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MOVIMENTO E VIVÊNCIA DO CURRÍCULO DE LÍNGUA PORTUGUESA EM SALA DE AULA: AMPLIANDO A VISÃO SOBRE O ENSINO DA LÍNGUA Maria Carmen Villela Rosa Tacca FE/UnB [email protected] Elisângela Duarte Almeida Mundim - FE/UnB [email protected] Resumo Evidências de fracasso escolar referente ao aprendizado da leitura e escrita dos alunos de anos iniciais de escolarização apontaram para a necessidade da reestruturação do ensino de Língua Portuguesa, dessa forma em 1998 foi e publicado os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa. Atendo-se particularmente aos princípios organizadores dos conteúdos de Língua Portuguesa sinalizados nos PCN's, este artigo analisa como se processa a realização do currículo em sala de aula e em que medida o texto aparece como ferramenta para implementar o processo de ensino- aprendizagem da leitura, da escrita e da oralidade. Explora, nesse sentido, a revisão das metodologias utilizadas para o desenvolvimento do processo de alfabetização, apontando para o repensar das práticas pedagógicas difundidas no contexto escolar. O artigo está dividido em quatro seções. Na primeira, apresentamos as linhas gerais presentes na proposta do PCN de Língua Portuguesa, abordando questões relativas à natureza da área, as implicações para o processo de alfabetização e as orientações didáticas relativas as práticas pedagógicas. Na segunda seção, propõe-se um debate sobre o desenvolvimento do currículo de Língua Portuguesa nas escolas, analisando os pontos convergentes entre o currículo oficial e os descritores da Provinha Brasil. Na seção seguinte, situaremos os aspectos metodológicos do estudo, demonstrando o percurso adotado para retratar a escola pública pesquisada. Na quarta seção apresentaremos a análise das informações, discutindo como se processa o desenvolvimento do currículo de Língua Portuguesa em uma sala de aula da escola pesquisada, enfatizando os desafios permanentes que envolvem o processo de alfabetização entendidos como possibilidade de ressignificação do ensino de qualidade. Realizando esse percurso, buscamos neste trabalho retratar a realidade escolar e, mais particularmente, interpretar como os professores constroem a prática pedagógica tendo como base orientações curriculares, analisando como estes profissionais percebem-se como sujeitos dessa construção que tem como mote um ensino de qualidade. Palavras-chave: Currículo, Língua Portuguesa, leitura e escrita. Introdução Evidências de fracasso escolar referente ao aprendizado da leitura e escrita dos alunos dos anos iniciais de escolarização, apontaram para a necessidade da reestruturação do ensino de Língua Portuguesa. Dessa forma em 1998 foi elaborado e publicado os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa para o ensino fundamental. Essa diretriz constitui norte para a construção de currículos e seus conteúdos mínimos, de Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade EdUECE - Livro 3 02650

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MOVIMENTO E VIVÊNCIA DO CURRÍCULO DE LÍNGUA PORTUGUESA

EM SALA DE AULA: AMPLIANDO A VISÃO SOBRE O ENSINO DA LÍNGUA

Maria Carmen Villela Rosa Tacca – FE/UnB

[email protected]

Elisângela Duarte Almeida Mundim - FE/UnB

[email protected]

Resumo

Evidências de fracasso escolar referente ao aprendizado da leitura e escrita dos alunos de

anos iniciais de escolarização apontaram para a necessidade da reestruturação do ensino

de Língua Portuguesa, dessa forma em 1998 foi e publicado os Parâmetros Curriculares

Nacionais de Língua Portuguesa. Atendo-se particularmente aos princípios organizadores

dos conteúdos de Língua Portuguesa sinalizados nos PCN's, este artigo analisa como se

processa a realização do currículo em sala de aula e em que medida o texto aparece como

ferramenta para implementar o processo de ensino- aprendizagem da leitura, da escrita e

da oralidade. Explora, nesse sentido, a revisão das metodologias utilizadas para o

desenvolvimento do processo de alfabetização, apontando para o repensar das práticas

pedagógicas difundidas no contexto escolar. O artigo está dividido em quatro seções. Na

primeira, apresentamos as linhas gerais presentes na proposta do PCN de Língua

Portuguesa, abordando questões relativas à natureza da área, as implicações para o

processo de alfabetização e as orientações didáticas relativas as práticas pedagógicas. Na

segunda seção, propõe-se um debate sobre o desenvolvimento do currículo de Língua

Portuguesa nas escolas, analisando os pontos convergentes entre o currículo oficial e os

descritores da Provinha Brasil. Na seção seguinte, situaremos os aspectos metodológicos

do estudo, demonstrando o percurso adotado para retratar a escola pública pesquisada. Na

quarta seção apresentaremos a análise das informações, discutindo como se processa o

desenvolvimento do currículo de Língua Portuguesa em uma sala de aula da escola

pesquisada, enfatizando os desafios permanentes que envolvem o processo de

alfabetização entendidos como possibilidade de ressignificação do ensino de qualidade.

Realizando esse percurso, buscamos neste trabalho retratar a realidade escolar e, mais

particularmente, interpretar como os professores constroem a prática pedagógica tendo

como base orientações curriculares, analisando como estes profissionais percebem-se

como sujeitos dessa construção que tem como mote um ensino de qualidade.

Palavras-chave: Currículo, Língua Portuguesa, leitura e escrita.

Introdução

Evidências de fracasso escolar referente ao aprendizado da leitura e escrita dos

alunos dos anos iniciais de escolarização, apontaram para a necessidade da reestruturação

do ensino de Língua Portuguesa. Dessa forma em 1998 foi elaborado e publicado os

Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa para o ensino fundamental.

Essa diretriz constitui norte para a construção de currículos e seus conteúdos mínimos, de

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modo a assegurar uma formação básica comum, bem como estabelecer referências

nacionais para as práticas educativas. O documento enfatiza a importância de garantir a

todos os alunos o acesso aos saberes linguísticos necessários para o exercício da

cidadania, pois o domínio da língua tem estreita relação com a possibilidade de plena

participação social, cabendo a escola impulsionar os educandos a assumirem a palavra

como sujeitos de suas interlocuções gerando significado para a realidade concreta.

Atendo-se particularmente aos princípios organizadores dos conteúdos de

Língua Portuguesa sinalizados nos PCN's que defendem o texto como unidade de ensino,

este artigo busca analisar como se processa a realização do currículo em sala de aula e em

que medida o texto aparece como ferramenta para implementar o processo de ensino-

aprendizagem da leitura, da escrita e da oralidade. Explora, nesse sentido, a revisão das

metodologias utilizadas para o desenvolvimento do processo de alfabetização, apontando

para o repensar das práticas pedagógicas difundidas no contexto escolar.

Em termos organizacionais, o artigo está dividido em quatro seções. Na primeira,

apresentamos as linhas gerais presentes na proposta do PCN de Língua Portuguesa,

abordando questões relativas à natureza da área, as implicações para o processo de

alfabetização e as orientações didáticas relativas às práticas pedagógicas. Na segunda

seção, propõe-se um debate sobre o desenvolvimento do currículo de Língua Portuguesa

nas escolas, analisando os pontos convergentes entre o currículo oficial e os descritores

da Provinha Brasil. Nesse sentido enfatizaremos os focos centrais de cada documento

citado. Na seção seguinte, situaremos os aspectos metodológicos do estudo,

demonstrando o percurso adotado para retratar a escola pesquisada. A quarta seção

apresentaremos a análise das informações, discutindo como se processa o

desenvolvimento do currículo de Língua Portuguesa em duas salas de aula da escola

pesquisada, enfatizando os desafios permanentes que envolvem o processo de

alfabetização, entendidos como possibilidade de ressignificação do ensino de qualidade.

Realizando esse percurso, buscamos neste trabalho retratar a realidade escolar e,

mais particularmente, interpretar como os professores constroem a prática pedagógica

tendo como base orientações curriculares, analisando como estes profissionais percebem-

se como sujeitos dessa construção que tem como mote um ensino de qualidade.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa: ampliando a

visão sobre o ensino da língua

Garantir a aprendizagem da leitura e da escrita nos anos iniciais de escolarização

projeta os alunos para que tenham acesso aos saberes linguísticos necessários para o

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exercício da cidadania, de forma que o domínio da língua gere possibilidades de plena

participação social. Assim, o projeto educativo que norteia a escola pública precisa estar

comprometido em atingir níveis qualitativos de aprendizagem da leitura e escrita. Almejar

tais níveis compreende romper com o fracasso escolar no que se refere a aquisição da

leitura e escrita, buscando elementos que possam sustentar práticas escolares mais

relevantes para o uso social mais amplo da linguagem (ROJO, 2000).

Nesse sentido os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa

foram elaborados para difundir diretrizes para a construção de currículos e seus conteúdos

mínimos, de modo a assegurar uma formação básica comum, bem como estabelecer

referências nacionais para as práticas educativas no que se refere a leitura e escrita. Tal

documento, representou um avanço para o ensino e aprendizagem da leitura e escrita por

demonstrar formas de romper com práticas tradicionais de alfabetização. Conforme

indica o documento:

Os esforços pioneiros de transformação da alfabetização escolar consolidaram-

se, ao longo de uma década, em práticas de ensino que têm como ponto tanto

de partida quanto de chegada o uso da linguagem. Em que a razão de ser das

propostas de leitura e escuta é a compreensão ativa e não a decodificação e o

silêncio. Em que a razão de ser das propostas de uso da fala e da escrita é a

expressão e a comunicação por meio de textos e não a avaliação da correção

do produto. Em que as situações didáticas têm como objetivo levar os alunos

a pensarem sobre a linguagem para poderem compreendê-la e utilizá-la

adequadamente. (MEC, 2001, p.22)

Pode-se dizer, em linhas gerais, que os PCN's ao enfatizar a linguagem como um

processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais, ou seja, na interação verbal,

não pode ser compreendida sem que se considere o seu vínculo com a situação concreta

de produção, de forma que é no interior do funcionamento da linguagem que é possível

compreender o modo desse funcionamento. Produzindo linguagem, aprende-se

linguagem (MEC, 2001, p. 25).

Nessa perspectiva discursiva, a linguagem passa a ser entendida como produção

de discurso, exigindo um sujeito ativo no processo de produção de textos orais e escritos.

Adotar tal entendimento implica a necessidade de proposição diferenciada para o

desenvolvimento de práticas destinadas ao processo de alfabetização, pois de acordo com

essa concepção fica anulado a dicotomia entre leitura, escrita e oralidade, apontando os

gêneros do discurso como objeto de ensino e o texto como ferramenta básica para se

ensinar a língua materna. Seguir as orientações dos PCN's, nesse caso, supõe modificar o

ensino da língua Portuguesa, pois se o objetivo é que o aluno aprenda a produzir e a

interpretar textos, não é possível tomar como unidade básica de ensino nem a letra, nem

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EdUECE - Livro 302652

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a sílaba, nem a palavra, nem a frase que, descontextualizadas, pouco têm a ver com a

competência discursiva, que é questão central a ser desenvolvida, a fim de que se formem

alunos leitores e escritores de textos que possam cumprir uma função social.

Com isso, para cumprir com um processo de alfabetização significativo, os

textos artificiais perdem seu espaço, pois são simples agregados de frases desconectadas

que não representam textos reais. O ambiente alfabetizador é preenchido com a voz

produtora dos sujeitos, de forma que a aprendizagem da leitura e escrita torna-se um

processo e não um produto. Nesse sentido, o desafio dos professores é criar situações em

sala de aula que permitam os alunos se depararem com uma diversidade textual que

favoreça a reflexão crítica e imaginativa e que coloque o alfabetizando em situação de

exercer a plena participação numa sociedade letrada (MEC, 2001, pag. 30)

Outra proposta significativa difundida pelos PCN's é o estabelecimento de dois

eixos para o ensino da língua: o uso da linguagem, a partir da fala, da leitura e da produção

textual, bem como a reflexão sobre a língua e a linguagem. O documento explica que:

De maneira mais específica, considerar a organização dos conteúdos no eixo

USO REFLEXÃO USO significa compreender que tanto o ponto de partida

como a finalidade do ensino da língua é a produção/compreensão de discursos.

Quer dizer: as situações didáticas são organizadas em função da análise que se

faz dos produtos obtidos nesse processo e do próprio processo.

Essa análise permite ao professor levantar necessidades, dificuldades e

facilidades dos alunos e priorizar aspectos a serem abordados/discutidos. Isso

favorece uma revisão dos procedimentos e dos recursos linguísticos utilizados

na produção, o conhecimento e a aprendizagem de novos

procedimentos/recursos a serem utilizados em produções futuras, a partir da

contribuição que possam oferecer para que o aluno se torne um produtor de

discurso cada vez mais competente. (MEC, 2001, p. 44)

O eixo USO-REFLEXÃO-USO confere um novo sentido à intervenção

pedagógica promovida pelo professor, pois tem valor decisivo no processo de

aprendizagem, dessa maneira percebemos que os PCN’s militam a favor da construção

de estratégias pedagógicas voltadas para o ensino da leitura e escrita, focalizando os

gêneros discursivos como objeto de ensino e o texto como unidade básica, isso possibilita

romper com práticas que colocavam a gramática normativa como centro gerador do

ensino da leitura e da escrita. Entendido assim, os PCN’s apresentam, nesse sentido, um

avanço que demanda esforços para que o coletivo docente projete formas de transpor os

objetivos propostos pelo documento para suas práticas cotidianas, favorecendo assim uma

aprendizagem que possa formar leitores e escritores a partir da diversidade de textos que

circulam socialmente.

Diante desses fatos, podemos construir algumas indagações: que estratégias

pedagógicas são criadas pelos professores para focalizar os gêneros discursivos como

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EdUECE - Livro 302653

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objeto de ensino e o texto como unidade básica para o ensino da leitura e escrita? Sendo

os PCN’s referência para a construção dos currículos, como os conceitos defendidos pelos

PCN’s são assumidos pelos docentes?

Desse modo, passaremos para um debate sobre o desenvolvimento do

currículo de Língua Portuguesa nas escolas, analisando os pontos convergentes entre o

currículo oficial e os descritores da Provinha Brasil.

Organização do trabalho pedagógico: movimento e vivência do currículo

em sala de aula.

Para intentar uma reflexão de como o currículo oficial, os descritores da

Provinha Brasil e o currículo construído pelo coletivo docente se processam em sala de

aula deveremos ter como premissa a valorização dos sujeitos do processo educativo,

sejam alunos ou professores, considerando suas necessidades e potencialidades, pois

assim poderemos retratar de forma singular a implementação de tais documentos na

realidade concreta da escola pública.

Pensar a escola leva-nos necessariamente a pensar o currículo, pois este

influencia a organização das práticas escolares, visto que não é possível dissociar o

desenvolvimento do currículo com a garantia da aprendizagem dos alunos, pois tais

documentos incorporam discussões sobre conhecimento escolar e sobre procedimentos

pedagógicos (MOREIRA; CANDAU, 2006). Nesse sentido, entendemos currículo como:

[...] as experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, em

meio a relações sociais, e que contribuem para a construção das identidades de

nossos(as) estudantes. Currículo associa-se, assim, ao conjunto de esforços

pedagógicos desenvolvidos com intenções educativas. [...] estamos empregando

a palavra currículo apenas para nos referirmos às atividades organizadas por instituições

escolares. (MOREIRA; CANDAU, 2006, pag.86)

Moreira e Candau, também afirmam que o currículo não pode ser entendido

apenas como plano pedagógico elaborado por professores, escolas e sistemas

educacionais, os autores procuram realçar os conhecimentos escolares como elementos

centrais do currículo e que sua aprendizagem constitui condição indispensável para que

conhecimentos socialmente produzidos possam ser apreendidos, criticados e

reconstruídos por todos os alunos.

Tomando esse entendimento como base, o currículo necessita ganhar vida em

sala de aula para se constituir como gerador de aprendizagem, disso surge a necessidade

dos docentes efetuarem uma análise de suas práticas a partir de princípios teóricos

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EdUECE - Livro 302654

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presentes nas orientações curriculares. Assim sendo, o coletivo docente necessita abrir

espaço para a discussão de propostas curriculares para o exame das lacunas entre teoria e

prática. Dessa forma, surge a seguinte questão: o que é necessário compreender para

transformar propostas curriculares em práticas geradoras de aprendizagem?

Naturalmente, as orientações curriculares são composições orientadoras do planejamento

docente, por isso, recorre-se a elas sempre que uma situação de ensino precisa ser

planejada. Não se pode falar de orientações curriculares sem pensar na esfera de

atividades em que elas se constituem e atuam, ou seja, no movimento em que faz com

que possam ganhar vida no interior da sala de aula.

No Documento intitulado como Currículo em Movimento para Educação Básica

(SEEDF, 2014), destinado às escolas públicas do Distrito Federal, considera-se que para

que o currículo seja vivenciado e reconstruído no cotidiano escolar deve existir uma

organização do trabalho pedagógico que sustente a utilização de estratégias didático-

pedagógicas desafiadoras e provocadoras das aprendizagens dos alunos. O documento

ressalta ainda que a concepção de aprendizagem se amplia para trabalhar de forma

significativa o sistema de escrita (alfabetização), de forma articulada as práticas sociais

de leitura e escrita (letramento), sustentada por uma didática que provoque o pensar dos

alunos em situações de articulação com o outro (SEEDF, 2014, pag.10). Observou-se

também, que nesta orientação curricular foi mencionada a importância da construção de

uma educação de qualidade, apontando para a necessidade dos projetos políticos

pedagógicos de cada escola estabelecerem metas definidoras das expectativas de

aprendizagem de cada área de conhecimento que compõe o currículo escolar.

No mesmo sentido, Frossard (2014) apresenta as avaliações externas como

ferramenta das políticas de monitoramento da qualidade da educação brasileira,

ressaltando que são instrumentos que podem contribuir para a análise de resultados na

medida em que fornecem indicadores da qualidade da aprendizagem dos alunos.

Assim, os descritores da Provinha Brasil, avaliação externa destinada as turmas

de segundo ano do ensino fundamental, estão baseados na concepção de que alfabetização

e letramento são processos complementares e paralelos, considerando a alfabetização

como o domínio das regras de funcionamento do sistema de escrita alfabética e o

letramento como as possibilidades de usos e funções sociais da linguagem escrita

(BRASIL, 2012). Desse modo, as habilidades definidas para avaliar o nível de leitura dos

alunos do segundo ano do ensino fundamental são relevantes para retratar o

desenvolvimento da alfabetização e letramento de forma que são agrupados em torno de

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EdUECE - Livro 302655

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quatro eixos fundamentais, descritos na Matriz de Referência para Avaliação da

Alfabetização e do Letramento Inicial (BRASIL, 2011). Esses quatro eixos são:

apropriação do sistema de escrita, leitura, escrita e compreensão e valorização da cultura

escrita.

Faz-se necessário explicar que a Matriz de Referência para Avaliação da

Alfabetização e do Letramento Inicial (BRASIL, 2011) não se constitui como um

currículo no interior das escolas públicas, porém os descritores que servem de base para

a construção da avaliação externa destinada ao segundo ano do ensino fundamental

apresentam em seu bojo pontos convergentes com o currículo oficial da escola pública,

tanto no que tange a fundamentação teórica, quanto ao que diz respeito a promoção da

aprendizagem tendo como objetivo central o pleno desenvolvimento da leitura e da escrita

que possam impulsionar a vivência de práticas de letramento.

Tal fato, nos leva a perceber que o conteúdo das avaliações externas exerce

influência na dinâmica das salas de aulas, aparecendo no discurso dos professores e no

fazer pedagógico, a fim de que os alunos atinjam níveis qualitativos em suas

competências leitoras e escritoras.

Interessadas em compreender a dinâmica da sala de aula e as práticas de leitura e

escrita no cotidiano escolar, consideramos importante analisar, a partir de documentos,

discursos, atividades, projetos e planejamentos como se processa o desenvolvimento de

propostas curriculares, para cumprir tal objetivo, passaremos as próximas seções,

momentos em que situaremos os aspectos metodológicos do estudo, demonstrando o

percurso adotado para retratar a escola pesquisada, bem como apresentaremos a análise

das informações, discutindo como se processa o desenvolvimento do currículo de Língua

Portuguesa em um sala de aula da escola pesquisada enfatizando os desafios permanentes

que envolvem o processo de alfabetização entendidos como possibilidade de

ressignificação do ensino de qualidade.

O percurso da pesquisa

O estudo foi desenvolvido em uma escola pública situada em uma região

administrativa do Distrito Federal, tal escola participa do Projeto de Pesquisa

Observatório da Educação que tem por objetivo investigar as bases epistemológicas das

concepções, construídas historicamente, sobre a leitura, escrita e desenvolvimento

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EdUECE - Livro 302656

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humano, bem como as práticas de alfabetização presentes na escola e sua implicação nos

resultados escolares de crianças de ensino fundamental – Provinha Brasil e IDEB. Para

realização da pesquisa apoiamo-nos na Epistemologia Qualitativa, abordagem que

referencia a construção do conhecimento de forma interpretativa. Com intuito de permitir

o avanço da investigação empírica, utilizamos observações, sistemas conversacionais e

atendimento individualizado de professores e alunos.

A professora investigada ministra aula em uma turma de segundo ano do ensino

fundamental, a turma possui 22 alunos frequentes, desse total 8 alunos participam do

projeto de pesquisa por apresentarem dificuldades de aprendizagem na aquisição da

leitura e escrita.

Análise do contexto escolar

Cabe neste momento apresentar pontos do currículo de Língua Portuguesa

construído pela escola pesquisada com o intuito de ressaltar como se processa de forma

singularizada a organização curricular de tal instituição, destacando que a autonomia

pertencente ao coletivo docente é positiva, desde que não venha subtrair os conteúdos

mínimos que constam nas diretrizes curriculares. Informamos que a escola pesquisada

construiu currículo próprio de língua portuguesa.

Ao observarmos a tabela dos conteúdos eleitos pelo coletivo escolar, fica claro

que os mesmos se organizam de forma hierárquica, ou seja, são divididos por bimestres,

de maneira que perdem a relação de interdependência proposta pelos PCN’s no que se

refere ao conjunto de conteúdos que deverão ser desenvolvidos. Percebemos tal fato,

quando nos deparamos com o conteúdo reestruturação de texto presente apenas no

terceiro bimestre, anulando a revisão de texto como uma situação didática que privilegia

o eixo USO-REFLEXÃO-USO da língua em situações concretas e em texto que circulam

socialmente.

Outro ponto que nos chama atenção, diz respeito ao fato dos conteúdos mínimos

voltados para a aquisição do código escrito estarem centrados em letras, sílabas e

palavras, retratando uma preocupação dos PCN’s, que demonstra que o ensino da Língua

Portuguesa tem sido marcado por uma sequenciação de conteúdos que se poderia chamar

de aditiva: ensina-se a juntar sílabas ou letras para formar palavras, a juntar palavras para

formar frases e juntar frases para formar textos (PCN, pag.35). A crítica reside no perigo

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EdUECE - Livro 302657

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da escola adotar “textos artificiais” que só servem para ensinar a ler e que fora da escola

não cumprem uma função social, de modo que nem sequer podem ser considerados textos,

pois não passam de simples agregados de frases.

Considerando a análise comparativa entre os três documentos aqui indicados,

debruçamo-nos na visualização dos aspectos dos conceitos de alfabetização e letramento

para que possam ser considerados como processos complementares. Nesse sentido Magda

Soares afirma que:

Não são processos independentes, mas interdependentes, e indissociáveis: a

alfabetização se desenvolve no contexto de e por meio de práticas sociais de

leitura e escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este por sua vez,

só pode desenvolver-se no contexto da e por meio da aprendizagem das

relações fonema-grafema, isto é em dependência da alfabetização. (SOARES,

2003, p. 12)

A partir do diálogo entre os instrumentos de pesquisa referidos e da análise da

dinâmica da sala de aula, observou-se que há um processo próprio que insere a perspectiva

do letramento no discurso da professora pesquisada, podemos notar isso quando afirma

que: “Para favorecer o letramento construo atividades que ‘tirem o chão’ do meu aluno

e façam com que ele pense”.

De fato, ao observarmos as atividades propostas pela professora, a mesma busca

extrapolar a forma restrita em que o currículo da escola foi construído. Propõe atividades

para os alunos tendo o texto como unidade básica do ensino da língua. No entanto,

notamos uma ausência no que se refere o trabalho com a estrutura dos gêneros textuais,

ou seja, apresentam-se vários gêneros textuais, porém não se vê situações didáticas que

demonstre para os alunos que cada gênero possui uma estrutura específica. Os impactos

dessa ausência são vistos nos resultados da Provinha Brasil, aplicada em abril de 2014.

Os resultados demonstram que dos 20 alunos que fizeram a Provinha Brasil, apenas 50%

conseguiram acertar as questões referentes à estrutura dos gêneros textuais, reconhecer o

assunto e a finalidade do texto com base no suporte ou nas características gráficas do

gênero.

A professora relata que “Os diferentes gêneros textuais que circulam em sala

favorecem a ampliação de conhecimento”. Ao conversar informalmente com a

professora, percebemos que os conhecimentos que se refere são aqueles gerais, relativos

a valores, fatos sociais, acontecimentos históricos. Em nenhum momento se refere ao

entendimento do aluno sobre a estrutura dos gêneros textuais.

Diante do exposto, podemos recorrer ao que nos ensina os PCN’s, que os gêneros

do discurso, ligados as capacidades de narrar, relatar, expor, argumentar e descrever,

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exige um trabalho pedagógico sistemático, pois a conquista da escrita alfabética não

garante ao aluno a possibilidade de compreender e produzir textos coesos e coerentes. O

trecho abaixo resume nossas palavras:

Para aprender a escrever, é necessário ter acesso à diversidade de textos

escritos, testemunhar a utilização que se faz da escrita em diferentes

circunstâncias, defrontar-se com as reais questões que a escrita coloca a quem

se propõe produzi-la, arriscar-se a fazer como consegue e receber ajuda de

quem já sabe escrever. Sendo assim, o tratamento que se dá à escrita na escola

não pode inibir os alunos ou afastá-lo do que se pretende; ao contrário, é

preciso aproximá-los, principalmente quando são iniciados “oficialmente” no

mundo da escrita por meio da alfabetização. Afinal, esse é o inicio de um

caminho que deverão trilhar para se transformarem em cidadãos de cultura

escrita. (MEC, 2001, p. 68)

Observamos o pouco espaço dado a procedimentos didáticos para implementar

uma prática continuada de produção de textos, dessa forma podemos citar o fato de não

ser apresentado aos alunos formas de revisar os próprios textos, conferindo uma

autonomia reflexiva ao pequeno escritor, visando que seus textos adquiram qualidade ao

longo do processo de construção.

Assim, neste trabalho, ao analisar como se processa a realização do currículo de

Língua Portuguesa em sala de aula e em que medida o texto aparece como ferramenta

para implementar o processo de ensino- aprendizagem da leitura, da escrita e da oralidade,

percebemos formas não sistematizadas do ensino da leitura e escrita, desconectadas das

concepções teóricas que embasam a construção das diretrizes curriculares. Nesse sentido,

enfocar o texto como unidade básica do ensino da leitura e escrita requerer uma análise

do processo ensino-aprendizagem para que este se desvincule de uma prática pedagógica

cartilhesca que favorece a aprendizagem de uma estrutura discursiva de textos que não

contemple uma situação real do uso da língua.

Faz-se necessário oportunizar momentos para que o coletivo docente amplie o

entendimento dos pressupostos teóricos que embasam as diretrizes curriculares. Tal ação

contribuirá para que as instituições escolares comprometam-se com um projeto

educacional que crie condições para a efetivação da plena participação dos alunos no

mundo letrado.

Considerações finais

As reflexões desenvolvidas neste trabalho partem do pressuposto de que a

aprendizagem da leitura e escrita é um processo e não um produto. Entendemos, portanto,

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que as práticas pedagógicas não podem ser dissociadas de uma constante análise das

diretrizes curriculares e das necessidades apresentadas pelos alunos.

Sinaliza-se, aqui, a importância de uma organização do trabalho pedagógico que

articula as orientações descritas nas diretrizes curriculares com a garantia da

aprendizagem da leitura e da escrita como ponto de partida para práticas sociais que serão

vivenciadas além dos muros da escola.

Percebe-se com essa investigação que o aprendizado da língua escrita pela

criança e a sua participação no universo letrado constitui-se um desafio para ser pensado

pelo coletivo docente. O insucesso nesse tipo de aprendizagem resulta, frequentemente,

do pouco espaço destinado para se discutir as práticas pedagógicas, que quando

planejadas, impulsionam o olhar dos professores para que reconheçam a aprendizagem

da escrita como prática social.

Referências Bibliográficas

FROSSARD, Larissa. Avaliações externas: percepções e usos dos resultados pelas

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Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 302660