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Page 1: Memorial roqueiro

C U LT U R A47l Terça-feira, 19 de maio de 2009 l Jornal de Brasília

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Memorialro q u e i roÁlbum seminal dorock brasileiro,Johnny McCartney,de Leno, vence oveto da ditadura

� Cristiano Bastoscristiano.bastos @jornaldebrasilia.com.br

E nquanto durou, o regime mi-litar (1964-1985) fez o que pode– e o que não pode – para

obscurecer ao máximo a multico-lorida cultura brasileira. A ditaduradespachou para o exílio artistas doporte de Gilberto Gil e Caetano Ve-loso, políticos como Leonel Brizola, eintelectuais da estatura do ex-pre-sidente FHC. Censurou músicas,proibiu filmes e sumiu com gentecujo paradeiro jaz sem resposta. Su-miço que, em 1970, também perdeuuma gema do rock verde-amarelo: oálbum Vida & Obra de Johnny Mc-Cartney, do potiguar Gileno Azevedo– melhor reconhecido como Leno,ídolo da Jovem Guarda que formava,com Silvia Knapp, a dupla Leno &Lilian (Pobre Menina e Devolva-me).

O vetado disco – co-produzidopor um novato Raul Seixas – ganhareedição caprichada, porém limita-da, pelo selo norte-americano LionMusic. No Brasil, a distribuição éfeita pelo selo Record Collector. Aremasterização de Johnny McCartney,primeiro disco gravado em oito ca-nais em toda a América Latina, foifeita a partir da master tape original.

Um livreto de 24 páginas, re-cheado com fotos inéditas de Leno eRaul, que acompanha o relançamen-to, vai fazer a cabeça dos fãs. O bradocontestador, que se manifestava emletras como Sentado no Arco-íris (umrock pesado embebido em guitarrasfuzz, ao estilo do Cream), desagradouos censores. Os versos falam emreforma agrária e pregam "subver-são": "Tambores gritam guerra emcódigo e fumaça /E os olhos dacidade vigiam cada esquina". Cen-sura, tortura, drogas e repressão sãotemas que surgem ao longo da obra.

A condenação, para Johnny Mc-

Cartney, imposta pela ditadura, foimofar durante 25 anos trancafiado nosporões da gravadora CBS, hoje So-ny&BMG. Sentado no Arco-íris é as-sinada pelo jovem Raulzito. Trata-se,na realidade, da primeira peça po-litizada do futuro ícone Raul Seixas:"Lembro dele me dizendo o quantoorgulhava-se de tê-la escrito", recordaLeno, que prossegue gravando e fa-zendo shows Brasil adentro: "Poucossabem, mas Johnny foi crucial na car-reira do Raulzito", situa.

Leno, é verdade, foi quem en-corajou Raul, à época produtor nalinha de montagem da CBS (ondeproduziu mais de 80 canções jo -venguardianas, para artistas do naipede Márcio Greyck, Jerry Adriani eTrio Ternura), a gravar sua própria"obra maldita". O resultado disso foiSociedade da Grã-Ordem KavernistaApresenta Sessão das 10, que saiu em1971.

FIM DE FESTAAo encerrar a dupla com Lilian,

em 1968, Leno lançou-se como artistasolo e emplacou sucessos: P o b re z a , AFesta de Seus 15 Anos, Sha-la-la – essaúltima, uma pop song escrita sobmedida pelo amigo Raul: "Eu vinhade uma sequência de hits. Encon-trava-me no auge, e daí veio a cen-sura: cortou o meu barato", lamenta.Aos 21 anos, em 1970, Leno amar-gava o estigma do cantor romântico:"Eu curtia o romantismo, mas, queriamuito assimilar meu lado roqueiro".Para tocar no disco, convidou mú-sicos de rock que nunca tinhamgravado antes, como os integrantesdo grupo A Bôlha. Também desfilampelo álbum, os irmãos Renato ePaulo Cezar Barros (dos Blue Caps),Arnaldo Brandão (ex Hanoi-Hanoi),o grupo vocal Golden Boys e os beaturuguaios Los Shakers.

Para o presidente do Raul RockClube, Sylvio Passos, Johnny Mc-Cartney é um disco fundamental pa-ra o rock brasileiro surgido no Brasilpós-jovem guarda. Na Virada Cul-tural , realizada neste mês em SãoPaulo, Passos convidou Leno paratocar o álbum para um público de 30mil pessoas. "A maioria desconheciao disco, e foi tomada de surpresatanto com o texto quanto com asonoridade", elogia.

FOTOS: DIVULGAÇÃO

Leno: hoje e na época daJovem Guarda. Ao lado,manuscrito da faixa-título,que divide com Raul Seixas

SAIBA +Raul produtor: "Muitacoisa que o Raulaprendeu em estúdio foinesse disco: como segravava com mais peso,bateria. Raul era muitointuitivo, gostava decriar"

Los Shakers: "Os Shakerstinham se separado. Até hojesou fã. Para mim, a melhorbanda de rock latino detodos os tempos"

Estrada: "Em 1970, eu játinha tarimba de estúdio.Fui criado em estúdo,desde os 16 anos. Tinhacinco de estrada"

Johnny McCartney: "O títulodo disco é uma alusão claraaos Beatles, que haviam sedivorciado oficialmente, emabril de 1970. Na época dodisco, fui conhecer osestúdios da CBS. Fomos eu ea banda Renato & Seus BlueCaps. Tinha um cara láfazendo um teste, ficouhoras tocando uma música.No final, ele veio falar com agente: era o James Taylor,antes de estourar"

Raul cantor: "O Raulzitoera um amigo íntimomeu, mas o "RaulSeixas", para mim, naverdade, era umpersonagem. O Raul eraum cara fantástico.Ríamos muito com asbrincadeiras dele. Ele eramuito musical. E, comoeu, adorava rock’n’rollprimitivo: Little RichardElvis, Carl Perkins.Gostávamos muito defilosofia. Nosso gostoliterário era muitoparecido. Depois eleentrou de cabeça noesoterismo. Culpa PauloCoelho. Não tive nada aver com isso"

Oito canais: "J ohnnyMcCar tney foi o álbum queinaugurou o novo estúdio daCBS. Era o primeiro em oitocanais gravado na AméricaLatina. Era o máximo! Noperíodo, gravava-se apenasem dois canais no Brasil. Agravadora pediu-me parainaugurar o estúdio porquesabia que eu gostava detestar som"

Leno (C) posa com a banda, que contava com Raulzito (de branco)

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