A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
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O PATRIMÔNIO CULTURAL RURAL: A VIVÊNCIA DOS MORADORES DO DISTRITO RURAL DE GUARAGI – PONTA GROSSA – PARANÁ
FABELIS MANFRON PRETTO 1
LEONEL BRIZOLLA MONASTIRSKY 2
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo apresentar reflexões sobre o patrimônio cultural rural do distrito de Guaragi, no município de Ponta Grossa - PR, fazendo apontamentos para a identificação de elementos simbólicos representativos levantados a partir da experiência dos sujeitos que (re)produzem e vivenciam esse conjunto patrimonial que trata, sobretudo, do modo de vida, dos saberes, conhecimentos e manifestações culturais típicas do campo, que modelam a paisagem rural, estruturam a identidade do sujeito que vive no campo e balizam suas ações cotidianas. Palavras-chave: Patrimônio Cultural Rural; Fenomenologia; Vivências. Abstract: This study aims to present reflections on the rural cultural heritage in rural district Guaragi, in the county of Ponta Grossa-PR, making point for the identification of representative symbolic elements raised from the experience of the subjects that reproduces, produces and experiences this patrimonial set that deals primarily with the way of life, knowledge and cultural expressions typical of the field, modeling the countryside, structure the identity of the subject who lives in the countryside and guide their daily actions. Key-words: Rural Cultural Heritage; Phenomenology; Experiences.
1 – Introdução
Este trabalho apresenta reflexões acerca do patrimônio cultural rural a partir
dos atores sociais que vivenciam o espaço do distrito de Guaragi, em Ponta Grossa
(PR). Com base nas vivências dos moradores permanentes e dos moradores de
veraneio, buscou-se identificar e compreender sobre o patrimônio cultural rural.
Na atualidade, observa-se um novo contexto nas relações entre campo e
cidade, rural e urbano, com novas dinâmicas e configurações entre esses espaços.
As modificações intensas e dinâmicas nas relações sociais e na relação dos sujeitos
1 - Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Ponta
Grossa. E-mail de contato: [email protected] 2 - Professor adjunto do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia
da Universidade Estadual de Ponta Grossa. E-mail de contato: [email protected]
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com o espaço modificam também as condutas e formas de agir. As experiências no
espaço são resultado e parte do processo de construção do mundo social, de onde
procedem os significados e símbolos da cultura de um grupo.
Para melhor compreender como o mundo é percebido pelo indivíduo, a
perspectiva fenomenológica pode respaldar a análise dos fenômenos e de acordo
com Tuan (1983) dessa maneira haveria uma aproximação dessa com a apreensão
do conceito de cultura.
De acordo com Demo (1989) as ciências sociais por muito tempo
apresentaram certa preferência pelas pesquisas sobre o material, considerado mais
importante, enquanto escopo de pesquisa, sem considerar necessidades humanas
subjetivas. Dessa maneira, a fenomenologia ajuda a responder muitas questões
ligadas às relações que os sujeitos estabelecem com o espaço, pois remete a
compreender os elementos que dão sentido à vida do ser humano com base na
experiência do sujeito e na relação com o seu espaço de vivência.
Com base no que foi observado a partir das vivências dos moradores do
distrito de Guaragi, percebeu-se que a sua cultura é moldada num conjunto de
interações entre passado e presente, e as identidades são adaptadas a essa nova
realidade da relação campo e cidade, rural e urbano. Para aqueles que vivenciam
cotidianamente as experiências ao modo de vida rural, o patrimônio cultural rural
pode estar tão integrado às suas vidas, que se tornam parte do cotidiano.
Já os moradores urbanos reconhecem e buscam vivenciar experiências
relacionadas a esse conjunto patrimonial e também preservá-lo. Sendo assim, o
patrimônio cultural rural existe na experiência cotidiana dos que o (re)produzem e
daqueles que buscam vivenciá-lo, sendo expressão de identidades diversas, que se
encontram na essência e na vivência rural.
2 – Discussões teóricas
O espaço é multidimensional, construído e compreendido por meio de um
amalgama de variáveis, que perpassam o campo da economia, política, cultura,
questões sociais e tantas outras, constantemente modificadas com as
transformações da sociedade. Os traços culturais de um grupo permitem perceber a
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relação das pessoas com o meio e no espaço geográfico. Dessa maneira, permite
compreender os sentimentos desenvolvidos no espaço de vivência e no contexto de
(re)produção sociocultural.
De acordo com Claval (2007) a cultura de um grupo é resultado dos saberes,
técnicas, valores e conhecimentos comunicados entre gerações e está
constantemente sendo inovada pela incorporação de elementos externos a ela ou
pela própria dinâmica interna da sociedade. De tal modo, ao avaliar os traços
culturais (re)produzidos no cotidiano, é possível entender a relação com o meio
habitado, com outros indivíduos e as transformações que se estabelecem por
diferentes motivações.
O processo de globalização abrange diversos meios e contextos – político,
econômico, social, cultural – incentivando transformações que sobrevêm em todos
os espaços, cada qual com uma lógica diferente e amplitudes diferentes (HALL,
2006). Esse mesmo processo estimulou um movimento por modernização e,
paradoxalmente, estimulou as mobilizações pela salvaguarda do patrimônio cultural,
na tentativa de resguardar os vínculos dos indivíduos com o passado e suster as
bases identitárias de um grupo social.
Embora exista o impulso pela mudança e pela modernização, ocorre à
negação a esse processo que impulsiona a manutenção das especificidades de
cada lugar, ocasionadas pelo conjunto de condições que decorrem apenas naquele
local como tradições, hábitos, histórias, e logo o patrimônio cultural resultante da
união desses elementos particulares de cada espaço.
A globalização influenciou no processo de reestruturação das relações entre
campo e cidade. O campo desempenha na contemporaneidade novas atividades, à
medida que está recebendo novas funções e novos atores sociais. Entre esses
distintos espaços geográficos - campo e cidade - ocorre uma relação dialética
caracterizada por momentos de complementariedade e outros de dicotomia.
O rural e o urbano, as representações sociais desses espaços, podem ser
reelaboradas e passar por modificações no tempo e no espaço, condicionadas pelo
universo simbólico que se apresenta e, portanto constantemente se transformam,
influenciados pela crescente fluidez – material e simbólica. (CARNEIRO, 1998).
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De acordo com Wanderley (2001) apesar das mudanças, o rural manteve
especificidades sociais, ecológicas e culturais ao longo da história, que caracterizam
inclusive a maneira pela qual os sujeitos se inserem na sociedade. Para essa autora,
o modo de vida rural é um jeito pelo qual o sujeito que vive no campo vê o mundo e
vive o mundo; o modo de vida rural são lentes de uma identidade rural que
configuram o modo de viver e ser no campo e de interagir com outros espaços.
Os moradores de Guaragi tem contato com os centros urbanos motivados,
sobretudo pela dependência de bens de consumo e serviços não encontrados no
distrito. Todavia, o processo de aproximação com a cidade e o modo de vida urbano
não cunham o desapego ao modo de vida rural ou ao campo, mas tem reforçado os
sentimentos de apego ao local e ao campo. Ao ter contato com os problemas
urbanos (violência, desemprego, poluição, estresse entre outros) os residentes do
campo reforçam a afeição pelo contexto rural, onde esses problemas ainda não
ocorrem de maneira tão frequente ou intensa.
Os traços culturais e elementos simbólicos relativos ao modo de vida rural
são preservados, porque esse conjunto cultural faz parte da memória social do
grupo e estruturam a identidade dos moradores. O conjunto de elementos
conservados presentes no cotidiano e na memória dos moradores do campo pode
ser considerado patrimônio cultural.
A memória pode ser caracterizada pela sua mutabilidade, mas há traços na
memória coletiva e individual que se mantem imutáveis (POLLACK, 1992). Os
moradores do campo conservam um conjunto de princípios norteadores que se
materializam no dia-a-dia, nas relações sociais, na maneira de realizar os trabalhos,
e atividades diárias. Essas características culturais sofrem modificações, mas tem
sobrevivido a dinâmica histórica da sociedade.
A preservação dos patrimônios tem como escopo resguardar a história da
sociedade. No entanto, a discussão sobre patrimônio transcorre entre jogos de
poderes políticos, econômicos, ideológicos e culturais e frequentemente apenas
parte da memória social é guardada, existindo uma desigualdade em favor dos
patrimônios urbanos quanto a estudos e ações das diversas escalas de poder.
O patrimônio cultural rural reúne além do conjunto de registros materiais e
imateriais provenientes das práticas diárias e os costumes, às formas de produção
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estabelecidas na área rural (TOGNON, 2002). A existência de elementos simbólicos
relacionados à vida cotidiana dos habitantes rurais tem recebido valorização pela
moda crescente do consumo do espaço rural e do modo de vida do campo. O
reconhecimento e valorização das características rurais permite ao indivíduo que
vive no/do campo sentir sua participação efetiva na vida da sociedade.
3 - Metodologia
Para a elaboração desse trabalho foi realizada revisão bibliográfica sobre
conceitos referentes à pesquisa, considerando, sobretudo discussões sobre campo
e cidade, rural e urbano, cultura, memória e patrimônio cultural. Pela compilação
desses conceitos, buscou-se elucidar o patrimônio cultural rural, no contexto atual de
Guaragi, utilizando esse distrito rural para a análise de caso.
Buscou-se compreender a ideia de patrimônio cultural rural a partir do sujeito
(re)produtor desse patrimônio. Para isso, foram escolhidos dois grupos sociais
distintos: os moradores permanentes (aqueles que têm residência fixa no campo) e
os moradores de veraneio (as pessoas que têm residência fixa na cidade, mas são
donos de casa no campo, onde passam fins de semana, feriados e férias). A escolha
desses dois grupos foi motivada pela completude nas respostas que ocorre quanto à
percepção do que são os patrimônios culturais rurais, para aqueles que o vivenciam
cotidianamente e para aqueles que buscam vivenciá-lo sempre que possível.
Para compreender aspectos da vida dos moradores, foram realizadas 11
entrevistas com o auxílio de questionários semiestruturados com perguntas
qualitativas e quantitativas para as famílias de moradores permanentes e com 10
famílias de veraneio. As questões buscavam contemplar a vivência, experiências,
hábitos, tradições e costumes.
Para apreender a realidade apresentada pelos moradores, optou-se pela
fenomenologia como metodologia de coleta e análise dos dados. De acordo com
Pereira (2010) pela ótica da fenomenologia é pela realidade percebida por meio da
subjetividade e pelas experiências vividas em determinado espaço que esse é
considerado. O espaço de vivência é estabelecido e percebido pelos indivíduos nas
práticas sociais, que também impregnam o espaço de significados, valores e
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sentimentos. A fenomenologia possibilita considerações que auxiliam na construção
de um saber onde a humanidade do sujeito pesquisado é recuperada e o saber é
construído a partir da realidade das pessoas.
4 - Resultados O município de Ponta Grossa possui cinco distritos: o distrito sede,
Piriquitos, Itaiacóca, Uvaia e Guaragi. O distrito de Guaragi é localizado a 32 km da
zona urbana de Ponta Grossa. Possui população de 2936 habitantes, sendo desses
1241 moradores da vila e 1695 moradores da área rural. (IBGE – Censo 2010).
No dia-a-dia os moradores de Guaragi congregam bens e serviços
modernos ao cotidiano para facilitar o trabalho, acrescentar à renda familiar e
melhorar a qualidade de vida. Contudo as novas ideias e comportamentos não
substituem aquelas transmitidas pelas gerações do passado: valores, religiosidade,
conhecimentos sobre a natureza. A paisagem do campo, a cultura e o modo de vida
passam por constantes modificações, recebem novas formas e equipamentos, mas
a essência é preservada.
Os moradores permanentes entrevistados, falam que o acesso a
determinados bens de consumo, a facilidade de acesso à prestação de serviços
específicos (sobretudo os relacionados com saúde e educação), a possibilidade de
renda maior e segura (já que independe de condições climáticas, por exemplo), são
fatores atrativos nos centros urbanos. Ressaltam a importância e a preferência pelo
contexto rural – tranquilidade, contato com a natureza, maior sensação de
segurança, sensação de tempo mais lento, flexibilidade de tipos e horários de
trabalho, boa qualidade de alimentação e saúde mental, a boa relação com os
vizinhos, entre outras – e destacam que buscam manter essas características tão
apreciadas no local onde vivem. Já os moradores de veraneio, buscam nas
segundas residências tudo aquilo que é parte do cotidiano rural e também procuram
vivenciar novas experiências, ressaltando que durante a permanência no distrito,
prezam por respeitar a dinâmica local.
De acordo com Tuan (2012) o ser humano está sempre buscando o
ambiente ideal e por isso diversas ciências se voltam a compreensão das
preferências das pessoas, utilizando a grande quantidade de dados estatísticos para
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fundamentar a produção do saber. Contudo, ainda há carência em compreender a
amplitude emocional e a intensidade das novas relações de apropriação do espaço
pelos sujeitos, influenciados pelas novas configurações advindas com o contexto
histórico-geográfico.
O que bem representa o espaço de (re)produção da cultura do campo é a
paisagem, construída na relação subjetiva e objetiva do sujeito com o seu entorno.
Assim, é possível compreender que há uma relação inseparável entre os
patrimônios culturais rurais imateriais e materiais: um comporta os saberes, as
ideias, os sentimentos que se refletem nas práticas, nas edificações e utensílios e
coexistem na paisagem e no cotidiano dos moradores do campo.
É comum encontrar em Guaragi edificações que remetem a produção
agropecuária. Existe a presença das edificações pré-moldadas em alvenaria,
utilizadas como estábulos e espaço para guardar equipamentos agrícolas, mas é
comum encontrar o paiol de madeira, edificado segundo arquitetura transmitida
pelas gerações anteriores, onde são armazenados alimentos para o gado,
equipamentos de trabalho e utensílios em geral.
Quanto à produção agropecuária, a população do distrito procura associar
os novos tratamentos aprendidos nos diversos meios de comunicação disponíveis
no distrito – televisão, rádio, internet - e os tratamentos indicados por profissionais
que atendem as propriedades aos saberes aprendidos pela experiência no trabalho,
aqueles transmitidos pelos mais velhos e construídos na observação da natureza.
Para os moradores do distrito é muito importante saber reconhecer os
indícios da natureza, das mudanças climáticas, as previsões sobre o clima futuro,
porque há dependência estreita entre suas atividades e a renda da família às
condições climáticas. Observações da natureza e a sua aplicação prática são
comuns. Um exemplo desse conhecimento é o de que segundo os moradores
entrevistados quando as formigas e pássaros estão mais agitados e quando as
galinhas retiram certo tipo de óleo das glândulas uropigianas e, com o bico
depositam esse óleo nas penas, é „sinal‟ de que a chuva se aproxima; a direção dos
ventos indica se a chuva será calma ou ocorrerá uma tempestade. Esses detalhes
são observados com atenção e já trazem cautela em relação ao clima. Essa
sabedoria é passada de pai para filho. No entanto se percebe falta de interesse dos
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mais jovens nesses conhecimentos, pois preferem acompanhar a previsão do tempo
realizada pelos institutos de meteorologia baseados em dados e análises técnicas.
Épocas de plantio e colheita também são correlacionadas com as fases da
lua e estações do ano, conhecimento esse transmitido entre gerações e testados
empiricamente no cotidiano dos moradores. Para cada cultivo, seja da horta, pomar
ou lavoura, há uma época do ano propícia para poda, plantio e colheita.
No espaço rural, há grande riqueza no que trata das relações sociais
características desse espaço e da relação do indivíduo com o meio. Mesmo com a
aproximação com o espaço e modo de vida urbano e a carga de elementos
simbólicos característicos do espaço urbano, as especificidades rurais são
preservadas junto à memória coletiva e individual e pela conservação de um
conjunto de significados peculiares desse espaço, como é possível verificar no
distrito de Guaragi, quanto às práticas diárias referentes aos meios e maneiras de
trabalho em contato próximo à natureza e nas relações sociais que ainda prezam
por valores de amizade, manutenção de promessas, relações de compadrio.
É comum que os moradores troquem visitas. Se encontrem nas residências
para tomar chimarrão e conversar sobre diversos assuntos, que abrangem desde a
política nacional, até questões locais. “Também é comum a troca de visitas –
sobretudo entre os praticantes do catolicismo - para „levar a capelinha”, ou seja, a
imagem de um santo de devoção da comunidade religiosa que passa de casa em
casa, onde são feitas orações.
As festividades no espaço rural preservam outra característica típica do
campo, a religiosidade. A maioria dos moradores entrevistados se diz católicos
praticantes. No distrito são realizadas muitas festas religiosas em homenagem aos
santos padroeiros de cada localidade, com fogueiras em homenagem a São João,
São Pedro e São Paulo, festas dominicais e bailes.
Para as celebrações tradicionais como no dia 12 de outubro quando se
comemora Nossa Senhora Aparecida, ou no dia 29 de junho dia de São Pedro e São
Paulo, é tradicional a montagem de andores de madeira, onde são acomodadas as
imagens dos santos padroeiros durante a procissão, que percorre um curto trajeto
ao redor da igreja, enquanto são entoados hinos e orações. A devoção pelos santos
é expressa nas orações fervorosas e nas preces feitas em frente aos ícones de fé.
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É comum o uso de métodos curativos espirituais. Segundo os entrevistados
já não existem muitas pessoas que pratiquem esse tipo de „cura‟. Muitas pessoas
disseram não acreditar nos tratamentos com métodos de curandeirismo como as
„costureiras de rendiduras‟ e benzimentos, mas nas entrelinhas de sua fala, contam
que procuram curadores para tratar suas enfermidades, sobretudo para crianças. A
restrição em relatar abertamente a crença no curandeirismo pode ser atribuída a
religiosidade local, voltada a valores tradicionais católicos.
Outro conhecimento preservado e transmitido entre as gerações segundo os
entrevistados trata da utilização de chás medicinais. De maneira geral quem
transmite os conhecimentos sobre quais tipos de chá preparar para cada moléstia
são as mães e avós, algum familiar próximo, ou pessoa mais idosa. Esse
conhecimento também é adquirido na convivência com outras pessoas, na prática,
ou é considerado tradição.
Essas trocas de informações, conhecimentos, costumes e tradições entre as
gerações enriquecem a cultura local, desenvolvem a criatividade das pessoas e
garantem que valores e conhecimentos não sejam perdidos. De acordo com
Hauresko (2012) a manutenção desses vínculos ocorre porque eles ainda
apresentam importância no cotidiano dos moradores do campo. No contexto geral,
são saberes, técnicas, hábitos, que apresentam sentido prático na vivência dos
sujeitos, são representativos na reprodução social e econômica das famílias e da
comunidade e por isso são preservados.
Esses saberes - como a ordenha, o trato com os animais, a relação com a
natureza, a análise das mudanças climáticas, a maneira como ocorrem as relações
sociais – contemplam conhecimentos e práticas ligadas às atividades de trabalho e
lazer e são formados na observação da natureza e do universo, no dia-a-dia, nas
atividades cotidianas dos moradores de Guaragi. Muitos desses conhecimentos são
tão significativos e representativos do espaço rural que são reproduzidos em
espaços voltadas para o turismo rural onde o intuito é oferecer ao visitante a
experiência do contato e vivência da „realidade‟ rural.
Drska (2002) fala da importância da preservação da memória nas práticas
cotidianas como na maneira de falar, na culinária, nas relações entre os sujeitos, nas
crenças e ritos, nas festas e outras manifestações populares e na forma de ver o
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mundo, pois é a partir daí que o sujeito constrói e estabelece sua identificação com o
espaço onde vive e com o grupo social ao qual pertence.
Na paisagem característica do campo, nas ações cotidianas, nas histórias,
memórias, modos de fazer e ver a realidade que se estabelecem os laços de
identificação com o modo de vida rural. Os elementos simbólicos representativos de
vida urbana que chegam ao campo são incorporados, rejeitados ou readaptados ao
modo de vida, pois como cidadãos ativos, os moradores do campo têm direito ao
acesso a bens que lhes tragam melhorias na qualidade de vida, no entanto,
preservam as características bucólicas que são expressas nos hábitos, costumes,
cotidiano, relações sociais e nas formas de apropriação do espaço.
Mediante o que foi apresentado pelos moradores do distrito de Guaragi
entende-se que os elementos escolhidos para representar a história dos indivíduos
que vivem no campo são aqueles reconhecidos e apontados pelos sujeitos que o
vivenciam nas suas experiências cotidianas e que pela sua importância são
preservados mesmo com as mudanças que ocorrem na configuração do espaço
rural.
5 – Conclusões
Frente à análise da realidade abordada nesse trabalho, percebeu-se que o
modo de vida rural não está baseado apenas na relação de produção agropecuária,
mas também na amalgama de traços culturais referentes ao vínculo dos habitantes
com a paisagem rural, com a terra, às relações de amizade e confiança com os
demais membros da comunidade. Esse conjunto que contempla o ambiente e as
práticas sociais formam a memória social desse grupo numa história conjunta.
A fenomenologia propicia a compreensão de que para os sujeitos sociais
que vivenciam o espaço rural, suas experiências são únicas e inerentes a esse
espaço geográfico, ao passo que resultam da soma da paisagem mais as atividades
e hábitos cotidianos, que formam um contexto característico do campo.
No tempo e espaço, o modo de vida tipicamente rural tornou-se expressão
cultural desses sujeitos. A relação com o campo, com as outras pessoas, com outros
modos de vida, formou e revela a identidade cultural rural, que é expressa na
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organização social desse grupo. Na manifestação, desenvolvimento e manutenção
da sua identidade, os sujeitos rurais patrimonializam seu modo de vida. Mesmo
quando ocorre a aproximação com o modo de vida urbano e há um embate entre a
necessidade de renovação ou a conservação, o modo de viver rural pode passar por
um processo de (res)significação, mas mantem sua essência.
A paisagem, as formas edificadas, os equipamentos e outros conjuntos de
elementos materiais podem ser considerado patrimônio cultural do campo e existem
porque há no viver rural um jeito peculiar de ser no dia-a-dia, na rotina, no contexto
que ambienta a vida no/do campo, na tranquilidade, no tempo que dá a sensação de
transcorrer de maneira mais lenta, na liberdade de horários, no contato com cheiros
e sons naturais, nos alimentos que liberam todo o sabor quando cozidos lentamente
no fogão à lenha e nos saberes do plantio, colheita e preparo dos alimentos nos
pomares e hortas, na ordenha manual do leite que será transformado em doce
artesanal.
Esses elementos simbólicos característicos do espaço rural não são apenas
memória. Resultado das experiências diárias, na relação com o espaço, com os
outros sujeitos. É o que modela a vida no campo e o estruturante para relacionar-se
com outros espaços e sujeitos. É cotidiano dos moradores do campo, seu modo de
vida, seu patrimônio cultural.
6 - Referências
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