo, este
dispositivo legal não trata da ação restituitória na falência.
Enquanto para o Direito Civil, a palavra ―restituição‖ tem o sentido de
devolução, para o Direito Empresarial, significa o direito que o terceiro tem de
reaver a posse sobre o bem de sua propriedade ou devido em virtude de
contrato, indevidamente arrecadado na falência de outrem, o qual se
materializa por meio de ação judicial própria.
Simionato304 entende que, no contrato de depósito, o direito de
restituição previsto na Lei nº. 11.101/2005 acompanha a coisa onde quer que
se encontre; mesmo em caso de cessão do contrato a terceiro pelo depositário
(falido).
Característica inerente ao contrato de depósito é o direito de retenção
em favor do depositário, que consiste na faculdade atribuída a este de manter-
se na posse da coisa até que o depositante lhe restitua as despesas com sua
guarda e conservação ou outra retribuição devida (caso o contrato seja
oneroso). Nesse caso, não será possível a compensação de dívidas, devendo
o depositante pagar à massa falida o que for devido para poder exercer seu
direito à restituição.
Há que se ressaltar, contudo, que essas regras apenas aplicam-se no
depósito de coisa infungível, ou seja, aquela específica, que não se consome
com o simples uso ou guarda e não pode ser substituída por outra de mesma
espécie e qualidade.
Miranda Valverde305 entende que o bem fungível somente pode ser
objeto do pedido de restituição se permanecer identificável no patrimônio do
devedor, não tendo a ele se misturado. Nestes termos,
As coisas fungíveis, não tendo individualidade própria (espécie) não podem, em regra, ser reivindicadas. Mas, desde que se não tenham confundido com coisas do mesmo gênero e sejam identificáveis, já podem ser objeto de pedido de restituição. O próprio dinheiro corrente, se passa de gênero à espécie, e é, assim, identificável, pode, como é sabido, ser objeto de reivindicação [...].
306
303
BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 134-215. 304
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 305
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II. 306
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II, p. 50.
96
No mesmo sentido, é o entendimento de Pacheco307 e Pontes de
Miranda308. Nas palavras desse último doutrinador, citando o autor italiano
Navarrini,
Desde que o direito de propriedade não se transferiu, ou o direito real limitado não se transferiu, ou não se constituiu a favor do falido, como, de regra, em se tratando de species, e não de genus, há reivindicabilidade, ou vindicabilidade. Se houve transferência ou constituição a favor do falido, o que se tem é o direito à prestação do tantundem e em rateio, (cf. U. NAVARRINI, Trattato di Diritto fallimentare, II, 66).
309
Para esses autores, recaindo este contrato sobre coisa fungível, como
ocorre com o contrato de depósito bancário em conta corrente, o depositário
terá a disponibilidade da coisa, havendo a transferência da propriedade desta
tal como ocorre no contrato de mútuo, não sendo possível, dessa forma, o
ajuizamento da ação restituitória. Trata-se, segundo eles, de depósito irregular,
como já decidiu o STJ, em mais de uma oportunidade, na hipótese de
liquidação ou falência de instituição financeira.
AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO. FALÊNCIA. DEPÓSITO BANCÁRIO. RESTITUIÇÃO. I - A impugnação da parte é viabilizada pelas razões de decidir da decisão agravada, não havendo qualquer prejuízo na ausência de publicação do leading case adotado. Precedentes do egrégio Supremo Tribunal Federal. II - Não há falar, in casu, em ausência de interesse recursal do Banco Central do Brasil, pois o agravante não logrou demonstrar a definitividade da sentença que julgou a ação revocatória noticiada, sendo impossível verificar seus efeitos. III - Ao Superior Tribunal de Justiça compete, exclusivamente, unificar o direito infraconstitucional, não havendo lugar para se discutir, com carga decisória, preceitos constitucionais. IV - O contrato de depósito bancário não é depósito comum, pois nele a instituição financeira detém a disponibilidade do dinheiro depositado, ficando afastada, a incidência do artigo 76 da Lei de Falências. Precedente. Agravo improvido. (STJ; AgRg no REsp 586.522/MG; Rel. Min. Castro Filho; T3 – Terceira Turma; julgado em 19.10.2006; DJ 13.11.2006)
310
307
PACHECO, José da Silva. Processo de Falência e Concordata: comentários à Lei de Falências. 1998. 308
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi. 1960. Tomo XXIX. 309
NAVARRINI apud MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi. 1960. Tomo XXIX, p. 81. 310
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Agravo Regimental no Recurso Especial n. 586.522/MG; Relator: Min. Castro Filho. T3 - TERCEIRA TURMA. Diário de Justiça, Brasília, 13 nov. 2006. Disponível em:
97
Instituição bancária. Falência. Restituição do depósito. Art. 76 da Lei de Falências. 1. No contrato de depósito bancário o depositante não tem a cobertura do art. 76 da Lei de Falências. 2. Recurso especial conhecido e provido. (STJ; REsp 501.401/MG; Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito; Segunda Seção; julgado em 14.04.2004; DJ 03.11.2004)
311
Em sentido contrário, Corrêa-Lima e Lima 312 admitem a possibilidade do
pedido de restituição sobre os valores depositados em conta corrente bancária,
à vista, a prazo ou em poupança.
Defendem esses autores313 que, em virtude do enunciado nº. 417 da
Súmula do STF, é pacífico o entendimento jurisprudencial a respeito da
possibilidade de a restituição recair sobre dinheiro de terceiro em poder do
falido e arrecadado pela massa. Em se tratando de instituição financeira, esse
dinheiro é proveniente de contrato de depósito.
Corrêa-Lima e Lima314 ensinam que, enquanto a instituição financeira
depositária é solvente, terá ela a disponibilidade sobre os valores depositados
pelos correntistas juntamente com estes, pois coexistem ―as disponibilidades
do depositante e do Banco‖315. Contudo, a do depositante tem prioridade sobre
a do banco, mas não a exclui.
Com a falência da instituição financeira, ―não mais coexistem as
disponibilidade do depositante e do Banco [...], porque este perdeu o direito de
dispor de seus bens‖, persistindo ―apenas a disponibilidade do depositante‖.316
Nesse caso, para Corrêa-Lima e Lima, ―a disponibilidade da Massa Falida do
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=restitui%E7%E3o+na+falencia&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=32>. Acessado em 16 mar. 2012. 311
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº. 501.401/MG. Relator: Min. Carlos Alberto Menezes Direito. Segunda Seção Diário de Justiça, Brasília, 03 nov. 2004. 312
CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. In: Revista dos Tribunais – Edições Especiais: Doutrinas Essenciais, Direito Empresarial. Arnoldo Wald (org.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2011. Vol. VI: Recuperação Empresarial e Falência, p. 1.229-1.244. 313
CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI. 314
CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI. 315
CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI, p. 1.234. 316
CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI, p. 1.234.
98
Banco [...] se acha exposta à disponibilidade do depositante‖317 e ―a
disponibilidade do depositante limita o poder de dispor que tem a Massa Falida
do Banco...‖.318
Ocorre, porém, que, decretada a falência da instituição financeira,
persiste, para ela, ―a obrigação de restituir o dinheiro transferido [...] pelo
depositante‖319. E, de acordo com o art. 76, caput, do Decreto-lei nº.
7.661/1945 (art. 85 e 86 da Lei 11.101/2005), a via processual adequada para
o depositante obter a restituição do numerário entregue ao banco é a ação
restituitória.320
Corrêa-Lima e Lima321, citando diversas decisões do STJ e de outros
tribunais, ensinam que há precedência absoluta na implementação das
restituições (sejam elas em dinheiro ou in natura) sobre o pagamento de
quaisquer outros créditos, por mais privilegiados que sejam (inclusive sobre o
crédito trabalhista).
Por fim, esses autores322 concluem afirmando que o correntista deposita
dinheiro no banco em seu próprio nome. Com a falência da instituição
financeira, esse dinheiro é arrecadado pela massa falida (representada,
atualmente, pelo administrador judicial), fazendo com que o correntista perca a
disponibilidade sobre o numerário depositado, não podendo mais sacá-lo
quando lhe aprouver. Para tanto, precisará de autorização judicial proveniente
de decisão em ação restituitória.
Dessa forma, segundo Corrêa-Lima e Lima, o enunciado nº. 417 da
Súmula do STF está em ―perfeita sintonia com dispositivo legal específico da
Lei de Falências para a hipótese de bens fungíveis‖323, podendo ser ―objeto de
317
CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI, p. 1.234. 318
CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI, p. 1.234. 319
CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI, p. 1.236. 320
CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI, p. 1.236. 321
CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI, p. 1.238. 322
CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI, p. 1.242-1.243. 323
CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI, p. 1.243.
99
restituição, na falência do Banco [...], dinheiro arrecadado em poder‖324 deste,
recebido ―em nome do correntista-depositante‖325 ou ―do qual (do dinheiro), ele,
o correntista-depositante não tem disponibilidade, por lei (in casu, a Lei de
Falências, que determina a arrecadação) de todos os bens encontrados em
poder do falido.‖326
3.7.5 Do contrato estimatório
O contrato estimatório, previsto nos art. 534 a 537 do CC/2002, é
também conhecido como venda em consignação; por meio dele, o ―o
consignante entrega bens móveis ao consignatário, que fica autorizado a
vendê-los, pagando àquele o preço ajustado, salvo se preferir, no prazo
estabelecido, restituir-lhe a coisa consignada‖.327
Não sendo possível a restituição da coisa em sua integralidade, mesmo
sem culpa do consignatário, este não se exime do pagamento do preço
ajustado.
Segundo Simionato328, este contrato diferencia-se do depósito
voluntário, pois este, em regra, é gratuito, ao passo que o contrato estimatório
é oneroso e as partes já estipulam antecipadamente um preço mínimo para a
venda da coisa consignada.
O art. 536 do CC/2002 reafirma o direito de propriedade do consignante
ao prescrever que a coisa consignada não poderá ser objeto de penhora ou
sequestro pelos credores do consignatário enquanto não for integralmente
efetuado o pagamento acordado.
Como decorrência lógica dessa disposição legal, Simionato329 entende
que o objeto consignado também não poderá ser arrecadado pela massa
324
CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI, p. 1.243. 325
CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI, p. 1.243. 326
CORRÊA-LIMA, Osmar Brina; LIMA, Sérgio Mourão Corrêa. Direito de Restituição de Dinheiro em Falência de Instituição Financeira. 2011, vol. VI, p. 1.243. 327
BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 134-215. 328
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 329
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008.
100
falida, na falência do consignatário, legitimando-se, dessa forma, ao
consignante a propositura da ação restituitória para reaver a posse sobre o
mesmo. Nesse caso, o consignante somente poderá dispor do bem após a sua
efetiva restituição ou após a comunicação da decisão que julgou a demanda
procedente.
Não mais existindo a coisa consignada quando da decretação da
falência (seja por já ter sido alienada e o valor indevidamente contabilizado
pelo consignatário, seja por ter perecido, ainda que sem culpa deste) a
restituição far-se-á em dinheiro.
Elucidativo o acórdão do STJ a seguir citado.
DIREITO COMERCIAL. FALÊNCIA. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO. ALIENAÇÃO DE MERCADORIAS RECEBIDAS EM CONSIGNAÇÃO ANTES DA QUEBRA. CONTABILIZAÇÃO INDEVIDA PELA FALIDA DO VALOR EQUIVALENTE ÀS MERCADORIAS. DEVER DA MASSA RESTITUIR (sic) OU AS MERCADORIAS OU O EQUIVALENTE EM DINHEIRO. SÚMULA 417 DO STF. - O que caracteriza o contrato de venda em consignação, também denominado pela doutrina e pelo atual Código Civil (arts. 534 a 537) de contrato estimatório, é que (i) a propriedade da coisa entregue para venda não é transferida ao consignatário e que, após recebida coisa, o consignatário assume uma obrigação alternativa de restituir a coisa ou pagar o preço dela ao consignante. - Os riscos são do consignatário, que suporta a perda ou deterioração da coisa, não se exonerando da obrigação de pagar o preço, ainda que a restituição se impossibilite sem culpa sua. - Se o consignatário vendeu as mercadorias entregues antes da decretação da sua falência e recebeu o dinheiro da venda, inclusive contabilizando-o indevidamente, deve devolver o valor devidamente corrigido ao consignante. Incidência da Súmula n.° 417 do STF. - A arrecadação da coisa não é fator de obstaculização do pedido de restituição em dinheiro quando a alienação da mercadoria é feita pelo comerciante anteriormente à decretação da sua quebra. Recurso especial ao qual se nega provimento. (STJ; REsp 710.658/RJ; Rel.(a) Min.(a) Nancy Andrighi; Terceira Turma; julgado em 06.09.2005; DJ 26.09.2005)
330
Na mencionada decisão, o STJ entendeu pela incidência do enunciado
nº 417 da Súmula331 do STF que, embora possa ser aplicada com mais
330
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial n. 710.658/RJ. Relatora: Min.(a) Nancy Andrighi. T3 – Terceira Turma. Diário de Justiça, Brasília, 26 set. 2005. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=restitui%E7%E3o+de+coisa+na+falencia&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=4>. Acessado em 16 mar. 2012. 331
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Enunciado de Súmula nº 417. Diário de Justiça, Brasília, 06, 07 e 08 julho 1964. Disponível em: <http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stf/stf_0417.htm >. Acessado em 28 mar. 2012.
101
adequação ao contrato de depósito, também incide na hipótese de
contabilização indevida, pelo consignatário, dos valores recebidos pela venda
da coisa consignada.
3.7.6 Do contrato sobre adiantamento de câmbio
O contrato sobre adiantamento de câmbio é aquele realizado entre o
empresário exportador ou produtor rural com negócios no exterior e a
instituição financeira autorizada pelo BACEN a atuar nesse mercado, que
consiste numa antecipação de recursos em moeda nacional a fim de financiar a
fase de produção visando a uma futura exportação.
O art. 75 da Lei nº. 4.728/1965 o prevê, mas não o regulamenta. Tarefa
que fica a cargo do Conselho Monetário Nacional e do BACEN, nos termos do
art. 2º, IV, da mesma lei.
O BACEN, na Resolução nº. nº. 3.568, de 9 de maio de 2008332, e na
Circular nº. nº. 3.280, de 9 de março de 2005333, regulamenta as operações de
câmbio do mercado de capitais, fixando prazos de duração para esses
contratos conforme a modalidade pactuada.
É a própria Lei nº. 4.728/1965, no seu art. 75, §3º, que autoriza o credor
do contrato sobre adiantamento de câmbio a pedir a restituição das quantias
adiantadas ao devedor, no caso de falência ou concordata deste.
Segundo orientação consolidada do STJ, inclusive objeto de enunciado
de Súmula (nº. 307334), essa possibilidade decorre do fato de que os valores
adiantados ao falido não integram o seu patrimônio, mas o do credor, e por
332
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução nº 3.568, de 9 de maio de 2008. Dispõe sobre o mercado de câmbio e dá outras providências. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/2008/pdf/res_3568_v7_P.pdf>. Acessado em 03 abr. 2005. 333
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Circular nº 3.280, de 9 de março de 2005. Divulga o Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais, contemplando as operações em moeda nacional ou estrangeira realizada entre pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no País e pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior e dá outras providências. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/circ/2005/pdf/circ_3280_v1_P.pdf>. Acessado em 03 abr. 2005. 334
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Enunciado de Súmula nº 307. Diário de Justiça, Brasília, 15 dez 2004. Disponível em: <http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stj/stj__0307.htm>. Acessado em 28 mar. 2012.
102
isso, deverá ser atendido antes do pagamento de qualquer crédito, inclusive
trabalhista.
Contudo, o art. 86, parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005 prescreve
que essa restituição somente será feita após o cumprimento do disposto no art.
151 da mesma lei, ou seja, depois do pagamento dos créditos trabalhistas de
natureza estritamente salarial, vencidos nos três meses anteriores à
decretação da falência, e até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador.
Portanto, percebe-se que, diante do novo sistema falimentar brasileiro, o
enunciado nº 307 da Súmula do STJ ficou parcialmente prejudicado, já que os
credores trabalhistas têm, nos limites determinados pelo mencionado art. 151,
preferência sobre os titulares do direito à restituição em dinheiro das quantias
adiantadas em virtude de contrato de câmbio. Não há inconstitucionalidade
nisso porque essa espécie de restituição decorre de disposição legal, não
tendo fundamento no direito fundamental de propriedade.
Ressalte-se, ainda, que, no valor a ser restituído ao credor inclui-se a
correção monetária, conforme autoriza o enunciado nº 36 da Súmula do STJ.
Verbis: ―A correção monetária integra o valor da restituição, em caso de
adiantamento de câmbio, requerida em concordata ou falência‖.335
Ainda de acordo com o entendimento do STJ, sedimentado no
enunciado nº 133 de sua Súmula336, a restituição da quantia adiantada em
contrato de câmbio independe de ter sido a antecipação realizada nos quinze
dias anteriores à decretação da falência ou ao requerimento de concordata.
Nesses termos,
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA EXTINTIVA. JULGAMENTO DA APELAÇÃO. EXAME DO MÉRITO DA DEMANDA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INOCORRÊNCIA. TEORIA DA CAUSA MADURA. CONCORDATA. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO. ADIANTAMENTO DE CONTRATO DE CÂMBIO. CONTRATO DE MÚTUO. DIFERENCIAÇÃO. SÚMULAS 05 E 07/STJ.
335
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Enunciado de Súmula nº 36. Diário de Justiça, Brasília, 17 dez 1991. Disponível em: <http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stj/stj__0036.htm>. Acessado em 28 mar. 2012. 336
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Enunciado de Súmula nº 133. Diário de Justiça, Brasília, 26 abr. 1995. Disponível em: <http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stj/stj__0133.htm>. Acessado em 28 mar. 2012.
103
1. Nos termos dos arts. 544, § 3º, e 557 do CPC, 34, VII e XVIII, e 254, I, do RISTJ e 38 da Lei 8.038/90, é permitido ao Ministro Relator, nos autos de agravo de instrumento interposto com fundamento do artigo 544 do Código de Processo Civil, apreciar monocraticamente o mérito do recurso especial. 2. O Tribunal ad quem está autorizado a adentrar no mérito da causa, ainda que o processo, na instância de origem, tenha sido extinto sem julgamento do mérito, se se cuidar de demanda envolvendo questão exclusivamente de direito ou estiver em condições de imediato julgamento. Aplicação da Teoria da Causa Madura (art. 515, § 3º, do CPC). 3. Consoante jurisprudência consolidada nesta Corte Superior, é cabível o pedido de restituição baseado no adiantamento de contrato de câmbio, pois os valores dele decorrentes não integram o patrimônio da massa falida ou da empresa concordatária (art. 75, § 3º, da Lei nº. 4.728/1965 - Lei do Mercado de Capitais). 4. A teor da Súmula 133 do STJ, "a restituição da importância adiantada, a conta de contrato de câmbio, independe de ter sido a antecipação efetuada nos quinze dias anteriores à decretação da concordata" ou da falência, não incidindo, portanto, a condição temporal prevista no art. 76, § 2º, da antiga Lei de Falências. 5. "A restituição de adiantamento de contrato de câmbio, na falência [ou concordata], deve ser atendida antes de qualquer crédito" (Súmula 307 do STJ), ainda que seja o mesmo de natureza trabalhista. 6. O Tribunal de origem, com base nos fatos e provas da causa, entendeu que o contrato celebrado era de câmbio à exportação, e não de mútuo (financiamento), de forma que chegar a conclusão diversa encontra óbice nas Súmulas 05 e 07 do STJ. 7. "A natureza jurídica de compra e venda do contrato de câmbio com adiantamento do preço impõe a sua conclusão com o consenso e a assinatura dos contratantes, a partir de quando se considera perfeito e acabado, sendo irrelevante a não-realização da exportação a ele vinculada" (REsp 30.516/MG, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ 10.06.1996). 8. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ; AgRg no Ag 510.416/RJ; Rel. Min. Vasco Della Giustina – desembargador convocado do TJ/RS –; Terceira Turma; julgado em 04.02.2010; DJ 23.02.2010)
337
Em que pese esses enunciados terem sido editados sob a vigência do
Decreto-lei nº. 7.661/1945, eles continuam sendo aplicados por serem
compatíveis com a lei de falências vigente.
A possibilidade da restituição das quantias recebidas pelo credor em
contrato sobre adiantamento de câmbio que, na vigência do Decreto-lei nº.
7.661/1945, estava prevista apenas no art. 75, §3º, da Lei nº. 4.728/1965, foi
expressamente tratada no art. 86, II, da Lei nº. 11.101/2005, que traz a
seguinte redação:
337
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Agravo Regimental no Recurso Especial n. 586.522/MG; Relator: Min. Castro Filho. T3 - TERCEIRA TURMA. Diário de Justiça, Brasília, 13 nov. 2006. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=restitui%E7%E3o+na+falencia&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=32>. Acessado em 16 mar. 2012.
104
Art. 86. Proceder-se-á à restituição em dinheiro: II – da importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, na forma do art. 75, §§ 3o e 4o, da Lei no 4.728, de 14 de julho de 1965, desde que o prazo total da operação, inclusive eventuais prorrogações, não exceda o previsto nas normas específicas da autoridade competente; [...]
338
Além das considerações já realizadas que se mantêm aplicáveis sobre a
exegese da lei vigente, Simionato339 faz uma observação relativa à parte final
do dispositivo mencionado (―desde que o prazo total da operação, inclusive
eventuais prorrogações, não exceda o previsto nas normas específicas da
autoridade competente‖340).
Segundo esse autor341, como o contrato sobre adiantamento de câmbio
caracteriza-se por ter prazo certo e determinado fixado por ato normativo do
BACEN, a ação restituitória somente poderá ser proposta pelo credor para
reaver os valores ainda não pagos, se o contrato estiver dentro do prazo
máximo estabelecido pelas autoridades competentes, incluídas eventuais
prorrogações. Ultrapassado esse limite, não mais será cabível o pedido de
restituição, pois o contrato de câmbio se degenera em mútuo oneroso, devendo
o credor habilitar o seu crédito na classe dos créditos quirografários.342
3.7.7 Do contrato de alienação fiduciária em garantia e da venda com reserva
de domínio
Primeiramente, cabe ressaltar que se tratam de contratos distintos,
porém, que serão tratados no mesmo item por trazerem o mesmo fundamento
a autorizar o pedido de restituição.
338
BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318. 339
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 340
BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318. 341
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 342
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008.
105
Nos termos do art. 1.361 do CC/2002, considera-se fiduciária a
propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor (fiduciário)
transfere ao credor (fiduciante), com o objetivo de garantir o pagamento de
uma dívida. Por ela, dá-se o desdobramento da posse e, enquanto o devedor
fiduciário terá a posse direta do bem, o credor fiduciante se manterá na
propriedade e na posse indireta do mesmo.
A palavra ―fiduciária‖ vem de fidúcia, que significa confiança. Assim, o
credor é fiduciante porque acredita que o devedor pagará a dívida assumida e,
por isso, tem a obrigação de transferir-lhe a propriedade do bem após dar-lhe
quitação integral do débito.
O devedor, por sua vez, é fiduciário, pois, sobre ele, recai a confiança de
cumprimento integral da parte da obrigação que lhe caiba, mantendo-se
depositário do bem até o integral pagamento do preço ajustado. E na condição
de depositário, não poderá dispor do bem objeto da garantia sem anuência do
credor fiduciante, assumindo todos os riscos pela sua perda ou deterioração.
Segundo Venosa343, entende-se por propriedade resolúvel aquela que
está sujeita à condição ou termo que, uma vez implementada, extingue-se em
relação ao seu titular, desaparecendo também todos os direitos reais sobre ela
concedidos durante sua pendência.
No caso da propriedade fiduciária, com o advento da condição
(pagamento do débito ajustado), a propriedade se resolve para o credor,
consolidando-se nas mãos do devedor. Este, por sua vez, adquire-a com
efeitos retroativos desde a data da transferência da propriedade fiduciária ao
credor.
Por estar inserida entre os direitos reais como espécie de propriedade,
ela se constitui com o registro do título que lhe deu origem no Cartório de
Títulos e Documento ou na repartição competente para o licenciamento, com
anotação no certificado de registro, em se tratando de veículos.
O título que dá origem ao direito é o contrato de alienação fiduciária (art.
1.362 do CC/202), que pode ser realizado por instrumento público ou particular.
Por meio desse contrato, o credor (fiduciante) se compromete a
emprestar determinada soma em dinheiro ao devedor (fiduciário) para que este
343
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em Espécie. 7ª ed. São Paulo: Atlas. 2007. Vol. III.
106
adquira determinado bem móvel ou imóvel. O fiduciário, por sua vez,
compromete-se a transferir a propriedade resolúvel da coisa ao credor que,
nesta condição permanecerá até o integral pagamento da dívida. Com isso
ocorre o desdobramento da posse, na qual a posse direta se manterá com o
devedor e a indireta será do credor.
Dessa forma, a propriedade fiduciária se distingue do contrato de
alienação fiduciária em garantia, pois este tem natureza obrigacional, sendo o
título necessário para a aquisição daquela, de natureza real. Por esse motivo, o
direito à restituição decorrente da alienação fiduciária em garantia tem origem
em contrato.
O STJ admite que o credor faça uso da prerrogativa que lhe confere os
art. 85 e 86 da Lei nº. 11.101/2005 ou que habilite o seu crédito como privilégio
especial, na classe dos credores concursais. Verbis,
COMERCIAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE MÚTUO GARANTIDO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. FALÊNCIA DO DEVEDOR. PRETENSÃO DE HABILITAR O CRÉDITO COMO PRIVILEGIADO. POSSIBILIDADE. 1. Em caso de falência do devedor, o crédito decorrente de contrato garantido por alienação fiduciária deve ser habilitado como privilegiado. Não se exclui, ainda e por óbvio, a possibilidade de o credor requerer a restituição do bem (Art. 7º do Decreto-lei nº. 911/69). 2. A circunstância de o credor - proprietário fiduciário – haver exercido ação executiva não desconstitui o direito real resultante da alienação fiduciária. (STJ; REsp 791.194/RS; Rel. Min. Humberto Gomes de Barros; Terceira Turma, julgado em 14.12.2006; DJ 05.02.2007)
344
Segundo Negrão345, esse entendimento se aplica a todos os tipos de
alienações fiduciárias em garantia previstas no ordenamento jurídico brasileiro,
as quais estão previstas nos seguintes dispositivos legais: no art. 66-B da Lei
nº. 4.728/1965, para aquela praticada pelo mercado financeiro e de capitais,
abrangendo bem móvel, fungível ou infungível, e título de crédito; no art. 7º do
Decreto-lei nº. 911/1969, para bens móveis; no art. 151, §2º, da Lei nº.
344
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial n. 791.194/RS. Relator: Min. Humberto Gomes de Barros. T3 – Terceira Turma. Diário de Justiça, Brasília, 05 fev. 2007. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=669879&sReg=200501792380&sData=20070205&formato=PDF>. Acessado em 16 mar. 2012. 345
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3.
107
7.565/1986, para aeronaves; e no art. 20 da Lei nº. 9.514/1997, para bens
imóveis.
Em situação diversa, sendo decretada a falência do credor, o devedor
deverá pagar o débito à massa falida no prazo ajustado no contrato (uma vez
que não haverá vencimento antecipado dessa obrigação), resolvendo-se a
propriedade em seu favor com o adimplemento da obrigação.
A venda com reserva de domínio (art. 521 a 528 do CC/2002) é uma
cláusula especial ao contrato de compra e venda de bens móveis, por meio da
qual o vendedor estipula expressamente que se manterá na propriedade da
coisa alienada até que o preço seja integralmente pago.
Diferentemente da alienação fiduciária em garantia, em regra, o
comprador não será depositário do bem vendido, mas apenas comodatário,
salvo expressa disposição em contrário.
Dessa forma, em caso de falência do comprador, poderá o vendedor
propor a ação restituitória para reaver o bem que se encontra no patrimônio do
falido, pois, até o adimplemento da obrigação, será seu proprietário.
Enquanto as hipóteses de restituição nos contratos de alienação
fiduciária em garantia estão previstas em diversos diplomas legislativos, no
caso do contrato de compra e venda com reserva de domínio, a própria Lei nº.
11.101/2005 traz essa previsão no seu art. 119, IV.
Em que pese a ação restituitória fundar-se, nesse caso, no direito real de
propriedade, tem ela origem em contrato, uma vez que o vendedor somente
terá garantido esse direito se houver expressa disposição no contrato de
compra e venda, com posterior registro no Cartório de Títulos e Documentos do
domicílio do comprador. Se a avença contiver essa cláusula, mas não estiver
registrada, o pacto será válido apenas para as partes, sendo inoponível a
terceiros; e não se pode esquecer que a massa falida é terceira nessa relação
obrigacional.
3.7.8 Do patrimônio de afetação (Lei nº. 10.931/2004)
108
Outra hipótese na qual a Lei nº. 11.101/2005 trata da restituição na
falência fora dos art. 85 e 86 é a do patrimônio de afetação de que trata o art.
119, IX.
O patrimônio de afetação tem cabimento no contexto do contrato de
incorporação imobiliária e está previsto nos art. 31-A a 31-F da Lei nº.
4.591/1964 (Lei de Incorporação Imobiliária), inseridos pela Lei nº.
10.931/2004.
Segundo o art. 28, parágrafo único, da Lei nº. 4.591/1964, ―considera-se
incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e
realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou
conjunto de edificações compostas de unidades autônomas‖.346
Caracteriza-se, portanto, a incorporação imobiliária quando uma pessoa
física ou jurídica realiza empreendimento visando à edificação (de forma direta,
por empreitada ou por administração) de unidades autônomas de diversas
naturezas, visando à futura venda.
O contrato de incorporação imobiliária, por sua vez, surge quando o
responsável pela construção celebra negócio jurídico com terceiro interessado
na aquisição de fração ideal do imóvel ligado à futura unidade autônoma.
Frequentemente o incorporador realizava contratos de mútuo ou
financiamento bancário oferecendo o terreno a ser edificação e outros bens
destinados à construção a fim de garantir o adimplemento da obrigação.
Com a falência do devedor, o credor excutia a garantia e, aos
adquirentes das unidades autônomas, cabia apenas habilitar os valores já
pagos ao incorporador, como credores quirografários.
Isso gerava graves problemas sociais, especialmente levando-se em
conta que a parte mais débil da relação (geralmente consumidores em busca
de residência própria) era a mais prejudicada, pois os mutuantes (normalmente
instituições financeiras) dificilmente não receberiam o valor do seu crédito, já
que eram os primeiros a ser pagos devido à titularidade de direito real de
garantia.
346
BRASIL. Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964. Dispõe sôbre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias. Diário de Justiça, 21 dez. 1964. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4591.htm>. Acessado em 28 mar. 2012.
109
Diante disso, a Lei nº. 10.931/2004 inseriu os art. 31-A a 31-F à Lei nº.
4.591/1964, criando o patrimônio de afetação e disciplinando essa situação em
caso de falência do incorporador.
Patrimônio de afetação é a separação patrimonial realizada pelo
incorporador que, mediante averbação no Cartório de Registro de Imóveis,
afetará o terreno, as acessões objeto de incorporação imobiliária e os demais
bens e direitos a ela vinculados, ao fim específico de possibilitar a edificação da
incorporação correspondente e entrega das unidades imobiliárias aos seus
adquirente.
Com isso, o incorporador terá dois patrimônios distintos, sendo um deles
destinado à implementação do empreendimento e cumprimento dos contratos
de incorporação imobiliária, o qual se manterá separados dos demais bens até
a adimplência da obrigação contraída com a instituição financeira e entrega das
unidades autônomas.
Para tanto, determina o art. 31-A, §§3º e 6º, da Lei nº. 4.591/1964, que
os bens e direito que integram o patrimônio de afetação somente poderão ser
objeto de garantia real em operação de crédito destinada à consecução da
edificação e entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes,
sendo, ainda, os recursos financeiros que o integram utilizados exclusivamente
para o pagamento e reembolso das despesas com a incorporação.
A fim de tutelar mais efetivamente o direito dos adquirentes das
unidades autônomas, o art. 31-F, caput, da Lei nº. 4.591/1964, determina que o
patrimônio de afetação não se sujeita aos efeitos da falência e não integrará a
massa falida objetiva (―massa concursal‖347). O objetivo disso é conferir certa
segurança aos adquirentes das unidades autônomas que passam a ter maior
garantia no recebimento dos respectivos imóveis em caso de falência do
incorporador.
No entanto, a Lei nº. 10.931/2004 nada tratou sobre a ação restituitória
em caso de falência do incorporador.
Aproximadamente um ano depois, a Lei nº. 11.101/2005, no art. 119, IX,
estabeleceu que o patrimônio de afetação a que se refere a Lei nº 4.591/1964
347
BRASIL. Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964. Dispõe sôbre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias. Diário de Justiça, 21 dez. 1964. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4591.htm>. Acessado em 28 mar. 2012.
110
permanecerá separado dos demais bens, direitos e obrigações do falido até
advento do termo de sua vigência ou cumprimento de sua finalidade; momento
em que caberá ao administrador judicial arrecadar o saldo em favor da massa
falida ou inscrever, na classe própria, o crédito que contra ela remanescer.
Simionato348 entende que o patrimônio de afetação, em nenhuma
hipótese, poderá ser arrecadado na falência do incorporador, podendo ser
objeto da ação restituitória pelos adquirentes das unidades imobiliárias caso
isso ocorra. Segundo ele349, isso se deve ao uso do termo ―separados‖ no
mencionado dispositivo, usado pela doutrina antiga para designar os credores
separatistas que tinham direito à ―reivindicação‖ na falência (posteriormente
substituída pela expressão ―pedido de restituição‖ pelo Decreto-lei nº.
7.661/1945).
Não sendo possível prosseguir na construção das edificações, prescreve
o art. 43, III, da Lei nº. 4.591/1964, que os adquirentes das unidades
autônomas serão credores privilegiados pelas quantias pagas antes da falência
do incorporador, o qual terá responsabilidade pessoal subsidiária pelos débitos
daí resultantes.
3.7.9 Do contrato de arrendamento mercantil (Lei nº. 6.099/1974)
O contrato de arrendamento mercantil ou leasing está disciplinado pela
Lei nº. 6.099/1974 e pela Resolução nº. 2.309, de 28 de agosto de 1996350, do
BACEN.
O art. 1º, parágrafo único, da Lei nº. 6.099/1974, conceitua
arrendamento mercantil como negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica,
na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de
arrendatária, que tem por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela
arrendadora segundo as especificações da arrendatária e para uso desta.
348
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 349
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 350
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução nº. 2.309, de 28 de agosto de 1996. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/1996/pdf/res_2309_v4_P.pdf>. Acessado em 29 mar. 2012.
111
Existem três tipos de arrendamento mercantil: o leasing financeiro, o
leasing operacional e o leasing back (ou de retorno). Os dois primeiros estão
previstos na Resolução nº. 2.309/1996 do BACEN. O terceiro não tem previsão
no ordenamento jurídico brasileiro, sendo modalidade prevista no direito norte
americano.
O leasing financeiro (art. 5º351 da Resolução nº. 2.309/1996 do BACEN)
é a modalidade de arrendamento mercantil tradicional e mais comumente
praticada no mercado, na qual o arrendatário aluga um bem integrante do
patrimônio da arrendadora, mediante o pagamento de determinado preço e por
período certo, tendo, ao final do contrato, o direito de optar pela renovação da
locação, devolução do bem ou a sua aquisição, pagando o preço para o
exercício do direito de compra e o valor residual garantido. Nessa modalidade
de leasing, é de responsabilidade exclusiva da arrendatária a manutenção dos
bens arrendados e a prestação de assistência técnica.
O leasing operacional (art. 6º352 da Resolução nº. 2.309/1996 do
BACEN) é semelhante ao arrendamento mercantil financeiro, com as seguintes
diferenças: o valor das prestações do contrato não poderão ultrapassar 90%
351
Art. 5º Considera-se arrendamento mercantil financeiro a modalidade em que: I - as contraprestações e demais pagamentos previstos no contrato, devidos pela arrendatária, sejam normalmente suficientes para que a arrendadora recupere o custo do bem arrendado durante o prazo contratual da operação e, adicionalmente, obtenha um retorno sobre os recursos investidos; II - as despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos à operacionalidade do bem arrendado sejam de responsabilidade da arrendatária; III - o preço para o exercício da opção de compra seja livremente pactuado, podendo ser, inclusive, o valor de mercado do bem arrendado. (Alterado pela Resolução 2465, de 19/02/1998). (BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução 2.309, de 28 de agosto de 1996. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/1996/pdf/res_2309_v4_P.pdf>. Acessado em 29 mar. 2012) 352
Art. 6º Considera-se arrendamento mercantil operacional a modalidade em que: I - as contraprestações a serem pagas pela arrendatária contemplem o custo de arrendamento do bem e os serviços inerentes a sua colocação à disposição da arrendatária, não podendo o valor presente dos pagamentos ultrapassar 90% (noventa por cento) do "custo do bem;" II - o prazo contratual seja inferior a 75% (setenta e cinco por cento) do prazo de vida útil econômica do bem; III - o preço para o exercício da opção de compra seja o valor de mercado do bem arrendado; IV - não haja previsão de pagamento de valor residual garantido. Parágrafo 1º As operações de que trata este artigo são privativas dos bancos múltiplos com carteira de arrendamento mercantil e das sociedades de arrendamento mercantil. Parágrafo 2º No cálculo do valor presente dos pagamentos deverá ser utilizada taxa equivalente aos encargos financeiros constantes do contrato. Parágrafo 3º A manutenção, a assistência técnica e os serviços correlatos à operacionalidade do bem arrendado podem ser de responsabilidade da arrendadora ou da arrendatária. (BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução 2.309, de 28 de agosto de 1996. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/1996/pdf/res_2309_v4_P.pdf>. Acessado em 29 mar. 2012)
112
(noventa por cento) do valor de custo do bem; o contrato deverá ter a duração
inferior a 75% (setenta e cinco por cento) da vida útil do objeto arrendado; o
preço para a opção de compra será o respectivo valor de mercado, não
havendo previsão de pagamento do valor residual garantido; e a possibilidade,
mediante previsão contratual, da prestação dos serviços de manutenção e
assistência técnica do bem arrendado pela arrendadora.
O leasing back ou leasing de retorno não possui regulamentação no
ordenamento jurídico brasileiro, sendo criado pelo Direito norte americano.
Segundo essa modalidade de arrendamento mercantil, o arrendatário aliena
um bem que integra o seu patrimônio ao arrendador para que este,
posteriormente, lhe ceda o mesmo bem em locação, permanecendo o
arrendatário com as três opções, já mencionadas, ao final do contrato. O
objetivo primordial desse contrato é gerar renda ao contratante (arrendatário)
para reemprego em sua atividade econômica.
Em todos os casos, segundo Negrão353, o arrendador, na qualidade de
proprietário dos bens alugados ao arrendatário, terá direito à restituição dos
bens arrendados que se encontrem na posse do devedor quando da
decretação de sua falência.
3.8 O pedido de restituição de contribuições previdenciárias descontadas
e não recolhidas à União (Lei nº. 8.212/1991)
O art. 51, parágrafo único, da Lei nº. 8.212/1991, faculta ao Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS), em caso de falência da entidade
empregadora, a reivindicação dos valores descontados da remuneração dos
empregados e não recolhidos aos cofres públicos.
Entretanto, cabe aqui um esclarecimento.
Inicialmente, INSS era a entidade responsável por fiscalizar, arrecadar e
cobrar as contribuições previdenciárias (além de gerir os recursos e efetuar o
pagamento dos benefícios previdenciários), ficando os demais tributos sob a
responsabilidade da Secretaria da Receita Federal (SRF).
353
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3.
113
Com a Medida Provisória nº. 222, de 4 de outubro de 2004,
posteriormente convertida na Lei 10.098/2005, foi criada a Secretaria da
Receita Previdenciária (SRP), órgão integrante do Ministério da Previdência
Social, com a atribuição para fiscalizar, arrecadar, cobrar e recolher as
contribuições previdenciárias previstas no art. 195, I, ‗a‘, e II, da CRFB/1988,
para posterior repasse ao INSS. Este permaneceu apenas com a função de
administrar os recursos para o pagamento dos benefícios previdenciários. As
outras contribuições sociais (previstas no art. 195, I, ‗b‘ e ‗c‘; III e IV, da
CRFB/1988), juntamente com os demais tributos federais, eram arrecadadas
pela Secretaria da Receita Federal (SRF).
Posteriormente, a Lei nº. 11.457, publicada em 16 de março de 2007,
extinguiu a SRP e a SRF, criando a Secretaria da Receita Federal do Brasil –
SRFB (também chamada ―Super Receita‖), órgão integrante do Ministério da
Fazenda responsável pela fiscalização, arrecadação, cobrança e recolhimento
de todos os tributos federais, inclusive das contribuições previdenciárias para
posterior repasse ao INSS.
Com isso, a faculdade prevista no art. 51, parágrafo único, da Lei nº.
8.212/1991, atualmente, é atribuição da SRFB e não mais do INSS.
Pois bem. Esclarecido esse ponto, cabe ressaltar que os valores que
possibilitam o ajuizamento da ação restituitória, pela SRFB, são aqueles
efetivamente descontados do salário dos empregados e não recolhidos à
União. Dessa forma, não realizado qualquer desconto, não será cabível o
pedido de restituição e a Fazenda Pública deverá cobrar a quantia devida a
título de contribuição previdenciária por meio da ação de execução fiscal, de
competência da Justiça Federal, ou habilitando seu crédito na falência.
Segundo o STJ, os valores descontados dos salários dos empregados e
não recolhidos aos cofres públicos não integram o patrimônio do falido,
incidindo também, à hipótese, o enunciado nº 417 da Súmula do STF. Isso
porque, além de os créditos devidos ao INSS se equipararem aos da União,
gozando dos mesmos privilégios desta, o art. 51 da Lei nº. 8.212/1991 é claro
ao dispor que os valores descontados a título de contribuição previdenciária e
não recolhidos pertencem ao INSS e não ao falido.
114
PROCESSUAL CIVIL. FALÊNCIA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DESCONTADA DOS EMPREGADOS E NÃO REPASSADA À SEGURIDADE SOCIAL. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO MOVIDA PELO INSS. CONCURSO DE CREDORES. PREFERÊNCIA. SÚMULA 417 DO STF. 1. "Pode ser objeto de restituição, na falência, dinheiro em poder do falido, recebido em nome de outrem, ou do qual, por lei ou contrato, não tivesse ele a disponibilidade." (Súmula 417 do STF) 2. As contribuições previdenciárias descontadas pela massa falida, dos salários dos empregados, e não repassadas aos cofres previdenciários, devem ser restituídas antes do pagamento de qualquer crédito, ainda que trabalhista, porque se trata de bens que não integram o patrimônio do falido. Incidência da Súmula nº 417 do STF. (Precedentes: REsp 780.971/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/06/2007, DJ 21/06/2007; REsp 769.174/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/12/2005, DJ 06/03/2006 ; REsp 686.122/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/11/2005, DJ 28/11/2005 ; REsp 511356/RS, Relator Ministro FRANCIULLI NETTO, Segunda Turma, DJ de 04.04.2005; REsp 631529/RS, Relator Ministro CASTRO MEIRA, Segunda Turma, DJ de 30.08.2004; REsp 557373/RS, Relator Ministro FRANCISCO FALCÃO, Primeira Turma, DJ de 28.04.2004; RESP 284276/PR, Primeira Turma, Relator Ministro GARCIA VIEIRA, DJ de 11.06.2001) 3. É que o caput do art. 51 da Lei nº. 8.212/1991 explicita o privilégio dos créditos do INSS, os quais equipara aos créditos da União, deixando claro que os valores descontados dos empregados pertencem à autarquia previdenciária, a qual poderá reivindicá-los, litteris: "Art. 51. O crédito relativo a contribuições, cotas e respectivos adicionais ou acréscimos de qualquer natureza arrecadados pelos órgãos competentes, bem como a atualização monetária e os juros de mora, estão sujeitos, nos processos de falência, concordata ou concurso de credores, às disposições atinentes aos créditos da União, aos quais são equiparados. Parágrafo único. O Instituto Nacional do Seguro Social-INSS reivindicará os valores descontados pela empresa de seus empregados e ainda não recolhidos." 4. A Lei de Falências vigente à época dos fatos (Decreto-lei 7.661/45), a seu turno, autoriza a restituição de coisa arrecadada, verbis: "Art. 76. Pode ser pedida a restituição de coisa a arrecadada em poder do falido quando seja devida em virtude de direito real ou de contrato." 5. Recurso especial provido. (STJ, REsp 1.183.383/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 05.10.2010, DJ 18.10.2010)
354
Para Abrão355, o pedido de restituição é cabível nessas hipóteses
porque, ―Descontando a percentagem incidente sobre os salários dos
empregados, o falido assume a condição de depositário destas importâncias,
354
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial n. 1.183.383/RS. Relator: Min. Luiz Fux. T3 – Terceira Turma. Diário de Justiça, Brasília, 18 out. 2010. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1009322&sReg=201000362724&sData=20101018&formato=PDF>. Acessado em 16 mar. 2012. 355
ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991.
115
podendo muito bem ter dado outra destinação, antes da quebra, ao
numerário...‖.356
De acordo com Negrão357, a incidência do enunciado nº 417 da Súmula
do STF ao art. 51 da Lei nº. 8.212/1991 influenciou a disciplina de todos os
casos de restituição em dinheiro, pois o legislador optou por dar prioridade aos
créditos trabalhistas vencidos nos três meses anteriores à decretação da
falência, até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador. Verbis:
O assento jurisprudencial serviu, por aplicação extensiva, para ordenar todos os demais casos de restituição em dinheiro, tendo o legislador priorizado o pagamento de créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos três meses anteriores à decretação de falência, até o limite de cinco salários mínimos (art. 86, parágrafo único, e art. 151).
358
Esse autor359 também entende que a propositura da ação restituitória
depende do efetivo pagamento da remuneração dos empregados sobre a qual
incidiria o tributo. Ou seja, não tendo sido paga a remuneração dos
empregados, não terá cabimento a restituição, devendo a SRFB promover a
cobrança da quantia correspondente por meio da ação de execução fiscal ou
da habilitação do crédito na falência do devedor.
Existe também posição jurisprudencial que, em analogia ao que ocorre
com as contribuições previdenciárias, admite o ajuizamento da ação
restituitória pela Fazenda Pública para haver o valor de outros tributos
descontados de terceiros em razão de substituição tributária, a exemplo do
imposto de renda retido na fonte, e não recolhidos aos cofres públicos. Como
exemplo, ementa de acórdão de Agravo de Instrumento (AI) exarado pelo
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS):
AGRAVO DE INSTRUMENTO. FALÊNCIA. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO. UNIÃO. Valores não repassados a titulo de imposto de renda.
356
ABRÃO, Carlos Henrique. Pedido de Restituição na Concordata e na Falência. 1991, p. 35. 357
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 358
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3, p. 475. 359
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3.
116
Mostra-se cabível a pretendida suspensão do pagamento dos credores habilitados no processo falimentar, ainda que trabalhistas. Sendo perfeitamente cabível a restituição, não é nem cogitável que a União tenha que se submeter ao concurso de credores. O imposto de renda retido e não recolhido aos cofres públicos, que jamais integrou o patrimônio da empresa falida. (TJRS, AI nº. 70027699057, Rel. Desembargador Leo Lima, Quinta Câmara Cível, DJ 22.05.2009)
360
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) manifestou entendimento
semelhante no julgamento da Apelação Cível nº 1.0672.05.183600-1/001.
Verbis:
FALÊNCIA - PEDIDO DE RESTITUIÇÃO - IMPOSTO DE RENDA ARRECADADO DE EMPREGADOS - MONTANTE QUE NÃO INTEGRA O PATRIMÔNIO FALIMENTAR - ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA - INTERESSE PROCESSUAL CONFIGURADO. O pedido de restituição de imposto de renda arrecadado dos empregados da sociedade empresária falida pode ser formulado em observância ao previsto no artigo 76, do Dec.Lei 7.661/45, situação que inviabiliza a extinção do processo por ausência de interesse processual. (TJMG, Ap. Cível nº. 1.0672.05.183600-1/001, Re. Desembargador Edilson Fernandes, Sexta Câmara Cível, DJ 10.08.2010)
361
Contudo, esse entendimento ainda não é pacífico na jurisprudência, pois
existem decisões, inclusive do mesmo tribunal (TJMG), que não admitem a
propositura da ação de restituição pela Fazenda Pública nessas hipóteses.
Nesses termos:
APELAÇÕES CÍVEIS - REEXAME NECESSÁRIO - AGRAVOS RETIDOS - PRESCRIÇÃO -DECRETO-LEI N. 7661/45, ART. 47 - INOCORRÊNCIA - PROVAS - REJEIÇÃO - DESNECESSIDADE NOS AUTOS - CERCEAMENTO DE DEFESA - INEXISTENTE - MÉRITO - FALÊNCIA - PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES CORRESPONDENTES AO DESCONTO DO IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE SOBRE OS SALÁRIOS DE EMPREGADOS DA EMPRESA FALIDA E NÃO REPASSADOS AOS COFRES DA UNIÃO - DESCABIMENTO - INADMISSIBILIDADE DO PRIVILÉGIO PRETENDIDO - OBRIGATORIEDADE DE RESPEITO AO CRITÉRIO
360
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº. 70027699057. Relator: Desembargador Leo Lima. Quinta Câmara Cível. DJ 22.05.2009. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?as_q=&tb=proc>. Acessado em 22 ago. 2012. 361
MINAS GERAIS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Apelação Cível nº. 1.0672.05.183600-1/001. Relator: Des. Edilson Fernandes. Sexta Câmara Cível. Diário de Justiça, Minas Gerais, Belo Horizonte. 10 ago. 2010. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=5&totalLinhas=13&paginaNumero=5&linhasPorPagina=1&palavras=pedido de restituição e falência e tributos&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=0&referenciaLegislativa=Clique na lupa para pesquisar as referências cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar&>. Acessado em 22 ago. 2012.
117
DE PREFERÊNCIA DOS CRÉDITOS FALIMENTARES - ORDEM LEGAL - OS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS NÃO TEM PREFERÊNCIA SOBRE OS ENCARGOS DA MASSA E OS (sic) NATUREZA TRABALHISTA E ALIMENTARES - EM REEXAME NECESSÁRIO, CONFIRMAR A SENTENÇA, PREJUDICADOS OS RECURSOS. (TJMG, Ap. Cível/Recurso necessário nº. 1.0024.05.820840-6/001, Rel. Desembargador Roney Oliveira, Segunda Câmara Cível, DJ 07.10.2008)
362
Diante desse quadro de divergência, resta-nos aguardar as futuras
decisões dos tribunais brasileiros para aferirmos se foi criada,
jurisprudencialmente, uma nova hipótese de cabimento da ação restituitória.
3.9 O pedido de restituição com fundamento no art. 86, III, da Lei nº.
11.101/2005
Ação revocatória é a ação por meio da qual se pretende obter a
declaração de ineficácia, em relação à massa falida, de determinados atos
praticados pelo devedor. Trata-se de uma declaração de ineficácia e não de
nulidade ou de anulabilidade, pois nada será desconstituído, mas apenas
declarado inoponível aos credores (massa falida subjetiva).
Segundo Pontes de Miranda, ―a declaração de ineficácia segundo o art.
52 do Decreto-lei n. 7.661 nada desconstitui. Os bens continuam no patrimônio
do adquirente; apenas o valor dêles está subordinado aos efeitos falenciais‖.363
De acordo com Negrão364, existem duas espécies de ações revocatórias.
A primeira está prevista em hipóteses taxativas constantes do art. 129 da Lei
nº. 11.101/2005 e se destina à declaração pura e simples de ineficácia, em
relação à massa falida, do ato praticado pelo devedor e terceiros,
independentemente do conhecimento dos contratantes sobre o estado de ruína
362
MINAS GERAIS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Apelação Cível/ Recurso necessário nº 1.0024.05.820840-6/001. Relator: Des. Roney Oliveira. Segunda Câmara Cível. Diário de Justiça, Minas Gerais, Belo Horizonte. 07 out. 2008. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=13&totalLinhas=13&paginaNumero=13&linhasPorPagina=1&palavras=pedido de restituição e falência e tributos&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=0&referenciaLegislativa=Clique na lupa para pesquisar as referências cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar&>. Acessado em 22 ago. 2012. 363
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. 1960. Tomo XXVIII, p. 325-326. 364
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3.
118
econômica do devedor ou de haver ou não intenção de fraudar os credores,
pois se baseia em presunção absoluta de má-fé.
A segunda, por seu turno, está tratada no art. 130 da mesma lei e
consiste na revogação, em benefício da massa falida, do ato praticado pelo
devedor e o terceiro, mediante prova do conluio fraudulento, a finalidade de
fraudar credores e o efetivo prejuízo sofrido pela comunidade de credores.365
A sentença que declara ineficaz determinado ato ou contrato produzirá
efeitos retroativos, fazendo com que as partes retornem ao estado anterior.
Nessas hipóteses, sempre que houver enriquecimento indevido da
massa falida em detrimento do terceiro contratante de boa-fé, terá este direito à
restituição da quantia entregue ao falido, com fundamento no art. 86, III, da Lei
nº. 11.101/2005. No entanto, não havendo enriquecimento indevido da massa
falida, o bem será arrecadado e o contratante deverá habilitar seu crédito na
classe dos credores quirografários.
Nas palavras de Simionato, ―O que o art. 86, III, da Lei, quer evitar é o
enriquecimento indevido da massa falida. Por isso, alberga a restituição
unicamente na hipótese de a massa enriquecer, efetivamente, com a
declaração de ineficácia do ato‖.366
A restituição, nesses casos, far-se-á em dinheiro com preferência sobre
todos os credores (extraconcursais ou concursais) habilitados na falência,
ressalvada a situação prevista no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005.
3.10 Distinção entre a ação restituitória e os embargos de terceiro
Conforme os ensinamentos de Theodoro Júnior367, os embargos de
terceiros são ação de natureza constitutiva (negativa), autônoma ao processo
de execução e de rito sumário, que visa a desconstituir o ato judicial de
constrição sobre determinado bem a fim de proteger a posse ou a propriedade
do requerente, podendo fundar-se em direito real ou pessoal.
365
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 366
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008, p. 619. 367
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 42ª ed. Forense: Rio de Janeiro. 2008. Vol. II.
119
Segundo Pontes de Miranda, ―os embargos de terceiro não são ação de
credor‖ e têm o objetivo de ―afastar a eficácia da arrecadação‖368. Para esse
autor, trata-se de uma ação que visa a restituir a posse ao terceiro senhor,
possuidor ou retentor de um bem indevidamente arrecadado pela massa falida.
O Decreto-lei nº. 7.661/45 tratava dos embargos de terceiro no art. 79,
cuja redação levantava grande celeuma na doutrina, pois admitia que os
embargos de terceiro fossem opostos no lugar da ação restituitória, caso
ambos fossem cabíveis. Verbis,
Art. 79. Aquele que sofrer turbação ou esbulho na sua posse ou direito, por efeito da arrecadação ou do seqüestro, poderá, se não preferir usar do pedido de restituição (art. 76), defender os seus bens
por via de embargos de terceiro.369
Segundo Pontes de Miranda370, os embargos de terceiro se prestam a
proteger a posse, o domínio e a retenção do terceiro cujo bem foi arrecadado
na falência de outrem, podendo ser manejado em alguns casos em que seja
cabível o pedido de restituição.
Para este tratadista371 (na vigência do Decreto-lei nº. 7.661/1945), havia
casos em que o terceiro não poderia escolher entre pedir a restituição do bem
indevidamente arrecadado pela massa falida ou opor embargos de terceiro
para reaver a posse sobre o mesmo. Quando se tratasse de hipótese de
simples turbação, essa medida não seria possível por não ter havido ainda o
ato efetivo de arrecadação ou sequestro do bem em virtude da sentença
judicial que decreta a falência do devedor, mas apenas a ameaça de tal ato.372
368
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi. 1960. Tomo XXIX. p. 113. 369
BRASIL. Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Lei de Falências. DJU de 31.07.1945. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del7661.htm>. Acessado em 13 mar. 2012. 370
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi. 1960. Tomo XXIX. 371
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi. 1960. Tomo XXIX. 372
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi. 1960. Tomo XXIX.
120
Nestes termos, ―por vêzes, quem pode pedir restituição lato sensu
também poderia opor embargos de terceiro, mas isso não ocorre sempre. Nem
se há de pensar em restituição se o caso é de simples turbação‖.373
Miranda Valverde374 também doutrinava nesse sentido, defendendo a
impossibilidade do terceiro em escolher reaver a posse sobre o bem por meio
de ação restituitória ou de embargos de terceiro na hipótese de simples
turbação possessória por ato de arrecadação judicial; caso em que somente os
embargos de terceiro teriam cabimento. Nesse sentido, ―Assim, na hipótese de
mera turbação, em que o bem continua em poder do terceiro, a fórmula
restituitória é, evidentemente, inadequada.‖375
Requião376, seguindo a linha de entendimento de Pontes de Miranda377 e
Miranda Valverde378, defendia a possibilidade de escolha entre a oposição dos
embargos de terceiro ou a propositura da ação restituitória para aquele que
sofrer esbulho em sua posse, em decorrência de ato de arrecadação judicial ou
sequestro na falência. Essa faculdade, contudo, não se estendia à hipótese de
turbação, por não ter havido ainda o desapossamento do bem, mas apenas a
ameaça de tal ato em virtude de decisão judicial. Nesses termos,
O preceito legal se refere à turbação ou esbulho, numa evidente impropriedade, pois na hipótese de turbação não será possível o pedido restituitório. Não houve, nessa hipótese, arrecadação, mas
apenas ameaça de realização.379
No mesmo sentido, preceitua Waldemar Ferreira ao afirmar:
Decretada a falência e, na arrecadação, feita pelo síndico, abrangidos bens de terceiro, então é que êste poderá optar pelos embargos ou pela ação de restituição. Mas, ainda assim, para a oposição dos embargos, é necessário que efetivamente seus bens tenham sido abrangidos pela arrecadação.
373
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi. 1960. Tomo XXIX, p. 111. 374
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II. 375
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II, p. 97. 376
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998, 377
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte Especial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi. 1960. Tomo XXIX. 378
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 1962. Vol. II. 379
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998, p. 295.
121
Antes, ou na iminência desta, não. Os embargos de terceiro não
constituem medida cautelar.380
A Lei nº. 11.101/2005 trata da matéria de forma diferente ao prescrever,
no art. 93, que o terceiro poderá manejar embargos, nos termos da legislação
processual civil, nas hipóteses em que não couber o pedido de restituição.
Os embargos de terceiro estão previstos nos art. 1.046 a 1.054 do CPC
e, segundo este diploma normativo, têm cabimento quando aquele que não é
parte no processo se vê ameaçado de sofrer turbação ou esbulho na posse de
seus bens, por ato de constrição judicial, nos casos de ―penhora, depósito,
arresto, sequestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário,
partilha‖381, dentre outros.
Dessa forma, no processo falimentar, os embargos de terceiro
atualmente têm cabimento restrito às hipóteses de turbação ou esbulho por ato
de constrição do Juízo Falimentar, visando à proteção do domínio ou qualquer
outra espécie de direito (real ou pessoal) que garanta ao embargante a posse
sobre o bem indevidamente arrecadado na falência.
De acordo com a atual sistemática da Lei nº. 11.101/2005, não mais é
possível a oposição dos embargos de terceiro no caso de simples direito de
retenção em virtude do disposto no art. 116, I, da mesma lei, o qual prescreve
que a decretação da falência suspende o direito de retenção sobre os bens
sujeitos à arrecadação, devendo ser estes entregues ao administrador judicial.
Para Pacheco,
De um modo geral, apresentam-se os embargos de terceiro como remédio processual que a lei coloca à disposição do senhor e possuidor, ou apenas possuidor, que não sendo parte do processo de falência, sofre turbação ou esbulho na posse de seus bens, em
virtude da arrecadação.382
380
FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva. 1966. Vol. 15º, p. 125. 381
BRASIL. Lei nº. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 218-309. 382
PACHECO, José da Silva. Processo de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência. 2ª ed. Forense: Rio de janeiro. 2007. p. 227.
122
Segundo Teixeira383, os embargos de terceiro, sob a égide do Decreto-
lei nº. 7.661/1945, eram preferíveis à ação restituitória, pois ofereciam a
vantagem da possibilidade de obtenção de decisão liminar. Ainda de acordo
com esse autor384, apesar da resistência de uma parte da doutrina, a
jurisprudência admitia o manejo dos embargos no lugar da ação restituitória,
beneficiando os particulares que se encontrassem nessa situação. No entanto,
o mesmo autor385 afirma que, atualmente, a ação restituitória também admite o
pedido de antecipação de tutela, não havendo, por isso, prejuízo para aqueles
que não puderem manejar os embargos de terceiro.
Requião386, pelo mesmo motivo, também entendia que os embargos de
terceiro ofereciam vantagem em relação à ação restituitória, já que aqueles
permitiam a reintegração de posse liminarmente ao embargante; possibilidade
não estendida ao pedido de restituição.
No atual sistema falimentar brasileiro, contudo, essa possibilidade de
escolha não mais existe, pois o art. 93 da Lei nº. 11.101/2005 prescreve
expressamente que os embargos de terceiro têm hipótese de cabimento
residual.
Por isso, de acordo com Teixeira387, o manejo dessa ação se tornou
mais restrito devido à dificuldade de se identificar o cabimento dos embargos
de terceiro na falência, em hipótese na qual o falido e o terceiro se apresentem,
ao mesmo tempo, como possuidores de um bem e não seja cabível a ação
restituitória. Nesses termos,
Nesse quadro, espera-se que o instituto ora em análise seja pouco utilizado nas falências, visto ser difícil identificar-se um caso em que um bem seja arrecadado por se encontrar na posse do falido, mas
sobre o qual outrem também exerça posse legítima.388
383
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 384
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 385
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 386
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 1998. 387
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 388
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 636.
123
Em outros termos, segundo a legislação em vigor, os embargos de
terceiros tem seu cabimento restrito àquelas hipóteses de esbulho ou turbação
na posse do terceiro que, concomitantemente ao falido, também possua o bem
em virtude de direito real ou pessoal.
Várias são as hipótese nas quais o terceiro e o falido poderão ser
possuidores de um mesmo bem simultaneamente. Contudo, o desdobramento
da posse nos contratos de sublocação e subcomodato é o maior exemplo em
que se visualiza a possibilidade da oposição dos embargos de terceiro.
Segundo Venosa389, o desdobramento da posse é o instituto de Direito
Civil que permite a cisão da posse em direta e indireta. Ele tem cabimento
quando duas partes entabulam um negócio jurídico no qual o poder de fato
sobre um bem será atribuída a uma delas (denominada possuidora direta) e a
posse indireta será atribuída à outra (denominada possuidora indireta). Por
isso, esse fenômeno jurídico somente é possível diante de uma relação
obrigacional envolvendo o objeto da avença.
Essa situação pode ser verificada nos contratos locação, comodato,
sublocação e subcomodato, por exemplo. Nestes últimos, o locatário ou
comodatário celebram novo contrato de locação ou comodato com o devedor
(passando aquele à condição de sublocador ou subcomodante e este à
condição de sublocatário ou subcomodatário) e, sobrevindo a falência deste, os
bens são arrecadados pela massa falida.
Nesse caso, o embargante poderá ser tanto o possuidor direto como o
indireto do bem arrecadado, desde que, em virtude de contrato, tenha direito ao
seu uso.
Ainda tomando essas mesmas hipóteses como exemplo, se for o
proprietário do bem quem pretende reavê-lo, deverá propor a ação restituitória
de que trata o caput do art. 85 da Lei nº. 11.101/2005, com fundamento no
direito real de propriedade.
Também se pode pensar no manejo dos embargos de terceiro quando o
bem for de propriedade do falido, mas o terceiro, em virtude de contrato, tenha
direito à sua posse.
389
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em Espécie. 2007. Vol. III.
124
Situação clássica e mais corriqueira que possibilita isso é o contrato de
locação, em que o falido figura como locador e o terceiro como locatário. Nesse
caso, prescreve o art. 119, VII, da Lei nº. 11.101/2005 que a falência do locador
não resolve o contrato de locação e a do locatório permite ao administrador
judicial denunciar o contrato.
Sobre essa hipótese decidiu o STJ, no Recurso Especial nº.
579.490/MA, em acórdão de relatoria do Ministro Ari Pargendler390,
PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. Quem exerce o comércio em prédio que lhe foi locado pela falida tem legitimidade para opor embargos de terceiro contra o ato de arrecadação do imóvel, impedindo o prosseguimento da atividade empresarial. Recurso especial não conhecido. (STJ, Resp. nº. 579.490/MA, Rel. Min. Ari Pargendler, Terceira Turma, DJ 17/10/2005)
Além disso, tem-se a disposição do art. 117 da mesma lei que
estabelece que a declaração da falência, por si só, não resolve os contratos
bilaterais, que poderão ser cumpridos pelo administrador judicial se isso
contribuir para reduzir o passivo ou for necessário à manutenção ou
preservação dos ativos, mediante autorização do Comitê de Credores e após a
manifestação do administrador judicial nesse sentido.
Nesse caso, é bem provável que a manutenção do contrato de locação,
na hipótese de ser o falido o locador, seja interessante para a massa, por gerar
renda e possibilitar o aumento do ativo.
Em síntese, tanto a ação restituitória como os embargos de terceiro são
ações de conhecimento que visam a reintegrar o terceiro na posse sobre o bem
arrecadado pelo administrador judicial no processo de falência. Ambos são de
competência do Juízo da falência e correm em autos apartados aos principais:
o da falência.
Contudo, a ação restituitória tramita sob o rito ordinário previsto no CPC
e têm seus pressupostos, requisitos e hipóteses de cabimento previstos nos
art. 85 e 86 da Lei nº. 11.101/2005 e na legislação especial.
390
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº. 579.490/MA. Relator: Min. Ari Pargendler. Terceira Turma. Diário de Justiça, Brasília, 17 out. 2005. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=cabimento+e+embargos+de+terceiro+e+fal%EAncia&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>. Acessado em 26 abr. 2012.
125
As hipóteses que autorizam o pedido de restituição estão previstas na lei
de forma expressa, inclusive para aquelas que Simionato391 entende serem
fundadas em contrato, pois este tem como fundo, em última análise, o direito
de propriedade do terceiro que celebra negócio jurídico com o falido.
Os embargos de terceiro, por seu turno, tramitam sob o rito sumário
previsto no CPC e visam à reintegração ou à manutenção da posse daquele
que não pode manejar a ação restituitória para buscar a tutela do seu direito
sobre o bem arrecadado na falência. Portanto, atualmente, o seu cabimento é
residual. Dessa forma, para a sua propositura é necessária a posse
concomitante, sobre determinado bem, do terceiro e do devedor falido, desde
que não seja possível o pedido de restituição, ou seja, desde que o possuidor
embargante não seja também proprietário do bem reivindicado. Isso porque
somente o possuidor (direto ou indireto) poderá manejá-los, já que, ao
proprietário, restará a via do pedido de restituição.
Em suma, segundo a legislação atual, poderá o proprietário ou o
possuidor fazer uso dos embargos de terceiro para reaver a posse sobre o bem
arrecadado pelo administrador judicial, quando da decretação da falência do
devedor, nas hipóteses em que a ação restituitória não seja cabível. Fato que,
repita-se, se deve ao caráter residual dos embargos de terceiro, conforme
determinação legal expressa constante do art. 93 da Lei nº. 11.101/2005.
4 A VALIDADE DA NORMA JURÍDICA
4.1 Considerações iniciais
Segundo Bobbio, ―A expressão ―positivismo jurídico‖ não deriva daquela
de ―positivismo‖ em sentido filosófico‖; porém, no século XIX havia ligação
entre ambas, posto que alguns positivistas jurídicos eram também positivistas
filosóficos. No entanto, para esse autor392, deve ser ressaltado, que, apesar de
391
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 392392
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone Editora Ltda. 2006. p. 15.
126
parecidos, a origem de ambos é diferente, pois o positivismo jurídico (também
chamado juspositivismo) surgiu na Alemanha e o positivismo filosófico na
França.
Para Barroso, ―O positivismo jurídico foi a importação do positivismo
filosófico para o mundo do Direito, na pretensão de criar-se uma ciência
jurídica, com características análogas às ciências sociais‖.393
O positivismo filosófico teve Augusto Comte como um de seus maiores
precursores. Em síntese, ele propunha a aplicação de valores eminentemente
humanos à existência humana, com o afastamento da teologia e da metafísica,
e dando uma interpretação das ciências baseada numa ética estritamente
humana. O método utilizado para empregar essa ideologia era o da observação
dos fenômenos, pois a experiência sensível, segundo os positivistas filosóficos,
é a única capaz de produzir a verdadeira ciência, já que trabalha com dados
concretos.
Um ponto importante da teoria Comteana é a Lei dos Três Estados, que
diz respeito aos estágios de evolução da racionalidade humana. De acordo
com ela, o primeiro estado é o teológico, segundo o qual o homem explica as
coisas existentes na natureza, na sua vida e os fenômenos naturais por meio
de ―entidades supranaturais‖394, ou seja, como sendo fruto da vontade dos
deuses; o segundo estado é o da metafísica, no qual o homem explica as
coisas por meio de ―entidades abstratas‖395, representando um estágio de
transição entre a ―teologia e a positividade‖396 (entre o primeiro e o terceiro
estado); por fim, o terceiro estado é o estágio mais avançado da racionalidade
humana, em que o homem busca explicações racionais com base na
observação de situações concretas para descrever os fenômenos sociais e
naturais.
393
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In BARROSO, Luís Roberto (org.). A nova interpretação constitucional. Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 20032003enovar, 2003, p. 1-48. 394
ENCIPLOPÉDIA WIKIPÉDIA. Positivismo. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Positivismo>. Acessado em 22 jun. 2012. 395
ENCIPLOPÉDIA WIKIPÉDIA. Positivismo. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Positivismo>. Acessado em 22 jun. 2012. 396
ENCIPLOPÉDIA WIKIPÉDIA. Positivismo. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Positivismo>. Acessado em 22 jun. 2012.
127
De acordo com Bobbio, o positivismo jurídico deriva da ―locução direito
positivo‖ 397 em contraposição ao direito natural. Assim sendo, para se tratar do
tema proposto, primeiramente, cumpre distinguir direito positivo e direito
natural.
4. 2 Direito Positivo e Direito Natural
Em primeiro lugar, cumpre ressaltar que, inicialmente, não havia
diferença hierárquica entre o direito natural e o direito positivo, mas apenas
campos distintos de aplicação de um e de outro. Com o positivismo jurídico,
essa distinção ganhou maior relevância uma vez que esta corrente somente
concebe o direito enquanto positivado no ordenamento jurídico de um Estado.
Hervada398 afirma que algumas coisas são atribuídas pela natureza e
outras pela vontade humana, sendo neste ponto que reside a distinção entre o
direito positivo e o direito natural.
Para esse autor399, direito natural é todo direito cujo título não advém da
vontade humana e sim da natureza humana, podendo ter como medida a
natureza do homem ou das coisas.
De acordo com Hervada400, para o direito natural, uma coisa é justa, em
si mesma, quando estiver em conformidade com os postulados naturais da
razão natural, e injusta, em si mesma, quando contrariá-los. Assim sendo, será
de direito natural aquilo que a razão natural determina como justo e, contrário a
ele, aquilo que for determinado como injusto. Ou seja, pertence ao direito
natural aquilo que é justo em si mesmo.
Ainda segundo Hervada, ―o direito natural não quer dizer outra coisa
além de que, em determinadas esferas da ação humana, há condutas racionais
e condutas irracionais, há condutas condizentes com a reta razão e condutas
contrárias a ela‖401. A razão humana capta coisas que são justas ou injustas
em si, ―porque conhece algo objetivo, com realidade e consistência próprias,
397
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 398
HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006. 399
HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006. 400
HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006. 401
HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006, p. 67-68.
128
que é critério objetivo do justo e do injusto‖402. Esse critério objetivo é a pessoa,
porque ela é uma individuação da natureza do homem, pois a razão capta que
―a pessoa é titular de direitos‖403 e ―a natureza é fundamento e critério desses
direitos‖404. Em resumo, a razão conhece aquilo que é justo e injusto.
Segundo Bobbio405, os adeptos do direito natural eram chamados
jusnaturalistas. Eles defendiam a existência de um ―estado de natureza‖406, ou
seja, de uma sociedade que existisse por meio das relações intersubjetivas
entre os homens, sem a necessidade de um ―poder político organizado‖407. De
acordo com esse autor408, o Estado teria a função apenas de regular e tornar
estáveis essas relações jurídicas intersubjetivas entre as pessoas.
Saindo da breve análise sobre o direito natural e tratando rapidamente
do direito positivo, cabe ressaltar, primeiramente, que positivo significa aquilo
que é ―posto‖ (instituído) pelo homem (e não dado ao homem pela natureza);
por isso, ele também é chamado de ―direito legal‖.409
De acordo com Hervada410, o direito positivo preconiza que somente é
direito aquilo cujo título e medida seja definido pela vontade humana, por meio
das leis, costumes ou contrato. Assim, as relações humanas estão numa
constante redistribuição de coisas e essas mudanças podem ocorrer pela lei ou
pelo contrato. Nas palavras desse autor, ―Os direitos originados ou modificados
por essa ação humana são os direitos positivos.‖ 411
Segundo o mesmo autor412, a capacidade do homem para constituir e
regular direitos não abrange todo o âmbito da vida social, havendo limites para
isso cujo critério encontra-se na esfera do indiferente. Após citar Aristóteles,
que afirmava a existência de coisas que são ―indiferentes em si‖ e coisa que
não o são, ele413 conclui que o homem somente pode criar e regulamentar
direitos que estão situados na esfera do indiferente.
402
HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006, p. 68. 403
HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006, p. 68. 404
HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006, p. 68. 405
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 29. 406
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 29. 407
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 29. 408
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 29. 409
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 16. 410
HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006. 411
HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006, p. 61. 412
HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006. 413
HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006, p. 63.
129
Indiferente é aquilo que, no que toca à justiça e à moral, não importa
adotar uma ou outra posição proposta, pois nenhuma delas ferirá a justiça ou a
moral. Mas, para saber o que ferirá a justiça ou a moral é preciso diferenciar o
justo ou injusto (o moralmente correto ou incorreto) e o padrão de
comportamento socialmente aceito.
Uma conduta que seja ou não socialmente aceita pode gerar uma
consciência de agir bem ou agir mal, que não pode se confundir com aquilo
que é justo ou injusto. Nas palavras de Hervada,
O padrão de comportamento social aceitável produz a captação do sociologicamente normal ou anormal e, conseqüentemente, o julgamento de conveniência de se adaptar ao normal ou a reação de inconformismo; por outro lado, a captação do justo ou injusto, do bom e do mau, em sentido moral, produz a consciência de conformidade ou desconformidade com o que a natureza do homem postula.
414
Pertencem ao campo do indiferente os padrões de comportamento
socialmente aceitos. Ao contrário, aquilo que corresponde à justiça nem
sempre é indiferente, pois o que não é indiferente pode ser injusto.
Assim sendo, a matéria possível de ser delimitada pelo direito positivo
reside no campo daquilo que é ―indiferente‖. E, o grau de indiferença de uma
norma em relação à natureza humana determina se ela será de direito positivo
ou de direito natural: sendo indiferente, será de direito positivo; não sendo
indiferente, será de direito natural. Contudo, deve-se frisar que, segundo
Hervada415, a matéria é indiferente até ser instituída como regra de direito
positivo pela vontade humana, pois, depois de transformada em norma, não
será mais indiferente e sim justa em relação a seu titular e deverá ser cumprida
por todos.
Para Bobbio416, Aristóteles distingue o direito natural e o positivo por dois
critérios: primeiro, porque o direito natural tem a mesma eficácia em qualquer
local do mundo e o direito positivo tem eficácia apenas nas comunidades em
que é posto; segundo, porque enquanto o direito natural traz ações que
independem do juízo de valor feito sobre elas, existindo independentemente de
parecerem boas ou más (pois existem segundo a sua natureza), o direito
414
HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006, p. 64. 415
HERVADA, Javier. O que é direito? A moderna resposta do realismo jurídico. 2006, p. 65. 416
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 17.
130
positivo prescreve ações que devem ser cumpridas pelos homens pelo simples
fato de estarem previstas na lei, independentemente de prévio juízo de valor
sobre a sua bondade. Isso porque o direito natural estabelece o que é bom de
acordo com o critério moral e o direito positivo estabelece aquilo que é útil
segundo o critério econômico ou utilitário.417
Adiante, Bobbio418 também menciona que o jus gentium corresponde ao
que se conhece por direito natural, porque decorre da natureza, e que o jus
civile corresponde ao direito positivo, pois representa aquilo que é posto pelo
homem. Esse autor419 estabelece outra distinção afirmando que, enquanto o
primeiro não tem limites, o segundo está restrito à determinada comunidade em
que é posto; e que, enquanto o primeiro é posto pela natureza, o segundo é
posto pela vontade humana, ou seja, pelo Estado.
Em outras palavras: o direito natural é universal e imutável no tempo e
no espaço, ao passo que o direito positivo sofre limitações dessas duas
naturezas.
O conhecimento sobre o direito natural é obtido por meio da razão, pois
esta também deriva da natureza das coisas, segundo Bobbio420. Já o direito
positivo é conhecido por meio de uma declaração de vontade do Estado-
legislador.
Bobbio resume a distinção entre o direito natural e o positivo destacando
seis critérios distintos:
a) o primeiro se baseia na antítese universalidade/particularidade e contrapõe o direito natural, que vale em toda parte, ao positivo, que vale apenas em alguns lugares (Aristóteles, Inst. – 1ª definição); b) o segundo se baseia na antítese imutabilidade/mutabilidade: o direito natural é imutável no tempo, o positivo muda. (Inst. – 2ª definição –, Paulo) [...]; c) o terceiro critério de distinção, um dos mais importantes, refere-se à fonte do direito e funda-se na antítese natura-potestas populus (Inst. – 1ª definição –, Grócio); d) o quarto critério se refere ao modo pelo qual o direito é conhecido, o modo pelo qual chega a nós (isto é, os destinatários), e lastreia-se na antítese ratio-voluntas (Glück): o direito natural é aquele que conhecemos através da nossa razão. [...] O direito positivo, ao contrário, é conhecido através de uma declaração de vontade alheia (promulgação); e) o quinto critério concerne ao objeto dos dois direitos, isto é, aos comportamentos regulados por estes: os comportamentos regulados
417
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 19. 418
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 419
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 420
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006.
131
pelo direito natural são bons ou maus por si mesmos, enquanto aqueles regulados pelo direito positivo são por si mesmos indiferentes e assumem uma certa qualificação apenas porque (e depois que) foram disciplinados de um certo modo pelo direito positivo (é justo aquilo que é ordenado, injusto o que é vetado) (Aristóteles, Grócio); f) a última distinção refere-se ao critério de valoração das ações e é enunciado por Paulo: o direito natural estabelece aquilo que é bom, o direito positivo estabelece aquilo que é útil.
421
Apesar de traçar essa distinção entre o direito natural e o direito positivo,
Bobbio422 afirma que não há diferença entre essas espécies de direito no que
tange à qualidade e à qualificação, pois ambos são igualmente considerados
direito. O que ocorre é que elas são colocadas em gradação ou planos
distintos, a depender da época em que são analisados.
Assim, por exemplo, na época clássica, ambos os direitos tinham o
mesmo grau de importância, mas o direito natural era entendido como o ―direito
comum‖423 e o direito positivo era especial em relação ao direito comum. Com
isso, havendo conflito entre uma norma integrante do direito comum e outra
integrante do direito positivo, este prevalecia por ser especial em relação
àquele. Por outro lado, na Idade Média, para Bobbio424, essa relação se invertia
e o direito natural era considerado superior ao direito positivo por ser norma
posta pela vontade de Deus e revelada aos homens.
Com o tempo, direito positivo e direito natural deixaram de ser
considerados duas espécies equivalentes de direitos, pois aquele ganhou
prevalência em relação a este, passando a ser considerado como a forma mais
perfeita de direito. Isso representou um campo fértil para o surgimento do
positivismo jurídico.
4.3 Positivismo jurídico
O positivismo jurídico surgiu com a formação do Estado moderno e o
declínio da sociedade medieval marcada pela pluralidade de ordenamentos
jurídicos pertencentes a agrupamentos sociais distintos.
421
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 22-23. 422
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 423
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 25. 424
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 25.
132
Com o surgimento do Estado, que passou a concentrar em si todos os
poderes, em especial aquele de produzir as leis, o ordenamento jurídico
passou a ser uno e o Direito deixou de ser posto pela sociedade civil, havendo,
segundo Bobbio, um ―processo de monopolização da produção jurídica por
parte do Estado‖.425
Até este momento histórico, o magistrado, ao julgar um caso, poderia
aplicar tanto as normas emanadas pelo Estado, como aquelas elaboradas pela
sociedade (a exemplo dos costumes), uma vez que ele tinha liberdade de se
valer tanto do direito positivo como do direito natural para resolver a questão (já
que não havia hierarquia entre eles).
Contudo, com a formação do Estado moderno, o juiz passou a ser órgão
do Estado, titularizando um dos poderes deste e vinculando-se às normas
elaboradas pelo órgão estatal encarregado da produção legislativa ou àquelas
que, apesar de ainda não positivadas, pudessem ser reconhecidas pelo
Estado. As normas decorrentes do direito natural não mais poderiam ser
aplicadas pelos magistrados se não estivessem abrigadas pela lei.
Nesse momento histórico, direito natural e direito positivo não mais eram
considerados equivalentes, pois este começou a ser concebido como ―o único
e verdadeiro direito‖ 426 a merecer aplicação pelos tribunais.
Nesse contexto, o positivismo jurídico surgiu na Alemanha a partir do
século XIX, tendo como um de seus maiores precursores o austríaco Hans
Kelsen e propagando um conjunto de teorias que só concebiam o Direito
enquanto positivo.
Para os positivistas jurídicos, enquanto o direito natural não seria direito,
mas apenas um conjunto de regras morais ou valores relativos, o direito
positivo seria entendido como o Direito posto pelo Estado soberano por meio
da elaboração de normais gerais e abstratas, ou seja, por meio das leis.
Dessa forma, o positivismo jurídico ou juspositivismo nasce quando a lei
se torna a fonte primordial do Direito, impulsionando o movimento pela
codificação.
Bobbio427 ressalta dois princípios ideológicos de origem racionalista que
embasaram o movimento pela codificação da legislação: a prevalência da lei
425
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 27. 426
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 29.
133
como principal fonte do Direito, compreendendo este último como o
―ordenamento racional da sociedade‖428, que não pode ―nascer de comandos
individuais e ocasionais‖429 de determinados grupos sociais, ―mas somente de
normas gerais e coerentes postas pelo poder soberano da sociedade‖430; e a
prevalência da lei como principal fonte do Direito e medida mais apta a
propiciar ao homem a mudança da sociedade por meio da renovação das leis
que a regulam, porque somente normas postas racionalmente pelo Estado se
prestam a tal finalidade, uma vez que as demais (como os costumes, por
exemplo) são fruto de atuação inconsciente e irrefletida por parte das
pessoas.431
De acordo com Bobbio, essa tendência mundial à produção legislativa
nasceu da exigência de ―pôr ordem ao caos do direito primitivo e de fornecer ao
Estado um instrumento eficaz para a intervenção na vida social‖.432 Nas
palavras desse autor,
O impulso para a legislação não é um fato limitado e contingente, mas um movimento histórico universal e irreversível, indissoluvelmente ligado à formação do Estado moderno. Nem todos os países formularam a codificação (resultado último e conclusivo da legislação), mas em todos os países ocorreu a supremacia da lei sobre as demais fontes de direito.
433
Sob esse prisma, Bobbio434 apresenta sete pontos ou problemas que
resumem as características fundamentais do positivismo jurídico.
1) O primeiro problema diz respeito ao modo de abordar, de encarar o direito: o positivismo jurídico responde a este problema considerando o direito como um fato e não como um valor. [...]; o jurista, portanto, deve estudar o direito do mesmo modo que o cientista estuda a realidade natural, isto é, abstendo-se absolutamente de formular juízos de valor. [...] 2) O segundo problema diz respeito à definição do direito: o juspositivismo define o direito em função do elemento da coação, de onde deriva a teoria da coatividade do direito. [...] 3) O terceiro problema diz respeito às fontes do direito. [...] O positivismo jurídico elabora toda uma complexa doutrina das relações
427
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 428
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 119-120. 429
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 119-120. 430
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 119-120. 431
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 120. 432
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 120. 433
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 120. 434
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006.
134
entre a lei e o costume (excluindo-se o costume contra legem ou costume ab-rogativo e admitindo somente o costume secundum legem e eventualmente o praeter legem), das relações entre lei e direito judiciário e entre lei e direito consuetudinário. [...] 4) O quarto ponto diz respeito à teoria da norma jurídica: o positivismo jurídico considera a norma como um comando, formulando a teoria imperativista do direito, que se subdivide em numerosas ―subteorias‖, segundo as quais é concebido este imperativo: como positivo ou negativo, como autônomo ou heterônomo, como técnico ou ético. Há, em seguida, o problema das ―normas permissivas‖, isto é, se estas normas fazem manifestar em menor grau a natureza imperativa do direito; e, enfim, trata-se de estabelecer a quem são dirigidos os comandos jurídicos, de onde deriva o problema dos destinatários da norma. 5) O quinto ponto diz respeito à teoria do ordenamento jurídico, que considera a estrutura não mais da norma isoladamente tomada, mas do conjunto de normas jurídicas vigentes numa sociedade. [...] 6) O sexto ponto diz respeito ao método da ciência jurídica, isto é, o problema da interpretação (entendendo-se o termo ―interpretação‖ em sentido muito lato, de modo a compreender toda a atividade científica do jurista: interpretação stricto sensu, integração, construção, criação do sistema): o positivismo jurídico sustenta a teoria da interpretação mecanicista, que na atividade do jurista faz prevalecer o elemento declarativo sobre o produtivo ou criativo do direito [...]. [...] 7) O sétimo ponto diz respeito à teoria da obediência. Sobre este ponto não se podem fazer generalizações fáceis. Contudo, há um conjunto de posições no âmbito do positivismo jurídico que encabeça a teoria da obediência absoluta da lei enquanto tal, teoria sintetizada no aforismo: Gesetz ist Gesetz (lei é lei). [...]
435
Em relação ao primeiro ponto apresentado por Bobbio436, há que se
ressaltar que o positivismo jurídico prega o estudo do Direito enquanto fato e
não enquanto valor, ou seja, o Direito é analisado como ele verdadeiramente é
e não como devia ser. Não se faz qualquer juízo de valor sobre a norma ser
boa ou má, pois ela é norma e deve ser assim estudada. Dessa forma, o
positivismo jurídico considera apenas a validade da norma e não o seu valor.
A norma é válida quando produzida pelo órgão estatal para tanto
legitimado com o fim de integrar o ordenamento jurídico vigente em um dado
Estado. Por outro lado, a norma é ―valoroza‖437 quando está de acordo com o
―direito ideal‖438, ou seja, com os valores idealizados pelo direito natural; em
resumo, a norma tem valor quando é justa.
435
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 131-133. 436
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 437
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 137. 438
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 137.
135
O jusnaturalismo, para Bobbio439, defende que uma norma somente é
válida quando é justa (tem valor); com isso, o conceito de validade é reduzido
ao de valor.
Já o positivismo jurídico (segundo a sua posição típica, isto é,
majoritária440), de acordo com Bobbio441, sustenta que o juízo de valor sobre o
Direito se afasta da ciência jurídica, a qual deve se limitar ao juízo de validade.
Em que pese a possibilidade de existência de um Direito válido que não seja
justo e vice-versa, essa distinção não é relevante para a ciência jurídica,
segundo o positivismo jurídico, pois este busca se afastar da análise sobre o
juízo de valor do Direito, uma vez que ele visa se aproximar de uma definição
estritamente fatual.442
Nesse ponto, o positivismo jurídico não se preocupa com a eficácia da
norma, ou seja, com a sua real e efetiva aplicação na sociedade, mas apenas
com a validade, pois considera o Direito como a ―realidade normativa‖.443
Em relação ao segundo problema apresentado por Bobbio444, cumpre
ressaltar que o positivismo jurídico atribui à sanção o elemento essencial do
Direito. Para o juspositivismo, não há como conceber o Direito sem sanção,
pois essa concepção decorre do monopólio estatal na produção do Direito (das
leis).
Essa é a principal questão que diferencia o Direito da moral, pois,
embora ambas as normas (legais e a morais) cominem sanção para o seu
descumprimento, somente o Direito pode ser executado pelo Estado por meio
da força, já que as normas morais trazem sanções também morais desprovidas
de conteúdo coercitivo.
A concepção clássica da coação, segundo a qual ela é o meio para
implementar as normas jurídicas e que entende o Direito como ―conjunto de
normas que se fazem valer coativamente‖445, ganhou nova interpretação de
uma teoria moderna da coação preconizada pelo juspositivista Hans Kelsen.
439
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 440
Segundo Bobbio, existe uma posição mais radical do positivismo jurídico, defendido por Hobbes, que sustenta que o direito somente é justo enquanto for válido. 441
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 442
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 443
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 143. 444
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 445
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 155.
136
Bobbio446 afirma que Kelsen entende a coação como objeto da norma
jurídica. Por isso, ele concebe o Direito como ―conjunto de normas que regulam
o uso da força coativa‖.447 Com isso, a coação deixa de ser meio para
implementação das normas e passa a ser o objeto destas, ou seja, ―um
elemento essencial da estrutura da norma‖.448
No que tange ao problema da teoria das fontes do Direito, importa
salientar a sua íntima conexão com a validade das normas jurídicas. Fontes do
Direito, para Bobbio449, são entendidas como regras produzidas pelo órgão
estatal competente para orientar a produção legislativa. Nas palavras desse
autor, fontes do Direito são ―aqueles fatos ou aqueles atos aos quais um
determinado ordenamento jurídico atribui a competência ou a capacidade de
produzir normas jurídicas‖.450
O positivismo jurídico prega a prevalência da lei como a principal fonte
do Direito. Mas, para que essa análise seja feita, é necessária a existência de
mais de uma fonte do Direito num mesmo Estado (ou seja, que o ordenamento
jurídico seja complexo) e que essas fontes não tenham a mesma hierarquia
(isto é, faz-se necessário que o ordenamento jurídico seja estruturado de forma
hierárquica de modo que algumas fontes estejam subordinadas às outras).
Num ordenamento jurídico simples, ou seja, naquele em que haja
apenas uma fonte do Direito, não há que se falar em predominância de uma
sobre a outra.
Da mesma forma, também não há que se falar em prevalência de uma
fonte sobre outra que seja do mesmo status hierárquico. Nesse caso, o juiz
poderá utilizar uma ou outra fonte do Direito para decidir o caso concreto,
porém, aplicando o critério cronológico para saber qual das normas deverá
regular a situação, pois a norma posterior derroga a anterior de igual hierarquia
(“lex posterior derogat priori”).451
Estando o ordenamento jurídico organizado de forma hierarquizada, o
conflito entre normas emanadas de fontes diferentes é resolvido pelo critério
hierárquico, segundo o qual a norma proveniente da fonte de grau superior
446
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 447
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 155. 448
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 156. 449
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 450
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 161. 451
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 163.
137
derroga aquela derivada de fonte de grau inferior, mesmo que esta seja
cronologicamente posterior àquela (“lex superior derogat inferiori”).452
Para o positivismo jurídico, a fonte do Direito que se encontra no grau
hierárquico superior a qualquer outra é a lei, pois ela é a manifestação do
poder soberano do Estado, o qual detém o monopólio da produção legislativa
na sociedade. São as chamadas ―fontes de qualificação jurídica‖453 produtoras
de normas jurídicas propriamente ditas.
As demais fontes do Direito são consideradas apenas subordinadas à
lei. São as chamadas ―fontes de conhecimento jurídico‖454, que produzem
regras não qualificadas, por si mesmas, como normas jurídicas, pois recebem
essa designação da fonte superior (lei). E por serem fontes subordinadas, não
podem derrogar a fonte principal. Exemplos de fontes subordinadas do Direito
que podem ser citadas são os costumes, a equidade455, as decisões judiciais.
O quarto ponto ou problema apresentado por Bobbio como fundamento
do positivismo jurídico é a teoria da norma jurídica, intimamente relacionada à
concepção segundo a qual o Estado é entendido como única fonte legítima do
Direito e a lei é a expressão normativa do seu poder soberano. Dessa forma, a
lei é a única norma jurídica válida num Estado, pois emanada do órgão
competente para tanto e fruto da vontade de seus integrantes.
De forma diversa, as demais fontes (como os costumes, a equidade,
entre outras) não são abarcadas pela teoria da norma jurídica, pois não
decorrem da vontade soberana do Estado, sendo fruto de uma manifestação
espontânea da população.
Segundo essa teoria, as normas jurídicas em regra são imperativas, pois
contém um comando que determina uma obrigação. Essas normas podem ser
positivas, quando determinarem que uma conduta seja praticada, ou negativas,
quando impuserem uma proibição aos destinatários das normas.
452
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 163. 453
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 166. 454
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 166. 455
A equidade está prevista no direito brasileiro na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-lei nº 4.657/42), no art. 5º, que prescreve: ―Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.‖ (BRASIL. Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 778-779.)
138
Existem também as normas permissivas, que não contém um comando
determinante, podendo ser ―permissivas‖456 em sentido estrito, quando
conferirem uma faculdade a seu destinatário, ou ―atributivas‖457, quando
atribuírem um poder. Em outras palavras, ―nas normas permissivas stricto
sensu, poder significa ser lícito, enquanto nas atributivas significa, em vez
disto, deter o poder‖.458 Elas também podem ser negativas ou positivas, tais
como as normas imperativas.
Segundo Bobbio459, as normas permissivas em sentido próprio não
contrariam a teoria imperativista das normas jurídicas ―pelo fato de não serem
normas autônomas, mas simples disposições normativas que servem para
limitar (isto é, para negar entre certos limites ou em certos casos) um
imperativo anteriormente estabelecido‖.460 Em outros termos, essas normas
tem o objetivo de permitir determinados comportamentos, de acordo com as
peculiaridades de cada situação concreta, excepcionando o comando contido
em uma norma imperativa semelhante.
Já as normas atributivas, para o mesmo autor461, são aqueles tipos de
normas imperativas, nos quais o legislador se expressa, impondo ou proibindo
determinada conduta, na forma de poder.
Em relação ao quinto ponto fundamental do positivismo jurídico
apresentado por Bobbio462, a teoria do ordenamento jurídico, cumpre salientar
que se trata da característica mais marcante desta corrente jurídica, pois,
diferentemente da maioria das teorias juspositivistas, esta foi criada pelo
próprio positivismo jurídico, de forma a se entender o ordenamento jurídico
como o conjunto de todas as normas produzidas pelo Estado (enquanto
detentor do poder soberano de legislar) e ordenadas em um sistema jurídico
uno.
Segundo Bobbio463, essa teoria surgiu no final do século XVIII e início do
século XIX, tendo como o seu maior expoente Hans Kelsen464, que visou dar
456
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 186. 457
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 186. 458
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 186. 459
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 187. 460
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 187. 461
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 462
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 463
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006.
139
maior segurança jurídica à sociedade e ―unidade a um conjunto de normas
jurídicas fragmentárias, que constituam um risco de incerteza e de arbítrio‖.465
Para Bobbio466, a teoria do ordenamento jurídico se baseia em três
características fundamentais: a unidade, a coerência e a completude.
Pela unidade, entende-se o ordenamento jurídico como o conjunto de
leis válidas na medida em que são postas pelo Estado. Trata-se, portanto, de
uma unidade formal analisada sob o prisma da validade, ou seja, sobre a
regularidade da produção legislativa.
Kelsen467 considera a existência de dois tipos de ordenamentos
jurídicos: um de forma estática e outro de forma dinâmica. Este concebe o
Direito de forma positiva e aquele de forma naturalista (pois suas normas
pertencem à moral).
De acordo com Bobbio468, os adeptos do jusnaturalismo entendem que o
direito natural constitui um sistema unitário na medida em que suas normas são
deduzidas logicamente de outras até que se chegue à norma mais geral do
ordenamento, que ―constitui um postulado moral autoevidente‖.469
Já os juspositivistas, para o mesmo autor470, concebem a unidade do
ordenamento jurídico na medida em que as normas sejam deduzidas
logicamente uma das outras, pois todas elas são postas pelo Estado, ou seja,
pela mesma fonte originariamente legitimada para criar o Direito.
Esse raciocínio nos remete à teoria das fontes do Direito (dispostas de
forma hierarquizada num ordenamento jurídico complexo e cuja prevalência
encontra-se nas leis que constituem a única ―fonte de qualificação‖471 jurídica) e
ao entendimento da legitimação do Estado como fonte suprema do Direito. O
poder de produzir as leis que vão reger a sociedade é atribuído pela norma
fundamental, a qual, todavia, não é posta por nenhum outro órgão ou poder
existente no mundo empírico, mas suposta pelo jurista e pelo Estado como um
postulado ou pressuposto para a compreensão do Direito. Surge, com isso, a
464
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 8ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes. 2009. 465
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 198. 466
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 467
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 468
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 469
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 199. 470
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 199. 471
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006.
140
Teoria da Norma Fundamental, idealizada por Hans Kelsen, que será mais bem
tratada no próximo subtítulo. 472
As características da coerência e da completude do ordenamento
jurídico estão intimamente relacionadas (mas, por ora, serão mencionadas
apenas resumidamente, já que sua análise está reservada ao próximo
subtítulo).
A coerência nos diz que o ordenamento jurídico é coerente e harmônico
entre si não podendo existir normas contraditórias, ou seja, antinômicas, sob
pena de apenas uma ou de nenhuma delas ser considerada válida. Havendo
normas que se contradizem e não possam conviver harmonicamente no
ordenamento, uma delas deve ser afastada. Para resolver o problema da
antinomia utilizam-se os critérios hierárquico, da especialidade e cronológico.
Por outro lado, a completude defende que o ordenamento jurídico é
completo e não possui lacunas normativas. Essa característica se assenta em
dois princípios fundamentais: o primeiro determina que o juiz não pode criar o
Direito e o segundo estabelece que o juiz não pode se recusar a julgar um
litígio.
Segundo Bobbio473, a inexistência de lacunas no ordenamento jurídico,
para o positivismo jurídico, se assenta em duas teorias: ―a teoria do espaço
jurídico vazio e a teoria da norma geral exclusiva‖.474
Para esse autor, ―a teoria do espaço jurídico vazio tem seu maior
expoente em Bergbohm e foi sustentada na Itália principalmente por Santi
Romano‖475. Por ela, não há lacunas no ordenamento jurídico, pois, ou existe
uma norma que regule determinada situação, ou não existe porque o fato é
―juridicamente irrelevante‖476, estando situado no ―espaço jurídico vazio‖.477
Já a ―teoria da norma geral exclusiva‖478, de acordo com Bobbio, ―tem o
seu maior expoente em Zitelmann e foi retomada na Itália principalmente por
Donati‖479. Ela preconiza que não existem lacunas no ordenamento jurídico e
nem fatos juridicamente irrelevantes, pois cada norma jurídica particular que
472
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 200. 473
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 474
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 208. 475
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, 208 476
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 208. 477
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 208. 478
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 209. 479
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 209.
141
regula certa situação contém, em si, uma norma implícita que exclui da sua
disciplina todos os atos por ela não previstos, submetendo-os a uma
―regulamentação jurídica antitética‖ 480. Dessa forma, será permitido tudo o que
não for proibido pelo comando normativo.
De acordo com Bobbio481, quando os operadores do Direito falam que
existe uma ―lacuna‖ no ordenamento, para o positivismo jurídico, referido termo
não está sendo usado no sentido técnico-jurídico da palavra ―lacuna‖ e sim no
sentido ideológico, pois eles se referem à ausência de uma determinada norma
para disciplinar uma situação específica.
O termo ―lacuna‖ também é utilizado para se referir aos casos em que a
letra da lei diverge do seu espírito (―mens legis‖), ou seja, quando há uma
dissociação entre ―a vontade expressa e a vontade presumida do legislador‖482,
pois ―a norma não abrange todos os casos que o legislador pretendia
disciplinar‖.483
Para Bobbio484, embora seja possível, esses casos não representam
lacuna do ordenamento jurídico, pois as normas podem ser completadas por
outras dentro do próprio sistema por meio da utilização de recursos de
integração da norma, como a analogia e os princípios gerais do direito, os
quais não importam em criação do Direito, mas mera interpretação.
No que tange ao sexto problema apresentado por Bobbio485, deve-se
salientar que, para o positivismo jurídico, a jurisprudência não tem o papel
criativo na produção do Direito, mas apenas interpretativo. Ao julgador é
vedado produzir norma nova para decidir determinado caso concreto, pois sua
atividade está limitada a buscar, dentro do próprio ordenamento jurídico, a
solução mais adequada ao caso. Dessa forma, o juiz está limitado a uma
análise silogística na qual ele interpreta a norma (premissa maior), aprecia os
fatos postos sob exame (premissa menor) e aplica ou não a norma ao caso
(conclusão).
Nas palavras de Bobbio, ―o positivismo jurídico concebe a atividade da
jurisprudência como sendo voltada não para produzir, mas para reproduzir o
480
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 209. 481
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 482
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 210. 483
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 210. 484
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 485
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006.
142
direito, isto é, para explicitar com meios puramente lógico-racionais o conteúdo
de normas jurídicas já dadas‖.486 Por isso, o juspositivismo propõe dois tipos de
interpretação da norma jurídica: a textual e a extratextual.
A interpretação textual é aquela na qual o julgador se utiliza do próprio
texto da norma para interpretá-la. Existem quatro meios de interpretação
textual: a gramatical (o julgador busca a definição do significado dos termos
contidos na própria norma interpretada), a teleológica (o juiz procura interpretar
a norma de acordo com a finalidade para a qual foi produzida), a sistemática (o
interprete busca esclarecer o significado da norma com base numa análise
conjunta de todo o sistema normativo) e a histórica (interpreta-se a norma com
base no contexto histórico no qual ela foi produzida).
A interpretação extratextual consiste na permissão que o ordenamento
jurídico concede ao juiz para que ele supra eventual ausência de norma por
meio de técnicas de integração legislativa extraídas do próprio sistema
normativo. São três os meios de interpretação extratextual: analogia legis, a
interpretação extensiva e a analogia juris ou princípios gerais de direito487.
Por meio da analogia legis, o interprete, diante da ausência de norma
específica para disciplinar determinado caso concreto posto sob análise, pode
aplicar uma norma criada para disciplinar situação semelhante. E essa
semelhança está na ratio legis (ou seja, a razão que orientou o legislador a
disciplinar o caso objeto de regulamentação legal também deve estar presente
naquele desprovido de previsão normativa).
Na interpretação extensiva, o julgador amplia a hipótese de incidência de
uma norma a fim de abarcar um caso não expressamente previsto, mas similar
ao que está regulamentado.
A analogia juris é a utilização dos princípios gerais de direito presentes
no ordenamento jurídico para buscar a solução para um caso posto em exame.
Por ela, o juiz extrai uma norma geral e abstrata não elaborada expressamente
pelo legislador (princípio geral de direito), mas extraída de diversas normas que
486
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 212. 487
Essas formas de integração da norma estão previstas no art. 4º da LINDB, que prescreve: ―Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.‖ (BRASIL. Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 778-779.)
143
regulam situações singulares semelhantes, e a aplica ao caso particular que
não foi objeto de regulamentação legislativa.
O positivismo jurídico concebe o Direito de modo formalista, pois dá
prevalência às formas na atividade interpretativa. E essa é uma das críticas
sofridas por esta doutrina, pois, segundo os antipositivistas, o juspositivismo
prefere a forma em detrimento da realidade social. Por isso, essa corrente
entrou em declínio, cedendo (um pouco) do seu espaço ao realismo jurídico,
que estuda a ciência jurídica com base na realidade vivenciada pela
sociedade.488
De acordo com o sétimo ponto ou problema, Bobbio489 afirma que o
positivismo jurídico, além de ser uma teoria, é também uma ideologia.
Para esse autor, ―a teoria é a expressão da atitude puramente
cognoscitiva que o homem assume perante uma certa realidade e é, portanto,
constituída por um conjunto de juízos de fato, que têm a única finalidade de
informar os outros acerca de tal realidade‖490. Já a ideologia ―é a expressão do
comportamento avaliativo que o homem assume face a uma realidade,
consistindo num conjunto de juízos de valores relativos a tal realidade, juízos
estes fundamentados no sistema de valores acolhidos por aquele que o
formula, e que têm o escopo de influírem sobre tal realidade‖491. Por isso,
segundo Bobbio, pode-se dizer que uma teoria é ―verdadeira ou falsa‖492, mas
uma ideologia só pode ser ―do tipo conservador ou do tipo progressista‖.493
O positivismo jurídico também é uma ideologia, porque, além de ser uma
corrente que visa a informar as pessoas sobre a ciência jurídica, é também
concebida como uma forma de ―querer o direito‖494, na medida em que
preconiza o ―dever absoluto ou incondicional de obedecer à lei enquanto tal‖495.
Dessa forma, a obediência à lei é, antes de tudo, uma obrigação moral e as
pessoas devem fazê-lo por convicção e não apenas pelo medo da coação.
Esse pensamento de obediência incondicional à lei nasceu com o
surgimento do Estado moderno e com a concepção de que o Estado detém o
488
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 489
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 490
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 223. 491
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 223. 492
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 223. 493
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 223. 494
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 224. 495
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 225.
144
monopólio da produção legislativa, sendo, portanto, a única fonte legítima do
Direito de uma sociedade. Isso representou um campo fértil para o
absolutismo.
Nesse contexto, para Bobbio496, surge o que se entende por positivismo
ético. Existem duas versões do positivismo ético: a extremista e a moderada.
Em ambas, o Direito possui um valor enquanto tal e deve ser respeitado por
toda a sociedade. Porém, na versão extremista, a lei é justa enquanto
produzida pelo órgão estatal legitimado a fazê-lo; o Direito, portanto, tem um
―valor final‖. Já a versão fraca não vincula a justiça da norma à sua validade;
ela entende o Direito enquanto meio necessário para realizar um valor, que é a
ordem, tratando-se, dessa forma, de um ―valor instrumental‖.497
Segundo Bobbio498, para o positivismo ético moderado, a lei é a forma
mais perfeita de Direito, porque ela representa um comando jurídico que possui
generalidade e abstração; características que faltam às outras fontes do
Direito.
A lei é geral, pois prescreve o comportamento de um grupo de pessoas,
não se ocupando de descrever condutas individualizadas. Ela visa dar
tratamento igual àqueles que se encontram numa mesma categoria (concepção
de igualmente formal). E ela é abstrata por prever um conjunto de condutas a
serem, em tese, realizadas, e não apenas uma ação ou omissão singular.
No entanto, sabe-se que existem leis que são singulares e concretas,
fugindo à regra preconizada pelo positivismo jurídico (que descreve a lei como
deveria ser e não como ela é).
Os adeptos do realismo jurídico criticam o juspositivismo sob o seu
aspecto teórico, pois alegam que o Direito preconizado por este último não
reflete a realidade social. Já os jusnaturalistas criticam o aspecto ideológico do
positivismo jurídico na medida em que este robustece o absolutismo pregando
a obediência incondicional à lei, possibilitando a prática de arbitrariedades por
parte do poder estatal soberano, inclusive, com o desrespeito aos direitos
naturais.
496
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 497
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 330. 498
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006.
145
Esses são os sete pontos que Bobbio usa para explicar o positivismo
jurídico, porém, nem todos os adeptos acolhem todos eles; fato que não
descaracteriza o pensamento juspositivista. No entanto, alguns desses pontos
representam traços mais marcantes que outros e devem estar presentes no
pensamento de todos os adeptos do juspositivismo, como a teoria do
ordenamento jurídico, por exemplo, que fundamentou a teoria de um dos mais
famosos autores desta corrente a respeito da validade das normas jurídicas.
4.4 A validade da norma para Hans Kelsen
Conforme mencionado no subtítulo anterior, o positivismo jurídico teve
como uns dos seus principais pontos a adoção da teoria do ordenamento
jurídico, a qual defende que este é caracterizado pela unidade, pela coerência
e pela completude.
Neste momento, vamos nos ater à questão da coerência, por estar em
íntima relação com a teoria da validade na norma concebida por Hans Kelsen.
A coerência defende a ausência de antinomias entre as normas
jurídicas, pois o ordenamento, por ser uno, em tese não possui contradições.
Por isso, havendo duas normas que se contradizem entre si, somente uma
delas ou nenhuma será válida, não podendo ambas permanecer no
ordenamento, já que é condição necessária para a validade de uma norma a
sua compatibilidade com as demais.
Assim sendo, existindo conflito entre mais de uma norma, deve o
magistrado determinar qual delas vai prevalecer e qual será excluída do
ordenamento jurídico. E ele assim o fará com base nos critérios hierárquico, da
especialidade e cronológico que estão previstos, no ordenamento jurídico
brasileiro, no art. 2º da LINDB.
Segundo o critério hierárquico, a norma de grau superior prevalece
sobre a de grau inferior (“lex superior derogat inferior”).499 De acordo com o
critério da especialidade, a norma especial prevalece sobre a norma geral (“lex
specialis derogat generali”).500 Por fim, o critério cronológico preconiza que a
499
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 205. 500
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 205.
146
norma posterior prevalece sobre a norma anterior (“lex posterior derogat
priori”).501
Porém, para Bobbio502, existem situações nas quais esses critérios não
são suficientes para solucionar o problema da antinomia. Isso ocorre quando
houver conflito entre eles próprios ou quando nenhum for passível de aplicação
no caso concreto.
Assim sendo, havendo conflito entre o critério hierárquico e o
cronológico (quando uma norma posterior for contrária a uma norma anterior de
maior hierarquia), prevalecerá aquele. Existindo conflito entre o critério da
especialidade e o cronológico (quando a norma anterior e especial for
antinômica à outra norma posterior e geral), aplicar-se-á aquele em detrimento
deste. Por fim, na hipótese de conflito entre o critério hierárquico e o especial
(quando norma geral de grau superior for antinômica à norma especial de grau
inferior) prevalece o entendimento de que o critério cronológico será utilizado
de forma subsidiária e será aplicada a norma mais recente, não importando
que seja de grau superior e geral ou inferior e especial.
Para Bobbio503, os três critérios acima explicitados não poderão ser
aplicados quando houver mais de uma norma contemporânea, de mesmo grau
hierárquico e de mesma categoria (geral ou especial). Nesse caso, quando a
antinomia ocorrer entre normas de Direito Público, aplicar-se-á o critério da lei
mais favorável (assim entendida como a norma permissiva) sobre a lei mais
prejudicial ao indivíduo (assim considerada a norma imperativa, ou seja, a que
determina um comando), pois a situação normal da pessoa é a sua liberdade
de atuação. Por outro lado, se o conflito envolver normas de Direito Privado,
não se pode aplicar esse critério sob pena de se beneficiar uma das partes em
detrimento da outra, pois, nas relações privadas, uma mesma norma pode
impor um comando a uma parte e uma permissão ou benefício à outra.
Na hipótese de as normas em conflito serem imperativas (uma impõe um
comando e a outra proíbe uma conduta) também não será possível aplicar o
critério da lei mais favorável e as normas não serão contraditórias e sim
501
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006, p. 204. 502
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 503
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006.
147
contrárias, eliminando-se reciprocamente. Dessa forma, para Bobbio504,
nenhuma das normas em conflito será válida, uma vez que ambas estão em
desconformidade com o ordenamento jurídico.
A doutrina de Kelsen é semelhante à de Bobbio, mas tem alguns pontos
de distinção que constituem o seu traço mais marcante.
Kelsen505 afirma que uma norma jurídica é válida quando está em
conformidade com uma norma ―figurativamente designada como norma
superior‖.506 Esta última, por sua vez, será válida quando estiver de acordo com
uma norma superior e assim por diante até se chegar à Constituição de um
país. Para Kelsen507, o fundamento de validade de uma Constituição é a
Constituição imediatamente anterior e assim sucessivamente até se chegar à
primeira Constituição de um Estado, quando, então, o fundamento de validade
desta última será a norma fundamental.
Uma norma jurídica é válida, segundo Kelsen508, não por possuir
determinado conteúdo (pois, em tese, qualquer conteúdo pode ser
transformado em norma e integrar o ordenamento jurídico), mas por ser
produzida de uma determinada forma ditada pela norma fundamental. Assim
sendo, é a norma fundamental que confere ao Estado o poder de criar uma
Constituição e de produzir leis que regularão a sociedade, por isso também as
autoridades investidas no poder de legislar deverão respeitar e obedecer às
normas que criaram, já que todas elas decorrem de uma norma superior (a
norma fundamental).
Em resumo: de acordo com Kelsen509, o fundamento de validade de uma
norma somente pode ser outra norma. E a norma fundamental, que é o
fundamento maior de validade de qualquer norma do ordenamento jurídico, tem
necessariamente que ser uma norma; porém, não se trata de uma norma posta
e sim pressuposta.
Segundo Kelsen510, a norma fundamental é a norma mais elevada de
uma ordem normativa (ou ordenamento jurídico) e sua validade não pode ser
504
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 2006. 505
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 506
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009, p. 215. 507
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 508
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 509
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 510
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009.
148
questionada. Ela não é posta pela vontade dos homens ou do Estado, mas
pressuposta pelo costume que deu origem à primeira Constituição de um
Estado, pelo primeiro ato constituinte da história de uma nação ou pelo poder
constituinte sobre o qual se funda a ordem jurídica. Nas palavras de Kelsen,
Neste sentido, a norma fundamental é a instauração do fato fundamental da criação jurídica e pode, nestes termos, ser designada como constituição no sentido lógico-jurídico, para a distinguir da Constituição em sentido jurídico-positivo. Ela é o ponto de partida de um processo: do processo da criação do Direito positivo.
511
Ainda de acordo com esse autor512, uma ordem normativa é formada por
todas as normas cujos fundamentos de validade possam ser conduzidos a uma
mesma norma fundamental. Dessa forma, haverá tantas ordens normativas
quantos forem os grupos de normas que possuírem uma norma fundamental
como fonte comum de validade entre elas.
Em outras palavras, o fundamento de validade de determinada norma
jurídica será sempre a norma fundamental do ordenamento jurídico que ela
integra, ou seja, a análise da validade de qualquer norma jurídica passará pela
sua conformidade com a norma fundamental, cuja função primordial é
―fundamentar a validade objetiva de uma ordem jurídica positiva‖.513
O silogismo a ser realizado, neste caso, consiste na análise comparativa
entre a premissa menor (norma cuja validade se questiona) e a premissa maior
(norma fundamental), sendo a conclusão a afirmação ou a negação da validade
da norma.514
Como as normas do ordenamento jurídico têm a norma fundamental
como seu fundamento de validade, Kelsen515 afirma que a ordem jurídica é una
e não pode conter normas contraditórias entre si. Dessa forma, havendo
contradição lógica entre duas normas (uma proíbe e a outra ordena
determinada conduta), impõe-se que uma delas seja falsa. Contudo, para esse
autor516, não é correto dizer que uma norma seja verdadeira ou falsa; fala-se
511
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009, p. 222. 512
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 513
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009, p. 226. 514
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 515
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 516
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009.
149
em validade ou invalidade de uma norma conforme ela esteja ou não
consoante a norma fundamental.
Segundo Kelsen517, o conflito entre normas de mesma hierarquia se
resolve pelo (já mencionado) critério cronológico. Assim, no conflito entre duas
normas individuais ou duas decisões de tribunais distintos, o órgão competente
para executar a norma escolherá qual será aplicada e a outra, se permanecer
sem eficácia durante muito tempo, para Kelsen518, perderá a sua validade. Isso
está em conformidade com a norma fundamental porque, de acordo com esse
autor, ―A eficácia é estabelecida na norma fundamental como pressuposto da
validade‖.519
Havendo conflito entre duas normas, sendo uma de hierarquia superior à
outra, prevalecerá aquela de grau mais alto, pois a norma de grau inferior retira
o seu fundamento de validade da norma superior. A existência de contradição
entre ambas significa que o legislador violou essa regra e, portanto, a norma
hierarquicamente inferior deverá ser declarada inválida.520
Isso ocorre porque, segundo a doutrina de Kelsen521, uma norma
somente é válida num determinado ordenamento jurídico na medida em que for
produzida da maneira determinada por outra norma de status superior a ela,
pois a norma inferior retira o seu fundamento de validade imediato da norma
superior e todas têm, na norma fundamental, o fundamento último de validade.
Kelsen522 afirma que a norma jurídica de direito positivo que possui a
posição mais elevada na hierarquia normativa de uma ordem jurídica é a
Constituição de um Estado.
Para ele523, a Constituição é um documento legislativo que dispõe sobre
a produção de normas jurídicas gerais (legislação) do ordenamento jurídico,
podendo ou não trazer prescrições sobre outras matérias politicamente
importantes. A fixação das regras para produção normativa pode se dar tanto
no que diz respeito à disciplina do processo legislativo, como no conteúdo das
leis que serão criadas.
517
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 518
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 519
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009, p. 232. 520
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 521
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 522
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 523
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009.
150
A norma imediatamente seguinte à Constituição na escala hierárquica,
segundo Kelsen524, são as normas gerais integrantes da legislação e dos
costumes (neste caso, apenas se a Constituição estabelecer o costume como
fonte do Direito produtora de normas gerais).
De acordo com Kelsen525, as normas imediatamente seguintes à
legislação de normas gerais são as leis editadas pelo parlamento e os decretos
(atos normativos provenientes do Chefe do Poder Executivo).
Assim sendo, a escala normativa kelseniana526 está hierarquizada da
seguinte forma: em primeiro lugar a norma fundamental; em segundo, a
Constituição; em terceiro, a legislação de normas gerais e os costumes; e em
quarto, as leis editadas pelo parlamento e os decretos provenientes de
autoridade administrativa.
A teoria de Kelsen sobre a validade das normas foi criada no contexto do
positivismo jurídico da Europa.
O juspositivismo, apesar da sua importância no estudo das ciências
jurídicas, foi alvo de algumas críticas. Isso proporcionou o surgimento do pós-
positivismo jurídico, que implicou a introdução de conceitos morais no
ordenamento jurídico por meio do fortalecimento de princípios constitucionais
(como a dignidade da pessoa humana, o bem estar social, a igualdade
material, dentre outros) e da análise da validade das normas integrantes do
ordenamento jurídico com base nos princípios e direitos fundamentais previstos
na Constituição.
Contudo, algumas características do positivismo jurídico ainda
permanecem, pois a lei continua sendo a principal fonte do Direito na nossa
sociedade e a Constituição continua sendo o fundamento de validade das leis
no ordenamento jurídico de diversos países, dentre eles, do Brasil.
Dessa forma, a ordem jurídica brasileira adota a teoria de Kelsen sobre a
validade das normas, mas com algumas ponderações.
As espécies normativas existentes no Brasil estão previstas no art. 59 da
CRFB/1988 e compreende: as emendas constitucionais, as leis
524
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 525
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009. 526
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2009.
151
complementares, as leis ordinárias, as leis delegadas, as medidas provisórias,
os decretos legislativos e as resoluções das Casas Legislativas.
As emendas constitucionais, depois de promulgadas, se incorporam ao
texto da Constituição e possuem a mesma força normativa das demais normas
constitucionais.
Depois de aprovadas conforme o devido processo legislativo previsto
nos art. 61 a 69 da CRFB/1988, as leis delegadas e as medidas provisórias se
equiparam às leis ordinárias e possuem o mesmo status normativo destas. A
distinção entre elas reside nas formalidades para elaboração da lei e nas
restrições materiais às leis delegadas e às medidas provisórias previstas no art.
68, §1º, e art. 62, §1º, da CRFB/1988, respectivamente.
As leis complementares, apesar de exigirem um processo legislativo
mais rigoroso para a sua aprovação, não são hierarquicamente superiores às
demais espécies normativas (à exceção das emendas constitucionais). O que
as distingue é que o campo material de competência reservado à lei
complementar está taxativamente previsto na CRFB/1988, ficando as demais
leis com competência residual, respeitadas as restrições constitucionais.
Os decretos legislativos e as resoluções são atos normativos infralegais,
de competência exclusiva das Casas Legislativas, e se destinam, em regra, à
disciplina dos respectivos regimentos internos, do funcionamento das Casas e
da organização dos trabalhos.
Os decretos emanados do Poder Executivo são normas infralegais que
não podem inovar no ordenamento jurídico, mas apenas disciplinar matéria já
prevista na legislação ordinária, para dar fiel execução à lei. Portanto, têm
status normativo inferior ao das leis (complementares e ordinárias).
Em suma: a ordem jurídica brasileira está dividida, hierarquicamente, em
três níveis. No topo da escala, está a Constituição (incluindo as emendas
constitucionais regularmente promulgadas); no segundo grau, estão as leis
complementares, as leis ordinárias, as leis delegadas e as medidas provisórias;
no terceiro grau estão os decretos emanados do Poder Executivo. Assim
sendo, o fundamento de validade destes últimos são as leis a que visam
regulamentar e dar cumprimento (as quais estão em segundo grau na escala
hierárquica) e o fundamento de validade destas é a CRFB/1988 (que ocupa o
primeiro grau na hierarquia normativa).
152
Dessa forma, no Brasil, para que uma norma integrante da legislação
ordinária seja válida, ela deve estar em consonância com o sistema
constitucional, ou seja, com as normas previstas na CRFB/1988, consideradas
em seu conjunto.
Com base nessas considerações, percebe-se que, diante de uma
análise puramente formal, o art. 86, parágrafo único, da Lei 11.101/2005, no
que tange à restituição em dinheiro decorrente do direito de propriedade, é
inconstitucional por contrariar a literalidade do art. 5º. XXII, da CRFB/1988. A
possibilidade de preservação de referido dispositivo com base numa
relativização de direitos fundamentais será analisada no próximo capítulo.
4.5 Pós-positivismo
Com o decurso do tempo e o desenvolvimento de sua teoria, o
positivismo jurídico sofreu fortes críticas. A maior parte delas fundada no
excesso de legalismo do Direito que concebia a norma como legitimação da
ordem jurídica estabelecida e na concepção que relegava ao segundo plano a
análise acerca da justiça. Segundo Barroso, ―O Direito reduzia-se ao conjunto
de normas em vigor, considerava-se um sistema perfeito e, como todo dogma,
não precisava de qualquer justificação além da própria existência‖.527
Com o tempo e a grave violação aos direitos humanos praticados a
pretexto de cumprir a lei, o juspositivismo entrou em declínio.
Para Barroso528, o positivismo jurídico almejou ser uma doutrina jurídica
baseada em juízos de fato (afastando-se dos juízos de valor), pois o jurista
deveria assumir uma postura eminentemente cognoscitiva em relação à norma
e à realidade, na medida em que sua atividade se limitaria a uma análise
silogística, aplicando a lei (premissa maior) aos fatos (premissa menor) e
extraindo a conclusão (solução para o caso posto em juízo). No entanto, ele
acabou se tornado uma ideologia, ―movida por juízos de valor, por ter se
527
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo), p. 25. 528
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). 2003, p. 26.
153
tornado não apenas um modo de entender o Direito, como também de querer o
Direito‖.529
Esse autor530 critica o juspositivismo, afirmando que o Direito não pode
se limitar à descrição da realidade, porque ele também atua sobre a realidade,
transformando-a e conformando-a, na medida em que representa, sobretudo,
uma criação e não um mero dado a ser estudado. Por isso, a objetividade e a
neutralidade do jurista preconizada pelo positivismo jurídico não podem ser
totalmente concretizadas.
O dogma legalista pregava a obediência incondicional à lei distanciada
da análise da justiça, conferindo à norma jurídica um caráter legitimador da
ordem jurídica vigente, independentemente do seu conteúdo. Isso possibilitou a
ascensão de regimes autoritários, em especial o nazismo da Alemanha e o
fascismo da Itália, que cometeram graves violações a direitos humanos sob o
pretexto de cumprir a lei e respeitar as ―ordens emanadas da autoridade
competente‖.531
Barroso532 aponta, como um dos marcos da queda do positivismo
jurídico (além do surgimento de novos movimentos filosóficos na Europa), a
superação desses regimes totalitários. Para ele, ―Ao fim da Segunda Guerra
Mundial, a idéia de um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos e da lei
como um (sic) estrutura meramente formal, uma embalagem para qualquer
produto, já não tinha mais aceitação no pensamento esclarecido‖.533 Isso
porque ―A troca do ideal racionalista de justiça pela ambição positivista de
certeza jurídica custou caro à humanidade‖.534
Nesse contexto, começou a surgir uma nova corrente filosófica
concebendo o Direito enquanto a ciência (jurídica) que não se limita apenas a
uma análise cognoscitiva da norma baseada no silogismo, mas também
529
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). 2003, p. 26. 530
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). 2003. 531
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). 2003, p. 26. 532
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). 2003, p. 26. 533
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). 2003. 534
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). 2003.
154
valorativa, fundada no ideal de justiça e na sobrelevação de princípios
constitucionais e direitos fundamentais. Nas palavras de Barroso,
A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica e a teoria dos direitos fundamentais.
535
O pós-positivismo não surge com a pretensão de superar totalmente o
positivismo jurídico. Pelo contrário, ele defende a permanência, porém com
certa relativização, do dogma da legalidade, e da introdução de conceitos
morais, da concepção de justiça, da equidade e da legitimidade no
ordenamento jurídico. Esses valores passaram a integrar o texto constitucional
explícita ou implicitamente, importando em princípios ou vetores a serem
seguidos pelos Poderes Públicos e por toda a sociedade. Com isso, Barroso
afirma que ocorre a reaproximação entre o Direito e a Ética.536
Os princípios possuem alto conteúdo axiológico, pois manifestam os
valores fundamentais do ordenamento jurídico, dão unidade ao sistema e
condicionam a atividade do intérprete. No entanto, eles também ganharam
grande carga normativa e passaram a ter o mesmo status das normas
positivadas na Constituição (regras), ganhando eficácia jurídica e aplicabilidade
direta e sendo parâmetro para o controle de constitucionalidade das leis e atos
normativos do ordenamento jurídico para análise da validade da norma jurídica
(tais como as regras positivadas). Para Barroso,
A Constituição passa a ser encarada como um sistema aberto de princípios e regras, permeável a valores jurídicos supra-positivos, no qual as idéias de justiça e de realização dos direitos fundamentais desempenham um papel central.
537
535
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). 2003, p. 26-27. 536
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). 2003. 537
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). 2003, p. 30.
155
Ainda para esse autor ―o Direito é um sistema aberto de valores‖538 e ―A
Constituição, por sua vez, é um conjunto de princípios e regras destinados a
realizá-los, a despeito de se reconhecer nos valores uma dimensão
suprapositiva‖.539
Com isso, tornou-se admissível a possibilidade de colisão entre
princípios constitucionais e entre estes e as regras. Nesse caso, ao contrário
do conflito entre as regras, que pode ser resolvidos pelos critérios hierárquico,
cronológico e da especialidade, a colisão entre princípios será resolvida pelo
emprego de uma técnica concebida por Robert Alexy, denominada ponderação
de valores ou de interesses (que será tratada no capítulo seguinte).
Essa mudança de paradigma influenciou a hermenêutica constitucional,
pois se entendeu que a sociedade vivencia inúmeras possibilidades e o Direito
não é capaz de disciplinar todas elas. Assim, a interpretação constitucional se
abre a todos os destinatários da norma, possibilitando a resolução de casos
concretos por meio das regras, dos princípios (explícitos ou implícitos) ou da
conjugação de ambos.
Apesar do declínio do positivismo jurídico, deve-se salientar que não
houve a sua completa superação, pois o sistema jurídico não abandonou as
regras jurídicas positivadas pelo Estado-legislador, a concepção de ser a lei a
principal fonte do Direito, bem como a escala hierárquica das diferentes
espécies normativas. O que o pós-positivismo defende é a coexistência
harmônica entre regras e princípios no ordenamento jurídico de forma a
concretizar os ideais de segurança jurídica e justiça.
5 DIREITO/GARANTIA FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE E SUA POSSÍVEL RELATIVIZAÇÃO
5.1 Considerações iniciais
538
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). 2003, p. 35. 539
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). 2003, p. 35.
156
Sem tratar dos pormenores sobre a evolução dos princípios durante a
história do Direito, uma vez que esse não é o tema desta Dissertação, mas a
fim de contextualizar o leitor, é importante fazer algumas observações (de
forma sucinta) antes de adentrar ao tema proposto.
Segundo Fernandes540, inicialmente, os princípios foram concebidos sob
o dogma do direito natural (ou jusnaturalismo), sendo entendidos pelos adeptos
dessa corrente filosófica como ―supranormas‖ ou ―elementos norteadores da
conduta humana, que atuam definindo padrões substanciais de justiça‖.541
Para esse autor542, com a mudança de paradigma do jusnaturalismo
para o juspositivismo, os princípios, enquanto normas não positivadas, foram
excluídos do ordenamento, pois o Direito limitava-se às normas postas pelo
Estado.
Posteriormente, o declínio do positivismo jurídico e a busca por uma
corrente jusfilosófica que primasse pela inserção dos conceitos de justiça e dos
valores morais no Direito a fim colocar o ser humano no centro do ordenamento
jurídico (e não mais as normas positivadas), os princípios foram paulatinamente
adquirindo força normativa e, ao lado das regras, passaram a integrar a ordem
jurídica com normatividade vinculante para todos os cidadãos e órgãos
estatais.
Conforme já mencionado no capítulo anterior, essa ascensão dos
princípios ao status de norma jurídica marca o início do surgimento do pós-
positivismo jurídico, caracterizado pela incorporação de valores no sistema
jurídico estatal (em especial no texto da Constituição). Esses valores são
entendidos como ―escolhas culturais de uma dada sociedade‖543, as quais ―têm
um caráter ético-político e marcam a existência de uma forma de vida tida
como desejável e querida por seus membros‖.544
Nesse sentido, segundo Fernandes545, a doutrina constitucionalista
busca definir a existência de vários tipos de princípios constitucionais, como os
princípios estruturantes ou fundamentais previstos nos art. 1º a 4º da
540
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Colaborador Flávio Quinaud Pedron. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris. 2011. 541
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 201. 542
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011. 543
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 203. 544
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 203. 545
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011.
157
CRFB/1988, dentre os quais se encontram o princípio republicano, o princípio
federativo, o princípio da separação dos poderes. Além disso, fala-se, ainda,
em princípios gerais constitucionais, que representam especificação ou
desdobramento dos princípios fundamentais, entre os quais estão inseridos
direitos fundamentais individuais previstos no art. 5º da CRFB/1988.
Isso nos permite afirmar que os direitos fundamentais previstos na
CRFB/1988, muito mais que simples direitos subjetivos, são princípios
constitucionais. E, como tais, além de orientar a atuação de toda a sociedade e
dos órgãos públicos, trazem a carga normativa e as características a eles
inerentes, inclusive no que tange à aplicação da técnica da ponderação de
interesses para solução de possíveis colisões.
5.2 Colisão entre princípios constitucionais/ direitos fundamentais
Robert Alexy546 é um dos mais famosos autores a tratar da força
normativa dos princípios e da distinção entre estes e as regras. Para ele547,
ambos são normas jurídicas, pois contém um comando, uma permissão ou
uma proibição. Nas palavras desse autor,
Tanto as regras como os princípios são normas porque ambos estabelecem o que é devido. Ambos podem ser formulados, com a ajuda de expressões deônticas básicas do mandato, da permissão e da proibição. Os princípios, tais como as regras, são razões para realização de juízos concretos de dever ser, ainda quando sejam razões de um tipo muito diferente. A distinção entre regras e princípios é então uma distinção entre dois tipos de normas.
548
546
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. Traducción y estudio introductorio de Carlos Bernal Pulido. 2ª ed. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales. 2007. 547
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 548
Texto original: ―Tanto las reglas como los principios son normas porque ambos establecen lo que es debido. Ambos pueden ser formulados, con la ayuda de las expresiones deónticas básicas del mandato, el permiso y la prohibición. Los principios, al igual que las reglas, son razones para llevar a cabo juicios concretos de deber ser, aun cuando sean razones de un tipo muy diferente. La distinción entre reglas y principios es entonces una distinción entre dos tipos de normas.‖ (ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007, p. 64-65)
158
Alexy propõe que essa diferenciação seja feita por meio da análise da
resolução dos conflitos existentes entre essas normas jurídicas. E isso somente
pode ser feito no momento da aplicação do Direito ao caso concreto.549
Dessa forma, para ele550, as regras se diferem dos princípios na medida
em que elas contêm ―mandados definitivos‖ 551 e são regidas pela ―dimensão da
validade‖552, pois são dotadas de uma estrutura fechada, que envolve a lógica
do ―tudo ou nada‖553. Não é possível que duas regras contraditórias
permaneçam, ao mesmo tempo, válidas no ordenamento jurídico. Nessa
hipótese, uma deverá uma ser excluída ou extirpada, salvo se houver uma
cláusula de exceção em uma dela. Assim, a regra será ou não aplicada à
determinada situação caso ela seja ou não válida e haja possibilidade de
subsunção ao fato sob análise.
Já os princípios, ao contrário, por terem uma estrutura mais aberta e
dotada de maior flexibilidade, não são tão conservadores quanto as regras, e,
por isso, são resolvidos pela ―dimensão do peso‖ 554. Os princípios são
entendidos como ―mandados de otimização‖555, na medida em que a sua
aplicação se dará na maior ou na melhor medida possível de acordo com as
peculiaridades do caso posto sob apreciação, pois eles possuem pesos
diferentes que somente podem ser avaliados casuisticamente.
Assim sendo, Alexy556 afirma que, na solução do conflito entre princípios,
o aplicador da norma deverá fazer uma gradação das normas em colisão e
avaliar qual delas melhor se adéqua à situação específica que está sendo
analisada, ou seja, qual delas poderá ser aplicada na maior ou na melhor
medida possível. Quanto mais o intérprete se aproximar de um princípio, mais
ele se distanciará do outro, porém ambos os princípios em conflito
permanecerão validos e aplicáveis no ordenamento jurídico, porque essa
análise é casuística e, em outra situação (podendo, inclusive, envolver um
embate entre os mesmos princípios), a perspectiva poderá mudar. Segundo
Alexy,
549
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 550
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 551
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007, p. 80. 552
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007, p. 80. 553
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007, p. 80. 554
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 555
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 556
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007.
159
O ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios é que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Por isso, os princípios são mandados de otimização, que se caracterizam porque podem cumprir-se em diferentes graus e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais senão também das jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas se determina pelos princípios e regras opostos. Ao contrário, as regras são normas que só podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então deve-se fazer exatamente o que ela exige, nem mais nem menos. Por isso, as regras contêm determinações no âmbito do factual e juridicamente possível. Isso significa que a diferença entre regras e princípios é qualitativa e não de grau. Toda norma é ou bem uma regra ou bem um princípio.
557
Haverá a colisão entre princípios quando o exercício de um direito
fundamental por parte do seu titular puder implicar a necessária restrição de
outro direito igualmente relevante do mesmo ou de titular diverso.
Para Mendes, Coelho e Branco, ―Tem-se, pois, autêntica colisão apenas
quando um direito individual afeta diretamente o âmbito de proteção de outro
direito individual.‖558 Nesse sentido, é comum se verificar a situação de embate
entre o direito à informação (liberdade de imprensa) e o direito à intimidade de
pessoas famosas ou entre o direito à vida e a dignidade da gestante que
carrega em seu ventre um feto anencéfalo.
Segundo esses autores559, não se pode falar em colisão entre direitos
fundamentais quando houver apenas uma situação de ―conflito aparente‖560, na
qual a concretização de um direito não se encontra inserida no âmbito de
557
Texto original: ―El punto decisivo para la distinción entre reglas y principios es que los principios son normas que ordenan que algo sea realizado en la mayor medida posible, dentro de las posibilidades jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, los principios son mandatos de optimización, que se caracterizan porque pueden cumplirse en diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no sólo depende de las posibilidades reales sino también de las jurídicas. El ámbito de las posibilidades jurídicas se determina por los principios y reglas opuestos. En cambio, las reglas son normas que sólo pueden ser cumplidas o no. Si una regla es válida, entonces debe hacerse exactamente lo que ella exige, ni más ni menos. Por lo tanto, las reglas contienen determinaciones en el ámbito de lo fáctica y jurídicamente posible. Esto significa que la diferencia entre reglas y principios es cualitativa y no de grado. Toda norma es o bien una regla o un principio.‖ (ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007, p. 67-68) 558
MENDES Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica – Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP. 2000, p. 280. 559
MENDES Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 2000, p. 280. 560
MENDES Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 2000, p. 280.
160
proteção de outro. Nesses casos, afirmam que não se pode cogitar de
aplicação da técnica da ponderação sob o pretexto de resolver a colisão entre
direitos a fim de se buscar a legitimação para condutas como, por exemplo,
cometer assassinato no palco de teatro em nome da liberdade artística ou
cometer poligamia em nome da liberdade de religião.561
A flexibilização de direitos fundamentais é uma medida extrema que
deve ser realizada de forma criteriosa e apenas quando absolutamente
necessária à tutela dos próprios direitos fundamentais. Ela não pode ser usada
quando houver uma colisão meramente aparente entre direitos em casos nos
quais o exercício de um não interfere no âmbito de proteção do outro.
Objetivando evitar subjetivismo ou decisionismos por parte do Poder
Judiciário, Alexy562 propõe o uso de um critério (segundo ele) racional para
resolução dos conflitos entre as normas jurídicas. Esse critério é a ponderação
de valores (ou interesses), que consiste em ―estabelecer qual dos interesses,
que tem a mesma classificação em abstrato, possui maior peso no caso
concreto‖563. E, para realizar essa ponderação, utiliza-se o princípio da
proporcionalidade (com seus três subprincípios: adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito). De acordo com esse autor,
Esta situação de decisão responde exatamente à colisão de princípio. As diferença são só de tipo terminológico. Não se fala de uma <<colisão>> senão de uma <<situação de tensão>> e de um <<conflito>> e aquele que entra em colisão e, que é objeto da ponderação, não se chama <<princípio>> mas <<dever>>, <<bem>>, <<direito fundamental>>, <<pretensão>> e <<interesse>>. É perfeitamente possível apresentar a situação de decisão como uma colisão de princípios.
564
561
MENDES Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 2000. 562
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 563
Texto original: ―... establecer cuál de los intereses, que tienen el mismo rango en abstracto, posee mayor peso en el caso concreto‖. (ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007, p. 72) 564
Texto original: ―Esta situación de decisión responde exactamente a la colisión de principios. Las diferencias son sólo de tipo terminológico. No se habla de una <<colisión>> sino de una <<situación de tensión>> y de un <<conflicto>> y aquello que entra en colisión y, que es objeto de la ponderación, no se denomina <<principio>> sino <<deber>>, <<bien>>, <<derecho fundamental>>, <<pretensión>> e <<interés>>. Es perfectamente posible presentar la situación de decisión como una colisión de principios.‖ (ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007, p. 72)
161
Percebe-se, dessa forma, que, para Alexy565, é terminologicamente mais
correto se falar em conflito ou tensão de interesses, bens, deveres, pretensões
ou de direitos fundamentais. Mas a expressão ―colisão de princípios‖ está
consagrada na doutrina brasileira, por isso usaremo-la indistintamente junto
com as demais.
Assim, numa situação de conflito entre princípios, para Alexy566, existem,
pelo menos, duas normas jurídicas (direitos, bens ou interesses), sendo que
uma delas limita a incidência ou possibilidade de aplicação da outra, mas
nenhuma é eliminada definitivamente do ordenamento jurídico. Também não
há necessidade de introdução de uma cláusula de exceção em uma delas, pois
a tensão entre princípios não se resolve pela dimensão da validade e sim do
peso. Cabe frisar, novamente, que essa análise somente poderá ser feita à luz
de um determinado caso concreto, pois, segundo o próprio autor567, em cada
situação o raciocínio do julgador poderá ser diferente.
Segundo Alexy568, a ponderação entre princípios sempre poderá ser
realizada, pois não existem princípios absolutos. Para ele569, todos os
princípios são relativos e, em uma situação de tensão, podem ceder espaço ao
outro que com eles conflitam no caso concreto. Nesse sentido, Alexy570 afirma
que até o princípio da dignidade da pessoa humana pode ser ponderado e
ceder espaço à aplicação de outros. O maior exemplo disso, de acordo com o
autor571, é a possibilidade de imposição de prisão perpétua a um criminoso
perigoso para proteger a sociedade. Verbis,
Que o princípio da dignidade humana, com o fim de definir o conteúdo da regra da dignidade humana, se pondere frente a outros princípios, é algo que se mostra de maneira especialmente clara na Sentença sobre a prisão perpétua onde se diz que a <<dignidade humana [...] não é lesionada quando a execução da pena é necessária devido ao permanente perigo que o detento representa e, por esta razão, não está permitida a sua soltura>>. Com esta fundamentação se constata que a proteção da <<comunidade estatal>>, sob essas condições, tem precedência frente ao princípio
565
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 566
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 567
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 568
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 569
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 570
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 571
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007.
162
da dignidade humana. Se as condições mudarem, a preferência pode ser fixada de outra forma.
572
Para Alexy573, existe a regra e o princípio da dignidade da pessoa
humana. Este é sempre relativo e poderá ser ponderado com outro que com
ele colidir. Ao contrário, de acordo com esse autor574, a regra da dignidade da
pessoa humana (como toda regra) é absoluta e nunca poderá ser ponderada
ou relativizada e sim aplicada, ou não, ao caso concreto se estiverem
presentes as condições para a sua subsunção.
Segundo Alexy575, a regra da dignidade da pessoa humana é a norma
jurídica que dá à dignidade da pessoa humana, em determinadas situações, o
caráter de superioridade absoluta sobre outros direitos, tal como ocorre na
proteção ao direito à vida, à integridade física e aos direitos da personalidade,
por exemplo. Já o princípio da dignidade da pessoa humana é a norma jurídica
dotada de maior abertura e vagueza semântica, depreendido de forma reflexa
das situações em que incide por decorrer de alguma outra norma, direito ou
valor em questão.
Em suma: as regras, ao contrário dos princípios, são absolutas e regem-
se pela dimensão da validade. Por isso, em caso de colisão entre elas, o juiz
deverá usar a técnica da subsunção e escolher qual das normas conflitantes se
aplica ao caso concreto, sendo que a opção por uma elimina a possibilidade de
aplicação da outra. Nas situações mais complexas, envolvendo princípios
colidentes, deverá ser realizada a ponderação de interesses com a utilização
do princípio da proporcionalidade. Porém, a maior incidência de um princípio
não invalida o outro (que permanece no ordenamento jurídico), mas apenas
reduz a sua força normativa na hipótese específica em análise.
572
Texto original: ―Que el principio de la dignidad humana, con el fin de definir el contenido de la regla de la dignidad humana, se pondere frente a otros principios, es algo que se muestra de manera especialmente clara en la Sentencia sobre la prisión perpetua en donde se dice que la <<dignidad humana […] tampoco es lesionada cuando la ejecución de la pena es necesaria debido a la permanente peligrosidad del detenido y, por esta razón, no está permitido el indulto>>. Con esta formulación se constata que la protección de la <<comunidad estatal>>, bajo las condiciones indicadas, tiene precedencia frente al principio de la dignidad humana. Si se dan otras condiciones, la preferencia puede ser fijada de otra manera.‖ (ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007, p. 88) 573
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 574
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 575
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007.
163
Alexy576 afirma que as normas definidoras de direitos fundamentais são
princípios e, citando a Corte Constitucional Federal Alemã, afirma que o
princípio da proporcionalidade deriva dos próprios direitos fundamentais. Dessa
forma, numa situação de tensão entre estes, deverá o julgador se valer, no
caso concreto, do princípio da proporcionalidade para resolver o conflito. Para
ele577, essa solução é a mais racional e capaz de evitar o subjetivismo dos
juízes.
O princípio da proporcionalidade é composto de três subprincípios: a
adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito578.
Alexy579 afirma que os subprincípios da necessidade e da adequação
são entendidos como mandados de otimização relacionados a ―possibilidades
fáticas‖580, pois envolvem, em cada caso, uma análise pontual e específica das
possibilidades concretas de relativização. Assim, pelo subprincípio da
adequação, analisa-se se o meio empregado é apto a possibilitar o alcance do
fim pretendido e, pelo subprincípio da necessidade, verifica-se se foi usada a
medida menos gravosa possível para se atingir o objetivo visado.
A proporcionalidade em sentido estrito é um mandado de otimização que
permite a relativização dos princípios com base nas ―possibilidades jurídicas‖581
da aplicação de uma norma. Ou seja, o julgador deve analisar os princípios em
conflito e verificar qual deve ser flexibilizado para dar prevalência ao outro a fim
de causar o menor prejuízo possível, sacrificando o princípio de menor peso no
caso concreto. De acordo com Alexy,
O subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, é dizer, o mandato de ponderação, resulta da relativização relacionada às possibilidades jurídicas. Se uma norma de direito fundamental com caráter de princípio entra em colisão com um princípio contraposto, então as possibilidades jurídicas para a realização da norma de direito fundamental dependem do princípio contraposto. Para chegar a uma decisão, é indispensável realizar uma ponderação, no sentido da lei da colisão. Como está ordenado aplicar os princípios válidos, quando eles são aplicáveis, e que para sua aplicação nos casos de colisão é indispensável realizar uma ponderação, então, o caráter de princípio das normas de direito fundamental implica resolver uma
576
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 577
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 578
Texto original: ―idoneidad‖, ―necessidad‖ e a ―proporcionalidad en sentido estricto‖. (ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007, p. 92) 579
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007. 580
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007, p. 93. 581
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007.
164
ponderação quando elas entram em colisão com outros princípios contrapostos. Isto quer dizer que o princípio da proporcionalidade em sentido estrito é dedutível do caráter de princípio das normas de direito fundamental.
582
Em outros termos: caberá ao aplicador da norma, ao ponderar dois
direitos fundamentais de igual hierarquia, aferir qual dos valores em questão
possui maior peso no caso concreto, analisar se a relativização do princípio de
menor peso é adequada e necessária para a otimização daquele de maior peso
e se o direito que se pretende implementar em maior medida justifica a
aplicação da regra da ponderação.
Apesar da existência de críticas, a teoria de Robert Alexy encontrou
adeptos e se difundiu em diversos países do mundo, sendo hoje uma
realidade.
No Brasil, o Poder Judiciário tem admitido a relativização de direitos
fundamentais por meio da aplicação da técnica da ponderação de interesses.
Isso se manifesta em diversos julgados da jurisprudência do STF, entre os
quais podem ser citados, como exemplos, o RE nº 153.531-8/SC, Rel. Ministro
Marco Aurélio, Segunda Turma, DJ 13.03.1998583 (conflito entre o direito de
manifestação cultural e direito ambiental de proteção aos animais), e o RE nº
363.889/DF, repercussão geral, Rel. Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJ
16.12.2011584 (conflito entre a segurança jurídica protegida pela coisa julgada e
582
Texto original: ―El subprincipio de proporcionalidad en sentido estricto, es decir, el mandato de la ponderación, se sigue de la relativización con respecto a las posibilidades jurídicas. Si una norma de derecho fundamental con carácter de principio entra en colisión con un principio contrapuesto, entonces las posibilidades jurídicas para la realización de la norma de derecho fundamental dependen del principio contrapuesto. Para llegar a una decisión, es indispensable llevar a cabo una ponderación, en el sentido de la ley de la colisión. Dado que está ordenado aplicar los principios válidos, cuando ellos son aplicables, y que para su aplicación en los casos de colisión es indispensable llevar a cabo una ponderación, entonces, el carácter de principio de las normas de derecho fundamental implica que está ordenado llevar a cabo una ponderación cuando ellas entran en colisión con otros principios contrapuestos. Esto quiere decir que el subprincipio de proporcionalidad en sentido estricto es deducible del carácter de principio de las normas de derecho fundamental.‖ (ALEXY, Robert. Teoría de los derechos Fundamentales. 2007, p. 92) 583
COSTUME – MANIFESTAÇÃO CULTURAL – ESTÍMULO – RAZOABILIDADE – PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA – ANIMAIS – CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do art. 225 da Constituição Federal, no que veda a prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado ―farra do boi‖. (STF, RE nº. 153.531-8/SC, Rel. Min. Marco Aurélio, Segunda Turma, DJ 13 mar. 1998). 584
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE DECLARADA EXTINTA, COM FUNDAMENTO EM COISA JULGADA, EM RAZÃO DA
165
o direito da personalidade consistente no conhecimento da própria origem
genética).
Apesar de não haver menção expressa sobre essa possibilidade no
ordenamento jurídico brasileiro, a ponderação de interesses é aplicada pelo
Poder Judiciário sempre que o exercício de um direito é capaz de interferir
diretamente no âmbito de proteção de outro de modo que ambos não possam
ser implementados, em igual medida, em determinado caso concreto.
O próprio legislador ordinário, por vezes, realiza essa restrição quando
há necessidade de compatibilizar direitos/garantias fundamentais, tal como
ocorre, por exemplo, com o direito de propriedade e a necessidade de
cumprimento da função social da propriedade privada. E isso se dá exatamente
em razão de uma das características desses direitos, que é a relatividade.
Contudo, essa flexibilização deve ser sempre cuidadosa e seguida de uma
análise racional sobre os direitos envolvidos, não podendo ser indiscriminada.
5.3 Princípio da dignidade da pessoa humana e direito fundamental de
propriedade
EXISTÊNCIA DE ANTERIOR DEMANDA EM QUE NÃO FOI POSSÍVEL A REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA, POR SER O AUTOR BENEFICÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA E POR NÃO TER O ESTADO PROVIDENCIADO A SUA REALIZAÇÃO. REPROPOSITURA DA AÇÃO. POSSIBILIDADE, EM RESPEITO À PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA IDENTIDADE GENÉTICA DO SER, COMO EMANAÇÃO DE SEU DIREITO DE PERSONALIDADE. 1. É dotada de repercussão geral a matéria atinente à possibilidade da repropositura de ação de investigação de paternidade, quando anterior demanda idêntica, entre as mesmas partes, foi julgada improcedente, por falta de provas, em razão da parte interessada não dispor de condições econômicas para realizar o exame de DNA e o Estado não ter custeado a produção dessa prova. 2. Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo. 3. Não devem ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável. 4. Hipótese em que não há disputa de paternidade de cunho biológico, em confronto com outra, de cunho afetivo. Busca-se o reconhecimento de paternidade com relação a pessoa identificada. 5. Recursos extraordinários conhecidos e providos. (STF, RE nº 363.889/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJ 16 dez. 2011).
166
Fernandes585 afirma que os direitos fundamentais são direitos de defesa
do indivíduo contra o Estado, pois impõem a este uma omissão frente ao
cidadão a fim de evitar violação das liberdades individuais e, ao mesmo tempo,
garantias, porque também impõem ao Estado que tome medidas positivas
concretas para possibilitar o exercício dessas mesmas liberdades.
Ainda para esse autor, ―os direitos fundamentais representam garantias
fundamentais de caráter instrumental‖586, pois permitem ―ao cidadão acionar os
Poderes Públicos – mas principalmente o Judiciário – para a proteção de
outros direitos, representando, assim, meios processuais para o
reconhecimento e asseguramento de direitos‖.587 Para ele, ―falar em direitos
fundamentais é falar em condições para a construção e o exercício de todos os
demais direitos previstos no Ordenamento Jurídico, e não apenas em uma
leitura reducionista, como direitos oponíveis contra o Estado‖.588
De acordo com a doutrina constitucionalista, em especial para
Fernandes589, os direitos fundamentais são os direitos humanos que passaram
por um processo de positivação na ordem jurídica (em especial, na
Constituição) de determinado Estado. Os direitos humanos, por sua vez, são os
direitos naturais inerentes à pessoa humana existentes independentemente
das circunstâncias de tempo e lugar e desprovidos de normatividade; são,
portanto, direitos de caráter universal tratados no plano do Direito Internacional.
A CRFB/1988 traz, em todo o seu texto (e não apenas no art. 5º),
direitos fundamentais sem criar uma hierarquia entre eles. Por isso, é possível
que, eventualmente, haja colisão entre mais de um direito fundamental numa
situação concreta. Nesse caso, o julgador deverá usar a técnica da ponderação
de interesses ou ponderação de valores para decidir.
Segundo Fernandes590, atualmente, o STF tem entendido o princípio da
dignidade da pessoa humana como um ―super princípio‖ 591 que deve servir de
norte para a interpretação de todas as normas do ordenamento jurídico,
inclusive dos demais direitos fundamentais previstos na CRFB/1988. Em outras
585
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011. 586
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 225. 587
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 225. 588
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 227. 589
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011. 590
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011. 591
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 267.
167
palavras, o princípio da dignidade da pessoa humana nos permite reinterpretar
todos os direitos fundamentais de modo a conformá-los à proteção da pessoa
humana, não apenas como simples sujeito de direito, mas como o fim último da
ordem jurídica.
Nas palavras desse autor, a dignidade da pessoa humana ―irradia
valores e vetores de interpretação para todos os demais direitos fundamentais,
exigindo que a figura humana receba sempre um tratamento moral condizente
e igualitário, sempre tratando cada pessoa como fim em si mesma, nunca
como meio (coisas) para satisfação de outros interesses ou de interesses de
terceiros‖.592
Para ele593, não é correto se referir à dignidade da pessoa como um
princípio, haja vista a sua superioridade em relação aos demais princípios
constitucionais/direitos fundamentais, pois estes ―sempre‖594 (nas palavras do
autor) deverão ceder espaço à aplicação daquela. Todavia, nesta Dissertação
nos referiremos ao ―princípio da dignidade da pessoa humana‖, por já estar
consagrada essa expressão na doutrina e na jurisprudência brasileira.
Segundo Fernandes595, na Alemanha, a dignidade da pessoa humana
consiste no respeito aos direitos humanos fundamentais de todas as pessoas,
em igual medida, independentemente de características relacionadas a sexo,
raça, religião, ideologia política, nacionalidade, condições sociais, econômicas
e culturais, entre outras. Isso se deve aos efeitos nefastos provocados pela
ideologia nazista que afirmava a superioridade genética da raça ariana sobre
as demais. Essa concepção foi adotada no Direito brasileiro como regra.
Fernandes596 ensina que, por outro lado, na Itália, esse princípio refere-
se à ―dignidade social‖597 do indivíduo, relacionando-se a um conceito
―econômico-social‖ 598, na medida em que preconiza que o ser humano terá
dignidade enquanto tiver uma função e contribuir para o progresso da
sociedade com o seu trabalho. Assim sendo, a dignidade da pessoa humana,
no Direito italiano, possui conexão com os direitos sociais relacionados ao
592
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 268. 593
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011. 594
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 268. 595
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 217-218. 596
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011. 597
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 218. 598
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 218.
168
trabalho, com os direitos fundamentais relativos à propriedade e à própria
participação do cidadão na vida da sociedade.
Ainda de acordo com esse Fernandes599, o STF ainda não desenvolveu
um conceito sistematizado sobre o que seja a dignidade da pessoa humana,
mas aponta diretrizes para o seu reconhecimento por meio da análise dos
princípios da igualdade material, do direito de liberdade, do direito de
propriedade, do reconhecimento dos direitos da personalidade, entre outros.
Bornholdt600 afirma que a dignidade da pessoa humana é um princípio
aberto, pois seu conceito não é fixo, mas adaptável e moldável à realidade
vivenciada em uma dada sociedade, sem se descuidar dos valores essenciais
inerentes ao ser humano. Para ele601, esse princípio deve orientar a
interpretação de todas as demais normas do ordenamento jurídico, bem como
dos próprios direitos fundamentais, em caso de conflito. Nas palavras do autor,
Imbuído desse conteúdo, o princípio da dignidade da pessoa humana confere uma unidade de sentido aos direitos fundamentais. Pelas suas características já apontadas, como a abertura, além de uma maior densificação que se realiza conforme as diversas circunstâncias histórico-sociais, através de outros princípios, informa ele a compreensão dos demais, devendo os casos de conflito ser resolvidos mediante sua utilização no caso concreto.
602
Isso ocorre porque, de acordo com esse autor, ―O princípio da dignidade
humana tem sido considerado como a pedra angular, a base essencial de todo
o sistema de direitos fundamentais‖.603
No mesmo sentido, Morais afirma que a dignidade da pessoa humana
―concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às
personalidades humanas‖.604 Para ele,
A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e
599
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011. 600
BORNHOLDT, Rodrigo Meyer. Métodos para Resolução do Conflito entre Direitos Fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 86. 601
BORNHOLDT, Rodrigo Meyer. Métodos para Resolução do Conflito entre Direitos Fundamentais. 2005. 602
BORNHOLDT, Rodrigo Meyer. Métodos para Resolução do Conflito entre Direitos Fundamentais. 2005, p. 86. 603
BORNHOLDT, Rodrigo Meyer. Métodos para Resolução do Conflito entre Direitos Fundamentais. 2005, p. 86. 604
MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 22ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A. 2007, p. 16.
169
responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos;
605
De acordo com esse autor606, o exercício dos direitos fundamentais por
parte dos indivíduos é requisito necessário à implementação do princípio da
dignidade da pessoa humana e, por isso, a limitação desses direitos deve ser
excepcional. Ou seja, a relativização de direitos fundamentais vulnera esse
metaprincípio e só pode ser feita quando absolutamente necessária ao
desenvolvimento dos próprios direitos fundamentais.
O direito/garantia fundamental de propriedade, por seu turno, segundo o
modelo constitucional de 1988, apresenta características individualistas
(construídas na época do Estado Liberal sob a égide do capitalismo) e sociais
(oriundas do Estado Democrático de Direito). Assim, atualmente, a propriedade
é, ao mesmo tempo, meio para satisfação dos interesses do seu titular e
instrumento voltado ao desenvolvimento da sociedade e à concretização do
próprio princípio da dignidade da pessoa humana.
O direito de propriedade está previsto em vários momentos na CRFB/88,
dentre os quais podemos citar, como os mais importantes para esta
Dissertação, o art. 5º, XXII (direito fundamental individual) e o art. 170, II
(princípio da ordem econômica).
No âmbito do Direito Civil, o direito de propriedade é espécie de Direito
Real e tem caráter pleno porque assegura ao seu titular as faculdades de usar,
gozar, dispor da coisa e reavê-la de quem injustamente a possua ou detenha
(art. 1.228 do CC/2002).
Na atual concepção constitucional, ele é mais abrangente, pois inclui o
patrimônio da pessoa (entendido como o complexo de relações que integram a
sua esfera jurídica – art. 91 do CC/2002), abarcando, dessa forma, não só os
direitos reais, mas também os direitos pessoais e as obrigações que titulariza.
Nesse sentido, Mendes, Coelho e Branco afirmam que
605
MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 2007. 606
MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 2007.
170
A garantia constitucional da propriedade assegura uma proteção das posições privadas já configuradas, bem como dos direitos a serem eventualmente constituídos. Garante-se, outrossim, a propriedade enquanto instituto jurídico, obrigando o legislador a promulgar complexo normativo que assegure a existência, a funcionalidade, a utilidade privada desse direito. Inexiste, todavia, um conceito constitucional fixo, estático de propriedade, afigurando-se, fundamentalmente, legítimas não só as novas definições de conteúdo como a fixação de limites destinados a garantir a sua função social. É que, embora não aberto, o conceito constitucional de propriedade há de ser necessariamente dinâmico.
607
O direito de propriedade, portanto, assegura ao seu titular proteção legal
ampla, sendo entendido, ao mesmo tempo, como direito e garantia
fundamental. Ele compreende não só a proteção às prerrogativas do indivíduo
sobre o bem objeto de direito (concepção civilista relacionada aos Direitos
Reais), mas também garante o acesso (aquisição) à propriedade privada,
impondo ao Estado que se abstenha de praticar atos que impeçam o livre
exercício desse direito de forma arbitrária e sem o devido processo legal (art.
5º, LIV, da CRFB/1988). Para Mendes, Coelho e Branco, o ―núcleo
essencial‖608 desse direito é garantir a utilidade da propriedade privada.
Contudo, atualmente, o direito de propriedade ganha uma
reinterpretação à luz do princípio da solidariedade (art. 3º, I, da CRFB/1988),
pois o seu exercício legítimo se condiciona ao cumprimento da função social
prevista, não só no art. 5º, XXIII, da CRFB/1988, mas em todo o texto
constitucional.
Em outros termos: hoje, a função social é o elemento conformador da
propriedade, pois o proprietário não poderá mais dar a destinação que
pretender ao seu bem. Ao contrário, o direito de propriedade terá a proteção
estatal, enquanto direito fundamental, quando a propriedade atender também
ao interesse da sociedade, ou seja, quando for produtiva e gerar riqueza.
Nesse sentido, Fernandes afirma que
... a função social da propriedade é elemento integrador do conceito de propriedade como objeto constitutivo do mesmo, não se confundindo com os elementos limitadores do direito de propriedade. Isto é, não poderá ser juridicamente considerado proprietário aquele
607
MENDES Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 2000, p. 217-218. 608
MENDES Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 2000.
171
que não der ao bem uma destinação compatível e harmoniosa com o interesse público.
609
Mendes, Coelho e Branco610 ensinam que a propriedade não pode ser
colocada à disposição do Estado ou da sociedade, devendo ter o seu ―núcleo
essencial‖611 (âmbito de proteção) preservados de forma a se garantir a
utilidade do bem para o seu titular. Assim, o intérprete e o legislador devem ter
ambas as acepções desse direito em mente ao criar e aplicar uma norma que
possa limitá-lo, ponderando sempre sob o prisma do princípio da
proporcionalidade.
Os direitos fundamentais previstos na CRFB/1988 não são absolutos
(mas relativos) e estão situados no mesmo plano normativo, porque não há
hierarquia entre eles, exceto no que tange ao princípio da dignidade da pessoa
humana, considerado pela doutrina moderna (a exemplo de Fernandes612) e
pelo STF (segundo mencionado autor613) como um metaprincípio. Por isso,
eles devem se comunicar, constituindo um sistema harmônico e integrado de
direitos fundamentais.
A própria CRFB/1988 admite formas de intervenção do Estado na
propriedade privada quando houver interesse público que recomende a medida
(e isso está previsto tanto no texto constitucional como na legislação
infraconstitucional, podendo ser citadas, como exemplo, a desapropriação, a
servidão administrativa, a requisição administrativa, a limitação administração,
a ocupação temporária e o tombamento).
A relativização ou flexibilização do direito de propriedade pode ocorrer
no caso de colisão entre este e outros direitos fundamentais ou princípios
constitucionais, sendo resolvida por meio da utilização da técnica da
ponderação de interesse.
No entanto, essa análise não pode se dar de forma indiscriminada diante
de qualquer embate entre o direito de propriedade e qualquer outro direito
fundamental sob pena de se aniquilar esse direito e fazer do art. 5º, XXII, da
609
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011, p. 302. 610
MENDES Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 2000. 611
MENDES Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 2000, p. 302. 612
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011. 613
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2011.
172
CRFB/1988 letra morta. Pelo contrário, ela deve ser muito cuidadosa e pautada
no princípio da proporcionalidade.
Mendes, Coelho e Branco614 tratam da possibilidade da relativização do
direito/garantia fundamental de propriedade pelo próprio legislador ordinário.
Afirmando estar a jurisprudência da Corte Constitucional Federal Alemã
(Bundesverfassungsgericht) firmada nesse sentido, esses autores615 defendem
ser permitindo tal flexibilização desde que seja para conformar a propriedade
privada ao cumprimento de sua função social. Nas suas palavras,
Nesse passo, deve-se reconhecer que a garantia constitucional da propriedade está submetida a um processo de relativização, sendo interpretada, fundamentalmente, de acordo com parâmetros fixados pela legislação ordinária. As disposições legais relativas ao conteúdo têm, portanto, inconfundível caráter constitutivo. Isso não significa, porém, que o legislador possa afastar os limites constitucionalmente estabelecidos. A definição desse conteúdo pelo legislador há de preservar o direito de propriedade enquanto garantia institucional. Ademais, as limitações impostas ou as novas conformações conferidas ao direito de propriedade hão de observar especialmente o princípio da proporcionalidade, que exige que as restrições legais sejam adequadas, necessárias e proporcionais.
616
O legislador deverá realizar uma ponderação sobre os bens jurídicos ou
valores envolvidos em determinada norma infraconstitucional sem se descuidar
do ―núcleo essencial‖617 de cada um dos direitos em questão. Dessa forma, não
poderá o legislador, sob o pretexto de concretizar a função social e a dignidade
da pessoa humana, retirar a utilidade da proteção estatal ao direito de
propriedade do indivíduo, pois incorreria em grave vício de
inconstitucionalidade e aniquilaria a força do art. 5º, XXII, da CRFB/1988.
Deve-se ressaltar, ainda, que o direito de propriedade é fundamental
para a implementação do próprio princípio da dignidade da pessoa humana,
pois possibilita aos indivíduos a aquisição da propriedade privada e a sua
conservação, garantindo o patrimônio mínimo necessário à existência da
614
MENDES Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 2000. 615
MENDES Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 2000. 616
MENDES Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 2000, p. 218. 617
MENDES Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 2000.
173
pessoa humana (Teoria do Patrimônio Mínimo, mencionada por Farias e
Rosenvald618).
Para Farias e Rosenvald619, a Teoria do Patrimônio Mínimo preconiza
que é condição indispensável para concretização do princípio da dignidade da
pessoa humana que o ordenamento jurídico estatal proteja um mínimo de
patrimônio que possibilite ao indivíduo ter as suas necessidades elementares
atendidas (como moradia, alimentação, educação, saúde, trabalho, previdência
social, entre outras). Com isso, o patrimônio ganha uma nova função,
passando a ser entendido como ―instrumento de cidadania‖620, com a finalidade
de proteger a pessoa humana e reconhecê-la como um ser dotado de
dignidade.
Em outras palavras, segundo esses autores621, é inconcebível se falar
em tutela da dignidade da pessoa humana se o ordenamento jurídico não
garantir aos indivíduos um patrimônio capaz de assegurar o mínimo essencial
ao reconhecimento da própria dignidade.
Farias e Rosenvald622 exemplificam, apontando a proteção ao bem de
família conferido pela Lei nº. 8.009/1990 e a previsão dos bens absoluta e
relativamente impenhoráveis previstos nos art. 649 e 650 do CPC. Dentre
esses bens podem ser citados, além do imóvel necessário à moradia da
família, os equipamentos, máquinas, livros, utensílios e materiais necessários
ao desempenho da atividade profissional da pessoa.
O direito de propriedade representa um direito fundamental e, ao mesmo
tempo, um instrumento para proteção da pessoa humana, pois garante meios
capazes de proporcionar uma vida digna aos indivíduos. A tutela da
propriedade privada proporciona a obtenção e a conservação de bens
necessários ao desempenho do trabalho para aquisição de renda,
possibilitando o sustento e a satisfação das necessidades mais elementares da
pessoa e de sua família. Além disso, a proteção a esse direito torna possível o
próprio desenvolvimento de uma nação, uma vez que a ambição (inerente ao
618
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2008, Vol. 1. 619
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 2008, p. 348. 620
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 2008, p. 348. 621
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 2008. 622
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 2008.
174
ser humano) impulsiona o trabalho, o surgimento de empreendedores e,
consequentemente, a geração de renda, movimentando a economia de um
país.
Com base em tudo o que foi exposto neste capítulo, em especial, no
entendimento de Morais623 (acima mencionado), conclui-se que o Estado deve
procurar, ao máximo, a tutela do direito/garantia fundamental de propriedade,
permitindo-se a sua flexibilização apenas quando absolutamente necessário
para implementar outros direitos fundamentais de igual hierarquia, porém mais
relevantes segundo as peculiaridades do caso concreto posto. Para tanto,
deverá o Estado-juiz (ou o Estado-legislador, se se tratar de relativização desse
direito por meio de lei) se valer da técnica da ponderação de interesses (de
Robert Alexy) e analisar, segundo o princípio da proporcionalidade, qual, dentre
os direitos fundamentais em real colisão, deve ser relativizado em prol do outro,
a fim de alcançar a solução mais justa e equânime na situação específica sub
judice.
6 RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO E O DIREITO DE PROPRIEDADE
O caput do art. 149 da Lei nº. 11.101/2005 traz a ordem geral de
pagamento dos créditos na falência, prescrevendo que serão realizadas as
restituições, pagos os créditos extraconcursais (art. 84) e os créditos
concursais (art. 83), nesta ordem. Verbis,
Art. 149. Realizadas as restituições, pagos os créditos extraconcursais, na forma do art. 84 desta Lei, e consolidado o quadro-geral de credores, as importâncias recebidas com a realização do ativo serão destinadas ao pagamento dos credores, atendendo à classificação prevista no art. 83 desta Lei, respeitados os demais dispositivos desta Lei e as decisões judiciais que determinam reserva de importâncias.
624
623
Segundo o qual o exercício dos direitos fundamentais é essencial à própria tutela da dignidade da pessoa humana e, por isso, somente deve haver a relativização dos mesmos quando absolutamente necessário ao desenvolvimento dos próprios direitos fundamentais. 624
BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318.
175
Todavia, o art. 86, parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005 determina
que as restituições em dinheiro somente poderão ser realizadas após o
cumprimento do disposto no art. 151 da mesma lei (que prescreve o
pagamento, aos credores trabalhistas, dos créditos de natureza estritamente
salarial vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência, até o
limite de cinco salários mínimos por trabalhador).
Simionato625 afirma que o comando normativo contido no art. 86,
parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005 se aplica a toda e qualquer restituição
em dinheiro e não apenas àquelas previstas nos incisos I, II e III do caput de
referido artigo. Assim, para ele626, as restituições decorrentes de direito de
propriedade (art. 85, caput), quando o bem não mais existir ao tempo da sua
efetivação (por já ter sido alienado pela massa falida ou por ter perecido em
poder desta), a mercadoria vendida a crédito entregue nos quinze dias
anteriores à decretação da falência (art. 85, parágrafo único), quando já
alienadas pela massa falida, a restituição relativa às quantias devidas em
virtude de contrato (tratadas no capítulo pertinente) e aquelas previstas na
legislação extravagante (como a Lei nº. 8.212/1991) somente serão realizadas
após o pagamento dos credores trabalhistas, nos termos do art. 151 da Lei nº.
11.101/2005.
De acordo com esse autor627, trata-se de uma obrigação legal do
administrador judicial, a qual determina que ele não poderá, sob pena de
responsabilidade civil, iniciar o pagamento dos credores na ordem disposta no
art. 149 da nº. Lei 11.101/2005 sem antes cumprir o disposto no art. 151 da
mesma lei. Para ele628, o art. 86, parágrafo único, excepciona a regra do art.
149, inserindo uma classificação absolutamente prioritária no recebimento de
pecúnia na falência, qual seja: a dos créditos de natureza estritamente salarial
vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência e até o limite de
cinco salários mínimos por trabalhador. Referida categoria, segundo
Simionato629, ficaria atrás apenas das restituições in natura.
625
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 626
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 627
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 628
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 629
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008.
176
Simionato630 não vê qualquer irregularidade na disposição contida no art.
86, parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005 e parece concordar com o seu
conteúdo ao afirmar, com bastante ênfase, que
Nada tem preferência de pagamento sobre o art. 151 da Lei. Todos os outros, restituição, extraconcursal e quadro geral de credores, não recebem um único centavo enquanto não se liquidar e solver a obrigação trabalhista derivante do texto legal, art. 151. As restituições somente serão efetuadas após o pagamento previsto pelo art. 151, tudo conforme o art. 86, parágrafo único, da Lei. O administrador judicial está impedido de pagar o art. 149 antes de pagar os créditos trabalhistas, no montante previsto pelo art. 151 da Lei, sob pena de responsabilidade civil. O valor, que o art. 151 estabelece, pode, ademais, ser objeto de arresto, caso não seja observada a regra legal.
631
Segundo Sérgio Mourão Corrêa Lima632, em obra sob sua coordenação
e de Osmar Brina Corrêa-Lima, o art. 149 da Lei 11.101/2005 determina que as
restituições serão realizadas antes do pagamento de qualquer crédito, sejam
elas pelo bem individualizado ou pela respectiva importância em dinheiro.
Segundo esse autor633, o proprietário com direito à restituição não é
credor e, por isso, não pode se sujeitar à execução concursal. O que o difere
dos credores do falido é que estes são titulares de direito crédito em virtude de
uma obrigação assumida pelo devedor, podendo apenas exigir o seu
adimplemento. Já o proprietário que tem direito à restituição, em razão do
disposto no art. 1.228 do CC/2002 e no art. 85 da Lei nº. 11.101/2005, poderá
reaver o bem de sua propriedade na execução concursal da falência sem
precisar se submeter às mesmas regras aplicadas aos credores. Nesse
sentido, Lima634 afirma que o art. 85 da Lei nº. 11.101/2005 obedece ao
comando normativo contido no art. 5º, XXII, da CRFB/1988 na medida em que
implementa a proteção ao direito/garantia fundamental de propriedade.
630
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 631
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008, p. 642. 632
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 633
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 634
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009.
177
Assim sendo, Lima635 elabora, muito didaticamente, a sequência de
pagamento que entende adequada na falência, de acordo com a interpretação
que faz dos art. 149, 150, 151, 85, 84 e 83 da Lei nº. 11.101/2005. Verbis:
A interpretação conjugada dos arts. 149, 150, 151, 85, 84 e 83 conduz à sequência ainda mais precisa: (1º) implementação das restituições; (2º) satisfação dos créditos extraconcursais, ―cujo pagamento seja indispensável à administração da falência‖, que ―serão pagas pelo administrador judicial com os recursos disponíveis em caixa‖; (3º) destaque de recursos para satisfação dos créditos extraconcursais que não requeiram pronto pagamento; (4º) pagamento dos ―créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários mínimos por trabalhador‖, pagos com recursos disponíveis em caixa; e (5º) pagamento dos créditos contra o falido, observada a classificação prevista no art. 83.
636
Percebe-se que, para Lima637, o cumprimento do disposto no art. 151 da
Lei nº. 11.101/2005 somente poderá se dar depois da implementação de todas
as restituições devidas, sejam elas in natura ou em pecúnia. Por isso, de
acordo com esse autor638, o art. 149 prescreve que as restituições antecedem
ao pagamento de quaisquer credores, independentemente de sua classe ou
ordem. Trata-se, segundo ele639, de consolidação do entendimento
sedimentado no STJ ainda quando da vigência do Decreto-lei nº. 7.661/1945 e
manifestado, entre outros, no REsp nº 90.068/SP e no REsp 730.824/RS.
FALÊNCIA. PREFERÊNCIAS. RESTITUIÇÃO AO INSS DAS CONTRIBUIDAS PREVIDENCIÁRIAS DESCONTADAS DOS SALÁRIOS PELO FALIDO E NÃO REPASSADAS À SEGURIDADE SOCIAL. CRÉDITOS TRABALHISTAS. CUSTAS. DÍVIDAS. ENCARGOS DA MASSA. ORIENTAÇÃO DA 2ª SEÇÃO. RECURSO ACOLHIDO. I – Após as Leis 3.726/60 e 6.449/77, os créditos trabalhistas detêm preferência sobre os demais, inclusive os relativos a custas, dívidas e encargos da massa. Entende a Segunda Seção, entretanto, que na
635
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 636
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 1.003. 637
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 638
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 639
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 1.004.
178
categoria de créditos trabalhistas se incluem os oriundos da prestação de serviços à massa. II – As restituições devem efetivar-se antes do pagamento de qualquer crédito, ainda que trabalhista, posto referir-se a bens que não integram o patrimônio do falido. III – As contribuições previdenciárias descontadas dos salários e retidas pelo empregador constituem bens da previdência, que não integram o patrimônio do falido, sujeitando-se ao regime das restituições, devendo ser entregues à credora com prioridade absoluta. IV – Exceção a essa regra constituem as contribuições relativas ao período posterior à vigência do Decreto-Lei 66/66 até a entrada em vigor da Lei nº. 8.212/1991, tempo em que tais verbas gozaram apenas do privilégio atribuído aos tributos devidos à União, havendo de ser atendidas após os créditos trabalhistas. (STJ. Recurso Especial nº. 90.068/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Quarta Turma. DJU 15.12.1997)
640
TRIBUTÁRIO. FALÊNCIA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DESCONTADA DOS EMPREGADOS E NÃO REPASSADA À SEGURIDADE SOCIAL. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO MOVIDA PELO INSS. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. JUROS DE MORA. OBEDIÊNCIA ÀS REGRAS DO CONCURSO DE CREDORES. 1. As contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados, pelo falido, e não repassadas aos cofres previdenciários, devem ser restituídas antes do pagamento de qualquer crédito, ainda que trabalhista, porque se trata de bens que não integram o patrimônio do falido, incidindo a Súmula 417, do STF, à espécie. (REsp 284276/PR, Relator Ministro Garcia Vieira, DJ de 11.06.2001; REsp 506096/RS, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 15.12.2003; REsp 557373/RS, Relator Ministro Francisco Falcão, DJ de 28.04.2004; AGA 498749/RS, desta relatoria, DJ de 24.11.2003; REsp 90068/SP, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 15.12.97; REsp 511356/RS, Relator Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ de 04.04.2005). 2. Precedentes do Supremo Tribunal Federal acerca da aplicabilidade da Súmula 417/STF: RE 93355/MG, DJ de 27.03.1981, Relator Ministro Cordeiro Guerra; RE 91367/RS, DJ de 28.09.1979, Relator Ministro Rafael Mayer; RE 89345/PR, DJ de 19.04.1979, Relator Ministro Moreira Alves; RE 88828/RS, DJ de 01.06.1979, Relator Ministro Rafael Mayer; e RE 86069/MG, DJ de 29.09.1978, Relator Ministro Soares Munoz. 3. Os juros de mora, posto não decorrerem de obrigação de terceiro, mas do inadimplemento do dever do responsável tributário de repassar à autarquia as contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados, contribuintes da exação, não se subsumem ao regime da restituição. 4. Consectariamente, cabendo ao responsável tributário, o falido, o encargo financeiro referente aos juros moratórios derivados de seu inadimplemento no prazo oportuno, revela-se inaplicável o regime das restituições, devendo o referido crédito sujeitar-se ao concurso de credores, nos termos dos artigos 102, da Lei de Falências, vigente à época do ajuizamento da ação, e 186 e seguintes, do Código
640
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº. 90.068/SP. Relator: Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Quarta Turma. Diário de Justiça, Brasília, 15 dez 1997. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=199600150036&pv=010000000000&tp=51>. Acessado em 30 jul. 2012.
179
Tributário Nacional (Precedente da Primeira Turma: REsp 666351/SP, desta relatoria, DJ de 26.09.2005) 5. Recurso especial desprovido. (STJ. Recurso Especial nº. 730.824/RS, Rel. Min. Luiz Fux. Primeira Turma. DJU 21.09.2006)
641
O julgamento do REsp nº 90.068/SP, acima mencionado, foi realizado
quando da vigência da antiga Lei de Falências (Decreto-lei nº. 7.661/1945),
quando não havia disposição semelhante àquela dos art. 86, parágrafo único, e
151 da Lei nº. 11.101/2005. O REsp 730.824/RS, apesar de ter sido julgado
quando da vigência da Lei nº. 11.101/2005, foi decidido com base nas normas
contidas no Decreto-lei nº. 7.661/1945 por questões de direitos intertemporal.
Não foram encontrados julgados do STJ ou do STF envolvendo o
questionamento sobre a validade do art. 86, parágrafo único, da Lei nº.
11.101/2005 no que tange às restituições em dinheiro decorrentes do direito de
propriedade. Tampouco foram encontradas decisões que envolvessem
pretensões de terceiros pleiteando a restituição de quantias de que são
titulares antes do cumprimento do disposto no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005.
Foram propostas duas ADI no STF questionando dispositivos da Lei nº.
11.101/2005. A primeira, ADI nº. 3.934-2/DF642, de relatoria do Ministro Ricardo
Lewandowski, impugnando os art. 60, parágrafo único, art. 83, I e VI, ‗c‘, e art.
141, II, da Lei nº. 11.101/2005 em face do art. 1º, III e IV, art. 6º, art. 7º, I, e art.
170 da CRFB/1988, julgada integralmente improcedente em novembro de
2009. E a segunda, ADI nº 3.424/DF643, também de relatoria do Ministro
Ricardo Lewandowski, arguindo a inconstitucionalidade do art. 83, I e VI, ‗c‘, e
§4º644, art. 84, V, e art. 86, II, da Lei nº. 11.101/2005 em face do art. 5º, XXII, da
CRFB/1988, que se encontra ainda em tramitação.
641
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº. 730.824/RS. Relator: Min. Luiz Fux. Primeira Turma. Diário de Justiça, Brasília, 21 set. 2006. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200500370756&pv=010000000000&tp=51>. Acessado em 30 jul. 2012. 642
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009. 643
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.424. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília. Processo em tramitação. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2277278>. Acessado em 31 jul. 2012. 644
A ADI 3.424/DF deverá ser julgada prejudicada no tocante a este ponto, pois a ADI 3.934-2/DF, que versava sobre a inconstitucionalidade, entre outros, do art. 83, I e VI, ‗c‘, e §4º da Lei 11.101/2005, foi julgada improcedente, conforme tratado no primeiro capítulo desta Dissertação.
180
Porém, não há arguição de inconstitucionalidade referente ao art. 86,
parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005 no que se refere à restituição em
dinheiro decorrente do direito de propriedade. Portanto, a princípio, essa
discussão tem ficado apenas no âmbito doutrinário e apenas alguns autores
(dentre os quais Lima645 é o de mais destaque) posicionam-se pela
inconstitucionalidade de referido dispositivo se interpretado literalmente.
Souza646 considera positiva a redação do art. 151 da Lei nº. 11.101/2005
por reputar um progresso em relação à proteção à dignidade da pessoa do
trabalhador, mas não se manifesta sobre a validade da disposição contida no
parágrafo único do art. 86 da mesma lei no que tange à tutela do
direito/garantia fundamental de propriedade prevista no art. 5º, XXII, da
CRFB/1988.
Esse autor647 critica o critério temporal fixado em referido dispositivo,
afirmando que ele não poderia ter sido preestabelecido pela legislação, de
forma fixa, devendo ser proporcional ao prazo dos contratos de trabalho em
curso.
Rocha, Zavanella e Silva648, doutrinadores de Direito do Trabalho, ao
contrário de Souza649, apenas ensinam sobre a regra constante do art. 151 da
Lei nº. 11.101/2005, sem, contudo, manifestarem-se favoravelmente a ela.
Simionato650 não defende expressamente a constitucionalidade ou a
inconstitucionalidade de mencionado dispositivo. Contudo, conforme já citado,
muito enfaticamente esse autor651 ensina que os créditos trabalhistas vencidos
nos três meses anteriores à decretação da falência, até o limite de cinco
salários mínimos por trabalhador, têm preferência sobre o pagamento de
qualquer outra importância na execução concursal, inclusive sobre as
restituições em dinheiro tratadas pelo art. 86 da Lei nº. 11.101/2005 e
645
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 646
SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006. 647
SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006. 648
ROCHA, Marcelo Oliveira; ZAVANELLA, Fabiano; SILVA, Dones Manuel F. Nunes da. Dos Créditos Trabalhistas na Nova Lei de Falências. 2006. 649
SOUZA, Marcelo Papeléo de. A Nova Lei de Recuperação e Falência e as suas Conseqüências no Direito e no Processo do Trabalho. 2006. 650
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 651
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008.
181
legislação especial, perdendo apenas para as restituições in natura. A ênfase
de Simionato nessa explicação nos permite concluir que ele concorda com
essa regra.652
Os demais autores contemporâneos pesquisados, da doutrina do Direito
Empresarial, e que tratam do assunto, como Pacheco653, Negrão654,
Almeida655, Junqueira656, Abrão657 e Salles658, limitam-se a ensinar sobre a
norma do art. 86, parágrafo único, c/c art. 151 da Lei nº. 11.101/2005,
afirmando a precedência absoluta do credor trabalhista enquadrado neste
último dispositivo legal no recebimento do respectivo crédito, inclusive sobre a
implementação das restituições em dinheiro decorrentes do direito de
propriedade. Eles também não se manifestam sobre a (in)constitucionalidade
do art. 86, parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005.
Isso nos permite concluir que mencionados doutrinadores não veem
problemas na redação do art. 86, parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005, pois,
se assim não o fosse, teriam se manifestado expressamente a respeito.
Simão Filho659 entende que as restituições previstas nos art. 85 e 86 da
Lei nº. 11.101/2005 somente serão implementadas após os ―pagamentos
imediatos contra disponibilidade de caixa‖ 660, entre os quais se incluem as
despesas necessárias à administração da falência (art. 150), aquelas
decorrentes da continuação provisória da atividade do falido (art. 150) e os
créditos trabalhistas vencidos nos três meses anteriores à decretação da
falência e até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador (art. 151).
652
SIMIONATO, Frederico A. Monte. Tratado de Direito Falimentar. 2008. 653
PACHECO, José da Silva. Processo de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência. 2ª ed. Forense: Rio de janeiro. 2007. 654
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa: Recuperação Judicial e Extrajudicial e Falência. 2007, vol. 3. 655
ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli de; et. al. Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2005. 656
JUNQUEIRA, Palmyrita Sammarco; et. al. Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2007. 657
ABRÃO, Carlos Henrique; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Saraiva. 2005. 658
SALLES, Marcos Paulo de Almeida; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007. 659
SIMÃO FILHO, Adalberto; et. al. Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2005. 660
SIMÃO FILHO, Adalberto; et. al. Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. 2005, p. 541.
182
Coelho661, em entendimento isolado e bastante peculiar, defende que as
restituições (pelo bem especificado ou em dinheiro) somente sejam satisfeitas
após o pagamento dos créditos trabalhistas enquadrados no art. 151 da Lei nº.
11.101/2005 e de todos os créditos extraconcursais.
Esse entendimento, diga-se de passagem, é questionável uma vez que,
conforme já mencionado exaustivamente nesta Dissertação, o terceiro titular do
direito à restituição de bem ou de dinheiro não é credor e, por isso, deve
receber o que lhe cabe antes do pagamento aos credores do falido.
No Projeto de Lei nº. 4.376662, de 1994 (posteriormente convertido na Lei
nº. 11.101/2005), constante da Mensagem nº. 1.014/93 do Poder Executivo,
enviada à Câmara dos Deputados e publicada no Diário do Congresso
Nacional em 22 de fevereiro de 1994, não continha dispositivo semelhante ao
constante do art. 86, parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005, o qual foi fruto de
emenda parlamentar durante a tramitação do referido projeto. O pedido de
restituição estava previsto nos art. 137 e 138, que tinham a seguinte redação:
Art. 137. O terceiro que for atingido pela arrecadação pode reaver o bem arrecadado, reivindicando-o, no juízo da falência, até dez dias após a publicação do edital de venda. § 1º. O embargante instruirá a petição com o título de seu direito real, prova do contrato em que se fundamenta o pedido e rol de testemunhas. §2º. Ouvidos o falido e o síndico, no prazo comum de cinco dias, o juiz proferirá decisão, em cinco dias ou, se houver necessidade de produção de prova, designará audiência de instrução e julgamento, observado o disposto no §3º e seguintes do art. 38. Art. 138. Se o bem tiver sido alienado pelo síndico, o reivindicante haverá o preço recebido pela massa e, em caso de perecimento, o valor estimado, sem prejuízo, em qualquer hipótese, dos rateios anteriores.
663
Os art. 163, 175 e 176 tratavam do privilégio do crédito trabalhista da
seguinte forma:
661
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas: (Lei 11.101, de 9-2-2005). 2007. 662
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Mensagem nº. 1.014/93 – Projeto de Lei nº. 4.376, de 1994. Diário do Congresso Nacional. Diário de Justiça, Brasília, 22 fev. 1994. Seção I. Ano XLIX, nº 23, p. 44-59. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD22FEV1994.pdf#page=44>. Acessado em 01 ago. 2012. 663
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Mensagem nº. 1.014/93 – Projeto de Lei nº. 4.376, de 1994. Diário do Congresso Nacional. Diário de Justiça, Brasília, 22 fev. 1994. Seção I. Ano XLIX, nº 23, p. 44-59. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD22FEV1994.pdf#page=44>. Acessado em 01 ago. 2012.
183
Art. 163. Os créditos derivados das relações de trabalho e as indenizações trabalhistas gozam de preferência sobre todos os outros créditos.
664
[...] Art. 175. Os créditos trabalhistas serão pagos logo que haja recursos disponíveis ou que sejam obtidos com o produto dos bens objeto de privilégio. Art. 176. As importâncias obtidas com a realização do ativo serão distribuídas na seguinte ordem: I – pagamento das despesas, inclusive quantias adiantadas ao síndico, e dívidas contraídas para a administração da falência ou a continuação autorizada do negócio do falido; II – pagamento dos créditos admitidos com direito real de garantia ou privilégio sobre as coisas vendidas, segundo a graduação das respectivas preferências; III – pagamento dos créditos quirografários, na proporção da importância pela qual cada um foi admitido, inclusive os mencionados no inciso anterior, se a garantia não tiver sido realizada ou o preço não bastou para o pagamento do total da dívida. Parágrafo único. Caberá ao juiz estabelecer a graduação dos créditos mencionados no inciso II.
665
Durante os doze anos de tramitação do PL nº. 4.376, de 1994, foram
apresentadas, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal666, diversas
emendas parlamentares e substitutivos que culminaram na Lei nº. 11.101/2005,
na redação como a conhecemos. O art. 86, parágrafo único, e o art. 151, foram
inseridos no projeto original sem que houvesse qualquer parecer contrário das
Comissões de Constituição e Justiça das respectivas Casas Legislativas
(Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania – CCJC, na Câmara dos
664
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Mensagem nº. 1.014/93 – Projeto de Lei nº. 4.376, de 1994. Diário do Congresso Nacional. Diário de Justiça, Brasília, 22 fev. 1994. Seção I. Ano XLIX, nº 23, p. 44-59. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD22FEV1994.pdf#page=44>. Acessado em 01 ago. 2012. 665
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Mensagem nº. 1.014/93 – Projeto de Lei nº. 4.376, de 1994. Diário do Congresso Nacional. Diário de Justiça, Brasília, 22 fev. 1994. Seção I. Ano XLIX, nº 23, p. 44-59. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD22FEV1994.pdf#page=44>. Acessado em 01 ago. 2012. 666
De acordo com a informação disponível no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados, foram apresentadas, em torno de 484 (quatrocentos e oitenta e quatro) emendas parlamentares nesta Casa Legislativa, incluindo-se os substitutivos, e 1 (um) substitutivo no Senado Federal. (Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=20846>. Acessado em 13 ago. 2012).
184
Deputados, e Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – CCJ, no
Senado Federal).667
Passando à análise específica da validade da regra constante do art. 86,
parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005, cumpre ressaltar, conforme já
mencionado, que Lima668 defende, veementemente, que a interpretação mais
correta para os art. 149, 150, 151, 85, 84 e 83 da mesma lei é aquela que
concede precedência absoluta ao terceiro proprietário com direito à restituição,
seja ela pelo bem especificado ou pelo seu equivalente em dinheiro. Para
ele669, o art. 86, parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005 não pode ser
interpretado literalmente sob pena de grave violação ao art. 5º, XXII, da
CRFB/1988.
Afirma esse autor670 que o art. 151 da Lei nº. 11.101/2005 comporta
duas interpretações, sendo uma delas literal e isolada no sistema normativo no
qual está inserido e a outra sistêmica.
De acordo com a primeira, os recursos disponíveis em caixa devem ser
utilizados para pagar os créditos trabalhistas de natureza salarial vencidos nos
três meses anteriores à decretação da falência, até o limite de cinco salários
mínimos por trabalhador, pouco importando que não reste dinheiro suficiente
para a implementação das restituições fundadas no direito de propriedade (art.
85, caput) ou para o pagamento dos créditos extraconcursais (art. 84).671
Segundo Lima672, essa não é a interpretação mais adequada.
Por outro lado, a segunda exegese nos conduz a um caminho diferente
que, para Lima673, é mais consentâneo com o atual sistema falimentar e a
CRFB/988. Nesse caso, o cumprimento do disposto no art. 151 da Lei nº.
11.101/2005 somente deve ocorrer quando houver ―disponibilidade em
667
Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=20846>. Acessado em 13 ago. 2012. 668
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 669
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 670
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 1.016. 671
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 1.016. 672
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 1.016. 673
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009.
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caixa‖674. E considera-se ―disponibilidade em caixa‖675 os recursos que
restaram depois da realização das restituições em dinheiro fundadas no direito
de propriedade e da reserva de recursos para pagamento dos créditos
extraconcursais (art. 84) indispensáveis à continuação provisória das atividades
do falido (art. 150).676 Nas palavras desse doutrinador,
A interpretação sistêmica deve prevalecer, porque: (a) concilia os diversos dispositivos da Lei de Falências (arts. 149, 150, 151, 85, 84 e 83); (b) impede que a antecipação de pagamento dos créditos trabalhistas comprometa a implementação das restituições fundadas em direito real de propriedade (art. 85, caput); e (c) propicia que o pagamento das despesas extraconcursais, indispensáveis ao desenvolvimento do processo falimentar, anteceda o adiantamento aos credores trabalhistas.
677
Lima678 afirma que o art. 86, parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005
deve ser interpretado de forma diferente conforme seja a restituição fundada no
direito de propriedade ou ―decorrente de equiparação legal‖679, pois referido
comando normativo somente se refere àquelas hipóteses de restituição
previstas no art. 86, II e III, da Lei nº. 11.101/2005, não abrangendo aquelas
previstas nos art. 85 e 86, I, da mesma lei. Raciocínio diverso implicaria grave
vício de inconstitucionalidade do art. 86, parágrafo único, da Lei nº.
11.101/2005 por violação ao direito/garantia fundamental de propriedade
previsto no art. 5º, XXII, da CRFB/1988.680 Nas palavras do autor,
... a antecipação aos credores trabalhistas somente pode ocorrer depois de implementadas as restituições fundadas em direito real de propriedade (art. 85, caput). Todavia, pode anteceder aquelas por
674
BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318. 675
BRASIL. Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária. In: Angher, Anne Joyce (org.). Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª ed. São Paulo: Rideel, 2011. p. 1.302-1.318. 676
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 677
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 1.016. 678
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 1.017. 679
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 1.017. 680
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009.
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equiparação legal (incisos II e III do art. 86), conforme dispõe o parágrafo único do art. 86.
681
Assim, às hipóteses de restituição em dinheiro por ―equiparação
legal‖682, fundadas em direito obrigacional, aplica-se a regra prevista no
parágrafo único do art. 86, sendo implementadas somente após o pagamento
prioritário de que trata o art. 151. Por outro lado, as restituições em dinheiro
fundadas no direito de propriedade (art. 86, I) terão prioridade absoluta e serão
realizadas antes mesmo do cumprimento do disposto no art. 151. Segundo
Lima, ―Entender de outra forma seria sustentar a preterição do direito real de
proprietários (art. 85, caput) em favor de direitos obrigacionais de credores (art.
83, I), em evidente afronta ao art. 5º da Constituição da República.‖683
Ainda de acordo com esse autor684, não haveria inconstitucionalidade se
o legislador estabelecesse que a restituição de que trata o art. 85, parágrafo
único, da Lei nº. 11.101/2005 (mercadoria vendida a crédito e entregue nos
quinze dias anteriores à decretação da falência) somente fosse implementada
após o cumprimento do disposto no art. 151. Isso porque, essa hipótese de
restituição não se funda no direito de propriedade e sim em direito obrigacional
que, em virtude da boa-fé do terceiro vendedor, recebe da lei essa prerrogativa.
Contudo, afirma Lima685 que essa espécie de restituição não está incluída entre
aquelas atingidas pelo comando normativo contido no art. 86, parágrafo único,
da Lei nº. 11.101/2005, sendo, portanto, realizada também antes do
pagamento dos créditos tratados no art. 151.
Souza Junior686, em obra sob sua coordenação e de Antônio Sérgio A.
de Moraes Pitombo, entende que a quantia a que se refere o art. 151 da Lei nº.
11.101/2005 representa uma antecipação do pagamento do valor que cabe aos
681
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 1.018. 682
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009, p. 1.017. 683
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 684
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 685
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 686
SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007.
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credores trabalhistas concursais. Trata-se, para esse autor687, de uma
antecipação de pagamento que somente poderá ser realizada se o
administrador judicial verificar a existência de recursos suficientes em caixa
para implementar as restituições em dinheiro e pagar os créditos
extraconcursais. Atitude diversa ensejaria a responsabilização civil do
administrador judicial pelos prejuízos causados em razão da indevida inversão
na ordem de pagamento.688 Dessa forma, para ele689, não há que se falar em
um ―superprivilégio‖ 690 trabalhista.
Nas palavras de Souza Junior,
O simples fato de determinar-se o pagamento das restituições após a satisfação do quanto previsto no art. 151 não autoriza a conclusão de que teria sido alterada a classificação dos créditos concursais trabalhistas, expressamente consignada no art. 83. Da mesma forma, o art. 149 simplesmente não faz qualquer menção às despesas previstas no art. 151, quando esclarece a ordem dos pagamentos na falência. A preferência a que se refere o art. 86, parágrafo único, só se dá ―se‖ e ―quando‖ houver garantia da sobra de recursos para pagamento dos credores concursais, e na exata medida dessa sobra. E lembre-se que as restituições em dinheiro se dão em algum momento após a decretação da falência e antes do pagamento dos credores. O art. 151 determina, assim, que, em havendo certeza da suficiência de recursos para pagamento de todos os credores extraconcursais (indispensáveis à solução da falência) e restituições em dinheiro, deverão ser antecipados os pagamentos dos créditos trabalhistas privilegiados, até o montante de 5 salários mínimos por trabalhador, a quem sejam devidas verbas estritamente salariais vencidas nos três meses anteriores à decretação da falência. Neste caso, e somente nele, as restituições em dinheiro só poderão ocorrer após antecipados os valores devidos, em virtude do previsto no art. 151.
691
Isso ocorre porque, segundo entendimento desse mesmo doutrinador692,
as restituições devidas na falência, sejam elas realizadas pelo bem
individualizado ou em dinheiro, têm precedência sobre o pagamento de
qualquer crédito, seja ele concursal ou extraconcursal, uma vez que o terceiro
687
SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007. 688
SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007. 689
SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007. 690
SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007, p. 511. 691
SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007, p. 512. 692
SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007.
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com direito à restituição não é credor da massa falida e não se sujeita à ordem
de pagamento prevista nos art. 83 e 84 da Lei nº. 11.101/2005.
Para Souza Junior693, a antecipação de pagamento prevista no art. 151
da Lei 11.101/205 visa a proporcionar o pagamento dos salários dos
empregados em atraso devido ao caráter alimentar do mesmo. Por isso,
havendo dinheiro suficiente em caixa para reserva de recursos para
implementação das restituições em dinheiro e pagamento dos créditos
extraconcursais, que têm prioridade aos créditos trabalhistas concursais, estes
últimos poderão ser parcialmente antecipados.694
Nas palavras de Souza Junior, ―o pagamento a que se refere o art. 151
pressupõe a verificação de dois requisitos: (a) a existência de recursos
disponíveis em caixa; e (b) certeza de que o montante da massa será suficiente
para pagar todos os credores extraconcursais e as restituições em dinheiro‖. 695
Para ele, consideram-se recursos disponíveis em caixa aqueles que,
―com segurança, puder o administrador judicial concluir que não serão
necessários ao pagamento de despesas extraconcursais, especialmente
aquelas que requerem pagamento imediato, nos termos do art. 150‖.696
Diante do quadro acima apresentado, percebe-se a existência de
divergência doutrinária sobre o tema da restituição em dinheiro decorrente do
direito de propriedade e do pagamento prioritário dos créditos trabalhistas a
que se refere o art. 151 da Lei nº. 11.101/2005.
Os doutrinadores do Direito do Trabalho que se manifestam sobre o art.
151 consideram positiva essa modificação do instituto da restituição na
falência, em relação ao sistema normativo vigente à época do Decreto-lei nº.
7.661/1945. Porém não se manifestam sobre a validade do art. 86, parágrafo
único, da Lei nº. 11.101/2005.
A maioria dos autores contemporâneos, da doutrina do Direito
Empresarial, citados apenas ensina a regra contida no art. 86, parágrafo único,
e art. 151 sem se manifestar sobre eventual invalidade daquele dispositivo.
693
SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007. 694
SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007. 695
SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007, p. 512. 696
SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007, p. 512.
189
No entanto, existe um entendimento minoritário (ao qual nos filiamos)
capitaneado por Lima697 e Souza Junior698 que defendem a realização de uma
interpretação que compatibilize o art. 86, parágrafo único, e o art. 151 da Lei nº.
11.101/2005 com a CRFB/1988 a fim de preservar o direito/garantia
fundamental de propriedade dos terceiros que têm direito à restituição em
dinheiro. Este posicionamento nos parece mais adequado uma vez que
promove uma interpretação sistemática dos art. 149, 150, 151, 83, 84, 85 e 86
da Lei nº. 11.101/2005 (em substituição a uma exegese isolada do art. 86,
parágrafo único, e art. 151), passando pelo filtro da CRFB/1988, em especial,
dos direitos e garantias fundamentais nela previstos.
697
LIMA, Sérgio Mourão Corrêa; et. al. Comentário à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. 2009. 698
SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; et. al. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005 – Artigo por artigo. 2007.
190
7 CONCLUSÃO
A falência é, ao mesmo tempo, um instituto de direito material e de
direito processual.
No aspecto processual, a falência é um procedimento executivo
concursal, regido pelos princípios da universalidade, unidade e indivisibilidade
do juízo. Os credores do falido habilitam seus créditos e concorrem, em regra,
em igualdade de condições na partilha da garantia comum representada pelos
bens que integram o patrimônio do devedor, ressalvados os bens
absolutamente impenhoráveis (Lei nº. 8.009/1990 e art. 649 do CPC).
Essa regra, no entanto, sofre exceções, pois a própria lei estabelece
uma ordem de preferência para a realização desses pagamentos. Tratam-se
dos privilégios legais, previstos nas diversas legislações brasileiras que
trataram da quebra699 e constantes dos art. 83 e 84 da Lei nº. 11.101/2005.
A princípio, os credores trabalhistas não tinham preferência no
pagamento de seus créditos, sendo classificados como quirografários.
Com a aprovação da CLT, em 1943, eles passaram a ter privilégio geral
no pagamento da totalidade de seus salários e sobre o valor correspondente a
um terço das indenizações a que tivessem direito, ficando os dois terços
restantes na classe dos créditos quirografários (art. 449, §1º, da CLT).
Posteriormente, em 1960, a Lei nº. 3.726/1960 modificou o art. 102 do
Decreto-lei nº 7.661/45 conferindo aos créditos trabalhistas a prioridade
absoluta no seu pagamento em relação à totalidade dos salários e das
indenizações devidas. Essa regra, porém, ficou suspensa entre os anos de
1967 (com a publicação do Decreto-lei nº. 192/1967) até 1977 (com a edição
Lei nº. 6.449/1977), pois o Decreto-lei nº. 192/1967 conceituou o termo
―indenização trabalhista‖ como o valor correspondente a um terço das
indenizações devidas em virtude da legislação do trabalho. Esse decreto-lei,
posteriormente, foi revogado pela Lei nº. 6.449/1977, que modificou a redação
do §1º do art. 449 da CLT para estabelecer que as ―indenizações trabalhistas‖
constituem crédito privilegiado na falência do empregador pela sua totalidade.
699
Art. 873 a 879 e art. 880 a 892 do Código Comercial de 1850; art. 67 a 70 do Decreto nº. 917/1890; art. 75 a 79 da Lei nº. 859/1902; art. 91 a 99 da Lei nº. 2.024/1908; art. 91 a 99 do Decreto nº. 5.746/1929 e art. 102 e 124 do Decreto-lei nº. 7.661/1945.
191
A partir de então, o crédito trabalhista voltou a ter o privilégio absoluto na
execução concursal da falência, conforme previsto no art. 102 do Decreto-lei
nº. 7.661/1945, com a redação dada pela Lei nº. 3.726/1960, pois era
integralmente pago antes de qualquer outro crédito, inclusive daqueles
decorrentes dos encargos e dívidas da massa (art. 124 da mesma lei).
A Lei nº. 11.101/2005, no entanto, estabeleceu uma nova distribuição
para o pagamento dos créditos na falência que, sem retirar o privilégio do
crédito trabalhista sobre os demais, dividiu-o em quatro classes distintas.
A primeira delas é aquela prevista no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005,
que prescreve o pagamento dos créditos trabalhistas de natureza salarial
vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência, limitados a cinco
salários mínimos por trabalhador. Trata-se de um adiantamento dos valores
devidos em virtude da classificação dos créditos concursais previstos no art.
83, I, da mesma lei, e cuja prioridade se destina, precipuamente, ao pagamento
dos salários dos empregados em atraso.
A segunda classe é a dos créditos trabalhistas extraconcursais, previstos
no art. 84, I, da Lei nº. 11.101/2005, relativos aos créditos trabalhistas
(independentemente da natureza) e às indenizações decorrentes de acidente
do trabalho ocorridas no período compreendido entre a decretação da falência
e a efetiva liquidação do passivo.
A terceira classe refere-se aos créditos trabalhistas concursais (art. 83, I,
da Lei nº. 11.101/2005), que possuem preferência no pagamento das
indenizações por acidentes de trabalho e dos créditos trabalhistas limitados a
cento e cinquenta salários mínimos por credor. Os valores eventualmente
excedentes à referida quantia são classificados como créditos quirografários
(art. 83, VI) e inscritos na respectiva classe (quarta classificação dos créditos
trabalhistas).
Percebe-se, dessa forma, que não há mais que se falar em
―superprivilégio‖ trabalhista pela totalidade dos valores devidos haja vista a
existência das mencionadas quatro subclassificações dessa espécie de credor.
Os credores admitidos na falência, sejam os credores do falido (créditos
concursais) ou da massa falida (créditos extraconcursais), somente poderão
ser pagos com o produto apurado com a alienação dos bens de propriedade do
devedor arrecadados pelo administrador judicial quando da decretação da
192
falência. É evidente que bens de propriedade de terceiros não poderão ser
usados para pagar esses créditos sem a anuência do respectivo titular. Se
assim não o fosse, estaríamos diante de esbulho possessório e flagrante
violação ao direito/garantia fundamental de propriedade (art. 5º, XXII, da
CRFB/1988).
Por essa razão, foi criado o instituto da restituição na falência, chamado
pelo Código Comercial de 1850, pelo Decreto nº. 917/1890, pela Lei nº.
859/1902, pela Lei nº. 2.024/1908 e pelo Decreto nº. 5.746/1929 de
reivindicação, e de restituição pelo Decreto-lei nº. 7.661/1945 e pela Lei nº.
11.101/2005.
O pedido de restituição (ou ação de restituição) é a demanda judicial de
rito ordinário, incidental ao processo falimentar, cabível para possibilitar ao
legítimo proprietário de um bem indevidamente arrecadado na falência do
devedor reaver a posse sobre o mesmo. Trata-se, portanto, de uma ação de
natureza eminentemente possessória, porém especial em relação àquelas
previstas nos art. 920 a 933 do CPC.
Em regra, as restituições são implementadas para entrega do próprio
bem in natura que tenha sido indevidamente arrecadado na falência (art. 85,
caput, da Lei 11.101/2005). No entanto, se o bem objeto do pedido não mais
existir, esse direito será satisfeito pela entrega do dinheiro apurado na
alienação do mesmo, caso esta seja feita pela massa falida, ou pelo valor da
sua avaliação, caso tenha ele perecido em poder da massa (art. 86, I, da Lei
nº. 11.101/2005).
Existem dois tipos de ação restituitória: a ordinária e a extraordinária.
Ambas são iguais em relação ao rito processual aplicável, diferindo-se apenas
quanto ao fundamento.
Enquanto a restituição ordinária é fundada no direito de propriedade (art.
85, caput, da Lei nº. 11.101/2005), a restituição extraordinária tem fundamento
na boa-fé do vendedor que aliena mercadoria a crédito ao devedor,
desconhecendo o estado de ruína econômica deste (art. 85, parágrafo único,
da Lei nº. 11.101/2005). Nesse caso, a lei presume a má-fé do devedor em
realizar negócio jurídico a crédito omitindo o seu estado de insolvência.
Esta última espécie de restituição tem, porém, restrições: que a
mercadoria tenha sido entregue ao devedor nos quinze dias anteriores à
193
decretação da falência e que não tenha sido alienada pelo falido a terceiros de
boa-fé. Nessa situação, deverá o vendedor contratante habilitar o seu crédito
na respectiva classe e concorrer com os demais credores do falido no rateio
dos bens que integram o patrimônio do devedor.
Existem também hipóteses de cabimento da ação restituitória baseadas
em negócios jurídicos que implicam a transferência da posse de um bem do
seu proprietário ao devedor falido (a exemplo do contrato de mandato mercantil
e comissão mercantil, o depósito, a administração de coisa alheia, o contrato
estimatório, os contratos de alienação fiduciária em garantia e de compra e
venda com reserva de domínio).
Há, ainda, hipóteses de restituição fundadas em disposição legal ou
regulamentar, como o contrato sobre adiantamento de câmbio (art. 86, I, da Lei
nº. 11.101/2005 e art. 75 da Lei nº. 4.728/65), o patrimônio de afetação (art.
119, IX, da Lei nº. 11.101/2005 e art. 31-A a 31-F da Lei nº. 4.591/64), o
contrato de arrendamento mercantil (Lei nº. 6.099/74 e Resolução nº. 2.309/96
do BACEN), a restituição de contribuições previdenciárias descontadas dos
salários dos empregados e não recolhidas à União (art. 51, parágrafo único, da
Lei nº. 8.212/91) e a restituição dos valores entregues ao falido, pelo
contratante de boa-fé, e cujo negócio jurídico tenha sido anulado ou revogado,
nos termos do art. 136 da Lei 11.101/2005, caso tenha havido enriquecimento
indevido da massa falida (art. 86, III, da Lei nº. 11.101/2005).
As legislações anteriores que tratavam da quebra estabeleciam que as
restituições seriam implementadas antes do pagamento de qualquer credor na
falência, inclusive dos trabalhistas, pois o terceiro que tem esse direito não é
credor e sim proprietário e não se sujeitaria ao concurso de credores. Pagar
credores antes da realização das restituições em dinheiro devidas ao
proprietário equivaleria saldar dívidas de uma pessoa com dinheiro de terceiro,
sem a autorização deste.
Porém, a Lei nº. 11.101/2005 prescreve, no art. 86, parágrafo único, que
as restituições em dinheiro somente serão realizadas depois do cumprimento
do disposto no art. 151 da mesma lei, ou seja, depois do pagamento dos
créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial, vencidos nos três meses
anteriores à decretação da falência, até o limite de cinco salários mínimos por
trabalhador.
194
No entanto, a própria Lei nº. 11.101/2005 traz uma contradição ao
estabelecer, no art. 149, que os créditos concursais somente serão pagos
depois da implementação das restituições, sem especificar se in natura ou em
dinheiro, e do pagamento dos créditos extraconcursais respectivamente.
Assim, temos o art. 86, parágrafo único, que determina que as
restituições em dinheiro somente serão realizadas depois do cumprimento do
disposto no art. 151 e a norma do art. 149 que estabelece que as restituições
são as primeiras a serem satisfeitas na falência, antes mesmo do pagamento
dos créditos extraconcursais, das quantias indispensáveis à administração da
falência e à continuação provisória da atividade empresarial.
Vimos que, diferentemente das normas-princípios, duas normas-regras
contraditórias não podem permanecer, ao mesmo tempo, válidas no
ordenamento jurídico, pois uma exclui a aplicação da outra, salvo se houver
uma cláusula de exceção em alguma delas.
Assim, num conflito entre normas-regras contraditórias, é possível que
uma ou nenhuma delas seja válida, mas ambas não poderão ser assim
consideradas, salvo se uma delas trouxer algum dado que excepcione a
incidência da outra. E, para aferirmos a validade de qualquer norma do
ordenamento jurídico brasileiro, especialmente para estabelecer qual das
regras em conflito deverá permanecer no sistema normativo, devemos analisar
a consonância delas com a CRFB/1988, porque este é o fundamento de
validade das normas no Brasil.
Também é possível que, diante da análise da constitucionalidade de
uma norma, o órgão do Poder Judiciário deixe de pronunciar a sua invalidade
visando a preservar outro direito fundamental ou princípio constitucional por ela
abrangido numa verdadeira ponderação de interesses. Porém, isso somente
será possível quando uma norma produzir reflexos sobre mais de um valor
jurídico inserido no seu âmbito de proteção e for impossível ao julgador dar
concretude a todos eles ao mesmo tempo. Nesse caso, estaríamos diante de
uma flexibilização de princípios ou de direitos fundamentais.
A relativização de direitos fundamentais é medida excepcional que
somente deverá ser realizada quando dois princípios constitucionais,
igualmente importantes, entram em conflito real num determinado caso
concreto. Os conflitos meramente aparentes entre princípios ou direitos
195
fundamentais não autorizam a aplicação da técnica da ponderação. Isso
porque, os direitos fundamentais são indispensáveis ao desenvolvimento do
princípio da dignidade da pessoa humana na medida em que protegem o
indivíduo, em diversos aspectos, e a sua flexibilização indiscriminada implicaria
a própria vulneração deste metaprincípio.
A CRFB/1988 e algumas leis podem estabelecer limites ao exercício de
determinados direitos fundamentais a fim de proporcionar uma melhor
convivência social e desenvolver outros princípios fundamentais, a exemplo da
conformação do direito/garantia fundamental de propriedade ao cumprimento
da sua função social. Mas isso também é excepcional e só ocorre quando o
Poder Público deseja coibir o exercício abusivo de um direito.
Nesse sentido, diante da contradição apresentada na Lei nº.
11.101/2005, temos, por um lado, o art. 86, parágrafo único, que viola o
direito/garantia fundamental de propriedade do terceiro que tem seu bem
indevidamente arrecadado na falência ao prescrever que em caso de perda ou
alienação do mesmo pela massa falida o seu direito somente será satisfeito
depois do pagamento dos créditos trabalhistas de natureza salarial vencidos
nos três meses anteriores à decretação da falência, até o limite de cinco
salários mínimos por trabalhador (art. 151). E, por outro lado, o mesmo
dispositivo protege os trabalhadores, pois proporciona um pagamento parcial
antecipado dos respectivos créditos a fim de saldar as dívidas decorrentes de
possíveis salários em atraso.
Há quem defenda ser salutar mencionada regra, pois protege a
dignidade dos trabalhadores na medida em que possibilita o pagamento de
valores emergenciais de uma parte da remuneração do trabalhador que tem
caráter alimentar.
Outros, porém, argúem a inconstitucionalidade do art. 86, parágrafo
único, da Lei nº. 11.101/2005 (segundo uma interpretação literal), quando se
estabelece a preferência de créditos trabalhistas sobre o direito do proprietário
de obter a restituição em dinheiro, pois este não é credor e não pode ser
preterido em benefício de um credor, por mais privilegiado que seja.
Entendemos que não há como defender a validade do art. 86, parágrafo
único, da Lei nº. 11.101/2005 (segundo a sua interpretação literal), mesmo que
em razão de uma pretensa ponderação de interesses entre o direito/garantia
196
fundamental de propriedade e o princípio da dignidade da pessoa humana. Isso
porque, a norma contida no art. 149 da Lei nº. 11.101/2005, ao determinar a
precedência das restituições (sem especificar se seriam realizadas em dinheiro
ou não), não viola qualquer direito fundamental dos empregados, muito menos
o princípio da dignidade humana. Pelo contrário, essa norma apenas respeita o
direito/garantia fundamental de propriedade daquele que não é credor da
massa falida e, por isso, não pode responder pelos débitos desta.
Em outros termos: não há que se falar em violação à dignidade do
trabalhador de uma norma que determina que os proprietários não credores,
com direito à restituição em dinheiro, receberão a expressão econômica do
bem que integra o próprio patrimônio antes do pagamento dos salários em
atraso dos empregados, tal como já ocorria no Decreto-lei nº. 7.661/1945 e nas
legislações anteriores.
Não se trata de uma real colisão entre direitos fundamentais, pois a
dignidade da pessoa humana não está inserida no âmbito de incidência do art.
149 da Lei nº. 11.101/2005, não sendo sequer tocada por esta norma. Quando
muito, se poderia falar em uma colisão aparente; o que, na verdade, não é
considerado conflito que autorize a aplicação da técnica da ponderação.
Porém, o direito/garantia fundamental de propriedade encontra-se
inserido no âmbito de incidência do art. 86, parágrafo único, da Lei nº.
11.101/2005 quando esse dispositivo estabelece que a restituição em dinheiro
ao proprietário do bem indevidamente arrecadado na falência será preterida em
prol do pagamento de parcela dos valores devidos aos credores trabalhistas.
Ressalte-se, ainda, que, conforme decidido pelo STF no julgamento da
ADI nº. 3.934-2700, não existe o direito fundamental dos empregados de
receber seus créditos prioritariamente na falência de seu empregador, pois a
CRFB/1988 não disciplina a matéria relativa ao privilégio legal dos empregados
na execução concursal. Trata-se de questão afeta à legislação
infraconstitucional. Por isso, não há inconstitucionalidade, segundo o próprio
STF, em lei que disponha de modo diverso sobre o privilégio do crédito
trabalhista na falência.
700
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.934-2. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. Diário de Justiça, Brasília, 06 nov. 2009.
197
Isso reforça ainda mais nosso entendimento de que o art. 86, parágrafo
único, da Lei nº. 11.101/2005, quando se refere à restituição em dinheiro
decorrente do direito de propriedade (art. 86, I), é inconstitucional. Esse
dispositivo restringe indevidamente um direito fundamental previsto na
CRFB/1988 em prol da implementação de um direito não previsto na
CRFB/1988 (o privilégio do crédito trabalhista na falência).
Ressalte-se, ainda, que a propriedade privada, em países capitalistas,
tem aptidão para gerar riqueza e proporcionar o exercício de um trabalho ou
profissão. Além disso, é meio para o desenvolvimento da própria dignidade do
seu proprietário, na medida em que o protege e garante um mínimo de
patrimônio para participar da vida social dignamente.
Trata-se, igualmente, de um direito fundamental que deve ser observado
pelo Estado e pelos indivíduos. Não se pode permitir interpretações extensivas
de exceções. Isso legitimaria o desrespeito aos diversos direitos e garantias
fundamentais dos indivíduos conforme os interesses envolvidos na discussão,
pois sempre haverá uma justificativa alegadamente nobre para se relativizar
algum princípio constitucional em prol de outro, até se chegar ao ponto em que
nenhum deles seja plenamente respeitado.
Além disso, admitir a plena validade do art. 86, parágrafo único, da Lei
nº. 11.101/2005 equivaleria a permitir o pagamento de dívidas de uma pessoa
com bens de outra que nem sequer participou do negócio jurídico originário.
Seria como se uma pessoa fosse constituída garantidora hipotecaria ou
pignoratícia de um débito que não fosse seu, sem a sua anuência e, pior, que
essa garantia fosse excutida sem a prévia notificação do proprietário.
A situação fica ainda mais complicada se a massa falida não tiver ativo
suficiente para realizar o pagamento de todos os empregados na forma do art.
151 e realizar todas as restituições em dinheiro. Nessa hipótese, haveria
verdadeira expropriação de bem de terceiro para pagamento de dívida da
massa falida sem a correspondente e justa indenização em dinheiro.
Diante de tudo o que foi exposto, nossa proposta é que seja introduzia,
por meio de lei, uma cláusula de exceção no art. 86, parágrafo único, da Lei
11.101/2005 para ressalvar que a restituição em dinheiro aos proprietários de
bens indevidamente arrecadados em processos de falência seja feita
198
juntamente com a restituição dos bens in natura e antes do cumprimento do
comando normativo contido no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005.
No entanto, isso dependeria da apresentação de projeto de lei no
Congresso Nacional e sua regular tramitação. Contudo, como sabemos que o
processo legislativo brasileiro é moroso, é provável que uma norma com
conteúdo semelhante, ainda que seja objeto de uma proposição legislativa,
demore a ser promulgada.
Para resolver esse problema, propomos, ainda, que seja dada uma
interpretação conforme a constituição pelos órgãos do Poder Judiciário para
adequar o art. 86, parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005 ao art. 149 da
mesma Lei e ao art. 5º, XXII, da CRFB/1988.
Dessa forma, diante de um caso concreto posto sob apreciação, o juiz
somente permitiria que o administrador cumprisse o disposto no art. 151 da Lei
nº. 11.101/2005 depois da reserva de importância suficiente para a integral
satisfação das restituições em dinheiro, especialmente aquelas decorrentes do
direito de propriedade (art. 86, I, da Lei nº. 11.101/2005). Se, porém, a massa
falida não tiver recursos suficientes para realizar os pagamentos previstos no
art. 151 e as restituições em dinheiro previstas no art. 86, I, estas deverão ser
implementadas em primeiro lugar, juntamente com as restituições em espécie
previstas no art. 85 da Lei nº. 11.101/2005, pois elas decorrem do direito de
propriedade.
O fato é que, atualmente, questões como esta não têm chegado aos
tribunais, motivo pelo qual não sabemos a posição do Poder Judiciário
brasileiro sobre o assunto. Nosso entendimento, depois deste estudo, formou-
se contrariamente à interpretação literal do art. 86, parágrafo único, da Lei nº.
11.101/2005, na medida em que referido comando normativo não pode se
aplicar à hipótese da restituição em dinheiro decorrente do direito de
propriedade (art. 86, I), sob pena de grave vício de inconstitucionalidade.
199
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