Download - ORIENTAL - Trab Democracia
O Processo de Democracia Ateniense: de Sólon a Péricles
Em sua obra Do Espírito das Leis, ao apresentar a forma de participação política
que estava em vigor em Atenas, Montesquieu afirma que “Sólon dividiu o povo de Atenas
em quatro classes. Levado pelo espírito da democracia, não as estabeleceu para fixar
aqueles que deviam eleger, mas aqueles que podiam ser eleitos e, deixando para cada
cidadão o direito de eleição, quis que em cada uma destas quatro classes pudessem ser
eleitos juízes. Mas foi apenas nas três primeiras, onde se encontravam os cidadãos
abastados, que se puderam escolher os magistrados. [...] O sorteio é uma maneira de
eleger que não aflige ninguém, deixa a cada cidadão uma esperança razoável de servir sua
pátria.” Encontra-se a matriz do autor na Constituição de Atenas, de Aristóteles. Este
assevera que “segundo a lei de Sólon, que ainda se acha em vigor, devem pertencer aos
pentacosiomedinos, porém, de fato, a pessoa em quem recai a sorte, desempenha o cargo,
ainda que seja desprovida de fortuna”.
Delimitaremos como tema deste trabalho a forma de governo vigente na pólis
ateniense, a democracia. Apresentaremos o tema desde a era de Sólon, o legislador, até a
era de Péricles.
Em O Mundo de Atenas, Peter V. Jones, comenta sobre os sistemas de governo que
impetravam nas comunidades gregas. A democracia não era o sistema mais peculiar, e sim
a oligarquia, como forma mais característica, baseando-se na riqueza e no nascimento.
Neste contexto, diversas questões afligem os atenienses. Sobre este aspecto, Claude Mossé,
em O Cidadão na Grécia Antiga, coloca que os camponeses, apesar de serem livres, viviam
eminentemente ameaçados de servidão por dívidas, não participavam das assembléias dos
demos, além de estarem condenados à miséria, vista a desigual repartição de terras. A
escravidão era uma conseqüência possível, complementa Jones.
A formação da pólis ateniense se realizou entre fins do século XI e princípios do
VIII, com a fusão de várias comunidades Áticas, aborda em A Democracia Grega, o autor
Hélio Jaguaribe, ao destrinchar a temática da evolução democrática ateniense. Sua
constituição, continua o autor, é de caráter aristocrático e seus poderes detidos por uma
nobreza agrária. Reduz-se o poder da realeza entre o rei, sacerdote supremo; polemarca,
chefe militar e o arconte, autoridade civil. Este sistema evolui para um arcontado de nove
1
magistrados de mandato anual, com seis thesmostetas assumindo o poder de juízes e
guardiões das leis.
Para Loiva Otero e Miriam Barcellos, em Cultura Grega Clássica, Sólon assume a
magistratura máxima em Atenas neste período de crise social e perigo de stásis. Suas
medidas efetivamente constituíram-se em avanços em direção à democracia, no plano
jurídico e político. A divisão censitária (em quatro classes: pentacosiomedinas, hippeis,
zeugitas e tethas) que institui, baseada na riqueza agrícola, perdura durante toda a história
ateniense. Claude Mossé explicita a divisão censitária realizada por Sólon. Os
pentacosiomedinas e os hippeis correspondem à antiga aristocracia, os zeugitas são os
camponeses capazes de se armar como hoplitas e os thetas não poderiam ascender às
magistraturas. Todavia, é Clístenes o apresentado como “pai da democracia”, ele é mais um
propiciador de condições para a sua efetivação como conferem Otero e Barcellos. Clístenes,
na abordagem de C. Mossé, fornece a base concreta de igualdade jurídica dos cidadãos. A
ele se atribui o nascimento da cidadania ateniense.
Segundo P. Jones, Sólon, em 594-93 é nomeado arconte em Atenas. Este procura
oferecer soluções para os problemas da época, como o de aliviar a opressão das dívidas que
levam à escravidão. Jaguaribe expõe alguns dos feitos de Sólon: a cidade é dotada de leis
escritas, a fim de a justiça ser igual a todos. Sólon, o legislador, institui o acesso às
Assembléias através de sorteio. Dentre as instituições criadas por Sólon, encontramos a
Assembléia Popular – a Eclésia – que elegia os magistrados e adotava as leis. Sua
composição inicial era aristocrática, formada por um conselho de anciãos – Areópagos –
vindos de famílias nobres. Este Tribunal passa a ser integrado pelos ex-arcontes. Este
Conselho propunha a adoção de leis que regulavam os assuntos religiosos e judiciais,
conforme o código de Drácon. Sólon também institui o Tribunal dos Heliastas, júri popular
que julgava crimes de natureza civil, com membros recrutados também por sorteio entre
todos os cidadãos, e a Boulé dos Quinhentos, que organizava as leis a serem votadas na
Eclésia. Havia uma remuneração (misthoi) que beneficiava os cidadãos que exerciam
cargos políticos. Isso permitia que os cidadãos mais pobres participassem ativamente da
política. Esse auxílio, denominado óbulo, servia de meio para o cidadão de poucos
recursos, no que tange a sua sobrevivência, apresenta Josiah Ober, em Massa and Elite in
Democratic Athens. Claude Mossé em Atenas: a História de uma Democracia,
2
complementa esta idéia, quando afirma que a maioria dos atenienses que participavam dos
tribunais tendiam à remuneração, o trióbulo, o que certificava alguns deles não morrerem
de fome. Jacqueline de Romilly complementa este ponto, afirmando que os atenienses
presentes nos julgamentos eram incompetentes, obcecados e instáveis e que depositar
confiança no julgamento popular constituiria uma forma de reafirmar a soberania dos
atenienses, tornando-os responsáveis por suas decisões.
A evolução sócio-política sofrida por Atenas, desde o século VII, alarga a
participação dos cidadãos nas atividades militares e políticas. Forma-se uma classe urbana
de mercadores, artesãos e pequenos proprietários. No entanto, continua C. Mossé, Sólon
recusa-se a proceder à divisão igualitária da terra pública, originando novos tumultos. Cabe
salientar que é a partir deste momento que os atenienses passam a ser iguais aos olhos da
lei.
Ao examinar a legislação de Sólon, em O Poder na Antiguidade, Acácio V. L. Filho
o apresenta como um dos sete sábios da Grécia, integrante da classe dos aristocratas e
eliminador das barreiras que separavam os eupátridas das demais classes. É inegável que
Sólon melhora o nível de vida das classes populares, além de em sua política econômica
estimular a produção comercial, atraindo os metecos para Atenas. Todavia, não há
igualdade entre os cidadãos e os acessos às fundações públicas é vinculado à divisão das
classes. Os thetas podem fazer parte das Assembléias e dos Tribunais, mas não tem acesso
às magistraturas, restringidas somente às duas primeiras classes. Claude Mossé ao relatar
sobre o sistema censitário, afirma que estas Assembléias, que não eram realizadas
freqüentemente, tinham a finalidade de aprovar as decisões tomadas pelo Conselho do
Areópago. Deste só participavam os membros bem nascidos. Todos os integrantes das
quatro classes, continua Acácio Filho, eram considerados cidadãos, porém suas obrigações
e direitos variavam.
Claude Mossé analisa a crise que se estabelece entre os atenienses, como
desempenhadora de um papel importante na evolução das cidades gregas: a tirania, que
surge num contexto de lutas sociais e de rivalidades no seio da aristocracia dominante das
cidades. A tirania de Psístrato, complementa C. Mossé, é conseqüência do
descontentamento gerado pelas reformas de Sólon, e sua recusa em resolver a crise agrária
com uma nova divisão de terras. Psístrato mantém as leis de Sólon e as instituições já
3
existentes, ajudando materialmente o campesinato, reforçando a unidade da cidade e
favorecendo o seu desenvolvimento material. Sua tirania contribui para um rápido
desenvolvimento da cidade e progresso do artesanato. O período que compreende os
séculos VIII e VII é marcado por grande desenvolvimento das atividades artesanais e
comerciais.
A despeito das reformas de Sólon, Peter Jones, em O Mundo Antigo de Atenas,
relata que há uma continua luta dos nobres da Ática em assumir a liderança da comunidade
ateniense. Psístrato, que em 561-60, assume o poder de Atenas como tirano, até 528-27,
garantindo, sem realizar muitas mudanças no sistema político, que todos os anos seus
seguidores estivessem entre os arcontes. Atenas floresce sob sua tirania, havendo crescente
autoconfiança dos atenienses desse período. Entretanto, o mesmo autor assegura que Sólon
viveu apenas o bastante para ver que fracassara.
Para Martin Allain, em La tragedie Attique de Thespis a Eschyle, Psístrato promove
a inserção dos menos favorecidos nas atividades econômicas, religiosas e sociais da pólis,
exceto a participação política. E Hélio Jaguaribe, que a tirania de Psístratos representou a
transição entre a aristocracia e a democracia. Peter J. Conclui que até que o processo de
democracia estabeleça-se com Clístenes, Psístrato transmite sua tirania a seu filho Hípias.
Instala-se uma crescente oposição aristocrática até a saída de Hípias do poder em 510. É
Psístrato altamente benéfico para a sociedade ateniense, uma vez que solucionou a questão
agrária, favoreceu o comércio externo e fez com que aos atenienses fosse ministrada
educação política, assegura Acácio Filho, refutando a idéia de Allain, a respeito da falta de
participação política dos atenienses.
Em relação à tirania do Aucmeônida Clístenes, Acácio F. Assevera que é Clístenes
quem constitui a democracia em Atenas (508-7). O intento deste legislador é o de impedir o
retorno de Atenas à tirania, destruindo a organização que os nobres haviam estabelecido e
buscando que as classes sociais se agrupassem por regiões. As leis civis são de Sólon e as
políticas são de Clístenes. Suas reformas territoriais quebram a hegemonia das grandes
famílias, permitindo o estabelecimento da isonomia, ou seja, da igualdade política entre os
atenienses, sem preocupação com as diferenças econômicas. De acordo com P. Jones,
Clístenes realiza mudanças, cria dez novas tribos geográficas, que anteriormente eram
quatro. Talvez essas medidas tenham sido aprovadas na Eclésia, continua Jones, isntituída
4
desde a época de Sólon. Com o passar do tempo, Clístenes passa a atribuir que questões
importantes sejam submetidas à Eclésia, abrindo caminho para uma democracia radical no
final do século V.
Hélio Jaguaribe, em A Democracia Grega, analisa a contribuição de Péricles à
consolidação da democracia ateniense e ao desenvolvimento econômico, social e cultural
de Atenas. Entre 463, quando assume a liderança, até a sua morte, em 429, obras políticas,
sociais e culturais são realizadas. No contexto sócio-político que se insere a atuação de
Péricles, ocorre a segunda invasão persa. Os atenienses, receosos com as ameaças de novas
invasões, formam um sistema defensivo: a Liga de Delos, liderada por Atenas, que o torna
um sistema imperial sob sua hegemonia. Em um período de decorridas guerras onde os
ricos já não contam mais com as vantagens políticas, faz-se necessária uma maneira de
continuar a arcar com o peso da sustentação econômica da cidade. Com o pretexto de
coordenar os esforços dos aliados, Atenas transforma-se em soberana destes, tornando
compulsória a permanência dos confederados na liga, e estabelecendo o seu sistema
imperial sobre eles. Todavia, como líder, atribui tributações, instituindo que seus
confederados a enviassem recursos. Atenas apropria-se destes recursos em benefício da
pólis, realiza a anexação de terras aliadas, instala o emporium (uma espécie de entreposto
comercial e militar), a fim de pagar o misthoi (remuneração que os cidadãos participantes
de atividades políticas atenienses recebiam). A Liga consiste em uma voluntária
confederação defensiva, de caráter naval, para a proteção das ilhas e cidades costeiras do
Egeu.
A obra de Péricles, conclui H. Jaguaribe, é ao mesmo tempo uma expressão e uma
reordenação aperfeiçoadora da sociedade e da cultura atenienses. Sua política externa
baseia-se na hipótese de que Esparta, exercendo sólida hegemonia sobre a Liga do
Peloponeso, procuraria enviar permanentes esforços para destruir o império ateniense. Os
interesses de ambas não eram conflitantes, visto que Esparta era uma sociedade agrícola e
uma potência militar terrestre e Atenas, uma sociedade comercial e uma potência marítima.
Com Péricles, Atenas se supera a si mesma e configura sua imagem histórica.
Atenas não apresenta uma herança política e jurídica tão sólidas quanto as romanas.
É o que declara em O Poder na Antiguidade, o autor Acácio Vaz de Lima Filho. Ainda o
autor, suas federações urbanas são estáveis e passageiras, vista a robustez do edifício
5
político e magnitude do Estado Romano, as cidades gregas, autárquicas, erguidas umas
contra as outras, munidas de federações estáveis e passageiras. Não há interesse em
submeter os povos que se encontram ao seu domínio aos benefícios da liberdade e
democracia a que desfrutam. Por conseguinte, a democracia ateniense é extremamente
elitista, pois os mais altos cargos das magistraturas são restringidos às duas primeiras
classes. A igualdade, e não liberdade, foi a idéia dominante da constituição ateniense. Seus
cidadãos detêm a isonomia, que é a igualdade perante a lei, e isegoria, que consiste no igual
direito de falar. A pólis, diz, é a mais completa e complexa forma de organização social e
associação. Mas é ela também a causa da ruína da antiga Grécia, e a prova disto é afirmada
pela Guerra do Peloponeso, que possibilitou a dominação estrangeira, pois, segundo Claude
Mossé, em Dhemosthene ou lês Ambiquités de la politique, Atenas sai fragilizada deste
conflito, sendo obrigada a entregar sua frota ao inimigo e destruir sua muralha, símbolo de
sua liberdade e soberania. Esta derrota a leva a perder o controle do tesouro de Delos, fonte
dos rendimentos que permitia pagar salários aos remadores, os misthoi aos juízes e
magistrados, empregar em reformas e construções, financiar liturgias, permitir a aquisição
de terras e distribuí-las aos mais necessitados.
Pode-se inferir, de acordo com os autores já apresentados, que o processo de
transição entre oligarquia e democracia, permitido pela tirania instituída em Atenas,
instaurou uma democracia elitista, pois consentiu o acesso às magistraturas somente os
cidadãos das primeiras duas classes censitárias. Todavia, esse processo representou
participação dos cidadãos mais pobres, mesmo que muitos destes participassem dos
tribunais visando somente uma remuneração.
6
Referências Bibliográficas
ALLAIN, Martin. La Tragedie Attique de Thespis a Eschyle. Paris, 1995.
ARISTÓTELES. Constituição de Atenas. XLV: 2.
FÉLIX, Loiva Otero; GOETTEMS, Míriam Barcellos (Org.). Cultura Grega Clássica. Rio Grande do Sul: Editora da Universidade. 1989. p. 105-117.
FILHO, Acácio Vaz de Lima. A Democracia de Atenas In: _______. O Poder na Antiguidade: Aspectos Históricos e Jurídicos. São Paulo: Ícone. Cap. 4, p. 67-85.
JAGUARIBE, Hélio (Org.). A Democracia de Péricles In: _______. A Democracia Grega. Brasília: Editora Universidade de Brasília. Cap. 5, p. 21-51.
JONES, Peter V. (Org.). Introdução Histórica: Linhas gerais da História de Atenas até a Morte de Alexandre, o Grande In: _______. O Mundo de Atenas: uma Introdução à Cultura Clássica Ateniense. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 1-15.
MONTESQUIEU. Do Governo Republicano e das Leis Relativas à Democracia In: _______. Do Espírito das Leis. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Livro Segundo. Cap. 2, p. 40-41.
MOSSÉ, Claude. Demosthene ou les Ambiquités de la Politique. Paris, 1994. p. 39.
MOSSÉ, Claude. As Origens da Cidade Grega e a Elaboração da Cidadania In: _______. O Cidadão na Antiga. Lisboa: Edições 70, 1993. p. 11-27.
OBER, Josiah. Mass and Elite in Democratic Athens. New Jersey, 1989. p. 135.
ROMILLY, Jacqueline. Le Rôle du Jugement Populaire Dans le Développement de la Cultures a Athène. 1996. p. 257-263.
7