Download - Quero matar Hitler

Transcript
Page 1: Quero matar Hitler

Muitas pessoas já ouviram falar em Stauffenberg Plot, mas poucas sabem que ele não foi o único a tentar eliminar Adolf Hitler. Inimigos e até alguns defensores do Führer também

fizeram planos para matá-lo. Bandidos, oficiais alemães, combatentes da Resistência Polonesa, soviéticos que pertenciam

à polícia secreta do Partido Comunista e as Operações Executivas Especiais da Inglaterra deixaram registradas suas tentativas.

Os métodos utilizados para assassinar o líder do partido nazista alemão variavam de bombas e envenenamentos a ataques

de um franco atirador. Muitos dos planos nem chegaram a sair do papel; alguns foram um pouco adiante, mas todos falharam.

Ao longo das dramáticas histórias não conhecidas sobre os atentados a Hitler, este livro apresenta uma investigação fascinante que vai além das conspirações: mostra as razões complexas da resistência alemã, a curiosa delicadeza dos

britânicos e a efetividade dos instrumentos da segurança nazista. Extraído de memórias e de pesquisas em arquivos originais da

Polônia, Alemanha, Rússia e Inglaterra, Quero Matar Hitler oferece uma perspectiva única sobre a história do Terceiro Reich.

“Uma história fascinante e muito bem pesquisada, mas leve o suficiente para ser lida como um bom thriller policial.”

– Times Journal Literary Supplement

“Este livro mostra quão sanguinário era o império de Hitler e quanto o Führer tinha consigo a própria sorte do demônio.”

– M.R.D. Foot, historiador britânico

“Altamente recomendável.” – Sunday Telegraph

ROGER MOORHOUSE

é formado em história pela

Universidade de Londres e

faz doutorado em história

moderna da Alemanha na

Universidade de Strathclyde.

Colaborador regular da BBC

History Magazine, é casado,

pai de dois filhos e mora em

Buckinghamshire, Inglaterra.

www.queromatarhitler.com.br

A ideia de que a Segunda Guerra Mundial e os horrores do Holocausto poderiam ter sido evitados com uma única bala ou bomba se mantém fascinante por mais de meio século. O que o historiador Roger Moorhouse revela em Quero Matar Hitler é quão próximo – e com que frequência – a história esteve de ter um curso radicalmente diferente entre a ascensão de Adolf Hitler ao poder e seu infame suicídio.Poucos líderes sofreram tantos atentados como Adolf Hitler. As tentativas vieram de artesãos a soldados de alta patente, de apolíticos a ideologicamente obcecados, de combatentes da Resistência Polonesa a patriotas oficiais Wehrmacht e de agentes inimigos a seus mais próximos associados. No entanto, até hoje, essas conspirações permaneceram enterradas em arquivos empoeirados e em obscuras biografias. Este livro reúne, pela primeira vez, as histórias de todos os homens que estiveram a um passo de matar Hitler. Relatos de coragem e ingenuidade, e, em última análise, de fracasso, variando de espetaculares descarrilamentos de trem ao primeiro bombardeio suicida conhecido pelo mundo. Também é o impressionante e terrível registro da sobrevivência de um tirano; um ditador cruel cujas repetidas escapadas da morte o convenceram de que ele era invencível – uma convicção que teve pavorosas consequências para milhões de pessoas.

Quero matar Hitler

roger moorhouse

capahitler.indd 1 3/4/09 12:30:39 AM

Page 2: Quero matar Hitler
Page 3: Quero matar Hitler

Quero matar Hitler

Page 4: Quero matar Hitler
Page 5: Quero matar Hitler

ROGER MOORHOUSE

Quero matar

Hitler

Tradução

Débora da Silva Guimarães Isidoro

Page 6: Quero matar Hitler

© 2006 by Roger MoorehouseDireitos de tradução reservados à Ediouro Publicações Ltda., 2009Direitos de publicação para o Brasil e para a América Latina.Esta edição não poderá ser comercializada em Portugal.

Assistente editorial: Fernanda CardosoCoordenadora de produção: Adriane GozzoAssistente de produção: Juliana Campoi

Preparação de texto: Alessandra Miranda de SáRevisão: Tuca Faria

Editora de arte: Ana DobónEditoração eletrônica: Linea Editora Ltda.

Capa: Ana DobónImagem de capa: Getty Images

Rua Nova Jerusalém, 345 – BonsucessoRio de Janeiro – RJ – CEP 21042-235

Tel.: (21) 3882-8200 Fax: (21) 3882-8212 / 3882-8313www.ediouro.com.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Moorhouse, RogerQuero matar Hitler : uma investigação completa sobre todas as

conspirações para assassinar o ditador que enganou a morte. / Roger Moorhouse ; tradução Débora da Silva Guimarães Isidoro. — São Paulo : Ediouro, 2009.

Título original: Killing Hitler.ISBN 978-85-00-33053-7

1. Assassinos - Alemanha - História - Século 20 2. Hitler, Adolf, 1889-1945 - Assassinato 3. Movimento antinazista - Alemanha 4. Movimento antinazista - Alemanha - História 5. Oposição (Ciência política) - Alemanha 6. Tentativa de crime político I. Título.

09-01882 CDD-943.08609

Índice para catálogo sistemático:

1. Alemanha : Chefes de Estado : Período do 3º Reich : História 943.08609

Page 7: Quero matar Hitler

Para Melissa,

pois sem ela...

Page 8: Quero matar Hitler

AGRADECIMENTOS

Escrever é uma experiência estranhamente solitária. Porém, qualquer escritor confi rmaria que, embora as palavras na página possam ser dele, inúmeras dívidas pessoais são contraídas em sua preparação.

Vários indivíduos merecem menção especial, portanto. No estágio de pesquisa, Kate Gilbert proporcionou grande assistência. Krzysztof Bozejewicz cuidou de toda a pesquisa em língua polonesa, tanto no Reino Unido quanto na Polônia, com a ajuda de Andrzej Koronski. Na Alemanha, Angelica von Hase e Peter Steinkamp deram apoio vital com relação aos arquivos, como o dr. Luba Vinogradova na Rússia. Além disso, diversos especialistas leram e comentaram capítulos do texto de esboço. Entre eles estão Antony Beevor, professor M. R. D. Foot, dr. Ted Harrison, Gitta Sereny e dr. Jacek Tebinka. Outros que proporcionaram assistência, responderam a questionários ou mereçam menção de uma ou outra forma são: dr. Andreas von Breitenbuch, dr. Bogdan Chrzanowski, professor Conan Fischer, Ewa Huggins, Ute Krebs, David List, Eugenia Maresch, dra. Iwona Sakowicz, Roy Seaton, dr. Andrzej Suchcitz, dr. Hilary Willard e dra. Wanda Wyporska.

Diversas instituições também devem ser mencionadas, inclusive a British Library Newspaper Archive, a Gedenkstätte Deutscher Wi-derstand, o Bundesarchiv em Berlim, o Bundesarchiv (Militärarchiv) em Freiburg, o German Historical Institute em Londres, o Imperial War Museum Archive, o Polish Underground Movement Study Trust e a Wiener Library.

Page 9: Quero matar Hitler

8

Reservo um enaltecimento especial para a British Library e o Na-tional Archives em Londres. Depois de vários anos trabalhando como pesquisador, tenho vasta experiência com arquivos e bibliotecas por toda a Europa, e cheguei à conclusão de que essas duas instituições são inigualáveis. Há, infelizmente, poucas áreas nas quais a Inglaterra ainda pode ser considerada de classe mundial, mas a British Library e os National Archives estabeleceram um novo marco para o aprimo-ramento de sua efi ciência, da competência e da expertise de seu estafe e da excelência de seu ambiente de trabalho.

Três dívidas especiais devem ser reconhecidas. Will Sulkin e Jörg Hensgen de Jonathan Cape foram incansáveis em seu entusiasmo pelo projeto, e meu agente, Peter Robinson, foi uma fonte consistente de apoio e também quem negociou o acordo de publicação que tornou tudo possível. Gostaria de agradecer ainda ao professor Norman Da-vies, que foi o primeiro a me inspirar a seguir este caminho.

Por fi m, gostaria de agradecer a minha esposa, Melissa. Hitler tem sido parte de nossa vida — o elefante de bigode na nossa sala de estar — por muito tempo, e, como um pedido de desculpas por essa intromissão, considero apropriado dedicar este livro a ela.

Page 10: Quero matar Hitler

SUMÁRIO

Introdução 11

Prólogo 15

CAPÍTULO 1

Maurice Bavaud: o assassino de Deus 23

CAPÍTULO 2

Georg Elser: o bombardeador solitário 61

CAPÍTULO 3

O Abwehr: o inimigo interno 93

CAPÍTULO 4

“O ninho de víboras”: o submundo polonês 131

CAPÍTULO 5

O oponente implacável: a União Soviética 169

CAPÍTULO 6

A guerra suja: os britânicos e a Executiva de Operações Especiais 207

Page 11: Quero matar Hitler

10

CAPÍTULO 7

Honra redimida: o exército alemão 247

CAPÍTULO 8

Revolta do discípulo: Albert Speer 303

Epílogo 331

Notas 351

Bibliografi a selecionada 393

Crédito de imagens 399

Page 12: Quero matar Hitler

INTRODUÇÃO

Posso ser morto por um criminoso,

ou um idiota, a qualquer momento.

ADOLF HITLER

Já se disse que o assassinato “nunca mudou a história do mun-do”.1 Esse sentimento benigno, sempre professado em tempos de

crise, é um sonho tolo, entretanto. Em resposta, pode-se apontar de maneira mais óbvia o assassinato do arquiduque Franz Ferdinand em Sarajevo, que desencadeou a Primeira Guerra Mundial, ou o de Sergei Kirov, em 1934, que promoveu as limpezas assassinas na União Soviética de Stalin. Assassinato tem, sim, a capacidade de afetar eventos mundiais.

Mais recentemente, a questão da utilidade de um assassinato como arma política tem sido submetida a um exame mais minucioso. Uma análise de dezoito famosos assassinatos em épocas variadas concluiu que nenhum deles alcançou seus objetivos políticos mais amplos.2 De fato, em muitos casos, os resultados foram exatamente opostos ao que se pretendia. O assassinato do presidente Lincoln em 1865, por exemplo, cometido por um simpatizante sulista, foi desastroso para a América do Sul, enquanto o de lorde Cavendish, cometido por nacionalistas irlandeses em 1882, fez recuar a causa da independência irlandesa durante uma geração. Assassinatos, portanto, certamente mudaram a História; eles só não promoveram a mudança planejada pelo assassino.

Page 13: Quero matar Hitler

12

Assim, a possibilidade do assassinato de Hitler tem fascinado e mobilizado historiadores e escritores de fi cção da mesma maneira. É tentador especular não só o número de vidas que poderiam ter sido poupadas, o confl ito que poderia ter sido evitado e o sofrimento que talvez pudesse ter sido economizado, mas também como a história da Europa, e especialmente a da Alemanha, teria se desenvolvido de forma diferente no século XX se Hitler houvesse sido atingido por uma bala assassina. Aqui, certamente, se não em outros lugares, temos um caso no qual um assassinato poderia ter proporcionado os benefícios pretendidos pelo assassino.

A maioria dos leitores modernos provavelmente concordaria, pelo menos de maneira instintiva, com essa afi rmação. Mas é interessante notar que a unanimidade nessa questão era muito mais difícil de encontrar durante a época em que Hitler esteve vivo. Naquela época, as discussões tratavam da propriedade de “brincar de ser Deus”, do estabelecimento de perigosos precedentes, dos espinhosos conceitos de “traição com princípios” e “terrorismo sancionado pelo Estado”, e da questão de que outros horrores poderiam se seguir à morte pre-matura de Hitler. De forma surpreendente, a proposta de assassinar Hitler nunca foi, talvez, menos que controvertida.

Porém, mesmo com todas essas questões, os pretensos assassinos de Hitler não se deixavam dissuadir. Poucos líderes, em qualquer século, podem ter sido alvo de tantas tentativas de assassinato; nada menos que 42 planos distintos contra a vida de Hitler foram identifi ca-dos por historiadores alemães, e essa lista está longe de ser completa.3 Desses, aproximadamente vinte podem ser levados sufi cientemente a sério para justifi car a atenção a eles dedicada aqui.

Hitler foi provavelmente o indivíduo mais infl uente do século XX. Seu nome se tornou sinônimo de brutalidade, intolerância e ódio racial. Seu rosto, talvez a imagem mais imediatamente reconhecível e icônica da era moderna, é uma imagem que poucos — mesmo os que foram abençoados pela vida em tempos pacífi cos — esquecerão. Mas e esses pretensos assassinos?

Page 14: Quero matar Hitler

CAPÍTULO 1

MAURICE BAVAUD: O ASSASSINO DE DEUS

Um dia um homem completamente inofensivo vai se estabelecer em um sótão na Wilhelmstrasse. Ele será tomado por um professor aposentado. Um cidadão robusto, com óculos de aros de tartaruga, mal barbeado. Ele não receberá ninguém em seu modesto cômodo. Ali ele vai instalar uma arma, em silêncio e sem pressa desnecessária, e com paciência espantosa ele vai apontar para a sacada da Chancelaria do Reich, hora após hora, dia após dia. E então, um dia, ele vai atirar.

ADOLF HITLER1

Pouco depois do meio-dia da manhã de 30 de janeiro de 1933, o líder do Partido Nazista, Adolf Hitler, foi conduzido a uma reunião

com o presidente alemão, marechal de campo Paul von Hindenburg. Acompanhado pelos membros de seu novo gabinete, ele foi recebido com frieza pelo presidente, que estava irritado por ter sido forçado a esperar por ele e duvidava da presença de Hitler. Hindenburg res-mungou um cumprimento breve e expressou seu prazer por saber que a direita nacionalista fi nalmente havia superado suas diferenças. Em seguida, passou ao assunto em questão: Hitler seria empossado como chanceler da República Alemã.

Vestido com um discreto terno escuro e usando gravata, Hitler jurou solenemente respeitar a Constituição, cumprir suas obrigações

Page 15: Quero matar Hitler

24

sem a infl uência do partido e servir ao bem de toda a nação alemã. Em um discurso breve e improvisado, prometeu defender os direitos do presidente e retornar ao governo do parlamento depois da próxima eleição. Hindenburg foi menos que loquaz em sua resposta:

— Agora, cavalheiros — ele disse —, em frente com Deus.2

Naquela tarde, o novo gabinete posou para a imprensa alemã na Chancelaria do Reich. Hitler, sentado em uma poltrona generosamente estofada, cercava-se dos colegas do novo gabinete, tendo Göring à sua direita e Von Papen, vice-chanceler, à sua esquerda. Os outros perma-neciam em pé atrás do trio, parecendo distintamente desconfortáveis. Via-se ali pouco da esperada camaradagem. Embora se conhecessem bem, poucos faziam contato visual. Ministros olhavam diretamente para a frente ou para o lado. Só Hitler sorria. Em sua primeira procla-mação pública como chanceler, ele deu os parabéns aos seus seguidores pelo “grande triunfo político”.3

Na verdade, a ascensão de Hitler ao poder foi menos gloriosa do que relatariam mais tarde seus propagandistas. Embora chefe do partido, com a maior fatia dos votos populares, ele não foi apontado em resultado de um verdadeiro processo democrático. Pelo contrá-rio, foi alçado ao poder pelas elites políticas em uma suja intriga de bastidores. O poder não foi tomado; foi oferecido a Hitler como um cálice de veneno. Hitler, acreditava-se, se embaraçaria rapidamente e cobriria de descrédito seu movimento. E se, por algum milagre, isso não ocorresse, eles se aproveitariam de sua popularidade no país, enquanto, em troca, se empenhariam em controlá-lo e conter suas loucas ambições.

Com esse propósito, Hitler foi nomeado chefe do governo, que continha apenas uma minoria nazista. De onze postos, apenas três eram ocupados por esses homens: a chancelaria, o Ministério do Inte-rior e um ministério sem pasta. Além dessas, todas as outras posições mais importantes do governo eram ocupadas pelos conservadores, for-talecendo, portanto, sua crença de que eles poderiam, unidos, manter o encrenqueiro Hitler sob controle. Apesar dessas restrições à liberdade de ação de Hitler, sua indicação ainda era altamente impopular entre

Page 16: Quero matar Hitler

25

seus novos colegas, e várias concessões adicionais haviam sido nega-das a ele. Para começar, ele tinha jurado deixar o gabinete inalterado, independentemente do resultado das eleições que planejava realizar. Além disso, fi zera uma promessa vazia de alargar a base de seu novo governo pela aproximação com os partidos de centro. Tudo indicava que o truque dos conservadores havia funcionado. Hitler parecia estar preso em uma camisa de força política. Ele atuaria, esperava-se, como uma popular fi gura decorativa, embora tivesse pouco poder genuíno.

Apesar de todos esses artifícios, a vitória de Hitler ainda era subs-tancial. O ex-agitador de cervejaria e confesso “tocador de tambor” pela causa nacionalista havia alcançado o topo do poder político. Seus seguidores, naturalmente, comemoravam o sucesso. Coordenados por Goebbels, os Sturmabteilung e os Schutzstaffel da capital se reuniram no Tiergarten para preparar uma parada pela vitória. Armados com tochas, deram início à caminhada às sete horas da noite, seguindo para a sede do governo. Marchando em fi leiras de dezesseis homens sob a retumbante aclamação de tambores e bandas militares, passaram sob a ponte Brandenburg e entraram em Wilhelmstrasse, onde pararam para saudar o envelhecido presidente. Seguindo para a nova residên-cia de Hitler na Chancelaria do Reich, eles irromperam em um coro do “Sieg heil” ao serem recebidos pelo novo chanceler de uma janela no primeiro andar. Goebbels relatou em seu diário que foi “como um conto de fadas”.4

O status recém-elevado de Hitler resultava em novas exigências para seu regime de segurança. Por exemplo, sua indicação foi um choque profundo para todos aqueles que o consideravam, e a seu mo-vimento, como uma fase passageira, ou mesmo ligeiramente ridícula. Ela fez seus oponentes, tanto passivos quanto ativos, se sentarem e prestarem atenção a ele, e considerarem que ação deveria ser tomada em resposta. O momento de triunfo de Hitler foi, também, seu mo-mento de maior vulnerabilidade.

Page 17: Quero matar Hitler

26

Como chanceler, Hitler tornou-se herdeiro de uma tradição surpreendentemente violenta de tramas de assassinato. O famoso chanceler do século XIX, Otto von Bismarck, escapou de duas dessas tentativas, e os anos voláteis que sucederam a Primeira Guerra Mun-dial haviam sido cenário de vários assassinatos políticos, culminando com o do ministro das Relações Exteriores, Walther Rathenau, em Berlim, no verão de 1922.

No período que seguiu esse ataque, a segurança para o chanceler e seus ministros passou a ser considerada de maneira inteiramente distinta. Antes, políticos proeminentes eram sujeitos apenas das mais comedidas precauções — não mais do que um motorista, um assistente e, talvez, alguns poucos policiais —, mas passaram a ser protegidos de modo muito mais intenso. Cinco dias após a morte de Rhatenau, novas medidas foram sugeridas e implementadas. Um segundo carro de escolta deveria acompanhar o chanceler, por exemplo, enquanto a segurança na Chancelaria do Reich se reorganizava totalmente. Todos aqueles que enviavam cartas ameaçadoras ou difamatórias aos ministros eram investigados pela polícia. Todas as ameaças eram consideradas com seriedade.5

Graças a essas medidas, inúmeras tramas foram descobertas nos anos anteriores à nomeação de Hitler. No inverno de 1922, por exem-plo, um comerciante de Dresden chamado Willi Schulze foi encontrado portando duas pistolas, com as quais, ele confessou, pretendia matar o chanceler Wirth. Alguns anos mais tarde, em 1931, um grosseiro aparato explosivo enviado ao chanceler Brüning foi interceptado pela equipe de segurança. No ano seguinte, uma mulher foi encontrada armada dentro da Chancelaria com uma adaga de 28 centímetros. Apesar do regime de segurança aperfeiçoado, ela havia conseguido invadir o edifício por uma porta lateral e chegar ao segundo andar antes de ser capturada.6 O aparato de segurança revisado evidente-mente funcionara. Mas, com a nomeação de Hitler como chanceler em 1933, ele enfrentaria seu maior desafi o.

Para alguém tão cercado por violência, não é, talvez, surpreenden-te que Hitler tivesse uma noção exacerbada da própria vulnerabilidade

Page 18: Quero matar Hitler

27

a ataques. Desde o início de sua carreira política, Hitler percebeu que precisava de um corpo de guarda-costas, uma unidade de inquestio-nável lealdade, um grupo de “homens que [...] marchariam até contra os próprios irmãos”.7 Para isso, ele empregou um pequeno grupo de homens robustos para servirem como motoristas, guardas e faz-tudo. Esse grupo formou a Saalschutz (Assembleia de Proteção) em 1920, que se expandiu para se tornar as Sturmabteilung (SA, ou Seção Tormenta) no ano seguinte. Mas, enquanto as SA eram responsáveis pela segurança no sentido mais amplo do termo, as questões mais delicadas da segurança pessoal de Hitler ainda fi cavam a cargo de um pequeno grupo de homens de confi ança. Entre eles estava o ex-lutador Ulrich Graf, que servira como guarda-costas de Hitler; Emil Maurice, ex-relojoeiro e veterano da Freikorps, seu motorista; Christian Weber, vendedor de cavalos e cafetão nas horas vagas, que era seu secretário; seu valete, Julius Schaub; e seu ajudante, Wilhelm Brückner. Esses homens foram inicialmente responsáveis pela segurança de Hitler em eventos públicos e compromissos que envolviam discursos. Eles formavam o círculo mais próximo do Führer.

No ano de crise de 1923, decidiu-se reorganizar a segurança de Hitler. Foi estabelecida uma guarda de elite, a Stabswache, recrutada nas fi leiras das SA, cujos membros juravam proteger Hitler de ameaças internas e externas. Quando a Stabswache caiu vítima de confrontos internos nas SA, porém, foi formado um novo corpo de segurança: os Stosstrupp (Tropas de Assalto), com cerca de cem indivíduos, mas cuja essência ainda era formada pelos antigos guarda-costas de Hitler, os informais. Graf, Maurice, Weber, Brückner e Schaub eram membros. O batismo de fogo ocorreria no Golpe de Munique, em novembro daquele ano, quando cinco ou seis membros dessa guarda acabariam mortos.8

Em 1925, depois da libertação prematura de Hitler da prisão, o Partido Nazista e as SA foram reconstruídos. A guarda de segurança também foi revivida. Inicialmente ela recebeu o título original de Stabswache, mas logo foi renomeada Schutzstaffel — as SS (Esqua-drões de Proteção). Em oposição à deliberada proletarização das SA,

Page 19: Quero matar Hitler

28

as SS eram evidentemente elitistas. Com oito homens, apenas, em sua formação original, cresceram devagar, na medida em que cada célula do partido era obrigada a ceder uma unidade SS de não mais que dez homens para garantir a segurança. No fi nal da década de 1920, já eram 280 componentes, mais ou menos, em comparação com os sessenta mil das SA. Candidatos às SS passavam por uma seleção rigorosa, e a disciplina era severa. Só “os melhores e mais confi áveis membros do partido” eram considerados.9 Eles deviam ser efi cientes, confi áveis, dotados de muitos recursos e, acima de tudo, “cegamente devotados” a Adolf Hitler.10 Não participavam de discussões políticas, mas compareciam às reuniões de instrução política. Não fumavam em eventos do partido e não deixavam o local até que recebessem ordens para isso. O lema deles era: Meine Ehre heisst Treue — minha honra é a lealdade.

As SS permaneceriam relativamente pequenas, até mesmo insig-nifi cantes, não fosse o advento de Heinrich Himmler. Em janeiro de 1928, Himmler assumiu a responsabilidade pela administração diária das SS; um ano depois, ele se tornou o líder, Reischsführer-SS. Sob seu comando, as SS se expandiram, a disciplina foi ainda mais enrijecida, e sua lealdade inquestionável a Hitler foi anunciada aos quatro ventos. Himmler queria inculcar nas SS a mesma ética extrema que ele próprio dizia adotar: “Se Hitler disser que devo atirar em minha mãe”, ele declarou certa vez, “eu atiro e vou me orgulhar de sua confi ança”.11

Felizmente, muitas das tarefas designadas para as SS eram muito mais corriqueiras, consistindo em guardar a Casa Marrom, quartel--general do Partido Nazista, e garantir a segurança cotidiana. Um veterano do período descreveu a rotina da unidade:

As SS [...] ainda eram um grupo muito pequeno, nascidas das SA com o propósito de proteger o partido, especialmente a liderança do partido em público [...] Estive em vários dos comícios mais importantes em Hamburgo. Era nosso trabalho proteger o pódio, acompanhar os oradores entre o comício e seus carros, ida e volta, guardar o hotel onde eles se hos-

Page 20: Quero matar Hitler

29

pedavam, e assim por diante [...] as coisas sempre fi cavam bem animadas.12

Em contraste acentuado com a crescente confi ança das SS, as SA entravam em um período de crise. No fi nal da década de 1920, as “fi lei-ras marrons” das SA haviam marchado e lutado, propelindo o Partido Nazista às fi leiras da frente da política alemã. Mas Hitler, que então desempenhava cada vez mais o papel do respeitável burguês político, era sutilmente constrangido por seu povo. A vanguarda de sua revo-lução, ele acreditava, tornara-se uma “massa dúbia” — politicamente indigna de confi ança e totalmente imprevisível. Além do mais, como as SA continham uma maioria de membros desempregados em vários distritos — algumas unidades não conseguiam angariar fundos para as necessárias suásticas —, ele temia que o grupo estivesse se interes-sando excessivamente pelo elemento socialista do nacional-socialismo. A liderança do partido, enquanto isso, com seus carros caros e apar-tamentos carpetados, era vista cada vez mais pelas SA como traidora de sua base proletária de poder.13 O golpe ocorreu em 1931, quando boa parte das SA foi envolvida em uma revolta sob o comando de seu líder auxiliar, Walther Stennes. Embora logo tenham sido contidos e dominados, o evento fez soar o sino derradeiro do movimento. De maneira impressionante, as SS se mantiveram escrupulosamente leais a Hitler durante todo o tempo.

Mais tarde, com o enfraquecimento das SA, as SS foram colocadas idealmente como únicas responsáveis pela segurança de Hitler, e, de acordo com essa proposta, a nova guarda pessoal de Hitler deveria ser extraída exclusivamente de suas fi leiras. Seu primeiro coman-dante, Sepp Dietrich, era um bavariano rude, veterano do Freikorps e do Golpe de Munique, que se tornaria um dos mais condecorados generais das SS na Segunda Guerra Mundial. Dietrich, que se juntara às SS em 1928, ascendeu rapidamente no núcleo de Munique e em um ano passou a fazer parte do círculo próximo de Hitler, sendo um de seus guarda-costas. Com a temperatura política subindo na Ale-manha, porém, e a violência atingindo níveis sem precedentes, logo

Page 21: Quero matar Hitler

30

se fez necessário dar um tom mais formal à segurança de Hitler. Em fevereiro de 1932, Dietrich foi incumbido de organizar uma unidade de proteção permanente para o Führer. O resultado foi o SS-Begleit-Kommando “Der Führer” (Destacamento de Escolta SS). Um contem-porâneo descreveu seus homens em termos nítidos como “Belos tipos alemães atléticos. Eles tinham sobretudos fechados por zíperes sobre seus uniformes [...] e usavam capacetes de aviador bem ajustados. Armados com revólveres e sjamboks [chicotes feitos com couro de hipopótamo] [...] pareciam homens de Marte”.14

Outra testemunha ocular foi menos lisonjeira. Descreveu os guarda-costas do Führer como “estranhamente delicados [...] quase efeminados”. Embora essa testemunha tenha especulado mais sobre se os homens poderiam ter sido selecionados pelo senhor nazista e pelo notório homossexual Ernst Röhm, ela ao menos concluiu, depois de passar uma noite em companhia do grupo, que “eles eram homens de verdade, sim”.15

Contando inicialmente com apenas doze homens sob o comando de Dietrich, o destacamento de guarda-costas teve a incumbência de acompanhar Hitler na turbulenta campanha eleitoral daquele ano. Um relato feito por um jornalista britânico descreveu seu modus operandi. Na primavera de 1932, Hitler fazia campanha na cidade de Elbing, leste da Prússia, onde seu grupo foi emboscado por protestantes co-munistas. Quando seu motorista se desviou da turba manifestante, “Os guarda-costas de casaco de couro de Hitler já haviam saltado de seus carros e atacavam [...] com cacetetes de borracha e chicotes. Pe-dras começaram a voar e soaram tiros de pistola. Então os [...] homens voltaram aos carros e nós seguimos em frente”.16

Quando Hitler residia em Munique, as medidas de segurança eram mais formais. Sua residência lá, a partir de 1931, era a chamada Casa Marrom, um elegante palácio de três andares que já havia servido como residência do emissário italiano à corte real bavariana. A orga-nização da guarda consistia em três turnos, cada um com dezessete homens, extraídos das SS. Desses, pelo menos dez eram posicionados no interior do edifício, enquanto outros seis guardavam a entrada, o

Page 22: Quero matar Hitler

31

terreno e todo o perímetro em volta da propriedade. O acesso ao edi-fício só era permitido mediante apresentação de um passe válido.17

No entanto, duvida-se de que a segurança em Munique fosse particularmente efi ciente. Antes de 1933, por exemplo, os guardas de plantão eram proibidos de portar armas. Além disso, não parece que as medidas instituídas fossem sempre estritamente seguidas. Um visitante britânico da Casa Marrom lembra-se de ter sido interpelado pelas sentinelas sobre não andar pela calçada externa do edifício, mas não mencionou procedimentos de segurança uma vez dentro dele.18 Os métodos de segurança empregados por Hitler em 1932 eram, na verdade, muito parecidos com o que haviam sido em 1923. Ele possuía uma guarda dedicada e leal à sua disposição, mas sua efi ciência era aberta a sério questionamento.

Parte do problema proposto a qualquer um que se dispusesse a criar um regime de segurança crível para Hitler era o próprio Hitler. A atitude do Führer com relação à própria segurança era cheia de con-tradições e inconsistências. Por um lado, ele era quase obcecado por sua mortalidade. Considerava-se um “homem de destino”, o homem que conduziria a Alemanha para a libertação. Porém, sua constituição frágil o convencia de que seu tempo era curto. Hitler, na verdade, não era um homem saudável. Há muito se conjectura que ele pudesse sofrer os efeitos da sífi lis.19 Mas, além desse fantasma, ele sentia claramente os duros efeitos da vida política. Em 1936, queixava-se de um catálogo completo de enfermidades, entre elas, tinido (zumbido no ouvido), enxaquecas, insônia, eczema, cãibras estomacais, fl atulência e gengi-vas hemorrágicas.20 A essa lista é possível acrescentar hipocondria. A preocupação de Hitler com sua saúde chegou ao ápice em maio de 1935, quando ele se convenceu de que um pólipo removido de sua laringe seria canceroso. Daquele ponto em diante, ele se tornou um homem apressado, politicamente falando. Como confessou a um de seus amigos íntimos:

— Nunca serei o Velho do Obersalzberg. Tenho pouco tempo.21

Além de tudo isso, Hitler temia cair vítima de um assassino. Consequentemente, como vivia repetindo para sua guarda, sua sobre-

Page 23: Quero matar Hitler

32

vivência era de suprema importância. Ele se interessava pelos detalhes das medidas de segurança e exigia que fossem sempre atualizadas e intensifi cadas. Carregava regularmente uma pistola em público, e seus guarda-costas e ajudantes também estavam invariavelmente armados.

É evidente que as atividades políticas de Hitler inevitavelmente o expunham a considerável perigo. Como chefe do mais violento e agressivo movimento na vida política da Alemanha, ele naturalmente provocava a antipatia pessoal de seus oponentes. Mas, em campanha, fosse falando diante de plateias hostis ou simplesmente participando de eventos políticos, ele era regularmente forçado a enfrentar seus detratores. Sofreu várias emboscadas. Certa vez, um trem em que ele viajava foi atacado. Comunistas também atiraram contra seu carro. Em outra ocasião, em 1920, ele escapou de ser capturado por uma multidão ameaçadora se fazendo passar por um dos membros pouco conhecidos de seu grupo.22 Somente seu (então) relativo anonimato pôde salvá-lo.

Porém, além do que se pode chamar de necessária exposição ao perigo, Hitler também minava, regular e conscientemente, os esforços de seus protetores. Ele podia ser espantosamente incauto, por exemplo. Certa vez, na cidade de Freiburg, na Floresta Negra, quando seu carro foi apedrejado, ele saltou do veículo brandindo o chicote, forçando os atônitos atacantes a se dispersar.23 Em outra ocasião, Albert Speer des-creveu como a procissão de carros de Hitler passou por grupos hostis em Berlim: “[...] o temperamento da multidão era terrível. Quando Hitler e seus homens chegaram alguns minutos mais tarde, os mani-festantes tomavam as ruas. O carro de Hitler teve de forçar passagem em velocidade muito baixa. Hitler viajava ereto ao lado do motorista. Na época, senti respeito por sua coragem, e ainda sinto”.24

Anos mais tarde, Hitler explicaria suas ações. Se um assassino idealista quisesse atirar contra ele ou explodi-lo, ele declarou, faria pouca diferença se estivesse sentado ou em pé.25 “Nos dias heroicos”, ele havia comentado, “eu não me intimidava com nada”.26

Page 24: Quero matar Hitler

Muitas pessoas já ouviram falar em Stauffenberg Plot, mas poucas sabem que ele não foi o único a tentar eliminar Adolf Hitler. Inimigos e até alguns defensores do Führer também

fizeram planos para matá-lo. Bandidos, oficiais alemães, combatentes da Resistência Polonesa, soviéticos que pertenciam

à polícia secreta do Partido Comunista e as Operações Executivas Especiais da Inglaterra deixaram registradas suas tentativas.

Os métodos utilizados para assassinar o líder do partido nazista alemão variavam de bombas e envenenamentos a ataques

de um franco atirador. Muitos dos planos nem chegaram a sair do papel; alguns foram um pouco adiante, mas todos falharam.

Ao longo das dramáticas histórias não conhecidas sobre os atentados a Hitler, este livro apresenta uma investigação fascinante que vai além das conspirações: mostra as razões complexas da resistência alemã, a curiosa delicadeza dos

britânicos e a efetividade dos instrumentos da segurança nazista. Extraído de memórias e de pesquisas em arquivos originais da

Polônia, Alemanha, Rússia e Inglaterra, Quero Matar Hitler oferece uma perspectiva única sobre a história do Terceiro Reich.

“Uma história fascinante e muito bem pesquisada, mas leve o suficiente para ser lida como um bom thriller policial.”

– Times Journal Literary Supplement

“Este livro mostra quão sanguinário era o império de Hitler e quanto o Führer tinha consigo a própria sorte do demônio.”

– M.R.D. Foot, historiador britânico

“Altamente recomendável.” – Sunday Telegraph

ROGER MOORHOUSE

é formado em história pela

Universidade de Londres e

faz doutorado em história

moderna da Alemanha na

Universidade de Strathclyde.

Colaborador regular da BBC

History Magazine, é casado,

pai de dois filhos e mora em

Buckinghamshire, Inglaterra.

www.queromatarhitler.com.br

A ideia de que a Segunda Guerra Mundial e os horrores do Holocausto poderiam ter sido evitados com uma única bala ou bomba se mantém fascinante por mais de meio século. O que o historiador Roger Moorhouse revela em Quero Matar Hitler é quão próximo – e com que frequência – a história esteve de ter um curso radicalmente diferente entre a ascensão de Adolf Hitler ao poder e seu infame suicídio.Poucos líderes sofreram tantos atentados como Adolf Hitler. As tentativas vieram de artesãos a soldados de alta patente, de apolíticos a ideologicamente obcecados, de combatentes da Resistência Polonesa a patriotas oficiais Wehrmacht e de agentes inimigos a seus mais próximos associados. No entanto, até hoje, essas conspirações permaneceram enterradas em arquivos empoeirados e em obscuras biografias. Este livro reúne, pela primeira vez, as histórias de todos os homens que estiveram a um passo de matar Hitler. Relatos de coragem e ingenuidade, e, em última análise, de fracasso, variando de espetaculares descarrilamentos de trem ao primeiro bombardeio suicida conhecido pelo mundo. Também é o impressionante e terrível registro da sobrevivência de um tirano; um ditador cruel cujas repetidas escapadas da morte o convenceram de que ele era invencível – uma convicção que teve pavorosas consequências para milhões de pessoas.

Quero matar Hitler

roger moorhouse

capahitler.indd 1 3/4/09 12:30:39 AM


Top Related