MOVIMENTO E VIVÊNCIA DO CURRÍCULO DE LÍNGUA PORTUGUESA
EM SALA DE AULA: AMPLIANDO A VISÃO SOBRE O ENSINO DA LÍNGUA
Maria Carmen Villela Rosa Tacca – FE/UnB
Elisângela Duarte Almeida Mundim - FE/UnB
Resumo
Evidências de fracasso escolar referente ao aprendizado da leitura e escrita dos alunos de
anos iniciais de escolarização apontaram para a necessidade da reestruturação do ensino
de Língua Portuguesa, dessa forma em 1998 foi e publicado os Parâmetros Curriculares
Nacionais de Língua Portuguesa. Atendo-se particularmente aos princípios organizadores
dos conteúdos de Língua Portuguesa sinalizados nos PCN's, este artigo analisa como se
processa a realização do currículo em sala de aula e em que medida o texto aparece como
ferramenta para implementar o processo de ensino- aprendizagem da leitura, da escrita e
da oralidade. Explora, nesse sentido, a revisão das metodologias utilizadas para o
desenvolvimento do processo de alfabetização, apontando para o repensar das práticas
pedagógicas difundidas no contexto escolar. O artigo está dividido em quatro seções. Na
primeira, apresentamos as linhas gerais presentes na proposta do PCN de Língua
Portuguesa, abordando questões relativas à natureza da área, as implicações para o
processo de alfabetização e as orientações didáticas relativas as práticas pedagógicas. Na
segunda seção, propõe-se um debate sobre o desenvolvimento do currículo de Língua
Portuguesa nas escolas, analisando os pontos convergentes entre o currículo oficial e os
descritores da Provinha Brasil. Na seção seguinte, situaremos os aspectos metodológicos
do estudo, demonstrando o percurso adotado para retratar a escola pública pesquisada. Na
quarta seção apresentaremos a análise das informações, discutindo como se processa o
desenvolvimento do currículo de Língua Portuguesa em uma sala de aula da escola
pesquisada, enfatizando os desafios permanentes que envolvem o processo de
alfabetização entendidos como possibilidade de ressignificação do ensino de qualidade.
Realizando esse percurso, buscamos neste trabalho retratar a realidade escolar e, mais
particularmente, interpretar como os professores constroem a prática pedagógica tendo
como base orientações curriculares, analisando como estes profissionais percebem-se
como sujeitos dessa construção que tem como mote um ensino de qualidade.
Palavras-chave: Currículo, Língua Portuguesa, leitura e escrita.
Introdução
Evidências de fracasso escolar referente ao aprendizado da leitura e escrita dos
alunos dos anos iniciais de escolarização, apontaram para a necessidade da reestruturação
do ensino de Língua Portuguesa. Dessa forma em 1998 foi elaborado e publicado os
Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa para o ensino fundamental.
Essa diretriz constitui norte para a construção de currículos e seus conteúdos mínimos, de
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modo a assegurar uma formação básica comum, bem como estabelecer referências
nacionais para as práticas educativas. O documento enfatiza a importância de garantir a
todos os alunos o acesso aos saberes linguísticos necessários para o exercício da
cidadania, pois o domínio da língua tem estreita relação com a possibilidade de plena
participação social, cabendo a escola impulsionar os educandos a assumirem a palavra
como sujeitos de suas interlocuções gerando significado para a realidade concreta.
Atendo-se particularmente aos princípios organizadores dos conteúdos de
Língua Portuguesa sinalizados nos PCN's que defendem o texto como unidade de ensino,
este artigo busca analisar como se processa a realização do currículo em sala de aula e em
que medida o texto aparece como ferramenta para implementar o processo de ensino-
aprendizagem da leitura, da escrita e da oralidade. Explora, nesse sentido, a revisão das
metodologias utilizadas para o desenvolvimento do processo de alfabetização, apontando
para o repensar das práticas pedagógicas difundidas no contexto escolar.
Em termos organizacionais, o artigo está dividido em quatro seções. Na primeira,
apresentamos as linhas gerais presentes na proposta do PCN de Língua Portuguesa,
abordando questões relativas à natureza da área, as implicações para o processo de
alfabetização e as orientações didáticas relativas às práticas pedagógicas. Na segunda
seção, propõe-se um debate sobre o desenvolvimento do currículo de Língua Portuguesa
nas escolas, analisando os pontos convergentes entre o currículo oficial e os descritores
da Provinha Brasil. Nesse sentido enfatizaremos os focos centrais de cada documento
citado. Na seção seguinte, situaremos os aspectos metodológicos do estudo,
demonstrando o percurso adotado para retratar a escola pesquisada. A quarta seção
apresentaremos a análise das informações, discutindo como se processa o
desenvolvimento do currículo de Língua Portuguesa em duas salas de aula da escola
pesquisada, enfatizando os desafios permanentes que envolvem o processo de
alfabetização, entendidos como possibilidade de ressignificação do ensino de qualidade.
Realizando esse percurso, buscamos neste trabalho retratar a realidade escolar e,
mais particularmente, interpretar como os professores constroem a prática pedagógica
tendo como base orientações curriculares, analisando como estes profissionais percebem-
se como sujeitos dessa construção que tem como mote um ensino de qualidade.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa: ampliando a
visão sobre o ensino da língua
Garantir a aprendizagem da leitura e da escrita nos anos iniciais de escolarização
projeta os alunos para que tenham acesso aos saberes linguísticos necessários para o
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exercício da cidadania, de forma que o domínio da língua gere possibilidades de plena
participação social. Assim, o projeto educativo que norteia a escola pública precisa estar
comprometido em atingir níveis qualitativos de aprendizagem da leitura e escrita. Almejar
tais níveis compreende romper com o fracasso escolar no que se refere a aquisição da
leitura e escrita, buscando elementos que possam sustentar práticas escolares mais
relevantes para o uso social mais amplo da linguagem (ROJO, 2000).
Nesse sentido os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa
foram elaborados para difundir diretrizes para a construção de currículos e seus conteúdos
mínimos, de modo a assegurar uma formação básica comum, bem como estabelecer
referências nacionais para as práticas educativas no que se refere a leitura e escrita. Tal
documento, representou um avanço para o ensino e aprendizagem da leitura e escrita por
demonstrar formas de romper com práticas tradicionais de alfabetização. Conforme
indica o documento:
Os esforços pioneiros de transformação da alfabetização escolar consolidaram-
se, ao longo de uma década, em práticas de ensino que têm como ponto tanto
de partida quanto de chegada o uso da linguagem. Em que a razão de ser das
propostas de leitura e escuta é a compreensão ativa e não a decodificação e o
silêncio. Em que a razão de ser das propostas de uso da fala e da escrita é a
expressão e a comunicação por meio de textos e não a avaliação da correção
do produto. Em que as situações didáticas têm como objetivo levar os alunos
a pensarem sobre a linguagem para poderem compreendê-la e utilizá-la
adequadamente. (MEC, 2001, p.22)
Pode-se dizer, em linhas gerais, que os PCN's ao enfatizar a linguagem como um
processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais, ou seja, na interação verbal,
não pode ser compreendida sem que se considere o seu vínculo com a situação concreta
de produção, de forma que é no interior do funcionamento da linguagem que é possível
compreender o modo desse funcionamento. Produzindo linguagem, aprende-se
linguagem (MEC, 2001, p. 25).
Nessa perspectiva discursiva, a linguagem passa a ser entendida como produção
de discurso, exigindo um sujeito ativo no processo de produção de textos orais e escritos.
Adotar tal entendimento implica a necessidade de proposição diferenciada para o
desenvolvimento de práticas destinadas ao processo de alfabetização, pois de acordo com
essa concepção fica anulado a dicotomia entre leitura, escrita e oralidade, apontando os
gêneros do discurso como objeto de ensino e o texto como ferramenta básica para se
ensinar a língua materna. Seguir as orientações dos PCN's, nesse caso, supõe modificar o
ensino da língua Portuguesa, pois se o objetivo é que o aluno aprenda a produzir e a
interpretar textos, não é possível tomar como unidade básica de ensino nem a letra, nem
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a sílaba, nem a palavra, nem a frase que, descontextualizadas, pouco têm a ver com a
competência discursiva, que é questão central a ser desenvolvida, a fim de que se formem
alunos leitores e escritores de textos que possam cumprir uma função social.
Com isso, para cumprir com um processo de alfabetização significativo, os
textos artificiais perdem seu espaço, pois são simples agregados de frases desconectadas
que não representam textos reais. O ambiente alfabetizador é preenchido com a voz
produtora dos sujeitos, de forma que a aprendizagem da leitura e escrita torna-se um
processo e não um produto. Nesse sentido, o desafio dos professores é criar situações em
sala de aula que permitam os alunos se depararem com uma diversidade textual que
favoreça a reflexão crítica e imaginativa e que coloque o alfabetizando em situação de
exercer a plena participação numa sociedade letrada (MEC, 2001, pag. 30)
Outra proposta significativa difundida pelos PCN's é o estabelecimento de dois
eixos para o ensino da língua: o uso da linguagem, a partir da fala, da leitura e da produção
textual, bem como a reflexão sobre a língua e a linguagem. O documento explica que:
De maneira mais específica, considerar a organização dos conteúdos no eixo
USO REFLEXÃO USO significa compreender que tanto o ponto de partida
como a finalidade do ensino da língua é a produção/compreensão de discursos.
Quer dizer: as situações didáticas são organizadas em função da análise que se
faz dos produtos obtidos nesse processo e do próprio processo.
Essa análise permite ao professor levantar necessidades, dificuldades e
facilidades dos alunos e priorizar aspectos a serem abordados/discutidos. Isso
favorece uma revisão dos procedimentos e dos recursos linguísticos utilizados
na produção, o conhecimento e a aprendizagem de novos
procedimentos/recursos a serem utilizados em produções futuras, a partir da
contribuição que possam oferecer para que o aluno se torne um produtor de
discurso cada vez mais competente. (MEC, 2001, p. 44)
O eixo USO-REFLEXÃO-USO confere um novo sentido à intervenção
pedagógica promovida pelo professor, pois tem valor decisivo no processo de
aprendizagem, dessa maneira percebemos que os PCN’s militam a favor da construção
de estratégias pedagógicas voltadas para o ensino da leitura e escrita, focalizando os
gêneros discursivos como objeto de ensino e o texto como unidade básica, isso possibilita
romper com práticas que colocavam a gramática normativa como centro gerador do
ensino da leitura e da escrita. Entendido assim, os PCN’s apresentam, nesse sentido, um
avanço que demanda esforços para que o coletivo docente projete formas de transpor os
objetivos propostos pelo documento para suas práticas cotidianas, favorecendo assim uma
aprendizagem que possa formar leitores e escritores a partir da diversidade de textos que
circulam socialmente.
Diante desses fatos, podemos construir algumas indagações: que estratégias
pedagógicas são criadas pelos professores para focalizar os gêneros discursivos como
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objeto de ensino e o texto como unidade básica para o ensino da leitura e escrita? Sendo
os PCN’s referência para a construção dos currículos, como os conceitos defendidos pelos
PCN’s são assumidos pelos docentes?
Desse modo, passaremos para um debate sobre o desenvolvimento do
currículo de Língua Portuguesa nas escolas, analisando os pontos convergentes entre o
currículo oficial e os descritores da Provinha Brasil.
Organização do trabalho pedagógico: movimento e vivência do currículo
em sala de aula.
Para intentar uma reflexão de como o currículo oficial, os descritores da
Provinha Brasil e o currículo construído pelo coletivo docente se processam em sala de
aula deveremos ter como premissa a valorização dos sujeitos do processo educativo,
sejam alunos ou professores, considerando suas necessidades e potencialidades, pois
assim poderemos retratar de forma singular a implementação de tais documentos na
realidade concreta da escola pública.
Pensar a escola leva-nos necessariamente a pensar o currículo, pois este
influencia a organização das práticas escolares, visto que não é possível dissociar o
desenvolvimento do currículo com a garantia da aprendizagem dos alunos, pois tais
documentos incorporam discussões sobre conhecimento escolar e sobre procedimentos
pedagógicos (MOREIRA; CANDAU, 2006). Nesse sentido, entendemos currículo como:
[...] as experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, em
meio a relações sociais, e que contribuem para a construção das identidades de
nossos(as) estudantes. Currículo associa-se, assim, ao conjunto de esforços
pedagógicos desenvolvidos com intenções educativas. [...] estamos empregando
a palavra currículo apenas para nos referirmos às atividades organizadas por instituições
escolares. (MOREIRA; CANDAU, 2006, pag.86)
Moreira e Candau, também afirmam que o currículo não pode ser entendido
apenas como plano pedagógico elaborado por professores, escolas e sistemas
educacionais, os autores procuram realçar os conhecimentos escolares como elementos
centrais do currículo e que sua aprendizagem constitui condição indispensável para que
conhecimentos socialmente produzidos possam ser apreendidos, criticados e
reconstruídos por todos os alunos.
Tomando esse entendimento como base, o currículo necessita ganhar vida em
sala de aula para se constituir como gerador de aprendizagem, disso surge a necessidade
dos docentes efetuarem uma análise de suas práticas a partir de princípios teóricos
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presentes nas orientações curriculares. Assim sendo, o coletivo docente necessita abrir
espaço para a discussão de propostas curriculares para o exame das lacunas entre teoria e
prática. Dessa forma, surge a seguinte questão: o que é necessário compreender para
transformar propostas curriculares em práticas geradoras de aprendizagem?
Naturalmente, as orientações curriculares são composições orientadoras do planejamento
docente, por isso, recorre-se a elas sempre que uma situação de ensino precisa ser
planejada. Não se pode falar de orientações curriculares sem pensar na esfera de
atividades em que elas se constituem e atuam, ou seja, no movimento em que faz com
que possam ganhar vida no interior da sala de aula.
No Documento intitulado como Currículo em Movimento para Educação Básica
(SEEDF, 2014), destinado às escolas públicas do Distrito Federal, considera-se que para
que o currículo seja vivenciado e reconstruído no cotidiano escolar deve existir uma
organização do trabalho pedagógico que sustente a utilização de estratégias didático-
pedagógicas desafiadoras e provocadoras das aprendizagens dos alunos. O documento
ressalta ainda que a concepção de aprendizagem se amplia para trabalhar de forma
significativa o sistema de escrita (alfabetização), de forma articulada as práticas sociais
de leitura e escrita (letramento), sustentada por uma didática que provoque o pensar dos
alunos em situações de articulação com o outro (SEEDF, 2014, pag.10). Observou-se
também, que nesta orientação curricular foi mencionada a importância da construção de
uma educação de qualidade, apontando para a necessidade dos projetos políticos
pedagógicos de cada escola estabelecerem metas definidoras das expectativas de
aprendizagem de cada área de conhecimento que compõe o currículo escolar.
No mesmo sentido, Frossard (2014) apresenta as avaliações externas como
ferramenta das políticas de monitoramento da qualidade da educação brasileira,
ressaltando que são instrumentos que podem contribuir para a análise de resultados na
medida em que fornecem indicadores da qualidade da aprendizagem dos alunos.
Assim, os descritores da Provinha Brasil, avaliação externa destinada as turmas
de segundo ano do ensino fundamental, estão baseados na concepção de que alfabetização
e letramento são processos complementares e paralelos, considerando a alfabetização
como o domínio das regras de funcionamento do sistema de escrita alfabética e o
letramento como as possibilidades de usos e funções sociais da linguagem escrita
(BRASIL, 2012). Desse modo, as habilidades definidas para avaliar o nível de leitura dos
alunos do segundo ano do ensino fundamental são relevantes para retratar o
desenvolvimento da alfabetização e letramento de forma que são agrupados em torno de
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quatro eixos fundamentais, descritos na Matriz de Referência para Avaliação da
Alfabetização e do Letramento Inicial (BRASIL, 2011). Esses quatro eixos são:
apropriação do sistema de escrita, leitura, escrita e compreensão e valorização da cultura
escrita.
Faz-se necessário explicar que a Matriz de Referência para Avaliação da
Alfabetização e do Letramento Inicial (BRASIL, 2011) não se constitui como um
currículo no interior das escolas públicas, porém os descritores que servem de base para
a construção da avaliação externa destinada ao segundo ano do ensino fundamental
apresentam em seu bojo pontos convergentes com o currículo oficial da escola pública,
tanto no que tange a fundamentação teórica, quanto ao que diz respeito a promoção da
aprendizagem tendo como objetivo central o pleno desenvolvimento da leitura e da escrita
que possam impulsionar a vivência de práticas de letramento.
Tal fato, nos leva a perceber que o conteúdo das avaliações externas exerce
influência na dinâmica das salas de aulas, aparecendo no discurso dos professores e no
fazer pedagógico, a fim de que os alunos atinjam níveis qualitativos em suas
competências leitoras e escritoras.
Interessadas em compreender a dinâmica da sala de aula e as práticas de leitura e
escrita no cotidiano escolar, consideramos importante analisar, a partir de documentos,
discursos, atividades, projetos e planejamentos como se processa o desenvolvimento de
propostas curriculares, para cumprir tal objetivo, passaremos as próximas seções,
momentos em que situaremos os aspectos metodológicos do estudo, demonstrando o
percurso adotado para retratar a escola pesquisada, bem como apresentaremos a análise
das informações, discutindo como se processa o desenvolvimento do currículo de Língua
Portuguesa em um sala de aula da escola pesquisada enfatizando os desafios permanentes
que envolvem o processo de alfabetização entendidos como possibilidade de
ressignificação do ensino de qualidade.
O percurso da pesquisa
O estudo foi desenvolvido em uma escola pública situada em uma região
administrativa do Distrito Federal, tal escola participa do Projeto de Pesquisa
Observatório da Educação que tem por objetivo investigar as bases epistemológicas das
concepções, construídas historicamente, sobre a leitura, escrita e desenvolvimento
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 302656
humano, bem como as práticas de alfabetização presentes na escola e sua implicação nos
resultados escolares de crianças de ensino fundamental – Provinha Brasil e IDEB. Para
realização da pesquisa apoiamo-nos na Epistemologia Qualitativa, abordagem que
referencia a construção do conhecimento de forma interpretativa. Com intuito de permitir
o avanço da investigação empírica, utilizamos observações, sistemas conversacionais e
atendimento individualizado de professores e alunos.
A professora investigada ministra aula em uma turma de segundo ano do ensino
fundamental, a turma possui 22 alunos frequentes, desse total 8 alunos participam do
projeto de pesquisa por apresentarem dificuldades de aprendizagem na aquisição da
leitura e escrita.
Análise do contexto escolar
Cabe neste momento apresentar pontos do currículo de Língua Portuguesa
construído pela escola pesquisada com o intuito de ressaltar como se processa de forma
singularizada a organização curricular de tal instituição, destacando que a autonomia
pertencente ao coletivo docente é positiva, desde que não venha subtrair os conteúdos
mínimos que constam nas diretrizes curriculares. Informamos que a escola pesquisada
construiu currículo próprio de língua portuguesa.
Ao observarmos a tabela dos conteúdos eleitos pelo coletivo escolar, fica claro
que os mesmos se organizam de forma hierárquica, ou seja, são divididos por bimestres,
de maneira que perdem a relação de interdependência proposta pelos PCN’s no que se
refere ao conjunto de conteúdos que deverão ser desenvolvidos. Percebemos tal fato,
quando nos deparamos com o conteúdo reestruturação de texto presente apenas no
terceiro bimestre, anulando a revisão de texto como uma situação didática que privilegia
o eixo USO-REFLEXÃO-USO da língua em situações concretas e em texto que circulam
socialmente.
Outro ponto que nos chama atenção, diz respeito ao fato dos conteúdos mínimos
voltados para a aquisição do código escrito estarem centrados em letras, sílabas e
palavras, retratando uma preocupação dos PCN’s, que demonstra que o ensino da Língua
Portuguesa tem sido marcado por uma sequenciação de conteúdos que se poderia chamar
de aditiva: ensina-se a juntar sílabas ou letras para formar palavras, a juntar palavras para
formar frases e juntar frases para formar textos (PCN, pag.35). A crítica reside no perigo
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da escola adotar “textos artificiais” que só servem para ensinar a ler e que fora da escola
não cumprem uma função social, de modo que nem sequer podem ser considerados textos,
pois não passam de simples agregados de frases.
Considerando a análise comparativa entre os três documentos aqui indicados,
debruçamo-nos na visualização dos aspectos dos conceitos de alfabetização e letramento
para que possam ser considerados como processos complementares. Nesse sentido Magda
Soares afirma que:
Não são processos independentes, mas interdependentes, e indissociáveis: a
alfabetização se desenvolve no contexto de e por meio de práticas sociais de
leitura e escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este por sua vez,
só pode desenvolver-se no contexto da e por meio da aprendizagem das
relações fonema-grafema, isto é em dependência da alfabetização. (SOARES,
2003, p. 12)
A partir do diálogo entre os instrumentos de pesquisa referidos e da análise da
dinâmica da sala de aula, observou-se que há um processo próprio que insere a perspectiva
do letramento no discurso da professora pesquisada, podemos notar isso quando afirma
que: “Para favorecer o letramento construo atividades que ‘tirem o chão’ do meu aluno
e façam com que ele pense”.
De fato, ao observarmos as atividades propostas pela professora, a mesma busca
extrapolar a forma restrita em que o currículo da escola foi construído. Propõe atividades
para os alunos tendo o texto como unidade básica do ensino da língua. No entanto,
notamos uma ausência no que se refere o trabalho com a estrutura dos gêneros textuais,
ou seja, apresentam-se vários gêneros textuais, porém não se vê situações didáticas que
demonstre para os alunos que cada gênero possui uma estrutura específica. Os impactos
dessa ausência são vistos nos resultados da Provinha Brasil, aplicada em abril de 2014.
Os resultados demonstram que dos 20 alunos que fizeram a Provinha Brasil, apenas 50%
conseguiram acertar as questões referentes à estrutura dos gêneros textuais, reconhecer o
assunto e a finalidade do texto com base no suporte ou nas características gráficas do
gênero.
A professora relata que “Os diferentes gêneros textuais que circulam em sala
favorecem a ampliação de conhecimento”. Ao conversar informalmente com a
professora, percebemos que os conhecimentos que se refere são aqueles gerais, relativos
a valores, fatos sociais, acontecimentos históricos. Em nenhum momento se refere ao
entendimento do aluno sobre a estrutura dos gêneros textuais.
Diante do exposto, podemos recorrer ao que nos ensina os PCN’s, que os gêneros
do discurso, ligados as capacidades de narrar, relatar, expor, argumentar e descrever,
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exige um trabalho pedagógico sistemático, pois a conquista da escrita alfabética não
garante ao aluno a possibilidade de compreender e produzir textos coesos e coerentes. O
trecho abaixo resume nossas palavras:
Para aprender a escrever, é necessário ter acesso à diversidade de textos
escritos, testemunhar a utilização que se faz da escrita em diferentes
circunstâncias, defrontar-se com as reais questões que a escrita coloca a quem
se propõe produzi-la, arriscar-se a fazer como consegue e receber ajuda de
quem já sabe escrever. Sendo assim, o tratamento que se dá à escrita na escola
não pode inibir os alunos ou afastá-lo do que se pretende; ao contrário, é
preciso aproximá-los, principalmente quando são iniciados “oficialmente” no
mundo da escrita por meio da alfabetização. Afinal, esse é o inicio de um
caminho que deverão trilhar para se transformarem em cidadãos de cultura
escrita. (MEC, 2001, p. 68)
Observamos o pouco espaço dado a procedimentos didáticos para implementar
uma prática continuada de produção de textos, dessa forma podemos citar o fato de não
ser apresentado aos alunos formas de revisar os próprios textos, conferindo uma
autonomia reflexiva ao pequeno escritor, visando que seus textos adquiram qualidade ao
longo do processo de construção.
Assim, neste trabalho, ao analisar como se processa a realização do currículo de
Língua Portuguesa em sala de aula e em que medida o texto aparece como ferramenta
para implementar o processo de ensino- aprendizagem da leitura, da escrita e da oralidade,
percebemos formas não sistematizadas do ensino da leitura e escrita, desconectadas das
concepções teóricas que embasam a construção das diretrizes curriculares. Nesse sentido,
enfocar o texto como unidade básica do ensino da leitura e escrita requerer uma análise
do processo ensino-aprendizagem para que este se desvincule de uma prática pedagógica
cartilhesca que favorece a aprendizagem de uma estrutura discursiva de textos que não
contemple uma situação real do uso da língua.
Faz-se necessário oportunizar momentos para que o coletivo docente amplie o
entendimento dos pressupostos teóricos que embasam as diretrizes curriculares. Tal ação
contribuirá para que as instituições escolares comprometam-se com um projeto
educacional que crie condições para a efetivação da plena participação dos alunos no
mundo letrado.
Considerações finais
As reflexões desenvolvidas neste trabalho partem do pressuposto de que a
aprendizagem da leitura e escrita é um processo e não um produto. Entendemos, portanto,
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que as práticas pedagógicas não podem ser dissociadas de uma constante análise das
diretrizes curriculares e das necessidades apresentadas pelos alunos.
Sinaliza-se, aqui, a importância de uma organização do trabalho pedagógico que
articula as orientações descritas nas diretrizes curriculares com a garantia da
aprendizagem da leitura e da escrita como ponto de partida para práticas sociais que serão
vivenciadas além dos muros da escola.
Percebe-se com essa investigação que o aprendizado da língua escrita pela
criança e a sua participação no universo letrado constitui-se um desafio para ser pensado
pelo coletivo docente. O insucesso nesse tipo de aprendizagem resulta, frequentemente,
do pouco espaço destinado para se discutir as práticas pedagógicas, que quando
planejadas, impulsionam o olhar dos professores para que reconheçam a aprendizagem
da escrita como prática social.
Referências Bibliográficas
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de Política e Administração da Educação / VII Congresso Luso Brasileiro de Política e
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Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
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