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UNIVERSIDADE DE BRASLIA UnB
INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS IH
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM FILOSOFIA PPGFIL
JUSTIFICAO E ACESSIBILIDADE: COMO E POR QUE REJEITAR
O INTERNALISMO EPISTMICO?
Jssica Franco de Carvalho
Braslia-DF
2015
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UNIVERSIDADE DE BRASLIA UNB
INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS IH
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM FILOSOFIA PPGFIL
Jssica Franco de Carvalho
JUSTIFICAO E ACESSIBILIDADE: COMO E POR QUE REJEITAR O
INTERNALISMO EPISTMICO?
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao (PPGFIL) do Departamento de Filosofia,Instituto de Cincias Humanas, da Universidade deBraslia como requisito parcial para obteno dottulo de Mestra em Filosofia.
rea de Concentrao: Teoria do Conhecimento eFilosofia da Cincia
Orientador: Prof. Dr. Hilan N. Bensusan
Braslia-DF
2015
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Dissertao de autoria de Jssica Franco de Carvalho, intitulada JUSTIFICAO E
ACESSIBILIDADE: COMO E POR QUE REJEITAR O INTERNALISMO
EPISTMICO?, apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Filosofia, do
Departamento de Filosofia, Instituto de Cincias Humanas, como requisito parcial
para obteno do ttulo de Mestra em Filosofia.
Aprovado em 07 de abril de 2015.
Programa de Ps-graduao do Departamento de Filosofia da Universidade deBraslia
______________________________________________Prof. Dr. Hilan N. Bensusan
Orientador PresidentePrograma de Ps-Graduao em Filosofia PPGFIL
Instituto de Cincias Humanas (IH) Universidade de Braslia (UnB)
______________________________________________Prof. Dr. Eros Moreira de Carvalho
Instituto de Filosofia e Cincias Humanas (IFCH)Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Membro Externo
_____________________________________________Prof. Dr. Agnaldo C. Portugal
Membro InternoPrograma de Ps-Graduao em Filosofia PPGFIL
Instituto de Cincias Humanas (IH) Universidade de Braslia (UnB)
______________________________________________Prof. Dr. Paulo C. C. Abrantes
Membro SuplentePrograma de Ps-Graduao em Filosofia PPGFIL
Instituto de Cincias Humanas (IH) Universidade de Braslia (UnB)
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Carvalho, Jssica Franco de.C331j Justificao e acessibilidade: como e por que rejeitar o internalismo epistmico? / Jssica Franco de Carvalho.
2015.102 p, 30 cm.
Dissertao (mestrado) Universidade de Braslia, Instituto de Cincias Humanas, Departamento de Filosofia, Programa de Ps-Graduao em Filosofia, 2015.Inclui bibliografia.
Orientao: Hilan N. Bensusan.
1. Internalismo epistmico. 2. Ceticismo. 3. Conceitos epistmicos.I. Bensusan, Hilan, orientador. II. Ttulo.
CDU 165
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AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Hilan N. Bensusan, pelo incentivo e acompanhamento ao
longo da elaborao da dissertao.
Ao Prof. Dr. Paulo C. C. Abrantes e ao Prof. Dr. Agnaldo C. Portugal,
pelos apontamentos e crticas feitas na ocasio da banca de qualificao de
mestrado.
Ao Prof. Dr. Emerson Carlos Valcarenghi, pela abertura interlocuo.
secretaria e coordenao do Programa de Ps-graduao em
Filosofia da Universidade de Braslia, pelo suporte administrativo, e, em especial
Ndia Dulcinea C. da Silva, ao Prof. Dr. Marcio G. de Paula e ao Prof. Dr. Samuel
Simon.
A Filipe Lazzeri, pelas discusses filosficas e sugestes.
Capes, pela bolsa de estudo.
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A meus pais, minha irm e meu companheiro.
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A racionalidade, ao se eleger como o nicocaminho possvel para se produzirconhecimento e interpretar a realidade, relegaas outras formas de interpretao e produode conhecimento condio de ilegtimo existncia confinada nas favelas.
Aline Matos da Rocha
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RESUMO
CARVALHO, F. J. Justificao e acessibilidade: como e por que rejeitar o
internalismo epistmico? 2015. 102 f. Dissertao (Mestrado) Programa de Ps-
Graduao em Filosofia, Universidade de Braslia, Braslia, 2015.
O internalismo epistmico uma posio substantiva sobre a justificao epistmica
e, de maneira abrangente, sobre conceitos epistmicos em geral, usualmente
caracterizada em termos da adeso ao requisito de conscincia. Esse requisito
prescreve que uma crena justificada somente se o agente tem conscincia dos
fatores que contribuem para a definio do status epistmico da crena. Discutimos
uma objeo posta por Michael Bergmann, que coloca em questo a efetividade de
quaisquer perspectivas internalistas, e suas repercusses sobre diferentes
alternativas, alegadamente internalistas; nomeadamente, o mentalismo e o
disjuntivismo epistemolgico. A objeo assume a forma de um dilema. Assim, se a
conscincia que o agente deve ter dos fatores que contribuem para a justificao da
crena forte isto , um tipo de conscincia que envolve o agente conceber que
um determinado fator relevante para a justificao ou verdade da crena
sustentada , o internalismo sujeito a um regresso que leva a uma concluso
ctica, que possui repercusses amplas. Se a conscincia que o agente deve ter
dos fatores que contribuem para a justificao da crena fraca isto , um tipo de
conscincia que no envolve o agente conceber que um determinado fator
relevante para a justificao ou verdade da crena sustentada , o internalismo
perde a motivao inicial de impor o requisito de conscincia. Desse modo, em
qualquer caso, o internalismo leva a concluses indesejveis e, portanto, deve ser
rejeitado como uma posio substantiva sobre a justificao. Defendemos que a
objeo parcialmente bem-sucedida e propomos algumas observaes sobre o
papel epistmico que a exigncia de acessibilidade cumpre no internalismo
epistmico.
Palavras-chave: Internalismo epistmico. Ceticismo. Conceitos epistmicos.
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ABSTRACT
CARVALHO, F. J. Justification and Accessibility: How and Why to Reject
Epistemic Internalism? 2015. 102 f. Dissertation (Master) Graduate Program in
Philosophy, University of Braslia, Braslia, 2015.
Epistemic internalism is a substantive position about epistemic justification and, in a
comprehensive way, about epistemic concepts in general, usually characterized in
terms of adherence to the awareness requirement. This requirement states that a
belief is justified only if the agent is aware of the factors that contribute to the
definition of the epistemic status of belief. We discussed an objection posed by
Michael Bergmann, which calls into question the effectiveness of any internalist
perspective and its effects on different alternatives allegedly internalist; in particular,
mentalism and epistemological disjunctivism. The objection takes the form of a
dilemma. Thus, if the awareness that the agent must have of the factors that
contribute to the justification of belief is strong that is, a type of awareness that
involves the agent to conceive that a particular factor is relevant to the justification or
truth of the belief held , internalism is subject to a return that leads to a skeptical
conclusion, which has wide repercussions. If the awareness that the agent must have
of the factors that contribute to the justification of belief is weak that is, a type of
awareness that does not involve the agent to conceive that a particular factor is
relevant to the justification or truth of sustained belief internalism loses the initial
motivation to impose the awareness requirement Thus, in any case, internalism leads
to undesirable conclusions and therefore must be rejected as a substantive position
about the justification. We argue that the objection is partly successful and we
propose some observations about the epistemic role that the requirement of
accessibility plays in epistemic internalism.
Keywords: Epistemic internalism. Skepticism. Epistemic concepts.
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SUMRIO
INTRODUO..............................................................................................................9
CAPTULO 1 - O CRITRIO ACESSIBILISTA: O DILEMA DE BERGMANN CONTRAO INTERNALISMO EPISTMICO..............................................................................12
1.1Contextualizando os marcos do debate............................................................14
1.2Uma objeo ao requisito de conscincia: exposio e avaliao do dilema...18
1.2.1Avaliando respostas contra o dilema de Bergmann...................................36
1.2.1.1Bonjour x Bergmann: uma sada fundacionista?................................36
1.2.1.2Crisp x Bergmann................................................................................41
1.2.1.3Matherson e Rogers x Bergmann.......................................................48
1.3Como e por que rejeitar o internalismo epistmico, segundo o critrio acessibilista?...........................................................................................................54
CAPTULO 2 - DVIDAS ACERCA DO MENTALISMO ENQUANTO INTERNALISMO..........................................................................................................57
2.1O que o mentalismo? E quais seus comprometimentos?..............................57
2.2Avaliando de teorias da justificao epistmica: Bergmann contra o mentalismo.................................................................................................................................60
2.2.1Ponderaes sobre o ataque de Bergmann ao mentalismo......................66
2.3Do mentalismo ao externalismo semntico: dvidas sobre a primitividade do mentalismo enquanto tese epistemolgica.............................................................68
CAPTULO 3 - DISJUNTIVISMO EPISTEMOLGICO: UMA SADA PARA O INTERNALISMO?........................................................................................................75
3.1O que o disjuntivismo epistemolgico?..........................................................76
3.2Dvidas acerca do componente internalista do disjuntivismo epistemolgico..80
3.2.1Dvidas acerca da viabilidade do disjuntivismo epistemolgico: trs problemas e trs respostas................................................................................84
3.3Como e por que rejeitar o internalismo?............................................................89
CONSIDERAES FINAIS........................................................................................95
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS............................................................................97
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9INTRODUO
O presente trabalho prope-se a investigar o que caracteriza o
internalismo epistmico e elucidar suas motivaes centrais, explicitando seus
principais atrativos e principais dificuldades.
Visamos apresentar e criticar diferentes respostas acerca da
especificidade do internalismo epistmico (e, colateralmente, do externalismo
epistmico). Tal desiderato nos remete s seguintes questes: de um ponto de vista
internalista, quais as condies capazes de conferir um status epistmico positivo a
uma crena? O que internalistas tm em mente quando vindicam que a natureza da
justificao seja interna?
Sustentamos que o papel epistmico do aspecto interno envolvido na
justificao tem sido mal compreendido e que externalistas, em suas crticas ao
internalismo, tm apreciado esse papel de uma maneira apenas parcialmente
correta. Tambm sustentamos que, embora o internalismo tenha afinidade com as
preocupaes do projeto epistemolgico tradicional1, o internalismo no se mostra
capaz de oferecer respostas satisfatrias a elas.
Fundamentamos essas concluses a partir da anlise da abrangncia,
limitaes e implicaes da caracterizao mais usual da disputa entre internalistas
e externalistas, que tomada em termos da exigncia de acessibilidade. Essa
exigncia prescreve que um agente deve ter algum tipo de domnio reflexivo em
relao aos fatores que constituem a justificao. Internalistas aderem exigncia
de acessibilidade, enquanto externalistas no. Apresentamos uma reviso crtica das
1
Por projeto epistemolgico tradicional entendemos, em sentido amplo, as reflexesepistemolgicas da filosofia ocidental. Cf. Leite (2005).
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posies que caracterizam o internalismo epistmico desta maneira e seus
opositores, tendo em vista a problematizao da forma como internalismo e
externalismo vm sendo interpretados.
O trabalho divide-se em trs captulos.
O primeiro captulo tematiza uma objeo exigncia de acessibilidade
demandada pelo internalismo epistmico (BERGMANN, 2006a; 2006b; 2006c). Se
bem-sucedida, a objeo tem como consequncia que qualquer forma de
internalismo deve ser rejeitada, pois quaisquer que sejam suas formulaes, de
modo irremedivel, elas tm implicaes indesejveis. Nomeadamente, se o
internalista insiste na imprescindibilidade da exigncia de acessibilidade, ele
levado a um regresso epistmico vicioso; e se o internalista adere a uma forma
enfraquecida da exigncia de acessibilidade, o internalismo perderia as motivaes
que primeiramente levam imposio da acessibilidade. Discutimos as crticas feitas
a Bergmann no que concerne efetividade da objeo. Avaliamos que a objeo
parcialmente bem-sucedida. Propomos algumas retificaes s consideraes
alentadas por Bergmann, de modo a estabelecermos a concluso principal.
No segundo captulo expomos e avaliamos (i) a objeo de Bergmann
(2006a) quanto caracterizao do mentalismo enquanto internalismo; (ii) a anlise
dos desideratos e critrios oferecidos pelo autor no que concerne classificao de
teorias da justificao epistmica; e (iii) a defesa do mentalismo por Conee e
Feldman (2004), Feldman (2004) e Conee (2007).
O mentalismo apontado por Conee e Feldman como uma articulao do
internalismo que melhor preservaria as principais preocupaes internalistas no que
diz respeito aos aspectos intrnsecos da avaliao epistmica. Esses autores
consideram tambm que, em termos da oposio geral entre internalismo e
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externalismo, o mentalismo gozaria de um maior grau de generalidade em relao
s formas de internalismo que aderem exigncia de acessibilidade. Sustentamos
que a defesa do mentalismo por Conee e Feldman falha.
No terceiro captulo, avaliamos o disjuntivismo epistemolgico2 de
Pritchard (2012), que prope uma forma de internalismo (disjuntivista) acessibilista.
Tal proposta, se vivel, tem consequncias substantivas no apenas para a distino
entre teorias internalistas e externalistas da justificao epistmica. O disjuntivismo
pode ser a tbua de salvao do internalismo. Em uma palavra, se a anlise
disjuntivista internalista da justificao epistmica correta, a objeo colocada ao
internalismo pela adeso exigncia de acessibilidade poderia ser evitada.
Defendemos, no entanto, que o disjuntivismo epistemolgico forado a abandonar
uma premissa internalista central para dar conta dos aspectos extrnsecos
envolvidos na avaliao de crenas. Assim, a ltima sada disponvel ao internalismo
no se mostra eficaz em resolver as dificuldades que so postas a ele.
2 A nfase da perspectiva sobretudo em crenas perceptuais.
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CAPTULO 1 - O CRITRIO ACESSIBILISTA: O DILEMA DE BERGMANN
CONTRA O INTERNALISMO EPISTMICO
Uma maneira usual de definir o internalismo epistmico por meio da
ideia de acessibilidade, ou, mais precisamente, da exigncia de acessibilidade
(efetiva ou potencial). O externalismo epistmico, sob esse vis, definido pela
ausncia da exigncia de acessibilidade. Segundo esse tipo de orientao, um
internalista deve insistir que um agente tem justificao apenas se hbil em
identificar os fatores que conferem um status positivo crena. Bergmann designa
como requisito de conscincia [awareness requirement] esse trao que aponta como
distintivo do internalismo epistmico.
A noo relevante de conscincia [awareness] no debate internalismo/
externalismo em epistemologia no se confunde com a noo de conscincia
presente em alguns debates em filosofia da mente (por exemplo, conscincia como
experincia fenomnica, capacidade de formar crenas de ordem superior etc.)3.
No presente contexto, a noo de conscincia est primariamente
associada capacidade reflexiva do agente. Chisholm (1988) sintetiza esta ideia da
seguinte maneira:
o internalista pressupe que meramente refletindo sobre seu prprioestado de conscincia ele pode formular um conjunto de princpiosepistmicos que permitiro que ele descubra, no que diz respeito aqualquer crena possvel que ele tenha, se ele est justificado em teraquela crena4 (CHISHOLM, 1988; trad. nossa; grifos nossos).
3 Para uma discusso sobre as diferentes conotaes e problemas envolvendo a noo deconscincia em filosofia da mente, Cf. Marques, 2006, p. 189-193.4 The internalist assumes that, merely by reflecting upon his own conscious state, he can formulate aset of epistemic principles that will enable him to find out, with respect to any possible belief he has,whether he is justified in having that belief (CHISHOLM, 1988, p. 285-286).
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Bergmann (2006a; 2006b; 2006c) prope uma objeo geral ao
internalismo epistmico, que tem como pedra de toque a problematizao do
requisito de conscincia na forma de um dilema: se a conscincia que o agente 5 tem
do fator que contribui para a justificao de uma crena forte, ento o internalismo
envolve um regresso que levaria a uma concluso ctica; se fraca, o internalismo
perde a motivao inicial de impor o requisito de conscincia. Logo, o internalismo
no deveria ser endossado.
Tal dilema tem a pretenso de ser um argumento final contra o
internalismo epistmico. Seu interesse primrio, para nossos propsitos, consiste
em analisar as motivaes e a inteligibilidade do internalismo epistmico sob o vis
acessibilista, uma vez que consideramos que o dilema, bem como as respostas
colocadas a ele, oferece clareza sobre o cerne das preocupaes internalistas.
O captulo composto por trs partes.
Na primeira, delimitamos o objeto da controvrsia entre internalismo e
externalismo.
Na segunda, reconstitumos e discutimos o dilema de Bergmann contra o
internalismo epistmico e avaliamos as respostas de Bonjour (2003; 2006), Crisp
(2010) e Rogers e Matherson (2011) contra o dilema de Bergmann. Todas as
respostas tm em comum o fato de rejeitarem um ou outro chifre do dilema. Rogers
e Matherson rejeitam ambos os chifres. Procuramos demonstrar que as respostas
de Bonjour, Crisp, Rogers e Matherson falham.
Na terceira parte, por fim, procuramos sustentar que, apesar do dilema de
Bergmann oferecer um diagnstico preciso das fragilidades do internalismo, no
pode ser visto como um argumento final contra o internalismo, em virtude de no
5 Bergmann utiliza as expresses pessoa ou sujeito em todas as ocorrncias em que explicita estaideia. Optamos por utilizar o termo agente epistmico ou apenas agente por consider-los maisabrangentes.
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esgotar as intuies internalistas. Propomos algumas retificaes s consideraes
alentadas por Bergmann, de modo a consolidarmos a eficcia da objeo.
1.1 CONTEXTUALIZANDO OS MARCOS DO DEBATE
Uma ideia que parece estar subjacente a diferentes formas de
internalismo epistmico a de que, para que uma crena se qualifique como
justificada, ela no deve apenas possuir certas virtudes, tambm necessrio que o
agente que a sustenta seja ciente dessas virtudes e se baseie nelas na formulao
de um juzo. Podemos apreciar esse tipo de sensibilidade em proeminentes formas
de internalismo, desde as mais robustas, tais como o internalismo de Chisholm o
qual defende que os desafios do projeto epistemolgico tradicional podem ser
enfrentados somente a partir de um empenho epistemolgico de cunho
individualista6 , quanto em formas de internalismo prdigas no que diz respeito
desonerao das demandas internalistas comuns.
Propostas hbridas7 que visam reunir as vantagens e, naturalmente, evitar
as desvantagens que tipicamente so associadas s respectivas partes da disputa,
independentemente da posio que expressamente favoream, em geral, tm como
elemento conservador internalista: (a) algum tipo de restrio quanto aos objetos
que podem assumir o papel de justificadores ou (b) algum tipo de restrio quanto
aos itens justificadores e relao do agente com esses itens.
6 A colocao visa explicitar algumas conexes entre posies caracteristicamente internalistas (Cf.Chisholm, 1969; 1982; 1988; 1989. Cf. Foley, 1987; 1993. Cf. tambm Ginet, 1975) e certasorientaes investigativas distintivas do projeto epistemolgico tradicional, que tm em comum umanfase no ponto de vista do agente epistmico na anlise da justificao e do conhecimento.7 So exemplos o externalismo internalista de Alston (1988), o externalismo permeado depreocupaes deontolgicas de Littlejonh (2012) e ainda o disjuntivismo epistemolgico de Pritchard(2012).
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preciso notar, contudo, que existem discordncias no mbito do prprio
internalismo acerca de como devemos interpretar (a) e (b). Quanto a (a), por
exemplo, se apenas estados mentais que envolvem atributos doxsticos podem
cumprir o papel de justificadores, ou se estados mentais que no envolvem atributos
doxsticos podem desempenhar a mesma funo epistmica, ou, ainda, se
devemos restringir esse papel apenas vida mental8 etc. Quanto a (b), uma
divergncia recorrente acerca de qual deve ser a relao relevante de um ponto de
vista epistmico que o agente deve estabelecer com o justificador.
Dada a diversidade de compreenses, por vezes incompatveis, sobre
conceitos-chave e problemas-chave de que uma perspectiva internalista da
justificao epistmica deve se ocupar, pertinente, talvez, nos perguntarmos:
existe alguma caracterstica que possa ser globalmente compartilhada entre todas
as formas de internalismo? Se existe, qual o seu papel? Ela nos oferece um critrio
razovel para distinguirmos as abordagens internalistas das abordagens
externalistas? Ela capaz de capturar as preocupaes internalistas centrais?
Alston (1993; 2005) conhecidamente oferece uma objeo que procura
lanar dvidas sobre a inteligibilidade da controvrsia sob os marcos usualmente
assumidos por internalistas e externalistas o cerne do debate se d
prioritariamente sob a perspectiva justificacionista9, isto , internalismo e
externalismo procuram fornecer uma anlise da natureza e das condies da
justificao epistmica.
Alston argumenta que internalistas e externalistas estariam destacando
diferentes desideratos epistmicos que cooperam para que identifiquemos uma
8 Cf. Bonjour, 2010a, p. 32-33.9 Aqui acompanhamos a terminologia adotada por Valcarenghi (2008).
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crena como qualificada positivamente. Internalistas e externalistas estariam
enganosamente reunindo-os sob uma mesma designao. Nas palavras de Alston,
no parece haver comunidade suficiente nas compreenses pr-tericas [de internalistas e externalistas acerca] da natureza dajustificao epistmica que nos permita supor que existe algum itemexclusivamente identificvel sobre o qual eles sustentam diferentesposies. Parece, ao invs disso, que eles esto destacando,enfatizando ou tirando diferentes conceitos, todos chamadosjustificao. Parece [] que eles esto selecionando diferentesdesideratos epistmicos ou pacotes deles, como merecedores dottulo honorfico justificao (ALSTON, 1993; trad. nossa)10.
Bergmann sustenta que existe uma disputa genuna entre internalistas e
externalistas. E somente se existe uma disputa genuna entre internalistas e
externalistas, o dilema tem apelo11.
De um lado, ele concede que exista mais de um tipo de justificao
epistmica, no sentido de que ele reconhece que existem diferentes objetos,
dimenses ou aspectos envolvidos na avaliao epistmica. De outro lado,
Bergmann sustenta que internalistas e externalistas divergem sobre uma matria
comum (i.e. as condies necessrias para a justificao). Bergmann defende que
possvel identificar condies necessrias, mas no condies conjuntamente
necessrias e suficientes para a caracterizao de uma posio como internalista
(ou externalista). Assim, a subscrio ao requisito de conscincia identifica apenas
uma condio necessria para que uma posio possa ser classificada como
internalista e no suficiente.
10 [...] There does not seem to be enough commonality in their pre-theoretical understanding of thenature of epistemic justification to warrant us in supposing that there is some uniquely identifiable itemabout which they hold different views. It seems, rather, that they are highlighting, emphasizing,pushing different concepts, all called justification. It seems [...] that they are selecting differentepistemic desiderata, or packages thereof, as deserving of the honorific title justification (Alston,1993, p. 534).11 Assim como Bergmann, ns compreendemos a disputa entre internalistas e externalistas comogenuna. Isto , compreendemos que a correo da anlise do conhecimento e da justificao de umaparte implica a rejeio da anlise do conhecimento e da justificao proposta pela outra parte.Bergmann (2006a) procura oferecer complementarmente uma defesa do externalismo.
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Ele articula sua objeo ao internalismo levando em conta um tipo
determinado de justificao epistmica. Nomeadamente, ele leva em conta uma
forma de justificao doxstica por oposio justificao proposicional.
A justificao doxstica relativa crena, enquanto a justificao
proposicional relativa ao contedo da crena. suficiente para a justificao
proposicional que um agente disponha de alguma base apropriada favorvel ao
endosso, rejeio ou suspenso de julgamento acerca de uma dada proposio (ou
seja, o que est em questo se o agente tem justificao para crer). J a
justificao doxstica envolve a avaliao da atitude do agente ante a base (o que
est em questo se o agente cr justificadamente).
Ele alega que o ncleo da controvrsia entre internalismo e externalismo
se d em torno de um tipo de justificao doxstica que possui um status epistmico
positivo superior ao status epistmico formado (e sustentado) de uma maneira no
culpvel12, mas que insuficiente para a garantia [warrant]. A garantia entendida
em termos daquilo que distingue o conhecimento da crena verdadeira justificada13.
Algumas questes conceituais so dignas de ateno. Em especial,
desejamos expressar que, como entendemos, a posio que Bergmann defende
acerca do internalismo pode ser classificada como acessibilista14. Por acessibilismo
(ou internalismo de acesso), tomamos qualquer posio sobre a justificao
epistmica que prescreva que os elementos que compem a justificao (e algumas
formulaes mais robustas, o reconhecimento do status de uma crena como12 So exemplos de crenas no culpveis as crenas formadas por um agente em um cenrioepistmico maligno (i. e., um cenrio em que o agente est sujeito ao engano sistemtico).Pressupe-se que crenas formadas e sustentadas por um agente em um cenrio maligno, emcondies em que o mesmo no viola nenhum dever epistmico, qualificam-se positivamente de umponto de vista epistmico (i. e. seu status difere-se, por exemplo, de uma crena sustentada porpensamento desejoso [wishful thinking], e, neste sentido, mais desejvel de um ponto de vistaepistmico).13 Cf. Blaauw, 2005, p. 154; Plantinga, 1992; 1993.14 Bergmann, no entanto, no utiliza os termos acessibilismo ou internalismo de acesso destamaneira.
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justificada) se encontram, em maior ou menor medida, sob o domnio reflexivo do
agente.
Nosso entendimento acerca do acessibilismo, que inclui a caracterizao
de Bergmann do internalismo, se coaduna com a caracterizao de Vahid (2011),
segundo a qual um internalista (acessibilista) deve insistir que
somente os fatores dos quais um agente tem algum tipo de acessono problemtico, no sentido de estar abrangido pela sua esfera deconscincia, podem ter o papel de justificadores para sua crena. []O internalismo de acesso se apresenta em diferentes variedades ouforas, dependendo de como algum interpreta o tipo de acesso,bem como seus objetos (VAHID, 2011, p. 146; trad. nossa)15.
Essa ideia encontrada massivamente na literatura, em enunciaes
variadas, em termos daquilo que o agente pode constatar por reflexo, introspeco
etc.
Dada a configurao conceitual exposta, consideramos que, ao
investigarmos a eficcia e as possveis consequncias da objeo de Bergmann ao
internalismo, podemos ter um maior entendimento sobre o ncleo das premissas
internalistas. O que nos oferece elementos para respondermos questo
norteadora: como e por que rejeitar o internalismo epistmico?
1.2 UMA OBJEO AO REQUISITO DE CONSCINCIA: EXPOSIO E
AVALIAO DO DILEMA
15 [] Only those factors to which an agent has some sort of unproblematic access, in the sense offalling within his sphere of awareness, can play the role of justifiers for his beliefs. [] Acessinternalism comes in different varieties or strengths depending on how one construes the type ofaccess as well its objects (VAHID, 2011, p. 146).
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Bergmann (2006a) apresenta o dilema da seguinte maneira16:
I Uma caracterstica essencial do internalismo que ele faz da
conscincia efetiva ou potencial de algum fator contribuinte para a justificao uma
condio necessria para a justificao de qualquer crena sustentada pelo agente.
II A conscincia requerida pelo internalismo ou uma conscincia forte
ou fraca.
III Se a conscincia requerida pelo internalismo a conscincia forte,
ento o internalismo enfrenta problemas de regresso, levando ao ceticismo radical.
IV Se a conscincia requerida pelo internalismo a conscincia fraca,
ento o internalismo vulnervel Objeo da Perspectiva Subjetiva (OPS17).
Nesse caso, o internalismo perde sua principal motivao para impor o requisito de
conscincia.
V Se o internalismo ou leva ao ceticismo radical ou perde sua principal
motivao para impor o requisito de conscincia (isto , evitar OPS), ento ns no
deveramos endossar o internalismo.
VI Logo, ns no deveramos endossar o internalismo18.
Nos prximos pargrafos, nos dedicamos a avaliar a defesa de Bergmann
de (I)-(VI).
A premissa (I) denota precisamente o ncleo da leitura acessibilista de
Bergmann do internalismo epistmico. Bergmann (2006a) no apresenta uma
defesa dessa premissa na exposio do dilema. Mas em Bergmann (2006c) so
16 Bergmann (2006c) possui uma apresentao alternativa do dilema.17 A Objeo da Perspectiva Subjetiva [Subject's Perspective Objection] uma objeo segundo aqual, se o agente, ao sustentar uma crena, no consciente de algo que contribui para ajustificao, ento o agente no capaz de discriminar como o status dessa crena distinto de umpalpite, adivinhao, ou concluso derivada de pensamento desejoso; da perspectiva do agente, um acidente que sua crena seja verdadeira, logo, a crena no seria justificada (BERGMANN,2006a, p. 12). 18 Cf. Bergmann, 2006a, p. 13-14.
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apresentadas algumas consideraes sobre a plausibilidade dessa premissa, e,
portanto, de uma leitura acessibilista do internalismo.
Bergmann (2006c) inicia avaliando duas afirmaes implcitas no
enunciado premissa (I). So elas, respectivamente: (i) que, de acordo com o
internalismo, a conscincia efetiva ou potencial de alguma coisa exigida; e (ii),
que, de acordo com o internalismo, tal conscincia requerida para o agente.
Embora aparentemente redundantes, essas afirmaes envolvem
comprometimentos substantivos.
Bergmann inicia sua defesa de (i) e (ii) levando em conta formulaes
alternativas sobre o que definiria o internalismo. Ele nota que uma maneira comum
de caracterizar o internalismo em termos da posio sobre a justificao que
sustenta que as condies da justificao so internas19. Em outras formulaes, o
aspecto interno qualificado como sendo aquilo que relevantemente disponvel
ao agente de alguma maneira no mediada, direta20.
Bergmann nota que a fala sobre condies internas s faz sentido se
permeada de consideraes sobre a especificidade de seu escopo. Em outras
palavras, o que interno interno a alguma coisa e a relao estabelecida
necessita ser clarificada21.
19 Cf. Brown, 2007, p. 13-14; Chisholm, 1989, p. 76; Fumerton, 2007, p. 36.20 Cf. Alston, 1989, p. 188; Bonjour, 2003; Ginet, 1975, p. 34; Pryor, 2001, p. 104; Steup, 1996, p. 84.21 Bergmann prope que o recorte a ser feito deva ser em termos daquilo que interno a adultoshumanos normais [normal adult humans]. Avaliamos que a expresso inapropriada e tambmincorreta. Depreendemos do contexto que, por adultos humanos normais, Bergmann tem em menteagentes epistmicos humanos possuidores de caractersticas intelectuais, lingusticas e conceituais,entre outras, comuns a adultos. Avaliamos que a expresso normal e seus correlatos no trazemganho elucidativo. Ademais, preciso notar que existe uma conotao pejorativa no vocabulriocomum associada negao dessas expresses (por ex., anormal etc.). Realizamos a substituioda expresso adultos humanos normais por agentes epistmicos humanos adultos, observadas asconsideraes ora expostas. Fazemo-lo sem prejuzos exposio e avaliao da argumentaodo autor. Substitumos tambm expresses anlogas, como anormalidade [abnormality] porexpresses pertinentes, de modo a expressar o contedo veiculado fidedignamente. Explicitamoseventuais adaptaes. Preservamos a expresso original na reproduo do texto em lngua inglesa.
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21
O contraste com as teorias externalistas, conforme a maneira aludida de
caracterizar o internalismo epistmico, dado, por exemplo, pela crtica internalista
de que a anlise externalista da justificao epistmica tais como a de
confiabilistas de processo, os quais sustentam ser suficiente para a justificao que
uma crena satisfaa uma condio externa que envolve uma relao entre os
processos de formao de crena do agente e as relaes que o agente estabelece
com mundo22 no satisfaria intuies que estariam ligadas prpria noo de
justificao. O ponto colocado por Bergmann simples, em suas palavras:
[isso] sugere que o desacordo entre internalistas e externalistas tema ver com se as condies da justificao so internas: internalistasdizem que as condies necessrias so internas, externalistasdizem que no so23 (BERGMANN, 2006c; trad. nossa).
Uma maneira de sintetizar o que seria suficiente para que uma posio
possa ser considerada internalista ante as consideraes apreciadas consistiria no
seguinte:
I: Pelo menos uma das condies necessrias da justificao interna
(isto , interna a agentes epistmicos humanos)24.
Bergmann pretende mostrar que I no suficiente para que uma posio
possa ser considerada internalista e busca sua motivao a partir precisamente de
(i) e (ii). Bergmann argumenta que se I for verdadeiro, um internalista deveria
assumir que, no seguinte caso, o agente estaria justificado:
22 Cf. Goldman, 1979; 1986.23 This sort of interchange suggests that the disagreement between internalists and externalists has todo with whether the conditions necessary for justification are internal conditions: internalists say theconditions necessary for justification are internal; externalists say they arent (BERGMANN, 2006c,p.139; grifos do autor).24 At least one of the necessary conditions of justification is internal (i.e., internal to normal adulthumans) (BERGMANN, 2006c, p. 140).
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22
Julie acredita que p. Esta crena satisfaz cada uma das condiesque so conjuntamente necessrias e suficientes para a justificao.Ademais, todas estas condies so internas, na medida em que sointernas a [agentes epistmicos humanos]. Mas Julie no [possui ascaractersticas tpicas de um agente epistmico humano]. Comoresultado de sua [condio], nenhuma das condies necessriaspara a justificao so internas a ela. Com efeito, a crena de Julieque p est justificada mesmo ela no estando consciente (oupotencialmente consciente) de alguma coisa que contribui parajustificao de sua crena que p. O que importante para ajustificao que sua crena satisfaz cada uma das condiesnecessrias para a justificao no que qualquer dessas condiesou qualquer coisa que contribua para justificao de sua crena sejainterna a ela (embora seja verdadeiro que cada dessas condiesacontea de ser interna a [agentes epistmicos humanos])(BERGMANN, 2006c, trad. nossa; com adaptaes)25.
Atribuir justificao a Julie, argumenta Bergmann, nessas circunstncias,
de um ponto de vista internalista, seria inadmissvel. Mas por qual razo?
Outra maneira de entender as motivaes internalistas sem cometer
uma petio de princpio que favorea uma leitura acessibilista do internalismo
pela reflexo acerca das preocupaes da epistemologia tradicional. O projeto
epistemolgico tradicional tenta responder questes como a da possibilidade de
respondermos, de maneira epistemicamente responsvel, por nossas alegaes de
conhecimento26.
25 Julie believes that p. That belief satisfies each of the conditions that are together necessary andsufficient for justification. Furthermore, all of these conditions are internal conditions insofar as theyare internal to normal adult humans. But Julie isnt normal. As a result of her abnormality, none of thenecessary conditions of justification is internal to her. In fact, Julies belief that p is justified eventhough she isnt aware (or potentially aware) of anything that contributes to the justification of herbelief that p. Whats important for justification is that her belief satisfies each of the necessaryconditions of justification not that any of these conditions or anything contributing to the justificationof her belief is internal to her (though its true that each of these conditions happens to be internal tonormal adult humans) (BERGMANN, 2006c, p. 140).26 Observamos, assim, uma forte conexo entre o internalismo e os problemas clssicos doconhecimento. J no que diz respeito s motivaes ou pressupostos do externalismo no cenrioepistemolgico, quais seriam elas? O externalismo epistmico tem como uma premissa bsica, aideia de que fatores ou processos que so parcial ou inteiramente externos perspectiva cognitiva doagente contribuem para a justificao da crena (Cf., por exemplo, BONJOUR, 2010b, p. 203). Oexternalismo epistmico tem sido associado ao projeto do naturalismo epistemolgico (Cf.ABRANTES; BENSUSAN, 2003; GOLDMAN, 1998; KORNBLITH, 2002; KVANVIG, 2010; WILLIAMS,2004). Tipicamente, essas abordagens rejeitam o apriorismo, privilegiam o falibilismo e chamam aateno para relaes (nomolgicas, etiolgicas, causais, entre outras) entre o agente e o ambiente,na anlise da justificao epistmica.
-
23
Tal projeto, epitomado por Descartes (por exemplo, nas Meditaes
(2004)), ocupa ainda grande centralidade na investigao epistemolgica. Bonjour
(2010; cf. tambm BONJOUR; SOSA, 2003), por exemplo, ao defender um retorno
ao fundacionismo (no seu caso, um fundacionismo internalista), concebe-o como
uma maneira adequada de lidar com questes recalcitrantes, como o problema do
regresso quanto para a justificao de crenas empricas. Goldman (1980) observa
que a epistemologia tradicional [...] tem sido predominantemente internalista ou
egocntrica (GOLDMAN, 1980, p. 32; grifo do autor; trad. nossa), no sentido de o
ponto de partida para a investigao ser de dentro para fora. Ou seja, na
epistemologia tradicional, o agente, a partir de si, constri o conhecimento. Essa
concepo tem sido acusada de colocar problemas insolveis ao implicar,
alegadamente, concluses cticas, devido alta exigncia da satisfao de suas
condies27 ou, ainda, de ser demasiado intelectualista28.
Por outro lado, deparamos com os questionamentos internalistas quanto
capacidade de o externalismo oferecer uma soluo adequada para esses
problemas. Internalistas como Fumerton (1988; 1990; 1995), Bonjour (1980, 1985) e
Stroud (1989; 1994) rejeitam que essas abordagens o faam. O externalismo
epistmico acusado, por sua vez, de [...] estar mudando de assunto [...] ou, no
melhor caso, ter oferecido uma resposta insatisfatria questo tradicional (LEITE,
2005; trad. nossa). No entanto, por que exatamente abordagens externalistas
ofereceriam uma resposta insatisfatria a tais questes?29
Bonjour (1980) aponta que, no cenrio epistemolgico tradicional, no
pareceria razovel a qualquer proposta construtiva acerca do conhecimento tomar
27 Cf. Bergmann, 2006a; Bonjour, 2010a, p. 365.28 Cf. Vahid, 2011, p. 150.29 Cf. Leite, 2005; Schmitt, 1992.
-
24
para a justificao de uma crena fatos ou relaes externas sob a perspectiva do
agente, pois elas seriam demasiadamente frgeis, enquanto suporte epistmico.
Como o cenrio cartesiano indica, a crena na mera fiabilidade do mundo no
suficiente o crente pode estar enleado de modo sistemtico. Para Bonjour, as
relaes externas possuem um papel na justificao somente na medida em que
so acompanhadas pelas razes que o agente possui para sustent-las (BONJOUR,
1980, p. 56). A partir dessas ponderaes, podemos compreender melhor as razes
de Bergmann em afirmar que I no satisfaria os requisitos tipicamente internalistas.
Bergmann prope, ento, um ajuste em I, que resulta em I30.
I: Pelo menos uma das condies necessrias para a justificao
interna ao sujeito (isto , pessoa que sustenta a crena em questo)31.
De maneira semelhante, o autor procura demonstrar que a I no faz jus
plenamente s intuies internalistas. Bergmann argumenta que se I for verdadeiro,
um internalista deveria assumir que, no seguinte caso, o agente estaria justificado, o
que tambm seria inadmissvel, sob uma perspectiva internalista:
Tanner acredita que p. Esta crena satisfaz cada uma das condiesnecessrias para a justificao. Ademais, cada uma dessascondies (contingentemente) interna a Tanner. No entanto, existeum mundo possvel no qual Tanner acredita que p e sua crena quep satisfaz cada uma das condies necessrias para a justificao,embora nenhuma dessas condies seja interna a ele. Neste mundo,a crena de Tanner que p justificada mesmo se ele no consciente (ou potencialmente consciente) de qualquer coisa quecontribua para a justificao de sua crena que p. O que importapara a justificao que a crena em questo satisfaz cada uma dascondies necessrias para a justificao no que qualquer dessas
30 No trecho, no realizamos a substituio das expresses sujeito ou pessoa por agenteepistmico ou expresso anloga. Isso porque o contraste que o autor prendeu estabelecer entre I eI poderia ser elipsado com a substituio.31 At least one of the necessary conditions of justification is internal to the subject (i.e., to the personholding the belief whose justification is at issue) (BERGMANN, 2006c, p. 140).
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25
condies (ou qualquer coisa que contribua para a justificao dacrena) seja interna pessoa que sustenta a crena. Apenas ocaso que no mundo atual cada uma das condies necessrias paraa justificao interna a Tanner (BERGMANN, 2006c; trad. nossa)32.
Bergmann sustenta que os casos apresentados ilustram respectivamente,
(i) e (ii). O primeiro caso fornece apoio ideia de que, de um ponto de vista
epistmico, a caracterstica principal do fator interno que ele diz respeito vida
mental consciente do agente. O segundo caso fornece apoio ideia de que deve
haver uma conexo necessria entre esses fatores e a relao estabelecida com o
agente33. Bergmann prope que interpretemos a relao de acesso que o agente
tem com os fatores que contribuem para a justificao de uma crena em termos da
conscincia efetiva ou potencial que o agente tem desses fatores. Assim, Bergmann
conclui que uma condio necessria, mas no suficiente, para que uma abordagem
seja internalista a seguinte:
I A crena B de um agente est justificada somente se: existe alguma
coisa X que contribui para a justificao de B por exemplo, indcios para B ou
indicadores de verdade para B ou a satisfao de alguma condio necessria para
a justificao de B e o agente consciente (ou potencialmente consciente) de X
(BERGMANN, 2006a, p. 141).
32 Tanner believes that p. That belief satisfies each of the necessary conditions of justification.Furthermore, each of these conditions is (contingently) internal to Tanner. However, there is a possibleworld in which Tanner believes p and his belief that p satisfies each of the necessary conditions ofjustification although none of those conditions is internal to him. In that world, Tanners belief that p isjustified even though he isnt aware (or potentially aware) of anything that contributes to thejustification of his belief that p. What matters for justification is that the belief in question satisfies eachof the conditions necessary for justification not that any of those conditions (or anything contributingto the belief s justification) is internal to the person holding the belief. It just happens to be the casethat, in the actual world, each of the necessary conditions of justification is internal to Tanner(BERGMANN, 2006c, p. 140-141).33 Essa afirmao no necessita ser tomada de modo categrico. Diferentes formas de internalismopodem divergir acerca de como essa relao se d. Cf. Alston, 1971.
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26
Se I de fato uma condio necessria para que uma abordagem seja
internalista, ento a premissa (I) verdadeira. Assim, Bergmann conclui a defesa da
premissa (I).
A premissa (II) Bergmann (2006c) argumenta que dispensa defesa,
apenas por uma questo programtica. Alguns comentrios so necessrios. O que
significa conscincia forte e conscincia fraca no presente contexto? O autor
esclarece que por conscincia forte devemos entender um tipo de conscincia que
envolve a concepo ou apreciao da parte do agente que um determinado fator
relevante para a justificao ou verdade da crena sustentada. Por conscincia fraca
devemos entender um tipo de conscincia que no envolve a concepo ou
apreciao da parte do agente que um determinado fator relevante para a
justificao ou verdade da crena sustentada. Bergmann (2006a) explicita que a
chamada conscincia forte envolve a aplicao de conceitos. Ter conscincia de X,
assim, envolve a posse do conceito X. A chamada conscincia fraca, em oposio,
no envolve a posse de conceitos animais no humanos sencientes partilham este
segundo tipo de conscincia. Bergmann nota que humanos podem,
semelhantemente, ser conscientes de suas experincias, sem a articulao
conceitual; no entanto, somente humanos teriam a capacidade de tornarem-se
conscientes de forma conceitual.
A premissa (III) o primeiro chifre do dilema. Bergmann (2006c) distingue
as verses doxsticas e no doxsticas da conscincia forte, e distingue ainda seu
carter, entre efetivo e potencial. A conscincia forte doxstica envolve a crena de
que o objeto de conscincia de alguma maneira relevante para a justificao ou
verdade de uma crena-alvo (BERGMANN, 2006c, p. 14; grifos do autor) e a verso
no doxstica aquela que meramente no envolve atributos de natureza avaliativa.
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27
Se efetiva, o agente deve levar a cabo de fato as exigncias impostas pelo requisito
de conscincia, se potencial, o agente deve apenas ter a capacidade de faz-lo.
Bergmann argumenta que as verses doxsticas da conscincia forte
levam a problemas de regresso, que por sua vez, tm consequncias cticas, visto
que isso implica que poucas ou nenhumas das crenas que sustentamos em
contextos ordinrios so justificadas, pois elas no cumpririam os requisitos
internalistas. O autor sustenta que o apelo a verses doxsticas que envolvam a
mera capacidade do agente, bem como as verses no doxsticas, no capaz de
oferecer uma resposta robusta ao problema colocado. A cada subtipo relevante de
conscincia, corresponde uma formulao particular do requisito de conscincia.
Avaliamos primeiramente os argumentos de Bergmann acerca de como
as verses doxsticas da conscincia forte levam a problemas de regresso.
conscincia forte doxstica efetiva corresponde a seguinte formulao
do requisito de conscincia:
Requisito de conscincia forte doxstica efetiva: A crena C deum agente justificada se: existe alguma coisa X que contribui paraa justificao de C e o agente efetivamente consciente de X de talmaneira que o agente cr justificadamente que X em algum sentidorelevante para a adequao da sustentao da crena C(BERGMANN, 2006c, p. 14-15).
pertinente observarmos a segunda parte da clusula. Por que o sujeito
deve crer justificadamente acerca do papel epistmico de X (e se ele desempenha
de modo eficaz esse papel)? Podemos nos questionar: esse tipo de compromisso
coerente com as demandas de uma perspectiva internalista? Ou ainda, no
estaramos atacando uma caricatura do internalismo ao imputarmos a ele tais
exigncias, ao onerar o agente em deveres epistmicos pouco plausveis de serem
cumpridos?
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28
O autor procura oferecer elementos a uma resposta positiva primeira de
nossas questes e uma negativa para a segunda. Ele argumenta que uma
perspectiva internalista tpica no seria facilmente impressionada pela mera crena
da parte do agente acerca do papel desempenhado por X. Um internalista deve
insistir que o agente deve, de alguma maneira, reconhecer a relao justificatria
relevante. Ou seja, no basta apenas que um agente disponha de indcios que
suportem a verdade de uma determinada alegao de conhecimento, por exemplo,
de que a biblioteca fecha s 23 horas e 45 minutos. Se entendermos a noo de
indcios de uma maneira suficientemente amigvel ao internalismo, de modo a
contar uma lembrana como um indcio34, notamos que o internalista julga que
necessrio tambm que o agente creia que essa lembrana fivel, e que ele tem
mais razes para sustentar que os indcios que lhe so disponveis fornecem um
suporte apropriado para crena de que a biblioteca fecha s 23 horas e 45 minutos
do que para no assentir a esse entendimento ou suspender o juzo.
O problema de regresso instaurado pelo Requisito de conscincia forte
doxstica efetiva agora inevitvel. Segundo o requisito, o agente deve ter uma
crena justificada' com relao a um fator X que contribui para a justificao da
crena do agente em C. Assim, temos que:
P: X de alguma maneira relevante adequao da sustentao de C35.
Isto, por sua vez, tem a implicao de que para que a crena P seja
justificada, o agente deve ter uma crena justificada'' a respeito de um fator X que
contribui a crena de P.
34 Conee e Feldman (2004) so favorveis a uma interpretao lata da noo de indcio [evidence].35 Cf. Bergmann, 2006c, p. 15.
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29
P: X , de alguma maneira, relevante adequao da crena de que 'X
, de alguma maneira, relevante adequao da sustentao de C'.
De modo semelhante, temos que para que a crena em P seja
justificada, o agente deve ter uma crena justificada''' com relao a um fator X que
contribui para a justificao da crena do agente em P:
P: X de alguma maneira relevante para a adequao da crena de que
'X de alguma maneira relevante para a adequao da crena de que 'X de
alguma maneira relevante para a adequao da sustentao de C''.
Podemos prosseguir indefinidamente questionando as credenciais
epistmicas dos elementos envolvidos na cadeia justificatria. E precisamente por
isso que o Requisito de conscincia forte doxstica efetiva implica um regresso,
que, como nota Bergmann, de complexidade crescente. Qualquer agente
epistmico com as caractersticas de um humano adulto dificilmente poderia
acompanhar muitos passos de tal cadeia.
O autor pede que consideremos, ento, a verso da conscincia forte
doxstica potencial. O requisito de conscincia, neste caso, pode ser expresso da
seguinte maneira:
Requisito de conscincia forte doxstica potencial: A crena C de um
agente justificada se: existe alguma coisa X que contribui para a justificao de C
e o agente capaz a partir da reflexo apenas ser consciente de X de tal maneira
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30
que o agente cr justificadamente que X em algum sentido relevante para a
adequao da sustentao da crena C36.
O que esta formulao traz de novo em relao ao Requisito de
conscincia forte doxstica efetiva? Qual precisamente a natureza da
potencialidade aludida nessa formulao? Bergmann afirma que o sentido
relevante o das capacidades cognitivas humanas. Assim, no est em questo a
possibilidade lgica ou metafsica de o agente cumprir o requisito. A expresso a
partir da reflexo apenas ilustra precisamente o tipo de operao cognitiva que est
pressuposta que abrange somente aquilo que o agente pode, a partir de um
esforo intelectual, alcanar.
Ainda que soe vaga, essa formulao consegue capturar nuanas de
ideias defendidas por diferentes internalistas, como a de que a justificao
epistmica deriva de um esforo deliberado do agente e somente se ele procede de
maneira adequada, a partir daquilo que lhe disponvel (por exemplo, o raciocnio
indutivo ou dedutivo, sua memria, introspeco etc.), podemos atribuir mrito
epistmico crena parte da crtica internalista contra o externalismo diz respeito
alegada trivialidade que seria incutida pela anlise externalista da justificao, que
faria com que qualquer crena pudesse facilmente qualificar-se positivamente
deriva desta concepo37.
O Requisito de conscincia forte doxstica potencial consegue evitar
o problema de regresso e as concluses cticas que se decorrem? Bergmann
oferece uma resposta negativa. Para cada srie Pn de crenas, o agente s
justificado em sustentar a crena-alvo C se capaz de crer justificadamente em Pn.
36 Cf. Bergmann (2006c, p. 16; grifos do autor).37 Cf. Cohen (2002) e Vogel (2000).
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31
Ou seja, a fala acerca da mera potencialidade no capaz de inibir o regresso,
novamente, o internalista est diante de uma demanda irrealizvel. Ambos os
regressos implicados compartilham a caracterstica de exigirem do agente crenas
de complexidade crescente observado o fato que cada crena pode ocorrer uma
vez na srie.
Bergmann nota que uma maneira como alguns internalistas tentam evitar
os problemas implicados pelo Requisito de conscincia forte doxstica efetiva e
pelo Requisito de conscincia forte doxstica potencial abrindo mo da
insistncia sob o carter doxstico da conscincia. Em uma palavra, o
entendimento de que talvez o tipo de conscincia relevante de um ponto de vista
epistmico no envolva crenas. Como podemos fazer sentido dessa ideia?
Internalistas como Moser (1989) propem uma distino entre aquilo que temos
chamado de conscincia forte doxstica e aquilo que designa conscincia
conceitual. A ltima envolveria a categorizao de um fator X que contribui para a
justificao sem um julgamento de sua natureza. Assim, X identificvel e passvel
de classificao, sem, contudo, envolver, da parte do agente, uma mediao
avaliativa de um tipo que envolva crenas ou opinies. Bergmann nota, no entanto,
que o apelo a esse tipo de conscincia no evita os problemas anteriormente
identificados. Isso se deve ao fato de que o ato do agente, ao identificar X e
classific-lo de certa maneira, isto , vindicando que X o caso e possui
caractersticas de individuao, pode ser, semelhantemente, correto ou incorreto, e
portanto, justificado ou injustificado.
O autor prope a seguinte verso do requisito de conscincia para a
conscincia forte no doxstica efetiva:
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32
Requisito de conscincia forte no doxstica efetiva: A crena C ou
conceito de aplicao Y justificado se: existe alguma coisa X que contribui para a
justificao de Y e o agente consciente de X de tal maneira que o agente
justificadamente aplica o conceito de ser de alguma maneira relevante para a
adequao de Y38.
A conscincia forte no doxstica efetiva tambm induz a um regresso,
ainda que no seja um regresso de crenas, mas um regresso de conceitos de
aplicao. O apelo conscincia forte no doxstica potencial no de ajuda, pois
sujeita s mesmas consideraes que a conscincia forte doxstica potencial.
Assim, o Requisito de conscincia forte no doxstica efetiva tambm possui
implicaes cticas.
Ao demonstrar que qualquer tipo de conscincia forte envolve um
regresso e que por isso tem consequncias cticas, Bergmann conclui sua defesa
da premissa (III).
Antes de expor a premissa (IV), gostaramos de fazer algumas
consideraes sobre as consequncias cticas implicadas pelo regresso, bem como
internalistas e externalistas se colocam em relao ao desafio ctico.
Como vimos, o internalismo possui uma forte afinidade com o projeto
epistemolgico tradicional, que marcado pela reabilitao da figura do ctico, que
neste cenrio ocupa uma funo metodolgica primordial.
O externalismo, por sua vez, mantm-se no bojo desta herana, ainda
que como antagonista. E como nota Vahid (2001), as respostas de internalistas e
externalistas ao desafio ctico tm sido usadas como material, pelas respectivas
38 Cf. Bergmann (2006c, p. 17; grifos do autor).
-
33
partes, para uma reductio ad absurdum das posies elas mesmas (VAHID, 2011, p.
153).
De um lado, externalistas sustentam que a anlise internalista da
justificao tem como implicao que poucas ou nenhuma das nossas crenas so
justificadas. Portanto, o internalismo no oferece uma resposta ao ceticismo; ao
invs disso, tem precisamente implicaes cticas. De outro lado, internalistas
sustentam que a anlise externalista da justificao ou oferece um critrio
trivializante, ou meramente comete uma mudana dialtica ilcita. A concluso
extrada pelo internalista , semelhantemente, de que o externalismo no oferece
uma resposta satisfatria ao ceticismo; ao invs disso, tem consequncias cticas.
O que explica esse impasse? Ele possui alguma soluo? Cremos que o
impasse pode ser explicado, ao menos parcialmente, pelo fato de que a gnese das
epistemologias internalistas e externalistas eminentemente positiva, isto ,
somente pela pressuposio de que temos conhecimento de fato, que uma posio
que contrarie esta intuio deve ser rejeitada.
Bergmann (2006a) considera a possibilidade de o internalista aceitar as
concluses cticas implicadas, no entanto, negando que o internalismo deva ser
rejeitado. Ou seja, Bergmann prope que consideremos uma situao tal que um
internalista aceita a premissa (III) e, no entanto, no est disposto a aceitar as
premissas (V) e (VI) ao menos em relao s assunes vinculadas ao primeiro
chifre. Bergmann procura dar inteligibilidade a este cenrio motivando-o a partir de
uma reflexo sobre o problema do critrio39.
Podemos entender o internalista como um metodista, isto , o internalista
prope que, a partir de uma familiaridade prvia em relao a um dado critrio para
a justificao, podemos avaliar o status epistmico de um dado conjunto de crenas.
39 Cf. Chisholm, 1982, 1989.
-
34
O critrio internalista o da imposio do requisito de conscincia, se o requisito
tem consequncias cticas, ainda assim, no teramos razo para abandonar o
internalismo. A pressuposio da correo do critrio de que ele capaz de
capturar as nuanas essenciais do conceito prevalece em relao s intuies
otimistas acerca do status epistmico das crenas ordinrias; se, de acordo com ele,
nenhuma das nossas crenas ordinrias se qualifica como justificada, teramos de
aceitar esta consequncia. Bergmann nota que tal critrio tem como implicao que,
se correto, qualquer agente epistmico que possua recursos cognitivos, conceituais
e lingusticos limitados, como o caso de adultos humanos, jamais poderia estar
justificado. E plausvel pensarmos que o conceito de justificao que interessa a
internalistas e externalistas pode ser exemplificado no tipo de agente aludido. E
neste sentido, esta possvel sada internalista no se mostra de interesse, no
presente contexto.
A premissa (IV) o segundo chifre do dilema. Bergmann sustenta que
tanto a verso conceitual quanto a verso no conceitual da conscincia fraca so
sujeitas a (OPS) a conscincia fraca conceitual envolve a aplicao de conceitos,
enquanto a conscincia fraca no conceitual no a envolve.
Contra a verso da conscincia fraca no conceitual, Bergmann prope
que raciocinemos a partir do seguinte caso: suponhamos que algum um
externalista do tipo confiabilista, e que, portanto, sustenta que as condies
necessrias e suficientes da justificao epistmica so uma funo de processos
confiveis de formao de crena.
Seja considerado o caso de um dado agente, Jack. Uma crena C de
Jack produzida por um processo confivel de formao de crena. C uma
instncia de um tipo de processo confivel de formao de crena. Se o confiabilista
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35
admite a robustez de (OPS), bastaria a imposio da conscincia fraca no
conceitual? Ou seja, essa estratgia evita a concluso de que, do ponto de vista
subjetivo de Jack, o status de sua crena C no se difere do de uma crena C' que
uma instncia de um tipo de processo no confivel de formao de crena? O
autor defende que no. Uma vez que, mesmo que Jack tenha uma conscincia fraca
no conceitual do tipo processo confivel de formao de crena, possvel que
Jack no o conceba como relevante, em algum sentido, para a sustentao da
crena C; neste caso, uma coincidncia da perspectiva de Jack que sua crena
seja justificada. Se considerarmos a conscincia fraca conceitual, o fato de Jack ter
a capacidade de aplicar conceitos compatvel com a possibilidade de que ele no
aplique o conceito relevante, uma vez que somente o requisito de conscincia forte
capaz de garantir que o agente aplica de fato o conceito adequado.
(OPS) em geral colocada como uma objeo s perspectivas
externalistas, em especial, o confiabilismo, contra a ideia de que a satisfao de
uma condio externa suficiente para a justificao.
O ncleo de (OPS) envolve a assuno de que a satisfao de condies
externas no suficiente para a justificao devido atitude do agente ser
suscetvel, ou ao menos compatvel, com a irracionalidade epistmica e com o
acaso epistmico.
O aval epistmico concebido pelo externalista pressupe que a existncia
de garantias negativas capaz de qualificar uma crena como justificada, enquanto
o internalista compreende que somente garantias positivas (razes, indcios) podem
cumprir essa funo. O requisito de conscincia, em qualquer de suas verses, tem
como propsito estabelecer a funo de garantia positiva. O ponto de Bergmann
-
36
que a conscincia fraca no capaz de cumprir esse propsito, e, precisamente, por
essa razo sujeita ao mesmo tipo de crtica que o externalismo.
Assim se encerra a defesa da premissa (IV).
As premissas (V) e (VI) seguem as demais.
1.2.1 Avaliando respostas contra o dilema de Bergmann
Nesta seo analisamos algumas respostas oferecidas ao dilema, bem
como oferecemos uma anlise de suas motivaes e sua eficcia contra o dilema.
1.2.1.1 Bonjour x Bergmann: uma sada fundacionista?
Uma maneira pela qual podemos compreender o fundacionismo como
uma teoria sobre a arquitetura ou estrutura do conhecimento ou da justificao, que
afirma existirem dois tipos elementares de crenas, as bsicas e as no bsicas. As
crenas bsicas no derivam de outras crenas e so entendidas ou como
autojustificadas ou como no carecendo de justificao em algumas formulaes. As
crenas no bsicas seriam todas as outras crenas que no possuem essas
qualidades40. O status epistmico das segundas depende do status das primeiras.
Conforme este tipo de compreenso, uma determinada crena emprica C ser
justificada se ela deriva de uma cadeia de crenas que possua a crena C' em sua
origem, sendo que C' portadora de qualidades epistmicas excelentes (por ex.,
verdade, certeza, entre outras) que se estendem cadeia. O fundacionismo se ope
40 Cf. Audi, 1993; Huemer, 2010, p. 22-33.
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37
tipicamente ao coerentismo, ao infinitismo41 e ao contextualismo42, ainda que
historicamente o ncleo da discusso tenha se dado, com prioridade, entre o
fundacionismo e o coerentismo.
As formas mais proeminentes tanto do internalismo quanto do
externalismo sobre justificao apresentam-se articuladas em termos de uma teoria
fundacionista. Embora existam, naturalmente, tambm formas de internalismo
coerentistas, trataremos aqui apenas das formas fundacionistas do internalismo.
Nesta seo, analisamos a defesa do Bonjour do fundacionismo
internalista e a resposta de Bonjour (2006) ao dilema de Bergmann (2006a; 2006b).
Bonjour conhecidamente talvez um dos maiores defensores do
fundacionismo internalista e, paradoxalmente, um de seus maiores detratores.
Bonjour (1980), ainda na poca que defendia uma verso coerentista de
internalismo, colocava uma objeo fundamental contra o fundacionismo internalista
que dizia respeito ao suposto regresso epistmico implicado por ele. No entanto, a
partir de sua virada fundacionista, Bonjour passa a defender que a rejeio do
fundacionismo internalista que motivaria primeiramente a adeso ao coerentismo
internalista e ao externalismo (fundacionista) e que essas posies no ofereciam
respostas adequadas aos problemas centrais da epistemologia.
Assim, a tarefa precpua de Bonjour defender o fundacionismo da
objeo do regresso epistmico, outrora identificada por ele. Uma resposta a essa
objeo deve irremediavelmente tratar de dois problemas-chave fundamentais que
se colocam a qualquer perspectiva fundacionista acerca do conhecimento ou da
justificao. Um deles o da elucidao na natureza das crenas bsicas, isto , de
que maneira essas crenas podem desempenhar o papel de garantia epistmica
41 Cf. Klein, 1998; 1999; 2005.42 Cf. Feldman, 2010, p. 10-22.
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38
para as crenas no bsicas ou nos termos de Bonjour (2001; 2003), que o
fundacionista deve se ocupar de demonstrar que existem ou podem existir crenas
fundacionais que desempenham funo relevante, tal como o internalismo
fundacionista alega. O outro a elucidao da natureza e condies, e qual a
relao justificacional entre as crenas bsicas (que, em sua formulao, dizem
respeito aos estados de conscincia do agente) e no bsicas (por exemplo,
crenas a respeito de objetos fsicos).
Ao examinarmos as respostas fundacionistas a esses problemas,
esclarecemos colateralmente quais as motivaes do endosso ao fundacionismo.
Bonjour (2001; 2003; 2006), em seu recuo fundacionista, alega que somente o
fundacionismo capaz de fazer justia s consideraes sobre a racionalidade das
crenas empricas e oferecer uma resposta ao ceticismo.
No que diz respeito ao problema da elucidao da natureza das crenas
bsicas, Bonjour observa que as crenas bsicas no podem ser crenas empricas.
Se elas o fossem, para que um agente pudesse sustent-las racionalmente, deveria
oferecer um suporte a ela, e, por essa razo, a crena bsica perderia o seu carter
fundacional.
Bonjour prope que o carter epistemicamente positivo das crenas
bsicas seja explicado pelo apelo experincia. As crenas bsicas para Bonjour
so crenas contingentes que devem preservar o aspecto da condutibilidade
verdade. A estratgia de Bonjour difere em alguns aspectos de propostas
fundacionistas internalistas, como as de Lewis (1946) e Fumerton (1995). Esses
ltimos propem que o carter epistemicamente positivo das crenas bsicas seja
explicado por uma relao de apreenso direta [direct apprehension] ou
familiaridade [direct acquaintance] da crena bsica com o contedo da experincia
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39
do agente. Isso porque se insiste que da [...] conscincia da coincidncia do
contedo [da crena bsica] com o valor assertivo com a proposio (GALLINA,
2010, p. 24) que o status de uma crena no bsica determinado. A partir disso,
compreendemos, com mais exatido, o papel desempenhado pela crena bsica.
Segundo Bonjour, teorias da apreenso direta ou familiaridade seriam
uma resposta insatisfatria objeo ao regresso colocada ao fundacionismo devido
falta de clareza sobre a natureza do ltimo elemento da trade experincia-crena
bsica-apreenso. Em suas palavras,
a figura sugere que na situao da crena fundacional existem ostrs seguintes elementos distinguveis. Primeiro, existe a experinciasensorial ela mesma. Segundo, existe a alegada crena bsica oufundacional, cujo contedo, eu irei assumir, diz respeito a algumaoutra caracterstica ou aspecto da experincia. E terceiro, existe oque parece ser o outro ato mental de algum tipo distinto da crena, oato de apreenso ou familiaridade direta com a experincia sensoriale suas caractersticas relevantes. E este outro ato mental que deveprover a razo para a pessoa pensar que sua crena verdadeira(BONJOUR, 2003, p. 17; trad. nossa)43.
Bonjour sugere uma resposta ao dilema contra o fundacionismo.
Observe que as posies aludidas aqui podem ser classificadas como
internalistas por aderirem a uma formulao do requisito de conscincia.
Bonjour avalia que nessas formas de fundacionismo, o dilema se coloca
de modo inevitvel, pois sempre possvel questionar sobre o status epistmico do
segundo ato mental (ou mesmo avali-lo como adequado ou inadequado, etc.). Isso
nos remeteria a um terceiro ato mental e assim por diante o que no uma
concluso desejvel. Este o primeiro chifre do dilema. Do outro lado, temos que se
43 The picture it suggests is that in a situation of foundational belief, there are the following threedistinguishable elements. First, there is the relevant sensory experience itself. Second, there is theallegedly basic or foundational belief, whose content, I will assume, pertains to some feature or aspectof that experience. And third, there is what appears to be a further mental act of some kind that isdistinct from the belief, an act of direct apprehension of or immediate acquaintance with the sensoryexperience and its relevant features. And it is this further mental act that is supposed to provide thepersons reason for thinking that the belief is true (BONJOUR, 2003, p. 17).
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40
sustentado que esse segundo ato mental no natureza cognitiva ou avaliativa, o
regresso evitado; no entanto, de que maneira que ele colaboraria para o xito
epistmico? Em outros termos, de que maneira um ato mental no cognitivo
conferiria um status epistmico positivo s crenas no bsicas? Ademais, nesse
cenrio, a natureza das crenas bsicas ainda permanece obscura.
Bonjour vindica que em virtude da natureza consciente das crenas, o
agente provido de uma instncia de parada, assim o regresso evitado. Nisto
consiste o elemento internalista da soluo ao problema do regresso ao
fundacionismo. Gallina (2010) sintetiza a soluo de Bonjour nos seguintes termos:
O acesso ao elemento justificador autoriza o reconhecimento de queesse elemento fundamental para as demais crenas. Essa posio o que caracteriza seu internalismo como sendo de acesso [...].[Bonjour] estabelece como elemento justificador um contedodescritivo, uma proposio cujo acesso no mais uma introspecodo agente, mas um insight racional, guiado por uma espcie deconscincia da verdade intrnseca ao estado doxstico, umaconscincia que constitui a crena enquanto tal (GALLINA, 2010, p.23).
Se correta a proposta de Bonjour, uma elegante sada ao dilema contra
o fundacionismo. Admitamos por um momento que isso seja verdadeiro. As
consideraes de Bonjour acerca da natureza da crena bastariam para dissolver o
dilema de Bergmann contra o internalismo? Bergmann (2006a) nota que, de acordo
com Bonjour (2001, 2003, 2006), a determinao do status de uma crena emprica
C envolve a conscincia de uma experincia sensorial E e a adequao descritiva
entre a experincia sensorial E e o contedo proposicional de C. Bergmann
argumenta que o tipo de conscincia com que Bonjour parece estar comprometido
a conscincia forte ou seja, um tipo de conscincia que envolve a concepo ou
apreciao da parte do agente que um determinado fator relevante para a
justificao ou verdade da crena sustentada.
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41
Sendo assim, para que a crena-alvo C seja justificada, o agente deve
formar uma metacrena, que por sua vez, s pode ter seu status explicado se o
agente encontra-se em uma situao na qual capaz remeter-se provido de bons
indicadores, avaliar a srie Pn de proposies que ocorrem na cadeia.
Bergmann identifica, assim, que por aceitar o chifre forte, Bonjour acaba
por ser alvo das consequncias que dele se seguem, ou seja, o regresso epistmico
passa a ser inevitvel e dele se acompanha o ceticismo global sobre a justificao.
1.2.1.2 Crisp x Bergmann
Crisp (2010), semelhantemente a Bonjour (2006a), dedica sua ateno ao
primeiro chifre do dilema, isto , o chifre que explicita a objeo de que a subscrio
exigncia de acessibilidade entendida nos termos do que Bergmann (2006a)
designa conscincia forte levaria o internalismo a um regresso epistmico vicioso.
Como consequncia, nenhuma de nossas crenas seria efetivamente justificada,
conduzindo ao ceticismo radical no entanto, por uma via sensivelmente distinta.
A argumentao de Crisp dividida em duas etapas: a primeira consiste
em sua tentativa de mostrar que Bergmann no oferece razes robustas para a
aceitao do primeiro chifre do dilema; a segunda etapa compreende a tentativa de
Crisp de mostrar que o chifre alvo falso, e a consequncia imediata a de que o
argumento de Bergmann contra o internalismo seria invlido. Uma concluso
secundria extrada por Crisp a de que se o argumento geral de Bergmann contra
o internalismo falha, o propsito colateral de Bergmann, que a defesa das
perspectivas externalistas da justificao epistmica, tambm falha.
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42
Notamos que Crisp faz uma importante concesso: Crisp concorda que a
exigncia de acessibilidade leva a um regresso epistmico. Porm Crisp rejeita que
esse regresso seja vicioso, ou seja, que a existncia do regresso inviabilize a fala
sobre justificao. Este o ncleo da defesa de Crisp acerca da razo de que o
chifre no seria bem motivado. Em resumo, Crisp argumenta que se a nica razo
para que Bergmann assuma a viciosidade do regresso epistmico for o aumento da
complexidade do contedo com que o agente tem de lidar no processo justificatrio
implicando presuno da posse de capacidades cognitivas capazes de lidar com
uma estrutura de raciocnio de dificuldade exponencialmente crescente, claramente
indisponveis a agentes epistmicos humanos ao demonstrar que no h aumento
na complexidade do contedo, demonstrar-se-ia tambm que o regresso epistmico
no levaria a uma concluso ctica no que diz respeito justificao.
O autor alega que uma forma de internalismo que interprete a exigncia
da acessibilidade em termos do Requisito de conscincia forte doxstica
potencial poderia evitar o regresso em sua forma viciosa.
Bergmann (2006a) argumenta que o Requisito de conscincia forte
doxstica potencial implica que, para uma dada crena ser justificada,
necessrio que o agente seja capaz de justificar uma srie Pn de crenas, e
irrazovel esperar que agentes epistmicos humanos possam ter sucesso em tal
empreitada. Crisp44 se vale da seguinte estratgia: sempre possvel bloquear o
aumento da complexidade do processo justificatrio se o agente pode se remeter
diretamente proposio que expressa a conscincia do fator que colabora para a
justificao da crena. E, assim, ainda que a forma da exigncia de acessibilidade
coloque o agente em uma circunstncia tal, que ele obrigado a explicitar como
44 Cf. Crisp, 2010, p. 358-359.
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43
embasou o passo anterior da cadeia justificatria, no est implicado o aumento da
complexidade do contedo informacional. Em seus termos,
o requisito de conscincia forte doxstica potencial induz ao regressoe isto est correto, mas no um regresso que envolva um aumentocrescente de complexidade de suas proposies constituintes. [...]Bergmann argumentou em favor da premissa (III) [o primeiro chifre]que o Requisito de conscincia forte doxstica potencial induz aoregresso. Mas o segundo conjunto est incorreto: o regresso noenvolve o aumento da complexidade. Uma vez que o supostoaumento de complexidade induzido pelo requisito de conscinciaforte doxstica potencial foi a nica razo para Bergmann afirmar queele vicioso, eu concluo que ele no nos d razo para pensarmosque o regresso vicioso e assim, no nos d nenhuma razo paraaceitar a premissa (III) de seu argumento45. (CRISP, 2010, p. 359;trad. nossa; com adaptaes).
Em seguida, ele considera a seguinte questo: a viciosidade implicada
pelo regresso pode ser reinstaurada de alguma maneira? Crisp considera uma
verso revisada do Requisito de conscincia forte doxstica potencial, que
parece ter o tipo de consequncia que ele, precisamente, busca evitar. A verso
revisada do Requisito de conscincia forte doxstica potencial assume a
seguinte forma:
Requisito de conscincia forte doxstica potencial revisado: A crenaC de um agente justificada se: existe alguma coisa X que contribuipara a justificao de C e o agente capaz por reflexo apenas deser consciente de X de tal maneira que o agente aceitajustificadamente a proposio expressa por 'X de alguma maneirarelevante para a adequao da sustentao da crena C' (CRISP,2010, p. 360; trad. nossa; com adaptaes; grifo nosso)46.
45 PDSAR induces regress alright, but not one involving increasing complexity of its constituentpropositions. [...] Bergmann argued on behalf of (3) that PDSAR induces regress, and that the regressis vicious owing to the increasing complexity of the propositions comprising it. The first conjunct isright: PDSAR does indeed induce regress. But the second conjunct is wrong: the regress involves noincrease of complexity. Since the alleged increase of complexity along the steps of the PDSAR-induced regress was Bergmanns only reason for claiming it vicious, I conclude hes given us noreason for thinking it vicious and thus no reason for accepting premise (3) of his argument. (CRISP,2010, p. 359)46 Revised Potential Doxastic Strong Awareness Requirement: Ss belief B that P is justified only if (i)there is something, X, that contributes to the justification of B, and (ii) S is able on reflection alone tobe aware of X in such a way that S justifiedly accepts the proposition expressed by X is in some wayrelevant to the appropriateness of holding the belief that P (CRISP, 2010, p. 360).
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44
Por que o Requisito de conscincia forte doxstica potencial revisado
deve ser uma preocupao para Crisp? Como ele adequadamente enfatiza, se OPS
favorece ou implica o Requisito de conscincia forte doxstica potencial
revisado, haver-se-ia de conceder o ponto a Bergmann. Uma vez que a atratividade
argumentativa do dilema repousa precisamente na inexorabilidade de concluses
indesejveis que se seguiriam para o internalismo ou seja, que o internalista, ao
evitar os problemas postos em um chifre, acaba por deparar com os problemas
postos pelo outro chifre , demonstrar que Crisp no escapa do cerco um ganho
importante.
Crisp argumenta que OPS no fornece boas razes para pensarmos que
o Requisito de conscincia forte doxstica potencial revisado seja verdadeiro.
Isso se deveria ao fato de que, ainda que esta formulao do requisito envolva o
aumento da complexidade do contedo com que o agente deve lidar no processo
justificatrio, ele ainda assim conseguiria fazer justia ideia de que, embora, no
contexto relevante, nem sempre o agente esteja em condies de oferecer razes
para uma crena da cadeia justificatria. No seria, do ponto de vista do agente,
uma questo de acaso que as crenas subjacentes ou a cadeia justificatria de
maneira predominante sejam condutivas verdade. Este fato poderia ser explicado
pela relao de privilgio, de um ponto de vista epistmico, que o agente estabelece
com o justificador. Assim, o autor conclui a primeira etapa de sua argumentao.
A segunda etapa da argumentao de Crisp consiste na tentativa de
demonstrar que o dilema no obtm sucesso; ele busca razes independentes que
comprovem a viciosidade do regresso e rejeita que existam razes plausveis para
que se aceite que o regresso implicado seja incompatvel com a justificao47. Crisp
47 Crisp mantm a concesso de que existe um regresso epistmico, no entanto, rejeita que ele sejamaligno.
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45
procura apoio em uma teoria das intuies48 para articular uma verso do Requisito
de conscincia forte doxstica potencial em que as intuies cumprem o papel
de garantia epistmica no embasamento de alegaes de conhecimento.
Intuies prima facie so favorveis a uma articulao enfraquecida da
exigncia de acessibilidade, tal como o Requisito de conscincia forte doxstica
potencial prescreve. Crisp procura demonstrar que se intuies podem
desempenhar o papel de evidncias ou indcios de verdade, ainda que revogveis,
elas se adquam s exigncias do Requisito de conscincia forte doxstica
potencial, sem que com isso esteja implicado um regresso vicioso49. Segundo o
autor, a posse de tal tipo de garantia epistmica evitaria a viciosidade do regresso,
pois ainda que o Requisito de conscincia forte doxstica potencial induzisse
exigncia de metacrenas, no contexto relevante, o agente estaria em plenas
condies de form-las e sustent-las adequadamente.
Avaliamos que a resposta de Crisp insatisfatria em ao menos dois
sentidos. O primeiro diz respeito ao de ela fornecer ao internalista muito menos do
que este tipicamente espera, ou seja, o tipo de suporte epistmico que o agente
capaz de fornecer nas condies especificadas por Crisp dificilmente satisfaria as
condies impostas pelas formas de internalismo mais usuais. O elemento interno,
que neste contexto coextensivo ao que disponvel ao agente introspectivamente,
de tal modo esvaziado ou enfraquecido, que no claro de que maneira ele pode
48 Cf. Bealer, 1998.49 Crisp sustenta que nossas crenas sobre importantes aspectos de nossa vida cognitiva sojustificadas com base em intuies. Por exemplo, certas crenas relacionadas moralidade soformadas (e sustentadas) com base em intuies. Assumindo-se que ao menos algumas dessascrenas calhem de ser verificadas, pode ser dito que as intuies preservam, em algum sentido, acondutividade verdade. A natureza do suporte epistmico oferecido pelas intuies no apodtico,mas antes, revogvel. preciso notar tambm que as intuies no se apresentam, por vezes, naforma de razes, ou racionalizaes, mas na forma de um solo comum de assunes que tornam umdeterminado fato epistmico inteligvel.
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cumprir o papel epistmico que deveria cumprir. Mais drasticamente, identificamos
que a resposta de Crisp envolve uma confuso com relao ao cerne de OPS.
OPS, tal como articulada por Bergmann (e em seu surgimento com
Bonjour), tem como alvo pelo menos quatro aspectos da avaliao epistmica,
nomeadamente: a dimenso que designaremos de (1) racional (ou crtica) que diz
respeito atribuio de racionalidade ao agente no contexto relevante; por exemplo,
se Norman tem ou no motivos para achar que h uma faculdade fivel responsvel
por suas asseveraes preditivas ; (2) a deontolgica que diz respeito aos
deveres epistmicos do agente no contexto relevante, isto , se permitido ou
proibido a Norman crer na asseverao preditiva , a de uma (3) condio antiacaso
que diz respeito presena ou ausncia de mecanismo que bloqueie o acaso
epistmico (a acidentalidade da verdade da crena), de um tipo que seja
incompatvel com o conhecimento e o da (4) condutibili