Contexto histórico político:
Golpe militar e censura (anos 60 )
Insegurança, desesperança e desestabilidade
Temática: urbana (ligada à violência),
situações-limite na vida social e luta de
classes
Pluralidade de tendências e estilos:, romance
histórico, realismo fantástico, regionalismo,
correntes imigratórias, estilhaços de
narrativa
Repressão
―Meu pai entrou no DOI-Codi em 20 de janeiro de
1971, morreu na noite do dia 21 de janeiro, foi
levado na madrugada do dia 22, esquartejado,
enquanto minha mãe e minha irmã eram
interrogadas em separado. Testemunhas de lá de
dentro nos dizem que ele foi enterrado na restinga
de Marambaia, sob a areia de 42 quilômetros de
praia que pertence à Marinha do Brasil, base
paradisíaca de 81 quilômetros quadrados e acesso
restrito, hoje Centro de Adestramento da Ilha da
Marambaia dos Fuzileiros Navais‖.
Marcelo Rubens Paiva, Feliz ano velho, 1982
Violência ―(...)
PACO Eu não roubei.
TONHO Ladrão mentiroso!
PACO Não roubei! Não roubei!
TONHO Confessa logo, canalha!
PACO (Bem nervoso) – Eu não roubei! Eu não roubei! Eu
não roubei! (Começa a chorar.) Não roubei! Poxa, nunca fui
ladrão! Nunca roubei nada! Juro! Juro! Juro que não
roubei! Juro!
TONHO (Gritando) - Para com isso!
PACO Eu não roubei.
TONHO Está bem! Está bem! Mas fecha esse berreiro.
(Paco para de chorar e começa a rir.)
PACO Você sabe que eu não afanei nada.
TONHO Sei lá.
PACO O pisante é bacana, mas não é roubado.
TONHO Onde achou?
PACO Não achei.
TONHO Onde conseguiu, então?
PACO Trabalhando.
TONHO Pensa que sou trouxa?
PACO Parece. (Ri.)
TONHO Idiota.
(Paco ri.)
TONHO Nós dois trabalhamos no mesmo serviço.
Vivemos de biscate no mercado. Eu sou muito mais
esperto e trabalho muito mais do que você. E nunca
consegui mais do que o suficiente pra comer mal e dormir
nesta espelunca. Como então você conseguiu comprar
esse sapato?‖
Plínio Marcos, Dois perdidos numa noite suja, 1966
Lirismo do cotidiano
Relógio Digital
O pai achou que o filho já estava na idade para terem a tal
conversa. Encontrou o menino brincando com um
amiguinho e convidou os dois para uma caminhada.
Começou com a agricultura. O agricultor, meu filho, coloca
uma semente na terra, a semente cresce e se transforma
em planta. Com os animais é a mesma coisa. O macho
coloca uma semente na fêmea, a semente cresce etc. Com
as pessoas também é assim. É por isso que nós temos
órgãos sexuais, e o do homem é diferente do da mulher. O
papai colocou uma sementinha na barriga da mamãe, a
sementinha cresceu e você nasceu.
Para que o amiguinho não se sentisse desprezado, o pai
acrescentou:
- Com seu pai e sua mãe também foi assim.
Os dois meninos estavam interessadíssimos. Foi uma
caminhada longa durante a qual o pai não parou de falar.
Como o pai sabia de coisas! Para tudo que os meninos
perguntavam sobre sexo o pai tinha uma resposta. Eta,
pai!
- E os buracos negros, pai?
- Que buracos negros?
- Os buracos negros do Universo.
- Isso não tem nada a ver com sexo.
- Eu sei, mas como é que eles são?
- Ah, bom. Olha, sobre isso eu não sei muita coisa, não.
- E, pai, como é essa história de supercondutores?
- Não sei bem.
Mas o menino continuava entusiasmado. Era o dia de
saber de coisas.
- Pai, por que as ondas de rádio acompanham a curvatura
da Terra e as ondas de TV não?
- É porque, sei lá. Devem ser ondas diferentes.
O menino já estava desanimado.
- Como é que funciona relógio digital?
- Não sei, meu filho.
Chegaram em casa e o pai perguntou:
- Mais alguma pergunta sobre sexo?
Eles não tinham mais nenhuma pergunta sobre sexo e o
pai foi embora. Os dois meninos ficaram em silêncio.
Então, um disse:
- Que crânio o meu pai, hein? Sabe tudo.
O amigo fez cara de pouco caso, lembrando todas as
perguntas sem resposta. Mas o outro tinha a explicação.
- É que ele se especializou, só isso.
Luís Fernando Veríssimo, in O nariz e outras crônicas,
1994
Poesia Concreta
Décio Pignatari , Haroldo de Campos e
Augusto de Campos
1952 - Publicação da Revista Noigandres
1956 - Exposição Nacional de Arte Concreta
(MASP)
beba coca cola
beba coca cola
babe cola
beba coca
babe cola caco
caco
cola
c l o a c a
Décio Pignatari
Precursores : Oswald de Andrade e João Cabral
Poema-objeto
―crise do verso‖
recursos
Acústico
Visual
Carga
semântica
Espaço
tipográfico
Disposição
geométrica
dos
vocábulos na
página
Poesia marginal – anos 70
JOGOS FLORAIS
Cacaso
Minha terra tem palmeiras
onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá
vive comendo o meu fubá.
Ficou moderno o Brasil
ficou moderno o milagre:
a água já não vira vinho,
vira direto vinagre.
Minha terra tem Palmares
memória cala-te já.
Peço licença poética
Belém capital Pará.
Bem, meus prezados senhores
dado o avançado da hora
errata e efeitos do vinho
o poeta sai de fininho.
(será mesmo com dois esses
que se escreve paçarinho?)
RECEITA
Nicolas Behr
Ingredientes:
2 conflitos de gerações
4 esperanças perdidas
3 litros de sangue fervido
5 sonhos eróticos
2 canções dos beatles
Modo de preparar
dissolva os sonhos eróticos
nos dois litros de sangue fervido
e deixe gelar seu coração
leve a mistura ao fogo
adicionando dois conflitos de
gerações
às esperanças perdidas
corte tudo em pedacinhos
e repita com as canções dos beatles
o mesmo processo usado com os
sonhos eróticos mas desta vez deixe
ferver um pouco mais e mexa até
dissolver
parte do sangue pode ser substituído
por suco de groselha
mas os resultados não serão os
mesmos
sirva o poema simples ou com
ilusões
Acordei bemol
acordei bemol
tudo estava sustenido
sol fazia
só não fazia sentido
Não Discuto
não discuto
com o destino
o que pintar
eu assino
A palmeira estremece
a palmeira estremece
palmas pra ela
que ela merece
Se
se
nem
for
terra
se
trans
for
mar
Paulo Leminski
Cultura
O girino é o peixinho do sapo.
O silêncio é o começo do papo.
O bigode é a antena do gato.
O cavalo é o pasto do carrapato.
O cabrito é o cordeiro da cabra.
O pescoço é a barriga da cobra.
O leitão é um porquinho mais novo.
A galinha é um pouquinho do ovo.
O desejo é o começo do corpo.
Engordar é tarefa do porco.
A cegonha é a girafa do ganso.
O cachorro é um lobo mais manso.
O escuro é a metade da zebra.
As raízes são as veias da seiva.
O camelo é um cavalo sem sede.
Tartaruga por dentro é parede.
O potrinho é o bezerro da égua.
A batalha é o começo da trégua.
Papagaio é um dragão miniatura.
Bactéria num meio é cultura.
Arnaldo Antunes
Tratado geral das grandezas do ínfimo
A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as
insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios.
Manoel de Barros