Leitura na Educao Infantil: Implicaes da Teoria Histrico-Cultural
EIXO 2 - Tempos, espaos, relaes e infncias: bases epistemolgicas
Ana Laura Ribeiro da Silva
Cyntia Graziella Guizelim Simes Girotto
Resumo:
Com a presente pesquisa buscamos analisar a prtica educativa de leitura em uma turma de
crianas em idade pr-escolar por dois anos consecutivos na rede municipal de Cubato (SP)
sob luz das implicaes pedaggicas da Teoria Histrico-Cultural. Orientada por estudos
anteriores surgiu a inquietao: Quais as diretrizes para um trabalho educativo com a leitura que
contemple as implicaes pedaggicas da Teoria Histrico-Cultural? Com base nessa
indagao, esta pesquisa visa organizar diretrizes que subsidiem uma proposta de trabalho com
a leitura na educao infantil, de forma que no antecipe a escolaridade e que possibilite um
aprendizado no mecanizado, mas desenvolvente das capacidades humanas na criana. Os
procedimentos metodolgicos se pautaro em: estudos bibliogrficos; registro e reflexo sobre a
prpria prtica educativa; e anlise dos registros luz das implicaes pedaggicas da Teoria
Histrico-Cultural.
Introduo e Justificativa
Atualmente, a educao das crianas entre os primeiros meses e os dez anos ganha
destaque, inclusive nos meios de comunicao, devido sua importncia na formao das
habilidades e capacidades fsicas, emocionais e psquicas (cf. MONTAGNO, 1997; VEJA,
1996; NEWSWEEK, 1997; BRASIL, 1998).
Em diferentes pesquisas (RIBEIRO; SASSO, 1999; RIBEIRO, 1999; LIMA, 2001;
2005; COUTO, 2007; VALIENGO, 2008) e na prpria prtica como professoras e formadoras
de professores, temos observado duas tendncias na educao da infncia de forma geral: ora o
espontanesmo das atitudes educacionais, ora o ensino formal e mecanizado. Essas tendncias
revelam a falta de compreenso tanto do desenvolvimento infantil quanto da complexidade do
ato educativo para com a infncia.
A educao das crianas pequenas at os 3 anos tem sido norteada pela fragilidade ou
ausncia de propostas de ensino e aprendizagem e, sobretudo, reveladora de falta de
intencionalidade das atitudes educacionais. O que proposto criana, nessa faixa etria,
oferece-lhe poucos desafios, uma vez que sua participao irrisria e meramente formal, pois,
na maioria dos casos, a educadora faz pela criana, por compreend-la do ponto de vista daquilo
que ela ainda no capaz de fazer ou do ponto de vista do trabalho que ter com a organizao
dos espaos e do cuidado com as crianas em determinadas situaes (RIBEIRO, 1999;
RIBEIRO; SASSO, 1999).
O quadro se modifica na educao das crianas maiores (4 a 5 anos), uma vez que a
preocupao reca sobre o (re)conhecimento das letras e da enumerao mecnica das
quantidades e da representao grfica do nmero. Nessa etapa da educao infantil, o trabalho
com a linguagem escrita se sobressai sobre as demais linguagens, compreendendo a maior parte
do trabalho pedaggico realizado. As diferentes formas de expresso e desenvolvimento
humano so realizadas apenas no papel com desenhos estereotipados e sem relao com os usos
sociais do conhecimento ou com a vida real das crianas.
Nos primeiros anos do ensino fundamental, o trabalho pedaggico se detm sobre as
tcnicas isoladamente, sem relaes efetivas com o uso do conhecimento transmitido tanto da
linguagem escrita, quanto nas demais reas do conhecimento escolar. O ensino pautado no
conhecimento mecanizado das tcnicas de ler, escrever, contar, somar, subtrair, dividir,
multiplicar e memorizar desconsiderando-se as relaes entre os conhecimentos escolares e o
mundo social e cultural no qual a criana est inserida.
Assim, perceptvel uma tendncia de o ato de ler ser pedagogicamente mecanizado,
memorizado ou acontecer em funo de algum contedo e como motivao para o trabalho com
algum tema, sem relao com a vida das crianas e as possveis relaes com o mundo que as
circunda.
Essas inquietaes sentidas como professoras e formadoras de professores de educao
infantil e de sries iniciais, somadas apropriao terica derivada do Grupo de Pesquisa
Implicaes Pedaggicas da Teoria Histrico-Cultural e do Grupo de Estudos de Educao
Infantil da FFC/Unesp/Marlia dos quais participamos, originaram o impulso necessrio a este
estudo.
Objetivos
O objetivo central desta pesquisa analisar a prtica educativa de leitura de uma turma
de crianas em idade pr-escolar por dois anos consecutivos luz das implicaes pedaggicas
da Teoria Histrico-Cultural, buscando compreender diretrizes que concretizem estas
implicaes em aes educativas. Objetivo este a ser alcanado por meio de objetivos
especficos: compreender, luz da Teoria Histrico-Cultural, como se estrutura o
desenvolvimento intelectual das crianas entre 4 e 5 anos; organizar, registrar e estudar o
trabalho pedaggico sobre leitura numa turma da rede municipal de educao infantil de
Cubato (SP) acompanhada por dois anos consecutivos; entender as implicaes pedaggicas da
Teoria Histrico-Cultural a respeito da apropriao da leitura pelas crianas; investigar, pela
prpria ao como educadora, as contribuies e as possveis relaes entre as implicaes
pedaggicas da Teoria Histrico-Cultural e as prticas educativas j conhecidas como as
tcnicas de ensino de Clestin Freinet; analisar a prpria prtica pedaggica luz das
implicaes da Teoria Histrico-Cultural; estabelecer diretrizes que contribuam,
qualitativamente, para o trabalho pedaggico na educao infantil de modo a tornar esse ensino
um fator de humanizao.
Referencial Terico
A Teoria Histrico-Cultural aponta um conjunto de diretrizes para a organizao do
trabalho pedaggico. No entanto, para que essas diretrizes se tornem prticas so necessrios
procedimentos mediadores que as concretizem. Estes procedimentos no foram apresentados
diretamente por Vygotsky e seus colaboradores. Diante disso, em trabalho de Mestrado
(RIBEIRO, 2004) houve estudos as possveis relaes entre a Teoria Histrico-Cultural e as
tcnicas de ensino da Pedagogia do Bom Senso de Clestin Freinet.
A partir dos estudos realizados da Teoria Histrico-Cultural estruturada sobre o iderio
de Vygotsky (1987; 1995; 1998) e seus colaboradores, busco, na prtica educativa, elementos
que contemplem as diretrizes educativas dessa Teoria. As tcnicas de ensino de Clestin Freinet
(1977a; 1977b; 1977c, 1998a; 1998b), particularmente, a meu ver, possibilitam a concretizao
dessas diretrizes, no pela aproximao direta dos autores, mas pela aproximao de seus
iderios educativos. Assim como outras prticas educativas como as idealizadas por Loris
Malaguzzi (1999) e Josette Jolibert (2002).
Dentre os vrios estudos cientficos que foram produzidos, nos ltimos anos, h apenas
um trabalho sobre a aproximao entre a Teoria Histrico-Cultural e as prticas de Freinet
(RIBEIRO, 2004), cujas investigaes resultaram em minha dissertao de mestrado: um estudo
terico sobre as possveis relaes entre os dois iderios quanto aquisio da linguagem escrita
pela criana. Na pesquisa que ora apresento se destaca a originalidade da discusso acerca das
possibilidades de concretizao das implicaes pedaggicas da Teoria Histrico-Cultural
sobre a leitura por prticas educativas j conhecidas, como as tcnicas de ensino de Freinet
(1977a; 1977b; 1977c, 1998a; 1998b), a experincia de Loris Mallaguzzi em Reggio Emilia, na
Itlia (1999) e Josette Jolibert (2002) na Frana.
Para compreender melhor tais possibilidades de concretizao das implicaes
pedaggicas da Teoria Histrico-Cultural sobre a leitura, far-se- importante compreender
alguns conceitos.
A principal tese da Teoria Histrico-Cultural que o homem no nasce humano, mas se
torna humano pela apropriao da cultura acumulada histrica e socialmente pelas geraes
precedentes. Segundo essa concepo, que foi explicitada e elaborada, pela primeira vez, por
Karl Marx (cf. LEONTIEV, 1978c) como a concepo da materialidade dos processos
psquicos, ao nascer, a criana no traz determinado geneticamente habilidades, capacidades e
aptides humanas. Essas habilidades humanas sero formadas pela atividade que a criana
realiza em seu convvio com as pessoas e com a cultura humana.
A apropriao da cultura humana se d por meio das relaes estabelecidas pelas
crianas com outras pessoas e com os objetos da cultura aos quais tem acesso tambm
mediado pelas pessoas. Em outras palavras, medida que aprende a utilizar-se dos objetos
criados ao longo da histria, ao conviver com os outros homens, cada indivduo aprende a ser
um homem (LEONTIEV, 1978c, p. 267, grifo do autor).
Nesse processo de apropriao da cultura humana, a educao e as condies histrico-
sociais vividas pela criana tm ntima relao com a concepo de criana que tm os adultos
que a rodeiam. O lugar ocupado pela criana nas relaes sociais das quais participa na
famlia, nas instituies de educao, etc. tem fora motivadora em seu desenvolvimento, uma
vez que estabelece as exigncias, as expectativas, enfim, as relaes sociais e as possibilidades
que so propostas criana. Como explcita Leontiev (1998a, p. 63), o que determina
diretamente o desenvolvimento da psique de uma criana sua prpria vida e o
desenvolvimento dos processos reais desta vida, processos esses que so proporcionados
inicialmente pelos adultos e parceiros mais experientes que a cercam.