Reforço de estruturas de concreto com fibras de carbono Edição 125 - Agosto/2007
Estruturas de concreto armado frequentemente necessitam ser reforçadas. A maioria das
vezes a necessidade de reforço é decorrente de vícios construtivos em alguma ou em
várias fases da execução.
Outras vezes a necessidade de reforço é consequência da alteração da destinação da
estrutura ou da necessidade de adequação a novas condições de carregamento.
Os reforços aderidos externamente aos elementos estruturais representam uma alternativa
moderna e de grande eficiência, com utilização cada vez mais difundida pelas grandes
vantagens que oferecem.
Destacam-se nessa categoria de reforços os sistemas compostos estruturados com
plásticos, particularmente aqueles que utilizam as fibras de carbono como componente
resistente. Esses sistemas são colados nas faces dos elementos estruturais com resinas
especialmente desenvolvidas que permitem a transferência dos esforços da massa de
concreto para o sistema composto, mobilizando-se as tensões tangenciais desenvolvidas
quando da atuação dos esforços solicitantes.
O sistema composto foi introduzido no Brasil em 1998 com o reforço pioneiro do Viaduto
de Santa Teresa, em Belo Horizonte (foto 1), ao qual sucederam-se aplicações diversas.
Materiais do sistema
Os sistemas compostos com fibras de carbono são constituídos por dois materiais
principais: a fibra de carbono, elemento resistente do sistema, e a resina saturante, que
conforma a matriz epoxídica do sistema. A representação esquemática do sistema com
fibras de carbono e a sua ampliação em microscópio eletrônico são mostradas na foto 2.
Os plásticos utilizados nos sistemas compostos caracterizam-se por terem o gráfico
(tensão x deformação) linear até à ruptura, característica dos materiais frágeis, como
mostra a figura 1.
Todos os sistemas de fibras de carbono têm os seus materiais constituintes desenvolvidos
após exaustivos testes materiais e estruturais, incluindo aí todas as resinas, tais como os
imprimadores primários, os regularizadores de superfície, os saturantes, os adesivos, os
revestimentos protetores e as fibras que os estruturam.
Os imprimadores primários são utilizados com o objetivo de penetrar no substrato de
concreto para permitir, com o seu adesivo específico, a construção de uma ponte de
aderência para a resina de saturação ou outros adesivos a serem aplicados posteriormente.
O imprimador utilizado pode ser um composto epóxi-poliamina curada, bi-componente
de baixa viscosidade e com 100% de sólidos, com as seguintes características:
Resistência à tração: 13,0 a 15,8 MPa
Alongamento máximo à tração: 10 a 30%
Módulo tangencial: 689,0 a 826,8 MPa
Os regularizadores de superfície são utilizados para o preenchimento de vazios ou
correção de imperfeições superficiais objetivando uma superfície lisa e desempenada
sobre a qual o sistema será colado. O regularizador de superfície do sistema é denominado
pasta, adesivo bi-componente com 100% de sólidos e consistência firme, com as
seguintes características:
Resistência à tração: 23,0 MPa
Alongamento máximo de tração: 1,6%
Módulo de tração: 262,0 MPa
As resinas de saturação são utilizadas para a impregnação das fibras que constituem o
elemento estrutural dos compostos, fixando-as no local e garantindo um meio efetivo para
a transferência das tensões de cisalhamento entre as mesmas. A resina influi muito pouco
para a resistência final do sistema, mas exerce relevante função para a absorção dos
esforços de flexão e cisalhamento. O sistema utilizado nas obras descritas contém resina
epoxídica de baixa viscosidade, bi-componente, com 100% de sólidos, com as seguintes
características técnicas:
Resistência à tração por flexão: 43,0 MPa
Resistência direta à tração: 78,0 MPa
Resistência à compressão: 88,0 MPa
As fibras de carbono resultam do tratamento térmico (carbonização) de fibras precursoras
orgânicas, tais como o poliacrilonitril (PAN) ou com base no alcatrão derivado do
petróleo ou do carvão (PITCH), em um ambiente inerte. Nesse processo térmico as fibras
resultantes apresentam os átomos de carbono perfeitamente alinhados ao longo da fibra
precursora, característica que confere extraordinária resistência mecânica ao produto
final. Quanto maior a temperatura maior será o módulo de elasticidade do material
resultante, que varia desde 100 a 300 GPa para as fibras de carbono até 650 GPa para as
fibras de grafite. Quanto maior o módulo de elasticidade, maior é o custo do material. O
produto de maior módulo de elasticidade (grafite) é cerca de 15 a 20 vezes mais caro do
que a fibra de carbono com o módulo de elasticidade situado no extremo inferior da faixa.
Os sistemas compostos que utilizam as fibras de carbono como elementos resistentes
apresentam as seguintes características básicas:
Extraordinária resistência mecânica
Elevada resistência a ataques químicos diversos
Não são afetados pela corrosão por se tratar de um produto inerte
Extraordinária rigidez
Estabilidade térmica e reológica
Bom comportamento à fadiga e à atuação de cargas cíclicas
O peso específico das fibras de carbono varia de 1,6 a 1,9 g/cm3. Observa-se que o
material tem um peso específico cerca de cinco vezes menor do que o do aço estrutural,
da ordem de 7,85 g/cm3. Suas principais características são:
Processo construtivo dos sistemas compostos
Para a instalação dos sistemas com fibras de carbono é utilizada a sequência de
procedimentos:
Recuperação do substrato de concreto
Para que seja garantida a instalação do sistema é fundamental que o substrato ao qual ele
será aderido esteja íntegro e são, ou seja, que disponha de suficiente resistência mecânica
para que sejam procedidas as transferências de esforços que acontecem na interface entre
o concreto e o sistema composto.
Torna-se necessária a recuperação e a passivação das barras de aço afetadas pelo processo
corrosivo e a remoção e posterior recuperação das superfícies de concreto degradadas
pela manifestação.
Todas as trincas existentes na estrutura a ser reforçada deverão ser recuperadas. Além
delas, as fissuras com aberturas maiores que 0,25 mm também deverão ser tratadas.
Podem ser utilizados para essas recuperações os procedimentos convencionais de injeção
de epóxi sob pressão. Esses procedimentos são mostrados na foto 3.
As fissuras com aberturas menores que 0,25 mm, expostas ao meio ambiente, podem
exigir injeção de resinas ou seladores para prevenir futura corrosão da armadura da peça.
Preparação da superfície
A preparação das superfícies de concreto onde será aplicado o sistema será determinada
em função das duas hipóteses possíveis de funcionamento estrutural:
Predominância da condição crítica de colagem
Predominância da condição crítica de contato íntimo
As aplicações para os reforços de flexão e de cisalhamento exigem que seja estabelecido
um sistema de colagem bastante eficiente para uma adequada transferência de esforços
entre os meios aderidos, caracterizando a condição crítica de colagem. O confinamento
de colunas, por sua vez, exige mais uma condição de contato eficiente entre o concreto e
o sistema composto, caracterizando a condição de contato íntimo.
No caso da colagem crítica, a superfície do concreto sofre as seguintes preparações:
Utilização de abrasivos ou jatos de areia ou limalhas metálicas para a limpeza da
superfície onde deverá ser aderido o sistema. Essa limpeza deve contemplar a
remoção de poeira, pó, substâncias oleosas e graxas, partículas sólidas não
totalmente aderidas, recobrimentos diversos como pinturas, argamassas etc.
Também deverão ficar totalmente expostos quaisquer nichos ou imperfeições
superficiais significativas
No caso de o reforço exigir o recobrimento de mais de uma superfície lateral da
peça, ocorrerá a necessidade de arredondamento das quinas envolvidas nessa
aplicação, visando com isso evitar concentração de tensões na fibra de carbono e
eliminar eventuais "vazios" entre o concreto e o sistema por deficiência na
colagem. Os procedimentos são mostrados na figura 2
No caso de contato crítico, nas aplicações que envolvam o confinamento das peças de
concreto armado, a preparação das superfícies deve ser fundamentalmente direcionada no
sentido de que seja estabelecido um contato íntimo contínuo entre as superfícies
envolvidas. Essas superfícies não podem apresentar concavidades ou convexidades que
impeçam o carregamento correto do sistema. Irregularidades superficiais expressivas
devem ser corrigidas preenchendo-se as concavidades (caso de nichos) com material de
reparação compatível com as características mecânicas do concreto existente ou pela sua
remoção (caso das juntas de fôrmas).
Uma vez concluída a recuperação do substrato de concreto inicia-se a aplicação do
sistema, obedecendo-se as etapas:
Aplicação do imprimador e do regularizador de superfícies
Os imprimadores primários têm como objetivo penetrar nos poros do concreto,
colmatando-os para que, juntamente com a película aderida à superfície do concreto, seja
estabelecida uma ponte de aderência eficiente, sobre a qual será instalado o sistema.
As massas regularizadoras de superfície são utilizadas para a calafetação e regularização
das superfícies de concreto onde serão aplicados os sistemas, garantindo o
estabelecimento de uma superfície desempenada contínua. Quanto maior a irregularidade
superficial maior será o consumo desse material. Essas operações são mostradas na foto
4.
Corte e imprimação das fibras de carbono
As lâminas de fibra de carbono serão cortadas em bancadas especialmente montadas para
isso. São utilizadas régua metálica, tesoura de aço (para o corte transversal) e faca de
corte ou estilete (para o corte longitudinal).
Existem duas maneiras distintas para a imprimação das fibras:
saturação via úmida – nessa alternativa a lâmina de fibra de carbono é saturada
em bancada própria, sendo depois transportada para a sua aplicação na peça a ser
reforçada
saturação via seca – nessa alternativa a saturação é feita diretamente sobre o
concreto da peça a ser reforçada para em seguida ser colada a lâmina de fibra de
carbono
A foto 5 mostra o corte da fibra e a saturação via úmida, opção mais utilizada por
facilitar o manuseio e o transporte da fibra até o local de sua aplicação.
Uma recomendação fundamental é que se deve utilizar estritamente a quantidade de
resina necessária à impregnação ou à colagem, para que não ocorram alterações sensíveis
nas características do composto. Um excesso de resina acarreta uma menor resistência
final.
Aplicação da lâmina de fibra de carbono e segunda camada de saturação
A colocação da lâmina de fibra de carbono, independentemente do tipo de imprimação
utilizada, deve ser imediata, uma vez que o tempo de aplicação da resina saturante (pot-
life) é muito curto, no máximo 25 a 30 minutos. Dentro desse intervalo de tempo é
possível fazer ajustes de alinhamento e prumo das lâminas de fibra de carbono para o seu
posicionamento.
Terminado o posicionamento da lâmina de fibra de carbono é feita a segunda saturação
por sobre a lâmina instalada, para garantir que a fibra de carbono esteja totalmente imersa
(encapsulada). Normalmente, espera-se cerca de 30 minutos para a segunda operação de
saturação (foto 6).
Estruturalmente, está encerrada a aplicação do sistema.
Como podem ser necessárias várias camadas de lâminas de fibra de carbono para o
reforço da peça, essas operações são repetidas sucessivamente para cada camada
adicional. Cada lâmina exige duas imprimações independentes, não podendo a última
camada de imprimação da lâmina anterior ser utilizada para a colocação da próxima
lâmina.
Aplicação de camada protetora ou estética
Terminada a aplicação do sistema, este pode ser recoberto por camada protetora ou
estética (Top Coat), material disponibilizado em diversas cores e texturas. Se necessário
atender as condições específicas de agressões físicas, mecânicas e ambientais, o
revestimento pode ser projetado especialmente para cada caso, conforme mostrado na
foto 7.
Case de aplicação do sistema
Apresenta-se de maneira resumida o reforço do Edifício do Anexo III da Secretaria da
Fazenda do Estado de Minas Gerais. O objetivo da aplicação foi reforçar as estruturas de
concreto armado da edificação para que fossem corrigidas as deficiências originais de
projeto e permitir o aumento da carga acidental de 150 kgf/m2 para 300 kgf/m2. Foram
utilizados 710 m2 de membrana para os 13 pavimentos do bloco principal do edifício.
Na seqüência fotográfica (foto 8) são mostradas, da esquerda para a direita e de cima para
baixo, as diversas etapas construtivas necessárias: reforço da armadura superior das vigas
para permitir o seu macaqueamento; macaqueamento das vigas; corte e saturação das
fibras; imprimação das vigas; aplicação da fibra de carbono; segunda etapa de saturação;
reforço ao corte, etapas inferior e superior conjugadas.
Esse projeto mereceu do ICRI (International Concrete Repair Institute) o prêmio de
Excelência em Reforço, em sua reunião de 2003, realizada em Tampa, Flórida, Estados
Unidos.
A foto 9 mostra o edifício antes do reforço (esquerda) e após o reforço (direita).
Leia Mais
Para mais informações sobre o sistema MBrace, principalmente os critérios de
dimensionamento dos reforços, indica-se a seguinte bibliografia:
Reforço de Estruturas de Concreto Armado com Fibras de Carbono. Ari de Paula
Machado, Editora PINI, 2002.
Fibras de Carbono – Manual Prático de Dimensionamento. Ari de Paula
Machado – Edição da BASF – The Chemical Company, 2006.
Ari de Paula Machado, diretor da Paula Machado Engenharia e Projetos, de Belo
Horizonte. Consultor Técnico para o Brasil e América Latina do Sistema
MBrace® da Basf – The Chemical Company, [email protected]