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“Mulheres” como sujeito do feminismo
Publicado em 30 de agosto de 2012 por carlabarreto
O Grupo de estudos Cultura Visual Queer, que pertence ao Grupo de Pesquisa Transviações –
Visualidade e Educação, do Programa de Pós-graduação em Arte da Universidade de Brasília,apresenta seus estudos em questões de sexo, gênero e sexualidade. O grupo com encontros
quinzenais tem como objetivo, na sua primeira etapa, discutir o livro “Problemas de Gênero –
feminismo e subversão da identidade” de Judith Butler. O Programa pode ser consultado na
página do blog “sobre”.
Capítulo I . Sujeitos do sexo/gênero/desejo … 1. “Mulheres” como sujeito do feminismo
Judith Butler inicia uma de suas grandes obras “Problemas de Gênero – feminismo e subversão
da identidade[1]“(2003) identificando que na essência da teoria feminista há um
entendimento de uma identidade fixa. Tal entendimento ocorre devido a uma necessidade de
representação política para promover a visibilidade das mulheres. Porém, essa concepção vem
entrando em colapso no interior do discurso feminista, ao questionar o sujeito das mulheres,
que passa a ser reconhecido não mais em “termos estáveis ou permanentes” (Butler, pág. 18).
No primeiro capítulo – Sujeitos do sexo/gênero/desejo, discute-se a essencialização que
orienta a mulher enquanto o sujeito do feminismo. “Foucault observa que os sistemas
jurídicos de poder produzem os sujeitos que subsequentemente passam a representar” (p. 18).
A noção de sujeito é apontada como vital para a política, na medida em que esta delimitaria
seu alcance, recusas, exclusões. Quem é o sujeito do feminismo? Essa pergunta suscita tensões
para o feminismo, ao se deflagrar em território cravejado de paradoxos, expondo os
dispositivos de legitimação e exclusões, que perpetram a ideia de circunscrição, isto é, ter de
delimintar qual seria o sujeito do feminismo. Se for apenas a mulher, isso, mais uma vez, traria
a velha binaridade, aliada à heteronormativade homem x mulher. Tais questões jurídicas
propiciam impasses, na medida em que acabam por constringir as delimitações de sujeito e
suas políticas, dentro do território das especificidades duras. Nesse sentido, o discurso
feminista, ao afirmar o sujeito feminista apenas como “mulher”, estaria corroborando com a
lógica do sistema jurídico de formação discursiva sobre os sujeitos. E assim, jamais teria
sucesso sobre a emancipação das “mulheres”, pois as mesmas estruturas de poder que
produzem o sujeito do feminismo, são as mesmas estruturas que também reprimem.
Butler justifica essa análise, ao informar que a construção dos sujeitos para o poder jurídico
ocorre vinculada a objetivos de legitimação e de exclusão. Ela ainda explica que essa
legitimação do sujeito perante ao poder jurídico ainda é um vestígio da hipótese do estado
natural, localizado no liberalismo clássico invocado no contrato social.
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Chris Cunninhgam é um diretor inglês de clips de música e videoartista. Retratou em muitos de
seus trabalhos corpos e sujeitos queers. Essa imagem é do clip do artista Richard D. James
(Aphex Twin) Windowlicker.
O problema não acaba por ai. Butler ressalta sobre o problema político produzido pelo
feminismo ao supor um sujeito definido pelas “mulheres”. Ela explica que essa noção de
mulher está associada a uma identidade comum limitante que não dialoga com intersecções
nas identidades discursivamente constituídas, raciais, classistas, étnicas, sexuais e regionais, e
porque o gênero não se constitui totalmente como coerente e consistente. Além disso, a
noção freqüente de que a opressão das mulheres é única, singular e a mesma em todo o
mundo, favorece e fortalece, não apenas um movimento de universalizar práticas sexistas
ocidentais, mas também de colocar tal prática como um barbarismo intrínseco e naturalizado.
Butler levanta algumas questões que surgiram em muitos debates (pág. 21):
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Existiriam traços comuns entre as “mulheres”, preexistentes à sua opressão, ou estariam as
“mulheres” ligadas em virtude somente de sua opressão?
Há uma especificidade das culturas das mulheres, independente de sua subordinação pelas
culturas masculinistas hegemônicas?
Caracterizam-se sempre a especificidade e a integridade das práticas ou lingüísticas das
mulheres por oposição e, portanto, nos termos de alguma outra formação cultural
dominante?
Existe uma região do “especificamente feminino”, diferenciada do masculino como tal e
reconhecível em sua diferença por uma universalidade indistinta e conseqüentemente
presumida das “mulheres”?
Claude Cahun – Sem título, fotografia P&B, sem data. Fotógrafa e escritora francesa, Cahun
frequentemente trabalhou conceitos de gênero e sexualidade nas suas produções artísticas.
Essa noção universalizante do patriarcado hegemônico contribui para uma estratégia de
fortalecimento de representatividade das reivindicações do feminismo e ainda, reforça arelação binária masculino/feminino, que conseqüentemente, reforça a matriz heterossexual.
Butler sugere como ponto de partida para debater sobre a genealogia crítica das estruturas
jurídicas da linguagem e da política é o presente histórico de Karl Marx, que resumidamente
seria a crítica às categorias de identidade. Mas ela reforça que pode ser o grande momento
para o movimento feminista livrar-se de uma base única e invariável e refletir sobre a
exigência de construir um sujeito do feminismo e principalmente, construir uma teoria
feminista com “construção variável da identidade como pré-requisito metodológico e
normativo, senão como um objetivo político.” (pág. 23).
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“A identidade do sujeito feminista não deve ser o fundamento da política feminista, pois a
formação do sujeito ocorre no interior de um campo de poder sistematicamente encoberto pela
afirmação desse fundamento.” (pág. 23).
Em seu prefácio, Problemas de Gênero, a mulher, enquanto fonte de mistério, foi,
criticamente, entendida por Simone de Beauvoir, como leitura malévola, por ser excludente ,separaratista e distanciadora, produzida pelos fálicos inventores dessa trama. Entretanto, o
“objeto feminino” intervém e reverte o lugar confortável dos narradores, da autoridade da
posição masculina, expondo-os, dependentes, e desmontanto a ilusoriedade desta autonomia,
coisas da metafísica dialética hegeliana, repensando os lugares de gozo entre senhor e
escravo. Pode-se, a contrapelo, dispensar tais medidas, pois manter esses lugares de diferença
ontológicos significa manter um sistema de classificação:
“Rir de categorias seria indispensável para o feminismo” (p. 8). Esta frase desmonta o nó
mulher/feminismo, que afirmaria e se prenderia a papéis binários.
Michel Foucault, reevocando Friedrich Nietzsche, vem com a noção de “genealogia” para
recusar as “origens do gênero”, mas mapeia as narrativas e suas políticas, deixando instável a
estabilidade do feminino.
Dzi Croquettes é um grupo de atores e bailarinos, documentados no filme de Tatiana Issa e
Raphael Alvarez (2009), que subverteram a política de repressão da ditadura militar no Brasil
com seus espetáculos. “O grupo revolucionou os palcos cariocas com seus espetáculos
andróginos. Desobedientes e debochados, decidiram desrespeitar a ordem do regime militar
com inteligência. Os sapatos de salto alto e as roupas femininas propositalmente exibiam as
pernas cabeludas e a barba cultivada pelos homens do grupo.”
… 2. A ordem compulsória do sexo/gênero/desejo
Butler relaciona a distinção sexo/gênero como uma descontinuidade radical. Explica que
mesmo que possamos considerar a estabilidade do sexo binário, não é possível apenas
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considerar a “construção de “homens” aplique-se exclusivamente a corpos masculinos, ou que
o termo ‘mulheres’ interprete somente corpos femininos.” (pág. 24)
E o que é afinal o ‘sexo’? Algumas perguntas, nos ajudam a nortear para o debate:
É ele natural, anatômico, cromossômico ou hormonal, e como deve a crítica feminista avaliaros discursos científicos que alegam estabelecer tais “fatos” para nós?
Teria o sexo uma história?
Possuiria casa sexo uma história ou histórias diferentes?
Haveria uma história de como se estabeleceu a dualidade do sexo, uma genealogia capaz de
expor as opções binárias como construção variável?
Seriam os fatos ostensivamente naturais do sexo produzidos discursivamente por vários
discursos científicos a serviço de outros interesses políticos e sociais?
São questões que ainda não se esclareceram e talvez, não terão oportunidade de se
pronunciarem. Mas indiscutivelmente, Butler afirma que “na conjuntura atual , já está claro
que colocar a dualidade do sexo num domínio pré-discursivo é uma das maneiras pelas quais a
estabilidade interna e a estrutura binária do sexo são eficazmente asseguradas.”(pág. 25).
[Anna Amélia Faria e Carla Barreto]