O ENVELHECIMENTO POPULACIONAL, ARRANJOS FAMILIARES E A PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL DE
ALTA COMPLEXIDADE NA REALIDADE BRASILEIRA
Jéssica de Melo Borges1
Resumo
O crescimento populacional é um fenômeno mundial, atrelado a queda da taxa de natalidade e o envelhecimento da população, conforme a melhoria e aprimoramento dos aspectos sanitários, sociais, econômicos, políticos e culturais de cada local. Os arranjos familiares também estão em transformação com núcleos cada vez menores se fazendo necessário equipamentos legais da proteção social especial da Política de Assistência Social, contida no tripé da Seguridade Social para amparo aos novos(as) idosos(as). Esse trabalho pretende discutir acerca do papel do Estado frente a necessidade desses equipamentos àqueles que se encontram em situações de risco e/ou vulnerabilidade social.
Palavras-chave: Envelhecimento; Família; Assistência Social;
Proteção Social.
Abstract
The growth of population is a global phenomenon, related to the fall in birth rate and aging of population, according to the improvement and enhancement of health, social, economic, political and cultural features of each location. Family arrangements are also changing with the core becoming smaller and increasing the need for legal equipment of special social protection of the Social Assistance Policy, contained in Social security tripod to support the new elderly. This paper aims to discuss about the State role concerning the need for such equipment to those who are at risk and/or social vulnerability.
Keywords: Aging; Family; Social Assistance; Social Protection.
1 Assistente Social – Residente do Programa de Residência Multiprofissional de Interiorização de Atenção à
Saúde do Hospital Regional Dom Moura (PRIMAS/HRDM) – Garanhuns - PE. Graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). E-mail: [email protected].
I. INTRODUÇÃO
O envelhecimento da população é uma tendência presente em toda parte do mundo.
No entanto, este fenômeno não pode ser entendido de forma unilateral, pois cada lugar
apresenta uma realidade, contendo diferentes aspectos de saúde, habitação, educação,
mercado e condições de trabalho, assistência social, etc. Esses fatores não podem e nem
devem ser ignorados quando se discute o aumento da longevidade em diferentes cenários.
Deve ser, portanto, entendido de “[...] maneira mais ampla possível. Enxergá-lo
simplesmente pelo prisma biofisiológico é desconhecer os problemas ambientais, sociais,
culturais e econômicos [...] que, seguramente, em maior ou menor extensão, participam do
processo de envelhecimento” (PAPALÉO NETTO, 2007, p.3).
Logo, esse crescimento pode ser explicado a partir diversas óticas, dentre elas a
melhora das condições sanitárias de muitos lugares, além do avanço da medicina e dos
cuidados em relação a saúde (UNFPA, 2012). Resultado disso foram as baixas taxas de
mortalidade e o controle da natalidade, o que trouxe como consequência o aumento da
expectativa de vida de determinadas regiões. É importante ressaltar que tais
acontecimentos não ocorreram da mesma forma em todo o mundo, apesar de ser uma
realidade tanto nos países em desenvolvimento quanto nos países desenvolvidos.
Diferente de outros países, que tiveram seu envelhecimento populacional de maneira
parcialmente proporcional ao seu desenvolvimento, o caso brasileiro se destaca pela
rapidez do crescimento dessa população se comparado com os países europeus, por
exemplo. A partir da década de 70, as taxas de natalidade no Brasil começaram a decair.
Fato, que além da melhora na assistência à saúde quando a mesma passou a ser uma
política social universal, também está relacionado ao aumento do ingresso das mulheres no
mercado de trabalho, fazendo com que os núcleos familiares reduzissem e prolongassem a
expectativa de vida. Conforme Queiroz (2010), aspectos como o citado estão em
ascendência e acabam por influenciar de forma direta neste crescimento. Portanto, é válido
salientar que o fenômeno do crescimento não pode em hipótese alguma ser entendido como
um fato isolado, pois, ele tem inúmeros reflexos na vida social nos mais diversos âmbitos.
Com os novos arranjos familiares é possível notar a redução de um envelhecimento
seguro no seio familiar, tendo em vista que as famílias estão menos numerosas, assumindo
mais atividades fora do ambiente domiciliar, o que acarreta por muitas vezes a fragilização
dos vínculos. Desta forma, temos por um lado o crescente número de idosos(as) e por outro
uma boa parcela destes(as) fora de um ambiente familiar seguro, tendo os laços
consanguíneos fragilizados, rompidos ou em certos casos nem mesmo constituídos,
desencadeando por vezes no abandono dos entes mais velhos(as).
O abandono e outros fatores como inexistência de grupo familiar acabam por
conduzir a necessidade de oferta de políticas públicas de atendimento institucional à pessoa
idosa, encontradas na proteção social especial de alta complexidade presente na Política de
Assistência Social, contida no tripé da Seguridade Social. Chaimowicz e Greco (1999,
p.455) atribuem como fatores de risco frequentes para a institucionalização “morar só,
suporte social precário e baixa renda (associados à viuvez, aposentadoria, menor
oportunidade de empregos formais e estáveis e aumento de gastos com a própria saúde).”
Diante dessa realidade, forma-se uma massa de idosos(as) desassistidos(as) pelas suas
famílias, que acabam sendo destinados(as) às chamadas Instituições de Longa
Permanência para Idosos (ILPIs), tanto as de caráter público, assumidas pelo Estado,
filantrópico e privado, adquirindo aqui um importante papel, cujo objetivo consiste em suprir
as necessidades básicas desses sujeitos que se encontram passando por algum tipo de
vulnerabilidade e/ou risco social.
Levando todos os aspectos supramencionados em consideração, levanta-se o
seguinte questionamento que norteou a produção do presente trabalho: os equipamentos da
proteção social especial de alta complexidade que compõem a Política de Assistência Social
vêm acompanhando o aumento populacional do contingente idoso e as novas formações
familiares? E mais: como o Estado tem lidado com esse fenômeno no espaço da Assistência
Social?
II. DESENVOLVIMENTO
II. I O RECONHECIMENTO DOS(AS) VELHOS(AS) ENQUANTO SUJEITOS DE DIREITOS
O fenômeno estudado, visto para além da perspectiva biológica, é resultante de um
processo determinado pela condição de classe na qual os sujeitos se inserem, tornando-se
fundamental para se distinguir a forma de proteção social dada tanto pela família, pelo
Estado, como pela sociedade a um(a) velho(a) da classe burguesa e a um(a) velho(a) da
classe trabalhadora. Tendo como base uma perspectiva marxista, a problemática do
envelhecimento populacional está diretamente relacionada ao significado que o sistema
capitalista confere a este estágio de vida. A desvalorização da pessoa idosa ou mesmo a
sua heterogeneidade observada em uma perspectiva de classes é um elemento chave a ser
discutido no interior desta problemática.
Esse rápido crescimento deu visibilidade ao despreparo do país em relação ao
envelhecimento populacional. As medidas encontradas entre os anos 20 e 80, apesar de
dialogarem com a problemática do idoso não proporcionavam o devido suporte que a
questão exigia/exige.
Por vezes, as políticas sociais destinadas aos idosos se mostravam como
estratégias do sistema capitalista para consolidação do seu modo de produção, enquanto
tratam o problema de maneira superficial e não estrutural. Essas políticas direcionadas a
esse público estão majoritariamente atreladas a condição salarial dos indivíduos, o que
ocasiona a exclusão de uma parcela dos(as) idosos(as) que se encontravam fora do
mercado de trabalho. A esses(as), por vezes, são destinadas as práticas assistencialistas e
filantrópicas.
No entanto, com a expansão desse público, viu-se a necessidade de mecanismos
que subsidiassem uma melhor qualidade de vida para esse grupo etário em ascensão por
meio do Estado como responsável pela garantia dos mínimos sociais. Apesar dos sistemas
de seguros sociais e do desenvolvimento das políticas sociais precedentes a Constituição
Federal (CF) de 1988, foi somente a partir de sua promulgação, que houve, de fato, um
reconhecimento dos sujeitos mais velhos enquanto cidadãos que necessitam de uma maior
atenção por parte do poder público. A CF de 1998 é então um marco legal que assegura os
direitos e deveres fundamentais de todos os indivíduos, tendo a dignidade humana como
valor absoluto e base do Estado Democrático de Direito. A partir dela foi demarcada a
proteção social aos idosos como direito desse grupo e dever do Estado:
Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. § 1º Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares. § 2º Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos. (BRASIL, 1988)
A partir dessa garantia inscrita no texto constitucional, inicia-se o processo de
discussão sobre a proteção do idoso, pouco discutida anteriormente no âmbito estatal. “A
questão do idoso é contemplada na Constituição em vários artigos, fruto das reivindicações
das associações e confederação dos aposentados.” (LOBATO, 2007, p.152).
Além dela, a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e o Sistema Único de
Assistência Social (SUAS) reconhecem esse grupo como alvo de programas e projetos que
se propõem a fornecer a proteção social necessária para os que se encontram em alguma
situação de violação de direito, risco e/ou vulnerabilidade social.
II.II A PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL E O PÚBLICO IDOSO
Os serviços socioassistenciais no SUAS são organizados segundo as seguintes
referências: vigilância social, proteção social e defesa social e institucional e foram
tipificados através da Resolução Nº 109, de 11 de novembro de 2009 do Conselho Nacional
de Assistência Social (CNAS). Nela cada serviço é descrito, bem como os objetivos e os
usuários dos serviços, servindo como uma espécie de manual para a execução.
A partir disso, as ações da assistência social são divididas em dois tipos de proteção
social: básica e especial. Em linhas gerais, conforme a Resolução nº 109, a proteção social
básica tem como norte a prevenção de riscos sociais e pessoais a indivíduos e famílias em
situação de vulnerabilidade social, sendo ela caracterizada por aspectos como ausência de
renda, acesso precário ou nulo aos serviços públicos e/ou fragilização dos vínculos
familiares e comunitários. A proteção social especial atua nos casos que as famílias e
indivíduos já se encontram em situação de risco, sendo essa situação caracterizada com a
ocorrência de abandono, maus-tratos, abuso sexual, rompimento de vínculos familiares e
comunitários, violência física, psicológica, negligência, entre outros aspectos. Exige uma
gestão mais complexa e compartilhada com o Poder Judiciário, Ministério Público e com
outros órgãos.
A proteção social especial é ainda dividida em média e alta complexidade. O que as
diferencia é que na média complexidade os vínculos familiares encontram-se fragilizados
e/ou ameaçados, enquanto na alta esses vínculos não mais existem, estando eles rompidos
ou extremamente fragilizados, tendo a assistência social que ofertar uma proteção integral
(moradia, alimentação, higienização, etc.).
A partir dessa organização dos serviços da Assistência Social no Brasil, a população
idosa em ascendência passou a ser um dos públicos-alvo de suas ações, principalmente
aos que de alguma forma se encontram vulneráveis e/ou em risco social, necessitando de
amparo. Percebeu-se a necessidade da articulação entre as instituições governamentais
brasileiras, organismos da sociedade civil e os movimentos sociais, tendo em vista o rápido
aumento dessa camada populacional, o despreparo das famílias na prestação do cuidado a
esse público, ocasionando por vezes situações de abandono e/ou violência. Além do fato da
mudança nos núcleos familiares, em que os vínculos fragilizados, conflituosos, rompidos e
até mesmo inexistentes são realidade na sociedade brasileira.
II. III AS TRANSFORMAÇÕES DOS NÚCLEOS FAMILIARES E SEUS IMPACTOS
A composição familiar vem sendo reconfigurada ao longo dos anos. Com a queda da
taxa de natalidade e a inserção das mulheres no mercado de trabalho a partir da década de
70, os núcleos familiares começaram a se apresentar menores. Com a construção desses
novos arranjos familiares, atrelados a lógica capitalista, foi possível notar uma diminuição do
envelhecimento seguro no seio familiar e o consequente aumento da massa de idosos(as)
desassistidos(as) ou pouco assistidos(as) por suas famílias.
Os núcleos familiares passaram e continuam passando por um processo de muitas
modificações. Essas mudanças, conforme Souza e Filho (2011), estão intimamente ligadas
aos meios de produção e sua modernização. A partir disso, o ambiente familiar passa a se
configurar como um espaço que tem se adequado e se adaptado a realidade atrelada às
mudanças do mundo do trabalho, como por exemplo, a entrada da figura feminina no
mercado, figura esta que era vista historicamente como a única responsável pelos cuidados
do lar, cuidadora principal, cujo seu direito ao trabalho formal era negado devido ao grande
traço, ainda presente na sociedade atual, do sistema patriarcal.
Uma importante decorrência dessa maior participação da mulher na força de trabalho é a ausência, na família, de alguém que cuide do idoso em caso de doença e/ou incapacidade física. Essas funções, tradicionalmente ligadas à mulher (e não recompensadas financeiramente), estão exigindo novas soluções nas grandes cidades brasileiras. (VERAS; RAMOS; KALACHE, 1987, p.229)
O fato da diminuição do núcleo familiar, da redução no número de filhos, por
exemplo, caracteriza a atual sociedade impactada pelas demandas/limitações da ordem
capitalista que ao contrário de antigamente, restringe seus números de filhos, sendo
favorecida para isso também pelas inovações científicas que proporcionaram os meios para
essa limitação. Essa característica desse novo perfil de família, de acordo com os
estudiosos contribui para o processo de envelhecimento da população, as famílias
passaram a ter mais idosos que crianças em seu meio. Esses elementos configuraram uma
nova feição a família contemporânea.
A partir dessas novas configurações, despertou-se na sociedade a necessidade de
uma maior oferta de atendimento institucional à pessoa idosa, encontrada na proteção social
especial de alta complexidade, as chamadas Instituições de Longa Permanência para
Idosos (ILPIs), passando o Estado e as instituições filantrópicas e privadas a assumirem um
importante papel na oferta de cuidados a esses sujeitos vulneráveis.
Historicamente conhecidos como abrigos institucionais, as ILPIs oferecem serviços
que visam garantir a proteção integral – moradia, alimentação, higienização, etc. – para,
nesse caso, pessoas idosas que não se encontram amparadas, conforme prevê a PNAS.
São equipamentos destinados a acolhida de pessoas idosas que se encontram em situação
de risco social e/ou de violação de direitos, devido à falta de apoio familiar, abandono ou
negligência. A política de Assistência Social tem como um de seus pontos norteadores de
suas ações a família, devendo ela estar atenda as mudanças ocorridas nos arranjos
familiares.
II.IV AS INSTITUIÇÕES DE LONGA PERMANÊNCIA PARA IDOSOS(AS) (ILPIS) E O PAPEL DO
ESTADO FRENTE AO ENVELHECIMENTO
Analisando o histórico da implantação dessas instituições aqui no Brasil,
observaremos que estas são conhecidas historicamente com outra nomenclatura. Segundo
Berzins e Silva (2010), elas existem no Brasil há mais de 400 anos e são conhecidas
popularmente como asilos/abrigos. No entanto, visando a quebra do estigma construído em
cima desse equipamento da proteção social especial de alta complexidade, foi criada a atual
nomenclatura: Instituição de Longa Permanência para Idoso (ILPI). O objetivo da introdução
dessa nova definição consiste na desconstrução da imagem vinculada a essas instituições,
como lares que acolhem pessoas abandonadas, pobres e rejeitadas. Dando, portanto,
conforme Berzins e Silva (2010), uma ressignificação a esses lares que cuidam de pessoas
idosas:
O termo ILPI (Instituição de longa permanência para idosos) foi introduzida no Brasil pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) com a produção do Manual de Normas de Funcionamento para Instituições de Longa Permanência para Idoso, que teve o propósito de promover uma reforma no pensamento predominante e no modelo de atendimento ao idoso institucionalizado. A assistente social Tomiko Born foi a responsável pela introdução do termo, com o qual pretendia desencadear um processo político na sociedade civil pela dignidade de vida dos idosos institucionalizados (p.541).
As ILPIs podem ser de natureza governamental ou não governamental, devem
possuir caráter residencial e sua finalidade é servir de domicílio coletivo para pessoas com
idade igual ou superior a 60 anos, com ou sem suporte familiar, em condição de liberdade,
dignidade e cidadania. Conforme afirma Alcântara (apud Berzins; Silva, 2010, p.544):
[...] as razões para a institucionalização estão ligadas, sobretudo, à incapacidade da família de assumir a assistência de seus membros idosos. Além da inviabilidade econômica, a falta de tempo também tem influência, uma vez que o trabalho preenche o dia a dia dos indivíduos ativos da casa, que ficam indisponíveis para oferecerem um amparo a seus familiares idosos, os quais necessitam de atenção especial, em consequência de problemas específicos.
Essas instituições funcionam como preenchimento da lacuna deixada pela família e
pela falta de programas que apoiem sua permanência na comunidade ou no ambiente
familiar, tais como os chamados Centros de Convivência e Centros-Dia. Esses
equipamentos evitam a institucionalização e visam o alcance de um envelhecimento ativo no
seio familiar e deveriam ser prioridade do Estado, enquanto principal formulador e executor
de políticas voltadas para a população em geral, conforme texto constitucional.
No entanto, logo após a construção dos marcos legais já citados anteriormente, os
direitos sociais universais não conseguiram, de fato, efetivar seu princípio universal, sendo
rebatido por uma contrarreforma de cunho neoliberal. Com a introdução dessa lógica, o
Estado brasileiro passou a assumir um papel de regulamentador, fiscalizador e fomentador
das políticas públicas, passando a não ser o responsável por sua execução, não
apresentando, portanto, compatibilidade com o foi previsto na Carta Constitucional
(PASTOR; BREVILHERI, 2009). O Brasil passa então a adotar medidas regidas pela lógica
do neoliberalismo, tendência mundial, que tem como características mais emblemáticas a
desresponsabilização do Estado, bem como a privatização da coisa pública.
Conforme elucida Pastor e Brevilheri (2009, p. 151), “embora a Constituição de 1988
tenha lançado luz da possibilidade da implantação de um Estado de Bem‐Estar Social no
Brasil, isso não passou de um ensaio.” A década de 90 se configurou como uma época de
disputa entre a efetivação dos direitos previstos em Constituição e a efetivação de um
Estado mínimo com políticas de caráter compensatório. Segundo Behring e Boschetti
(2007), houve neste período uma espécie de reformatação do Estado brasileiro para a
adaptação passiva à lógica do capital.
Nesta perspectiva, observa-se uma tendência de despolitização da política, o desfinanciamento da proteção social, em detrimento do pagamento do refinanciamento da dívida pública, através da obtenção do superávit primário, mercantilização/mercadorização dos serviços e, consequentemente, uma redução dos direitos sociais, tardiamente conquistados no Brasil. (PEREIRA, J. D.; SILVA, S. S. de S.; PATRIOTA, L. M., 2009, p.11)
Observa-se a incorporação de um modelo de política social com a predominância da
seletividade e privatização, ao invés, do princípio da universalidade e estatização. Diante
dessa redução da atuação estatal na área social, esta passa a ser devolvida para a
sociedade, responsabilizando-a para execução. Ocorre, portanto, uma espécie de
refilantropização do que foi instituído como política social, como é o caso da assistência
social. Nessa política, contida no sistema de Seguridade Social, a lógica neoliberal
revitalizará elementos históricos relativos a esta política como o clientelismo, caráter
filantrópico e emergencial que acabam por fragilizá-la.
Diante da insatisfatória presença do Estado, a sociedade civil passa a organizar-se
para ofertar serviços que, conforme a Constituição, caberia ao Estado implantar e executar.
Como afirma Soares (2002, p.75), “diante da crise da presença do Estado na sociedade,
constrói‐se um discurso em favor do individualismo pragmático, deixando as pessoas e
grupos entregues à própria sorte ou, na melhor das hipóteses, a uma rede comunitária de
solidariedade.”
Esta característica é visivelmente notada quando se trabalha com as ILPIs. Os
serviços ofertados pelo poder público são muito escassos, comparado a crescente demanda
dos idosos. A partir dessa insuficiência, a oferta de ILPIs tanto privadas quanto filantrópicas
cresceu. As privadas só garantem os direitos de quem pode pagar por eles, havendo,
portanto, a mercantilização daquilo que é previsto como direito de quem necessita e dever
do Estado. As filantrópicas apresentam poucas vagas e exigem, geralmente, uma
contribuição financeira das pessoas idosas que pretendem receber a proteção integral
ofertada por esse equipamento. Além disso, as ILPIs de caráter filantrópico recebem
geralmente apenas mulheres idosas, prevalecendo uma restrição maior ao público idoso
masculino.
As profundas transformações societárias e a consequente contrarreforma do Estado,
que por sua vez se traduz na transferência das responsabilidades públicas para o âmbito
privado, vêm interferindo diretamente na qualidade de serviços prestados à população
idosa. A ausência de atenção a esses equipamentos acaba por se caracterizar como
negação de direitos e políticas sociais.
[...] é mais uma dentre as muitas que estão sendo negligenciadas pelo Estado e repassadas à rede privada, filantrópica, de assistência, sobre a qual, salvo o olhar dos familiares e conhecidos que visitam essas pessoas velhas institucionalizadas (quando visitadas), e a fiscalização da Anvisa e do Ministério Público (quando são fiscalizadas), ficam praticamente isentas do Controle Social. (PAIVA, 2014, p. 225 e 226)
Conforme Colares e Franco:
As ILPI´s devem fazer parte da política de atendimento à população de qualquer cidade, servindo como medida de aplicação necessária no caso de idoso em situação de risco e/ou vítima de violação de direitos. Infelizmente, no Brasil, por omissão do Poder Público, segundo informações do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a maioria dos idosos está acolhida em estabelecimentos privados e filantrópicos, e apenas 6,6% das ILPIs são governamentais. Além disso, 71% dos municípios não dispõem desse serviço, apesar de o atual cenário ser o de busca crescente por vagas nesses espaços de assistência. (2013, p.162)
Essa realidade descrita pelos autores é reflexo de um Estado omisso, regido pela
ótica neoliberal, que faz com que a comunidade assuma a assistência aos idosos que
necessitam dela. Diante dessa insuficiência, as outras ILPIs, de origem filantrópica e
privada, acabam desenvolvendo o papel de um Estado que se faz insuficientemente
presente nessa problemática. Essa estrutura acaba por refletir nos resquícios de uma
política de assistência social ainda muito dependente de aparatos originados da sociedade
civil.
III. CONCLUSÃO
O envelhecimento da população mundial é um fato que não pode ser
desconsiderado. Como visto, ele foi fruto tanto das conquistas médico-sanitárias quanto
consequência dos baixos índices de natalidade. Assim, visões negativas da velhice ou
mesmo o descaso com esse grupo etário devem ser superadas. Na realidade brasileira, é
notório que o país não está preparado para lidar com o processo de longevidade
populacional. As políticas, apesar dos muitos avanços garantidos em diversos aparatos
legais citados ao longo do trabalho, precisam ser concretizadas, por meio de estratégias que
permitam a implantação de uma rede de serviços, programas e projetos para os(as)
idosos(as) que assegurem os direitos fundamentais desta população, tais como saúde,
moradia, acessibilidade, segurança, assistência social, previdência social e saneamento
básico.
Ao Estado cabe a preferência na formulação e na execução de políticas sociais
públicas específicas para a população idosa. Desta forma, é responsabilidade dele por em
práticas os aparelhos instituídos já em aparatos legais, evitando assim o desamparo das
pessoas idosas por parte do Estado e garantindo direitos como a liberdade, respeito e
dignidade, previstos no artigo dez do Estatuto do Idoso, como obrigação do Estado, ao
entender os idosos como sujeitos de direitos civis, políticos, individuais e sociais.
A construção de políticas, através do desenvolvimento de projetos é o único modo de
tirar da família a culpabilidade pelo descaso com os idosos. Para se fazer cumprir o artigo
terceiro do Estatuto do idoso que institui como obrigação, em primeiro lugar, da família a
prestação de cuidados a pessoa idosa, com a possibilidade de garantir os direitos relativos à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, à convivência
familiar e comunitária, entre outros, se faz necessário que, diante da realidade brasileira e
das novas características presentes nos arranjos familiares, o Estado ofereça subsídios
mínimos para manutenção dos(as) idosos(as) em seus lares ou em caso de impossibilidade,
ofereçam espaços dignos para o desenvolvimento da qualidade de vida, principalmente a
esse público ainda subalternizado presente em uma sociedade em processo de
mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais.
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