Prevenção da obesidade, diabetes e risco cardiovascular e
educação em suporte básico de vida para crianças e
adolescentes em situação de risco ampliado, por meio de
elaboração de material didático para alunos de Escolas
Públicas de Ensino Fundamental e Médio do Município de
Campinas
Prof. Dr. José Francisco Kerr Saraiva, Amália Fávero,
Giuliana Perrotte, Lucas Nogueira Pansani e Luigi Manolo
Benetti, Pontifícia Universidade Católica de Campinas,
Brasil.
Campinas, 2018
Resumo
A criação de cartilhas como materiais pedagógicos de apoio nas escolas do município de
Campinas-SP teve o intuito de agregar o aprendizado sobre os hábitos de vida saudáveis
bem como a importância do reconhecimento da parada cardiorrespiratória e realização da
ressuscitação cardiopulmonar em ambiente pré-hospitalar pela população em geral. Por
meio da utilização de linguagem lúdica, personagens e ambientes adequados ao contexto
das escolas públicas, buscou-se adequar a realidade dos jovens aos problemas de saúde
enfrentados atualmente, de modo a instigá-los sobre a importância de conhecer os fatores
de risco cardiovasculares e as noções básicas de atendimento a uma vítima de parada
cardiorrespiratória, tornando-os agentes multiplicadores desse conhecimento.
Objetivo
A elaboração desse material teve como objetivo sensibilizar crianças e adolescentes para os
fatores de risco de doenças cardiovasculares, a promoção de hábitos saudáveis e a
importância da aprendizagem da técnica de ressuscitação cardiopulmonar através de
cartilhas com linguagem simples e lúdica que despertem o interesse dos alunos sobre o
assunto.
Metodologia
Foram utilizadas histórias em quadrinhos, atividades de ligar pontos, imagens para colorir,
palavras cruzadas e caça palavras, como ferramentas para elaboração das duas cartilhas .
Para confeccionar o material utilizamos o programas “Pixton”, “Adobe Photoshop” e “Adobe
Acrobat”.
Desenvolvimento
A doença cardiovascular (DCV) é a principal causa de mortalidade no Brasil, cerca
de 32% de todas as mortes em nosso país. Sua consequência mais séria é a parada
cardiorrespiratória, responsável por aproximadamente 200.000 óbitos por ano, um a cada
um minuto e meio.
Dados recém-publicados do VIGITEL 2016, sistema de vigilância para doenças
crônicas do Ministério da Saúde, alertam para o crescente risco cardiovascular na última
década: aumento de 61,8% da população com diabetes e de 14,2% do número de
hipertensos. Estima-se que atualmente 53,8% da população esteja acima do peso e 18,9%
com obesidade. Segundo estudo realizado na cidade de Campinas esses dados são ainda
mais preocupantes na população jovem: aproximadamente 33% das crianças e
adolescentes entre 7 e 12 anos estão com sobrepeso ou obesos. Somando-se a isso,
estudos prospectivos e revisões sistemáticas demonstram que a população com baixo nível
socioeconômico, vivendo em regiões carentes sem assistência médica adequada, tem maior
risco cardiovascular.
Outro problema de saúde pública no Brasil é a morte por parada cardiorrespiratória
(PCR). Diariamente, estima-se 720 óbitos por PCR, um a cada um minuto e meio,
totalizando cerca de 200.000 casos por ano. Destes, metade ocorre em ambiente extra-
hospitalar e não recebe atendimento adequado por falta de preparo dos leigos, que não
sabem reconhecer e prestar os primeiros atendimentos à vítima de parada cardíaca.
Alguns estudos evidenciaram que a realização precoce de compressões torácicas
aumentam em até quatro vezes a taxa de sobrevivência desses indivíduos, tornando-se,
imprescindível no Brasil, ampliar o acesso ao ensino de ressuscitação cardiopulmonar
(RCP).
Considerando estes dados, iniciamos o projeto através de uma revisão de literatura,
utilizando a plataforma “DATASUS”, o site da Sociedade de Cardiologia do Estado de São
Paulo, a cartilha da Sociedade Brasileira de cardiologia “SBC vai à escola”, além da cartilha
da AHA sobre ressuscitação cardiopulmonar e artigos científicos. [1][2][3][4][5]
Também pesquisamos a demanda das escolas sobre hábitos de vida saudável e os
principais problemas de saúde enfrentados, convidando-os a contribuir com ideias e
sugestões sobre o conteúdo abordado na cartilha. Fizemos isso por meio de reuniões com
as diretoras das escolas “E.E. Hugo Penteado Teixeira Maurício” e “ E. E. Idalina Caldeira
de Souza Pereira, escolas parceiras, que anteriormente já haviam participado plano de
trabalho do docente extensionista nas escolas.
Visto à necessidade de inserir um conteúdo abrangente, uma vez que não
encontramos algo semelhante com profundidade no assunto, julgamos pertinente a divisão
da cartilha em duas partes, para melhores resultados didáticos de aplicabilidade. Utilizamos
a forma lúdica de história em quadrinhos para transmitir conceitos importantes sobre saúde.
A história é intercalada por várias atividades visando solidificar os conceitos apresentados.
Toda a cartilha foi idealizada com cores fortes e desenhos atrativos para envolver os alunos
na história narrada, levando em consideração à idade do público alvo.
Na primeira parte da cartilha, demos enfoque para a ressuscitação cardiopulmonar
(RCP). Ela é composta por 2 histórias em quadrinhos e algumas atividades. Nosso
personagem principal das histórias em quadrinhos é um aluno chamado Mateus que assim
como seus amigos, veste um uniforme composto por blusa branca e bermuda azul marinho,
característico das escolas municipais de Campinas. O cenário em que se desenvolve a
história remete àquele presente nas escolas: relativamente arborizado, mas sem grandes
sofisticações. Quando se pensou no personagem protagonista, levou-se em consideração
um aluno integrante do grêmio estudantil, o qual é bem relacionado tanto com os colegas
como com os professores e coordenadores da escola. O bom relacionamento foi expresso
através de questionamentos que demonstravam interesse por parte dos colegas do
protagonista. As diversas emoções dos personagens foram representadas por meio das
expressões faciais. Tentou-se representar as diversidades étnicas por meio de diferentes
tons de pele, tipos de cabelo e estaturas dos personagens. Nos primeiros quadros é
mostrado o caso de um pedestre que tem uma parada cardíaca em frente a escola e não
consegue ser socorrido a tempo, pois ninguém fez o rcp. Os alunos da história observam,
através do muro, a situação de pânico e despreparo dos adultos ao redor, até que o Serviço
de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) chega e anuncia ser tarde demais. Foi colocada
essa cena para prender a atenção do leitor e mostrar a importância de ter uma conduta
frente a uma paciente que sofra uma parada cardíaca mesmo sendo um leigo. Nos quadros
seguintes os alunos que presenciaram a parada cardíaca do pedestre contam para Mateus
o caso, que mostra-se indignado por ninguém ter feito a rcp. Uma das personagens
menciona sobre seu avô que também faleceu de parada cardíaca e poderia ter sobrevivido
se tivesse sido feita a ressuscitação cardiopulmonar, essa fala favorece o reconhecimento
do leitor com a personagem e a sensibilização do mesmo.
Nos quadros que se seguem Mateus explica aos amigos, resumidamente, durante o
intervalo, o que é a ressuscitação cardiopulmonar, sua importância, e os passos a serem
seguidos. Também menciona o Sistema de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e seu
número, informação importante para os jovens brasileiros. É explicado um pouco de
fisiologia baseada nos ensinamentos previstos no ensino de Ciências, não havendo a
intenção de colocar ensinamentos médicos técnicos, fazendo com que a linguagem seja
acessível ao público a que se destina a cartilha. Após a explicação o aluno demonstra com
um boneco como são feitas as compressões da RCP para seus amigos, ilustrando também
para os leitores. Mateus cita que pode ser usado garrafas PET para treinar a rcp, simulando
o corpo de uma pessoa.
Neste momento o personagem Pedro diz aos seus colegas que nunca tinha
pensando na importância de saber RCP, mesmo sua avó tendo problema de coração,
esperamos que com essa frase muitas crianças se reconheçam e também valorizem esses
conceitos. No final do intervalo a professora de ciências ouve a conversa das crianças e
convida Mateus para explicar sobre ressuscitação cardiopulmonar aos colegas de sala mais
detalhadamente. Nossa ideia com essa cena é mostrar a proatividade da personagem
esperando que as crianças se espelhem e salientar a importância de oferecer esse
conteúdo em sala de aula para os alunos.
Em um segundo momento da história o personagem principal cumpre essa atividade
utilizando uma lousa, passo-a-passo, facilitando o entendimento dos conceitos por parte dos
leitores. Nestas cenas Mateus representa a necessidade do protagonismo do papel do
jovem. Nos quadros que se seguem novamente é mostrado o número do SAMU, com a
intenção de não haver esquecimento dele por parte das crianças. Mateus cita alguns fatores
de risco para doenças cardiovasculares em sua aula, e uma das colegas diz que sua avó
que tinha diabetes teve infarto no ano passado. Esperamos que esses exemplos dos
colegas aproximar a ficção dos quadrinhos para a realidade das crianças. Em sequência é
explicado o que é diabetes para a criança aprender o significado desse termo. Para
demonstrar as compressões na aula, Mateus utiliza seu boneco novamente e é indagado
por uma das crianças, que deseja ensinar RCP para a comunidade, onde conseguir
manequim semelhante.
Nos quadros seguintes, Mateus ensina a fazer um boneco de garrafa PET e jornal.
Nesses quadros mostramos às crianças o conceito de agente multiplicador e que eles
podem levar esse conhecimento aprendido para sua comunidade. Utilizamos esse modelo
em função do projeto desenvolvido pelo docente extensionista nas escolas públicas de
Campinas, por ser prático e lúdico, além de ser confeccionados com material de fácil acesso
e baixo custo, sendo recomendado pela SOCESP para ensinar crianças a fazerem a RCP.
Após o fim da aula, mostramos alguns colegas que assistiram à aula de Mateus repassando
os ensinamentos para os seus familiares e amigos, para enfatizar o conceito de agente
multiplicador.
Na segunda história, que é uma continuação da primeira, mostramos uma situação
na casa de Mateus, que é uma casa simples, favorecendo o reconhecimento dos jovens
com o ambiente. Nela, mostra-se o avô do aluno, Sr. Brasiliano, um homem obeso,
aparentemente estressado, tabagista, que tem o costume de beber diariamente e consumir
uma dieta rica em gorduras, ou seja, possui vários fatores de risco para doenças
cardiovasculares. No quadro é mostrado Brasiliano com salgadinhos, um copo de cerveja, e
um cigarro para compor enfaticamente a imagem de praticante de maus hábitos. Em outra
cena o personagem menciona que passava muito estresse no trabalho, outro fator de risco.
Também mostramos a mãe de Mateus, que após repreender os hábitos de seu pai, chama a
família para jantar macarrão com salsicha
No quadro seguinte seu filho diz que essa comida não é saudável, e que seria
melhor sua mãe cozinhar arroz, feijão, carne cozida e salada, colocando em oposição os
hábitos não saudáveis costumeiros da casa com os ensinados na escola e repassados pelo
menino.
O menino também diz que os hábitos do avô precisam ser mudados, esse, por sua
vez, discorda do garoto, representando metaforicamente uma visão antiga, mas comum,
sobre saúde. No quadro após a discussão, o avô se exalta e passa mal, desmaiando. Com
isso, procuramos, além de passar o que seria uma alimentação saudável, uma moral de que
Mateus estaria sim certo, e que os hábitos do avô, e de boa parte da população brasileira
estão errados e oferecem riscos.
Na sequência o garoto coloca em prática o RCP que ensinou na escola, para
relembrar os leitores a importância da técnica. Em outra cena, Sr. Brasiliano reaparece bem
no hospital. O médico frisa que isso aconteceu apenas porque o menino soube fazer o RCP,
permitindo que o avô tivesse a chance de receber os cuidados a tempo. Com essa fala,
mostramos a importância do aprendizado novamente. Após o ocorrido, Brasiliano diz que
mudará seus hábitos de vida levando uma vida mais saudável, mostrando um ponto de
virada na história. Esperamos que os leitores reconheçam seus parentes no senhor
Brasiliano.
Já na segunda parte da cartilha, demos enfoque para o ensinamento dos hábitos
saudáveis. Mantivemos as mesmas personagens da primeira parte da cartilha, conectando
as duas partes. O primeiro cenário a aparecer é um supermercado tipicamente brasileiro,
com placas de promoção e ofertas espalhadas, facilitando o reconhecimento do ambiente
pelo leitor. A mãe de Mateus diz que irá modificar a alimentação da casa, pois o médico
proibiu seu pai de comer alimentos ultraprocessados após a parada cardíaca. Nos quadros
seguintes as personagens explicam a diferença entre alimentos ultraprocessados,
processados e naturais, favorecendo o aprendizado dos leitores. Matheus e sua mãe
discutem sobre o valor nutricional dos alimentos e como se informar sobre isso nas
embalagens alimentícias em um supermercado. É mencionada a relação do alto consumo
de sódio com a hipertensão arterial sistêmica, a importância da ingestão de fibras e a
relação do consumo de carboidratos e açúcares com a diabetes, sempre visando o aumento
do conhecimento do leitor sobre alimentação saudável.
Também abordamos, como instrumento de persuasão, o fato de os alimentos
naturais serem mais baratos. Em outro cenário a história volta a ser a casa de Mateus.
Mostramos, Sr. Brasiliano com roupas de academia, tendo uma conversa sobre a
importância do exercício físico para a prevenção de doenças cardiovasculares com seus
familiares.
Assim, abordamos os principais pontos que constituem os hábitos de vida saudáveis
e esperamos que essa história em quadrinhos incentive os leitores a adotarem esses
costumes, assim como influenciem seus núcleos familiares. Por último, os quadrinhos se
passam na escola de Mateus, e retomam a importância do RCP, interligando os dois temas
principais da cartilha. Nesses quadros finais os alunos comparam o avô de Matheus que
teve uma parada cardíaca e foi socorrido prontamente por um leigo que fez o RCP com o
pedestre do início da história, que também teve uma parada cardiorrespiratória, mas não foi
socorrido. O primeiro sobreviveu enquanto o segundo faleceu. Esperamos que essa
comparação choque o leitor e demonstre a relevância do aprendizado da técnica de RCP
para um leigo.
Como dito acima, inserimos 19 atividades lúdicas, após as histórias em quadrinhos
para fixação dos conceitos mostrados na cartilha. Desses exercícios, 2 são para ligar
pontos, 2 para correlacionar colunas, 2 para completar palavras, 2 imagens para colorir, 1
atividade de palavras cruzadas, 3 atividades de marcar ‘X’, 1 caça palavras, 2 labirintos, 1
atividade de escrita e 2 de desenhar. Colocamos atividades simples para contemplar nosso
público alvo, crianças de 7 a 12 anos.
Também inserimos, entre as atividades, páginas com pequenas explicações
coloridas e ilustradas sobre hábitos de vida saudável e ressuscitação cardiopulmonar de
para retomar e complementar o que foi ensinado nos quadrinhos.
Conclusões
Esperamos que esse material didático pedagógico possa contribuir na relação entre
professores e alunos, auxiliando no ensino e no aprendizado dos importantes conceitos de
fatores de risco para as doenças cardiovasculares e também ajude na promoção hábitos
saudáveis como: dieta balanceada, prática de atividade física regular, combate ao
tabagismo e outras drogas. Contamos que as cartilhas sejam uma ferramenta para a
aprendizagem do método de ressuscitação cardiopulmonar. Não pretendemos apenas
educar os alunos com nosso método, mas também planejamos que esses jovens sejam
agentes multiplicadores desse conhecimento, na sua família e comunidade, estendendo o
conhecimento àqueles que mais necessitam.
O projeto de extensão universitária que originou essa cartilha entende a
vulnerabilidade, principalmente das parcelas mais pobres da sociedade, às complicações
agudas e crônicas das doenças cardiovasculares. Pretendemos, por meio dos alunos das
escolas públicas, levar o conhecimento a essas camadas sociais mais desfavorecidas,
despertando o seu interesse por hábitos de vida mais saudáveis.
Bibliografia
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[5] STRINGHINI S., SABIA S., SHIPLEY M., BRUNNER E., NABI H., KIVIMAKI M. et al.
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