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2 JORNAL DA UNICAMP Campinas, 18 a 24 de agosto de 2008

Fernando de Tacca

recente conflito na im-plantação da reserva in-dígena Raposa Serra doSol colocou militaresde alta patente comoprotagonistas de falas

contrárias à demarcação de terras con-tínuas e com críticas à política in-digenista atual, principalmente em áre-as de fronteiras. Vale lembrar que, seexiste política indigenista no Brasil,deve-se à ação inconteste de CândidoMariano da Silva Rondon. Engenhei-ro formado pela Escola Militar da PraiaVermelha, de onde também saiuEuclides da Cunha, o Marechal Ron-don criou em 1910 o Serviço de Prote-ção ao Índio e Localização do Traba-lhador Nacional (SPILTN), a partir de1918 chamado de SPI. Este órgão go-vernamental já trazia implícito no seunome a idéia de integração das popu-lações indígenas ao processo produti-vo nacional. A integração dos povosindígenas via ação civilizatória do Es-tado, pelas ações do SPI, não implica-va na perda das identidades e das tra-dições com a incorporação de valoresda nação. A chamada Comissão Rondon,responsável pela ocupação territorialatravés da expansão do telégrafo utili-zou mão-de-obra indígena para abrir suaspicadas na mata, e também instru-mentalizou índios para ocupar os própri-os postos de telégrafos, como foi o casodos nhambiquaras em Barão de Melgaço

Entretanto, mesmo com a inserçãodo índio como um trabalhador integra-do nas ações civilizatórias de Estado,tais ações se contrapunham às posiçõesreligiosas dos missionários, pois per-mitia a absorção dos valores e símbo-los nacionais na construção paradig-mática de um índio brasileiro de fron-teira em plenitude étnica. Com forma-ção humanística marcada pelo posi-tivismo de Auguste Conte, Rondon

implementou uma política de proteçãoàs populações indígenas e propiciou apresença civilizatória do Estado brasi-leiro em terras longínquas e de difícilacesso na selva amazônica.

Rondon, no comando da Inspeto-ria de Fronteiras, organizou uma lon-ga expedição rumo ao monte Roraima,nas fronteiras entre Brasil, Venezuelae Guianas. A expedição rumo ao len-dário complexo montanhoso foi orga-nizada com mais de 180 índios macu-xis, com suas mulheres e filhos da al-deia do Barro, que acompanharamRondon até a tríplice fronteira. O fil-me “Viagem ao Monte Roraima”(1927), realizado pelo major ThomazReis, mostra as dificuldades que a ex-

incorporá-los na idéia de nação tornou-os guardiões simbólicos de nossasfronteiras. Que a memória de Rondone dos guardiões macuxis de nossa fron-teira seja relembrada pelos militares epela sociedade brasileira, e lhes sejasomente dado o que lhes é de direito, aterra; e aos militares somente sua fun-ção, a defesa da soberania nacional eincentivadores de suas próprias memó-rias em mais ações generosas, como asde Rondon e Nutels, e que não as con-fundam com a autonomia legal indí-gena em suas reservas.

Renato Dagnino

professor Nicolsky, um dos au-tores de Inovação tecnológica:realidade e miragem (FSP-29.07.08), é um dos mais agu-dos analistas da Política deC&T (PCT). É, também, um

dos pesquisadores das ciências duras que maistem criticado a orientação que assumiu na úl-tima década.

O artigo trata de nosso desempenho tecnoló-gico avaliado pelas patentes. Como se sabe,sofrível, quando comparado com o que temostido em ciência. O qual, ressalto eu, é conseqü-ência de um enorme gasto público realizado des-de a década de 50 para formar pesquisadores.

De forma competente, o artigo mostra queaquilo que é tomado como diretriz da PCT atu-al – “transformar em patentes a ciência produ-zida nas nossas universidades” – é uma “mira-gem que se desmancha no ar”.

Existem, entretanto, outras “miragens”. A

pedição teve na travessia de rios emontanhas. A cena final do filme, comoapoteose e como ocupação simbólicada fronteira, nos apresenta aqueles quepoderiam guardá-la, os próprios habi-tantes do lugar, os índios macuxis, re-conhecidos como brasileiros. Rondonaparece segurando a bandeira nacionalladeada pelas bandeiras da Venezuelae das Guianas, em meio um grupo nu-meroso de índios macuxis, no topo domonte Roraima. E é isso que Rondonanuncia para toda a nação naquelemomento: a existência de uma popu-lação indígena brasileira naquele dis-tante lugar.

O antropólogo Antonio Carlos deSouza Lima identifica o termo “guar-

da de fronteira”, que aparece nos tex-tos oficiais do SPI, como um conceitoestratégico e como marca simbólica daocupação das nossas fronteiras por ín-dios brasileiros. As ações do médico esanitarista Noel Nutels, quando criouo SUSA – Serviço de Unidades Sani-tárias Aéreas (1956-1973) – e que pro-porcionou trabalho de atendimento mé-dico às populações indígenas no Bra-sil, contaram com a colaboração denossas Forças Armadas, principalmen-te da Aeronáutica, pois sem tal logísticaseriam impossíveis suas ações as-sistenciais.

A presença indígena na ocupaçãode nossos limites territoriais como umaproposta estratégica de Rondon ao

começar pelo fato de que essa diretriz é tão ve-lha quanto a própria PCT. E que sua reorientaçãoneoliberal da última década, que tem custadotambém muito dinheiro público concedido aempresas (inclusive multinacionais!), não temproduzido o resultado alegado.

A crítica que faz o artigo é correta. Mas porcompartilhar a obsessão com as patentes, coma inovação nas empresas e com uma corrida in-ternacional para ver quais se tornarão mais lu-crativas através da tecnologia, ele permaneceimerso na neblina ideológica que cerca a PCT.

Mesmo porque a “miragem” apontada já estásendo desfeita. Claro que de forma artificial,irrealista e ineficaz como qualquer ação guiadapor obsessões.

Os responsáveis pela PCT, tendo finalmen-te compreendido que o conhecimento só chegaàs empresas embutido em pessoas, estão prati-camente pagando para que elas empreguemmestres e doutores para fazer P&D. Eles afir-mam, contrariando o que declaram os empre-sários, que é disso que estes precisam para au-mentar sua lucratividade. Contudo, o fato de queas empresas absorvem menos de 1% dos mes-tres e doutores que se formam por ano é umsintoma claro da disfuncionalidade da PCT.

Mas há outros sintomas que indicam a ine-ficácia da PCT para elevar a propensão à reali-zação de P&D das empresas.

Entre eles, o fato de que apenas 100 empre-sas das 30 mil que inovam introduziram nomercado (nos últimos três anos) alguma inova-ção de processo realmente nova; a importânciaque tem a P&D na estratégia de inovação dasempresas inovadoras, que é quatro vezes me-nor do que a correspondente à aquisição demáquinas; o fato de que, das empresas inova-doras, só 7% mantém relação com universida-des e institutos de pesquisa e que, destas, 70%atribuem a ela baixa importância; o de que en-quanto o governo vem alocando recursos cres-centes para a P&D nas empresas o seu gastovem diminuindo em termos relativos; o de queentre as que não inovam só 12% declaram comocausa a escassez de fontes de financiamento,mas 70% as condições de mercado.

Tudo isso reforça um quadro que há seisdécadas se tenta reverter mediante políticasequivocadas. O comportamento dos empresá-rios não se deve à falta de recursos e instru-mentos governamentais. Ele é economicamen-te racional frente àquilo que percebem como“condições de mercado”; mas que deve ser atri-buído à nossa condição periférica.

Os autores do artigo defendem mais favo-res para a empresa: o que chamam de “com-partilhamento universal do risco tecnológicoentre Estado e empresa”. Mas ao manter a pro-posição, na teoria equivocada e na prática ca-

tastrófica, de que o objetivo da PCT deve serfazer com que o conhecimento produzido comrecurso público beneficie a empresa (e, comocandidamente se diz, leve ao bem-estar da so-ciedade), correm sério risco. O de reforçar omito de que a PCT é apenas planejamento neu-tro (policy) desprovido de interesses e valores(politics), e de adensar a neblina que a envolve

Para fugir da cruz da comunidade de pes-quisa a PCT está indo cair na caldeirinha dosempresários. Os que almejam um cenário me-lhor para todos devem lutar para colocá-la a ser-viço da sua construção.

Concluindo: é improvável, ainda que se des-façam as “miragens” apontadas, as empresasutilizem adequadamente os recursos que o go-verno está disponibilizando, e se aproveitem donosso potencial científico-tecnológico.

Mas, se isso vier a ocorrer, e aí entraríamosnum debate muito mais relevante, será que sub-sidiar a empresa para torná-la mais lucrativa aju-dará a resolver os desafios tecnológicos e cientí-ficos daquele cenário? Será que é na “com-petitividade empresarial” que devemos depo-sitar nossa esperança de desenvolvimento?

“Miragens”e neblina da nossa política de C&T

Guardiões de fronteira

O

O

Fernando de Tacca é antropólogo e professorlivre docente do Instituto de Artes da Unicamp

Rondon no topo do monteRoraima, na fronteira doBrasil com a Venezuela ea Guiana Inglesa, com as

bandeiras dos trêspaíses, e acompanhado

de índios macuxis, em 27de outubro de 1927

Renato Dagnino é professor titular do Instituto deGeociências da Unicamp. Este artigo foi publicado na

Folha de S. Paulo no último dia 8

Guardiões de fronteiraFoto: Reprodução

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