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Alves Redol e a Literatura Infantil 2011
Literatura Infantil
Existem várias definições para literatura infantil. Segundo Marc
Soriano:
A literatura para a juventude é uma comunicação histórica (quer
dizer, localizada no tempo e no espaço) entre um locutor ou um
escritor adulto (emissor) e um destinatário criança (receptor)
que, por definição, de algum modo, no decurso do período
considerado, não dispõe senão de forma parcial da experiência
do real e das estruturas linguísticas, intelectuais, afectivas e
outros que caracterizam a idade adulta. Marc Soriano (1975,
p.185)
Cecília Meireles diz-nos que:
São as crianças, na verdade, que o delimitam, com a sua
preferência. Costuma-se classificar como Literatura Infantil o
que para elas se escreve. Seria mais acertado, talvez, assim
classificar o que elas lêem com utilidade e prazer. Não haveria,
pois, uma Literatura Infantil a priori mas a posteriori. Mais do
que literatura infantil existem "livros para crianças". Cecília
Meireles (1951)
A literatura infantil é muito recente tendo surgido no século XIX,
quando o contar de histórias e contos da tradição oral passaram à
escrita. Esta evolução aconteceu paralelamente ao lugar que a
criança passa a ter na sociedade (esta começa a ser vista como ser
que é, começam a surgir produtos específicos para crianças).
É também no século XIX que surgem as primeiras preocupações
relativas à educação e pedagogia. Por esse motivo, surgiu a
necessidade de uma crescente alfabetização das crianças e
consequentemente a implementação da escolaridade obrigatória, ora,
daí resulta a necessidade de haver uma selecção de textos que se
pudessem adequar aos novos leitores e suas necessidades.
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A literatura Infantil em Portugal
No que diz respeito a Portugal, é no século XIX que começam a
ser dadas às crianças recolhas de contos populares às crianças.
Adolfo Coelho, professor na faculdade de letras e que formava
professores primários seleccionou vários contos populares e é desta
forma que o conto é integrado na escola. Maria Amália Vaz de
Carvalho traduziu também os contos de Grimm, que passam também
a ser dados a ler às crianças portuguesas.
Durante o século XX, na década de 30, devido à situação
política vivida, a literatura infantil sofre alterações devido à Censura
que emitia o seu parecer sobre o que se escrevia e publicava. Além
disso, verificaram-se algumas alterações no ensino. Como afirma
Natércia Rocha: “ O período não era propício a grandes sonhos, os
adultos estavam pouco disponíveis para pensar no problema dos
livros para crianças”. (1984, p. 73). Ocorreram vários encerramentos
de Escolas do Magistério Primário e as obras que são dadas nas
escolas eram alusivas ao sistema vigente na época. As temáticas
valorizadas eram a história e a moral que se sobrepunha ao lúdico. No
entanto são de salientar alguns nomes da época como Aquilino
Ribeiro, Irene Lisboa e Adolfo Simões Müller. Paralelamente à
produção nacional são de salientar nomes como a Condessa de Ségur
e verifica-se assim uma diminuição da produção nacional e dando-se
preferência pelas obras estrangeiras.
A década de 40 mantém-se sem grandes alterações e é nos
anos 50 que se começam a destacar grandes nomes da literatura
infantil Portuguesa. Surgem nomes como Ilse Losa, que em 1949
escreve O Faísca conta a sua História. Em 1957, Ricardo Alberty, que
em 1957 publicou A Galinha Verde. Também em 1957, Matilde Rosa
Araújo se associa a estes nomes com O Livro da Tila. Em 1958, Sophia
de Mello Breyner Andresen destaca-se com A Fada Oriana e A Menina
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do Mar em 1959. Também nesta década, mais precisamente em
1956, surge Alves Redol com A Vida Mágica da Sementinha.
Os anos 60 ficam marcados pela rede de bibliotecas fixas e
itinerantes da Gulbenkian que aumentaram a procura pelos livros no
nosso país e com isto dá-se também um aumento na produção dos
livros e consequentemente da obra publicada.
Nos anos 70 irão juntar-se a todos os autores acima referidos,
Luísa Dacosta, António Torrado, Luísa Ducla Soares, Sidónio Muralha,
entre outros.
António Alves Redol surge em primeiro lugar como escritor para
adultos e publica em 1939, a sua primeira obra reunida em Gaibéus e
só mais tarde, em 1956 publica o seu primeiro livro para crianças A
Vida Mágica da Sementinha depois outras obras para a infância
surgiram, as quais mencionarei mais à frente.
Biografia:
António Alves Redol nasceu a 29 de Dezembro de 1911, em Vila
Franca de Xira. Nasceu no seio de uma família de classe média, o seu
pai era comerciante. Estudou em Lisboa, no colégio Arriaga onde fez
o curso de comércio.
Aos 16 anos, com o intuito de ajudar a família que passava por
um período de algumas dificuldades económicas, Redol decide partir
para Angola, onde permaneceu durante 4 anos, mas por ter ficado
doente regressou em 1931.
Regressado de Angola, em 1932, começa a colaborar com
assiduidade na imprensa de Vila Franca e de Lisboa, embora tivesse
já iniciado em 1927. Começa a trabalhar como empregado de
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escritório e a tomar parte muito activa na vida social de Vila Franca
de Xira. Vai mobilizar muita gente pertencente às classes
trabalhadoras e é no Grémio Artística Vilafranquense que em 1934
realiza a sua primeira palestra “Terra de pretos, ambição de
brancos”. Alves Redol, começa a organizar com regularidade em
diversas colectividades da região, conferências e palestras para a
classe trabalhadora, além de alfabetizar muitas pessoas em regime
nocturno, porém, a polícia política decide encerrar uma das
colectividades.
Deu aulas de aperfeiçoamento profissional para os membros da
associação de Classe dos Operários da Construção Civil.
Nos anos 30, filia-se no partido Comunista e insere-se na luta
antifascista clandestina, o que viria a trazer algumas implicações para
a sua escrita.
Em 1936, casa com Maria dos Santos Mota e começa a
colaborar com jornais de relevo da vida nacional anti - Estado Novo e
anti – salazarismo como “O Diabo” e “Sol Nascente”. Nesse mesmo
ano, participa numa conferência intitulada “Arte”, que constitui um
dos actos fundadores da geração neo-realista.
Escritor empenhado na luta pela melhoria independente das classes
trabalhadoras, é preso a 12 de Maio de 1944 onde não tinha direito
nem a uma folha de papel nem um lápis para poder escrever.
Em 10 de Novembro de 1945, é reclamado para a Comissão
Central do Movimentos de Unidade Democrática (M.U.D.). Participou
activamente nas campanhas da oposição democrática nas eleições
promovidas pelo regime.
Durante vários anos foi o único escritor português a ver os seus livros
submetidos a censura prévia.
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Apesar de o seu prestígio ir além fronteiras, pois foi nomeado
secretário-geral da secção portuguesa do Pen Club – associação
internacional de escritores, em 1947 e de intervir em vários
congressos internacionais, Alves Redol, é constantemente vigiado
pelo PIDE.
Continuou a publicar os seus livros, embora fosse difícil viver apenas
desta profissão e por isso foi tendo alguns negócios de família em
paralelo.
Morreu a 29 de Novembro de 1969, no Hospital de Santa Maria, após
dias de muito sofrimento.
Bibliografia
Romances
1939 Gaibéus
1941 Marés
1942 Avieiros
1943 Fanga
1945 Anúncio
1946 Porto Manso
1949 Horizonte Cerrado
1951 (?) Os Homens e as Sombras
1953 (?) Vindima de Sangue
1954 Olhos de Água
1958 A Barca dos Sete Lemes
1959 Uma Fenda na Muralha
1960 Cavalo Espantado
1961 Barranco de Cegos
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1966 O Muro Branco
1972 Os Reinegros
Teatro
1948 Forja
1966 Teatro I - Forja e Maria Emília
1967 Teatro II - O Destino Morreu de Repente
1972 Teatro III - Fronteira Fechada
Contos
1940 Nasci com Passaporte de Turista
1944 Espólio
1946 Comboio das Seis
1959 Noite Esquecida
1962 Constantino Guardador de Vacas e de Sonhos
1963 Histórias Afluentes
1968 Três Contos de Dentes
Literatura Infantil
1956 A Vida Mágica da Sementinha
1968 A Flor Vai Ver o Mar
1968 A Flor Vai Pescar Num Bote
1969 Uma Flor Chamada Maria
1970 Maria Flor Abre o Livro das Surpresas
Estudos
1938 Glória - Uma Aldeia do Ribatejo
Ribatejo (Em Portugal Maravilhoso)
1947 (?) A França - Da Resistência à Renascença
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1950 Cancioneiro do Ribatejo
1959 (?) Romanceiro Geral do Povo Português
Conferências
1946 Le Roman du Tage (Edição da Union Française
Universitaire - Paris).
Alves Redol e o Neo-Realismo
Para falarmos de Alves Redol, torna-se obrigatório falar do Neo-
Realismo pois esta corrente artística coincide com a publicação do
seu romance Gaibéus, em 1939. Segundo António José Barreiros:
O Neo-Realismo é uma escola que elege para tema
fundamental da obra literária assuntos relacionados com o
condicionalismo sócio-económico dos povos e analisa a luta das
classes que ele implica, visando, na linha ideológica do
marxismo, contribuir para o desaparecimento da exploração do
homem. (Barreiros, s.d, p.507)
O Neo-Realismo em Portugal, sofreu tendências literárias praticadas
no resto da Europa e na América. O trabalho dos escritores neo-
realistas apresentava experiências que traduziam a concepção
militante da criação literária, sob influência das consequências da
crise económica dos anos 30, do autoritarismo do regime político em
vigor e da consequente repressão cultural que este exercia. Para os
escritores desta corrente, torna-se necessário denunciar a situação da
exploração dos trabalhadores portugueses. Os novos escritores
aproveitam para passar uma mensagem ideológica através da sua
obra.
Alves Redol ao longo da sua obra vai denunciar os problemas
económicos e sociais vividos pelos trabalhadores portugueses e esta
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denúncia encontra-se bem patente, veja-se os temas focados nos
seus livros. Em Gaibéus, por exemplo, mostra os problemas vividos
pelo grupo de trabalhadores que descia até às lezírias na altura das
ceifas e que se sujeitavam a ordens tirânicas dos capatazes. Em
Avieiros dá a conhecer os pescadores pobres das margens do Tejo e
do seu modo de vida. Em Fanga relata e descreve o viver dos
fangueiros que trabalhavam arduamente e que pouco ou nada
recebiam em troca do seu trabalho. Em Uma fenda na Muralha,
descreve o drama dos homens do mar, neste caso em concreto dos
pescadores da Nazaré. No ciclo Port-Wine, retrata a dura vida dos
vinhateiros do Douro que trabalham para a burguesia inglesa.
Alves Redol e a sua obra
Antes de abordar a obra de Alves Redol para a Infância é importante
referir alguns dos aspectos sobre a sua obra. Ora ao longo das suas
histórias e como já referi anteriormente, Redol escolhe sempre um
herói colectivo – o povo trabalhador como o operário, o ceifeiro, o
pescador, o barqueiro, a criada de servir, etc. Utiliza também outros
elementos que dizem respeito à vida social da época. Manifesta de
forma clara a sua visão da sociedade, as suas crenças sociais e
políticas.
Em Glória, uma aldeia do Ribatejo, Redol explora um local, as suas
tradições, costumes, as gentes e as suas condições de trabalho. Para
além disso, Redol faz como que um trabalho etnográfico, onde estuda
a forma de falar daquelas gentes, o folclore e as danças, jogos
infantis.
Em Gaibéus, um romance em que o herói é colectivo, Redol evidencia
os sentimentos dos que participam, das suas angústias, esperanças e
sentimentos e da sua luta pela dignidade humana.
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Em Marés, aborda a vida de quem vive junto à margem direita do
Tejo e fala de vários tipos de personagens que vão desde o cavador
até aos membros da nobreza. Esta obra decorre desde a Monarquia e
prolonga-se até à crise de 1929.
Em Avieiros, Redol fala dos aglomerados de gente trabalhadora que
viviam em condições miseráveis e se resignavam à sua humilde
condição. Neste romance, o autor faz a descrição física e psicológica
daquelas gentes (seu modo de viver, anseios, esperanças, etc.).
Em Forja, apresenta a sua primeira experiência em texto dramático.
Mais uma vez, Redol faz um retrato das personagens quer a nível
físico, quer a nível psicológico. Segundo texto de Luiz Francisco
Rebello na revista Vértice (n.º 64, Dezembro de 1948):
É precisamente, de Alves Redol que acaba de surgir a primeira
contribuição séria da nossa literatura dramática para o teatro
autenticamente representativo da nossa época. Ora um dos
grandes méritos desta obra, e talvez o maior, reside na cálida
humanidade das personagens a que o autor insuflou vida
cénica. (Rebello, 1948)
Em Port-Wine, retrata a vida dos vinicultores da região do Douro,
dando ênfase à desgraça que persegue aqueles trabalhadores. Uma
vez mais Redol denuncia a exploração dos trabalhadores. Como
refere Joaquim de Oliveira no Jornal das Letras e Artes (N.º 220,
Dezembro de 1965):
No Conjunto Port-Wine (…) aplica uma visão mais coerente na
interpretação sociológica da realidade e a sua estética melhor
se ajusta às concepções literárias do neo-realismo. (…) Aqui se
conserva uma concepção mais rigorosa do romance moderno
neo-realista (…) O que nos trabalhos anteriores resultaria ainda
truncado ou difícil consegue (…) melhor justeza temática no
plano do concreto histórico. (Oliveira, 1965)
Alves Redol e a Literatura Infantil 2011
Alves Redol, nos seus livros, consegue incluir o leitor dentro da
história, levando-o a conviver com os personagens nas suas lutas, nos
seus sonhos, nas suas angústias, etc.
Em cada livro, segundo Taborda de Vasconcelos, num artigo
publicado no Diário de Notícias de Lisboa, em Setembro de 1962:
(…) Alves Redol é quase sempre um novelista diferente (…)
quer pelos novos recursos ensaiados a cada passo e em cada
livro, quer pelas determinantes das situações projectadas em
múltiplos ambientes – ribatejano, alentejano e duriense, citadino
e rural, fluvial e marítimo (…) correspondendo a uma fauna
humana variadíssima – de camponeses e pescadores, gentes de
borda-d’água e campinos de lezíria, marçanos e comerciantes,
grandes senhores rurais e refugiados estrangeiros (…).
Dessa gama de tipos de pluralidade de caracteres, dessa
variedade de climas e consequentes implicações históricas ou
sociais, é possível deduzir distintas etapas novelísticas (…)
sucessivos graus de amadurecimentos artístico, quando pela
renovação de métodos, processos e temas em que o escritor
tende a superar-se (…). (Vasconcelos, 1962)
Alves Redol e a Literatura Infantil – a Vida Mágica da
Sementinha
Em 1956, já sendo reconhecido como escritor, Alves Redol publica A
Vida Mágica da Sementinha – Uma breve história do trigo. Esta é uma
obra que apesar de ter já alguns anos continua muito actual, fazendo
parte do Plano Nacional de Leitura.
Nesta obra, aliás como em toda a sua obra infantil, Alves Redol
apresenta de forma tão bem descrita a referência a costumes e
vivências bem desconhecidos do público actual, principalmente do
público urbano. No entanto, este facto é deveras enriquecedor pois
permite um alargar de conhecimentos, um desenvolvimento cultural
Alves Redol e a Literatura Infantil 2011
e um despertar para outro tipo de vivências bem diferentes das dos
jovens leitores. Esta obra, conforme afirma Violante Magalhães:
(…) trata abertamente um tema didáctico (o do ciclo do trigo) e
desenvolve-se apresentando uma alternativa ideológica nítida:
justificam-se os benefícios que as modernas técnicas de cultivo
do cereal podem trazer aos camponeses, com o consequente
combate à fome e bem-estar do povo. (Magalhães, 2009, p.143)
A Vida Mágica da Sementinha, tal como os outros temas abordados
na obra de Alves Redol apresenta uma constante preocupação com a
vida dos trabalhadores, embora nesta obra seja feita de uma forma
mais camuflada. Esta história é apresentada através de diálogos
muito animados e divertidos que cativam o público leitor e alem disso
apresentam uma mensagem didáctica tal como afirma António Garcia
Barreto “(…) mistura dados históricos com ficção para oferecer uma
obra que se ergue entre um certo didactismo e uma bela narrativa
para crianças. O estilo é sóbrio, suportado por bastantes diálogos
entre aves, grãos de trigo e outras personagens, com a Sementinha a
impulsionar todo o enredo.” (Barreto, 2002, p.528).
No que diz respeito à linguagem utilizada “o tema (…) é tratado numa
linguagem adequada à idade infantil; a intriga e demais categorias
narrativas respondem às capacidades cognitivas das crianças (…)”
(Magalhães, 2009, p.143). Além disso, usa frequentemente
diminutivos que por vezes adquirem um valor conotativo, outros
estabelecem relações de paralelismo “pequerrucha”, “passarico”,
petisquinho, “vozita mimalha”.
Redol recorre muitas das vezes à dupla adjectivação sendo que
podemos encontrar diversos exemplos como: “faminto e desastrado”,
“ terra riscadinha e negra”, “cerrada e áspera”, “rústica e
opulenta”.O uso das personificações é uma constante ao longo desta
história: “os bagos de trigo tinham acabado de adormecer”, “apatia
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dorminhoca dos bagos resignados”, “ um bago anafado e sempre
resmungão”, etc.
Ao longo desta narrativa é dado bastante destaque aos sentidos, pois
Redol reproduz no texto o som de uma “campainha tagarela”, os sons
da natureza, das chuvas que, por um lado “soaram no bosque, como
clarins” e por outro, “refulgiam como pedras preciosas nas últimas
folhas doiradas do bosque”. É atribuído também algum destaque ao
som da passarada a cantar a “Toada da Primavera”, ao “gorjeio
vibrante e suave” do rouxinol, à “vozita mimalha” da Sementinha. O
autor dá também especial ênfase a tudo o que é visível como as
cores, como é o caso da “flor amarela com pintinhas vermelhas”. A
Sementinha que fica deslumbrada com “a plumagem cinzenta, muito
ruiva por cima e amarela por baixo”, do rouxinol vagabundo. É
notável uma conjugação de todos os sentidos provocando um estado
de exaltação: “ Maravilha das maravilhas, o sol despertou (…) abriu
os braços de oiro, longos e quentes (…). E logo os fetos se tornaram
verdes, e de entre eles brotaram lírios brancos, roxos e amarelos; e
as campainhas azuis (…), os tapetes de musgo apareceram numa
magia de cores, enquanto as árvores ganham folhas e os arbustos
perfumes”.
Existe um ambiente de harmonia criado pelos elementos da natureza
que se conjugam na perfeição e que dão asas à imaginação dos
leitores. Porém, quando menos se espera, acontece que o Pardal “feio
e humilde (…) reparou na Sementinha (…) sentiu um baque no
estômago vazio. E sem mais aquelas, ladrão e vivo, voou rápido (…)
levando-a consigo, enquanto um grito de terror enchia o bosque e
matava a Primavera”.
Podemos constatar que o mesmo ambiente que representa a
harmonia pode reflectir também um ambiente de horror, de medo e
de tristeza através das seguintes expressões “grito de terror”, “ o
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bosque ficou triste, com os ramos a soltarem pingos de chuva, como
se as árvores chorassem o desgosto do professor de Música”,
“Apavorada, a Sementinha bem sentia no corpo que aquele bico era
diferente do outro”.
Ao longo de toda a história é possível destacar frases e expressões
utilizadas pelo autor que nos remetem para a imaginação por
exemplo a Sementinha é “Solta de tão grande altura (…) chegou ao
chão e perdeu os sentidos”. Noutras podemos visualizar imagens que
nos são familiares como é o caso do Sol que “desaparecera no
poente, deixando no céu pardacento uma mancha rosada”.
No que concerne à componente lúdica desta história, o autor conta a
história do trigo através de um velho bago de trigo, o Amarelo de
Barba Preta. Apesar desta ser uma história verdadeira, ela é contada
como se fosse uma história tradicional ou um conto, o que causa um
impacto maior nas crianças: “ Há aí uns oito mil anos…”. É feita uma
descrição pormenorizada da história do trigo desde a descoberta da
semente até às tecnologias dos dias de hoje “ O que hoje se resolve
num minuto, levou muitos anos a descobrir”.
A Sementinha, protagonista desta história também será lançada à
terra e com muita imaginação, o autor procura explicar todo o
processo de germinação. Estabelecem-se diálogos entre a
Sementinha e a Terra “ a feiticeira mais feiticeira que o Sol cobre”. Ao
longo dos diálogos é dada grande ênfase e são usadas
frequentemente exclamações, interrogações e reticências. A
Sementinha é-nos apresentada como uma criança nas idades dos
porquês que tudo quer saber.
“Num apelo constante ao imaginário, a personagem mantém o
exercício dos sentidos, como fonte de prazer, pois durante o seu
crescimento continua a sentir: “como o corpo enrugado se
tornasse liso e crescesse (…) julgou depois que acabaria de
rebentar de inchaço, como a pele esticada do bombo de um Zé-
Alves Redol e a Literatura Infantil 2011
pereira” (p.38). O seu desenvolvimento aprece relacionado com
a vida. Talvez o medo que sente pelo desconhecido, ou o estado
de encantamento permanente em que vive, leva à criação de
conjecturas feitas pela Sementinha. Dão conta desses
momentos os seguintes exemplos: “E a Sementinha deu-se em
admitir que o seu primeiro encantamento seria em cabra ou
vaca leiteira (…). Gostava tanto de ser um cavalinho branco!...
Mas também pode ser uma tromba de elefante…” (Figueiredo,
2005, p. 106)
Como podemos verificar, a Sementinha é tratada como uma criança
que mergulha no seu mundo de fantasia. Ao longo de toda a
narrativa, este tipo de questões levantadas pela Sementinha e das
respostas que a terra lhe ia dando são complementadas com
informações importantes e reais acerca da germinação como é o
caso: “”enquanto aquela cauda crescia para baixo uma outra se
desenvolvia também para cima” e “Isto é a raiz por onde recebes o
comer que te dou”.
Nesta obra de Redol, a imaginação e a originalidade são constantes e
isso é notório nos diálogos entre a Sementinha e a Terra em que todo
processo de germinação é associado mesmo com as metáforas e
comparações utilizadas como é o caso: “cada um destes pêlos é um
mineiro que vai pela terra dentro”. A utilização dos elementos da
Natureza que são imprescindíveis no processo de germinação
também são sempre referidas ao longo da história “ o Sol se apagara
(…) nuvens negras carregavam o céu (…) os trovões ameaçadores
ralhavam de longe (…) a chuva desabou, cerrada e áspera”.
Além de abordar a história do trigo, Redol, aborda de uma forma
simples e directa o tema da herança genética que é dado através dos
filhos da Sementinha: “ haviam herdado certas virtudes da mãe, do
avô ou da bisavó, outros denunciavam os defeitos, mas também os
predicados, do bisavô, do pai ou da avozinha”.
Alves Redol e a Literatura Infantil 2011
O escritor aborda ainda o tema da fecundação das plantas de forma
muito simples: “os machos tinham esse maravilhoso pó amarelo, o
pólen (…). Um pó amarelo e mágico que quando toca nos pistilos das
flores femininas as transforma, penetrando nelas até ao ovário, para
fecundar o óvulo e criar uma nova planta”. Os leitores podem
acompanhar todo o processo adquirindo um vasto vocabulário,
termos técnicos que vão sendo aplicados ao longo do texto de forma
pedagógica.
Esta narrativa aborda um leque variado de temas desde o mundo
animal (a migração das aves), os processos rurais antigos bem como
os processos da modernidade referindo concretamente as ceifeiras-
debulhadoras, o retrato da vida do campo, a história dos cereais, os
festejos locais (neste caso concreto a Festa dos tabuleiros), a
germinação, os fenómenos da natureza, a herança genética,
fecundação das plantas e vários dados históricos.
Alves Redol, mostra um interesse especial em dar a conhecer o
mundo rural, mostrando a sua evolução ao longo dos tempos e
realçando sempre a importância da terra na produção do alimento.
No que diz respeito ao vocabulário ligado ao mundo rural destacam-
se as seguintes expressões: “alqueive”, “ancha”, “contristada”,
“gorjeio”. Porém o autor não se limita a expressões mais populares e
utiliza também alguams mais técnicas como: “colmos”, “coifas”
“record”, “pistilos”, “ovário”, “óvulo”, “fecundação”, “Híbridos”,
“gramínea rústica” e “planta perene”.
Esta é sem dúvida uma obra que desperta no leitor um olhar diferente
sobre o mundo, através da imaginação e da sua ligação com o mundo
real assumindo um carácter pedagógico:
O escritor partilha, nesta história da Sementinha, o valor
pedagógico que é dado à Literatura. A dimensão pedagógica é,
assim, o ponto alto da sua escrita, daí as suas obras, ainda hoje,
Alves Redol e a Literatura Infantil 2011
serem actuais, apesar dos regionalismos e das expressões do
mundo rural que aplica à linguagem escrita. Contudo, a
dimensão comunicativa dessas obras continua actual, hoje no
século XXI, cinquenta anos depois, com todas as transformações
inerentes (…).(Figueiredo, 2005, p. 110)
É importante realçar a coerência temática de Alves Redol na sua obra
tanto para os mais novos como para os adultos que tem a ver com a
representação da realidade vivida num determinado lugar e num
determinado tempo.
A Vida Mágica da Sementinha é uma história que delicia os leitores,
sejam eles jovens ou adultos.
Bibliografia
Alves Redol e a Literatura Infantil 2011
BARREIROS, António J. (s/d). “História da Literatura Portuguesa”. 13ª Edição.
Braga: Editora Pax.
BARRETO, Garcia (2002). “ Dicionário de Literatura Infantil Portuguesa”. Porto:
Campo das Letras.
FIGUEIREDO, Anabela O. (2005). “A Obra de Alves Redol para Crianças”. Coimbra:
Universidade Aberta.
MAGALHÃES, Violante F. (2009). “Sobressalto e Espanto – Narrativas Literárias
sobre e para a Infância, no Neo-Realismo Português”. Lisboa: Campo da
Comunicação.
OLIVEIRA, Joaquim (1965). “Alves Redol (ensaio) ”. Jornal das Letras e Artes n.º
220, Dezembro.
REDOL, António Alves (2009). “A Vida Mágica da Sementinha”. 8ª Edição.
Alfragide: Caminho.
ROCHA, Natércia (1984). “Breve História da Literatura para Crianças em Portugal.
Lisboa: Ministério da Educação.
SORIANO, Marc (1975). “Définition du livre d´enfants. In guide de la littérature
pour la jeunesse. Paris: Flammariion; pp. 178-191.
REBELLO, Luiz F. (1948). “Critica a Forja, de Alves Redol”. Vértice n.º 64,
Dezembro.
Webgrafia
http://alvesredol.com/vida.htm (acedido em 03/07/2011)
http://www.eselx.ipl.pt/curso_bibliotecas/infanto_juvenil/tema1.htm (acedido em
03/07/2011)